Real Gazeta do Alto Minho | N.º 22

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Real Gazeta do Alto Minho DIRECTOR JOSÉ ANÍBAL MARINHO GOMES

NESTA EDIÇÃO • Novo Portugal sem minas-Pág. 7 • O Último Cavaleiro Português da Ordem da Jarreteira-Pág. 9 • A Indelével supremacia do Rei-Pág. 18 • Entrevista a Dom Francisco de Bragança van Uden -Pág. 21 • Transição para o Regime Monárquico no Século XXI -Pág. 38 • Jorge Portugal da Silveira-Pág. 42

REDACTOR PORFÍRIO SILVA

Edição do Centro de Estudos Adriano Xavier Cordeiro | n.º 22

DEZEMBRO 2019


EDITORIAL PORFÍRIO PEREIRA DA SILVA Vivemos a idade do contraditório, da dissimulação e dos tubos de ensaio. Em tempo de República desdobram-se as comemorações dos feitos monárquicos ou, para sermos mais politicamente correctos, ao tempo da coroa portuguesa. Qualquer cerimónia que se preze tem sido feita ou é levada a efeito em espaços físicos onde a arquitectura coincide ou se inicia com a formação de Portugal, que converge, entre outros, no Românico; no Gótico; no Renascimento, que salvou-se da decadência do gótico final, pelo surto do que viria a chamar-se arte manuelina; no Maneirismo; no Barroco, época em que as formas de arte e literatura eram interpretadas como um fenómeno posto sob a magia dos aspectos exteriores da cultura greco-latina; no Rococó; no Romantismo – forma de glosar os “desperdícios” das monarquias. São esses edifícios, uma grande parte deles classificados de Monumentos Nacionais, de Interesse Público e/ou Municipal ou Património da Humanidade, que serve de ostentação às cerimónias da República. Os “desperdícios” de uns para a ostentação de outros, que não se contentam com a vaga do modernismo. Nas Comendas a distribuir, continuam em voga os desígnios da Monarquia, através da Ordem da Torre de Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Ordem Militar de Cristo; Ordem Militar de Avis; Ordem Militar de Sant’Iago da Espada; Ordem do Infante D. Henrique; Ordem da Liberdade e outras novas que se seguiram para dissimuladamente galardoarem alguns, que ora procuram

destituir, a coberto dos Graus dos GrandeColar, Grã-Cruz, Grande-Oficial, Comendador, Oficial e Cavaleiro. Os bons exemplos daqueles a que chamam de “passadismo”, serve para criar heróis de Grande-Colar e Grã-Cruz dos tempos modernos, tendo como pano de fundo os edifícios e monumentos erigidos pelos monarcas. Vivemos o tempo dos tubos de ensaio, trocando Descobrimentos por Expansão, Império por Diáspora, Navegadores por Colonizadores e Heróis por Criminosos, como se agora tivesse acabado a escravatura e as Comendas da Ordem da Liberdade, nas suas várias vertentes, dessem sinal de uma mudança positiva na democracia e na seriedade da distribuição e usufruto dos bens públicos. Dos cronistas de antanho, como Fernão Lopes ou Zurara, assistimos ao aparecimento dos historiadores do regime, desinibidos, atrevidos, malformados e provocadores, onde a documentação bibliográfica é simplesmente omitida, por conveniência da partidocracia. Há quem já avente a possibilidade de formação de partidos democratas republicanos, porque a incerteza paira na dúvida de que nem todos os democratas serão republicanos ou, na pior das hipóteses, nem todos os republicanos serão democratas. Até quando as dissimulações e os tubos de ensaio? A ver vamos!


reis de Portugal

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D. Afonso VI em pessoa

D. Afonso VI Nascimento – 21 de Agosto de 1643, Lisboa. Morte – 12 de Setembro de 1683, Sintra. Está sepultado no Panteão da Dinastia de Bragança, Igreja de São Vicente de Fora, Lisboa. Reinado - 6 de Novembro de 1656 a 12 de Setembro de 1683. Consorte – D. Maria Francisca de Sabóia. Dinastia – Bragança. Cognome – “O Vitorioso”. O estilo oficial de D. Afonso VI como Rei era: “Pela Graça de Deus, Afonso VI, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.” Como Rei de Portugal, foi Grão-Mestre das seguintes Ordens: Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo Ordem de São Bento de Avis Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada Pai D. João IV Mãe D. Luísa de Gusmão DEZEMBRO 2019

«De estatura proporcionada, de agradável presença, alvo, olhos azues, nariz perfeito, o cabelo louro, e comprido, com grande memoria, que naõ aplicando em nenhuma liçaõ, ainda desta sorte era taõ prodigiosa. […] Teve animo Real, e generoso em fazer merces, liberal para todos; e sem embargo da lesaõ , que padecia em meyo corpo, era muy forte a cavallho, exercicio, de que gostava, sahindo algumas vezes em publico.» (Sousa, VII, p. 228).


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O Surrealismo em Moledo do Minho GONÇALO SAMPAIO E MELO ABSTRACT António Pedro (1909-66) wasn’t only a remarkable playwright, poet and visual artist, but also the introducer in Portugal of several aesthetic movements, such as dadaism and surrealism. Additionally, he founded modern theater through the Apollo theater and the TEP. In 1933, he headed to Paris and worked in the surrealistic artistic and intellectual milieu. Signed the manifest dimensionism, with Duchamp, Kandinsky, Picabia, Miró, among others. In the middle of World War II, he finds himself in London as an art critic and microphone announcer for the BBC. In 1951, he settled permanently in his family residence in Moledo do Minho, Northwest of Portugal, where he is dedicated to several activities including painting and ceramics. Lived on Moledo beach until 1966. Active and unstoppable dynamic always stimulate and debate among people. The great driver of experimental theater is an excellent internacional figure to whom portuguese culture owes much. Alto-Minho and Portugal should not forget him and follow his example for the country's prosperity.

Por certo mais do que um dramaturgo foi, António Pedro, um homem de teatro, ou poeta de Moledo do Minho? Perfaz em 2020 os 111 anos do seu nascimento na cidade da Praia. Lugar para onde o pai, natural do concelho de Caminha, imigrou como armador ascendendo a posteriormente proprietário de uma possante companhia de comércio marítimo.

Key words: Moledo do Minho, surrealism, art, António Pedro.

RESUMÉ António Pedro (1909-66) n'était pas seulement un remarquable dramaturge, un poète et un artiste visuel, mais aussi l'introducteur au Portugal de divers mouvements esthétiques, tels que le dadaïsme et le surréalisme. De plus, il a fondé le théâtre moderne à travers le théâtre Apollo et le TEP. En 1933, il se dirige vers Paris et travaille dans l'environnement artistique et intellectuel surréaliste. Signé le dimensionnisme manifeste, avec Duchamp, Kandinsky, Picabia, Miró, entre autres. Au milieu de la Seconde Guerre mondiale, il se retrouve à Londres en tant que critique d'art et annonceur de micro pour la BBC. En 1951, il s'installe définitivement dans sa résidence familiale à Moledo do Minho, au nord-ouest du Portugal, où il se consacre à diverses activités dont la peinture et la céramique. Il a vécu à la plage de Moledo jusqu'en 1966. Une dynamique active et imparable stimule ou débat. Le grand moteur du théâtre expérimental et une figure internationale excellente et diversifiée à qui la culture portugaise doit beaucoup. L'Alto-Minho et le Portugal ne doivent pas l'oublier et suivre son exemple pour le progrès et l´humanisme du pays. Mots clés: Moledo do Minho, surréalisme, art, António Pedro.

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António Pedro de Paula Salvage da Costa fundou o Teatro Moderno em Portugal através do Apolo em Lisboa e do Teatro Experimental do Porto (TEP) mas foi na sequência da sua vivência e experiência artística em Londres, Paris e Rio de Janeiro, que ficou conhecido como percussor em Portugal de vários movimentos estéticos, como o dadaísmo e o surrealismo. Em 1933 ruma a Paris, estuda na Sorbonne tendo, em simultâneo e em academias livres de desenho, trabalhado com o meio artístico e intelectual surrealista. Participou ainda no Salão dos Independentes acabando por assinar o manifesto do dimensionismo, com Duchamp, Kandinsky, Picabia, Miró, entre outros. Em meados da II grande guerra, encontra-se em Londres como crítico de arte, mas logo tornar-se ávido e acérrimo colaborador aos microfones da BBC.


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Quer como locutor quer como cronista é a voz anti nazi dos portugueses que recusavam a propaganda oficial daquele regime. Ainda em Londres participa com Man Ray, Giacometti, Max Ernst e Magritte na exposição Surrealist Diversity na Arcade Gallery.

Rapto na Paisagem Povoada

Refoulement, 1936

De volta a Lisboa integra diversas exposições através das quais cedo se torna um marco introdutor da ação modernizadora estética no seu país. Dirigiu a revista de vanguarda Variante. Tentou ainda reatar a interrompida e tradicional Orfeu. As suas obras revelam um universo imaginário e vigoroso. Evidencia-se mesmo a desproporcionalidade deliberada das figuras. Dimensões disformes e volumosas vêm acentuar a marca surrealista das suas obras. As suas obras essenciais são Dança de roda (1936) Rapto na Paisagem Povoada (1941) e Tríptico solto de Moledo (1943). Fundou conjuntamente com Tomaz de Mello a primeira galeria de arte moderna na rua Serpa Pinto - ao Chiado, onde apresenta a primeira exposição de Vieira da Silva. Poeta visionário do teatro moderno cujo nome está indelevelmente associado não só ao TEP mas também ao teatro Apolo que dirigiu durante vários anos. Viveu à frente do seu tempo procurando sempre desenvolver uma estética teatral inovadora. É sem sombra alguma um dos maiores encenadores de todo o sempre. Em 1952 abandona Lisboa para se instalar definitivamente na sua residência de família em Moledo do Minho - Caminha, onde se dedica a diversas atividades entre elas a pintura e a cerâmica. Viveu na praia de Moledo até 1966. Ativo e dinâmico imparável, sempre estímulo do debate de ideias, acreditava que a monarquia seria uma vantagem especialmente num país com 800 anos. Frequentemente esquecido o romance ilustrado Apenas uma Narrativa abra o mundo das letras ao universo surrealista português. DEZEMBRO 2019

Usando vários princípios fundamentais do surrealismo para construir uma viagem cujo propósito é fazer uma ponte sobre o abismo que separa a nossa perceção das nossas representações.

O Avejão Lírico. 1939

A aventura do herói inicia-se no domínio da realidade, começando pela descrição da paisagem do rio Minho, mas logo se vai dissipando pela intenção de progressivamente evocar o inconsciente. Por influência de André Breton, a tentativa geral desta obra seria propor uma alternativa ao raciocínio lógico prevalecente na época. Não só é alcançada através de uma matriz surrealista, mas também através da semiótica das suas ilustrações e do uso do conceito freudiano de inquietante Conceito este que se refere a algo que não é propriamente misterioso, mas estranhamente familiar.


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As viagens experimentais do protagonista estão localizadas na intersecção entre a realidade externa e o mundo interno o que desafia a uma transformação interior do herói da história. Superando estas metamorfoses consecutivas ou este aparente caos, Just a story, reeditada há quatro anos em Londres, acaba por atingir a harmonização. A visão de António Pedro é apresentada em livro através das referências compartilhadas entre as ilustrações cénicas e o texto, eliminando barreiras.

O grande impulsionador do teatro experimental em Portugal e, como se não bastasse, um exímio e diversificado vulto nacional a quem muito deve a Cultura Portuguesa! Precisamos que o Alto-Minho e Portugal não esqueçam e lhe sigam o exemplo para o progresso do país e humanismo primordial à sociedade dos dias atuais. Em síntese, foi decisivo para o desenvolvimento da arte em Portugal pelos movimentos inovadores que importou e recriou da Europa. Assim me comunico, assim me louvo, Formado em terra, húmus, pedra, louro... E só o ar é alheio, quando, Boiando nele, vaga, se desprende Uma folha do corpo, como um pássaro... " António Pedro in Casa de Campo

A figura do plantador Adão sugere uma apologia ao surrealismo provocando no leitor uma exaltação do universo interior acrescentando nesta viagem as referências pessoais e a experiência internacional de um autor comprometido com o seu país, claramente, com a sua terra minhota; “mostrou-me dois lados dum Portugal irremediavelmente pertenço, como as árvores”.

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que António Pedro e a atriz brasileira Maria della Costa, em Moledo do Minho, década de 1950


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Novo Portugal sem minas Madalena Pires de Lima

Diretora Adjunta da revista OBSERVA Magazine

Abstract Portugal with Tourism and without Mines. Local Accommodation has been establishing itself as the most profitable economic activity within Tourism, in Portugal. Worldwide, Time, Silence and Authenticity are the three factors that millions more earn. Portugal's path is not the exploration of lithium mines for electric cars, which do not represent the future, but tourism linked to nature. Key words: Portugal, tourism, nature.

Alto-Minho,

Resumé Portugal avec tourisme et sans mines. L'hébergement local s'est imposé comme l'activité économique la plus rentable du tourisme au Portugal. Dans le monde, le temps, le silence et l'authenticité sont les trois facteurs que gagnent des millions d'autres. La voie du Portugal n'est pas l'exploration des mines de lithium pour les voitures électriques, qui ne représentent pas l'avenir, mais le tourisme lié à la nature. Mots clés: Portugal, tourisme, la nature.

Alto-Minho,

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Tenho lido algumas opiniões que dão conta de uma tendência contra o Turismo em Portugal ou pelo menos de algum Turismo, nomeadamente do Alojamento Local: o turismo mais autêntico, aquele que está na base da procura: «uma casa portuguesa, com certeza». Existem mesmo vozes que sustentam o fim do AIRBNB e outras redes originais de Turismo que colocam no centro do sucesso as competências pessoais dos portugueses, incontestavelmente, os melhores anfitriões do Mundo. Por motivos profissionais tenho perguntado a inúmeras pessoas o que mais destacam no nosso país de positivo e a resposta número 1 do podium é sempre a mesma: as pessoas. Por acaso, existe a consciência que muitos portugueses conseguem pagar os seus IMI com base nesse negócio do alojamento local? A solução para - de uma vez por toda - s arrumarmos as contas do nosso país e aspirarmos a uma vida descansada passa por vender 10 a 20% do território para minas de Lítio e outros minérios? Penso que não. Esta solução está a fervilhar entre meia dúzia de políticos e amigos que se esforçam por de tudo para que duas minas, uma em Montalegre e outra em Boticas, sejam uma realidade, dentro de pouco tempo, sendo uma delas entregue a uma empresa constituída três dias antes do Estado fechar contrato, pela mão do Senhor Secretário de Estado João Galamba; à luz duma Lei pouco clara. Para o bem ou para o mal, o que se passar nesta zona, abrirá um precedente nacional em mais 7 regiões e temos pouco tempo. Esta não é uma questão partidária, é uma questão patriota e sobre o futuro da nossa descendência.

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Carlos Tavares, um conceituado CEO português da indústria automóvel, despertou os políticos sobre o eventual flop que serão os carros elétricos na saúde do meio ambiente. Entretanto, a EU decidiu que Portugal - por ser um país com paz social - seria o indicado para sustentar a indústria automóvel, nomeadamente da Alemanha, indicado para ser a lixeira das baterias de lítio da Europa. A Serra d’Arga será uma das Serras portuguesas apontadas para sacrificar a sua biodiversidade, fauna, flora, ecossistemas, água e povoamento para um negócio que durará para satisfazer os quantos investidores da bolsa durante uma dúzia de anos, sem que ainda se tenha garantia nenhuma que o carro elétrico represente o futuro.

A Scrophularia Bourgaeana é uma raridade que existe em Arga de Cima (Caminha) e uma das inúmeras espécies ameaçadas pela futura exploração de Lítio na Serra d’Arga.

Na vida, existem sempre dois caminhos e também o poder da escolha e assim, volto ao Turismo. Quem conhece o interior do país sabe das enormes potencialidades que tem, para acolher um turismo diversificado e durante todo o ano. Evidentemente, que o Turismo depende do investimento privado. Existe um sem número de casas não habitadas de emigrantes da primeira geração. Existe também um sem número de casas em ruínas de portugueses de Portugal que, muitas vezes por falta de meios para se compor um simples telhado, cujo concerto/ restauro podia ser concretizado por incentivos - perdões fiscais como a dispensa de pagamento de IMI. O Estado também possui muitos imoveis, perdidos no meio de montes, à espera de cuidados restauros para serem rentabilizados.

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E não me venham dizer que as Câmaras não têm dinheiro. Gastam-no muito mal em articulação desastrosa com a EU, devastando árvores centenárias nos centros das pequenas cidades do interior do país em nome da sustentabilidade. A criação de infraestruturas e de canais de comunicação no Turismo Rural, Eco, de Saúde de e Bem-estar, Termal, Religioso-Cultural e Literário pode fomentar todo esse turismo e retirar o stress de Lisboa e Porto, sem enviar turistas embora e sem matar a galinha dos ovos de ouro, pois ninguém pode duvidar que foi o Alojamento Local que arrastou consigo todo o turismo hoteleiro convencional, o comércio local, a restauração, a decoração, os têxteis-lar a arquitectura, a indústria dos electrodomésticos, entre outros. Os factores que, mundialmente, estão a gerar mais milhões no Turismo são: Silêncio, Tempo e Autenticidade. A linha férrea faz falta a esse processo. Os transfers entre as estações de comboio, as aldeias, as vilas, as cidades, o Alojamento Local e os hotéis também fazem falta. Não chegam os transferes entre os aeroportos e os destinos, por autoestrada, pela qual temos de pagar rendas excessivas durante mais uns 30 anos. Os turistas gostam de aproveitar as viagens de comboio e os emigrantes continuam a ser desagradavelmente surpreendidos com os altos valores das multas das scuts quando regressam a Portugal. A autenticidade dos portugueses e de Portugal não se esgota nas vindimas do Douro, mas estende-se às hortas, caminhadas, serras, observação da fauna e da flora, experiências pessoais com artesanato e gastronomia, usos e costumes, sem grandes investimentos. Quem conhece o luxo procura cada vez mais a simplicidade e a autenticidade e essa não se procura nos Hotéis de 5 estrelas. Ouçamos os especialistas como o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e repovoemos as nossas aldeias e vilas, com jardins de infância e escolas primárias com crianças e jovens (e menos jovens) de todos os cantos do Mundo, regradamente, pois muito melhor do que galardoar estes génios portugueses é tornar Portugal um exemplo mundial de riqueza autêntica, mantendo a Natureza. Nota: a autora não escreve de com o novo acordo ortográfico.

acordo


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O ÚLTIMO CAVALEIRO PORTUGUÊS DA ORDEM DA JARRETEIRA MIGUEL VILLAS-BOAS

Abstract In 1909, at Windsor Castle, England, King Manuel II of Portugal was invested as the 838th Knight of the Order of the Garter by the British King Edward VII, his cousin. If His Mercy King Dom João I of Portugal was the first Portuguese to receive this distinction D. Manuel II was at the same time the last Portuguese, of a select and strict club - including D. Álvaro Vaz de Almada, the only Portuguese not royal blood to be invested Knight of the Garter (the 162nd) - to receive this honor and also, to this day, the youngest knight ever of the most distinguished of the British and world Honorary Orders. Key words: King Manuel II of Portugal; Order of lhe Garter; D. Álvaro Vaz de Almada.

Résumé En 1909, au château de Windsor, en Angleterre, le roi D. Manuel II du Portugal a été investi en tant que 838ème chevalier de l'Ordre de la Jarretière par le roi britannique Edward VII, son cousin. Si Sa Miséricorde le Roi Dom João I du Portugal a été le premier Portugais à recevoir cette distinction D. Manuel II était en même temps le dernier Portugais, d'un club sélect et strict - dont D. Álvaro Vaz de Almada, le seul Portugais de sang pas réel d'être investi Chevalier jarretière (le 1628ème) - pour recevoir cet honneur et aussi, à ce jour, le plus jeune chevalier des plus distingués des ordres honorifiques britanniques et mondiaux. Mots-clés: Roi Manuel II du Portugal; Ordre de la Jarretière; D. Álvaro Vaz de Almada.

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Às 19h30m do dia 16 de Fevereiro de 1909, na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, Inglaterra, ElRei Dom Manuel II de Portugal torna-se o 838.º Cavaleiro da Ordem da Jarreteira a ser investido por um Soberano inglês. Numa cerimónia de investidura com impressionante pompa e ritual, a ElRei de Portugal foi conferida pelo primo, o Rei britânico Eduardo VII, a mais importante de todas as Ordens de Cavalaria e as suas insígnias. Dom Manuel II foi simultaneamente o último português, de um selecto e estrito clube, a receber esta honraria e, também, até hoje, o mais jovem cavaleiro de sempre da mais distinta das Ordens Honoríficas britânica e mundiais. Excepcionalmente, a comitiva portuguesa de D. Manuel II pode assistir à cerimónia, normalmente reservada apenas aos membros Companheiros/as da Ordem, assim como ao sumptuoso Banquete de Estado em St. George’s Hall, com cerca de 200 convivas.

atribuída, exclusivamente, ‘por desejo do Soberano’: ‘Le Souverain le vault’. Fundada, em 1348, para destacar os esforços do reino e aliados, é uma ordem militar, criada pelo Rei Eduardo III de Inglaterra e baseada nos nobres ideais das demandas ao gosto do espírito do cavaleiro medieval: ‘uma sociedade, uma companhia e uma escola de Cavaleiros’, e o conceito foi seguido durante séculos por outros monarcas europeus, que constituíram as suas próprias e prestigiadas ordens de cavalaria, mas sem a relevância da Jarreteira, que nunca caiu no anedotário de certas irmandades de mantos.

D. Manuel II com Traje e Insígnias da Jarreteira, já em Portugal

Rei D. Manuel II de Portugal após ser Investido Cavaleiro da Ordem da Jarreteira. Atrás seguee o então Príncipe de Gales Edward David

Se Sua Mercê o Rei Dom João I de Portugal foi o primeiro português a receber esta distinção, D. Manuel II seria o derradeiro, uma vez que não mais existiu personalidade portuguesa que pudesse ser honrada com tal distinção. A Mais Nobre Ordem da Jarreteira, também conhecida, simplesmente, como Ordem da Jarreteira, é uma ordem de cavalaria britânica, a mais antiga de Inglaterra e do sistema de honras britânico,

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‘Order of the Garter – Ordem da Jarreteira’, a tradução correcta seria antes Ordem da Garrotea ou Ordem da Liga – até porque os agraciados são contemplados com uma liga para colocar no joelho esquerdo -, com supramencionado, a Ordem da Jarreteira é a mais antiga, a mais prestigiada ordem de cavalaria, a mais restrita e a mais importante comenda do sistema honorífico do Reino Unido - e não só, pois não há par para ela em qualquer recanto do mundo - desde essa altura até aos dias de hoje.


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A exclusividade é a pedra de toque da Jarreteira, pois os membros da Ordem são limitados ao Soberano, ao Príncipe de Gales e a não mais que vinte e quatro membros ou companheiros, embora também incluam cavaleiros e damas extranumerários como membros da família real e monarcas estrangeiros. ‘Conceder a honra’ é uma prerrogativa executiva remanescente do monarca inglês de carácter verdadeiramente pessoal.

Afirmou, ainda, o Rei inglês que tornaria aquela pequena jarreteira azul tão gloriosa que todos a haveriam de desejar – assim foi. Sendo esta uma história verdadeira ou simplesmente uma estória, a Ordem da Jarreteira foi, de facto, criada por Eduardo III e o seu símbolo é uma jarreteira azulescura, de rebordo dourado, em que aparecem inscritas, em francês as palavras, supostamente, proferidas pelo Rei inglês. Assim, os membros da Ordem recebem essa liga nas ocasiões cerimoniais de agraciamento da Ordem. Mas o uso da liga como um emblema, também, pode ter derivado de tiras utilizadas para fixar as armaduras pelos cavaleiros medievais. Além do grão-mestre da Ordem que é sempre o Soberano inglês existem os cavaleiros reais (nos quais se inclui sempre o Príncipe de Gales podendo o monarca ainda nomear vários membros da família real), os cavaleiros estrangeiros (vários monarcas reinantes de países estrangeiros nomeados pelo monarca britânico), tidos como cavaleiros extranumerários e os cavaleiros ou damas-companheiras (24 personalidades nomeadas pelo monarca britânico). Somente o monarca pode conceder a adesão: ele/ela é conhecido/a como ‘Soberano/a da Jarreteira’, e o Príncipe de Gales é conhecido como um ‘Cavaleiro Companheiro da Jarreteira’.

Placa da Ordem da Jarreteira

O emblema da Ordem, retratado na insígnia, é uma jarreteira com a divisa em anglo-normando o dito francês antigo, que à época da criação da Jarreteira era o idioma oficial da corte inglesa: ‘Honni soit qui mal y pense’, em letras douradas sobre fundo azulescuro. A lenda conta que Eduardo III estaria a dançar com a Condessa de Salisbury num baile da corte, quando esta deixou cair a sua liga/Jarreteira da perna. Ao gosto do cavalheiresco medieval, para evitar o constrangimento da aristocrata, o monarca decidiu apanhar a liga do chão e amarrá-la à volta da própria perna. Não obstante o gesto, o Rei reparou que os presentes os fitavam com sorrisos e murmúrios. Irado, exclamou: ‘Honni soit qui mal y pense - Envergonhe-se quem nisto vê malícia’, frase que se tornou o lema da Ordem que depois fundou.

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Foto de D. Manuel II, D. Manuel II, em Londres, 1909


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Os membros masculinos da Ordem são intitulados ‘Cavaleiros Companheiros’, e os membros do género feminino são chamadas de ‘Damas Companheiras’. As nomeações são vitalícias e intransmissíveis (não são hereditárias). Os cavaleiros são nomeados em 23 de Abril, dia de São Jorge e como a cor de São Jorge é o azul é tradição vestir algo azul para a cerimónia. Nessa ocasião, deverá usar-se a jarreteira na perna esquerda, logo abaixo da cintura da mesma. A Ordem da Jarreteira realiza os seus serviços na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, onde, desde o primeiro cavaleiro, no alto, estão colocados os elmos com crista, a espada e estandartes de armas dos cavaleiros. O soberano pode ‘degradar’ os membros que tenham cometido crimes graves, existindo uma cerimónia formal de degradação datada do século XV, em que o Rei de Armas da Jarreteira, acompanhado pelo resto dos arautos e Oficiais da Ordem da Jarreteira, Secretário, Cavalheiro Ostiário do Bastão Negro, Rei-de-armas principal da Jarreteira, Registrador, Prelado e Chanceler agem da seguinte forma: na Capela de São Jorge o Rei de Armas da Jarreteira lê em voz alta o instrumento de degradação, enquanto o arauto sobe uma escada e retira a bandeira do antigo cavaleiro, o leme da crista e a espada, atirando-os para dentro do coro. Subsequentemente, os restantes arautos pontapeiam os elementos por baixo da capela e fora de portas até ao fosso do castelo.

Insígnias da Ordem da Jarreteira

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Isso mesmo aconteceu com o Imperador Hiroito do Japão, durante a 2ª Guerra Mundial, mas que anos depois do términus da mesma foi repensado, o que lhe causou uma grande alegria, tal é o Prestígio em ser Cavaleiro da Jarreteira. Logo após a fundação da Ordem, as mulheres foram nomeadas Ladies of the Garter, mas não foram feitas companheiras. Mas em 1488, o Rei Henry VII nomeou Sua mãe, Margareth of Beaufort, Dama da Jarreteira, a única - excepto para as soberanas que por inerência foram Grãomestre - até à Rainha Alexandra, nomeada por seu marido o Rei Eduardo VII. O Rei Jorge V fez o mesmo com a Rainha Mary e Jorge VI com a Rainha Elizabeth – mãe da actual Soberana. As mulheres continuaram a ser associadas à Ordem, mas com excepção de monarcas estrangeiros do sexo feminino, elas não foram feitas companheiras. A partir de 1987, por iniciativa de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II, as mulheres começaram a ser instaladas as ‘Damas Companheiras da Ordem da Jarreteira’. Para ocasiões cerimoniais da Ordem, como o dia anual da Jarreteira, os membros usam as elaboradas vestes. A insígnia da Ordem que inclui um colar e uma insígnia pendurada, conhecida como Great George, de ouro e esmalte, em que aparece São Jorge a cavalo, matando o dragão, para além dos apetrechos: um cavaleiro usa ‘o manto’ que é o robe feito de veludo azul-escuro com uma linha em tafetá branco; o brasão heráldico com a Cruz de São Jorge circulado pela Liga é costurado sobre o ombro esquerdo do manto, mas o manto do Soberano é o único que tem a estrela da Ordem. Anexado ao manto sobre o ombro direito há um capuz de veludo vermelho escuro e uma túnica; o ‘chapéu’ que é um gorro Tudor de veludo preto com uma pluma de avestruzes brancas e penas de garça preta; o Colar com o Great George é um acessório de ouro puro, pesa 30 onças (0,933 kg), e é usado ao redor do pescoço, sobre o manto e fixado com fitas brancas amarradas com fitas nos ombros. Como o manto, foi introduzido nos séculos XV e XVI. O colar é composto de nós alternando com medalhões de ouro esmaltado mostrando uma Rosa Vermelha – símbolo dos Plantageneta e Casa de Lencastre - rodeada pela Jarreteira. O Great George, que está pendurado no colar, é uma figura colorida esmaltada (às vezes de joias) tridimensional de São Jorge, o Mártir, montado num cavalo, matando um dragão.


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A Jarreteira é usada em ocasiões cerimoniais em torno da panturrilha esquerda por cavaleiros e todo o braço esquerdo por senhoras, e está representado em várias insígnias. A Liga é uma cinta de veludo azul-escuro dobrada, e tem o lema em letras de ouro.

D. Manuel II e outros Cavaleiros da Jarreteira envergando o Traje da Ordem

Em outras ocasiões, quando são usadas decorações, os membros usam insígnias simples:
O colar, chamado collar day, que é usado no sobre o uniforme militar ou casaca pelos membros que participam em eventos formais. A gola é presa nos ombros com fitas de seda. Desde que o colar seja da Ordem da Jarreteira, os membros podem então usar a faixa de qualquer outra ordem a que pertençam; a estrela, que é usada presa ao peito esquerdo, e que foi introduzida no séc. XVII pelo Rei Carlos I e é uma representação colorida esmaltada do escudo heráldico da Cruz de São Jorge, rodeado da Ordem da Jarreteira, que é cercada por um emblema de prata de oito pontos. Cada ponto é descrito como um aglomerado de raios, com os quatro pontos das direcções cardeais mais os intermediários. As estrelas dos cavaleiros e damas estrangeiros, apareceram amiúde elaboradas com diversas joias.

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Uma vez que a Ordem da Jarreteira é a ordem superior do Reino Unido, um membro usará a Estrela da Ordem acima das outras - até ao máximo de três - que ele ou ela tenha; a faixa, também, introduzida pelo monarca supracitado, tem 10.16 cm e é usada por cima do ombro esquerdo, ou colocada debaixo da casaca, para o lado da anca direita. A cor da faixa tem variado ao longo dos anos, mas a cor foi definida como ‘azul martim-pescador’, a partir de 1950. Um membro da Ordem usa apenas esta faixa, mesmo se ele ou ela pertencer a várias ordens; o emblema que é usado suspenso por uma pequena ligação de ouro na faixa, e que é conhecido como ‘The Lesser George’. Tal-qualmente o Great George, o emblema menor mostra São Jorge, o Mártir, matando um dragão a cavalo, mas é mais liso e de ouro. No século XV, o emblema foi usado ligado a uma fita em volta do pescoço o que não era muito confortável quando se cavalgava, assim adoptou-se o hábito de usá-lo à direita colocado na faixa, e por debaixo do braço, também, direito. Com a morte de um membro, o emblema e a estrela são devolvidas pessoalmente ao soberano pelo parente do sexo masculino mais próximo do ex-membro e as outras insígnias para a Chancelaria Central das Ordens de Cavalaria.

D. Manuel II no Trono envergandos as vestes da Ordem da Jarreteira


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Cavaleiros e Damas companheiros usam as letras ‘KG’ e ’LG’ após o nome, respectivamente. Um membro da Ordem tem na hierarquia do sistema nobiliárquico britânico um grau inferior ao filho mais velho de barões e superior às restantes ordens e titularia. Regressando à ligação da Ordem da Jarreteira com a Casa Real Portuguesa, sendo a Aliança entre Portugal e Inglaterra a mais antiga do Mundo, datada de 1386, altura em que foi assinado o Tratado de Windsor, e que resultou também no casamento entre El-Rei Dom João I de Portugal e a Princesa Inglesa, da Dinastia Plantageneta, Lady Phillippa of Lencastre, a nossa Dona Filipa de Lencastre, filha de John de Gaunt, Duque de Lancaster, e neta do então monarca inglês Eduardo III Plantageneta, é natural que Dom João I tenha sido o primeiro português – de uma lista muito restrita – a ser agraciado com a Ordem da Jarreteira, o que aconteceu em 1400, tornando-se o 102º Cavaleiro da Ordem. A Rainha Dona Filipa de Lencastre já era Dama da Ordem desde 1378, sendo até hoje a única portuguesa com essa distinção. A lista de portugueses agraciados não viria a incluir mais do que 15 personalidades, sobretudo reis e infantes e um único membro da nobreza e de sangue não real confirmado: D. Álvaro Vaz de Almada, Conde de Avranches. Dom Álvaro Vaz de Almada ou Álvaro Vasques de Almada (1392-1449) foi um dos mais insignes cavaleiros da Europa do seu tempo. Alferes Mor de Portugal, Capitão Mor do Mar, Alcaide Mor de Lisboa, combateu na guerra dos 100 anos ao lado do Rei Henrique V de Inglaterra na Batalha de Azincourt (1415), onde se ilustrou pelas armas e praticou inúmeros actos de heroísmo, tendo-lhe sido atribuído, pelo monarca inglês, o título de Conde de Avranches e agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem da Jarreteira figurando as suas armas no exclusivíssimo St. George Hall no Castelo de Windsor. Foi ainda um dos chamados Doze de Inglaterra, e a sua vida dava uma epopeia como a de Baudolino. Assim foi porque o bravo cavaleiro português, no meio de vagas de soldados franceses, quando decorria a Guerra dos Cem Anos contra a França, auxiliou o Rei inglês Henrique VI na conquista da Normandia e fez cair a seus pés Avranches, razão pela qual foi agraciado pelo monarca inglês com o título de Conde de Avranches (Earl of Avranches), a seu favor e seus descendentes (de jure et herdade), por carta de 4 de Agosto de 1445. Entende-se que já antes, em 1415, tinha participado na batalha de Azincourt ao lado dos Plantageneta.

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Por isso, também, foi dos poucos estrangeiros e como se disse acima o único português que não da realeza a ser agraciado cavaleiro da Ordem da Jarreteira, da qual foi o 162° Cavaleiro.

Em cima à direita o Brasão de Armas de D. Álvaro Vaz de Almada, 1° Conde de Avranches, 162° Cavaleiro da Jarreteira, na Capela de São Jorge, Castelo de Windsor

Assim, da lista de membros portugueses da Ordem da Jarreteira, além do inaugural D. João I (102.° Cavaleiro Companheiro) e dos acima mencionados, fazem ainda parte: o Rei D. Duarte I; D. Pedro, Duque de Coimbra; o Infante D. Henrique; o Rei D. Afonso V; o Rei D. João II, o Rei D. Manuel I; o Rei D. João IV; o Rei D. João VI; o Rei D. Pedro V (investido em 1854); o Rei D. Luís I (investido em 1886); o Rei D. Carlos I (investido em 1904); o Príncipe Real D. Luís Filipe (investido em 27 de Junho de 1902 como 821.° Cavaleiro pelo Duque de York, futuro George V); e D. Manuel II, o derradeiro Rei de Portugal - O Último Cavaleiro Português.

Príncipe Real Dom Luís Filipe Duque de Bragança


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ROTEIROS PELO ALTO MINHO CIRCUITO MEDIEVAL DA RIBEIRA LIMA MARIANA DE MAGALHÃES SANT’ANA

Abstract On November 16th 2019, a guided visit to Medieval monuments in the Lima river valley was organised by the touristic company Turinóbrega together with the Real Associação de Viana do Castelo. Similarly to last year’s visit, the group was accompanied by the Jesuit priest António de Magalhães Sant’Ana. The first stop was at the Paço de Giela, followed by the Vila Nova de Muía Monastery. After having lunch the group visited the Lindoso Castle, the village of Soajo and the Monastery of S. Bentinho de Ermelo. Key words: medieval.

Itinerary,

alto

minho,

Résumé Le 16 novembre 2019, l'agence touristique Turinóbrega et la Real Associação de Viana do Castelo ont organisée une visite guidée aux monuments médiévaux de la vallée de la rivière Lima. Comme l’an dernier, le groupe a été accompagné par le père jésuite António de Magalhães Sant'Ana. La première visite a été au Paço de Giela, suivie du Monastère de Vila Nova de Muía. Après le repas, le groupe a visité le Château de Lindoso, le village de Soajo et le Monastère de S. Bento de Ermelo. Mots clés: médiévale.

itinéraires,

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alto

minho,

A 16 de Novembro de 2019, a empresa turística barquense Turinóbrega e a Real Associação de Viana do Castelo organizaram mais um Roteiro pelo Alto Minho. O circuito Medieval da Ribeira Lima surgiu na sequência do Circuito Românico realizado no ano anterior. Se em 2018 o percurso incidiu na zona oeste da Ribeira Lima, em 2019, seguiu-se para leste, pelos concelhos de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca.


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O passeio contou com 38 participantes, de todas as idades e de vários pontos do país, e foi mais uma vez guiado pelo Padre jesuíta António de Magalhães Sant’Ana. Do ponto de encontro, junto à fonte de S. João em Ponte da Barca, o grupo seguiu de autocarro para o Paço de Giela em Arcos de Valdevez. O edifício, agora convertido em museu, alberga um moderno centro interpretativo com recursos multimédia. Por gentileza da Câmara Municipal dos Arcos de Valdevez, foi proporcionada uma visita guiada a este belíssimo espaço, com uma explicação elucidativa sobre a origem e evolução do edifício ao longo dos séculos, e a sua utilização.

Após um almoço de convívio no restaurante Lordelo em Vila Nova de Muía, os participantes viajaram até ao Castelo do Lindoso, onde lhes foi proporcionada mais uma visita guiada. Foi possível constatar o carácter pioneiro desta construção para a arquitectura militar portuguesa. Foi ainda curioso notar a importância que este castelo e o Paço de Giela apresentaram na luta pela independência de Portugal aquando do domínio espanhol da Dinastia Filipina.

Paço de Giela

Daqui, o grupo, regressou ao concelho de Ponte da Barca para visitar o Mosteiro de Vila Nova de Muía. O Sr. Padre Miranda e a Junta de Freguesia permitiram o acesso do grupo ao edifício. Neste belo exemplar da arquitectura monástica do início da Nacionalidade Portuguesa, o Padre António de Magalhães Sant'Ana fez uma breve explicação sobre o papel das instituições religiosas no contexto histórico da época.

Mosteiro de Vila Nova de Muía

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Castelo do Lindoso


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Houve ainda oportunidade para passear junto aos espigueiros do Lindoso, antes de retornar ao Concelho dos Arcos de Valdevez e rumar ao Soajo.

Com o dia a terminar, a última paragem foi no mosteiro de S. Bentinho de Ermelo, obra românica inacabada onde, por cortesia do Sr. Padre Belmiro Esteves de Amorim, foi proporcionado o acesso ao interior do complexo, e dada a oportunidade única de admirar os valiosos frescos que este monumento esconde por detrás do altar-mor.

Espigueiros do Lindoso

Para além do núcleo de 24 espigueiros graníticos, dispostos em volta da eira comunitária, os participantes puderam deambular pelas ruas da vila do Soajo e conhecer outros pontos de interesse como o pelourinho e o monumento ao cão Castro Laboreiro.

Mosteiro de S. Bentinho de Ermelo

Ao fim do dia, no regresso a Ponte da Barca, ficou a vontade de continuar a aliar a história e o turismo, à espiritualidade e a bons momentos de convívio, através de novas parcerias entre a Turinóbrega e a Real Associação de Viana do Castelo. Soajo

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A INDELÉVEL SUPREMACIA DO REI ANTÓNIO DE SOUZA-CARDOSO Abstract The President of the Republic pretends to be King, pretends he didn't come from any party, pretends he was born to do what he is doing, pretends to be independent and exempt and represents the true identity of the Nation. The Presidents of the Republic imitate the Kings because that is what modern peoples want. They want a Head of State who fulfills the People's Identity. Key words: King, President of the Republic, identity, people.

Resumé Le président de la République prétend être roi, prétend qu'il ne vient d'aucun parti, prétend qu'il est né pour faire ce qu'il fait, prétend être indépendant et exempté et représente la véritable identité de la Nation. Les présidents de la République imitent les rois parce que c'est ce que veulent les peuples modernes. Ils veulent un chef d'État qui réalise l'identité du peuple. Mots clés: Roi, président de la République, identité, peuple.

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Presidentes da República imitam os Reis porque é isso que os Povos modernos, fustigados por todas as globalizações, divididos por todas as

mobilidades,

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anseiam e querem. Um Chefe de Estado que cumpra a Identidade que

escapa

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desígnio

Modernidade e do Futuro.”

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é da

Arrasto os olhos num longo bocejo para as imagens televisivas que me trazem o discurso de Fim de Ano do Presidente da República. Um discurso que percebo impregnado de recados, de taticismo, de tantos rendilhados, urdidos com aquela cautela e ardil peculiares que tanto notabilizam o Professor. Tem, no entanto, a sabedoria de não sacrificar a tentação da verve e da estratégia política à imagem de afecto e de paternalismo que foi lentamente granjeando no País. Marcelo é afecto, Marcelo é Pai, para cada vez mais portugueses e para quase todos os partidos que contam no espectro político português. Os segundos mandatos têm duas novidades principais, curiosamente de sinal contrário: Os Presidentes reeleitos acordam lentamente do seu universalismo e vão regressando paulatinamente às sua Famílias políticas de origem: o personagem desvanecesse-se lentamente para dar novamente origem à pessoa e ao perfil político que o ajudou inicialmente a ser eleito.


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O segundo é que, nem por isso, os Presidentes deixam de crescer em notoriedade e em adesão popular, fazendo habitualmente mandatos mais rigorosos e competentes que os anteriores, particularmente no que à representação interna e externa do Estado, diz respeito. Os Presidentes beneficiam em suma de duas das características mais fáceis de garantir o apoio popular – a continuidade e notoriedade nas relações internas e externas e a experiência que se lhe associa no desempenho das suas funções constitucionais. Mas então, perguntará o leitor, qual o ponto que subjaz a esta cada vez mais nítida constatação? Se os Presidentes estão, como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa tão bem comprova, cada vez mais exímios da arte de “fazer de conta” e se ela traz acrescentos à qualidade do seu desempenho, então, não só não é defeito, como parece ser mandatório que cada Presidente faça este exercício pungente de desfiguração e se entregue a tudo e a todos, mesmo aqueles contra os quais passou a santa vida a pelejar. Abafou a direita e amarrou as mãos do Partido do Governo de tal forma que em 2021 não me espantaria que Governo e Oposição apoiassem o mesmo Marcelo. Apesar dos recados, das táticas, dos escondidos “puxões de orelhas” e da certeza que um segundo mandato será mais verdadeiro, ou mais próximo da sua Família política do que o primeiro. Banalizou-se esta forma de exercer a Chefia de Estado. Todos, desde o mais verdadeiro Ramalho Eanes ao mais calculista Jorge Sampaio, saíram de si e das baias mais estreitas das suas famílias políticas de origem, para aspirarem a ser “de todos os Portugueses”. De facto, ninguém é verdadeiramente Chefe de Estado sem mostrar o apreço que o anima por ser também o Chefe da Nação. E a Nação representada e animada na figura do Chefe de Estado é tudo quanto de mais sublime existe na política. Porque é a verdadeira reunião entre o eleitor e o eleito que fundamenta a palavra decisiva que falta ao mundo corrido e globalizado que temos – Identidade! Os Presidentes da República, diria passando o anacronismo - com uma hipocrisia genuína ou crescentemente verdadeira, matam a figura que foram até então e entregam-se, morna e indiferenciadamente, nos braços e nas selfies dos seus apaniguados ou opositores de sempre.

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São de todos, anódinos, sorridentes, especializados em juntar, agregar e conciliar todas as águas e azeites do mundo. O ponto realmente não é esse, mas antes aquilo que é substância e verdadeiro fundamento deste faz de conta: Faz de conta de quê ou de quem? Faz de conta que é Rei, claro! Faz de conta que não veio de partido nenhum, faz de conta que nasceu para fazer o que está a fazer, faz de conta que é independente e isento e que encarna, em suma, a verdadeira identidade da Nação. - E mesmo assim? Se com isso passam a ser melhores Chefes de Estado … Pois, mas nenhum dos leitores negará que entre a máscara e a figura entre a fotocópia e o original, preferiria sempre o que é genuíno e autêntico e que não tem risco de cair ou de desbotar. E o leitor também preferenciará aquele Chefe de Estado que não tem que sair quando a vontade crescente de todos é que permaneça, agora que amadureceu e refinou as competências que fazem dele um melhor Chefe de Estado. E, no entanto, ainda não é este o ponto principal deste artigo. O ponto que sublinha a conclusão essencial que merece ser retirada da constatação enunciada. De facto, porque é os Presidentes ou putativos candidatos a Presidente se comportam cada vez mais segundo este padrão? A resposta é pueril: porque é isso que corresponde aos anseios, aos medos, aos sonhos e às angústias das populações. A necessidade crescente que as pessoas sentem, nos dias corridos de hoje, de se prefigurarem e reunirem num símbolo de representação que todos reconhecem. De se sublimarem, na sua mais íntima identidade, na pessoa do Chefe de Estado que é de todos. Ora é esta a questão - os Presidentes da República imitam os Reis porque é isso que os Povos modernos, fustigados por todas as globalizações, divididos por todas as mobilidades, efectivamente anseiam e querem. Um Chefe de Estado que cumpra a Identidade que escapa a cada Povo, é realmente um desígnio da Modernidade e do Futuro.


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Enquanto Marcelo paternalmente se despede neste balanço ardiloso do Ano, com promessas de tudo atender e proteger, penso por quanto tempo continuará este embuste não do Presidente fazer de conta que é Rei, mas da classe política fazer de conta que a Instituição Real é velha e passadista e não moderna e futurista, como realmente é.

Talvez, entretanto, o Povo se aperceba que são os desígnios da modernidade que hoje fundamentam a indelével supremacia do Rei!

Familia Real Portuguesa

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Entrevista da Real Gazeta do Alto Minho ao Senhor Dom Francisco de Bragança van Uden

(como ainda hoje em dia) pelos revolucionários Maçónicos, herdeiros da Revolução Francesa. Quando em Maio de 1834, apesar do seu ainda forte Exército e o apoio da maioria do Povo Português, declarou aos seus generais que “preferia entregar o Poder ao Mano Pedro, do que possibilitar que o exército espanhol entrasse em Portugal”, com a desculpa de capturarem D. Carlos de Espanha que por cá se encontrava, protegido por D. Miguel. “Se eles entrarem nunca mais de cá saem!”. Embarcou em Sines a 1 de Junho de 1834, tendo até anéis dos dedos retirado. Até 1866, ano da sua morte na Alemanha, teve uma exemplar Vida Cristã. (Aquando da sua transladação em 1967 verificou-se que o seu corpo estava intacto…). Foi, e continua a ser, um grande exemplo para todos nós!!

Mueda 1971

RGAM.- Dom Francisco de Bragança van Uden, bisneto d’El-Rei o Senhor Dom Miguel I de Portugal. Qual é na opinião de V. Exa. o maior legado de Sua Majestade Fidelíssima? DFvU.- Dom Miguel, aquando da sua chegada a Portugal do exílio em 1928, recusou ser aclamado Rei pelo Povo que o recebeu em grande festa. Para o efeito, convocou Cortes Gerais, que já não eram realizadas acerca de século e meio, sendo então aclamado Rei pelo Clero, Nobreza e Povo! Portugal tinha vivido sobre o Absolutismo desde D. Pedro III com especial destaque durante o “domínio do Marquês de Pombal”! Dom Miguel I teve a coragem e determinação de defender o Tradicionalismo, baseado nos Princípios Tradicionais Cristãos, tão atacados na época DEZEMBRO 2019

RGAM.- As Infantas, filhas do Senhor Dom Miguel, ligaram-se por matrimónio às mais importantes casas reais católicas europeias. Então, é verdade que muitas das actuais famílias reais católicas europeias são, também, Bragança? DFvU.- Dom Miguel casou-se em 1851 com a Princesa Adelaide Loewenstein - Wertheim Rosenberg, Senhora de qualidades excepcionais. Tiveram um filho varão e 7 filhas. - A mais velha, Maria Antónia, casou com Roberto I de Parma, tendo tido 12 filhos, entre os quais Zita, última Imperatriz da Áustria, Félix Grão-Duque do Luxemburgo e Xavier pretendente Carlista ao trono de Espanha. - Maria das Neves, casou com Dom Afonso Carlos de Borbón. Acompanhou pessoalmente o marido na 3ª Guerra Carlista. Escreveu um livro que vale a pena ler: “Mis Memórias”.


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Ela era muito chegada à sua sobrinha Maria Adelaide, minha mãe. - Dom Miguel II, meu avô, casou duas vezes. A primeira com a Princesa Isabel de Thurn und Taxis, que morreu ainda nova, de quem teve dois filhos e uma filha. A segunda com a sua prima direita Maria Teresa von Lowenstein. Na altura era militar ao serviço do Imperador Francisco José da Áustria, tendo chegado ao posto de Marechal de Campo. Passava largos períodos em actividade militar no Império, tendo por isso pedido à sua Prima para cuidar dos seus três filhos menores, acabando por casar com ela e teve mais de 7 filhas e um filho, Dom Duarte Nuno. A minha mãe era mais nova de todos. Nasceu em 1912.

Familia na Quinta do Carmo 1956

Os dois filhos do primeiro casamento renunciaram os Direitos Dinásticos. O mais velho para casar com Senhora Americana e o segundo morreu em campo de prisioneiros em Itália, durante a Primeira Guerra Mundial. A filha, Maria Teresa, morreu muito jovem. Assim, o penúltimo filho, Dom Duarte Nuno, ficou como Chefe de Família após a Abdicação do pai. - Maria Ana, casou com Guilherme IV, Grão-Duque do Luxemburgo, tendo tido 6 filhos, dos quais duas futuras Grã-duquesas reinantes: Maria Adelaide e Carlota. - Maria Teresa, casou com o Arquiduque Carlos Luís da Áustria, irmão do Imperador Francisco José. Quando a imperatriz Sissi foi assassinada, foi ela que passou a assumir as responsabilidades formais no Protocolo Imperial do Palácio de Hofburg em Viena. - Maria José, casou com o Príncipe Carlos Teodoro do Reino da Baviera. Tiveram 5 filhos, entre os quais a futura Rainha Elizabeth da Bélgica, casada com o Rei Albert I. - Aldegundes, que casou com o Henrique BorbónParma, Conde de Bardi. DEZEMBRO 2019

Não tendo tido filhos, cuidou muito do seu sobrinho Dom Duarte Nuno enquanto este era menor. RGAM.- S. A. A Senhora Infanta Dona Maria Adelaide de Bragança, Augusta Mãe de V.ª Exa, era uma daquelas personalidades maiores; na Áustria, inclusive, fez parte de um movimento de resistência antinazi e acabou por ser presa pela própria Gestapo, certo? DFvU.- A minha mãe fez parte da Resistência Anti-Nazi, na Áustria. Foi presa duas vezes pela Gestapo, sofrendo os consequentes terríveis interrogatórios. Na primeira vez, o professor Salazar mandou o nosso embaixador em Berlim informar Hitler que ela era Infanta de Portugal e como tal Património Nacional. Hitler deu ordem de soltura imediata. Ela saiu, tendo o nosso embaixador entregue um passaporte Diplomático, conseguindo assim, reunir-se com seu irmão Dom Duarte, em Berna, Suíça. Na segunda vez, após os interrogatórios, e enquanto aguardava o inevitável fuzilamento, rezava intensamente para que uma bomba dos Aliados caísse sobre a prisão para destruir as listas que a Gestapo tinha dos seus companheiros de combate, ainda clandestinos. A bomba caiu, mas a cela dela não se abriu. Nas Vésperas do fuzilamento, entraram em Viena as forças Russas, tendo os alemães debandado. O novo director russo, que falava alemão, quando inspeccionava as obras e limpezas de recuperação da prisão, descobriu entre os destroços o dossiê sobre ela, que tinha escrito que ela fora presa, a primeira vez, por tentar salvar um seu companheiro da Resistência que era comunista. Assim, em vez de poucos dias depois ser deportada para a Sibéria, onde morreria, foi solta! Todos os prisioneiros comunistas foram libertados, enquanto os restantes foram condenados a morte na Sibéria! Enquanto a guerra ainda durou, fez intenso trabalho enfermagem e apoio aos feridos dos bombardeamentos. Foi quando conheceu o futuro marido, meu pai, Nicolaas van Uden, jovem estudante de medicina. Após consentimento do meu tio Dom Duarte, Chefe da Casa, casaram em 1945.


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RGAM.- Com o Banimento e o fim da Monarquia, toda a Família Real Portuguesa esteve largas dezenas de anos no exílio. Finda essa expatriação forçada foi o Senhor Dom Francisco o primeiro Bragança a nascer em Portugal, correcto? DFvU.- Dom Miguel I, morreu no exílio em 1866. Dom Miguel II, nasceu e morreu exilado em 1927. A minha mãe nasceu em Saint-Jean de Luz a 31 de Janeiro de 1912, aquando das incursões monárquicas, tendo como padrinhos de baptismo, o Rei Dom Manuel II e a Rainha Dona Amélia, com tudo o que isso demonstrava na relação familiar…! Em 1949, o Professor Salazar autorizou que os meus pais e dois filhos já nascidos, viessem viver para Portugal, apesar da Lei do Exílio ainda se manter em vigor. O meu futuro padrinho de baptismo, Francisco Xavier Quintela, combatente monárquico, pôs à nossa disposição a Casa da Quinta do Carmo, em Murfacém, Trafaria, mandada construir pelo Santo Condestável. Nasci a 8 de Setembro de 1949, sendo de facto o primeiro membro da família do meu Bisavô a nascer em Portugal após 115 anos de exílio. Nasceram de seguida mais três, duas filhas e um rapaz. O meu Pai, Professor Nicolau João van Uden, enveredou pela investigação científica. Foi cofundador do Instituto Gulbenkian de Ciência em Oeiras. Ainda hoje é considerado internacionalmente como um dos grandes especialistas em Genética Molecular! RGAM.- Durante a Guerra do Ultramar, o Senhor Dom Francisco serviu a Pátria integrado na afamada 32ª Companhia de Comandos; quer partilhar alguns dos motivos por que essa Companhia é ainda hoje recordada e louvada? DFvU.- A 32.ª Companhia de Comandos efectuou o curso no CIC, Centro de Instrução de Comandos em Angola, a partir de Fevereiro de 1971. Éramos mais de 500 voluntários, pré-seleccionados em Lamego, para formar duas companhias de 125 homens cada. Uma ficaria em Angola e a outra (32.ª) para Moçambique. O curso foi ministrado por cerca de 120 instrutores, que preenchiam diariamente uma ficha de comportamento de cada instruendo.

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Dom Miguel II e a Princesa Maria Teresa

Ao longo do curso, foram eliminados mais de metade dos futuros Oficiais Sargentos e Praças, apesar de enorme esforço e sacrifício de cada um! (Tivemos um total de 6 baixas por acidentes ao longo da instrução!) . Foi a melhor organização que conheci até hoje! Quando acabámos o curso, estávamos ao nível das melhores Tropas Especiais de qualquer país do mundo! Ao longo da comissão em Moçambique, sempre mantivemos elevada auto-confiança e fortíssimo espírito de unidade entre todos, aliada a total disciplina nas Operações. Não sofrermos único morto durante a comissão, apesar do intenso trabalho tido durante as 9 “Intervenções” de 2 meses cada, nas zonas mais difíceis, ainda infiltradas pela Frelimo.


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Sempre demos um forte apoio as populações, libertando-as do controle violento do inimigo. Também em relação ao IN, por diversas vezes efectuámos evacuações por helicóptero aos seus feridos... No final da comissão, Julho de 1973, a Frelimo já estava muito enfraquecida e a população na sua quase totalidade, apoiava a Administração Portuguesa. Se tivesse sido efectuado um referendo após o 25 de Abril, a Frelimo não teria mais de 10% de apoiantes…! Nessa altura, 60% das Forças Armadas em Moçambique eram já locais, com alta percentagem de voluntários. A totalidade dos custos da Forças Armadas eram suportados pelo governo local. Na altura o PIB moçambicano tinha um aumento anual na ordem dos 14%. Em Angola a guerra já tinha terminado (Março de 1973), com a extinção do MPLA. Efectuei ainda uma segunda comissão, como Capitão, a pedido do Comandante Chefe General Kaúlza de Arriaga, nos GEP´s, Grupos Especiais Paraquedistas. Entre GEP´s e GE´s, tínhamos cerca de 6000 homens, a maioria voluntários Africanos.

Final do Curso - Luanda 1971

Com o 25 de Abril, e as declarações do General Costa Gomes na rádio Beira (28 de Junho de 1974), de que não haveria autodeterminação, mas sim uma entrega do poder a Frelimo, “única representante do povo moçambicano”, acabei por ser expulso para a Metrópole, pelo presidente do MFA local, por recusar a colaborar na entrega dos nossos homens a Frelimo, ainda existente (apoiada por tropas Tanzanianas). Foram na sua maior parte fuzilados!! A 26 de Setembro de 1974 em Lisboa, tive um mandato de captura assinado pelo Costa Gomes, iniciando assim na clandestinidade, a minha terceira comissão, até ao 25 de Novembro de 75. O inimigo era o mesmo, só que desta vez estava na Metrópole!!! Também aqui foi necessário controlar a violência e obter forte apoio da população na luta anticomunista, evitando a guerra civil (os fins não justificam os meios…)! Na altura não sabíamos que a missão do Álvaro Cunhal por ordem de Boris Ponomarev (Comité Central Soviético), seu superior hierárquico, era tão só entregar todos os nossos Territórios Ultramarinos de África a movimentos locais pró-soviéticos, e não fazer de Portugal Europeu um estado comunista. Procissão de Nossa Senhora da Conceição- 2019

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Tinha havido um acordo tácito entre os EUA e a União Soviética, em que esta poderia controlar a África abandonada pelos europeus, mas não podia tentar controlar nenhum país da NATO. Foi em Março de 1973, em Paris, que o ex-militante comunista Mário Soares, acordou com Álvaro Cunhal que o recém-formado PS apoiaria este último na sua missão africana. Em contrapartida, Álvaro Cunhal, uma vez cumprida a sua missão, o que aconteceu a 11 Novembro de 1975 com a entrega do poder em Angola ao renovado MPLA, apoiaria Mário Soares e o PS para ascenderem ao poder em Lisboa. Quando as Companhias de Comandos, com muitos voluntários da ex-32.ª C. cmds, saíram para a rua em 25 de Novembro de 1975, o General Melo Antunes disse ao Major Jaime Neves para não atacar o Partido Comunista Português (PCP), mas tão só a extremaesquerda, nomeadamente a militar, uma vez que PCP iria portar-se democraticamente no parlamento. Verificou-se que assim foi, com excepção do seu “Braço Armado”, a Intersindical, cuja missão era debilitar ao máximo a economia nacional. Álvaro Cunhal traiu Portugal, traiu os seus militantes que não conheciam a existência de uma única missão do seu líder, e cometeu um crime de lesa humanidade, com as consequentes guerras civis em Angola e Moçambique, onde morreram cerca de 2,5 milhões de pessoas! Mário Soares foi claramente conivente. Só lhe interessava o poder em Lisboa…!

A nível interno, o sistema partidário, teria mais dificuldade em descambar em Partidocracia, pois o Regime Monárquico, permite ter um Chefe de Estado sem origem partidária, o que lhe dá independência em relação aos partidos e a confiança da população em geral. RGAM.- Porque a Monarquia hereditária sempre foi símbolo da identidade portuguesa, afiançadora da existência da Nação e garante dos direitos do povo, não seria, hoje, ter um Rei, como Chefe de Estado muito melhor para os portugueses?

DFvU.-O Regime Monárquico tem demonstrado na Europa, grandes vantagens em relação ao Regime Republicano. Imagine-se o que seria a Bélgica, sem governo eleito nos últimos dois anos, sem a monarquia e o seu Rei? E a actual Espanha, já estaria seguramente fraccionada em vários territórios independentes…! A unidade de Espanha Pós-Franquista, deve-se ao Rei Dom Juan Carlos, que no momento decisivo, “o 23 de Fevereiro de 1981” foi obedecido pelas Forças Armadas, evitando o desastre!!

RGAM.- Com a golpada revolucionária republicana que pôs fim a 771 anos de Monarquia, quebraram estouvadamente o fio da História de Portugal. Acredita, que não fosse esse corte, a exemplo das Monarquias europeias que são, na generalidade, os países mais ricos e desenvolvidos, Portugal poderia estar no mesmo patamar? DFvU.- Sem dúvida! Na República, o chefe de estado eleito, tem geralmente grande percentagem de eleitores que votam contra, bem como grande percentagem de abstencionistas, com toda a fragilidade que provoca no eleito, durante o seu mandato. (há excepções…!) Para a relação de Portugal com a CPLP, por exemplo, seria muito útil ter o Rei como Chefe de Estado permanente, em vez de inúmeros presidentes, periodicamente substituídos por outros. Entrega do Crachá

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Pequeno intervalo na Prova do Sono

RGAM.- É primo do actual Duque de Bragança, Chefe da Casa Real, que enaltece e mantém vivo o espírito da História e da tradição da Nação Portuguesa. Que mais-valia traria SAR o Senhor Dom Duarte à chefia do Estado, no caso de, como desejamos, ser chamado a desempenhar a função de Rei de Portugal?

DFvU.- A convite de S.A.R. o Senhor Dom Duarte, acompanhei-o numa das inúmeras visitas que fez á Guiné-Bissau. Quando aterrámos, a TV e numerosos jornalistas locais esperavam por ele na pista. Tratava-se, uma vez mais, de um importante acontecimento! Aquando de um cocktail-recepção de Sua iniciativa às entidades locais no Jardim do hotel onde estava hospedado, verifiquei que os Chefes étnico/tribais estavam presentes em grande número... Eles têm um profundo respeito por Ele como Representante de Portugal. Aquando dos 500 anos da chegada dos portugueses a Timor, o seu presidente organizou solene comemoração daquela data. Convidou representantes de todos os países da CPLP a participar, que se fizeram representar ao mais alto nível. Durante a cerimónia anunciou ao microfone, perante milhares de timorenses na praça pública, as suas presenças. Quando chegou a vez de Portugal, anunciou o nome do representante do governo português e o nome da S.A.R. o Senhor Dom Duarte de Bragança, como Representante de Portugal! Na noite anterior tinham montado três pequenas tendas, na praia onde desembarcaram os primeiros portugueses. Aí passaram a noite o Presidente de Timor, o Bispo de Díli e o Senhor Dom Duarte! S.A.R. o Senhor Dom Duarte tem dedicado toda a sua vida ao Serviço de Portugal, efectuando extraordinário e permanente trabalho de representar a Nossa Pátria no seu melhor: o seu Povo e a sua cultura de Princípios Tradicionais Cristãos! Tem-no feito dentro e fora das actuais fronteiras, sem descanso, sendo um fortíssimo exemplo, para os seus filhos e para todos nós portugueses! Bem-haja! e que Deus o acompanhe! Entrevista realizada por: Miguel Villas-Boas para a Real Gazeta do Alto Minho da Real Associação de Viana do Castelo

Zorra blindada no Mcito-Tete

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NOTA INFORMATIVA

A Direcção da Real Associação de Viana do Castelo, com mandato para o triénio 2017-2020, cumprimenta V. Exas, desejando desde já a continuação de um bom ano de 2019. A Real Associação de Viana do Castelo tem um plano de actividades e orçamento para 2019, aprovado em Assembleia Geral, que inclui diversas iniciativas, que vão desde a organização de conferências à publicação da Real Gazeta do Alto Minho, órgão oficial de comunicação da Real Associação de Viana do Castelo, do qual muito nos orgulhamos, e que se pretende sejam executadas com a participação de todos os associados, simpatizantes e entidades que entendam colaborar, com o intuito de contribuir e ajudar a dinamizar o ideal Monárquico que todos nós abraçamos convictamente. Atendendo à necessidade imperiosa que temos em angariar recursos financeiros necessários ao normal funcionamento da Real Associação, e tendo em conta que uma das competências da Direcção é a cobrança de quotas, eu, em nome da Direcção e na qualidade de Vice-Presidente, venho por este meio solicitar a V. Exas. a regularização da QUOTA DE ASSOCIADO REFERENTE ao ano de 2019, no valor de 20,00 € (vinte euros), preferencialmente por transferência bancária, para: Titular da Conta: Real Associação de Viana do Castelo Entidade bancária: Caixa de Crédito Agrícola Agência: Ponte de Lima IBAN: PT 50 0045 1427 40026139242 47 Número de conta: 1427 40026139242 SWIFT: CCCMPTPL Caso seja possível, pede-se o favor de enviarem por e-mail (real.associacao.viana@gmail.com e pedrogiestal@gmail.com) informação da regularização da quota (ex: comprovativo), após o que procederemos de imediato à emissão do recibo de liquidação. Cordiais cumprimentos e saudações monárquicas, Pedro Giestal Vice-Presidente da RAVC

Ficha Técnica TÍTULO:REAL GAZETA DO ALTO MINHO PROPRIEDADE: REAL ASSOCIAÇÃO DE VIANA DO CASTELO PERIODICIDADE:TRIMESTRAL DIRECTOR:JOSÉ ANÍBAL MARINHO GOMES REDACTOR:PORFÍRIO SILVA WEB:WWW.REALVCASTELO.PT E-MAIL:REAL.ASSOCIACAO.VIANA@GMAIL.COM

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JANTAR DOS CONJURADOS BRAGA, 2019 REAL ASSOCIAÇÃO DE BRAGA Abstract On November 30, 2019, the Royal Associations of Braga and Viana do Castelo, with the collaboration of the Royal Association of Porto, held the traditional dinner. Maintain the memory of the extraordinary act of courage of the Portuguese noble group, who on the night of November 30, 1640, joined and engineered for the following day the rebellion that would later become known as the Restoration of Independence. Key words: Conjured, independence, 1st of December, 1640.

Resumé Le 30 novembre 2019, les Associations Royales de Braga et Viana do Castelo, avec la collaboration de l'Association Royale de Porto, ont organisé le traditionnel dîner. Gardez la mémoire de l'extraordinaire acte de courage du groupe des nobles portugais, qui, dans la nuit du 30 novembre 1640, a rejoint et organisé pour le lendemain la rébellion qui deviendra plus tard connue sous le nom de restauration de l'indépendance. Mots clés: Conjuré, indépendance, 1er décembre, 1640.

No dia 30 de Novembro de 2019, as Reais Associações de Braga e Viana do Castelo, com a colaboração da Real Associação do Porto, realizaram o tradicional Jantar dos Conjurados, na cidade de Braga, que contou com a participação de mais de sessenta “Conjurados”, e D. Lourenço de Almada, Conde de Almada, descendente de Dom Antão Vaz de Almada, um dos 40 “revoltosos” que no dia 1 de Dezembro de 1640, terminaram com o domínio filipino em Portugal. Manter a memória do extraordinário acto de coragem do grupo de fidalgos portugueses, que na noite de 30 de Novembro de 1640, se reúne pela última vez em Lisboa, muito provavelmente para ultimar pormenores para o dia seguinte, dia 1 de Dezembro, dia em que eclodiu a revolta que viria a ser conhecida como a Restauração da Independência. É este o grande simbolismo desta noite, lembrar que Portugal não se entrega, nem se conquista, Portugal terá sempre quem lutará pela sua independência e liberdade.

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Jantar dos Conjurados Braga, 2019

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O Presidente da Direcção da Real Associação de Braga, Gonçalo Pimenta de Castro, iniciou a sua intervenção cumprimentando e agradecendo a presença de todos, centrando a sua intervenção no Dr. João Pinto Ribeiro (1590-1649), considerado o cérebro da Restauração, com ligações ao Concelho de Celorico de Basto, no Distrito de Braga. Evidenciou alguns aspectos pouco conhecidos do papel deste ilustre jurista na conjura, referindo que João Pinto Ribeiro foi decisivo no tipo de monarquia a restaurar, uma vez “A monarquia vale por virtude própria, independentemente da figura que a encarna”. Afastando-se com este pensamento do absolutismo, e reforçando o papel central das Cortes na legitimação do Rei, assim como, na legitimação do papel dos seus representantes, como o Estado dos Povos. O palestrante convidado, o Professor Doutor António Lemos Soares, Professor Auxiliar da Escola de Direito na Universidade do Minho, realizou uma intervenção subordinada ao tema: “A Restauração de 1640 – A Recuperação da Liberdade Portuguesa”. Intervenção esta que começa em Alcácer Quibir e termina na Restauração da Independência de Portugal a 1 de Dezembro de 1640 e que promoveu um frutuoso período de perguntas e respostas, entre audiência e palestrante, que muito enriqueceu este magnífico evento. Como vem sendo hábito, a Real Associação de Braga, aproveita este evento para angariar fundos para uma instituição. Desta feita, angariou o valor de Duzentos Euros, que se destinavam a ser entregues à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – APAV. A APAV é uma organização sem fins lucrativos e de voluntariado, que apoia, de forma individualizada, qualificada e humanizada, vítimas de crimes, através da prestação de serviços gratuitos e confidenciais. Com uma implantação nacional, este jantar irá apoiar directamente o gabinete de apoio à vítima do Distrito de Braga, que, por coincidência, abrange também o Distrito de Viana do Castelo.

O palestrantre com o Dr. António Pedras Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Real Associação de Braga

À esquerda para a direita Prof. António Lemos Soares e Dr. Gonçalo Pimenta de Castro, Presidente da Real Associaçao de Braga

Prof. Dr. António Lemos Soares

No próximo ano, o Jantar dos Conjurados será realizado em Viana do Castelo.

Dr. José Aníbal Marinho, presidente da Direcção da Real Associação de Viana do Castelo e sua mulher

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JANTAR DOS CONJURADOS EM LISBOA O tradicional Jantar dos Conjurados da Causa Real realizou-se este ano na Associação Comercial de Lisboa, no dia 30 de Novembro, junto ao local de onde partiram em 1640 os 40 homens que iniciaram a restauração da independência de Portugal. Foi antecedido do discurso que desde há longos anos o Senhor Dom Duarte, Duque de Bragança vem proferindo ao país. A acompanhar Sua Alteza Real, estiveram a Senhora Dona Isabel, o Príncipe Dom Afonso e a Senhora Dona Francisca. A Associação Comercial de Lisboa foi fundada por D. Maria II e simboliza também a importância dada pela monarquia portuguesa ao valor da iniciativa privada e da interacção entre os diferentes agentes económicos. A presidência da Causa Real e diversos membros da sua direcção estiveram presentes nesta ocasião.

Mensagem aos Portugueses

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MENSAGEM DO 1º DE DEZEMBRO DE 2019 S.A.R. O SENHOR D. DUARTE, DUQUE DE BRAGANÇA

Caros Compatriotas: Neste dia em que celebramos a gloriosa data em que os nossos antepassados, com grande risco da própria vida, restauraram a liberdade de Portugal, gostaria de abordar preocupações que tenho sentido ao longo deste ano. Nos últimos anos temos vindo a assistir a uma debandada dos nossos jovens para o estrangeiro. Não vão porque querem, mas porque o país onde nasceram não lhes proporciona condições para uma vida com esperança no futuro. Por cá os nossos jovens têm cada vez mais tarde condições para sair de casa dos pais e levarem uma vida autónoma. Esta geração, será provavelmente a mais bem preparada de sempre em termos académicos e de conhecimento do mundo. São um activo muito valioso que o país está a deixar escapar. Devemos defender e divulgar os nossos valores culturais e espirituais e políticas positivas, que defendam as famílias, promovam a natalidade e que apoiem eficazmente as que gostariam de ter mais filhos, através de medidas de apoio social inteligentes. Devemos lutar contra a cultura da morte que reduz e angústia a pessoa humana. Para além de se verificar uma dramática baixa de natalidade em Portugal, vemos agora uma perversa lógica de facilitar e antecipar a morte ao invés de se promoverem os cuidados paliativos que permitam um fim de vida mais tranquilo e natural. Um pouco por todo o lado assistimos às limitações do Estado. São exemplo disso as dificuldades relatadas na saúde. Verificam-se intermináveis as listas de espera para consultas, cirurgias e outros actos médicos; há relatos de pessoas que não sobrevivem a essa demora. Neste campo da saúde, quero salientar a enorme dedicação e generosidade dos Médicos e Enfermeiros e Funcionários que trabalham no sector público, apesar da frequente falta de condições. Tive a oportunidade de verificar a excelente qualidade dos Médicos de um Hospital público, ao qual recentemente recorri, apesar das difíceis condições em que trabalham. Temos frequentemente notícias de situações de negligência por parte de outras estruturas do Estado, em Tancos, em Pedrogão, no Rio Tejo, e tantos casos mais. O Estado tem de valer aos Portugueses. Mas em vez de abrir caminho aos jovens, à inovação, às empresas, às ciências, aos investimentos não especulativos, numa palavra, ao futuro, tem escolhido o caminho mais fácil do aumento de impostos.

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Também vamos conhecendo situações de práticas ilícitas por parte das chamadas elites, muitas vezes implicando situações de corrupção. A justiça revela-se demasiado lenta e ano após ano não se verificam resultados. São poucos os que pagam as consequências dos seus actos. As leis estão desajustadas em relação à realidade nacional e as condições, materiais e humanas, de que os Juízes dispõem são manifestamente insuficientes para cumprirem em tempo útil a missão de que estão incumbidos. Também é pouco explicável a situação de degradação das forças de segurança. Estas forças, que tanto têm dignificado Portugal ao longo da nossa História e em tantas difíceis circunstâncias onde actuaram, têm sido vítimas de um desinteresse crescente. Situações como as que se passaram num bairro degradado em Setúbal em nada ajudam ao respeito e à dignificação desses homens e mulheres notáveis que são responsáveis pela nossa segurança. O País perde-se em espúrios e encarniçados debates sobre temas fracturantes que servem interesses duvidosos e são úteis para distrair os mais incautos dos verdadeiros problemas. Os mais recentes actos eleitorais mostram um elevado descontentamento do eleitorado relativamente às forças políticas tradicionais. Esta situação vem aliada a uma forte abstenção, consequência da desilusão por parte dos cidadãos em relação à política. Esses sinais são visíveis nas gerações jovens que não se sentem representadas. Tudo isto poderá degenerar em consequências graves no futuro. Poderá ser este o momento para em Portugal se equacionar o voto obrigatório, ao mesmo tempo que as instituições do regime se reabilitam e moralizam para melhor corresponder às expectativas dos eleitores. Não sendo esta a solução ideal poderá contribuir para o aumento do interesse dos portugueses pela causa pública. Apesar do panorama que descrevi, Portugal continua a ser um País aberto ao mundo. Nos tempos mais recentes temos vindo a conhecer empresas que querem investir em Portugal, criando postos de trabalho e gerando riqueza. Do mesmo modo, temos demonstrado uma enorme capacidade de acolhimento de comunidades de imigrantes, de vários pontos do mundo, nomeadamente dos países de Língua Portuguesa. Este é um reconhecimento da boa relação que os portugueses têm sabido semear e manter em diferentes geografias. Ao longo de 2019, tal como sempre, visitei antigos territórios e comunidades portuguesas, por forma a que mantenham vivo um elo com Portugal. Este ano estive mais uma vez presente nas comunidades portuguesas na Tailândia e Sri Lanka. Apesar da distância, a ligação com Portugal mantém-se e é muito respeitada. Este é um activo muito valioso que o País não pode descurar. Tive também a feliz oportunidade de revisitar Timor, por ocasião do 20º centenário do referendo que levou à recuperação da liberdade e da independência. Quero elogiar a notável obra do seu Governo na promoção de uma economia saudável. A Fundação D. Manuel II, a que presido, tem colaborado em projectos em Timor para o reforço do ensino da Língua Portuguesa e de uma agricultura sustentável. Também temos cooperado com outros Países da CPLP nestes campos. Um assunto que nos deve preocupar e que há muito acompanho com chamadas de atenção desde que contactei pessoalmente, há mais de dez anos, o então Vice-presidente norte-americano Al Gore, é o das alterações dos padrões climáticos. O pensamento monárquico dá prioridade aos valores permanentes da nossa Pátria, enquanto outros estão mais preocupadas em manter o poder nas próximas eleições.

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Nesse sentido, quero saudar o Arq. Prof. Gonçalo Ribeiro Teles que liderou as primeiras leis de protecção do território e dos recursos naturais, quando foi ministro pelo PPM no governo da AD. Há quarenta anos foram militantes monárquicos que levaram este tema à vida política nacional. Quero homenagear a grande escritora Sophia Mello Breyner Andresen, cujo centenário decorre este ano e que se distinguiu, para lá da sua extraordinária obra poético-literária, pela sua intensa actividade cívica, na luta pela liberdade no seu País como monárquica democrata. Numa fase da Europa em que existe uma crise dos refugiados e em que os poderes europeus pouco fazem para a resolver, quero saudar a figura do indefectível monárquico que foi Aristides Sousa Mendes que, contrariando instruções recebidas, salvou a vida a muitos milhares de refugiados que procuravam escapar ao Holocausto. Um Rei, como Chefe de Estado, simboliza a defesa destes valores permanentes, para além da evolução dos princípios sociais e políticos. Acredito que se os Portugueses puderem ter acesso à informação necessária e isenta, e tiverem o direito de decidir a forma de chefia de Estado que preferem, irão escolher a Instituição Real. A Terceira República trouxe esperanças graças à restauração da democracia, mas hoje em dia falta esperança aos Portugueses. Os grandes apoios financeiros, vindos da União Europeia, foram investidos em infra-estruturas de “país rico”, mas a economia produtiva não cresce. Que os exemplos de todos os Portugueses que continuam a acreditar em Portugal sejam para nós uma inspiração e uma esperança do sucesso da nossa Nação. A minha Família e eu continuamos, tal como no passado, decididos a apoiar todas as instituições, privadas e públicas, que trabalhem para esse fim. Viva Portugal!

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INTERVENÇÃO DE TERESA CORTE-REAL NO JANTAR DOS CONJURADOS

Teresa Côrte-Real

Estamos hoje acompanhados neste jantar pelos retratos de vários monarcas que acompanharam o seu tempo, que souberam ou tentaram ler os sinais que a sociedade lhes transmitia e que nela quiseram intervir de diferentes formas. Sabiam que a natureza transgeracional e intemporal do cargo que ocupavam lhes dava um capital único de representatividade da identidade portuguesa, fundamental para a defesa do bem comum e do fortalecimento da presença de Portugal na Europa e no Mundo e souberam corresponder a essa responsabilidade. Escreveu Oliveira Martins que D. Pedro V: “Tinha em tanta conta os que o rodeavam, cria tanto neles, que mandou pôr à porta do seu palácio, uma caixa verde, cuja chave guardava, para que o seu povo pudesse falar-lhe com franqueza, queixar-se, acusar os crimes dos governantes.” Sabia que sem ouvir os portugueses, sem chegar perto deles nunca os poderia conhecer verdadeiramente nem conseguiria ser aquilo a que anos mais o seu sobrinho, o rei D. Carlos um dia diria querer ser “o primeiro dos cidadãos”.

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É este também o nosso desafio enquanto Causa Real e é esta uma das missões desta comissão executiva à qual presido: constituir uma plataforma que represente e dê voz à sociedade civil em causas que são de todos, ouvindo e dando voz, colaborando com o Estado português e com outras instituições naquilo que releve do bem comum e não colida com princípios fundamentais como os da defesa da soberania nacional, daquilo que é o mundo português, da promoção da coesão e da justiça social e da valorização de uma ecologia humana que estão na base do nosso movimento. Este desafio passa certamente pelo contributo que temos de dar no repensar o nosso sistema de Educação. Ninguém é o que não conhece ou que julga não ser capaz de ser. Para além de denunciar e corrigir erros históricos existentes em alguns manuais escolares, há que contribuir para o despertar das consciências promovendo o debate e o pensamento crítico numa lógica de conhecimento objectivo da nossa história, bem consciente do nosso presente e com um cariz multiplicador da afirmação da nossa identidade no futuro. É essa lógica que está na base do recentemente criado grupo de trabalho que, no âmbito do Projecto Educar da Causa Real, reúne historiadores e professores de diferentes áreas que irá analisar os conteúdos programáticos dos currículos escolares com vista à elaboração de um relatório final a ser apresentado publicamente e junto das autoridades competentes. No seguimento da defesa e promoção da coesão territorial e da ecologia humana que queremos reforçar, é nosso dever contribuir para a solidificação da identidade colectiva que necessita de um motor de unidade entre norte e sul, interior e centros urbanos, que seja capaz de ir contra interesses oligárquicos que dividem os portugueses, que atentam contra a nossa soberania e delapidam o património humano do nosso país. Precisamos de exemplos a seguir, de pessoas de hoje cujos percursos de vida sejam para nós referência e nos ajudem a construir este caminho. Acredito que falo por todos quando lhes digo que é com a maior honra e reconhecimento que anuncio hoje a criação do “Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem ”, uma iniciativa da Causa Real em parceria com o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, a Ordem dos Engenheiros, a Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagísticos e em colaboração com a família Ribeiro Telles que será entregue no dia 10 de Janeiro na FCG em cerimónia para a qual estão todos convidados. A sua profunda consciência cívica e o seu empenho na causa pública, sempre em defesa de Portugal são para mim o melhor dos guias e dos exemplos do que é de facto ser monárquico. Como consta do regulamento do prémio, ele será concedido a uma personalidade que tenha sido protagonista de uma intervenção relevante e com impacte na interface entre a sustentabilidade ambiental e da paisagem urbana em Portugal e que possa ser, ela própria, exemplo para outros. É com este espírito que queremos prosseguir. Demonstrar que o movimento monárquico está ao lado dos portugueses, sejam eles querem forem. Sair do “modo biblioteca” em que alguns ainda insistem em o querer pôr e contribuir construtivamente para uma nova organização dos poderes do Estado nas áreas de soberania, da economia e da promoção do bem-estar da sociedade. Seria isso certamente que os conjurados de 1640 nos pediriam hoje e é isso que vamos fazer, em espírito de missão e ao serviço de Portugal. Viva o rei E viva Portugal

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Teresa Côrte-Real Presidente da Direcção da Causa Real com Suas Altezas Reais os Senhores Duques de Bragança

Panorâmica do Jantar

Os Duques de Bragança com os filhos D. Afonso e D. Francisca

Intervenção de Dom Duarte Pio no Jantar dos Conjurados

D. Isabel de Bragança e o Principe da Beira assistem à mensagem aos Portugueses

D. Afonso de Bragança com um grupo de jovens

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TRANSIÇÃO PARA O REGIME MONÁRQUICO NO SÉCULO XXI TOMÁS A. MOREIRA

RESTAURAÇÕES MONÁRQUICAS

Abstract How did regime changes in other countries take place in practical terms? What are the practical modalities, what are the possible paths? Is a peaceful change of political regime possible? What is the strategy of Portuguese monarchists? Key Words:

monarchical

restorations,

Em Espanha a República foi implantada em 1931 depois de uma vitória eleitoral do partido republicano em eleições municipais. Após uma terrível guerra civil e uma longa ditadura, Francisco Franco lançou as bases para que em 1975 a Monarquia fosse restaurada e depois referendada em 1978 no âmbito duma nova Constituição que devolveu a normalidade democrática e social ao país.

referendums, elections e revolutions.

Resumé Comment se sont déroulés concrètement les changements de régime dans d'autres pays? Quelles sont les modalités pratiques, quelles sont les voies possibles ? Un changement de régime pacifique estil possible? Quelle est la stratégie des royalistes portugaises ? Mots clés: Restaurations monarchiques,

référendums, élections et révolutions.

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Acto de aprovação da Constituição por Juan Carlos I a 27 de Dezembro de 1978


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O Camboja aboliu a Monarquia em 1970 através dum golpe militar e instalou a República. Após duas décadas de absoluto terror comunista, a Monarquia foi restaurada em 1993 e o Rei Sihanouk retomou o trono. Desde então o país é uma democracia estável, pacífica e próspera.

arábica) revelaram-se como extraordinários oásis de estabilidade e prosperidade. Apesar disso nenhuma das atribuladas repúblicas da região considerou a opção de se transformar numa Monarquia. COMO SE MUDA DE REGIME

Norodom Sihanouk

À parte estes dois casos importantes de restaurações bem-sucedidas, há que ser realista e ter consciência de que os ventos não têm sido favoráveis às causas monárquicas. Nas últimas décadas a Monarquia não tem sido escolhida como solução para países em busca de mudanças constitucionais, com raras e pouco significativas excepções. Dois exemplos de oportunidades perdidas: - Após a queda da Cortina de Ferro em 1989 muitos países do centro e leste europeu definiram novos quadros constitucionais e aderiram a uma União Europeia que contava com seis Monarquias entre os seus doze membros. Apesar disso, nenhum daqueles países optou por restaurar o regime monárquico, que nalguns deles até tinha fortes raízes históricas e pretendentes ao trono credíveis e respeitados. - Nas convulsões da Primavera Árabe a partir de 2010, as Monarquias da região (Marrocos, Arábia Saudita, Jordânia e vários emirados da península DEZEMBRO 2019

Qual é o exemplo, como ocorreram as mudanças noutros países? A maioria das transições de regime foram consequência directa ou indirecta de crises graves, processos violentos e traumáticos, tais como: Guerras perdidas; Intervenções estrangeiras; Rupturas constitucionais; Processos revolucionários; Ditaduras; Regicídios; Conflitos agudos entre candidatos/pretendentes à chefia do estado e Convulsões sociais. E quais são as modalidades práticas, qual é o receituário, qual é o caminho? Há um guião? Encontramos formas violentas, vias “musculadas” e caminhos pacíficos: Imposição exterior; Levantamento militar; Golpe de estado; Imposição ditatorial; Sublevação popular; Referendo ou plebiscito; Eleição duma maioria parlamentar e alteração por via constitucional. Por regra os novos regimes só conseguiram consolidar-se através da conjugação de diversos destes eventos. Numa análise muito ligeira, reflitamos sobre alguns exemplos para deles extrairmos lições.

MÉTODOS VIOLENTOS Em França, a definitiva implantação da república foi consequência da traumática derrota na guerra franco-prussiana em 1870 que levou à queda do Segundo Império e do Imperador Napoleão III. Na Rússia, o caminho para enterrar a monarquia e consolidar o novo regime a partir de 1917 passou por uma guerra perdida, revoltas populares, levantamentos militares em apoio à revolução, um regicídio, a guerra civil e uma ditadura sangrenta. Foi a derrota na Primeira Guerra Mundial em 1918 que derrubou a Monarquia nos países vencidos, grandes potências imperiais europeias: Alemanha, Áustria, Turquia.


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O desfecho da Segunda Guerra Mundial, seguida de ocupações estrangeiras, abateu mais algumas Monarquias no centro da Europa, nos Balcãs e em Itália. Não será necessário lembrar que em Portugal o caminho para a República passou pelo duplo regicídio e por um golpe militar contra um regime legítimo, democrático e constitucional, e que nunca houve a coragem de plebiscitar o novo regime, que verdadeiramente só se consolidou graças à ditadura do Estado Novo. REFERENDOS Para decidir sobre a forma de regime, vários países promoveram referendos, mas estes por regra apenas tiveram como objectivo a consolidação dos regimes já vigentes ou a validação de mudanças previamente obtidas pela força. Em geral os resultados dos plebiscitos foram favoráveis à manutenção dos regimes vigentes, ou seja, compreensivelmente os poderes instituídos só têm consentido plebiscitar os seus regimes a referendo quando estão razoavelmente seguros de o vencer. A Grécia é um bom exemplo: No século passado por três vezes a República foi implantada através de levantamentos militares, sendo duas vezes validada por referendo (1924, 1973). Mas, em sentido oposto, após períodos de guerra ou convulsões internas terem levado os monárquicos ao poder, foi a Monarquia quem venceu os referendos de 1920, 1935 e 1946. Em Itália em 1946 as forças de ocupação aliadas forçaram e manipularam um referendo que a Monarquia perdeu (apesar de 45% de votos a favor); no entanto ainda hoje os resultados são acusados de fraudulentos. No Brasil, no referendo de 1993 a Monarquia obteve só 13% de votos e o status quo da República foi confirmado. Na Austrália, no referendo de 1999 também saiu confirmado o status quo vigente, neste caso a Monarquia. É agradável lembrar que o século XX terminou com uma vitória do lado monárquico. Salvo omissão, não voltou a haver qualquer referendo sobre a forma de regime, apesar de ser um assunto sempre na ordem do dia na Roménia.

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ELEIÇÕES Há um caso recente de um partido monárquico conseguir sucesso eleitoral com a expectativa de restaurar o regime: Na Bulgária o Rei Simeão II, deposto pelos invasores soviéticos no final da Guerra, aproveitou a queda da cortina de ferro para formar um partido político. Graças ao seu enorme prestígio ganhou as eleições em 2001 e ascendeu a Primeiro Ministro, mas não se aproveitou a oportunidade para referendar a mudança de regime. Tendo perdido as eleições legislativas seguintes, o seu partido definhou e desvaneceu-se a oportunidade de restaurar a Monarquia.

Simeão II da Bulgária

A pura e dura realidade á que não existem exemplos de processos pacíficos de transição de regime por via eleitoral democrática desligados de acções violentas imediatamente anteriores ou posteriores.


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OS CAMINHOS DOS MONÁRQUICOS PORTUGUESES No passado, quais foram as estratégias dos monárquicos portugueses? Simplificando diria que durante a 1ª República optaram sobretudo por meios violentos, através de levantamentos militares (Incursões, Monarquia do Norte, Monsanto). Na 2ª República apostaram maioritariamente na via pacífica e numa evolução constitucional ditada por Salazar “por decreto”, a exemplo do que viria a acontecer em Espanha. Logo após a implantação da 3ª República esperaram conseguir resultados eleitorais expressivos através do PPM, estratégia esta que cedo se verificou não ter perspectiva de sucesso. Não critiquemos estas opções, que foram provavelmente as mais adequadas para as respectivas épocas, mas há que reconhecer que não vingaram, por culpas próprias ou por vicissitudes da história. Hoje qualquer uma daquelas opções parece está excluída enquanto alternativa com expectativas realistas de sucesso. Então hoje, já no século XXI, de que forma pensam os monárquicos reinstaurar a Monarquia? Há uma estratégia concreta? Ou várias? Quais são? São compatíveis entre si? Relembrando as vias alternativas já referidas: Imposição exterior: Vivemos de facto sob formas modernas de domínio estrangeiro, mas será pensável que alguma entidade externa nos venha impor ou sequer propor uma Monarquia? Sublevação popular: Alguns confiam no “quanto pior melhor”. Esperam que uma revolta popular que poderá resultar da evidente degradação do Regime venha a restaurar a Monarquia nas ruas? Levantamento militar: Os militares andarão insatisfeitos, mas alguém tem expectativas de que derrubem o Regime? Golpe de Estado: Temos políticos e comentadores prestigiados a proclamar que o regime se esgotou. Mas quem seriam os protagonistas com poder e coragem para levar a cabo um golpe palaciano de cariz monárquico?

Imposição ditatorial: Há quem anteveja a possibilidade de a democracia cair em descrédito e regressarmos a um regime autoritário. Poderá DEZEMBRO 2019

surgir um homem providencial que imponha a Monarquia por decreto?Queremos que isso aconteça? Deveremos trabalhar nesse sentido? Referendo: Conseguiremos um dia os 51% necessários? Se nos sentirmos com força, queremos apostar o tudo-ou-nada num referendo? Eleições: Acreditamos numa maioria eleitoral que altere a Constituição pelo voto de dois terços dos deputados? E nas eleições seguintes, se perdêssemos a maioria? Voltaria tudo para trás? Como solidificar e eternizar uma maioria?

CONCLUSÃO Qual é então a nossa estratégia? Algumas das acima referidas? Alguma outra? Parece não haver uma estratégia clara, partilhada, divulgada e interiorizada pelos monárquicos e estranhamente vejo esta questão muito pouco debatida, mesmo nos Congressos anuais da Causa Real. Claro que há unanimidade quanto a ser necessário semear, doutrinar, divulgar o ideal, unir os militantes, angariar novos simpatizantes e promover a família real, mas se hoje já tivéssemos um apoio popular significativo, o que iríamos fazer? Disse Confúcio que “Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar onde quer”. No meio das tempestades que este nosso país de navegadores enfrenta – e que não podemos mudar, que rumo propomos ao movimento monárquico, para chegarmos ao porto desejado? Será em função desse rumo – a nossa estratégia que teremos que orientar as nossas velas, ou seja, aplicar as táticas mais adequadas em cada momento. Sem uma estratégia consensual realista e sem marinheiros capazes de manobrar as velas, continuaremos ao sabor dos ventos e nunca alcançaremos a Terra Prometida.


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JORGE PORTUGAL DA SILVEIRA MANUEL CARDOSO Abstract Jorge Portugal da Silveira was monarchical by tradition, conviction and sense of future. In his view for Portugal was a need for social justice and to place the Sea as a national purpose. Key words: monarchical militancy, social justice, india, sea.

Resumé Jorge Portugal da Silveira était monarchique par tradition, conviction et sens de l'avenir. Pour lui, Portugal a besoin de justice sociale et de faire de la mer un objectif national. Mots clés: militantisme monarchique, justice sociale, inde, mer. Muitas pessoas têm tido influência na minha vida, mas muito poucas a tiveram de forma tão decisiva e indelével como Jorge Portugal da Silveira. É nítida a memória que conservo deste português, monárquico, católico e amigo, a quem tive o privilégio de poder, depois da morte de meu Pai, também assim o tratar. O forte sentimento familiar existente já vinha dos nossos laços e raízes trasmontanas e isso constituiu um ponto de convergência, para lá de todos os que se construíram: os das ideias políticas e do dever, da noção holística do que é imperativo no nosso posicionamento perante a história, a vida e as circunstâncias. Jorge Portugal da Silveira era monárquico por tradição(1), por convicção e por sentido de futuro. Era-o por tradição porque já a sua família o fora e de forma muito activa: o seu pai participara em Monsanto, em 1919, o que lhe valera a prisão e deportação para a Madeira e o fim abrupto da carreira militar em Cavalaria, e isso veio a ser um dos acontecimentos que serviu, mais tarde, para a inspiração da militância de seus filhos; por convicção, porque sempre o ouvi a discorrer de forma lógica e coerente todos os argumentos que o faziam assim crer, o de que a melhor chefia

do Estado para a condução dum país (que não só Portugal) é a monárquica sucessória; por sentido de futuro, já que, na construção política das sociedades, a forma monárquica tem sido a que melhores provas deu até hoje e, como tal, a que melhor servirá para a constância e progresso das mesmas.

Jorge Portugal da Silveira

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Na oposição ao regime de Salazar e de Caetano, o seu alinhamento foi o de Ribeiro Telles e do grupo de relações criadas desde o Liceu Pedro Nunes e de Agronomia, onde foi aluno. Dessa constelação fizeram parte as reuniões do Movimento Monárquico Popular, do Grupo GAMA, da Liga Popular Monárquica e, mais tarde, da Convergência Monárquica, de que veio a resultar o PPM – Partido Popular Monárquico, em 23 de Maio de 1974. Percorreu uma boa parte do País para a sua implantação e lembro-me bem de o acompanhar, eu ainda nos meus quinze anos!, em algumas reuniões e, mais tarde, aquando das primeiras eleições, nalguns comícios e sessões de esclarecimento no Norte, numa militância que não estava isenta de perigos e problemas, quer logísticos quer de segurança, e em que eram difundidas ideias de justiça social urgente para o país, de uma ecologia humana, de uma regionalização municipalista, de uma reforma agrária equilibrada, de um reposicionamento de Portugal perante o mundo e a instauração duma monarquia na chefia do estado semelhante às dos mais progressivos países da Europa, com liberdade de expressão e garantia de liberdade aos cidadãos. Inesquecíveis, muitas reuniões a que assisti, embasbacado perante sumidades, confesso, na sede no Bairro Azul e, depois, na da Rua da Escola Politécnica. Conversas e discussões fantásticas entre Ribeiro Telles, Álvaro Dentinho, Rodrigo de Moctezuma, Luís Coimbra e Portugal da Silveira, entre outros. Barrilaro Ruas normalmente folheava um livro, meio absorto e como que alheado, mexendo em papéis e cofiando a barba, interrompia com voz timbrada e inconfundível, fazia-se silêncio… que o João Camossa fulminava com uma frase contraditória, após ele Álvaro Dentinho, e a discussão recomeçava!

Jorge Portugal da Silveira veio a ser deputado pelo círculo de Viseu pelo PPM, integrado nas listas da AD - Aliança Democrática, de que faziam também parte o CDS e o PPD, no período entre 13 de Novembro de 1980 e 10 de Junho de 1982. Interveio e deu apoio a numerosas iniciativas legislativas apresentadas, tanto na forma de projectos de lei como de revisão, nas I e II Sessões da II Legislatura: Decretolei nº 72-A/81, de 30 de Setembro(2) (Aprova o Código do Processo de Trabalho, foi apresentado também pelos deputados do CDS), Tratamento de logradouros de edificações e de zonas envolventes nos loteamentos, Lei quadro do ambiente, Lei dos baldios (pretendendo que tenham um regime jurídico claro que ponha fim aos conflitos existentes e ao seu esbulho), Alteração ao Código Registo Civil (aprovado pelo Decreto-Lei nº 51/78 de 20 de Março), Tratamento exterior dos edifícios incluídos em paisagens tradicionais, Criação do concelho de Carnaxide, Liberalização dos sectores económicos não nacionalizados, Autoprodução e distribuição independente de energia eléctrica, Regime de criação de freguesias e municípios e fixação da categoria das povoações, Revisão do regime jurídico de protecção aos solos de aptidão agrícola, Criação dos planos concelhios de ordenamento territorial, Deposição de resíduos nucleares em águas oceânicas (que proíbe a descarga de resíduos radioactivos na zona económica exclusiva portuguesa), Impacto ambiental (que sujeita os grandes projectos à realização de estudos de impacte). Para além das intervenções em plenário em sede de discussão de outras matérias.

1 Jorge Victor de Melo de Portugal da Silveira nasceu em Lisboa em 30 de junho de 1921, sendo filho de Alberto Victor de Paiva de Portugal da Silveira e de sua mulher D. Maria Georgina Pessanha Charula de Melo, neto paterno de Victor Eduardo da Mota de Portugal da Silveira e de sua mulher D. Clotilde Eugénia de Paiva, e neto materno de D. José Jorge de Melo e de sua mulher D. Laura Adelaide de Almeida Pessanha Charula, tendo casado em Santiago do Cacém em 28 de Julho de 1957 com D. Maria Madalena Parreira Cabral Falcão Beja da Costa Luzeiro Infante de La Cerda, filha de Carlos José Parreira Cabral Luzeiro Infante de La Cerda e de sua mulher D. Maria Madalena Falcão Beja Sabido da Costa, neta paterna de António Parreira de Aboim Luzeiro Infante de La Cerda e de sua mulher D. Maria Tereza Freire Cortez Cabral Metelo, neta materna de José Francisco Arrais Falcão Beja da Costa e de sua mulher D. Maria Ana Lopes Sabido. Morreu em Santiago do Cacém em 6 de Setembro de 1990. Deixou quatro filhas.

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Um dia, confrontei-o com o facto de ser católico e acreditar convictamente na existência de Deus mas não ir à missa… e lembro-me do escrupuloso cuidado posto na resposta para não ferir qualquer susceptibilidade minha nem me induzir a imitá-lo: no seu ponto de vista e tomada de posição, a igreja hierárquica portuguesa estaria mais ao serviço dum programa próprio do que do Evangelho como ele o tentara viver. Sentirase desiludido pela posição de quase silêncio da igreja perante os dramas sociais do país a que assistira durante muito tempo, e traído nos esforços que empreendera nesse campo. Não compreendi então totalmente o que me dizia mas aquela minha observação despertara um lado ainda não abordado nas nossas conversas e, de súbito, vi-me a ler Carlo Coccioli, Giovani Papini e uns quantos mais a que JPS me entusiasmava. Ouvi-lhe uma argumentação inspiradora sobre o Pai - Nosso, que fora beber. à Vida de Cristo

deste último autor, e à noção do inversor no percurso da Humanidade.E se era católico! Ele tinha tocado toda a substância de que fora escrito O Céu e a Terra(3): a Caridade não era para JPS uma palavra vã mas concreta, muito concreta: eu pressentira-o na forma como o via tratar os outros, sendo um homem interiormente forte, com humildade e com delicadeza – e a delicadeza é a flor da caridade! Ora, vim a sabê-lo muito mais tarde, participara em reuniões de reflexão e retiro e, de forma notável e que outros lembram, militara activamente em grupos de Acção Católica, em acção social junto de marginalizados e desfavorecidos, como o das bolsas de pobreza de Lisboa, do operariado, da defesa e recuperação das prostitutas do Bairro Alto, neste último caso integrado no notável múnus do Padre Abel Varzim, então na paróquia da Encarnação(4).

2 O manifesto do movimento foi publicado em 31 de outubro de 1957 e foi subscrito por Francisco Sousa Tavares, Henrique Barrilaro Ruas, Domingos Manuel Megre, Francisco de Vasconcelos e Sousa, José Rebelo Vaz Pinto, Gonçalo Ribeiro Telles, José Rebelo Raposo, Eduardo D’Orey, José Henriques Barbosa, Fernão Pacheco de Castro, Jorge d’Almeida Couto, Eduardo Pizarro Monteiro. José Paulo de Almeida Monteiro, João Camossa e Jorge Portugal da Silveira. Vide A Direita Monárquica e a Persistência da Tradição, de Miguel Dias Santos, in As Raízes Profundas Não Gelam – Ideias e Percursos das Direitas Portuguesas, coordenação de Ricardo Marchi, Texto Editora, Lisboa, 2014, pg. 262, anteriores e seguintes. 3 Carlo Coccioli, publicado em Portugal pela Ulisseia.

4 Veja-se o testemunho de Gonçalo Ribeiro Telles “O exemplo de Abel Varzim” in Jornal de Notícias, 9 de Setembro de 2002, em que refere Jorge Portugal da Silveira.

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O regime político não via com bons olhos essa diligência de apoio social e conseguira da hierarquia da Igreja a irradiação do Pároco. Foi uma atitude inaceitável para Jorge Portugal da Silveira. Daí o seu pessoal e progressivo afastamento. Esta sua faceta católica não só o colocou na órbita desses grupos mas também, noutro plano, na do CNC-Centro Nacional de Cultura e na da Cidade Nova. Sopravam os ventos do pós-Guerra e os do espírito pré-conciliar, dotados daquela visão de construção da sociedade em que nem a acção nem o pensamento deveriam andar desgarrados um do outro mas interligados e completando-se. A bagagem intelectual que tinha era imensa e com uma capacidade de argumentação e de evocação de factos históricos, que trazia à colação, também imensa! Conversar e discutir ideias e acontecimentos consigo era uma encantadora forma de passar o tempo – o tempo e o espaço, porque no discorrer da argumentação se descreviam cenas, locais, pessoas, intenções e desfechos com uma arte de idealizar tal que não raro nos víamos a acompanhar o Diogo do Couto na Índia, o Duarte Pacheco Pereira nos mares e nos Brasis, o Mouzinho de Albuquerque em África, o Paiva Couceiro nas serras do Norte! Soldado Prático, o Esmeraldo de Situ Orbis, vários livros e outros autores sobre a história dos cercos de Diu, toda uma biblioteca selecta e essencial servia de base de dados para as tardes, os serões, O as horas nas praias de S. Torpes e da costa alentejana em que, à nossa frente, no mar, se desfraldavam armadas de ideias. Muitas vezes a conversa tinha começado dum nada, à mesa, à hora de almoço, na cozinha da casa em Santiago, com a participação do Tio João(5), e depois prolongava-se por horas, numa das salas, ou já no carro a caminho da D. Rita(6), numa torrente arrebatadora de histórias que nos prendiam e não nos deixavam parar.

O seu serviço militar fora da metrópole fora cumprido na Índia, para onde se oferecera como voluntário e seguira no posto de Tenente, e graças a isso foi por si que pudemos “participar” dos seus almoços cerimoniosos com brâmanes, ou duma festa mais básica com intocáveis em que a comida era apanhada duma enorme salva de cobre com os dedos, ver à nossa frente lindíssimas mulheres descalças vestindo saris e falando concani, assistir aos preparativos para fazer disparar salvas com velhos canhões de carregar pela boca e ouvir o seu estampido atroador(7) – sentados confortavelmente numa das salas forradas com papel Zuber do século XIX, fumando cigarros e bebendo café, nessas longas tardes em Santiago!

Noticia inserta na revista A Campanha Órgão da Campanha Nacional de Educação de Adultos Junho e Julho de 1954 Nºs 12 e 13

5 João Manuel Falcão Beja da Costa 6 Nome duma quinta de família de sua mulher, em Santiago do Cacém.

7 Regressado da India, haveria de fazer o mesmo em Sines, com os canhões do castelo, disparando tiros de salva com grande fumaça para o mar num dia comemorativo, a pedido do seu sogro, Carlos Parreira, para bravata deste e partida à parentela: os estrondos foram tais que caíram tectos de estuque nalgumas casas e gerou-se depois uma balbúrdia com as autoridades que lhes valeu alguns apuros!

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Também em Lisboa, no seu apartamento da Rua de S. Domingos de Benfica, estou a vê-lo a assistir atentamente às notícias da televisão (via sempre mais nas imagens sobre os acontecimentos do que nós) ou a ler de forma estudiosa o Diário de Notícias (tinha o dom de saber ler sempre nas palavras os segundos sentidos e o sub-texto das entrelinhas!...), sendo que esta coisa de analisar as notícias e os artigos ganhava uma agudeza se era feito na praia, de Ray-Ban, jornal dobrado na ponta da toalha e contra a areia, alisando o papel quando a dobra não permitia uma leitura correcta, sacudindo com as costas dos dedos a cinza do cigarro que de vez em quando lhe caía sobre a folha. Na estante de Lisboa, um armário branco em que se encaixava a televisão e que tinha prateleiras preenchidas com livros, havia alguns autores predilectos, para além dos já referidos: o Ortega y Gasset, o T. E. Lawrence e mais não cito para não ser injusto com os não referidos, a não ser o Miguel Torga, ali representado pelos Diários e pelo Portugal (de que sabia trechos de cor: “Sagres é um ímpeto parado…” e seguia dizendo o texto de cor, como se estivesse a ver as palavras e Sagres diante de si…) e o Fernando Pessoa. Um dia faleilhe dele e da Mensagem, olhou-me, franziu a testa abrindo mais os olhos, levantou-se, tirou da estante o Álvaro de Campos e, durante uma boa hora, estarreceu-me com a Ode Marítima, para si o expoente de tudo, o nacional e o universal, o passado e o futuro, sendo que neste futuro entendia o devir e o porvir, a nossa razão mais íntima, o Mar! Não era só o génio do poeta em compor a ode inspirado na vista sobre o Tejo a partir de Santa Catarina: era a personificação do imutável e constante em nós como povo, mesmo antes de Portugal ser Portugal, a ideia impregnante dum eterno sentido das gerações que tudo podem obter do mar e tudo podem conseguir em nome do mar: razão de ser, progresso, fim a atingir. Era o Mar que Jorge Portugal da Silveira entendia dever ser o nosso grande desígnio nacional. Sobre ele deixou uma maré-cheia de ideias impressas em artigos no diário “A Capital”, sob o título O Nosso Destino é o Mar. A que voltaremos.

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UM VISCONDE, UM REI E UM ARQUITECTO NA REALIZAÇÃO DE UM SONHO: A CONSTRUÇÃO DE UM CONVENTO PARA A VILA DE MAFRA LEOPOLDO FREDERICO DRUMOND LUDOVICE Abstract The idea of building a convent in Mafra came from the 11th Viscount of Vila Nova de Cerveira and Alcaide-Mor de Ponte de Lima, who asked King D. João V to authorize the realization of an old dream of his grandfather, D. João Luís de Vasconcelos e Menezes. Key words: Mafra, Ponte de Lima, D. João V, Federico Ludovici.

Resumé L'idée de construire un couvent à Mafra est venue du 11e vicomte de Vila Nova de Cerveira e Alcaide Mór de Ponte de Lima, qui a demandé au roi D. João V l’autorisation de réaliser le vieux rêve de son grand-père, D. João Luís de Vasconcelos e Menezes. Mots clés: Mafra, Ponte de Lima, D. João V, Federico Ludovici. Em 1987 iniciei um estudo sobre o Convento de Mafra que conclui em 2017, sob o título “A mão direita de D. João V, João Federico Ludovici o arquitecto-mór do reino” (1). Foram trinta anos de trabalho de investigação, tendo como matriz na sua concepção a transversalidade de conteúdos como pontes, entre a história, arquitectura, geometria, teologia católica estabelecendo como epicentro o reinado de D. João V. Como sétimo neto por linha varonil do Arquitecto-Mór do Reino, João Federico Ludovici, senti o peso e responsabilidade de conhecer e dar a conhecer uma obra ainda pouco visível. O levantar do véu que a encobre vem revelar aspectos inéditos que têm a maior importância em termos académicos, na leitura descodificada do pensamento arquitectónico do século XVIII que a materializa. Desta forma pretendi dar um contributo para uma melhor compreensão da personalidade e obra de João Federico Ludovici e da sua importância no Barroco português. DEZEMBRO 2019

Convento de Mafra

Capa do Livro


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A sua divulgação possibilitará convertê-la num elemento de informação singular, para a compreensão que a arquitectura ludoviciana detém na modernização estética e técnica do Barroco Joanino ao Pombalino em Portugal. Em virtude da minha formação e percurso académico, estar intrinsecamente ligado às Artes e à Cultura Visual com mestrado realizado em 2013 sobre arquitectura Modernista, intitulado, “O Arquitecto Compositor José Frederico Ludovice”, e, de descender, por outro lado de uma linhagem de arquitectos sendo o meu pai, o quarto arquitecto na família, (um dos meus mestres), acabei por aprofundar uma relação com a arquitectura e geometria barroca de natureza teológica na obra do arquitecto João Federico Ludovici. Nela vamos encontrar uma complementaridade com o Ponto de Bauhütte, como cânone e a integração ou assimilação dos traçados paracletianos macrocósmicos e microcósmicos existentes, em Portugal e na Península Ibérica.

Nova de Cerveira, retoma o antigo sonho de seu avô D. João Luís de Vasconcelos e Menezes, de construir um conventinho para alojar frades Arrábidos em Mafra. Para o que fez chegar ás mãos do rei um requerimento com um pedido de licença para a construção do dito convento, no entanto, o Desembargo do Paço, votou contra.

“Corria o ano de 1624, ainda sob o domínio castelhano, D. João Luís de Menezes e Vasconcellos, pela sua grande devoção e amor que tinha à provincia da Arrábida, pensou em satisfazer o desejo dos frades Arrábidos, fundando um convento na Vila de Mafra, de que ele era o senhor; e tendo o Provincial, que era então Frei Martinho dos Reis feito aceitação da oferta com a Meza da Definição e já escolhido o sítio para o Convento, para haver uma maior brevidade, na sua execução, deslocou-se este fidalgo à Corte de Madrid, para dar calor às suas pretenções, de ali conseguir o título de Conde de Ribamar, lugar a pouca distância da Vila de Mafra; porem a sua morte o privou do que pretendia, desvanecendo-se assim os projectos da construção do Convento”. Posteriormente, em 1705, o bisneto de D. João Luís de Menezes e Vasconcelos, D. Tomás de Lima Vasconcelos e Menezes de Brito Nogueira, 11º Visconde de Vila Nova de Cerveira, Senhor de Mafra e Alcaide-mor de Ponte de Lima e de Vila

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D. Tomás de Lima Vasconcelos e Menezes de Brito 11º Visconde de Vila Nova de Cerveira.


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Ora, o 11.º Visconde era casado com D. Maria Anna Teresa, condessa de Hohenlohe-Waldenburg, dama da Rainha D. Maria Sofia de Neuburg, mãe do rei D. João V e tia da rainha Maria Ana Josefa arquiduquesa de Áustria, mulher do rei D. João V. Esta proximidade à corte, permitia-lhe exercer alguma influência sobre o referido monarca, que lhe iria possibilitar concretizar o seu velho sonho de construir um pequeno convento na Vila de Mafra (por influência também dos frades Arrábidos, designadamente Fr. António de S. José) vendo luz a ordem de construção do convento pelo monarca. Assim, em 1717, “Aos 14 de Novembro partiu para Mafra D. João V, em coche de estado e acompanhado por luzida tropa de cavalos. Antes de se recolher ao palácio dos viscondes de Vila Nova de Cerveira, custosamente preparado para seu alojamento, passou revista às obras e, entusiasmado com o zelo manifesto pelos artífices, demais que uma tempestade fizera cair a armação da igreja, gratificou os oficiais das mesmas com moedas de oiro”. A 17 de Novembro do referido ano “quis o rei dar uma prova pública do seu amor à obra empreendida e da sua portentosa devoção. Num cesto dourado estava uma pedra de palmo e meio. Pegou nela o Senhor D. João V e, carregando com ela, foi depositá-la piedosamente junto da que fora benzida. Os fidalgos de sua corte, estimulados por esse acto de pia humildade, agarraram noutras pedras iguais, assentes em cestos prateados, e acompanharam o soberano, levando a sua à cabeça o nobre visconde de Vila Nova de Cerveira. Não houve quem não ficasse estarrecido com tão submissa piedade. No regresso ao palácio dos viscondes deu também sua majestade prova pública da sua munificência, quer distribuindo moedas de oiro pela tropa e pelos pobres quer mandando franquear a sua ucharia a todos que dela quisessem aproveitar”. Embora as obras ainda estivessem bastante atrasadas, por vontade de D. João V, a cerimónia da sagração da Basílica, realizou-se no dia 22 de Outubro de 1730, data do seu 41º aniversário, que nesse ano caía a um domingo: “Na tarde do dia 20 de Outubro, deu entrada em Mafra o Patriarca em um riquíssimo coche, seguido de outro de estado e mais quatro em que vinham os seus criados. ElRei esteve com o príncipe e infante, tiveram sua

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acomodação no Palácio do Visconde de Ponte de Lima, e como este não bastasse para toda a Casa Real, ficaram a Rainha e princesa do Brasil com as suas damas, em uma quinta do Conde de Pombeiro na Vila de Ericeira. A mais côrte se acomodou na vila de Mafra em casas particulares, segundo a ocasião o pedia, e permitia”. Será de maior interesse redescobrir e restabelecer os laços históricos que uniram os Viscondes de Vila Nova Cerveira e Alcaides Mores de Ponte de Lima à Vila de Mafra. A ligação entre estas duas vilas, começa por volta de 1640, através do casamento, de D. Diogo de Lima Brito e Nogueira 7.º visconde de Vila Nova de Cerveira, com D. Joana de Vasconcelos, filha de D. João Luís de Vasconcelos e Menezes, Senhor de Mafra e de sua mulher D. Maria Cabral de Noronha. Na zona velha da Vila de Mafra, por volta de 1628, D. João Luís de Vasconcelos, dá início à construção de um palácio, segundo a traça Maneirista do arquitecto régio Diogo Marques Lucas, discípulo do arquitecto Filipe Terzi, o qual não chega a concluir. Serão os Viscondes de Vila Nova Cerveira, que por sentença régia de 1648, passada a favor de D. Diogo de Lima Brito Nogueira, 8.º visconde de Vila Nova de Cerveira, darão continuidade à sua construção, que nunca será totalmente concluído. As suas fachadas eram simétricas e tinha varandas de sacada, sendo as do centro guarnecidas com frontões triangulares. Os seus dois torreões não chegaram a ser construídos. Era no Palácio dos Viscondes de Vila Nova de Cerveira que D. João V se instalava quando vinha a Mafra. Por outro lado os laços e influências da família dos Viscondes de Vila Nova Cerveira são reforçados com o casamento de D. Maria Xavier de Lima e Hohenlohe, 12.ª viscondessa de Vila Nova de Cerveira, com D. Tomás Teles da Silva, filho do 2.º Marquês do Alegrete, que foi nomeado embaixador de D. João V, encarregado de fazer o pedido da mão da princesa em nome do monarca e de tratar das condições do contrato matrimonial com D. Maria Ana Josefa arquiduquesa de Áustria.


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Assim como seu avô Manuel Teles da Silva, 1º marquês de Alegrete, foi também nomeado embaixador de D. Pedro II, encarregado de fazer o pedido da mão da princesa em nome do monarca e de tratar das condições do contrato matrimonial com Maria Sofia Isabel condessa palatina de Neuburg, mãe de D. João V. Todos estes laços e influências poderão, de igual modo, ter tido algum “peso” na escolha do arquitecto João Federico Ludovici, para a construção do Palácio convento de Mafra, por este ser natural da Suábia.

Resumindo, por de trás deste grande convento vamos descobrir três figuras que tiveram um papel fundamental na sua execução. Um visconde, um rei e um arquitecto.

Reconstituição da traça original do palácio dos Viscondes de Vila Nova Cerveira que não chegou a ser concluído Autoria de Leopoldo Ludovice

(1)Nota do editor: No dia 31 de Janeiro pelas 21h30, ocorrerá no Arquivo Municipal de Ponte de Lima, a apresentação do livro “A mão direita de D. João V, João Federico Ludovici o arquitecto-mór do reino”, que estará a cargo do Arquitecto Jorge Pinheiro Rodrigues.

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TERESA ANDRESEN

VENCEDORA DA 1.ª EDIÇÃO DO PRÉMIO GONÇALO RIBEIRO TELLES PARA O AMBIENTE E PAISAGEM Abstract The Gonçalo Ribeiro Telles Prize for Environment and Landscape aims to honor the cultural and scientific interventions produced by Portuguese in the field of conservation and environmental protection, innovation and enhancement of the urban landscape. It is a co-organization of the Causa Real, the Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, the Ordem dos Engenheiros and the Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, and aims to honor the civic intervention of Landscape Architect Gonçalo Ribeiro Telles, in order to perpetuate its legacy of enhancing the Portuguese identity and the perennial management of collective resources and the harmony of the territory. The prize, symbolized by a tree, is's a production of Luís Cruz - sculptor and engraver, born in Ferreira do Zêzere in 1958.

O Engenheiro Agrónomo e Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, distinguiuse como pioneiro no cruzamento da engenharia e da arquitectura paisagista, ambicionando uma cidade ambientalmente sustentável e com qualidade de vida. Os seus trabalhos e as suas opiniões, de uma profunda consciência cívica, são hoje reconhecidas por todos e servem de exemplo às novas gerações. Neste contexto, o Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem pretende representar uma atitude e um gesto de reconhecimento contemporâneo das intervenções culturais e científicas produzidas por portugueses com uma visão holística de conservação e protecção ambiental, inovação e valorização da paisagem urbana.

Key words: Ribeiro Telles, environment, landscape, prize, Teresa Andresen.

Resumé Le prix Gonçalo Ribeiro Telles pour l'environnement et le paysage vise à honorer les interventions culturelles et scientifiques produites par les portugais dans le domaine de la conservation et de la protection de l'environnement, de l'innovation et de la mise en valeur du paysage urbain.Il s'agit d'une initiative conjointe de la Causa Real, du Instituto Superior de Agronomia de la Universidade de Lisboa, de la Ordem dos Engenheiros e de la Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas et vise à honorer l'intervention civique de l'architecte paysagiste Gonçalo Ribeiro Telles, perpétuant son héritage de valorisation de l'identité portuguese et de gestion pérenne des ressources collectives et harmonie du territoire. Le prix, symbolisé par un arbre, c'est une production de Luís Cruz - sculpteur et graveur, né à Ferreira do Zêzere en 1958. Mots Clés: Ribeiro Telles, paysage, prix, Teresa Andresen. DEZEMBRO 2019

environment,

Ribeiro Telles


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É uma iniciativa conjunta da Causa Real, do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, da Ordem dos Engenheiros e da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas e visa homenagear a visão sistémica e a intervenção cívica do Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, por forma a dar exemplo e a perpetuar o seu legado da valorização da identidade portuguesa e de gestão perene dos recursos colectivos e de harmonia do território. O prémio, simbolizado por uma árvore, é da autoria de Luís Cruz – escultor e gravador, nascido em Ferreira do Zêzere em 1958. Será concedido anualmente a uma personalidade que seja protagonista de intervenções vanguardistas e transformadoras no Ambiente e na Paisagem e com um percurso de vida fortemente ligado ao serviço do bem comum.

Foi directora do Jardim Botânico do Porto e do Parque da Fundação de Serralves. Foi Presidente do Instituto da Conservação da Natureza (Ministério do Ambiente). É membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, membro do Comité Científico da Fundação Benetton, membro do Grupo de Trabalho para a elaboração da Lista Indicativa do Património Mundial Português/Comissão Nacional da UNESCO, perita de Portugal na Comissão Permanente do Património Mundial da UNESCO, e Membro do Conselho Consultivo da Missão Alto Douro Vinhateiro Património Mundial.

A cerimónia de entrega do Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem decorrerá às 12h do dia 10 de Janeiro de 2020 no auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian. A vencedora da 1ª edição do prémio é a arquitecta paisagista e engenheira agrónoma Teresa Andresen. Maria Teresa Lencastre de Melo Breiner Andresen é licenciada em Arquitectura Paisagista e Engenharia Agronómica, pelo Instituto Superior de Agronomia, em 1982; mestre em Arquitectura Paisagista, pela Universidade de Massachusetts (EUA), em 1984; doutor em Ciências Aplicadas ao Ambiente, pela Universidade de Aveiro, em 1992. Docente no Instituto Superior de Agronomia e na Universidade de Aveiro. Em 2002 cria o curso de Arquitectura Paisagista na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), tornando-o uma referência de formação nesta área em Portugal. Enquanto docente da FCUP, investiga e presta serviços à comunidade nomeadamente propondo uma Rede de Parques Metropolitanos para a Região do Porto. Em colaboração com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e sob coordenação de Bianchi de Aguiar, elaborou a candidatura da Região Demarcada do Douro a património mundial da UNESCO. Mais recentemente elaborou o Plano de Gestão da Paisagem Protegida do Parque das Serras do Porto e coordenou a candidatura do Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga a património mundial da UNESCO. DEZEMBRO 2019

Maria Teresa Lencastre de Melo Breiner Andresen


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Tem desde sempre grande intervenção cívica na área do Ambiente e Paisagem, tendo sido Presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, membro do Conselho Científico da Agência Europeia de Ambiente, Presidente da European Foundation for Landscape Architecture e Vice-Presidente da International Federation of Landscape Architects. É actualmente Presidente da Direcção da Associação Portuguesa dos Jardins Históricos.

Prémio

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LEAL FREIRE E A BEIRA PROFUNDA, AO RITMO DE UMA ESTROFE ANTÓNIO MONIZ PALME

Abstract: Monarchist, Lawyer, poet and writer, considering that only a King could defend the country’s man love for the land, contributing to modernize the agriculture and to understand his way of thinking and his way of life. He was director and owner of the monarchical newspaper "A Palavra” and wrote articles for several regional newspapers, as well as for some magazines. He published several books of poetry, ethnography, politics and law. Manuel Leal Freire was a Monarchist whose literary work must be investigated in order to assess its value considering the cultural desert we are crossing.

Quando comecei a trabalhar, na cidade do Porto, para onde aportei após sair dos bancos da Universidade de Coimbra e do cumprimento do Serviço Militar, encontrei uma fascinante personalidade, no meu caminho, que me cativou seriamente. Era um beirão, como eu, que trabalhava na Delegação do Instituto Nacional do Trabalho do Porto e que tinha ideias singulares sobre todas as matérias, comunicando com os outros com a graça do homem culto do campo e o encanto de uma incisiva versalhada a ilustrar aquilo que dizia, ainda por cima com o sotaque da Beira Raiana. Era ele o escritor e poeta LEAL FREIRE, nascido na Bismula, no Sabugal, em 1928.

Key words: monarchist, writer, poet, lawyer.

Resumé Monarchique, avocat, poète et écrivain, car seul un roi pouvait défendre l'amour de la terre de l'homme de l'intérieur, aidant à moderniser l'agriculture, ainsi qu'à comprendre sa façon de penser et son mode de vie. Il a été directeur et propriétaire du journal monarchique “A Palavra” et a écrit des articles pour plusieurs journaux régionaux, ainsi que pour certains magazines. Il a publié plusieurs livres dans le domaine de la poésie, de l'ethnographie, de la politique et du droit. Manuel Leal Freire était un monarchiste dont l'œuvre littéraire doit être étudiée afin d'évaluer sa valeur par rapport au désert culturel que nous traversons.

Mots clés: monarchiste, écrivain, poète, avocat. Dr. Leal Freire

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AClaro que não perdia pitada do que me contava e dizia. Tinha vários cursos superiores, pelo menos letras, economia e direito, mas afirmava, com um profundo suspiro, que era um frustrado, pois devia ter seguido a carreira do seu pai, que segredava ser contrabandista. Soube que o pai não era nada contrabandista e sim um responsável da guardafiscal que, na raia beirã, dava caça ao copioso contrabando que por lá se fazia. Vi que era admirador de Nuno de Montemor e do seu romance “Maria Mim”, e estava vidrado na vida clandestina dos contrabandistas daquela região que, na verdade, conhecia na intimidade, tendo escrito até um ensaio sobre o assunto, “Contrabando, Delito mas não Pecado”. Era um monárquico integralista, ou qualquer coisa parecida com tal ideologia, a que emprestava um contributo muito pessoal, uma componente popular e regional, bem como uma defesa intransigente do homem do campo, da sua linguagem e da sua cultura e perspectiva de vida.

Para Ele, só um Rei poderia defender o amor à terra do homem do interior, contribuindo para modernizar a agricultura, bem como entender a sua maneira de pensar e o seu modo de vida.

Dr. Leal Freire com Sua Alteza Real o Senhor D. Duarte

CAPA DO LIVRO “Contrabando, delito mas não pecado”

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Era necessário preservar o Homem Rural de uma visão quantificada do crescimento económico e do mero consumismo imediato, maleita que começara já a invadir o País depois da última Grande Guerra. Na altura, era director de um jornal monárquico, “A Palavra”, firmemente da direita, mas onde se publicavam artigos contra a situação e que acabavam por escapar à censura pelo facto de Leal Freire ser apreciado por gente de todas as facções políticas.


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Além do mais, o seu jornalzinho tinha uma pequena tiragem. Assim, o corte de um artigo teria um efeito contrário, na perspectiva da Censura, pois aumentaria a sua divulgação e a propaganda do seu conteúdo.

Fez parte da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas e da Confraria Queijo Serra da Estrela, tendo colaborado na elaboração do precioso “Grande livro Queijo Serra da Estrela” onde, com profundidade, se encena com indelével poesia o cenário histórico e geográfico de uma das sete maravilhas gastronómicas portuguesas. Falando-se ainda das respectivas fauna e flora, nos pastores e no pastoreio, no fabrico do queijo e do próprio degustar dessa preciosidade portuguesa. Como Grão-Mestre da Confraria do Queijo da Serra, entrou na defesa acérrimas do queijo artesanal, que os burocratas e intelectualoides do Mercado Comum se preparavam para liquidar contra a vontade dos habitantes dos países seus membros.

Jornal A Palavra

Ao mesmo tempo, escrevia para quanto jornal regional havia, bem como para toda a espécie de revistas. Fazia parte da Associação dos Amigos do Porto, da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto e da Associação Portuguesa de Escritores. Foi dirigente da Casa da Beira Alta do Porto, da Federação dos Produtores de Queijo da Serra da Estrela, de Adegas Cooperativas da Beira, da Confraria do Bucho Raiano, do Queijo de S. Jorge, e del Queso de Cantábria.

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Cerimónia da Confraria do Queijo da Serra da Estrela


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Com o seu refinado espírito de humor, acabava sempre por comentar jocosamente os acontecimentos que presenciava. Recordo, em Santander, após um trabalho intenso na defesa das nossas pretensões em relação aos queijos artesanais europeus, tanto eu como o monárquico beirão, de Avô, Vasco de Campos Lencastre, entabulámos conversa com umas bonitas senhoras da Confraria das Nodrizas de Pasiegos, na Cantábria, local de onde através dos tempos saíram as amas que alimentaram os príncipes e os filhos da grande nobreza de toda a Europa.

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Como ambos, por ironia, tivéssemos manifestado interesse em entrar naquela confraria, tivemos a resposta adequada da Grã-Mestre da Confraria, para gáudio dos presentes e os comentários saborosos de Leal Freire que nos foi relatando que, além dos jovens recém-nascidos, muitos doentes importantes, por prescrição médica, tomavam amas, nelas mamando directamente o bom, retemperador e saudável leite humano!!! Acrescentando o investigador histórico incurável, que era Leal Freire, que o Cardeal D. Henrique teve uma ama daquela terra, até à hora da morte... Calculam o que foi a conversa animada que se seguiu com elementos das confrarias presentes, de toda a Europa, que pretendiam saber mais acerca das amas da Cantábria. Foi um modo eficaz de acabar com alguma crispação, se alguma havia, ocasionada pela defesa intransigente do queijo Serra da Estrela e dos queijos artesanais dos diferentes países da Comunidade Europeia Mas, voltemos à produção cultural de Leal Freire. Durante a sua vida, fez publicar inúmeros livros que revelam a sua extensa preparação intelectual, como foi o caso de “Sementes da Rocha Nua”, de “Pátria-Matria Terra Patrum”, de “Cantigas da Pátria Chica”. Igualmente, no domínio da etnografia, a sua produção foi imensa. Não contente com tal, elaborou no exercício das suas funções de causídico diversos ensaios jurídicos, nomeadamente sobre o Contrato dos Serviços Domésticos, sobre o Trabalho Rural, sobre o Código do Processo do Trabalho, sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, alguns em parceria com sua filha, Sr.ª Dr.ª Guilhermina Leal. Igualmente, no campo das Misericórdias, a sua obra foi notável. E tal preocupação é perfeitamente legítima, pois o génio português impôs-se definitivamente nesse domínio da solidariedade social. As Misericórdias são instituições genuínas, talvez uma das melhores e mais extraordinárias, que a justa Lusitânia jamais produziu, como referiu o grande historiador Carlos Boxer, na sua obra “O Império Marítimo Português” DEZEMBRO 2019

Na verdade, Leal Freire publicou várias obras sobre as Misericórdias. Além de Provedor da Misericórdia do Porto, desempenhou igualmente funções nas Misericórdias de Palmela, de Sines e de Vila Maior. Uma característica que o diferenciava de todos, é que discursava sempre em verso, tanto em português como na língua da nacionalidade dos ouvintes presentes. Ficou célebre um inesquecível discurso em verso, sobre “Os Pratos que Matam”. No fim da sua activa vida intelectual, deu à estampa dois volumes de “Trovas de Escárnio em Vernáculo”, um deles já a título póstumo. Para sua justificação, atendendo aos palavrões e licenciosidades contidas nas rimas publicadas, referia ter sentido um pouco a turbação de Unamuno que, segundo Torga, “falava com Deus em Castelhano / Contando-lhe a patética agonia / De um espírito católico-romano / Dentro de um corpo a arder em heresia”. Para ele o palavrão era um remédio eficaz, pois liberta as almas rudes. Todo o vocabulário proibido pelos bons costumes, como refere Leal Freire, “são como as vespas em vespeiro, em guerra umas com as outras, só pra verem qual sai primeiro”. Os seus sentimentos monárquicos e a sua pregação doutrinária entravam facilmente no espírito da gente do campo, com a mesma subtileza que o conteúdo de um bom copo de vinho. Esta figura singular das letras e da cultura portuguesa foi sempre um monárquico, com uma actuação política independente, tanto no anterior como no actual regime. Um Monárquico cuja obra literária deve ser objecto de investigação para se poder aquilatar bem a sua valia em relação ao deserto cultural que atravessamos. Na realidade, da cultura fez profissão de fé, apesar de a sua obra não ser elogiada e sim postergada pelos medíocres bonzos das seitas que dominam política e intelectualmente a nossa Pátria.


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CONFERÊNCIA “A IMPORTÂNCIA DO RECONTRO DE VALDEVEZ…” No dia 12 de outubro decorreu, no Centro Paroquial de Arcos de Valdevez, a conferência: “A importância do Recontro de Valdevez Para a Formação de Portugal“. Foi conferencista o Ilustre Professor Doutor Luís Amaral, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, numa organização conjunta do GEPA – Grupo de Estudos do Património Arcuense, da Real Associação de Viana do Castelo e do Rotary Club de Arcos de Valdevez. O numeroso público presente ouviu, deliciado, a douta lição de história medieval. O notável conferencista fez um enquadramento histórico deste Recontro, iniciando a sua exposição com D. Afonso Henriques, dizendo que o mesmo não nasceu rei, mas antes que se fez rei, discorrendo numa narrativa que nos levou às batalhas de S. Mamede, e Ourique, ao Recontro de Valdevez e à assinatura do Tratado de Zamora. O Recontro ou “Bafordo” de Valdevez, que se supõe possa ter ocorrido na Portela de Vez, teve lugar em 1137 e contribuiu para a celebração da paz de Tui, em Julho daquele ano e foi um passo decisivo, e uma das últimas etapas, para o nascimento de Portugal, sendo o antecedente da celebração

do Tratado de Zamora em 1143. O Presidente da Autarquia Arcuense, Dr. João Esteves, assim como o Dr. Nuno Soares, responsável da Divisão de Desenvolvimento Sociocultural da Autarquia, assistiram a esta conferência e ouviram com muito entusiasmo e atenção o ilustre docente universitário, que fortaleceu o nosso slogan: “Arcos de Valdevez, Onde Portugal Se Fez”. Segundo o Professor Luís Amaral, a partir deste episódio existem dois documentos Leoneses (Leão e Castela) que se referem a D. Afonso Henriques como Rex (rei). Foi também apresentado pela organização do evento um Concurso para as escolas do concelho de Arcos de Valdevez, que se iniciará ainda no presente ano letivo, sobre o tema da conferência: “A importância do Recontro de Valdevez Para a Formação de Portugal”. No final, o Presidente do GEPA, António Aguiar, dirigiu palavras de agradecimento a todos os que se envolvem na vida cultural de Arcos de Valdevez ajudando a difundir a riqueza do Património Arcuense.

Fotos: Jornal Notícias dos Arcos

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