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FÁBIO GOMES Editor de Brasileirinho - A Sua Página de Música Brasileira - www.brasileirinho. mus.br arte: Luiz Gustavo Insekto
A importância do Livro e da Leitura
mistura &manda
WELLINGTON LAVAREDA wlavareda@zaz.com.br
P
or que será que a televisão, vez por outra, mostra, no intervalo de um jogo de futebol que está sendo transmitido, um jogador com um livro nas mãos, recomendando a leitura? Por que será que a mídia e o governo vêm enfatizando que as pessoas precisam ler? Por que será que grandes empresas nacionais vêm incentivando programas de intercâmbio cultural como, por exemplo, as chamadas Rodas de Leitura, onde o leitor e o escritor se encontram para bater um papo descontraído, riquíssimo pela troca de experiências? Por que será que as escolas procuram inovar, à cata de leitores entre seus alunos, premiando àqueles que despontam nesta seara? Por quê, então, toda essa celeuma em reação ao livro e a leitura? Será conseqüência da divulgação de relatórios pouco ou nada abonadores, onde são enfatizadas deficiências no desenvolvimento intelectual dos jovens, notadamente em fase escolar? Ou será resultado das entrevistas e reportagens - jornais, revistas e televisão - com pessoas de renome e com carreiras de sucesso que, sistematicamente, dizem, apontam, indicam, sugerem, enfim, são unânimes em dizer quão importante é o livro e a leitura? Ou será a propaganda de alguma poderosa editora multinacional interessada no mercado brasileiro de livros? Simples, a resposta: a leitura continuada, prazerosa, permanente, sem nenhuma discriminação quanto a autor e tipo de literatura, é o maior e mais poderoso veículo de inclusão social. Melhor até, diria, que muitos dos programas chamados “sociais” que existem por aí. Sim, inclusão social, pois é ela - a leitura - que todos reconhecem sem nenhuma dúvida como sendo o melhor e mais importante caminho para um sólido desenvolvimento intelectual, para o desenvolvimento de habilidades, de competências e para uma completa socialização do leitor. E ler, eu acredito nisso, não é privilégio de quem tem dinheiro “sobrando”. Afinal de contas as bibliotecas existem e estão disseminadas por aí. Já existem até minibibliotecas ( Projetos Arca das Letras, Leitor Solidário e tantos outros) com público-alvo bem caracterizado! Livros existem, aos borbotões. Cuidado, portanto, ao abrir um armário em algum lugar desses. Você poderá ser, literalmente, soterrado por livros, livros e mais livros. Livretos ou dicionários, para todas as idades e gostos, de todos os gêneros: do romance à ficção, da crônica à poesia, da vanguarda ao arcadismo, da crítica feroz ao lirismo. Daí alguém dizer que não lê, porque não tem dinheiro, é apenas uma desculpa esfarrapada de quem não sabe usar o tempo que dispõe em busca de um futuro melhor. A pessoa que lê tem discernimento, tem opinião própria, tem futuro. E não tem medo de enfrentá-lo. Afinal de contas, qual é o futuro que nós queremos para nossos netos? Sim, é verdade, nós já estamos construindo o país para os nossos netos. O do nossos filhos é esse que está aí, em que ainda estamos lutando- e muito, muito mais do que seria decente fazê-lo - em razão de premissas erradas, de sonhos destruídos por promessas vãs e de muita conversa fiada pra boi dormir ouvida por muito tempo. A intimidade com a leitura nos pouparia de tudo isso.
* TEA+R MÚSICA BRASILEIRA – O mês do 2º aniversário do Brasileirinho (que entrou no ar em 17 de outubro de 2002) marca o início da parceria do site com a Fundação dos Administradores do Rio Grande do Sul (RS). O acordo consiste em incluir no projeto Tea+R (Tempo Espaço Aplicado + Resultado), da FA.RS, módulos dedicados à Música Brasileira e às Artes Visuais. Para outubro, estão previstos uma Oficina de Cartum (dias 13 e 14), além de encontros de 4 horas de duração, à tarde, abordando vida e obra de Tom Jobim (dia 19) e Elis Regina (dia 21). Encerrando a programação do mês, um encontro sobre os Períodos Ditatoriais do Século XX (dia 28), com a interferência do Estado Novo (1937-45) e da ditadura militar (1964-85) na produção cultural e a reação. A programação segue a partir de novembro, inclusive no verão, contrariando velho hábito porto-alegrense. Acompanhe pela Agenda Cultural Brasileirinho (brasileirinho.mus.br/agenda.htm). * NOVO CD DO CLUBE DO CHORO - Quem entrou no estúdio é o Clube do Choro de Porto Alegre, selecionado no edital de junho do Fumproarte. Já não era sem tempo: o primeiro CD do Clube saiu há seis anos! O grupo tem ensaiado três músicas, que grava em seguida, para aí escolher mais três e assim por diante. O presidente do Clube, Runi Viegas Corrêa, ressalta que esse método está deixando um clima de "ao vivo" no que é gravado. Quanto ao repertório, por enquanto é segredo. O segundo CD do Clube do Choro, assim como o primeiro, é uma produção de Márcio Gobatto. * BRASILEIRINHO FINALISTA DE PRÊMIO DO MinC - É com grande alegria que informamos aos nossos leitores que o Brasileirinho foi finalista do Prêmio Rodrigo Melo Franco, promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), vinculado ao Ministério da Cultura. O prêmio se destina a reconhecer ações de proteção, preservação e divulgação do patrimônio cultural brasileiro, levando o nome do fundador do Instituto. Escolhido ainda em julho de 2004 como a melhor ação de divulgação da cultura brasileira entre os inscritos no Rio Grande do Sul (12ª Superintendência Regional), o Brasileirinho disputou em agosto em Brasília com os préselecionados das outras 14 regiões em que o IPHAN divide o país. A ação vencedora na Categoria Divulgação na etapa nacional foi Índios na Visão dos Índios proposta por Esperança da Terra e apresentada pela 7ª Superintendência Regional (Bahia). * CHEGA DE RÓTULOS - A necessidade que algumas pessoas sentem de "rotularem" as outras foi lamentada por Viviane Juguero ao participar do programa Sem Fronteiras, de Glênio Reis (Rádio Gaúcha, Porto Alegre), em 4 de setembro. Ela contou que ouve muitos questionamentos do tipo: "Mas vem cá, tu és atriz, escritora, cantora, compositora...", ditos de uma forma em que fica evidente o desconforto da pessoa com a múltipla abordagem artística de Viviane, que acresentou: “Eu sou uma artista que quer se comunicar com as pessoas. Eu não me considero uma violonista, mas se tocar violão me ajuda a expressar o que quero dizer, é um recurso que eu vou usar.” Não se preocupe, Viviane: só os medíocres rotulam as outras pessoas.
* BOSSA NOVA NO CONGRESSO - Os deputados federais dedicaram a tarde de quinta, 26 de agosto, para homenagear a bossa nova numa sessão solene na Câmara dos Deputados (Brasília). Não sei de nenhum fato relativo à BN ocorrido nesse dia, mas mesmo que houvesse algum, a homenagem ficou sem propósito em meio ao "esforço concentrado" que Suas Excelências houveram por bem fazer em plena campanha eleitoral. Após vários dias de "esforço", apenas uma medida provisória foi votada em plenário. Me parece que quem melhor definiu o nada-a-ver da homenagem foi a repórter Juliana Alvim, da Rádio CBN: “Um banquinho, um violão e nenhuma votação”. * A BEM-HUMORADA KARINE CUNHA Karine Cunha está gravando seu primeiro CD, baseado no repertório do seu espetáculo Fluida, que já rodou Porto Alegre. É difícil dizer em que Karine é melhor, se compondo ou cantando. Na dúvida, marque um palpite duplo. Fiquem ligados que vêm por aí canções como "Fogueira", que remetem a um Brasil interiorano que ainda existe, e sambas como "Amado", comparando o ser amado com um doce. O bom humor (e a capacidade de improviso) são marcas registradas de Karine. Em show no Santander Cultural no dia 10 de julho, alguém da platéia fez uma brincadeira com "Corcovado" (Tom Jobim), cantando "Um banquinho, um violão...", quando ela pediu, além do violão, o banquinho de Marcos Bonilla para tocar "Batucada". Na hora, Karine acrescentou: "... e o Binho Terra na percussão/ Eu vou ser feliz a vida inteira...". * FIM DO BEBENDO DO SAMBA – A quinta e última edição do Bebendo do Samba aconteceu no dia 28 de setembro, na Casa de Cultura Mário Quintana. O projeto nasceu para levar ao público novos sambas de autores porto-alegrenses e vinha sendo sucesso de público. A sala Luís Cosme quase sempre lotava, mesmo que não houvesse muita divulgação. Ironicamente, o Bebendo do Samba acabou pela omissão dos compositores, que não vinham levando músicas novas para serem cantadas no projeto. * SANATÓRIO GERAL - Os 60 anos de Chico Buarque, completados em 19 de junho, continuam sendo comemorados em todo o país, sem previsão de término. Porto Alegre tem promovido vários eventos para celebrar o fato. Tive a satisfação de participar em dois deles: uma palestra sobre a vida e a obra de Chico, dentro da série Mega Eventos , no dia 30 de setembro, além de fazer a fala de abertura do evento Sanatório Geral, em 9 de julho, na Cia. de Arte Café, que contou com o apoio do Jornal Vaia e do Brasileirinho. Foram muito aplaudidas as atuações da cantora Luciana Pauli (da banda Anahata), acompanhada de João Mayer ao violão, e da atriz Daniela de Aquino, que esteve soberba no trecho que apresentou da peça Gota d ’Água, de Chico e Paulo Pontes. Outra atriz, Rosaura Costa, leu dramaticamente as letras de "Cálice" (Gilberto Gil - Chico) e "Milagre Brasileiro" (esta assinada por Chico como J u l i n h o d a A d e l a i d e ) . Tam b é m s e apresentaram Trio Macambira, Sil, Zé da Terreira, Coca Barbosa, Otávio Santos, Érica Santos, Júlio C. S. Souza, Edu Saffi, Fernanda Lopes, Mozart Dutra, Giovanni Mesquita e Maria Carmen, entre outros. Ao final, o DJ Fred colocou todo mundo pra chacoalhar o esqueleto com uma seleção de Chico, Alcione, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Tim Maia, Jair Rodrigues, Elza Soares, Jorge Ben e outros grandes benfeitores da Humanidade.
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Estatuto
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da
Solidão
O
jovem escritor carioca João Paulo Cuenca formou-se em Economia e deixou de lado a profissão para dedicar-se à prosa. Se o mundo das finanças perdeu um analista, a literatura ganhou um escritor de mão cheia, interessado mais em canalizar seu olhar estético sobre o mundo que o cerca do que conjeturar sobre mercados. Melhor para a literatura, que se enriquece com um ficcionista que estréia com o pé direito.
Tendo sido revelado durante o I Festival Literário de Parati em 2003, seu sucesso valeu o ingresso na editora Planeta, que lançou seu primeiro livro, o romance “Corpo presente”. A obra vem merecendo receptividade unânime da crítica e a leitura das primeiras páginas dá-nos a sensação de estarmos diante de um veterano, tal a segurança e o domínio do processo narrativo. Tal condição coloca esse escritor de 26 anos na posição confortável e promissora de um dos talentos de sua geração, alguém que não está preocupado em recorrer aos artifícios da linguagem palavrosa e etiquetada para impor a sua arte, mas fazer dela um espaço de questionamento do seu tempo e do seu lugar no universo. E o lugar que serve de cenário e matéria à sua investigação literária é Copacabana, território mítico e ao mesmo tempo laboratório para a reflexão sobre a decadência, o vazio existencial e a fugacidade da vida moderna. “Corpo presente” chama atenção não só pela porosidade do tema, mas também pela disposição dos capítulos, divididos em números primos, uma tática formal adotada pelo autor não como invencionice ou qualquer tipo de malabarismo vocabular e irreverência inócua, muito comum em certa literatura que viceja por aí e senta praça mais pelo grito do que pela criatividade e coerência. Aqui, a forma de escrever sem obedecer a uma linearidade do discurso nem à disposição numérica ou lógica dos textos ou fragmentos não é inusitada, mas uma maneira que define a própria condição dos personagens, “divisíveis por eles mesmos e por um”, numa clara alusão às muitas vidas e diversos enquadramentos que uma trama ou a própria vida podem provocar ou representar. Os fragmentos que enfeixam o livro são verdadeiramente histórias que se intercalam e se interpenetram perpassadas por uma paixão, e podem ser lidos autonomamente. A paixão enfocada é representada pelo dilaceramento e pelo vazio de dois seres, sendo Carmem o objeto desse amor. A situação é narrada por alguém que "anda pelas ruas procurando o que pensar", mas obcecado na missão de escrever sobre as muitas carmens que habitam essa mulher. E nessa incursão ele vai desnudando a vileza da vida urbana do Rio, entre noites e dias em que trava uma batalha contra o anonimato e a solidão, numa cidade cheia de seduções e propícia aos devaneios. Ao longo do livro, Cuenca se lança a um desfile de situações, tipos e ocorrências, explicitando mundos obscuros, na fronteira entre o real e o imaginário. E no registro desse quotidiano capturado ou elaborado, há cenários de vileza onde o “mondo cane” emerge sem solenidade ou pudor - como aquele trecho que inaugura o livro em que uma mãe se masturba enquanto amamenta o filho -, mas que o autor, habilidosamente, os (re)constrói com poesia e sensibilidade.
A figura de Carmem é o protótipo da descartabilidade das re(l)ações quotidianas, dos sentimentos difusos e da vida que poderia ter sido e não foi, feito o poema de Bandeira, como elucida um dos trechos do livro: “essa procura pelo meu reflexo dentro dos seus olhos representa o caos. Paixões corriqueiras e semanais - eu estou sempre disposto a largar tudo e me perder dentro do espelho. Eu estou sempre abrindo portas e jogando tudo pra depois, perdido entre lençóis sujos, cabelos pintados e uma infinidade de cheiros de mulher". A personagem adquire inúmeras projeções e contornos, ela existe e interage com seus múltiplos espectros. Funciona como um ícone, um totem ou um fetiche alucinatório: encarna todas as idades, todas as feições e condições sociais. Travestida de heroína ou perdedora, é o símbolo dos confrontos individuais e coletivos, das contradições próprias do homem sempre dividido e incompleto. Assim como Alberto que surge na história e ajuda a compor esse mosaico e se confunde às vezes com o próprio narrador, simbolizando o caos e a diluição das vidas abordadas, com seu nomadismo, suas incertezas, sua falta de perspectivas, de identidade ou de referenciais. Tais ambivalências e confusões que se instalam tanto na perspectiva do narrador onisciente e ao mesmo tempo estraçalhado pelas vistas que se superpõem, quanto na dos protagonistas, acabam por definir o ritmo da história, que vai traçando um painel da própria realidade psicológica e social. Em algumas passagens, o autor promove uma fusão entre a prosa e a crítica, perceptível no uso de um vocabulário que evidencia a preocupação com os valores estéticos e uma discussão em torno da função da arte e da vida num mundo coisificado e vulnerável. Nota-se aí um certo influxo filosófico, sem resvalar no pedantismo ou derrapar em pruridos demasiadamente intelectuais. “Corpo presente” é um romance que espelha a geração do autor, ressonância de uma dicção autêntica, de um período que viveu o refluxo da ditadura, já sem aqueles referenciais de resistência e arroubos de indignação que caracterizaram as décadas anteriores, tempo fecundo para uma literatura engajada e de resistência.
No entanto, a geração de Cuenca não precisou do trampolim do grito político para deflagrar sua arte e isso é demonstrado na sua prosa autônoma, não condicionada àquelas motivações políticas e ideológicas. Nem por isso deixa de ser questionadora de um outro “status quo”, traduzido pela sociedade de consumo em que vivemos, tributária da globalização, em que a alienação, a mediocridade e a cultura de massas vão impondo um veloz escalonamento de valores, com suas hegemonias culturais e seu fundamentalismo econômico-financeiro, tão perniciosos e bestializantes quanto a privação de liberdade e pensamento pós-64. O tempo atual tem sim repercussões alienantes e apassivadoras, que deságuam na perda da identidade e na instauração de uma sociedade de “vidiotas e internéscios”, como diria o saudoso José Paulo Paes. E os personagens de Cuenca incorporam a desilusão diante de tudo isso e procuram uma espécie de exorcismo desse terrível estatuto universal que disseminou a solidão e a incomunicabilidade. “Corpo presente” não deixa pedra sobre pedra, toca nas feridas, é tenso e denso. Só podemos esperar isso de um autor com a juventude e a disposição de mergulhar nas emergências e angústias de seu tempo e fazer a catarse, dar o salto, olhar à frente: a sinceridade na reprodução desse universo social e humano, com seus dramas e suas delícias, com seus paradoxos e suas esperanças, doa a quem doer. A literatura de João Paulo Cuenca, não obstante beber nas fontes da angústia e da escatologia, é humana e provocativa. Como Fernando Sabino há cinqüenta anos marcou presença com “O encontro marcado” ao fazer um retrato candente de sua época, com todos os ingredientes da rebeldia e da busca da verdade e dos sonhos, Cuenca, noutro tempo e noutro lugar, disseca com a mesma ênfase os encontros e desencantos pós-moderno, mergulha de corpo & alma na realidade, mas sem deixar escapar, por mínima que seja, a possibilidade para um trânsito onírico, em busca da utopia realizável.
RONALDO CAGIANO
Uma viagem desencadeia tudo. Franklin Jorge, Cascudo em Movimento.
A
procissão entrou no mar devoluto.
Entre dunas erodidas e o mar morrente, o casario desarrumado, inóspito, pouco hospitaleiro, sobre a areia encardida.
O violonista FELIPE AZEVEDO estará fazendo 4 shows de prélançamento do seu terceiro cd, PÈRCUSSIVÉ, de 28 a 31/10/04 no Teatro de Arena (Av. Borges de Medeiros, 835 - F:3226-0242) às 20 horas. O CD tem participações especiais da cantora paulista MONICA SALMASO e do percussionista carioca MARCOS SUZANO. Ingressos: R$ 10,00 (20% de desconto para Clube do Assinante ZH - R$ 8,00) Antecipados na Bamboletras ( Fone: 3221-8764) Estudantes e Idosos: R$ 5,00
El hálito de la lámpara dora el triángulo moreno convidando a la creación del mundo como lo pintó Gustavo Courbet. Cuchillo mi sexo cuchara el tuyo compartiendo las mismas delicias alcanzaremos lo más generoso del paraíso goce, niño? fruto milagroso que saldrá de tu cuerpo. JACQUES CANUT
O coro cantava um mantra ao avançar em passo lento do morro até a água rasa daquela praia de veraneio, no limite do Ceará. Vestiam maiô e calção de banho coloridos. A vila rústica de Timbau é uma terra seca, estéril e areenta, entre Salinésia e Macatuba. Os nativos ainda conservam o costume de jogar o resto do copo sobre a poeira, numa libação arcaica ao frescor. Naquela amarelidão de deserto, bando de cabras transumantes vagueiam na praia cinzenta, já um pouco implodida pela especulação imobiliária. Vivem soltas nas dunas e tabuleiros de Tibau. Ariscas e brincalhonas, dão saltos mortais esticando o pescoço; bodejam; correm sobre a areia, fugindo das maretas, jovens machos caprinos indóceis. Cabriteiam na praia coberta de conchas e mica. Sob um sol petulante. Amarelo. Digno de Portinari. Rogério voltava agora ao mar primordial de sua infância, restituído ao elemento primevo por uma fraternidade de mãos que se elevam acima das cabeças, erguendo a urna de pedra que algum dia pertencera a um templo da Birmânia, há séculos invadido pela erva hostil. Morreu e foi cremado em Nova York. Suas cinzas, enviadas para Macatuba, foram espalhadas sobre o mar de Tibau, naquela estranha cerimônia. Ao crepúsculo, o sol deixa no céu uma nódoa vermelha.
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“Tierras de promisión” Ed. Cálamo - España, 2004
FRANKLIN JORGE “Ficções Fricções Africções”Ed. Mares do Sul, 1999
ALMA E POESIA CRISTALINAS
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ristalino D’Alma (Tecnicópias, 2003), terceiro livro da porto-alegrense FERNANDA GAUTÉRIO PEDRAZZI nos presenteia uma poeta com a capacidade de amar a vida, a natureza e as pessoas. Conforme prefácio de Nilza Ferraro, Fernanda “tem coração e alma puros, em permanente estado de beatitude e sua poesia é leve, etérea, cistalina mesmo, e descomprometida com o dimensional. Ela voa como pluma e transcende ao infinito nas asas do vento”. Após a estréia poética em 1997 com Espelho de Estrelas, em Cristalino D’Alma comprovamos a maturidade nos versos de Fernanda, onde ela remove véus de seu interior e nos fala dos anseios mais profundos de seu coração. Cristalino D’ Alma demonstra o instante feliz do encontro da autora com a flama eterna da poesia.
DESPERTAR...II Mar salgado verde aurora, amanhecer Céu violeta dando a luz brisa dançante espreguiçando início de sonho navegando canção vagando pelo mar...
Aqui dentro de mim, livro de poesias da carioca Rosália Milsztajn, poderá ser encontrado à venda na Livraria Bamboletras (Fone: (51) -3221-8764). Contatos: rosália@ig.com.br
VAIAFESTA: MÚSICA, POESIA E CERVEJA O 5º encontro litero-etílico-musical, rolou no dia 08 de agosto no histório Bar Ocidente. O evento cultural organizado pela confraria do Vaia e pelo DJ Tom, teve participação dos compositores Luis Mauro Vianna, Ita Arnold, João Mayer, Felipe Azevedo, das bandas Na Vereda e Caixa Preta, além do Sarau Literário e de projeção de curtas-metragens gaúchos no telão. Ao lado, alguns registros da festa.
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P. J. RIBEIRO “Besouros Falantes” Totem Edições- 2004
Cerimônia do Adeus
Hoy me ha llegado la noticia. Lloré de rabia al saberlo y a Dios le pedí justicia, al hombre debo de hacerlo. Pero que han hecho esos niños? Pero que han hecho eses viejas? Pero que esta haciendo el mundo? Que no prohibe las guerras. La gente se mata y mata por un palmo más de tierra. Hoy me llora más que nunca este alma de poeta Llora una rabia impotente y grita la herida abierta. De verdade...hay que unirse los poetas de la tierra. Tenemos que construirnos una barrera de amor, de calor, de besos. Y todos juntos de la mano, cual si fuésemos hermanos invoquemos por la paz. A los que mandan y a los que matan, a los que esconden la mano, que les lleguem nuestros versos en Araba o en Cristiano. Que compredan para siempre, que ya sea Dios, o Ala, si estamos sobre la tierra, que no frenen nuestra carrera. Unámonos los poetas, juntémonos nuestras manos, lancemos nuestra protesta y escribamos nuestro verso. Será la mejor respuesta, para esa horrible agresión, pues tanta es su sin razón que el mudo llora de pena. Unámonos los poetas, gritando nuestro canto de dolor. Nuestra voz será de siembra y nuestro verso Paz y Amor...
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- Quem te deu este colar? - Quem me deu calor. - Quem te deu calor? - Quem me escutou. - Quem te escutou? - Foi seu doutor. - Que seu doutor? - Do coração, que é seu não.
DESPUES DE LA MASACRE
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COLARES
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MANUEL GONZÁLEZ ÁLVAREZ Madrid - España
“Gato é um poema de bigodes” Laurene Veras
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Orlene
surtos
Lembro-me de ti como quem tem saudade de uma presença azul. Saudade descabida, porque não me faltas: és o dia, tenso feito leque, desenvolto sobre mim. E contigo assim, para além da memória, vou vagando, indefinido, por esse tempo que é, todo ele, um mar aberto de dias tensos, leques espraiados.
POÉTICOS Aquiles À vida calma, optou pela guerra: Aquiles. Tétis, tua mãe, matava seus filhos querendo imortalizá-los, mas quando nasceu o sétimo, resolve banhá-lo no Rio Stix, segurando-o pelos calcanhares: seu corpo não é mais vulnerável (fica apenas com um único ponto fraco). Esta mesma mãe te adverte, antes que partas para Tróia: “Morrerás em breve, mas tua fama será eterna.” (Escolhes a fama e a morte rápida.) E o guerreiro comandará frota de 50 navios. Não indo para a luta, teu destino será a morte por velhice. Aquiles: o oráculo avisou teu pai, Peleu, que morrerias junto aos muros de Tróia. O pai tenta ludibriar a profecia: disfarça-te como mulher e te esconde. (Outro oráculo disse a Ulisses que Tróia não seria conquistada, se Aqulies não fosse junto.) Voluntarioso, não escutaste a ordem de Apolo para não seguires adiante. Segues: então, o deus guia uma flecha para o teu calcanhar, guerreiro Aquiles. É a mão de Páris que a envia, e a flecha revela teu ponto fraco e tua finitude, que não te permitiu a velhice. Te apaixonas pela filha de Príamo, Polixena, mas o amor não é mais possível: o tempo é de guerra. Tróia está perdida, como o destino de todas as gerações que “caem como as folhas das árvores”. (Homero na “Ilíada”.) Então, Ulisses desce ao Hades e encontra os mortos da guerra de Tróia.
O descenso da atonia Sol e mar da eternidade, o mundo não é minha irrupção de cada ocaso, a ruína que se erige no fragor da agonia, a falência de doar o que silencia. Parto o sumo pingando no sonho, o pingo crescendo no rio: e só perco o fastio porque caio toda vez que principio.
Cidade alada Vou colorir teus poemas tuas canções... Vou colorir meu coração Vou colorir-me para te dar mais amor... Vamos voar no céu azul... Quero andar em tua cidade Alada Encantada Onde o amor nos uniu... Vou colorir-me de arco-íris Sobrevoar as praias voar contigo por sobre os montes e os horizontes Para semear no mundo na vida este sublime amor!... FERNANDA PEDRAZZI
Os meninos mergulharam em frente aos carros Dilatados ao sol de Botafogo Manequinho não parava de mijar A água amarela desfraldada caía na cabeça Dos incríveis mergulhadores que morreriam Em alguns dias na Candelária Buzinas impacientes Anunciavam Como os golfinhos Um assassinato A mulher na esquina alimentava pombos órfãos Que juntavam-se em grupos a bicar o milho Ela vira muitas vezes os pombos famintos Abriram-se os semáforos Carros engrenaram a primeira Os meninos com sorrisos d’água Saíram da piscina natural Molhados de inocência Rosália Milsztajn autora de “Aqui dentro de mim”
Marcos Bagno “Poetas Mineiros em Brasília” Ed. Varanda, 2002
para Mathilde Steinbruch
Qaíqe Qomé qaiqe@yahoo.com.br
Emanuel Medeiros Vieira
Órfãos
A tua presença em mim, saudade deslembrada, é a largura azul de um oceano extinto.
“Cristalino D’ Alma” Tecnicópias, 2003
Lugares Certos Durante o dia guardo muitas coisas, mas não sei onde eu coloco a vontade de amar. Em que gaveta se põe? Logo eu, que aprendi a por tudo nos lugares certos... Aprendi a lidar com falta de tempo e falta de verba, mas não sei como acomodar esta fartura de sensações, de sentimentos que transbordam, rolam no chão, saem por baixo das portas, resvalam pelas ruas e não se encaixam na triste seriedade de todos os dias. A inquietude desce até encontrar seu destino e nem sempre esbarra na auto-censura porque sou humana e quem assim me fez, agora, que me contenha. Magali Vidal Domingues
A AURORA DELICADA ILUMINA A MELODIA FUTURA E AS ESTRADAS NOS MOSTRAM, COM INCANDESCENTE CREPÚSCULO POÉTICO O ARCO-ÍRIS COM CINCO MIL CORES. GOTAS DE ORVALHO NA NOITE! GRITOS FRATERNOS NA AMÉRICA! CHEGARÁ O COMUNISMO... COMO ARMA IMORTAL DO FUTURO. UM FILHO NO MUNDO! UM NOME NA HISTÓRIA! RETRATA AS GOTAS QUE CHORAM TRASMUTANDO O SER EM ÊXTASE. CLÁSSICA LOUCURA INCANDESCENTE! O POETA RUSSO, ORQUESTROU-ME... NA SÍNTESE DE GRITAR NAS RUAS O FUTURISMO DO MEU CÉREBRO ANATÔMICO
Ita Arnold músico
Na madrugada ela escreve com sua mão pequena e leve. Não escreve com estrelas, não com elas por sabê-las. Escreve com a saudade, com dores passadas e risos futuros. É noite alta na cidade, e o crescente é bom augúrio. Sorriso do céu quando dorme, a lua é um vaga-lume enorme, pousado no teto escuro. Na noite fria de outono, com a lua ela vem conversar. Trocam mistérios e versos, às vezes, até de lugar! Sobre as idéias aladas, por coisa alguma no universo, a ninguém ela diz nada. Por isso é boa confidente: Por que sabe guardar as mágoas e os segredos sorridentes. Guarda tudo numa caixa da cor da luz do poente. Ela é assim, maga da noite. Uma sílfide disfarçada! À espera da aurora reinventa sonhos, de dia finge não ser fada.
Laurene Veras
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ENTREVISTA
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onaldo Cagiano, mineiro de Cataguases, vivendo há mais de 20 anos em Brasília, é poeta, prosador e crítico literário. Acredita na palavra como instrumento capaz de modificar o homem e o mundo. Sua literatura ataca as mazelas e feridas da sociedade contemporânea, seja Brasília, Cataguases, ou qualquer outro lugar. Ainda que reconheça ser tarefa quase quixotesca e utópica, faz uso do verso e do conto para compreender o mundo e torná-lo menos indigesto. Autor de cinco livros de poesia publicados e da antologia de contos “Dezembro Indigesto” (2002), Cagiano prepara novo volume de contos. Fernando Ramos
Ronaldo, você poderia apresentar-se aos leitores do VAIA, falar um pouco sobre a sua biografia pessoal e literária? Nasci em Cataguases, cidade do interior de Minas marcada por tradições culturais e movimentos estéticos e de vanguarda. É lá que surgiram o cinema brasileiro, com Humberto Mauro, no início da década de 1920, e o círculo literário da revista “Verde” (1927-1929), uma vertente do modernismo paulista de 22, tendo como signatários Ascânio Lopes, Enrique de Resende, Francisco Inácio Peixoto, Guilhermino César (que nos anos 30 radicou-se definitivamente em Porto Alegre), Martins Mendes, Oswaldo Abritta e Rosário Fusco. Sou filho de um barbeiro e uma servente de grupo escolar, nascido numa família modesta, mas que desde a mais tenra idade teve profunda ligação com a literatura. Primeiro como leitor, depois, na pré-adolescência, escrevendo os primeiros versos, estimulado pelas leituras de Augusto dos Anjos, cuja poesia despertou-me como um soco no estômago. Que autores você leu na sua formação literária? Quais deles causaram maior impacto na sua vida? Tendo iniciado minhas viagens literárias nos poemas de “Eu e outras poesias”, não demorei a atalhar-me por outras veredas, descobrindo Drummond, Bandeira, Bilac, Alphonsus de Guimarães, Jorge de Lima, Thiago de Mello, Ferreira Gullar, Cecília Meireles, Adélia Prado, Hilda Hilst, chegando a Neruda, Maiakovski, Pessoa, García Lorca, José Martí, Sá Carneiro, John Donne, Walt Withman, E.E. Cummings, T. S. Elliot, Ezra Pound e por aí vai. Na prosa, minha descoberta e meu espanto vieram no mergulho em Clarice Lispector, Samuel Rawet, Rosário Fusco, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Dyonelio Machado, Cyro dos Anjos e depois Kafka, Camus, Faulkner, Thomas Mann, Dostoievski, Tolstoi, Eça, Vergílio Ferreira, essa irmandade que vou (re)descobrindo nos etcéteras que se multiplicam. Que fato ou experiência de vida trouxe a literatura para a sua vida? A vida em si aproximou-me da literatura. Ela é a sutil e fiel fornecedora de matéria e circunstância para a confecção literária dessa pátria enigmática composta por poetas, contistas, cronistas, teatrólogos, ensaístas e filósofos. Desde cedo as emanações do espírito e da consciência, as indagações profundas do ser, as inquietações, a inconformidade com o “status quo” foram consubstanciando em mim uma atmosfera bastante singular. Eu me percebia dissociado da realidade, das pessoas medíocres e alienadas, da mentecapticidade efervescente da sociedade consumista e fetichizada pelo deus-mercado.
Preferia passar horas inteiras enfurnado em um bom livro a pagar pedágio num campo de futebol ou envilecer-me diante da televisão, com todo seu espectro de passividade e banalização. A literatura, como toda arte, é a confissão de que a vida não basta, disse Pessoa. E esse tem sido meu evangelho, meu leitmotiv. E minha senha para manter-me vivo no meio de cidades cheias e homens vazios é um velho lema que li em Kafka: “tudo que não é literatura me aborrece”.
O ser humano sempre buscou e busca essencialmente pão e liberdade. Sabemos que no Brasil o pão é escasso e restrito somente a uma parcela da população. E a liberdade, o sonho da liberdade do brasileiro? A literatura, que é uma fonte do sonho, atinge em que medida a população do país e que valor ela possui em nossa sociedade? Não há sociedade completamente feliz, nem mesmo nos Estados em que há pleno atendimento das condições sociais e econômicas, em que liberdade e democracia funcionam sem restrições. O homem é um ser em eterna busca. E só sobrevive, porque ainda não perdeu algo essencial, atávico: sua capacidade de indignação. A liberdade está diretamente associada a essa condição, que numa das pontas tem o sonho e noutra a necessidade utópica de afrontar os limites, derrubar barreiras, desatar algemas psicológicas, morais e políticas e afirmar-se socialmente pela independência de pensamento e pela autonomia de ação. A literatura é uma das formas primordiais de se alcançar, “a priori”, esses objetivos, é o único território, como nos diz Northrop Frye, onde podemos ser verdadeiramente livres. Nem a religião dogmática, nem a política sectária, nem o patrimônio (financeiro e material) podem nos garantir isso, muito pelo contrário, são fatores de opressão, submissão e infelicicade.
“A palavra serve, basicamente, como instrumento de resistência, de libelo, de arejamento de consciências, de acicate nas feridas.”
RONALDO
CAGIANO Se é que existe, qual é a função social do escritor brasileiro? Nem a literatura nem o escritor têm uma função social. Acredito, porém, que a palavra serve, basicamente, como instrumento de resistência, de libelo, de arejamento de consciências, de acicate nas feridas. O escritor não veio para explicar, muito menos para mudar, mas, fundamentalmente, para inquietar, gerar inconformismo e, a partir disso, provocar no homem a capacidade de renovação que lhe permita compreender o mundo e torná-lo menos indigesto.
O crítico e escritor paranaense Miguel Sanches Neto disse em um de seus recentes artigos que “o mundo precisa de contos”. O que você, que é um escritor que também escreve contos, pensa sobre essa afirmação? Concordo com o Miguel Sanches Neto, que apregoa a necessidade do bom conto para/como leitura humana do mundo. Ele, que tem sido, inegavelmente, um escritor sintonizado com as angústias de seu tempo e os problemas existenciais, captando, essencialmente, as nuances da alma humana, consegue transplantar para seus contos, poemas e romance, aquele sentimento do mundo de que nos falava o poeta itabirano. E o faz sem nenhum proselitismo nostálgico, sem nenhum recalque sentimentalóide, mas com a responsabilidade estética de comunicar seu mundo, a partir de uma visão aguçada e reflexiva da sua realidade (interiorana, provincial, afetiva, como a minha), numa perspectiva tolstoiana, que, a partir da aldeia, do quintal de casa, enxerga o mundo. Sim, o mundo precisa do conto, a forma mais refinada de ressonância de nossa experiência vital. E precisa não só do bom conto, em nível de um Machado, de um Tchecov, de um Autran Dourado, mas também de romances, densos ou sutis, que tratam do grande mistério que é a solidão, o isolamento e a incomunicabilidade da vida moderna. Você pode ser considerado mais poeta do que ficcionista, pelo menos publicou mais poesia do que prosa. Que significado tem a poesia para você? Minha produção literária começou pelos poemas, como já disse, influenciado pela leitura de Augusto dos Anjos. Tendo publicado mais poesia, no entanto, produzi prosa durante toda a vida, a qual desovei em publicações esparsas em antologias, revistas e jornais, depois reunindo no volume “Dezembro indigesto”, que ganhou o Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária 2001. Daqui a pouco, publicarei uma reunião de novos contos, inéditos, escritos nos últimos anos, que enfeixo num volume a que dei o título de “Concerto para arranha-céus”. A poesia continua significando para mim o reduto de minhas expansões oníricas e metafísicas. Continuo poeta, sigo ficcionista, a escritura se manifesta em mim nos diversos gêneros e eles se fundem caleidoscopicamente para expressar meus questionamentos e minha maneira de exorcismo, comunicação e espanto diante das coisas. Se sou escritor, só o futuro dirá. Só sei que escrevo para tentar anular as tensões e o sofrimento impostos pela realidade. E para não enlouquecer.
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Você acompanha a produção literária brasileira de hoje? E quanto à poesia brasileira contemporânea, o que você tem a dizer? Que poetas brasileiros contemporâneos conseguem captar aquele sentimento do mundo a que você se referiu antes? Ainda que as editoras prefiram publicar prosa, principalmente romance e novela, vindo depois o conto, por razões de mercado, a produções poética não cessa e estamos vendo por aí muita gente nova surgindo, seja em produções independentes, seja em blogs ou páginas na internet. Há uma safra de bons poetas sintonizados com a emergência de seu tempo, captando os desvarios existenciais e fazendo da poesia um território de múltiplas reflexões, com uma dicção própria, sem adesão a modelos passados ou a vanguardismos requentados. Entre os novos, destaco: Fabrício Carpinejar, Iacyr Anderson de Freitas, Edmilson de Almeida Pereira, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Donizete Galvão, André Luiz Pinto da Rocha, Alexandre Pilati, Cristina Bastos, Micheliny Verunschk, Leonardo Almeida Filho. Enfim, temos muitas novas e boas vozes nesse cenário, formando uma geração que sabe a que veio, com uma proposta formal e conceitual bastante definida e com qualidade estética para se firmar no cenário da literatura contemporânea.
A cidade se des(d)enha em seus próprios labirintos: pelos leitos assimétricos de pedra e asfalto corre pressuroso um rio de animais metálicos.
para Ângelo Nonato de Sousa Lima
Há pessoas lendo mais e escrevendo mais, independente do gênero. É um fenômeno que podemos notar, o crescimento do hábito da leitura, ainda que não haja qualquer programa governamental de incentivo e considerando que o livro ainda é um produto caro em nosso país. Quanto à produção literária, há novos autores, tanto produzindo poesia como ficção, por pequenas ou grandes editoras, o que é alentador.
Dicionário de pequenas solidões
Você não acha que há mais pessoas escrevendo poesia do que leitores de poesia hoje em dia?
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Não há mais lugar para os homens. Anônimos, como areia na ampulheta, mergulhamos, atarefados, em busca da outra margem: a utopia. A metrópole, como um ventre, espera o desconhecido, e na solidão geométrica nascem catedrais de ausências. Onde está a saída nesse beco sem saídas - sumidouro da viabilidade humana, território labiríntico onde a morte, Minotauro reciclado, resiste aos fios que uma Ariadne qualquer em vão estica?. Um mar proceloso de corpos e olhares é o que aguarda na escura projeção desses lugares sem nome e sem epiderme. Contemplo os faróis acesos e só me resta esperar um novo fluxo divergente de pessoas silenciosas, que cruzam conosco absortas & macambúzias (oh, artérias obstruídas pelas mazelas da urbanidade individualista) e, como se rumassem a um funeral, vão à luta sem nenhuma esperança. No lugar em que me inscrevo como criatura, tento capturar a primavera, na expectativa de calar os obituários com o gesto das novas manhãs, mas seres homiziados entre girassóis transgênicos e a fúria neolilberal, gente morrendo viva no tédio dos prédios públicos, onde vicejam bancários bovinizados e funcionários infelizes, cadáveres adiados em seus currais de vidros.
Quanto à minha produção, sempre escrevi poesia e prosa, no entanto optei por publicar poesia até mesmo pelas condições econômicas, já que minhas obras sempre tiveram uma produção independente, por pequenas editoras, sem distribuição, sem apoios de qualquer espécie. Quando resolvi reunir meus contos escritos ao longo dos anos, coincidiu com a abertura do Concurso "Bolsa Brasília de Produção Literária", da Secretaria de Cultura do DF, tendo a obra vencido o concurso, depois foi publicada com recursos públicos.
“Dezembro Indigesto” é uma reunião (ou antologia) de 25 contos em que aparecem, predominantemente, a preocupação com a realidade cotidiana, a situação política, a solidão e a morte. Os personagens desses contos sofrem com a angústia, o vazio da vida cotidiana, a face absurda da realidade e com o abjeto Cagiano, você estreou publicando poesia. exercício do poder. Queria que você E desde os anos 80 você vem publicando falasse como é que se dá a transposua produção poética em livro. Só em 2002 sição ou recriação da realidade que aparece o livro de contos "Dezembro você vive e observa para a literatura Indigesto", publicado com o apoio da Bolsa que você faz - no caso estou falando Brasília de Produção Literária. É mais Lygia Fagundes Telles, Ronaldo Cagiano e Marcelino Freire dos contos. E como isso aparece em difícil publicar livro de contos do que “Dezembro Indigesto”? de poesia? Foi uma escolha pessoal ou Nesses contos, que foram escritos em épocas o mercado editorial não oferece espaço diferentes, eu procurei dar voz a esses seres para publicação de novos autores desarticulados, desenraizados geográfica e contistas? psicologicamente. Uma espécie de testamento de meu tempo, daquilo que vi e vivi desde Sempre foi difícil publicar livro no Brasil, minha infância, de minha percepção acerca sobretudo longe dos grandes centros, onde da derrocada política do país e do apartheid concentra-se o mercado editorial. Principalsocial que vivemos em qualquer lugar do mente porque, havendo uma profusão de mundo. MEUS CONTOS, NA VERDADE, MAnovos autores, as editoras não podem conPEIAM O VAZIO EXISTENCIAL, AS CRISES templar os nomes que vão surgindo, preferem INDIVIDUAIS E POLÍTICAS, O CONFLITO optar pela segurança de autores já consagraPERMANENTE DO HOMEM CONSIGO MESdos, afinal de contas editora é um negócio MO, A DESILUSÃO COM O PODER, A PAScomo outro qualquer e por visarem ao lucro, SAGEM DO TEMPO, O QUESTIONAMENTO jamais apostarão num escritor para perder. DE VALORES. Penso que retratei o reino das Por isso, é sempre para o novo autor uma impossibilidades, que é fruto da vida margitarefa hercúlea sobreviver nesse meio onde nalizada, dos homens vazios, de um tempo impera um certo darwinismo literário. de coisificação e etiqueta, em que mais vale o ter ao ser. É MINHA MANEIRA DE DEIXAR PATENTE MINHA INDIGNAÇÃO: TOCANDO “Dezembro Indigesto”, primeiro livro de contos do mineiro radicado em Brasília Ronaldo Cagiano NAS FERIDAS. V
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90 ANOS DE LUPICÍNIO RODRIGUES stamos comemorando noventa anos da vida de Lupicínio Rodrigues, aquele que em seus depoimentos musicais autobiográficos trouxe ao cenário bufão da música popular brasileira a tradução exata da alma dos descornados: a famosa dorde-cotovelo. Imortalizado em milhares de interpretações pelos mais diversos nomes do cancioneiro nacional, Lupi era um daqueles sujeitos que se percebe de longe que é de muito boa índole, muito simples e popular. O que se consegue confirmar graças às várias centenas de documentos e depoimentos que existem nos mais diversos lugares e nos mais diversos níveis sociais, bendizendo sua grandeza. Para comemorar noventa anos sem máculas, nós do Vaia, recorremos à história e emitimos notas litero-musicais fiéis à preferência do artista. Sabemos que a história é definitiva e nada a mudará. Cremos que naquela alma poética de constante e real magnitude morará, decerto eternamente, a felicidade que se possa ter de haver sido, sobretudo, um homem singular, especialmente designado. Um toque de mística, de categoria, de classe e inspiração da vida num dia de chuva da Ilhota para o mundo. Nascer na Ilhota, um bairro humilde na época, em Porto Alegre, dá à naturalidade de Lupicínio uma paralelização com as grandes figuras do samba e do jazz. Vários dos nomes mais importantes da notoriedade têm seu berço em lugares socialmente remotos e histórias de vida surpreendentes. O que nos faz ter certeza de que num país como o nosso, muitos nomes importantes surgirão todos os dias das ruas dos subúrbios. Altaneiros ao preconceito. Acima da existL ncia das elites. Além da retrógrada indiferença dos governos. Cumprindo, evolutivamente, uma maravilha ética e natural da cidadania. Motivo pelo qual temos de estar sempre social e culturalmente atentos.
Uma das coisas que Lupicínio Rodrigues mais gostava, segundo depoimento ao Pasquim, era, além de sofrer por mulheres, das interpretações que Jamelão, o grande tenor do samba, sempre deu para as suas músicas. E isso por um motivo muito simples: Jameln o, com muita temperança e ciência, jamais deixou de cantar a obra de Lupicínio exatamente da forma como ele a havia composto, sem mexer na melodia ou na letra original, o que o tornou o intérprete predileto do compositor. E vamos convir que, às vezes, determinadas versões que aparecem cantadas por outros artistas são, realmente, grosso modo, de muito mau gosto.
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DOIS DEPOIMENTOS SOBRE LUPICÍNIO: “O que eu me lembro é que a gente sempre trabalhava juntos, ali no antigo restaurante Top Top, no Cine Marabá, na Cidade Baixa. Aí o Lupi chegava assim, quando alguém pedia para ele cantar uma música: “Ainda não afinei. Espera um pouquinho que eu ainda não afinei.” Daí ele ia lá, tomava uma coisinha e voltava: “Pronto, já estou afinado. Faz um sol maior, aí!” Uma das passagens mais lindas dele eram essas daí. E aí ele cantava: "VocL sabe o que é ter um amor meu senhor..." O Lupi era um cara sensacional. Ele tinha um coração aberto com todo mundo. A gente sempre falava nele, assim, com uma esperança de vê-lo de novo, de se encontrar com ele de novo. Era uma maravilha o Lupi. Gente fina!”
PLAUTO CRUZ músico
Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, RS, em 19 de setembro de 1914. Foi o inventor do termo "dor-de-cotovelo" que, ao contrário do que se propagou como inveja, - se refere à prática, comum nos bares, do homem ou mulher que senta ao balcão, crava os cotovelos, pede um whisky duplo, faz bolinhas com o fundo do copo e chora o amor que perdeu. Lupi, como era chamado desde pequeno, tinha três grandes paixões em sua vida: a música, o bar e as mulheres. A música poderia ter convivido com tranqüilidade com as outras duas, mas as mulheres em sua vida jamais entenderam ou conviveram com sua paixão pela boemia. Constantemente abandonado, Lupi buscava em sua própria vida a inspiração para suas canções, onde a traição e o amor andavam abraçados, afogando as mágoas na mesa de um bar, onde, finalmente, conseguia unir suas paixões: amor, música e boemia. Com versos profundos, conseguia tocar todos os corações que paravam para ouvi-lo, dando a cada um a sua própria história. Ninguém soube, como ele, cantar a dor e a desilusão de forma tão genial, sem cair em clichês e lugares comuns. Todas as pessoas que um dia choraram um amor ergueram, sem dúvida, um brinde à Lupicínio. Faleceu em Porto Alegre, em 27 de agosto de 1974.
Tentam impor aspectos de uma modernidade inadequada que se traduz forçosa e desgastada. O supervirtuosismo abstrato é indesculpável. O eletronismo careta não se compara à preciosidade do primarismo acústico. Portanto, a originalidade do violão do professor Darcy Alves (nosso ilustre amigo, ex-componente da banda de Lupi), há de ser sempre mais importante que qualquer tentativa inglória de recriar a beleza sublime da MPB. Há de ser documento fidedigno da memória de um tempo, que se aproxima do contemporâneo e percebe que a noite de hoje nem se aproxima do glamour das noites boêmias de Lupicínio. Enquanto isso, nesta bifurcação intelectual, segue para um lado a tentativa endoidecida de encontrar rumos estéticos e para outro vai Lupi, jazendo e vivendo, imortal, com aquele seu jeitinho tímido e frágil, no imaginário saudoso de cada um dos seus fãs e amigos, que jamais o deixarão morrer. Hoje, é possível relembrá-lo com agradecimento, orgulho e carinho, em todo seu talento. Lupicínio dos tempos. Lupicínio dos templos das rodas de samba. Lupicínio do pensamento, que parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar? LUIS MAURO VIANNA músico e compositor
“O tio Lupi gostava muito de mim. Chamo ele de tio por que quando eu era uma menininha, a minha mãe me botava na frente de casa, toda arrumadinha, com vestidinho engomadinho, todo bonitinho, e o Lupi vinha e me pegava junto com o meu tio e me levava para o armazém pra me ensinar samba. E a minha mãe ficava uma fera e dizia que aquilo era samba de vagabundo. Mas eu voltava para casa cantando samba. Quando a minha mãe me procurava, ele já tinha me levado. Ele gostava muito de mim. Até os últimos dias dele. Lupi foi um exemplo pra mim. Ele ficou ali, resistindo, na música, e eu só sei que ele sofreu bastante para vencer, assim como eu. Para mim, até hoje ele não morreu. Lupi sobrevive por tudo que era. Ele sabia amenizar a gente. Eu ficava braba e ele vinha me dizia: “Não filhinha, vai devagar (não queriam que eu cantasse, porque eu não era profissional, né?) que tu ainda vais ser uma grande cantora!” Mas foi ele quem disse quando eu cheguei do hospital, recém-nascida, que seria uma cantora, porque eu estava chorando afinada. Minha mãe até hoje diz: “Foi ele quem deu teu destino”. Se dependesse da minha mãe eu teria sido professora. Eu só consegui mesmo foi dar o canudo de cantora para ela. O que é quase a mesma coisa (risos). O Lupi é muito importante para mim até hoje. Ele ia me ouvir depois de crescida e adorava dizer: ”Ninguém canta Volta como a Zazinha!” - Ele adorava me ouvir. Dia desses, eu fiquei irritada porque eu queria cantar Volta e não me deixaram. São essas coisas da modernidade. Eu tenho uma música que é minha, que eu fiz, pedi para ele arrumar, e ele mudou umas coisinhas, que é aquela: uma mesa num canto/ um cigarro apagado/ uma porta que bate/ foi alguém que saiu/ que me abandonou/ que não acreditou que tudo se renova/ mas quando tudo acontece/ a gente se perde, nem pode falar/ não tem esperança que um dia de novo/ possa amar outra vez...Ai, como eu sofri em perder este amor/ e lamentei por um tempo perdido/ que um dia em teus braços/ feliz me entreguei/ Ai, como eu sofri em perder este amor/ e lamentei por um tempo perdido/ que um dia em teus braços/ feliz me entreguei.” (Zilah Machado & Lupicínio Rodrigues)
ZILAH MACHADO cantora e compositora
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CAMERATA BRASILEIRA
ENTREVISTA: VAIA - O choro ainda é música de gueto, com espaço restrito e com pouca visibilidade na mídia?
VAIA - Então, da geração do Rogério não houve uma ponte, uma continuidade com a geração de agora. E pra fazer um festival de choro hoje aqui em Porto Alegre, o que falta, grana, estrutura? Moysés - O que falta é vergonha na cara dos músicos. Algumas iniciativas que tem por aí acabam morrendo na casca, por falta de interesse de muita gente. A Oficina do Choro começou legal, quando era novidade tava indo bem, agora tá enfraquecendo, já ouvi o Luis Machado, que é o coordenador, se queixando que tem ido pouca gente. Então, pode botar festival, dinheiro, que vai continuar ruim. Porque falta também uma base. É um problema de organização e formação dos músicos. E o projeto que a gente faz na Casa de Cultura, chamado Roda de Choro, que era semanal, agora está sendo me nsal, porque está dimu indo a procura. VAIA - Qual é a formação musical de vocês? Mallmith - A minha formação é informal. Comecei com cavaquinho, gostava de samba, mais tarde que fui me interessar pelo choro, meu pai me deu de presente um disco de choro, era uma coletânea, Chorinhos de Ouro, aquela coisa né... Aí fui atrás de outros discos. Nessa época tocava cavaquinho. O violão de sete veio há pouco tempo. Anderson - Minha formação era do samba. Tocava tantan, tamborim, surdo. Sempre estudei samba. No início não curtia muito o choro, tinha um pouco de preconceito com o choro, por causa daquela coisa de a música não ter letra e tal. Entrei no Camerata poucos dias depois de ter comprado meu primeiro pandeiro. Comecei a escutar o básico, Jacob, Waldir Azevedo... Só que não entendia nada, nem sabia a diferença da primeira pra segunda parte. VAIA - E teve algum disco ou músico que tu ouviste que causou impacto, modificou o teu aprendizado? Anderson - Teve. O Serginho, do Tira Poeira. Vi como poderia se usar o pandeiro. Não precisava só fazer o acompanhamento, dar o pulso pra música, podia solar, brincar, acentuar os tempos de maneira diferente. Moysés - O jeito de tocar é diferente, não existe a idéia de cozinha. Anderson - E o Serginho tirou essa linguagem da percussão ouvindo jazz, criando outras coisas, sendo livre. E hoje ouço muito jazz. Acho que é por aí. Moysés - Comecei a estudar violão aos 12 anos, por influência de meu pai. Não sei bem porque mas já comecei estudando violão erudito. Depois, na faculdade descobri os compositores modernos e de vanguarda e dali caí nos modernos brasileiros: Camargo Guarnieri, Radamés Gnatalli, Villa-Lobos, Guerra Peixe. Depois abandonei a música por 8 anos. E no meu retorno, me voltei pra música brasileira, pro choro. Luis - Cresci ouvindo muito samba. Meu pai gostava muito de samba e queria que eu tocasse violão. Fiquei uns 2 anos só tirando música e tocando cavaquinho e violão, sem maiores pretensões. Quem me apresentou o choro foi o Luis Machado. Me ensinou a ler partitura, a parte teórica. Ouvia Jacob, Pixinguinha, mas não me entusiasmava muito, não era aquela coisa: “ Bah! É isso.” Até que um dia ouvi uma fita do Hamilton de Holanda e aí bateu. Pô, gostei pra caramba, falei: “É isso!” Comecei a ouvir a origem daquilo que ele fazia, ouvir todos os tradicionais e a curtir mesmo.
Fredy Vieira
Moysés - Tá melhorando, bem melhor do que quando a gente começou. Anderson - A gente esteve em Santa Catarina agora e falou com o Rogério Piva, neto do Túlio. Ele se se surpreendeu e perguntou se tinham outros grupos aqui em Porto Alegre. Pô, claro, tem muita gente nova e boa aparecendo, o Bem Brasil é bom pra caramba. E o Rogério viveu outra época do choro aqui. Ele deixou o choro de lado e passou a tocar jazz porque tava diminuindo o espaço pro choro.
Da esquerda para a direita: Moysés Lopes e Anderson Balbueno (em pé); Rafael Ferrari, Rafael Mallmith e Luis Barcelos (sentados), chorões do Camerata. Essa rapaziada gente boa e que faz uma bela música está lançando seu primeiro cd, “Deixa assim...”, que tem no repertório Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Radamés Gnatalli, Kim Ribeiro, Henry Lentino, além de composições próprias. Neste bate-papo eles falam sobre a amizade, a formação musical de cada um e, claro, a alegria de tocar choro. Fernando Ramos
VAIA - Vocês pensam no público quando estão compondo ou ensaiando para um show? Moysés - A Elizeth Cardoso falou numa entrevista uma coisa que a Clara Nunes também falava: “faço um público pra minha música e não música para um público”. Acho que é isso. E não tem como agradar a todo mundo. Quando a gente se encontra, ensaia, compõe, arranja, pensamos que quem tem que ficar contente com o resultado somos nós cinco, o resto é só conseqüência. Anderson - E o bom disso é que a gente faz música pra gente mesmo, não tem que fazer pra agradar o pessoal da velha guarda ou pra agradar o pessoal da... Ferrari- ... nova guarda (risos)... VAIA - O que significa o cd “Deixa assi m...”
pra vocês?
Luis - Acho que é um registro do nosso momento atual. E também marca para cada um a nossa relação de amizade nesse momento. A última faixa, Diário, música do Kim Ribeiro, mostra exatamente o retrato do nosso trabalho e amizade, a gente ensaiando, viajando pros shows, é a cara da gente andando por aí. Mallmith - Concordo com o Luisinho, é um registro daquele momento que a gente viveu. Pra mim representa a persistência de seguir tocando, insistir em tocar choro, é a resistência de ir até o final. Ferrari - Lembro que lá pelos meus 5/6 anos ficava ouvindo junto com meu pai os discos da Bethânia, da Gal, do Djavan e decorava e cantava todas as músicas. E isso foi muito importante pra mim. De uma forma indireta, esses momentos com meu pai foram uma influência. É isso que me atrai na música, é o prazer, a tranqüilidade de ouvir e tocar coisas boas. E quando peguei o CD para ouvir pela primeira vez, olhei o encarte e fiquei emocionado, com os olhos cheios de água. Esse CD traduz, além do trabalho, a nossa amizade, o respeito que cada um tem pelo outro. Anderson - Pra mim, no CD aparece a identidade de cada um, é um pouco de cada um de nós. Se tu pegares cada música, tu vais ver a formação e a contribuição de cada um. O Moysés aparece com toda a bagagem de informação na Suíte Retratos. No Czardas aparece toda a nossa vontade e garra de tocar, coisa de guri misturando funk e frevo. Em Carinhoso tem a suavidade do Ferrari. Mallmith trouxe seu bom gosto nos arranjos que fez. Moysés - É um marco pra mim. Ele representa muita coisa que quis fazer desde que era criança. Fiquei encarregado do planejamento e produção do CD. Foi uma vitória pessoal grande. E uma conquista nossa. Também acho que é um momento que ficou documentado aí. Hoje a gente já toca bem diferente. E a gente amadureceu muito rápido como grupo. Eu sei disso porque tenho 38 anos, a minha história conto em anos, não em meses. Já vi muita coisa acontecer. O grupo andou rápido demais, e amadurecer tão rápido assim é difícil. Cada um traz as suas influências. E o que permite a confluência de influências para dentro do grupo é a amizade, é falar a mesma língua, cada um permite isso aos outros. E isso não é assim tão fácil. Luis - Outra coisa é que a gente começou juntos. Todos, exceto o Moysés.
VAIA - E como é que foi a escolha de repertório e arranjos pro CD? Moysés - A gente começou a gravar só com a metade do repertório que tá aí. Semanas antes de entrarmos em estúdio, fazíamos um cronograma do que cada um ia fazer de arranjo. Ferrari - O que tinha de certo era que ia ter uma do Jacob, outra do Waldir e também era certo que ia ter uma do Pixinguinha. Depois conhecemos o Kim Ribeiro, a gente gostou, e o Moysés pegou pra fazer o arranjo. Queríamos colocar um gaúcho, aí escolhemos uma do Henry Lentino. Já tínhamos um esboço de arranjo pra Czardas, que depois o Luisinho terminou. Pedi pra fazer o Pixinguinha e acabei escolhendo o Carinhoso. Outra coisa que a gente acha legal é tocar músicas de compositores que estão vivos. Aí abre espaço pra outros compositores, inéditos, pra torná-los conhecidos, e também pra mostrar as nossas músicas. Outra preocupação era mostrar, digamos, a cara camerística do grupo, escolhendo alguns clássicos. E misturando músicas inéditas com clássicas, quem ouve vai discernir o que é composição do que é arranjo. Se a gente tem coisa nova pra apresentar em termos de arranjo, quem ouve saca o que a gente criou ali, interpretando um clássico. Anderson - Todo mundo contribuiu pros arranjos e gravação, mas quem deu condições e foi fundamental pro CD acontecer foi o Moysés. Moysés - O que acontece é que eu já passei por muita coisa, tudo isso que vocês viveram e estão vivendo eu já experimentei. Só que na minha época não aconteceu. Eu tocava muito, mas simplesmente não acontecia. Isso me frustrou muito, tanto que fiquei 8 anos afastado da música. E, de uma hora para outra, a vida me deu a possibilidade de as coisas acontecerem. E aí, pensei, agora sei como fazer. É um problema de formação e experiência cultural. Acontece com todo mundo, músico, advogado, engenheiro, o pessoal sai da faculdade sem saber pra onde ir. Me esborrachava estudando, eram 10/12 horas de estudo. Fui solista de orquestra no Uruguai, Argentina, e não aconteceu nada. Hoje, sei que pra ter sucesso relativo na carreira precisa tocar bem, mas tocar bem é só uma pequena parte, o resto são as condições... tocar bem é detalhe. Então, fico feliz, porque se consegui passar essa experiência pra eles, quem sabe, agora, eles possam passar isso pra outras pessoas. E talvez daqui a alguns anos i s s o s e j a u m e f e i t o m u l t i p l i c a d o r. Luis - E, é claro, a gente continua fazendo música por amor à música. Isso é fundamental, mas tu vais viver disso? Moysés - E é engraçado, porque às vezes tu tens amor à música mas não consegue viver para a música, aí tem que fazer outra coisa. Só que o que te faz realizado numa profissão é o amor que tu tens por ela. Aí pinta um conflito violento. VAIA - Falem da música-título, “Deixa assim...” Moysés - Nós já tocávamos um choro do Luisinho e outro do Ferrari. E aí pedimos uma música pro Mallmith. Pegamos pra fazer o arranjo, ficou legal. Aí perguntamos pra ele qual era o nome da música e ele falou: “pois é, não sei... Deixa assim...qualquer coisa assim...” Luis - Isso mostra um pouco o nosso lado despretensioso mesmo. Uma coisa meio largada... VAIA - Pra terminar nosso bate-papo, queria saber o que é o choro pra vocês? Moysés - É uma maneira de ver o mundo, é um modo de vida. É viver para a confraternização, porque o choro, acima de tudo, é uma música de confraternização. Luis - E o choro começou assim: os chorões se r e u n i n d o p r a t o c a r, c o m e r e b e b e r. Moysés - É uma forma de celebrar a vida. V
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A POESIA DE CADA DIA
Esse que te humilha, já foi sustentado Pela força, pela tua essência, E ao perceber em ti a decência Viu um animal fácil de ser roubado.
Irmanação
Por que me choram em autêntica condolência? Nada sou além desse substancial abstrato, Dessa emotiva desfragmentação de meu extrato, Nesse imenso monturo, inerte em ambivalência. Em minha bebedeira, saúdo o porre que é viver. Os que me choram, choram-me para esquecer Do abandono do sonho em mim projetado, Não de minha imprestável elegia ao degredo, Escrita nas paredes, pelos dias de tão bêbado. Choram por que ninguém merece ser chorado.
Digitais Com as linhas da palma de minha mão, Cerzi minha veste última e fúnebre, E no recôndito mais frio e lúgubre Da alma, enterrei meu coração. Um dia despertei, desesperado e fracassado, Sentido a inutilidade da força de meu braço. Minha boca apenas sibilava uma canção, Que como o desprezo, pesava-me feito condenação. Sentindo o cheiro do cadáver apodrecendo, Com meus próprios vermes vou convivendo. Tentando entender o que fizeram à minha sorte, Com minhas esperanças ou algo que me valha. Com os traços de minha originalidade fiz a mortalha. Depois lavei-me, e me resignei para a morte.
Charles Abegg (charlesabegg@yahoo.com.br) mora em Porto Alegre. Autor de “Mortalha e outros poemas”, 2004 - ed. do autor.
Esse que te humilha, te é bem lembrado; Conhece-o de um tempo imemorável que vai, E já considerou-o como teu ser amado. Esse que te humilha, era amigo; A traição dele é a ficha que agora cai, Percebendo que o ódio era antigo.
Esse que te humilha, estava no chão; Vivia torpe em uma vida trevosa, Quanto tu ofereceste tua aura luminosa, Sem saber que se tratava de um ladrão. Esse que te humilha, é um bastardo; Só teve um nome por tua piedade, Por conta de tua autenticidade, Que não reconheceu o valor de ser adotado. Esse que humilha, bebe e dá risada; Gargalha de ti, essa grande piada, Que não viu a maldade nem por um instante, Por compaixão de ver alguém agonizante.
Esse que te humilha, era amigo; Foi-se junto com a sorte que se esvai, Quando percebeu que eras um vencido. Esse que te humilha, é um desvalido; Cuidou dele sem dizer nem um ai, E hoje foge de ti por seres um falido.
Esse que te humilha, agora goza em gemidos De prazer, a perversão em sodomia pura, Enquanto pratica sua indiferença surda, Ao teu choro desesperado em ganidos.
Esse que te humilha com o desprezo, Afiou a faca para que outros pulhas Cortassem tuas esperanças mais puras, Enquanto a vida te lançava ao degredo.
Esse que te humilha, não é nenhum profano; Foi teu melhor amigo, teu progenitor, Teu protegido, tua mãe, teu amor. Assim como todos, é apenas mais um ser humano.
Lembrança Hoje, fui até o bar que não freqüentamos Acho que ninguém perguntou por ti, Nem perguntou aonde eu andava, e eu ali, Tentando lembrar da bebida que nunca tomamos.
Singeleza A casa é pequena E suja Mas a hospitalidade, É ampla Para os amigos que chegam.
Respondi-lhe que continuava não lhe vendo, Como tem sido ao longo destes anos, E lembrei-me dos beijos que teriam sido insanos. Do amor seu que nunca fui, e continuarei sendo.
Para os amigos que vão, É tanta Que sempre deixo A TV ligada para distrair meus fantasmas.
No caminho até o bar, passei na casa Que nunca vivemos, e ali, parado, estava Um grupo de amigos que nunca tivemos. E junto com esses que jamais compartilhamos, Saí-me ébrio para beber-te mundo afora. Ao filho que nunca tivemos, dei uma esmola.
autolirismo
dor da palavra
as flores do rio
os olhos no trem
sou poeta não escrevo nas nuvens
dói em mim a palavra dos que falam sem nunca serem ouvidos fica no orvalho apenas um gesto de silêncio
sou feliz como os insetos escrevo na asa dos pássaros no inverno me tornei lajedo as cabras freqüentam-no como destino único destino lúcido dos poetas o de procurar talvez ovelhas no rebanho de tardes azuis ou na chuva das flores silvestres no fundo dos rios
o trem não existe mais na estação se espera outra fantasia de ferro
palavras mantenho cheias de rios versos secos de rima poesia toca o hímem da terra no aviso dos pássaros a vaca estrela cativa meu olhar uma bicicleta com asas anda no meu outono
profecia tenho uma profecia feita no deserto a beleza é a pedra no rígido espaço azul
ode aos sessenta sonho chego aos sessenta sonhos ouvindo as águas querendo cantar como os pássaros (àqueles que se espantam com as gaiolas) procurando espaço no que se perde nas distâncias contando estrelas no céu sem noite fazendo poema com a flor da estrada olhos nas fêmeas que pisam em lodo recatadas falando baixo para não ouvir o ruído da sombra carregando vento na tempestade a tiracolo esses sessenta sonhos não são salmos bíblicos são pedras e trajetórias que se esperam do menino na pele da palavra com os pés no rio Barros Pinho, poeta piauiense, nascido na ribeira do Parnaíba. Autor de “Carta do pássaro”, 2004 - Ed. Escrituras.
cadê o trem do menino tá chegando tá chegando tá chegando no fim da tarde e os olhos fixos no trem
o pássaro não sei como sou não sei nome tirado na rotina da bíblia coração de fruto e de pedra no corpo de cajarana os rios nos pés sempre limpos as tardes nos olhos inexpressivos não sei como sou não sei o azul soberano na pele das cores a estação ferroviária sozinha dói tanto dentro de mim um velho muito alegre embrutece-me toda a tristeza um menino com aspecto triste dispensa rápido a alegria não sei como sou não sei só sei que invejo o pássaro que se não paga imposto de renda sabe encher de salmos o verde da terra
Fernando Ramos
Enganei a todos em meu velório, Pois compareci bêbado de verdade, Caindo como chuva sem necessidade, Rogando pragas sem salmo responsório.
Esse que te humilha, te é bem conhecido; Olhe bem que é tua mãe e teu pai, Em um tempo que te chamavam de filho.
A POESIA DE CADA DIA
Luto Real
V VI
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LEIS DO OUTRO MUNDO
U
D
ois pedaços, apenas isso: dois pedaços, pontos de partida. Lembra A Vida, Modo de Usar, do Perec: se percebes ter em tuas mãos um pedacinho mínimo de um quebra-cabeça, e te atentas para a ossatura da sua forma, o capricho de seus contornos e aquela convicção de fazer parte de um todo que tão bem cai em peças de quebracabeças, então, quando aquilo te convence de que só existe porque pertence a um universo que depende daquela insignificância para ser completo, então, aí então, percebes que não sabes merda nenhuma sobre o quebra-cabeça. No entanto, se por um desses raros acasos que pouquíssimos mortais têm a sorte de presenciar e reconhecer, se por um mísero acaso percebes não só a existência de duas peças de um mesmo quebra-cabeça, mas, abismado, entendes também que ambas se unem perfeitamente (ossatura, contorno, tema, capricho, imagem e semelhança), aí, então, abismado, percebes que não sabes merda nenhuma sobre o quebra-cabeça. E nesse instante o romantismo não é mais do que pares de olhos úmidos mirando uma triste pá e um pobre saco de cal a se transformar lentamente em jazigo, olhos que afundam na nuca para acatar os vermes da memória, que apesar de tudo sentem saudades do que pretendiam ver. E por si mesmo movem-se, dois pedaços, apenas isso. Entretanto é o que somos, mais do que nada, relações, pontos de partida uns para os outros, mesmo que a paixão ou o apaixonado mais dia ou menos dia terminem por desencaixar ou se perder. Cláudio Santana
...e se cada pitbull assassinasse seu dono, o mundo estaria livre da metade de seus idiotas!
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- Escrever: Escrever é transgredir os códigos. Escrever paralisa os hipócritas. Escrever é a vingança do mais fraco. Escrever equivale a um lento suicídio. É o ato mais próximo do suicídio. Quero disciplinar-me a escrever com uma raiva fria. - Morrer: Antes morrer de Aids do que de tédio. - Mulheres: As mulheres seriam os melhores amigos do homem, se soubessem distinguir sexo de amizade. * Poeta e jornalista de Ceará Mirim/RN.
QUE CAGADA, CIDADÃO!!!
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JUSTIÇA ELEITORAL VOTA BRAS IL
CABINA DE VOTAÇÃO
VOTE NULO
EMPREITEIRA IL PARNASO CONFECÇÃO E REFORMA DE SONETOS, ÉCLOGAS, BALADAS E TERCETOS
Contamos com uma grande equipe de Técnicos em Poesia* para criar (ou recriar) na hora o seu Soneto, Écloga, Balada ou Terceto. Basta trazer o tema! Promoção do Mês: Sonetos com o tema AMOR a R$ 1,00. Sonetos com o tema ROSAS a R$ 2,50. E ATENÇÃO: Grande Saldão de Trovas a R$ 0,01 (isso mesmo: um centavo!). Temas variados (dentro daquela variação de SEMPRE): Amor, Saudade, Esperança, Natal, Cristo, Amizade, Deus. Aviso: Não trabalhamos com temas pornográficos e neologismos. Grato. www.ilparnaso.com.br * Com registro na ABL
Criação e manipulação clipártica:
SAMMIS REACHERS
CRUZADAS MANJADAS 2
(De) Liberação E a outra metade “resolveríamos” pondo chumbinho nos Big Mac’s!
(Adaptação de verbete do Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce)
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Luiz Gustavo Insekto
O Pinto
de Franklin Jorge*
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HORIZONTAIS - 1- Composição poética de 14 versos - Marca de sabão em pó - 2- A primeira mulher (bíbl.) - 17a. consoante Vantajoso - 3- Recíprocos - Também - 4- Brazilian Larápio’s Organization(Congresso) - País do leste europeu arrasado por guerras - 5- Naquele lugar - Páraco de aldeia - Graciliano Ramos, escritor - 6- Vogal - Relembra - 7- Provável futuro marido Latido - “Ponto (...)”, programa sobre sexo na tv aberta - 8Proeminência - Persuadir - 9- Divisão do tempo geológico em períodos - Tremores - 10- Pessoa muito parecida com outra Garganta (pop.) - VERTICAIS - 1- Rostos - 2- Célula sexual feminina - Elemento químico metálico, precioso - 3- Nascido Sorteio feito por meio de bilhetes numerados (pl.) - 4- Vogal 20a. Letra do alfabeto - Sacio - Iodo (símb.) - 5- Arma de fogo artesanal - Alcaides Anônimos - 6- Consoante - Solução orgânica ou mineral usada como medicamento - Ingrid Bergman, atriz- 7- Unânio (símb.) - José (...), escritor - 8- OrdemTruculenta da America do Norte- Substitui o ator em cenas perigosas - 9- Alivia - Provedor - 10- Lubrificar com óleo - Surra.
O Labirinto só existe para que nossas Fugas venham a se cruzar. Sammis Reachers
V Número 13 - Outubro 2004 V I vivavaia@ig.com.br
V
ma nave de extraterrestres em visita ao nosso planeta, a fim de conhecer algo sobre as leis que nos regem, pousa na Praça dos Três Poderes numa tarde de quintafeira, cidade quase vazia. Pedem lpara ser levados ao nosso líder . Mas o presidente Lula encontra-se em mais uma de suas viagens ao exterior e os nobres congressistas estão em “visita às bases”, o líder dos Ets é recebido pelo Advogado-Geral da União. Após ouvir longa explanação a respeito da estrutura dos poderes e de como são feitas as nossas leis, o extraterrestre, intrigado, questiona o Advogado-Geral: ET- Então, quando o Congresso aprova uma lei ela vai direto ao STF para que se esclareça se é constitucional? AGU- Oh, não! A lei não precisa da aprovação do STF. Às vezes, passamse anos até que alguém a conteste a seu favor. Se o Presidente aprova, entra em vigor no ato. ET- Ah, o poder executivo é parte do legislativo. E o policial também deve aprovar as leis que se devem cumprir? AGU- Ainda não - ao menos em seu caráter de policial. Em geral, toda lei precisa da aprovação dos restringidos. ET- Entendo. A sentença de morte não é válida enquanto não for confirmada pelo assassino. AGU- Que exagero, meu amigo, não somos tão coerentes... ET- Mas este sistema de manter onerosa máquina para julgar sobre a validade de leis depois de elas terem sido longamente executadas, e só no caso do cidadão submetê-la à Corte, não provoca uma grande confusão? AGU- Provoca. ET- Então, por que as leis, antes de serem cumpridas, não são aprovadas não pela assinatura do Presidente, mas pelo Supremo Tribunal Federal? AGU- Porque não há precedentes para esse sistema. ET- Precedente? O que é isso? AGU- É algo que foi definido por centenas de juristas, em três volumes cada. Como poderíamos saber!?
Desaforismos
Editor: Marco Marques Redator: Serpílio Atrabílis Projeto Gráfico: Gil Pires Jornalista: Victor Silva Capa: Andrea Fricke Duarte Colaboram nesta edição: Barros Pinho, Charles Abbeg, Cláudio Portella, Cláudio Santana, Emanuel Medeiros Vieira, Fábio Gomes, Fernanda Pedrazzi, Fernando Ramos, Franklin Jorge, Ita Arnold, Jacques Canut, Köle, Laurene Veras, Luis Mauro da Vianna, Luiz Gustavo Insekto, Magali Vidal Domingues, Manuel González Álvarez, Marcos Bagno, P. J. Ribeiro, Qaíqe Qomé, Ronaldo Cagiano, Rosália Milsztajn, Sammis Reachers, Wellington Lavareda.
OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES ? Rua Demétrio Ribeiro, 706/601- centro-90010-312 Porto Alegre - RS - BRASIL - Fone:(51)-9649-5087