Real Gazeta do Alto Minho | N.º 21

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Edição do Centro de Estudos Adriano Xavier Cordeiro | n.º 21

Nesta edição •

Reis Sem Cerimónia | p 3

A Toxinformação | p 7

A Crise da Memória, Hoje | p 9

António Amadeu de Souza-Cardoso | p 11

Entrevista a António Moniz Palme | p 23

Setembro de 2019

Ercílio de Azevedo | p 34

Camarate dos Santos | p 37


Editorial Porfírio Pereira da Silva

Na altura em que despoletaram as preocupações globais sobre o

ocupar as encostas mais declivosas; os vales devem ser aproveitados

ambiente, numa alusão clara, catastrófica ou apocalíptica, ao “dia zero”, retrato de uma emergência pela ameaça de um quarto da

para a agricultura local; e os solos planálticos devem ser reservados para uma agricultura tipo vinha ou olival. Os matos devem, por sua

população mundial poder, em breve, deixar de ter acesso à água

vez, ser aproveitados também para a pecuária, bem como a

potável, principal fonte da vida, continuamos a reforçar a ideia

produção do mel, aguardente de medronho e, ainda, para as plantas

que tudo isto é um caso político. Nacional e globalmente político.

aromáticas, que podem dar lugar a uma indústria de perfumes – citamos, contrariando assim todos aqueles “marginais” que haviam pago ao povo português para cortar as suas vinhas;

Vários factores têm contribuído para esta desorientação total, a

abater as cabeças de gado para produzir menos leite; e, deixar

começar pelos incêndios, com fuga aos corredores das secas, fruto da falta de planeamento do território, do aproveitamento

crescer mato em campos de cultivo, em detrimento da biodinâmica.

dos recursos naturais, dos incentivos à economia rural – que muito bem poderia passar pela limpeza e conservação das matas

Sem dúvida que a falta de ordenamento do território é da

–, contrastando com a preocupação economicista de pagamentos do déficit e das balanças económicas impostas por

responsabilidade dos políticos, do regime e da desmesurada subserviência aos interesses economicistas, globais.

quem cresce à custa das desgraças alheias.

Por este andar, ou por esta inércia, de pouco valem as

Apesar de todos sofrerem com as alterações climáticas, a inércia política daqueles que nos vão enganando de barriga cheia, em

preocupações ecológicas chegarem aos laboratórios, onde dizem preocuparem-se com o impacto ambiental, mas,

deficiente

reais

circunstancialmente, produzem também toneladas de resíduos,

potencialidades económicas do país, pondo em perigo a própria

que passam por pontas de pipetas de plástico e respectivos

democracia, potenciam a política de subserviência aos interesses económicos de outros, principalmente daqueles que se estão

invólucros, embalagens isotérmicas, contas de electricidade gigantescas, congeladores especiais para conservar o material

“borrifando” para a produção leiteira, florestal ou mesmo

das experiências, ventilação de alta tecnologia para manter a

industrial dos portugueses.

atmosfera interior limpa, equipamentos de esterilização, etc. – aglomeração de “contraindicações” para o ambiente, que

alimentação

e

de

costas

viradas

às

O ambiente sempre foi uma preocupação dos monárquicos,

inquietam muitas universidades e outras instituições científicas.

ponto de referência (não de “fuga objectiva”) nossa, assente no modelo defendido pelo arquitecto Ribeiro Teles, onde a floresta ideal, por exemplo, deveria ser uma mata completamente

Haja decoro e vontade política, por forma a ultrapassarmos estes indicadores preocupantes. Nacional e globalmente!

integrada no sistema agrícola: Todas estas regiões que são hoje

pinhal e eucaliptal, que têm aldeias e pessoas a viver dentro, não devem continuar a ser exclusivamente uma floresta (…) A mata deve

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Reis Sem Cerimónia Miguel Villas-Boas

Abstract Queen Elizabeth II had no alternative but to give the Royal Assent to the UK PM's proposal to suspend the British Parliament. This is no longer a monarchy but a crowned republic. For Portugal we want a Constitutional Monarchy over the form of government of a Parliamentary Monarchy, but with a different political system from the present one; The Monarch will be the fount of executive poder, but the institutions that would effectively exercise political power would gain their legitimacy through the elections: the Parliament by direct and universal suffrage, the municipal representatives by direct election. Thus, originally, the power would reside in the People, but would be exercised in the form of monarchical government. Key words: Constitutional Monarchy; new regime; Monarch with power

‘La Reine le vault’, foi esta a fórmula, num arcaico anglonormando, pelo qual foi dado o Assentimento Real pela Rainha Elizabeth II à proposta de suspensão do Parlamento britânico que o actual Primeiro-Ministro do Reino Unido apresentou a Sua Majestade. Na realidade a Rainha não quis nada, pois não tinha alternativa, uma vez que o parlamentarismo - que esvaziou ao extremo os poderes reais - obrigava Sua Majestade a aceitar o conselho do líder do governo; um conselho que era ilegítimo, induziu a Rainha em erro e como tal nulo, conforme estabeleceu o Acórdão do Supremo Tribunal Real Britânico, que por unanimidade dos 11 Lordes Juízes Supremos declarou a suspensão do Parlamento britânico ilegal.

Ora uma Monarquia assim não é Monarquia, mas uma desventurada República Coroada, em que o Monarca embora personifique e represente a Nação, em questões políticas fica

Résumé La reine Elizabeth II n'avait d'autre choix que de donner la sanction royale à la proposition du Premier ministre britannique de suspendre le Parlement britannique. Ce n'est plus une monarchie mais une république couronnée. Pour le Portugal, nous voulons une monarchie constitutionnelle sur la forme de gouvernement d'une monarchie parlementaire, mais avec un système politique différent de celui qui existe actuellement; le Monarch sera la fonte du pouvoir executive, mais les organes qui exerceraient effectivement le pouvoir politique gagneraient en légitimité à travers les élections: le Parlement au suffrage direct et universel, les représentants municipaux aux élections directes. Ainsi, à l’origine, le pouvoir appartiendrait au peuple mais serait exercé sous la forme d’un gouvernement monarchique. Mots-clés: Monarchie Constitutionnelle; nouveau regime; Monarch avec pouvoir Sua Majestade a Rainha Elizabeth II do Reino Unido

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refém da vontade de políticos que podem ser duvidosos.

finalidade nem aspirações, em que só a sua figura se destaca envolta num halo ensanguentado de martírio.

Existem vários modelos de Monarquia, a Orgânica ou Tradicional e pelo menos dois tipos diferentes de Monarquias Constitucionais no mundo contemporâneo: Executiva e Cerimonial e dentro desta última o Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou possuir poderes de reserva, o chamado Poder Moderador. A Monarquia britânica é, pois, estritamente Cerimonial, consequência dessa malnascida fórmula de Adolphe Tiers ‘Na Inglaterra o rei reina, não governa’, e que se converteu num slogan clássico da Monarquia parlamentar: ‘O Rei reina e não governa!’ Mas, um Rei ou Rainha que não governe e ainda por cima reine muito pouco é tudo o que não precisamos numa hipotética restauração da Monarquia em Portugal. Escreveu António Cabral in ‘As Cartas d'El-Rei D. Carlos ao Sr. João Franco’: ‘(…) - o Senhor D. Carlos quis ir regressando, pouco a pouco, à prática do governo como ele se exercia no passado, sem esquecer as modificações que a incessante mudança das realidades aconselhava.’ Isto porque compreendeu Dom Carlos que foi na vigência da Monarquia Portuguesa pré-liberalismo, que Portugal viveu o seu período de maior glória, talvez porque o Rei além de Reinar era o titular do poder executivo. Por isso foi barbaramente assassinado nesse trágico holocausto magnicida ocorrido a 1 de Fevereiro de 1908, no qual tombou, juntamente com o seu primogénito D. Luís Filipe, pelas balas do terrorismo, ao serviço da Pátria.

El-Rei D. Manuel II

Tinha por si D. Carlos a natural aptidão dos Braganças para a arte de bem governar. Tornada por penas sectárias em arma de partido, a nossa história não passou nunca dum panfleto sem consciência nem consistência contra a dinastia reinante. Não estranhemos por isso que logo o seu fundador seja considerado através de calúnias que pretenderam entravar e diminuir o seu tacto habilíssimo no reconhecimento árduo da nossa libertação. No entanto, apesar das tintas tão injustas como mentirosas, com que é de uso e costume falsear-lhe o carácter, El-Rei D. João IV reuniu na sua personalidade vigorosa fortes e notabilíssimos recursos de Chefe de Estado. (...)

António Sardinha, o doutrinador monárquico antimaçónico, escreveria: "À noite, nas Necessidades, o Conselho de Estado reunido persuade o novo Rei, Infante Dom Manuel, a afastar João Franco e a formar ministério novo. Faz-se a vontade ao inimigo, abatem-se bandeiras perante o crime. «Os regímenes sucumbem e desaparecem, menos pela força do ataque que pela frouxidão da defesa» - dirá o próprio João Franco. Resume, muito exactamente, um jornal, meses depois: - ' O Rei morreu na tarde de 1 de Fevereiro, no Terreiro do Paço. A Monarquia morreu nessa noite, no Paço das Necessidades ', precisamente quando a Realeza se erguia unida a um governo sério e forte. Eliminado da cena e lançado para o exílio o único homem de pulso, não há em torno de Dom Manuel II senão os velhos homens dos partidos, sempre envolvidos em querelas de vaidades, sempre obcecados pelo fito de conquistar o mando para si e para os seus amigos ""Os partidos que aquele chamara de " rotativos ", aproveitam-se assim da inexperiência bem-intencionada do Infante adolescente para voltarem ao mesmo “regabofe”, depois dos esforços do rei e do seu 1º Ministro para fazerem de Portugal um país decente.'(...) É dever do meu espírito, neste momento, olha-lo [D. Carlos] debaixo do aspecto por que foi incriminado, vindo por ele a sofrer paixão e morte. Refiro-me à sua política, tão mal compreendida hoje mesmo, mas que realçada a distancia pela transformação das inteligências e dos tempos, o fará para a admiração do futuro o maior de todos numa época sem

Artista e erudito, político e lavrador, D. João IV voltou a viver na psicologia magnificamente dotada d’El-Rei D. Carlos. Na nossa pequenez, a braços com uma crise orgânica quasi tão dominadora como a do século XVII, El-Rei D. Carlos apresenta -se-nos, como o seu longínquo avô, o verdadeiro «Procurador dos Descaminhos do Reyno» É na situação exterior criada pelo Senhor D. Carlos a Portugal que o Bragança se afirma nas suas excepcionais qualidades de governante. A herança política de D. João IV mantivera-se sempre com brio e só quem ignorar a nossa história diplomática é que pode colaborar de boa-fé na difamação sistemática de que é vítima a ultima série dos nossos Reis. Com a permanência de pensamento que é virtude da hereditariedade monárquica, El-Rei D. Carlos não serviu durante a sua existência outro desígnio que não fosse o de valorizar a posição do seu minúsculo país no concerto das grandes potências da Europa.’ Na monarquia orgânica o rei reina e governa, mas não de forma absoluta, pois tem o seu poder limitado pelas assembleias, designadamente as Cortes, as agremiações profissionais e os municípios constituídos pelos representantes dos corpos intermediários, dos grupos naturais componentes 4


da Comunidade. Pode assim ser vista como uma monarquia de regime misto, ou monarquia temperada, aquela em que a

Nesta última forma, a existência de um Rei acrescenta aos três poderes já procedentes do século XVIII – legislativo, executivo e judicial -, um quarto poder, o Moderador exercido plena e livremente pelo Rei, que apesar de não governar, vela e zela pelo exercício legal e ético dos demais poderes. O artigo 71.º da Carta Constitucional de 1826 estatuía: ‘O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e compete privativamente

D. Carlos Reinando e Governando

autoridade do monarca é limitada por outros poderes, sendo a única na qual há o desiderato em que comunidade se veja melhor patenteada e por isso a monarquia é mais representativa.

Estandarte Real

ao Rei, como Chefe supremo da Nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos’.

Por isso António Sardinha, em 1924, in "Ao Princípio Era o Verbo’ salientava: ‘Com a Profissão e com a Nobreza é que o Rei de Portugal, - e não o minúsculo rei dum partido! -, empreenderá a restauração da Pátria pela Monarquia.(…) Nada queremos a república da burguesia, como nada queremos da monarquia dos plutocratas!’

A Monarquia em Portugal até foi sempre um modelo único: primeiro com um Rei Aclamado e fonte dos três poderes, mas não de forma absoluta, pois estava limitado uma vez que a legitimação dos Reis resultava destes receberem o poder do Povo para governar sob a condição tácita de reinar bem. O Rei era um funcionário da Nação e, por isso, os Três Estados podiam livremente destroná-lo, se ele não cumprisse qualquer das obrigações inerentes ao seu cargo.

De facto, não precisamos de um rei títere do parlamentarismo actual (não representativo); por isso não deve aquele friso de pouco corajosos, mas autoproclamados donos da Monarquia, desejar apenas uma troca que nada resolverá o jogo, substituindo um Presidente por um Rei-Presidente, cerimonial e corta-fitas em que os engonços dobrem à ordem do actual sistema. É preciso muito mais. É preciso uma revisão profunda do sistema e do regime, porque a restauração da Monarquia não pode ser apenas uma manobra para lhes arranjar o que comer.

Hoje teríamos uma Monarquia Constitucional sobre a forma de governo de uma Monarquia Parlamentar, assentando na legitimidade democrática: a Monarquia em Portugal até sublimaria a democracia. Os órgãos que efectivamente exerceriam o poder político conquistariam a sua legalidade e legitimidade das eleições: o Parlamento por sufrágio directo e universal, os representantes municipais por eleição directa. Assim sendo, originariamente, o poder residiria no Povo, contudo exercer-se-ia sob a forma de governo monárquico. Caberia ao primeiro-ministro, chefe de governo, exercer o poder executivo efectivo, mas o titular originário do poder executivo seria o Rei que o cederia ao PM, mas que o deverá orientar se o político eleito não governar no interesse do bem da coisa comum..

‘Não quero a falperra do parlamentarismo e dos partidos. Quero a Monarquia.’, confessaria Thomas Mann, escritor alemão e Prémio Nobel da Literatura, in “Considérations d'un apolitique”, 1918. Hoje naturalmente, não há lugar para Monarquias Absolutas, mas também não nos podemos bastar com monarquia relativa. Como se escreveu acima existem pelo menos dois tipos diferentes de Monarquias Constitucionais no mundo contemporâneo: a Cerimonial e a Executiva. Nas Monarquias executivas, o monarca exerce o poder executivo de forma significativa, embora não absoluta. Por outro lado, nas Monarquias cerimoniais, o monarca não governa e por isso não influência a política directa; mas dentro desta última o Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou possuir poderes de reserva, o chamado Poder Moderador.

As políticas governativas competiram ao PM e aos Ministros, as Ministros governavam as Pastas, o chefe do governo governava os ministros e o Rei governava o Primeiro-ministro.

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alcançar o soberano bem da Nação. Só assim, o Monarca será um contrapeso, uma vez que que uma coisa só é superada quando se actua de modo a que tal coisa forme com o seu contrário uma unidade: é a tese e a antítese de Hegel. Para haver uma anulação de uma força negativa política tem que haver uma força positiva capaz de a equilibrar. Ora só um Rei tem essa força e consegue de forma eficaz desempenhar essa função. Tal não acontece com outro Chefe de Estado que não seja um Monarca, uma vez que há a grande vantagem do Rei enquanto entidade real independente, não eleito, não representar qualquer partido político e seus sectários e com tal não amparar qualquer agenda política, podendo assim com o seu Poder Moderador assegurar a pluralidade político-social do país, obstando a que a política possa adulterar-se. Acima de tramas partidárias, independente de um calendário político, de promessas eleitorais, sem relações suspeitas com oligarquias, sem solidariedade activa com políticos – pois o Rei não tem partido -, sem atenções a favor de clientelas eleitorais e financiadores de campanhas que esperam obter benefícios e dividendos do seu ‘investimento’, o Rei terá a tranquilidade e a legitimidade para actuar como moderador entre as várias facções políticas ou demais grupos da sociedade civil e interporse como cautela da democracia. Um Monarca assim jamais se reduzirá a um patrono de uma legislatura e a um corta-fitas.

A Comunidade na Monarquia Portuguesa

Depois o Rei deteria privatisticamente o Poder Moderador e isso habilitá-lo-ia no dia-a-dia a negar poder a quem dele pudesse abusar ou usá-lo mal! É necessário que o exercício do poder deixe de ser equívoco e passe a ser realizado de acordo, não só com o mínimo ético, mas, ainda mais além, que se identifique com a moral. Não se deve separar nem opor Moral e Política. É necessário apagar a diferença que existe actualmente entre as duas. Não pode subsistir o Poder pelo Poder, com a frustração da Moral, mas sim unir-se os dois conceitos, para se

O Rei Símbolo da Coesäo Nacional

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A Toxinformação Susana Cunha Cerqueira

Abstract Devaluation of fast information and formatting of the humain person. Key Words: information, excess, fast news.

Resumé: Dévaluation de l'information excéssive, rapide, et mise en forme de la personne humaine. Mots-clés: informacion, excés, fast news.

Numa morn (agressiva) contemporização dos costumes, eis-nos chegados a um limiar de extremos: informação excessiva e velocidade da mesma - fastnews. É esta a emulsão relipidizante que somos e em que vivemos. Contudo, possivelmente, sempre tal aconteceu, e não será nada de novo, ou Eça não se teria deslumbrado com a sociedade portuguesa. A toxinformação acontece em diferentes áreas, por exemplo, nos media (e.g. pluralidade de informação apelativa e lasciva com vontades de vender para que a informação seja consumida sem qualquer crítica por parte do ouvinte); nas redes sociais (e.g. exposição desmedida, grande parte das vezes, com dentes sorridentes com facetas ou laminados), nas organizações laborais (e.g. com e-mails em cascata com e sem interesse com informação redundante); nas escolas (e.g. através de programas académicos longos ou selfies para serem postadas de imediato ou de chamadas excessivas entre alunos e encarregados de educação, em cada intervalo, quebrando-se o desenvolvimento da autonomia e o controlo das emoções), nos tribunais (e.g. a era da "turbo legislação", contrariamente à existência de vazios legais em determinadas áreas, havendo necessidade do decorrer do tempo); nas relações com particulares (e.g. as mensagens, os contactos imediatos, as chamadas a todo o momento); na medicina (e.g. a existência de inúmeras medicinas paralelas e alternativas à clássica: iridologia ayurveda, homeopatia, naturopatia, medicina tradicional chinesa, por exemplo). A toxinformação aliada a uma velocidade inebriante, fastnews, poderá deslocar o foco para distratores que alienam e retiram peso, qualidade e rigor à informação. O cérebro humano, com a sua plasticidade, permite um leque enorme de variações e de captação. Contudo, considerando a especificidade de cada área, conjuntamente com a singularidade de cada ser humano, poderá ter dificuldade em assimilar todas as informações que lhe são submetidas para discernimento, já que passará a fazer zapping perpétuo, alimentando-se da necessidade autofágica de algo imediato, de emoções/sensações diferentes. Consequentemente, muitos profissionais e vulgares mortais podem chegar a uma linha de fronteira de burnout, já que desencadeiam processos ritualizados e obsessivos que se manifestam de forma psicossomática.

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A informação excessiva, poderá tornar-se um problema futuro, tendo de existir tratamento especial por parte de quem gere o capital humano. Terá de haver uma preocupação em reorganizar, mapear, os fluxos constantes e imediatos da informação de modo a controlar e filtrar a mesma. Será que necessitamos de tanta informação? Parecendo grotesca esta questão, pois concordar-se-á que a informação é, simbolicamente, um dos expoentes da liberdade, será que temos necessidade de mais informação? Será que ficamos mais lúcidos, mais esclarecidos ou tornámo-nos em seres esgazedos por tanta injeção de informação? Que qualidade de informação temos? Quem age no marketing da informação e com que objetivos? Que Zara gere a informação com que nos vestimos?

Somos seres formatados?... Sabemos conscientemente, com perfeito livre arbítrio de que estamos a ser formatados? Queremos ser formatos?

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A Crise da Memória, Hoje Carlos Aguiar Gomes

“Para ser moderno, há quem acredite que é necessário separar- se das raízes. E essa é a ruína, porque as raízes, a tradição, são a garantia do futuro. Não é um museu, é a verdadeira tradição, e as raízes são a tradição que levam a seiva para fazer crescer a árvore, florescer, frutificar. Nunca se separar das raízes para ser moderno! Isso é um suicídio”. (Papa Francisco aos Agostinhos Descalços, 12.IX.2019)

Abstract The author, along the lines of the last Popes, proposes a challenge - reflection on the need for human communities to preserve their collective memory, their roots, as a condition for the survival of society. The loss of family, local or national memories leads to their ruin. Knowing and loving the Past, in the Present, is an indispensable condition for a balanced Future. Key words: Roots, values, family. Résumé L’ auteur, suivant la pensée des derniers Papes, propose une réflexion- défi sur la nécessité des communautés humaines préserver leur mémoire collective, leurs racines, comme condition de survivance de la société. La perte des mémoires familiales, locales ou nationaux conduisent à leur ruine. Connaître et aimer le Passé, dans le Présent, c`est bien indispensable pour un futur équilibré. Mots-clés: Racines, valeurs, famille.

As nossas raízes pessoais, familiares ou sociais, a nossa memória, o que nos ata e liga ao passado, neste presente transitório e que nos dirige para o futuro, são absolutamente indispensáveis. Uma pessoa, família ou sociedade que perca a sua memória está condenada à ruína. Desaparece. “As raízes não são âncoras que nos prendem a outras épocas e nos impedem de encarnar no mundo actual para fazer nascer algo novo. Pelo contrário, são um ponto de enraizamento, que nos permite desenvolver-nos e responder aos novos desafios.” (Papa Francisco, in Christus vivit, nº 200). A nossa sociedade, começando por cada um de nós, anda à deriva e anda à deriva porque perdeu a sua memória. Todos nós já fomos confrontados com crianças e jovens que desconhecem tudo sobre a sua família, a família do Pai e a da Mãe. Até o nome dos Avós, muitos desconhecem. Também passa despercebida e ignorada a História da nossa terra e país. Por isso, entramos numa sociedade falida de valores, dos valores que “construíram” a nossa família e a nossa Pátria. O mesmo se passa com a Religião, onde também impera uma ignorância crassa e, até os fundamentos mais alicerçantes da nossa Fé. Por exemplo, quantos jovens e jovens adultos católicos que chegam à Basílica de S. Bento da Porta Aberta (o 2º santuário mais visitado em Portugal) desconhecem quem foi S. Bento? Que vida teve? Que legado (fabuloso) nos deixou? Que influência tiveram os seus filhos espirituais na construção do nosso país, da Europa e do mundo? Sabe-se que antes de Portugal existir, já cá estavam os “filhos espirituais de S. Bento”? Onde estão os monumentos que nos deixaram? Que “alma” têm estes edifícios? Saberão que o nosso Parlamento é o fruto da espoliação de 1834 de um Mosteiro beneditino? Quantos jovens e jovens adultos católicos sabem quem é a nossa Padroeira, quem A proclamou como tal e em que século (já nem ponho a hipótese de saberem o ano!...) . … E neste mês de Outubro, dedicado às MISSÕES, que valores temos transmitido aos nossos filhos, amigos ou vizinhos, sobre o valor e testemunho de tantos milhares de homens e mulheres 9


que ao longo dos séculos levaram Cristo e o Seu Evangelho, a promoção e o desenvolvimento humanos a tantas latitudes? Quantos sabem que fomos, em caravelas frágeis como casca de noz por todo o mundo levando o Evangelho? Quantos de nós tem tido esta preocupação?

comunidade humana pode viver muito tempo sem a sua memória, tal como a árvore a quem, um dia, alguém cortou as suas raízes. A seiva que alimenta o caule, as folhas e os frutos deixa de circular e a árvore morre. Isto é o que está a acontecer, hoje, nesta sociedade amnésica, ou melhor, que os “desconstrutores” da nossa história conseguiram fazer cortando-lhe as raízes, sem nunca se fatigarem nem desistirem, face à abulia de tantos de nós. Por isso, as “árvores” que somos, sem raízes, estão a ser derrubadas e levadas por ventos ideológicos que estão a destruir a nossa cultura. Uma Cultura da Vida que se está tornar aceleradamente, uma Cultura de Morte.

Quantos de nós já pensou um pouquinho nas enormes dificuldades que passaram e passam os missionários em terras distantes e diferentes? E sem esta memória cristã missionária, como podemos pedir mais e melhor oração pelas vocações missionárias, se nada sabemos sobre o trabalho que os “levadores de Evangelho” desenvolvem por esse mundo?

… Ter memória, cultivá-la e transmiti-la não é saudosismo! Ter memória é preparar o Futuro. Ter memória não é nem pode ser para conservadores. Os conservadores são os que estão cristalizados e parados no tempo. E a vida é dinâmica. Ter memória e transmiti-la é para preparar o Futuro e ambicionar o Progresso, onde hoje se podam os “ramos” estéreis da árvore para tornar aquele equilibrado e justo.

Não podemos viver no Passado, mas não podemos viver sem o Passado. Sem a nossa memória familiar e social. Como referia o Papa aos monges agostinhos, “as raízes são a tradição que levam a seiva para fazer crescer a árvore, florescer, frutificar. Nunca se separar das raízes para ser moderno! Isso é um suicídio”. Que acontece às árvores a quem cortam as suas raízes?

Parafraseando o Papa Francisco (in Christus Vivit, nº200), as raízes não podem, porém, ser vistas como âncoras que imobilizam, mas como estabilizadores que captam nutrientes e água, que alimentam toda a árvore. Sem esses “estabilizadores”, as raízes, a planta seria facilmente arrastada e morreria rapidamente à seca.

Neste mês, vamos fazer um esforço para que cada um de nós saiba, possa e queira ser um transmissor da memória familiar, religiosa e social. Assim, contribuiremos para que a ruína familiar, religiosa e social aconteçam! Um desafio que o Papa nos lança. Um desafio contra a fortíssima crise da Esperança em que mergulhou (ou nos mergulharam?) o nosso tempo.

Caro leitor, peço-lhe que medite bem e muitas vezes na frase do Papa Francisco, com que encimo este artigo.

Sem Esperança não há Futuro e o Presente fica sem alicerces por lhe terem sonegado a memória, as raízes. As nossas raízes dão-nos força para ir em frente. Ninguém nem nenhuma

Sem raízes, poderia viver mais de mil anos esta oliveira?

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António Amadeu de Souza-Cardoso Um Monárquico de Fortes Convicções! António de Souza-Cardoso

Abstract The first time I saw him and heard of monarchy I realized the consistency of reasoning, the abundance of knowledge, the argumentative coherence, and the intellectual honesty that cannot be confused with a humility that he did not really have. God, the Fatherland, and the King, were part of their dogmas, and were therefore inescapable presuppositions of the construction of any narrative around monarchical political thought. He was a passionate integralist (integralista), recognizing in the larger figure of António Sardinha, seconded by Jose Pequito Rebelo and Luís Almeida Braga, the leaders of a generational movement that built a political ideology, vigorous, courageous and, I would even say, progressive. Key Words: Monarchy, king, integralist, political thinking. Resumé La première fois que je l'ai vu et que je l'ai entendu parler de la monarchie, j'ai compris la cohérence du raisonnement, l'abondance du savoir, la cohérence argumentative et l'honnêteté intellectuelle qui est impossible de confondre avec l' humilité qu'il, vraiment, n'en avait pas. Dieu, la patrie et le roi faisaient partie de leurs dogmes et constituaient donc des présupposés incontournables de la construction de tout récit autour de la pensée politique monarchique. C'était un integraliste (integralista). On parle de la grande figure de António Sardinha, secondé par Jose Pequito Rebelo et par Luis Almeida Braga, les précurseurs d'un mouvement générationnel, avec une idéologie politique vigoureuse, courageuse et, je dirais même, progressive. Mots clés: Monarchie, roi, integraliste, pensée politique.

Quando o Presidente da Real Associação de Viana do Castelo me pediu para escrever sobre meu Pai na Real Gazeta do Alto Minho, confesso que a minha primeira reacção foi de rejeição. Provavelmente por pudor, ou escrúpulo, de escrever sobre alguém que sentimos, um pouco, parte de nós e, com isso, não conseguirmos sacudir o sentimento de devassa de uma intimidade que nos é imposto partilhar. Como todos reconhecem, uma das melhores qualidades do 11


José Aníbal Marinho Gomes, para além da lealdade, da coerência e da amizade, é a infinita persistência e determinação que põe nas coisas em que acredita. E a verdade é que, uma vez mais, acabei por sucumbir à Sua insistência e ao argumento final de que estando a Real Gazeta a revisitar as grandes figuras do Movimento Monárquico da geração anterior, poucos, como eu, tinham acompanhado tão de perto o percurso de meu Pai. Seria, pois, uma injustiça para com Ele não dar o testemunho que poucos estariam em condições de prestar nas condições privilegiadas que sempre tive de seu filho mas também de seu atento correligionário.

Meu Pai nunca construiu um pensamento político, simplesmente à volta da Instituição Real. Entendeu sempre que o Rei era o corolário sublime de uma construção política, baseada na Família, na responsabilidade e na continuidade das elites, no mérito e no serviço entendidos como pressupostos da organização de uma sociedade e no compromisso orgânico que, dessa forma, a Nação mantinha continuadamente com o Estado. A reunião temporal das Famílias em comunidades maiores, permitia que o primeiro nível de decisão, compromisso e responsabilidade se alargasse a uma região determinada e que a reunião harmoniosa e diversificada das regiões constituísse o princípio de agregação do Estado e de organização e afirmação das elites. O Comunalismo (que hoje poderia ser lido como Municipalismo) que discutia entusiasticamente com João Camossa e a Teoria da Nobreza na dinâmica da primeira estruturação feita pelo Visconde de Santarém, constituíam dois pilares que sustentavam o edifício político de uma sociedade que atingia a felicidade e o bem-estar, pela participação activa e responsável do indivíduo na coisa pública.

E, no entanto, eu como filho terceiro de um homem que casou aos 33 anos, nada presenciei da participação de meu pai no Movimento monárquico até aos alvores da Revolução de Abril.

Era um institucionalista, no sentido em que acreditava verdadeiramente no papel imanente e regulador das instituições. Mas era, simultaneamente, um humanista e o tamanho da sua Fé e da forma gentil e ingénua com que se entregava às coisas de Deus, contrastavam com o rigor e o sentido de serviço que sempre exigia às coisas dos Homens. Militou nas Juntas Académicas da Causa Monárquica e foi, com Alexandre Cabral Campello e José Paulo Lencastre, um dos Fundadores da “Real República do Rás-te-Parta” – a república que, à época, era conhecida como sendo “dos Monárquicos”. Mais tarde, aderiu, como muitos os que não se deixavam seduzir pela envolvente figura de António Oliveira Salazar, à Convergência Monárquica onde tomou contacto com José Vaz Serra e Henrique Queiroz Athaide que fundaram a Liga Monárquica em 1969. Logo a seguir à revolução, segue os passos dos seus correligionários e amigos mais próximos. Com Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas e José Paulo Lencastre, ajuda a criar o PPM, onde militou activamente nos primeiros anos da Revolução. Com o advento da AD e o “encosto” do PPM à governação, achou que a formulação partidária, inevitável no contexto político da revolução, não servia mais para quem tinha como único desígnio restaurar a Monarquia em Portugal. Saiu do PPM na mesma altura em que Henrique Queiroz Athaíde o convida para liderar a Liga Popular Monárquica. Encontrou na LPM um espaço de reflexão política que o entusiasmava mais do que “operacionalidade” partidária. Não era um Homem de acção mas antes um apaixonado pelo conhecimento e pela reflexão política.

O meu Pai era um homem, austero, rigoroso, integro que nos educou com uma autoridade quase arbitrária de que, tenho que confessar, nunca gostei muito. A primeira vez que o vi falar de monarquia percebi a consistência do raciocínio, a fartura do conhecimento, a coerência argumentativa e a honestidade intelectual que não pode ser confundida com uma humildade que ele realmente não tinha. Deus, a Pátria e o Rei, faziam parte dos seus dogmas e eram por isso pressupostos inilidíveis da construção de qualquer narrativa à volta do pensamento político monárquico. Era um apaixonado integralista, reconhecendo na figura maior de António Sardinha, secundado por José Pequito Rebelo e Luis Almeida Braga, os líderes de um movimento geracional que construiu um ideário político, à época, vigoroso, corajoso e, diria até, progressista.

Gostava do debate político onde conseguia ser eloquente e eficaz. Era essa a praia onde gostava de estar: a liça das ideias e as dinâmicas que assumiam na projecção e na perspectiva das novas gerações. Recordo os almoços ternos de família, desprendidos do tempo, à volta da mesa que nos confortara copiosamente os sentidos e 12


que, agora, nos segurava ainda na preguiça amorável de estarmos juntos, mas, também, no bulício que sempre fazíamos ao redor das ideias que o Pai estimulava. Mas nem nessa qualidade baixava a guarda ou deixava que a última palavra pudesse deixar de ser a dele.

fragilidade da forma, eu admirava a densidade e a certeza das Ideias. Passaram este ano, dez anos da Sua morte e, para além da contrita e imensa saudade do Pai, fica uma admiração que cresceu em mim com a sua ausência e que hoje é profunda e incondicional.

Tive, com Ele, muitos momentos de contraditório que, por higiene mental, revisito habitualmente com emoção. Sempre assumi que existia entre os dois uma inultrapassável diferença geracional e um pragmatismo que meu Pai nunca aceitou assumir como, por exemplo, a cedência a modelos “roialistas” em que não acreditava.

Fico, ainda, muito admirado quando muitos da minha geração se confessam monárquicos porque um dia tropeçaram na palavra ou no convívio de meu Pai. Entre os tantos que agora recordo destaco o meu querido amigo Tomás Moreira, com quem estive em tantas lutas, que me recorda amiúde a influência decisiva que meu Pai teve na sua formação monárquica.

Estivemos muito juntos na Liga Popular Monárquica e lembrome bem da minha primeira intervenção pública a seu lado, à frente da Juventude Popular Monárquica, com Aníbal Pinto de Castro e Henrique Barrilaro Ruas - dois monstros intemporais do pensamento político monárquico. O fervor apaixonado da minha intervenção logrou conquistar a plateia, mas não meu Pai que gostava pouco de trocadilhos e não entendia sequer os meandros perigosos da inteligência emocional. As ideias tinham uma forma e uma ordem que a bem do rigor e da clareza expositiva deveriam ser expendidas com simplicidade e sem excessos, sofismas ou sofisticações.

Num mundo que, hoje, é vago, evasivo e disperso, aprendemos a admirar o carácter, o compromisso e a coerência que existiam de uma forma rara e profunda na pessoa de meu Pai. Talvez seja o “sopro da lisura e da amplidão” de que fala Sofia de Mello Breyner que quero hoje homenagear. Obrigado Pai!

Sem prejuízo das diferenças, claro que reconheço hoje que era ele quem me influenciava e me estimulava a regressar a Ortega y Gasset, a São Tomás de Aquino e à sua Summa Theológica, ou aos incondicionais sermões de Padre António Vieira. Mas eu, ia teimando no refúgio em Raymond Aron ou Alexis de Tockeville que me aguçavam o espírito para além do império e do mundo Português. Acabávamos os dois a bravata de ideias agarrados ao mesmo objectivo de publicar com religiosa periodicidade o boletim da Liga Monárquica que ele dirigia. Tal como hoje a Real Gazeta do Alto Minho, o Boletim da Liga Popular Monárquica (e noutro registo a Consciência Nacional do saudoso Camarate dos Santos) era o grande repositório das ideias políticas de uma terceira geração de integralistas que, sem pretensiosismo, foi liderada e impulsionada por meu Pai. Passávamos dias, primeiro a compilar e a corrigir textos, depois a preencher envelopes e a colar selos. E isso que, por vezes, convocava a Família inteira, deu-nos o conforto de nos agarrarmos, finalmente, no mesmo espaço de luta, na mesma grande convicção de lutarmos pelas coisas e pelos valores em que acreditávamos. E quando as centenas de cartas eram engolidas pela boca funda do marco do correio sentia, no sorriso largo de meu Pai, o abraço que ele reservava para as grandes ocasiões da Vida. E ainda hoje releio, em dezenas de livros encadernados onde se reúnem as centenas de Boletins editados, a poesia proclamatória mas pueril de Leal Freire, o discurso aguerrido, quase apocalíptico, de Gastão da Cunha Ferreira, a fé serena e desapegada de Leopoldo da Cunha Matos e, para além de todos, a escrita pronunciada de meu Pai, onde muito mais do que a

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Congresso Eletivo da JMP para o triénio 2019-2022

No dia 6 de Julho de 2019 decorreu em Santarém a XI Assembleiageral da JMP, que elegeu a Lista A - A Mudança Acontece Quando Menos Esperas, lista única, no mesmo local onde a associação foi fundada.

prévia concertação com S.A.R. o Príncipe da Beira.

Seguiu-se um arraial no salão paroquial de São Nicolau, de entrada gratuita, com muita música e comida vária, que se estendeu pela noite dentro, em grande animação.

A lista candidata organizou um congresso muito participado e diversificado. Nele foram distinguidos quatro associados, Carlos Galante, Vicente Cardoso, Tiago Matias e Nuno Gaspar, que em razão da idade se despediram da JMP, mas em razão do mérito ficaram na sua história como associados honorários. Findos os trabalhos, foi feita uma homenagem a Pedro Álvares Cabral, na qual foram lidas umas palavras pelo novo Secretário-Geral, em

Nos dias seguintes, a direção viu publicadas várias peças jornalísticas sobre o evento. Agradecemos a todos os amigos da JMP que tornaram este dia único possível!

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Symposium "The future of young people’s political participation: questions, challenges and opportunities" Após uma cuidadosa seleção por parte da Youth Partnership, parceria criada entre o Conselho da Europa e a Comissão Europeia, a recém-eleita Presidente da JMP, Carmo Pinheiro Torres, foi selecionada, enquanto dirigente e investigadora académica, para participar num Simpósio sobre Participação Política Jovem com a duração de 4 dias, de 18 a 20 de Setembro, na belíssima cidade de Estrasburgo.

procuraram desenvolver uma visão a ser apresentada aos decisores políticos europeus nas áreas da juventude. Quando não estavam previstos trabalhos, desenvolveu relações com dirigentes de associações, ONGs, partidos políticos e instituições europeias de toda a Europa. Foi uma experiência muito enriquecedora que colocou a JMP no mapa das organizações de juventude em Portugal.

Em conjunto com outros 119 jovens, frequentou as mais diversas palestras e workshops sobre associativismo, participação tradicional e digital, liderança de equipas, publicidade e media, entre muitos outros assuntos de interesse. Além destes, integrou os vários grupos de trabalho que

Nota: Uma vez incumbida de relatar três dos momentos do evento, a JMP divulgará o relatório final quando publicado no site do evento.

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Uivar dos Lobos na Serra d’Arga Gonçalo Sampaio e Melo

Abstract Like most mountains in northern Portugal, the Serra de Arga originates from granitic outcrops, and all rocks in the area are derived directly from this plutonic magmatic rock. The mountains provide a landscape that allows us to see the sea, the Lima and Minho River as well as the Spanish villages of Galicia. In this mountain rises the Ancora River. Through this place, passes the path used since time immemorial that, crossing this ‘holy mountain’, makes us relive all the stories and legends that refer to it. It is a long road that cross a very rough area. The popular story of Saint Aginha, described above, is part of the culture of its people and whose celebration in a chapel on the north side of the mountain, dates back to the 14th century. It is one of the most characteristic and lived in Alto Minho, with a strong attractiveness of the surrounding population. Not only for its biodiversity but also for the preservation of the identity of the upper Minho should be protected from any exploitation of lithium miner.

Há quem a conheça minuciosamente dando o nome a cada penedo, a cada fonte, a cada chã, a cada cova ou outeiro e isto é sintomático; não se trata de um mundo geograficamente desconhecido pois quando por lá se passeia verifica-se que toda ela contém coisas curiosas, ribeiros transparentes que a natureza preparou e que podiam ser aproveitados pelos homens. Há esconderijos abrigados da chuva pelas penedias, covas subterrâneas e, por mais agreste que pareça, não há local onde se tenha de afastar a hipótese de a mão do homem não ter lá passado. São diversas as manifestações de Religiosidade Popular na Serra d’Arga, como o são em todo o lado.

Key Words: Serra de Arga, Alto-Minho, lithium exploitation Resumé Comme la plupart des montagnes du nord au Portugal, Serra de Arga est issue d’affleurements granitiques et tous les rochers de la région sont directement dérivés de cette roche magnatique plutonique. Les montagnes offrent un paysage qui nous permet d´atteindre la mer, les rivières Lima et Minho, ainsi que les villages espagnols aux allentours. Parmis cette montagne coule la rivière Ancora. Ce lieu est magique; le chemin au cours de ce paradis dès les temps immémoriaux que, en les traversant, la ‘montagne sacrée’, nous font revivre toutes les histoires et les légendes qui y font référence. C’est une longue route qui traverse une région très accidentée. L’histoire populaire de Saint Aginha, décrite ci-dessus, fait partie de la culture de son peuple et, dont la célébration dans une chapelle au nord de la montagne, remonte au XIVème siècle. Cette histoire est l’une des plus caractéristiques vécue à Alto Minho, avec une forte vivance de la population environnante. Non seulement pour sa biodiversité, mais plutôt par la préservation de l’identité du Minho, il faut la protéger de toute exploitation de lithium. Mots Clés: Serra de Arga, Alto-Minho, exploitation du lithium

O nome dele era Aginha e o povo simplifica e diz Santó(a)ginha. Popularmente estão os dois bem. De facto, é Santo Aginha, i.e., “santo feito à pressa”. Vivia em cabanas rústicas ou grutas subterrâneas, o que não é para admirar pois, nos tempos antigos, eram lugar de recolhimento e de isolamento para anacoretas e eremitas. Este seria o seu nome de batismo, ou foi-lhe posto depois? Era um ladrão, salteador da montanha na Serra d' Arga que roubava nos caminhos de Santiago, na ligação de Ponte de Lima para Caminha e vice-versa. Depenava ainda a povoação autóctone composta por gente simples, trabalhadora, queimada pelo sol e curada pelo frio de Inverno, arranhada pela urze comum nesta “Montanha Sagrada” que, em tempos imemoriais, serviria de berço a diversos animais ferozes. É esta gente simples, mas hospitaleira, numa terra tão rude, carregada de granito pré-câmbrico e xisto que fala bem deste Aginha que certo dia, quis roubar um frade beneditino. Um pobre 16


frade que não levava um real de seu e, não houve palavras que o convencessem de que o frade se não lhe dava era porque não tinha. Arrancou do ferro diabólico e pronto a matar o frade com o impulso de um vómito, quando este, já desenganado da vida resolveu morrer santamente, explicando ao malfeitor que quem morria bem era ele e quem vivia mal era ele, o salteador. Nem sequer se podia chamar viver: estava ali esfarrapado, como um animal acossado, sem ousar acender lume não fosse o fumo traí -lo aos beleguins que o procuravam por toda a parte e que se servia das covas naturais e dos penedos de granito encastelados para abrigo. Aquilo não era vida era pior que a morte. A ele, frade, esperava-o a bem-aventurança eterna visto que morria a praticar o bem: a rezar pela salvação do seu assassino. Começou então a murmurar ave-marias, ante o espanto do salteador:- ‘mata-me, mata-me depressa e ficarás no teu inferno dominado pela toxicidade’. O criminoso sentiu um baque na alma. Aquelas palavras boas, impregnadas de carinho e solidariedade humana, eram a primeira mensagem fraterna desde há muito, muito e agreste tempo. Afinal, ali na serra da Montanha Sagrada o monge e o bandido era só dois irmãos. Com uma evidência incontestável percebia agora que todos os homens são irmãos. Guardou o ferro e caindo de joelhos pediu ao frade a esmola de absolvição. O monge não sabia o que fazer, pois tinha muitas vezes ouvido falar no salteador que ganhara a fama sinistra entre todos os povos da serra.

pois ainda hoje se conserva em S. João d’Arga a fonte dos frades e a capela que tem características de arquitetura medieval, um lavrador com um carro carregado de milho a caminho do porto de Caminha.

Além disso a lei canónica não deixa absolver sem penitência. Seria injusto, de um momento para o outro, perdoar aquele filho pródigo que se afundara durante tantos anos nos negros caminhos do ácido pecado? Mas quem pode julgar?

Mas sabe-se o que são estes carreiros de rocha, árduos caminhos de cabras, o rodado atolou-se numa cova profunda, o eixo partiu-se e o desesperado lavrador não sabia o que fazer.

Aqueles olhos ansiosos, aquele farrapo agreste de gente a soluçar diante dele podiam ser condenados? O monge sentiu nesse instante com clareza o que não tinha até então compreendido: ninguém é juiz de ninguém, só nós nos podemos julgar. Assim sendo pronunciou a penitência: - ‘Até agora só tens feito mal, e só tu podes saber todo o mal que fizeste.

O salteador foi ajuda-lo. Acocorou-se, pôs o ombro sob o estrado do carro, retesou os músculos para poder erguer a enorme carga. Contudo o lavrador conhecera-o. Sabia que era o bandido abominável e não acreditava em generosidades súbitas e desinteressadas.

Pois ficarás por aqui a ajudar quem precisa, como os peregrinos a Santiago e outros viajantes, até que o prato de bem pese tanto como o do mal. Só teu coração poderá dizer quando acabar a penitência’.

Pensava, como bom minhoto, aquele o homem sob a aparência de ajuda, preparava-se para lhe roubar o carro, os bois, o milho e certamente a vida, para se não poder ir queixar da atrocidade do crime. Quando o outro estava dobrado debaixo do carro, certo de que fazia justiça, ergueu a enxada ao alto e como uma pancada certeira desfez-lhe os ossos do crânio.

Assim foi; o bandido recolheu ao fojo, o frade seguiu caminho a dar graças a Deus. O homem mau espreitava as veredas da serra e as nascentes de água deliciosa. Em tempos não muito longínquos era vulgar a gente de Caminha ir às fontes da Urze e das Águas Férreas buscar esta água medicinal para tratar dos males digestivos. O salteador esperava agora a prática do bem que poderia fazer, não da maldade passada.

Entretanto os lobos uivavam na serra sacra até que a fama tenebrosa do malfeitor correra de monte em monte chegará a corte de D. João I. O rei mandou arautos a prometer tentadoras recompensas a quem matasse o bandido e restituísse a paz quer nos locais quer nos peregrinos que atravessavam aquelas serranias.

Logo surge a oportunidade ao ver num caminho para o convento dos monges beneditinos, e disto não restam dúvidas 17


Para provar foi à serra só duvidoso de que depois de tantos meses, os lobos ainda tivessem deixado algum despojo do cadáver que tinha deixado no caminho para aquele convento (alguns querem dizer até que fora fundado em 623 de Jesus Cristo, conforme se encontra na padieira duma porta).

verdadeiro santo porque o povo minhoto é o que por aclamação canoniza os santos. No missal bracarense tinha o seu dia litúrgico a 14 de Fevereiro. Constou, pois, do santoral do rito bracarense e, o povo dizia ser o padroeiro dos ladrões.

D. Fernando de Leão, na sua divisão dos condados, em 1026, fala que o “Monastério Máximo”, situado no alto Monte d’Arga se destinava a albergar frades castigados.

A sua canonização acabou apenas popular e a sua imagem continuamente venerada na Igreja Paroquial de Arga de S. João.

Porém o corpo estava intacto. Á volta haviam crescido lírios brancos com moitas de açucenas!

A toda esta tradição junte-se a devoção que existe a S. Paulo Eremita, do século IV, que se venera em capela própria, na freguesia de Arga de Cima, assim como Santo Antão, outro eremita do deserto do Egipto.

O homem tinha os olhos abertos e toda a alegria do céu resplandecia nas orbitas profundas. Os carvalhos reclinavam os seus ramos e um coro de rouxinóis fazia ali a música mais doce que a música dos órgãos das igrejas beneditinas.

É ali na singeleza bruta daquele rincão de terra alto-minhota conhecida dos povos das cercanias que sobretudo um santo destes não pode morrer.

Sobre o lugar havia um grande sentimento de céu, um inconfundível aroma de paraíso que constituem valores e contra -valores nesta região serrana encravada entre o Lima e o Minho.

Nessa serra lendária conhecida pela ‘Montanha Santa’, a quem os romanos chamaram de Monte Medúlio, existem povoações dispersas por entre o fraguedo, fincadas aos vales atravessadas sempre por mais um riacho de água cristalina, nascida nos píncaros dos montes e chãs, e tendo muito mais do que mineração de Lítio para oferecer à gente do mundo.

Não era um bandido era um santo! Angustiado, o lavrador pedia a Deus perdão pelo que agora compreendia ter sido um crime. Ele não sabia que é tão pequena a diferença que separa o céu do inferno, o santo do malfeitor. Não se trata só de um milagre insólito pouco conhecido no hagiológio tradicional, mas o mais eloquente testemunho contra a pena de morte. No entanto, a tradição está ainda viva na memória desta serra que proclamava, entre os mais velhos, o malfeitor como um

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Poetas Monárquicos Portugueses Anrique Paço d'Arcos José Aníbal Marinho Gomes

Abstract Anrique Paço d'Arcos, pseudonym of Henrique Belford Correia da Silva, poet marked by lyricism, nostalgia and emotional climate and exquisite sensitivity, begins very young in poetry, contacting names such as Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, etc. Key words: poet, nostalgic, elegiac.

Resumé Anrique Paço d'Arcos, pseudonyme de Henrique Belford Correia da Silva, poète marqué par le lyrisme, la nostalgie et un climat émotionnel et une sensibilité exquise, commence très jeune dans la poésie, en contactant des noms tels que Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, etc. Mots-clés: poète, nostalgique, élégiaque.

Henrique Belford Correia da Silva, 2.º conde de Paço de Arcos, nasceu em Lisboa, no dia 2 de Setembro de 1906 e aí faleceu a 13 de Maio de 1993. Era filho do Comandante Henrique Monteiro Correia da Silva, capitão-de-mar-e-guerra, Ministro das Colónias, Governador de Macau, etc., e de D. Maria do Carmo de Sousa Belford. Foi director-geral do Banco de Angola e seu administrador em Lisboa, bem como administrador da Companhia de Celulose do Ultramar. Poeta de requintada sensibilidade, assinou a sua obra literária sob o pseudónimo de Anrique Paço d’Arcos, escritor simples e elegíaco, “Poeta do Silêncio e da Saudade” – conforme o apelidou Teixeira de Pascoaes, que o considerava o seu discípulo dilecto.

Em Macau, leu “Clepsidra” livro de poesia de Camilo Pessanha, que foi seu professor no liceu macaense e com quem priva de muito perto. Iniciou-se muito cedo na poesia e em 1923 publica o primeiro livro, “Versos sem Nome”, mesmo antes de ter completado dezassete anos. É nesta altura que tem o primeiro contacto com Teixeira de Pascoaes que, apesar da diferença de idades, redundará numa profunda afeição mútua (1) Poeta fiel à tradição Neo-Romântica do primeiro quartel do século XX, aproxima-se do Saudosismo, o que leva António Cândido Franco, renomado académico da Literatura e da Cultura portuguesas, a situá-lo numa segunda geração poética saudosista. Alguns dos seus livros de poesia, especialmente “Divina Tristeza” e “Mors-Amor”, estão profundamente marcados pelo lirismo, pela nostalgia, pelo clima emocional merecem de Teixeira de Pascoaes uma atenção especial: “Saudade é vago espelho onde as imagens Tem vida para além da realidade” A poesia de Anrique Paço d’Arcos, alcança, para Teixeira de Pascoaes, a forma intelectual do pensamento e, é uma poesia transcendente, de envolvimento filosófico devido ao seu panteísmo, sobretudo no livro “Mors-Amor”. Veja-se por exemplo os tercetos de “Peregrino da Noite”. E novamente o Génio da saudade Nas suas torvas águas se escondeu Sentia em mim a dor da Eternidade, 19


Era ainda da terra e já do céu!... No seu último livro “Voz Nua e Descoberta”, publicado em 1981, sob o título “Era Uma Vez um Poeta”, Anrique Paço d’Arcos mostra-nos a génese da sua poesia: «Desde menino que, como toda a gente, fazia versos festejando os anos familiares, mas foi com a estada em Macau, para onde, aos doze anos, fui com três irmãos acompanhando os pais, que em mim terá despertado a chamada ‘veia’ poética.» António Cândido Franco, no prefácio de Poesias Completas refere: “Neste sentido, que é o da direcção de um lirismo que cada vez mais sente a urgência da experiência dramática, um dos poemas mais significativos do livro […] é, na certeza do seu alto carácter, aquela ‘Elegia da Dor’ em que o poeta, para lá do significado elegíaco, próprio de toda a mais autêntica poesia portuguesa, seja a de Camões, a de Antero ou a de Pascoaes, desvela um poder antitético que depois se transforma superiormente na mais ousada e transfiguradora afirmação, a ponto de nos podermos intimamente interrogar se todo o sentimento elegíaco português, velado por uma deusa nocturna, não tem em si um lado apolíneo, quase dionisíaco, que encontra o seu remate no hino e até no louvor de delírio e exaltação.

Henrique Paço d'Arcos, sua mulher e filhos

O poeta foi irmão do romancista e dramaturgo Joaquim Paço d'Arcos, tendo-lhe dedicado por altura da sua morte, no dia de 10 de Junho de 1979 o seguinte soneto: “Á Memória de Meu Irmão Joaquim

Sofrer… mas toda a vida é sofrimento, Pois é dor afinal toda a alegria… Da calma do ar se eleva a voz do vento, Da própria noite nasce a branca luz do dia. […]”

Foi no Dia da Raça que morreste! Mas não morreste, não: subiste aos Céus, Onde o teu coração nas mãos de Deus, Como um fruto de amor tu ofereceste.

Em 2015 foi doada a sua biblioteca à Câmara Municipal de Cascais – Fundação D. Luís I, após o que foi criado o AuditórioBiblioteca Anrique Paço d’Arcos na Quinta de Santa Clara em Cascais.

E Deus sorriu, ao ver-te sem os véus Das terrenas vaidades, e tiveste, Lá no fulgor da Jerusalém Celeste, A acolher-te na Luz, todos os teus.

Auditório-Biblioteca Anrique Paço d'Arcos

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Os teus já partiram, porque a nós, Os que somos ainda aqui dispersos, Quiseste um bem deixar que nos conforte:

Teu vulto de saudade, a tua voz, Que fala nos teus livros e em teus versos, Porque é escrevendo que se vence a Morte!”

É autor, entre outras, das seguintes obras: Versos Sem Nome (1923) Divina Tristeza (1925) Mors-Amor (1928) Peregrino da Noite (1931)

Cidade Morta (1939) Estrada Sem Fim (1947) História de Jesus (1962) Círculos Concêntricos (1965) Voz Nua e Descoberta (1981)

Poesias Completas (1993). A obra “Uma Amizade – Cartas de Pascoaes a Anrique Paço d’Arcos” (seleçcão e prefácio de Maria do Carmo Paço d’Arcos, ilustrações de John O’Connor, Vega, Lisboa, 1993) revela a amizade que ligou os dois poetas.

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Conferência sobre o Recontro de Valdevez

Luís Carlos Amaral é professor do Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, investigador do CITCEM (Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço, Memória”), membro do CEHR (Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica Portuguesa) e académico correspondente da Academia Portuguesa da História. Desempenha actualmente as funções de Presidente da Comissão de Ética da Universidade do Porto. No que respeita a temas de investigação, tem privilegiado estudos sobre povoamento e organização social do território (séculos X-XIII), bem como sobre instituições eclesiásticas medievais portuguesas. Entre as várias dezenas de estudos publicados destacam-se, entre os mais recentes: Half a Century of Rural History of the Middle Ages in Portugal: A Possible Overview; A Condessa Rainha Teresa (em colaboração com Mário Jorge Barroca). 22


Entrevista Entrevista da Real Gazeta do Alto Minho ao Exmo. Senhor Dr. António Moniz, Barão de Palme “Na verdade, racionalmente, a Monarquia é a única forma de Chefia de Estado que pode garantir a Independência, a Liberdade e o Progresso da Colectividade Portuguesa.” antepassado!!! Mas cheguei à conclusão de que, actualmente, um título nobiliárquico não traz qualquer vantagem pessoal ao seu titular e apenas só lhe acrescenta responsabilidades e obrigações, ao contrário do que muita gente pensa. Assim me mostrava o meu Pai, no seu dia-a-dia, que em qualquer circunstância dava prontamente o exemplo, assumindo responsabilidades sociais, muitas vezes com dificuldade e prejudicando a sua vida económica e familiar. E perante as dúvidas dos descendentes, explicava que um título nobiliárquico tinha essas consequências incómodas para o seu detentor. Os titulares são mais responsáveis que o comum dos cidadãos, não tendo direito a qualquer regalia decorrente do título que usam. Se o meu Pai que sempre se bateu pelos valores que defendia, até com armas na mão, arriscando a vida em várias situações de guerra, como poderia raciocinar daquela maneira!?. Por essa razão, resolvi confessar que, muito naturalmente não me apetecia usar o título que era da Família, pois não percebia qual a vantagem desse uso. O meu Pai disse-me prontamente que todos os Homens são iguais e os que têm um título nobiliárquico ou qualquer outra distinção, além de serem iguais aos seus semelhantes, têm mais responsabilidades sociais. E se não assumirem o uso do título, estão simplesmente a trair a Família, o seu Bom Nome e a Honra que deve pautar o comportamento da gente de bem... Ninguém obriga ninguém a continuar na família que tem e a cumprir as suas obrigações. Mas qualquer elemento decente do agregado familiar, tem toda a obrigação de arcar com os deveres dela decorrentes, referia o meu Pai com paciência de santo.- “ Tu e os teus Irmãos têm que dar o exemplo em todas as situações, não se limitando a esconderem-se atrás de uma anel de brasão, em reuniões sociais, ou de uma pedra de armas concedida aos Antepassados. Quanto a regalias, não têm direito a nenhuma e muito bem. Os republicanos que possuem e usam títulos é que procuram tirar vantagem de uma situação para a qual nada contribuíram. E por isso é que dificultam a possível implantação da Monarquia em Portugal, pois se tal acontecesse, teriam a concorrência dos novos titulares que fossem distinguidos por mérito próprio!

RGAM.- Por que é Monárquico? AMP. - Sou monárquico, pois acredito que só com uma Monarquia se conseguirá a igualdade de todos, bem como o progresso que tem animado as monarquias europeias. Também a independência do Estado em relação às determinações ilegais, fora dos circuitos democráticos est abelecidos constitucionalmente, seria mais facilmente obtida por uma instituição real independente dos partidos. Por outro lado, somente com este tipo de Chefia de Estado se obterá a necessária liberdade da Nação, em relação às forças de pressão económicas que, através da corrupção, tentam subjugar a colectividade. Enfim, só se obterá a Liberdade, a Igualdade e a Verdadeira Democracia com um Monarca, independente de partidos e dos interesses económicos. O Rei e o seu Povo, numa colectividade em que todos terão os mesmos direitos e deveres. Devo esclarecer que sou monárquico, não por qualquer circunstância exotérica, mas por consequência, como diria D. José Maria Péman, no seu famoso ensaio “Cartas a um Céptico”. Na verdade, racionalmente, a Monarquia é a única forma de Chefia de Estado que pode garantir a Independência, a Liberdade e o Progresso da Colectividade Portuguesa.

RGAM.- O que significa hoje possuir um Título nobiliárquico e que responsabilidade acarreta essa dignidade? AMP. – Quando era mais novo, pensava maduramente se, no futuro, usaria ou não o título nobiliárquico de que o meu Pai era titular, concedido como prémio aos feitos cometidos por um 23


Claro que, numa monarquia, deve necessariamente existir uma elite formada por gente que se notabiliza pessoalmente e não pelo facto de ter herdado uma distinção de um antepassado”. E o meu Pai acrescentava que o anel de brasão deve ser usado com descrição e com a mesma naturalidade que se veste uma qualquer peça de roupa!!! Enfim, penso que acabei por entender a mensagem recebida….

estragarem o seu melhor fatinho de ver a Deus, pois muitas vezes estavam a trabalhar com uma máquina a carvão ou no desempenho de qualquer outra função menos limpa... Após a Revolução, tirou tudo a gravata e os responsáveis da C.P. fizeram o mesmo, pois tinham receio das perseguições políticas e vergonha de se apresentarem tão bem arranjados como anteriormente. Então, logo passei a usar gravata nas reuniões ferroviárias, onde estavam os superiores, e mudei de nome, incluindo nele a designação do próprio título. Enfim, um barão ferroviário, como me chamaram num tribunal especial, para denegrirem a minha qualidade de testemunha de defesa, num julgamento injusto feito a cidadãos considerados terroristas pelos elementos comunistas do MFA..

Mais tarde, apercebi-me do ridículo de certa gentinha emproada, que ainda por cima se diz monárquica, denegrindo esse ideal, e que se entretém a inventar brasões, exibindo-os por tudo o que é lado, escamoteando indecentemente o próprio nome familiar por achar mais fino um outro qualquer. Enfim, uma variedade de autênticos palhaços dos brasões, de fidalgos aprendizes de quinta categoria, pensando ser entes superiores por usar um anel de pedra de armas, que nem sequer se sabe se têm ou não direito ao seu porte…! E o mal é que o Ideal Monárquico tem sido altamente conspurcado por gente desse jaez.

“(…) apercebi-me do ridículo de certa gentinha emproada, que ainda por cima se diz monárquica, denegrindo esse ideal, e que se entretém a inventar brasões, exibindo-os por tudo o que é lado (…). Enfim, uma variedade de autênticos palhaços dos brasões, de fidalgos aprendizes de quinta categoria, pensando ser entes superiores por usar um anel de pedra de armas, que nem sequer se sabe se têm ou não direito ao seu porte…! E o mal é que o Ideal Monárquico tem sido altamente conspurcado por gente desse jaez.”

Início da campanha do PPM, no Porto. Da esquerda para a direita, João Camossa Saldanha, José Queiroz, António Moniz Palme. Maria Teresa Martins de Carvalho e Fernando da Costa Quintais

Mais que não seja, já dizia Frei Amador Arrais: “Não há maior tristeza do que aquele que dos seus Avós apenas tem a nobreza”.

RGAM.- Quer-nos falar um pouco das funções que exerceu enquanto Deputado e de como teve sempre presente e vivo o espírito de correligionário monárquico?

Após o 25 de Abril, foi uma luta titânica travada pelo PPM, para demonstrar ao público que os monárquicos são gente comum, do melhor que existe na colectividade em matéria de trabalho, competência e solidariedade pelo próximo, iniciando uma luta pela defesa do ambiente e do mar, bem como dos interesses da agricultura., quer pertencessem a uma família com pergaminhos quer não, como se costuma dizer. Aliás, os pergaminhos nada interessam para a actividade política e para a instauração da Monarquia desejada.

AMP. – Comecei as minhas actividades de militante monárquico, em Coimbra, na Universidade, fazendo propaganda política com outros jovens monárquicos junto da colectividade estudantil, chegando a ser constituído um activo grupo de centenas de jovens monárquicos. Trabalho destruído, quando a Causa Monárquica resolveu apoiar abusivamente uma lista da União Nacional, nas eleições legislativas para a Assembleia da República. Quando me formei e fui trabalhar para o Porto, a Causa Monárquica estava completamente enfeudada ao Regime da Segunda República e sem qualquer possibilidade de actuação. Com outros monárquicos, iniciámos um movimento político para derrubar Marcelo Caetano. Mas, o chefe de fila, por nós muito mal escolhido para chefiar uma

Devo dizer que trabalhei na C.P. desde antes do 25 A. Sempre que aparecia um administrador, nos vários postos de trabalho, apareciam os ferroviários todos engravatados da cabeça aos pés., para lhes agradar, com o risco de 24


revolta monárquica no Norte, resolveu retirar-se a meio do percurso. Enfim, fomos traídos, acabando muitos saneados dos lugares públicos que ocupavam. Após o 25 de Abril, continuei a defender o meu ideal monárquico através do PPM., cujo programa me encantou, apesar de ter consciência que, num pequeno partido, nunca poderia aspirar a ser ministro da Agricultura, para fazer a revolução agrária necessária, como me dizia o meu querido amigo Francisco Lucas Pires. Mas não desisti. No Parlamento, cheguei a ser eleito Vice-Presidente da Bancada do PPM. Como o nosso grupo parlamentar era reduzido, tinha que intervir praticamente todos os dias. Mal tinha tempo para dormir. Valia serem excepcionais os meus companheiros do velho PPM, de onde acabei por sair. Recordo Barrilaro Ruas, Gonçalo Ribeiro Telles, António Borges de Carvalho, Augusto Ferreira do Amaral, Luís Coimbra, Portugal da Silveira e Campos Gondim entre Outros. Fiz intervenções sobre a necessária alteração da política agrícola e do ordenamento do território, sobre a defesa do nosso Mar e da nossa Zona Económica Exclusiva, sobre a navegabilidade do Rio Douro e a recuperação das suas margens, sobre a defesa dos leitos dos rios do Norte e o fim da extracção abusiva de areia

área da sua circunscrição, através de magistrados eleitos, nomeadamente de Juízes Letrados de Vara Branca. Aliás, Alexandre Herculano, dizia que a Liberdade Municipal era a única possível, tanto outrora como no seu tempo. Contudo, o regime político, que sucedeu o Absolutismo, não foi melhor para as populações locais, pois, o Liberalismo transformou os municípios em meras circunscrições administrativas gigantes, sem alma e sem imediação entre governantes e governados. Esclareço melhor, o sobredimensionamento dos municípios, determinado pela política de Mouzinho da Silveira, acabou com a antiga Liberdade Municipal. Durante as Primeira República e a Segunda República do Estado Novo a situação manteve-se, não estando os Municípios ao serviço das populações. Pelo contrário, estas é que estavam ao serviço do Poder Central, constituindo autênticas antenas governamentais, pois limitavamse a cobrar impostos para o Estado, a proceder ao recrutamento dos mancebos residentes na sua área de competência e a organizar localmente os actos eleitorais marcados centralmente. Com o 25 de Abril, nova perversão teve início, embora os órgãos municipais passassem a ser eleitos. Perante o natural desejo de obras públicas locais, os municípios transformaram-se bem cedo em simples centrais de obras públicas, reduzindo a bem pouco a sua actividade na defesa dos interesses das camadas urbanas da população, e ficando as populações rurais completamente afastados do circuito dos benefícios implantados. Ora, um dos motivos porque sou monárquico, foi acreditar no exemplo e no virtuosismo do Municipalismo na Monarquia Tradicional. Pretendo e acredito no verdadeiro Municipalismo. Quando deputado, em 1980, uma comissão constituída para a restauração do Concelho de Vizela, dirigiu-se a todos os grupos parlamentares, com assento na Assembleia da República. Na altura, recordei que, quando cumpria o serviço militar no Regimento de Cavalaria 6, no Porto, o meu impedido e amigo, Inácio de Sousa, que me acompanhava à viola nas minhas sessões de guitarra, me confessou que, em Vizela, os velhos quando morriam, obrigavam os descendentes a prometer que continuariam a lutar pela restauração do Concelho de Vizela. Claro que, com tal recordação, ouvi atentamente a pretensão legítima que os Vizelenses fizeram ao PPM.

Apresentação de candidatos, no “Vale Formoso”, cinema do Porto, para as primeiras eleições legislativas

que estava a ser feita, sobre a defesa do autêntico municipalismo, usado na Monarquia Tradicional, e sobre as necessárias mudanças no mundo laboral.

RGAM.- Entre as diversas iniciativas legislativas de V. Exa. evidenciou-se a defesa da criação do Concelho de Vizela; o que o levou a abraçar essa causa?

Vizela pertencia ao Concelho de Guimarães, que tinha 73 Freguesias. Com esta dimensão geográfica não existia vislumbre de imediação entre as populações e os responsáveis municipais. Era absolutamente inaceitável tal situação. Ainda por cima, havia um historial de luta de toda uma população, através dos tempos, a reivindicar a sua autonomia. Claro que em todos os partidos com assento no Parlamento, gente havia, ligada a Guimarães, que logo começou a fazer contra vapor à possibilidade de qualquer tentativa da Restauração do Concelho de Vizela. Falo em restaurar o Concelho de Vizela, pois no Séc. XIV, a população de Vizela conseguiu a almejada autonomia, através de uma carta de D. Pedro I, assinada em Elvas, em 24 de Maio de 1361, concedida a seu filho ilegítimo D. João de Portugal, nascido de D. Inês de Castro. Contudo, outros interesses

AMP. – Sempre acreditei no Municipalismo. Sabia perfeitamente que tinha sido um instrumento eficiente para evitar o feudalismo em Portugal e uma muralha na defesa do Poder Real ao serviço do Povo. Todavia, o Absolutismo veio tirar a autonomia aos concelhos e despojou os municípios dos instrumentos necessários que tinham garantido a verdadeira liberdade dada pelos Reis, através dos Forais. Tal situação era conseguida através da escolha e eleição local dos Homens Bons responsáveis pela administração, pela determinação e cobrança de alguns impostos locai, que revertiam em benefício da comunidade, e da possibilidade do exercício do poder judicial na 25


verdadeiro Municipalismo. Além de ter constituído um tampão eficiente ao crescimento do feudalismo, em Portugal, foi motor imparável da criação de um espírito colectivo e de solidariedade nos diversos agregados populacionais, além de ter gerado, por outro lado, o sentimento de entre ajuda nas populações dos territórios vizinhos. Não posso deixar de referir, além do mais, que o municipalismo contribuiu para fixar populações nos locais mais problemáticos do País, áreas completamente isoladas e sujeitas aos ataques de castelhanos e de grupos armados de diversa proveniência. Acrescentarei que, alguns forais possibilitavam homiziar os fugidos à justiça, por crimes de diversa ordem. Tal era facultado a municípios em condições especiais, que ficavam titulares do direito de conceder couto, de dar guarida e asilo a criminosos perseguidos pelas autoridades e que, com a protecção municipal, ninguém lhes podia tocar, passando a ter uma vida familiar normal, integrando-se pacificamente numa comunidade e a sublimar a sua agressividade, fazendo parte das hostes armadas locais. Além do mais, já na altura, em plena Idade Média, era reconhecida a inviolabilidade do domicílio, que só tornaria ao mundo das garantias pessoais com a Constituição de 1822...

“Com D. Afonso III, o Povo passou a ser um dos braços reconhecidos pelo Poder Real. Sempre que eram tomadas mediadas excepcionais eram convocadas Cortes, com a representação do Clero, da Nobreza e do Povo. Os Representantes Municipais compareciam em força para fazerem valer a sua opinião, o mesmo acontecendo com os representantes da Artes e Ofícios e das Corporações Profissionais.” logo se levantaram e as prerrogativas municipais foram retiradas aos Vizelenses. O meu grupo parlamentar, ciente do valor do Municipalismo em que acreditava plenamente, resolveu assumir a elaboração do projecto da criação do novo Concelho, projecto esse de que fui um dos signatários e pelo qual me bati denodadamente no hemiciclo. As razões que apresentavam para se oporem à criação de Vizela eram ridículas, referindo o facto de, retiradas as cinco freguesia que iriam constituir o novo Concelho, o Município de Guimarães ficaria menorizado em relação a Braga e a Famalicão. E até se atreveram a invocar promessas feitas a familiares, como foi o caso da declaração feita pelo Sr. Prof. Freitas do Amaral, numa reunião perante o então Primeiro-ministro, que não teve vergonha de confessar que se tinha comprometido, perante o pai moribundo, a impedir de todas as maneiras a criação do Concelho de Vizela. Claro que ouviu publicamente a resposta ajustada a tal barbaridade. Contudo, a vil colonização de Vizela acabou, por iniciativa dos deputados monárquicos, com o apoio de todo o Povo Vizelense e, obviamente, do Parlamento, no dia 19 de Março de 1998.

RGAM.- Hoje, os cidadãos estão alheados e afastados do sistema político. Ora, nos tempos da Monarquia Portuguesa as liberdades municipais eram uma regra essencial de governação; o papel democrático dos municípios tornava-o em real representante de toda a comunidade local diante do Rei que valorizava o apoio popular. Os conselhos municipais compostos por vizinhos tinham capacidade política e um enorme conjunto de liberdades fundamentais, regalias e seguranças, normalmente consignadas em carta de Foral - que elencava as matérias relativas à liberdade das pessoas, ao direito de asilo, à defesa dos direitos em juízo, à tributação, à inviolabilidade do domicílio – tudo isto em plena Idade Média, certo?

Em sessões de esclarecimento

RGAM.- Poder-se-ia dizer que finda a Monarquia orgânica Portuguesa, o Estado tornou-se mais

AMP. – Praticamente já referi o que me levava a defender o 26


centralista?

suas antigas funções e com a sua velha arquitectura, está em decadência. Nos países latinos, sobretudo.’ Como deveria ser o Parlamento num regímen de Monarquia?

AMP. – Com D. Afonso III, o Povo passou a ser um dos braços reconhecidos pelo Poder Real. Sempre que eram tomadas mediadas excepcionais eram convocadas Cortes, com a representação do Clero, da Nobreza e do Povo. Os Representantes Municipais compareciam em força para fazerem valer a sua opinião, o mesmo acontecendo com os representantes da Artes e Ofícios e das Corporações Profissionais. Para tal recordar, basta verificar o Assento da Aclamação de D. João IV, a 15 de Dezembro de 1640. Apesar de o novo Rei ter tido o juramento de fidelidade do Clero, da Nobreza e do Povo, houve necessidade de tal ser confirmado em Cortes, para o efeito convocadas, pelos representantes do Estado dos Povos e pelos procuradores dos 87 Concelhos que nela tinham assento. Mas o panorama modificou-se com o Absolutismo e com uma visão errada de Democracia pelos responsáveis partidários da Monarquia Constitucional. Na Primeira e na Segunda Republica não existiu verdadeira Democracia. E, posteriormente e até aos dias de hoje, a autêntica Democracia tem sido postergada pelo processo imparável da Centralização.

AMP. – Presentemente, o sistema eleitoral português está viciado. Para haver democracia terá que haver a mínima imediação entre os elementos da Comunidade e os deputados que representam os seus interesses. Durante os Actos Eleitorais facilmente se verifica haver um desconhecimento absoluto dos eleitores em relação às pessoas que se apresentam a sufrágio como deputados. Tal não pode continuar. Os partidos políticos têm e regem um autêntico rebanho de coladores de cartazes e pouco mais e que apresentam como deputados às eleições. Claro está que os eleitores não fazem ideia nenhuma de quem são as personalidades apresentadas, a não ser que foram escolhidas arbitrariamente pelas cúpulas de cada partido concorrente. Assim, tem que ser elaborada uma Nova Lei Eleitoral que os representantes dos Partidos logo referem admitir, como necessária, mas que não mexem uma palha para concretizar tal desiderato. Têm que ser criados Círculos Unipessoais, com dimensões que permitam que toda a população conheça o passado e a competência dos candidatos. Naturalmente, que a par dos Círculos Unipessoais, terá que haver um grande Círculo Nacional, onde entrarão os candidatos escolhidos pelos partidos, havendo igualmente a possibilidade da existência de um Círculo Regional ou Distrital com candidatos escolhidos pelas Associações de Municípios lá existentes. Passarão os deputados a ser gente que os eleitores conhecem e que se não cumprirem as suas obrigações, serão corridos nas eleições seguintes.

RGAM. – Na Monarquia Constitucional o corredor que dava acesso à Sala das Sessões das Cortes era palco de muito Passos Perdidos, pois os Deputados recebiam ali os Cidadãos. Em república isso terminou, mas o pior é que o actual sistema proporcional, de círculos plurinominais e do domínio de listas partidárias, é um sistema representativo em que não existe uma relação entre o deputado e o eleitor. É pois necessário um sistema que permita a escolha dos deputados pelos eleitores, e não exclusivamente pelos partidos, como actualmente. Parecem divinatórias as palavras d’El-Rei o Senhor Dom Manuel II: ‘Julgo que o Parlamento, com as

RGAM. - Existem vários modelos de Monarquia, a orgânica e pelo menos dois tipos diferentes de Monarquias Constitucionais no mundo contemporâneo: Executiva e Cerimonial e dentro desta última o Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou possuir poderes de reserva, o chamado Poder Moderador. Qual o modelo de Monarquia que defende para Portugal e se acredita que, nos fraturantes dias de hoje, ainda será possível essa restauração?

“Presentemente, o sistema eleitoral português está viciado. Para haver democracia terá que haver a mínima imediação entre os elementos da Comunidade e os deputados que representam os seus interesses. Durante os Actos Eleitorais facilmente se verifica haver um desconhecimento absoluto dos eleitores em relação às pessoas que se apresentam a sufrágio como deputados. Tal não pode continuar. (…) Assim, tem que ser elaborada uma Nova Lei Eleitoral…”

AMP. – Para um país latino, entendo que num regime monárquico, além dos três Poderes preconizados por Montesquieu, deverá haver um quarto Poder, o Poder Moderador de que o Rei seja titular. O Poder Moderador foi preconizado por Benjamin Constant, com a finalidade de reforçar e garantir a liberdade dos três poderes tradicionalmente existentes e a respectiva independência entre si. O Rei constituirá um elemento significativo de equilíbrio, sendo-lhe conferida uma acção preservadora e de guardiã da Liberdade dos outros poderes, transformando o Poder Real num órgão autónomo. E dará às suas funções o peso do prestígio do seu “munus”. Hoje em dia, com a corrupção tolerada vergonhosamente pelos partidos, que não abrem a boca para a combater com meios eficazes, e com a 27


subordinação do poder judicial aos interesses partidários e até às ordens de seitas, o Poder Moderador revela-se imprescindível numa monarquia moderna.

Liberdade, como está a acontecer nesta república miserável.

O Poder Moderados estava já previsto na Carta Constitucional, dada por D. Pedro IV aos portugueses, a par da consagração do Direito à Assistência e à Instrução Primária gratuita. A Carta Constitucional era um diploma inspirado na então recente Constituição Brasileira que, por sua vez, se inspirava na Francesa de 1814.

RGAM.- Com as abdicações, que prometem continuar em 2020, assiste-se à subida ao trono de novos reis desde tenra idade preparados para reinar. Mas estarão eles preparados para os desafios destes tempos disruptivos em que vivemos? AMP. – Por pior que tivesse sido a preparação dos príncipes herdeiros, até D. Manuel II, alguma preparação tiveram. E hoje em dia, os monarcas reinantes têm grande preocupação com a preparação dos seus sucessores, criando em cada um, um variado leque de qualidades e competências que lhes permitam adaptar-se às situações novas que ininterruptamente vêm alterar o equilíbrio de cada momento, nos diferentes sectores do país.

Acredito na instauração da monarquia, se os monárquicos, sem medo, explicarem ao Povo que um Rei Moderno proíbe a corrupção e as misturas vergonhosas entre os poderes dos órgãos executivo e judicial, como aconteceu no tempo do malfadado Conselho da Revolução. Como o Rei é independente dos partidos, tem as mãos livres, para defender a independência dos cidadãos, metendo na ordem os corruptos e os elementos que se mostrem inimigos do Povo, dos seus interesses económicos e patrimoniais e da sua Liberdade, factor imprescindível a uma verdadeira Democracia, como refere o grande teorizador político Fareed Zakaria. Para Ele, uma Democracia sem regulação, mina a Liberdade e o Estado de Direito. A existência de uma maioria democrática, não permite que sejam destruídas as momentâneas minorias, tirando-lhes a

RGAM.- Neste estado das coisas republicano, ‘sem rei nem roque’, como desconstruir toda a poluição antimonárquica da imprensa do regime e mostrar ao povo que, efectivamente, uma Monarquia é uma garantia maior para uma sociedade realmente evoluída, porque verdadeiramente democrática, justa e harmónica?

AMP. – Penso que é uma falsa ideia e um receio sem fundamento de alguns monárquicos em relação ao povo suburbano. Quando foi discutida a unicidade sindical, foram os monárquicos do PPM os únicos que estiveram presentes no Barreiro, a participar numa mesa redonda, num enorme anfiteatro cheio até às costuras, onde se discutiu tal assunto. Aliás, o mesmo aconteceu, pelo menos no Porto, em diversas empresas e instituições, onde foram realizadas sessões e para as quais foram convidados todos os partidos. Além do P.P.M., só compareciam o P.C. e os partidos à sua esquerda. Nenhuma organização teve coragem para atacar em público, incluindo o P.S., tal meio de aprisionar a liberdade sindical dos trabalhadores. Esta situação verificou-se tanto no Sul, como em todos os cantos do Continente, nos meios operários, despropositadamente considerados da esquerda radical, pela maioria da população. Quando o Sr. D. Duarte foi inaugurar umas obras recentes, numa capela, no Barreiro, os meus antigos companheiros ferroviários, pelo menos marxistas senão mesmo comunistas, que o acompanharam com toda a simpatia, telefonaram-me a questionarem quando seria implantada a monarquia, pois esta situação republicana estava podre!!! Lamentando ainda que não tivesse estado presente uma representação do PPM, para acompanhar o Rei. Devo dizer que os monárquicos, pelo menos aparentemente, tinham o respeito dos comunistas, havendo uma convivência perfeita entre os deputados de um e de outro partido. Na verdade, perigosos são

António Moniz Palme com guitarra que actuou em muitas sessões de propaganda monárquica, incluindo feiras e arraiais 28


os falsos monárquicos que não querem a monarquia e os membros de vários partidos que estão ao serviço, não do partido respectivo, mas de interesses particulares ilegítimos e cumprindo as ordens de seitas que vivem à margem das regras constitucionais. São essas criaturas que temos que combater de frente, sem medo, pois escravizam o Povo. E é dessa gente que pode surgir uma nova ditadura. Como sabemos, a ditadura já

uma legitimidade que é a independência face ao poder político que nenhum outro chefe de Estado possui? AMP. – Um Rei, devido à sua independência em relação aos partidos, situação bem diferente de um presidente da república, tem mais facilidade em acabar com a pouca vergonha imanente na política actual, em que existe uma promiscuidade aflitiva na acção dos diversos poderes do Estado, e uma subordinação dos interesses do País em relação a grupos económicos, com actuações fora do contexto, e que nos têm destruído. Somos um dos países mais pobres da Europa. E não éramos.

RGAM.- Para além de Advogado, ex-deputado, monárquico, cronista com uma prosa límpida e honesta é, também, um aguarelista de mérito; como se define nesta última faceta? AMP. – Na verdade, sou um pintor compulsivo. Desde pequeno que desenho em tudo que apanho à mão. Por outro lado, as cores dos diferentes ambientes que me rodeiam, apaixonam-me e obrigaram-me a iniciar a vida de pintor amador. É bom saber que a minha modesta obra tem sido elogiada. Pena tenho de não poder despender mais tempo agarrado a uma actividade, de que tanto gosto e me faz esquecer as amarguras desta vida. Embora seja um naturalista, tenho entrado, por vezes, na crítica social pictórica, através de aguarelas e de óleos. Estou muitas vezes sujeito a arrebatamentos artísticos, que tenho dificuldade em suster. Apaixono-me por um tema e não largo o mesmo até me enfastiar.

Fotografia de uma Serenata no Palácio de S. Marcos, em Coimbra, Fila de trás - cantores Heitor Lopes e Rui Ferreira Fila da frente - António Moniz Palme, Humberto Matias e Octávio Sérgio

começou pelos órgãos da comunicação social que não aceitam, como colaboradores, pessoas livres, com opiniões diferentes da situação republicana actual. E alteram descarada e permanentemente a verdade dos factos, acabando com programas onde são criticadas as cúpulas governamentais.

RGAM.- Nas aguarelas de sua autoria assumem especial preponderância as locomotivas; algum motivo especial?

RGAM.- É certo que o princípio monárquico não prevalece sobre o democrático; não será que até o potencia uma vez que a sucessão hereditária garante

AMP. – Fui ferroviário durante muitos anos. A primeira vez que me apresentei a eleições, referi a minha qualidade de Ferroviário e de Advogado, o que foi motivo para críticas fáceis. Na verdade, ganhava eleições para lugares sindicais e nas comissões de trabalhadores e, principalmente, a minha actividade era essencialmente ferroviária. Quando acabou o Vale do Vouga e as outras linhas de via reduzida, muito sofri, tentando pintar o que apanhava a jeito, correndo o Vouga, o Douro e outros locais ferroviários a catar maquinaria e figuras humanas típicas para ilustrar um Universo Profissional, que sabia em breve iria acabar. Este o motivo da enorme profusão de quadros com temas ferroviários, nomeadamente do Vale do Vouga. Muito Obrigado!

Na sede do Porto da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, acompanhando o cantor e ministro Almeida Santos, acompanhado à guitarra pelos monárquicos Arménio Assis e Santos e António Moniz Palme, e à viola pelos monárquicos Mário Araújo Ribeiro e Manuel Meireles Campo Costa.

Entrevista realizada por Miguel Villas-Boas para a Real Gazeta do Alto Minho da Real Associação de Viana do Castelo

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Jornal do PPM “Monarquia Popular”, director Guilherme Figueiredo, então presidente da Juventude no Porto e actual bastonário da Ordem dos Advogados Capa do Jornal com uma caricatura de António Moniz Palme parodiando o facto de, num comício do CDS, na Praça de Touros da Póvoa de Varzim, Freitas do Amaral ter lido, como se fosse da sua autoria ou do seu partido, uma série de páginas da Reforma Agrária de Gonçalo Ribeiro Telles do PPM. A nova versão do “Muleta Negtra”, destinatário da caricatura, não gostou do desenho nem do contundente artigo que comentava esta obra de arte.!!!

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Reis de Portugal D. João IV

Viçosa, 21 de Janeiro de 1635).

Nascimento –19 de Março de 1604, Vila Viçosa.

D. Joana (Vila Viçosa, 16 de Setembro de 1636 – Lisboa, 17 de Novembro de 1653), Infante de Portugal, Princesa da Beira.

Morte – Lisboa, 6 de Novembro de 1656. Está sepultado no Panteão da Dinastia de Bragança, Igreja de São Vicente de Fora, Lisboa.

D. Catarina de Portugal (Vila Viçosa, 25 de Novembro de 1638 – Lisboa, 31 de Dezembro de 1705), Princesa da Beira, rainha consorte de Inglaterra, Escócia e Irlanda pelo seu casamento com o rei Carlos II da Casa de Stuart. D. Manuel de Bragança (Vila Viçosa, 6 de Setembro de 1640 – Vila Viçosa, 6 de Setembro de 1640).

Reinado - 1 de Dezembro de 1640 a 6 de Novembro de 1656.

D. Afonso VI de Portugal (Lisboa, 21 de Agosto de 1643 – Sintra, 12 de Setembro de 1683) Rei de Portugal.

Consorte – D. Luísa de Gusmão

D. Pedro II de Portugal (Lisboa, 26 de Abril de 1648 – Lisboa, 9 de Dezembro de 1706) Rei de Portugal.

Dinastia – Bragança.

Filha natural:

Cognome – “O Restaurador”

D. Maria de Bragança (Lisboa, 30 de Abril de 1644 – Lisboa, 7 de Fevereiro de 1693), religiosa das Carmelitas Descalças. Pai:

O estilo oficial de D. D. João IV como Rei era: "Pela Graça de Deus, João IV, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc."

D. Teodósio II (Vila Viçosa, 28 de Abril de 1568 — Vila Viçosa, 29 de Novembro de 1630), 7.º Duque de Bragança, Duque de Barcelos, filho do Duque D. João I e da Infanta D. Catarina, neta do rei D. Manuel I.

Como Rei de Portugal, foi Grão-Mestre das seguintes Ordens:

Mãe

Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo Ordem de São Bento de Avis

D. Ana de Velasco e Girón (Nápoles, 12 de Março de 1585 Vila Viçosa, 7 de Novembro de 1607)

Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada

D. João IV em pessoa

Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada

«Na conversaçaõ foy discreto, agudo, e prompto nas respostas; e naõ sendo as palavras as mais polidas, usava dellas com tal arte, e galantaria, que ainda se applaudem em muitos despachos, que se vem da sua própria maõ [...] Amou a Musica com tanto gosto, e inclinação, que foy eminente nesta Arte [...] todos os dias se levantava às cinco horas, e até às sete se empregava no estudo da Musica, depois continuava com os negócios, e governo de seus Reynos, e tanto que acabava de jantar, nas horas de sésta, que eraõ para o

Filhos D. Teodósio (Vila Viçosa, 8 de Fevereiro de 1634 – Lisboa, 15 de Maio de 1653) Herdeiro da coroa portuguesa, 9.º Duque de Bragança (como D. Teodósio III), 1.º Príncipe do Brasil. D. Ana de Bragança (Vila Viçosa, 21 de Janeiro de 1635 – Vila 31


«de meãa estatura, muito gentil-homem antes das bexigas, que lhe mudáraõ o primeiro semblante; o cabello era louro, os olhos azues, alegres, e agradaveis, a barba mais clara que o cabello, o corpo grosso, mas taõ robusto, que se a desordem com que o alimentava o naõ descompuzera, promettia muito mayor duraçaõ» (Ericeira, II, pp. 532-533)

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III Maratona Nocturna Portugal Real 100% Alto Minho Circuito Interno Mazda - Clube de Ténis de Viana Hugo Araújo Presidente da Direcção do Clube de Ténis de Viana Decorreu no Clube de Ténis de Viana, a III Maratona Nocturna Portugal Real 100% Alto Minho. Mais de 40 Atletas nos escalões Seniores (Masculinos e Femininos) e + 50 Anos Masculinos, aceitaram o desafio de participar neste torneio.

final, que se iniciou às 09 horas da manhã e terminou às 11horas, Gonçalo Lima. Foi o culminar de uma grande maratona de Ténis, mas que acima de tudo um grande convívio.

Uma animada Sunset Party, que começou no terraço do clube às 19 horas, foi o mote de partida para este evento, tendo os jogos deste Torneio começado às 20 horas do dia 5 de Julho e terminado às 11 horas da manhã do dia 6 de Julho. Os jogos decorreram, desde o início, num ritmo frenético, ocupando os 6 courts do CTV até á final do escalão principal, que só terminou às 11 horas da manhã de Sábado, dia 06 de Julho. Durante a noite houve sempre muita música, alimentação e um grande convívio entre atletas, familiares, sócios do clube e convidados. Uma grande Festa, de onde ninguém arredou pé!

Um agradecimento a todos os que tornaram este evento possível, ao Clube de Ténis de Viana, Real Associação de Viana do Castelo, CEVAL, Minho Fumeiro, Blisq, Pastelarias Ameadella, Cerveja Letra e à BS Eventos! Para o ano, há mais!! Até lá!

No escalão feminino a grande Vencedora foi Carla Pereira, tendo vencido na final a Rita Fernandes. No escalão Masculino decorreram 2 competições. Nos veteranos + 50 o vencedor foi Miguel Araújo, em 2º Lugar ficou António Carlos Araújo. Da esq. para a dir. em 2.º lugar a Vice-Presidente da Real Associação de Viana do Castelo, Dr.ª Mariana Magalhães Sant'Ana e em 3.º Hugo Araújo, Presidente da Direcção do Clube de Ténis de Viana

Já no escalão principal, o grande vencedor foi André Moura e Sá, que num jogo emocionante e de desfecho incerto, venceu na 33


Ercílio de Azevedo Um monárquico, cavaleiro andante do jornalismo independente António Moniz Palme Abstract One of the most brilliant and educated journalists in the north of the country, whose elegant and impeccable prose significantly dignified the level of intervention journalism, especially monarchical indoctrination. During the revolutionary phase, after April 25, he excelled in the struggle for the uncompromising defense of Freedom and True Democracy. Independent writer, with solid, fresh ideas, not just making simple reports, but framing what he saw and felt through a fresh language understood by the population. Persecuted by the Conselho da Revolução, and by mediocre journalists who played the shameless and dirty game of the “communist party”, who did not forgive its independence, its deep political culture and the respect and admiration that was sought by the population. Key words: Independent journalist, monarchist, democrat. Résumé Un des journalistes les plus brillants et les plus instruits du nord du pays, dont la prose élégante et impeccable digne de manière significative du niveau du journalisme d'intervention, en particulier de l'endoctrinement monarchique. Après la phase révolutionnaire, après le 25 avril, il a excellé dans la lutte pour la défense sans compromis de la liberté et de la démocratie véritable. Écrivain indépendant, avec des idées nouvelles et solides, ne se contentant pas de rédiger de simples rapports, il encadre ce qu’il a vu et ressenti à travers un nouveau langage compris par la population. Persécutés par le Conselho da Revolução et par des journalistes médiocres qui ont joué le jeu honteux et sale du “parti communiste”, qui n'ont pas pardonné à son indépendance, à sa culture politique profonde, au respect et à l'admiration que le peuple a voté pour lui.

inevitáveis óculos bastante graduados, de onde espreitavam uns expressivos olhos, vivos e trocistas. Chamava-se esta popular figura portuense, Ercílio de Azevedo. Fazia parte da própria cidade, pois considerava cada esquina a sua própria casa e em cada baiuca tinha um fiel amigo e admirador, fosse qual fosse a sua condição social. Respirava uma simpatia contagiante, que transformava cada um num incondicional aliado. Além do mais era, na verdade, um dos jornalistas mais brilhantes e cultos do Norte do País, cuja prosa elegante e impecável dignificou significativamente o nível do jornalismo de intervenção, de onde saltava a permanente doutrinação monárquica. Na verdade, emprestou significativa animação e acento cultural à faceta do debate político, na imprensa, durante a fase revolucionária, pós 25 de Abril, e na luta pela defesa intransigente da Liberdade e da Verdadeira Democracia. O que é facto é que, vertiginosamente, na sociedade portuguesa, progredia o real perigo de um novo totalitarismo, apoiada por uma imprensa miseravelmente vendida aos novos ditadores. Mais que não fosse, era uma singular figura de escritor independente, de ideias sólidas acabadas, não se limitando a fazer simples reportagens, mas enquadrando o que via e sentia, através de uma linguagem camiliana, fresca e entendida pela população. No ambiente típico das terras e das gentes do Porto, fazia transparecer, naquilo que escrevia, o espírito ancestral próprio do indígena tripeiro, com todas as suas virtudes e defeitos.

Mots-clés: Journaliste indépendant, monarchiste, démocrate.

Na confusão revolucionária, pós 25 Abril, nomeadamente durante o Gonçalvismo, tive o privilégio de conhecer gente fora do vulgar que, numa situação de crise, mostrava possuir qualidades e valores excepcionais. Recordo com saudade um jornalista, tripeiro dos quatro costados, cujo nome apenas conhecia pelas suas excelentes crónicas no “Comércio do Porto” e noutras publicações nortenhas. Circulava por todo o lado sempre dependurado num cigarro e armadilhado por uns

Sobre a sua personalidade, quando faleceu, escrevi diversos apontamentos em diferentes publicações e, à sua simpática figura, dediquei umas páginas do meu livro “O Almofariz”. 34


Conheci melhor a personalidade de Ercílio de um modo inédito. Fazia eu parte da Comissão Política do PPM quando Ele apareceu, nas instalações deste partido, na Praça D. Filipa de Lencastre, em plena era gonçalvista, para fazer uma entrevista aos seus responsáveis máximos. Porém, nesse dia, o inesperado aconteceu. Enquanto lá estava a trabalhar nas suas funções de jornalista, sem ninguém esperar, entrou, de rompante, um pequeno grupo de anarquistas, com as características boinas pretas adornadas pelo fatal e emblemático “A”, arquejando esbaforidos, com um ar aterrado. Alguns mesmo com a roupa rasgada e com marcas de terem sido agredidos, trazendo na sua cola, a umas dezenas de metros, um numeroso grupo de pessoas, algumas armadas com bastões, que os fugitivos identificaram como pertencentes a determinado agrupamento da extrema esquerda, com sede na Avenida dos Aliados. Os poucos filiados do PPM que estavam a trabalhar na organização do partido, tiveram que se impor à força ao b a n d o q u e p r oc u r av a e n t r a r ilegitimamente portas adentro de casa alheia, com intenção de sovar os fugitivos, pois os anarquistas, pelos vistos, tinham sido pelos mesmos proibidos de fazerem propaganda na rua, utilizando modestas bancas com material à venda, aliás, bastante apelativo, diga-se de passagem. Ofereciam a quem passava de tudo um pouco. E o público, mostrando interesse em os conhecer, rodeava os anarquistas e a sua mercadoria. Esta era constituída pelo engraçado livrinho vermelho do Galo de Barcelos, pelo jornal “A Merda “, e por várias publicações de propaganda anarquista, nomeadamente “A Anarquia” de Pedro Kroporkine. Não será despiciendo dizer que muitas ideias dos anarquistas não deviam andar muito afastadas da doutrina do agrupamento da extrema esquerda em questão, se acaso o mesmo tivesse algumas ideias que alimentasse o ideário da sua estranha actuação. Para cúmulo da nossa indignação pelo abuso daquela gente, sem respeito pelas ideias dos outros, verificamos que um dos fugitivos era uma lindíssima rapariga com um bebé de meses ao colo. Assumimos logo a

qualidades de cavaleiros andantes. As cadeiras e os cabos das vassouras foram transformados em armas que rechaçaram aquela abusiva investida nas nossas instalações, pondo em fuga aquele grupo que só atacava em cobardes bandos. Desceram as escadas dos vários andares até à rua, em tropel, para evitarem um castigo mais severo pelo seu infame comportamento. Pretendemos chamar prontamente os elementos da Juventude e irmos fazer uma visita de retaliação à sede do referido partido, na Avenida, para que nunca mais se atrevessem a meter-se com filiados de outros partidos. Mas, a gente mais sensata presente proibiu os ”Falcões” do partido de qualquer iniciativa bélica. Ainda por cima, estava reunida a Direcção, onde se encontravam, pelo menos, os Arq. Mário Emílio de Azevedo, Eng.º António Sousa Cardoso, Eng.º D. José Paulo Lencastre, pintor António Sampaio, Conde Paçô Vieira e Mário Dengucho. E o problema ficaria por ali, perante os protestos acalorados do Mário Dengucho. Entretanto, para tentar ultrapassar o problema, quis apresentar os anarquistas aos nossos dirigentes, com esperança que se comovessem perante as suas desgraças. Após terem entrado, acontece que o bebé de colo começou a chorar e a sua mãe, uma anarquista escultural, começou a dar de mamar ao filho, sem proteger o peito das vistas dos presentes. Estavam todos os olhos fixados onde não deviam, como que hipnotizados. Mas, meu Deus, o espectáculo era soberbo. Não é má língua, mas todos devem ter pensado que a visão daquela tocante cena de leite, com um colo de Vénus de Milo à mistura, própria de um quadro de Murillo, faria tocar as trombetas da solidariedade dentro de cada um. E para alimentar as minhas suspeitas, não é que foi encontrada uma solução intermédia para o problema e que contentou os “Falcões” presentes que já ameaçavam abandonar o Partido!!!?

Nota:

Foi então decidido que, no dia seguinte, iria uma delegação do PPM levar uma carta à sede do Partido em questão, com um veemente protesto pela ocorrência e exigir que aquele tipo de agressões não mais ocorresse, sob pena de represálias

Cordiais cumprimentos monárquicas,

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A Direcção da Real Associação de Viana do Castelo, com mandato para o triénio 20172020, cumprimenta V.Exas, desejando desde já a continuação de um bom ano de 2019. A Real Associação de Viana do Castelo tem um plano de actividades e orçamento para 2019, aprovado em Assembleia Geral, que inclui diversas iniciativas, que vão desde a organização de conferências à publicação da Real Gazeta do Alto Minho, órgão oficial de comunicação da Real Associação de Viana do Castelo, do qual muito nos orgulhamos, e que se pretende sejam executadas com a participação de todos os associados, simpatizantes e entidades que entendam colaborar, com o intuito de contribuir e ajudar a dinamizar o ideal Monárquico que todos nós abraçamos convictamente. Atendendo à necessidade imperiosa que temos em angariar recursos financeiros necessários ao normal funcionamento da Real Associação, e tendo em conta que uma das competências da Direcção é a cobrança de quotas, eu, em nome da Direcção e na qualidade de Vice-Presidente, venho por este meio solicitar a V. Exas. a regularização da QUOTA DE ASSOCIADO REFERENTE ao ano de 2019, no valor de 20,00 € (vinte euros), preferencialmente por transferência bancária, para: Titular da Conta: Real Associação de Viana do Castelo Entidade bancária: Caixa de Crédito Agrícola Agência: Ponte de Lima IBAN: PT 50 0045 1427 40026139242 47 Número de conta: 1427 40026139242 SWIFT: CCCMPTPL Caso seja possível, pede-se o favor de enviarem por e-mail (real.associacao.viana@gmail.com e pedrogiestal@gmail.com) informação da regularização da quota (ex: comprovativo), após o que procederemos de imediato à emissão do recibo de liquidação. e

saudações

Pedro Giestal Vice-Presidente da RAVC


da nossa parte.

«comunista. Não perdoavam a sua independência, a sua profunda cultura política e o respeito e admiração que a população lhe votava.

À hora aprazada, uma delegação composta por mim, pelo António Sampaio, pelo Luís Correia de Sá e por um elemento da juventude que empunhava uma vistosa bandeira azul e branca, subiu a avenida e fomos bater à porta do famigerado partido perseguidor dos pobres anarquistas. Isto, perante o pasmo dos passantes que logo se juntaram à nossa volta, espantados por ver um pequeno grupo de bandeira monárquica desfraldada ao vento, bater à porta de um partido bem diferente e cuja entrada estaria interdita para as nossas serenas pessoas, antevendo já uma escaramuça das grossas. O Jornalista Ercílio de Azevedo acompanhou-nos até lá e, para nosso espanto, pediu para entrar connosco como elemento do PPM, pois não o deixariam entrar como jornalista.

Mais tarde, já a viver em Famalicão, perdeu por dezenas de votos as eleições para Presidente da Câmara, apesar de não ter feito nenhuma propaganda. Deve ter respirado de alívio quando soube o resultado. Igualmente, na Assembleia Municipal de Famalicão, fez um discurso inesquecível, evocativo de Bernardino Machado, Homem da Primeira República, discurso esse que ficou retido na memória dos ouvintes pelo facto de Ercílio, como elogio ao antigo político da Terra, por mais nenhuma virtude nele vislumbrar, o ter elogiado por apenas pertencer a um partido de cada vez…!!!. A crítica acertou em cheio, pois Bernardino Machado era politicamente um troca-tintas, sempre a mudar de camisola partidária, o que lhe valeu uma destruidora caricatura de Arnaldo Ressano, no seu “Album das Glórias”, que o pôs a pedir perante o eleitorado.

Recebidos pelos donos da casa com cortesia, embora de uma frieza de cortar à faca, lavrámos o nosso protesto, deixando uma carta escrita, onde exigíamos a não repetição daquele tipo de graças e o respeito pelos nossos amigos anarquistas que o único pecado que tinham praticado, era venderem as suas publicações. Após alguma crispação na troca de palavras havida, aceitaram assinar uma espécie de acta do encontro. Para nosso espanto, o Ercílio também assinou esse estranho protocolo, não como testemunha, mas como elemento de tão importante embaixada! Tal foi uma surpresa, como surpresa foi a multidão que nos esperava na rua e que se preparava já para assaltar a sede desse grupo da extrema esquerda, pensando que estávamos requestados no interior. Afinal aquele ajuntamento não era pelos nossos lindos olhos, pois a referida sede foi assaltada dias depois por uma multidão desaustinada e incontrolável. Todavia, a nossa coragem de monárquicos deu passagem à iniciativa da população e a companhia do popular Ercílio fez abrir os olhos do cidadão comum que, no silêncio, defendia abertamente a Liberdade.

Ficou célebre, na literatura revolucionária, um delicioso artigo “As Tripas à Moda do Porto não agradaram ao General Otelo”, relatando o mau encontro de Otelo, de Corvacho e de Fabião, com os portuenses em fúria, à saída do Restaurante Girassol, na baixa do Porto. Igualmente escreveu um livro “Porto 1934 – A Grande Exposição, que o revelou como um escritor e investigador firme da história portuense.. Enfim, Ercílio de Azevedo foi fundamental na informação, no perigoso período do Gonçalvismo, batendo-se galhardamente com as armas que tinha, a escrita panfletária, lutando pelos direitos da sua Gente e divulgando profusamente o Ideal Monárquico, que foi um ponto de referência fundamental na preservação da Liberdade. Pelo seu empenho, é um monárquico que não mais poderá ser esquecido, pelos portugueses.

Entretanto, passei a ser advogado de inúmeros jornalistas que eram acusados de abuso de liberdade de Imprensa. Entre eles, lembro-me de Ercílio de Azevedo, de Carlos Santarém, de Fernando Barradas e de Arnaldo Mesquita. A filha deste, Maria Teresa Mesquita, mais tarde, casou com Ercílio de Azevedo. A própria Vera Lagoa pediu a minha ajuda nos processos que lhe eram interpostos. Mas os processos em que era Ré eram tantos, que não poderia fazer outra coisa se não estar permanentemente a tratar dos seus problemas em Tribunal. Por esse motivo, pedi-lhe para solicitar ajuda a outro advogado. Na realidade, eram os jornalistas acusados em processos judiciais, sem qualquer fundamento. Seguiam estes os seus trâmites e os réus eram inapelavelmente absolvidos. Porém, o Conselho da Revolução de triste memória, imiscuindo-se nas funções do Poder Judicial, obrigava os pobres delegados da Procuradoria da República a recorrer da sentença para fazer gastar dinheiro aos jornalistas que escreviam contra a situação de ditadura existente. Aliás, Ercílio era perseguido não só pelos esbirros do Conselho da Revolução, mas por jornalistas medíocres que faziam o jogo descarado e sujo do partido 36


Camarate dos Santos Um agitador monárquico sem pinga de medo António Moniz Palme

Abstract Banker, monarchic, catholic and God-fearing, which made him a dangerous contestant of the regime, during the dictatorship of the republican Estado Novo! In his free time and at his expenses he spread the monarchical ideal, showing that he would do everything, even a revolution if it would come to that, to change the state leadership that he did not consider democratic for it was never plebiscited. He led a large group of monarchists from Porto, creating cells and indoctrination sections set up in factories and educational establishments, as well as in various public services, openly taking positions against the regime, as he was preparing, as he confessed, the future anti-republican uprising. He owned the newspaper “Consciência Nacional”, a fierce publication that reached the whole country and overseas, as well as the immigrant centers around the world. Key words: Camarate dos Santos, monarchic, newspaper Consciência Nacional. Résumé Fonctionnaire de banque, monarchique, catholique et craignant Dieu, ce qui en faisait un dangereux contestataire au régime, sous la dictature de l'État républicain Estado Novo! Dans ses temps libres et à ses frais, il a diffusé l'idéal monarchique, démontrant qu'il ferait tout, même une révolution, pour modifier le système de direction de l'État qu'il ne considérait pas démocratique, car il n'était jamais plébiscité. Il a dirigé un groupe important de monarchistes de Porto, créant des cellules et des sections d'endoctrinement, installées dans des usines et des établissements d'enseignement, ainsi que dans divers services publics, prenant position contre le régime alors qu'il préparait, comme il l'a avoué, la future enquête, anti-républicain.

Il était le propriétaire du journal “Consciência Nacional”, une publication féroce qui a touché tout le pays et les Portugais d'outre-mer, ainsi que les centres d'immigration du monde entier.

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Já há algum tempo escrevi um artigo, na revista “O Tripeiro”, sobre Artur Camarate dos Santos, uma das últimas abencerragens do espírito romântico dos nossos tempos. Gostava de agir individualmente, não se conseguindo integrar em qualquer esquema colectivo. Era um autêntico guerrilheiro, com espírito anarquista, necessitando de absoluta liberdade na sua actuação, isto apesar do seu ar bonacheirão de bom chefe de família e de cidadão cumpridor das suas obrigações sociais. Mas, na verdade, era uma das figuras mais singulares e cativantes da história cultural e política nortenha, tendo um comportamento e uma atitude idêntica aos combatentes cubanos da Serra Maestra. Não se deslocava a cavalo pelos caminhos das suas peregrinações políticas, nem exibia uma arma a tiracolo, mas apenas e só apenas estava armado com uma energia sem limites, o querer da sua força de vontade incomensurável, o fácil poder de comunicação com gente de todas as camadas sociais e, muitas vezes, o suficiente desplante para atropelar todas as regras convencionais. Além de monárquico, era católico e temente a Deus, o que o tornava num perigoso contestatário do Regime, em plena ditadura do republicano Estado Novo!!! Bancário de profissão, gastava todo o tempo livre e a própria fazenda na divulgação das suas ideias. Monárquico a tempo

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inteiro, nunca tolerou o regime republicano, declarando tal, aberta e publicamente, e demonstrando que tudo faria, até uma revolução se fosse possível, para alterar o sistema de chefia do Estado que ele não considerava democrático, por nunca ter sido plebiscitado após o “5 de Outubro”. Apesar de tal aversão à república, era a pessoa mais afável que se pode imaginar, dando a camisa a quem mal conhecia, tendo amigos de todas as cores políticas e sendo estimado e respeitado pelos próprios republicanos, na sua opinião, raça em extinção e que era necessário proteger da própria Segunda República.

administrassem convenientemente os interesses de cada província. A sala, onde foi realizada a sessão rebentava de público pelas costuras. O medo de alguns presentes era visível, mas o que é certo é que ninguém arredou pé, cantando-se no final o Hino Nacional e gritando-se dentro e fora do Hotel, Abaixo a República, Viva o Rei. Ficou célebre a sua prisão no dia da vinda de Marcelo Caetano ao Porto, quando durante uma enorme manifestação, feita ao então Presidente do Concelho, Camarate resolveu atirar do cimo de um dos prédios da Avenida dos Aliados, julgo eu que do telhado do edifício do Montepio Geral, milhares de panfletos contra a ditadura republicana. Para aumentar o aparato daquela chuva de panfletos subversivos, um grupo dos mesmos não de desfez e foi cair em cima da cabeça de uma senhora gravidíssima que apanhou um grande susto e teve um desmaio momentâneo. Felizmente, nada sofreu e, mais tarde, deu os parabéns ao Sr. Camarate pela sua valentia. Claro que veio a polícia que, num segundo, apanhou o autor daquela façanha panfletária. Lá apareceu o nosso amigo Camarate, no meio de dois guardas, para espanto dos presentes que logo protestaram referindo haver tanto bandido à solta e foram logo prender um senhor de respeito. Enfim, até eu fiquei espantado, diga-se de passagem! Ainda por cima, enquanto entrava para a viatura da polícia, na altura conhecidas por “Níveas” por serem da cor das latas desse produto cosmético, o pacífico guerrilheiro Camarate, com os óculos encavalitados na careca suada, dava vivas ao Rei e morras à Ditadura, perante um misto de gozo e de angústia dos que compunham o grupo de populares que assistia à detenção. Um dos presentes que se lamentava pela sua sorte, era Porto Duarte, um dirigente portuense da PIDE, homem sério, cheio de problemas no desempenho das suas funções e que acabou por ser corrido da instituição policial onde se encontrava, devido às discordâncias permanentes que começou a manifestar. Pelos vistos, a prisão do Sr. Camarate, foi a gota de água que esgotou o necessário bom relacionamento com os seus superiores da Polícia do Estado.

Liderava um numeroso grupo de monárquicos do Porto, pertencentes à Liga Popular Monárquica, divorciada da Causa Monárquica, pois a sua actuação tinha sido sobeja e injustamente criticada, pelos seus responsáveis máximos, e pela imprensa monárquica existente, que o causticava insistentemente pela criação de células e secções de doutrinação, implantadas nas fábricas e nos estabelecimentos de ensino, bem como em diversos serviços públicos, tomando posições abertamente contra o regime, pois estava a preparar, como confessava, o futuro levantamento anti-republicano. Claro está que os seus amargos de boca eram muitos e as complicações com a polícia política nunca mais acabavam. Contudo, a Pide usava a táctica cautelosa de não o prender, pois sabiam que Camarate era muito mais perigoso preso do que em liberdade. Aliás, a prisão era o que Camarate pretendia para poder falar mais abertamente, ainda por cima com mais audição, devido à sua situação de prisioneiro. Era proprietário do jornalzinho “Consciência Nacional”, publicação aguerrida que chegava a todos os cantos do País e do Ultramar Português, além de ser recebido pelos centros de imigrantes, espalhados por todo o Mundo. Tal publicação era lida com interesse por pessoas de todas as cores políticas, incluindo republicanos confessos que admiravam a pureza das suas Ideias. Trabalhava na sede do seu jornal até às tantas da madrugada, com o árduo trabalho de escrever, compor, recolher artigos, dobrar jornais e fazer a respectiva distribuição, tendo ainda a ingente e ingrata tarefa de bater à porta de cada leitor para cobrar o quantitativo necessário para a edição seguinte.

Durante os agitados tempos do Gonçalvismo, acabou por ser preso e metido em Custóias, mas, apesar de encarcerado, nunca parou. Utilizando a célula monárquica que antes ali tinha organizado, continuou a passar ordens para o exterior. Conseguiu, com a ajuda de Guilherme Fontes e de Rui Moreira, que os presos rezassem o terço alto, junto às grades das respectivas celas, o que incomodava os elementos do MFA que ali davam ordens, comunistas de fresca data, a quererem mostrar trabalho…! Contudo, obteve o apoio dos guardas prisionais que não compreendiam qual a razão por que os presos não podiam ter absoluta liberdade religiosa. Para não deixar arrefecer a contestação na prisão, alterou a sua estratégia, resolvendo passear-se completamente nu por todas as instalações prisionais, com uma trouxa de roupa à cabeça, sendo-lhe então diagnosticada uma situação de loucura, pelos clínicos da prisão, e mandado para casa para ser tratado num estabelecimento da especialidade. Todavia, mal se apanhou cá fora, continuou a sua actividade política clandestina. Para o

Tanto na anterior situação como após o 25 de Abril, o seu comportamento foi sempre o mesmo: não aceitava a ordem estabelecida por ilegal. Na verdade, na sua perspectiva, pactuar com uma República imposta por uma revolução que nunca foi submetida à escolha livre da Nação, era trair a Liberdade do Povo Português. Por outro lado, organizava sessões culturais sobre temas políticos, por vezes bem polémicos, mas que atraiam sempre imensa gente. Recordo uma, realizada no Hotel do Porto, em Santa Catarina, muito antes do 25 de Abril, em que um advogado angolano, o monárquico Dr. Santos Silva defendeu publicamente eleições livres nos territórios ultramarinos, único processo capaz de criar quadros locais que 38


intimidarem, chegou a ser submetido a um simulacro de fuzilamento, perante a indignação dos próprios soldado que constituíam o pelotão de fuzilamento, não admitindo o que estava a ser feito contra um Homem íntegro e corajoso, que antes da descarga feita com balas simuladas , em voz alta e serena, perdoou aos seus algozes, que choravam desesperados pelo que eram obrigados a fazer.

desembarque de armas para uma praia, perto de Pampelide, por voluntários que nadavam até às embarcações que estavam ao largo. Camarate pretendeu ser um dos que iria a nado até às embarcações que vogavam atrás da rebentação, para buscar os braçados de armas que ali estavam. Como se desconfiasse que não sabia nadar, foi proibido de colaborar naquela aventura, perante a sua enorme indignação. Na verdade, teria morrido afogado como ia acontecendo com bons nadadores que fizeram o trabalho, pois Camarate nadava como um prego!!!.

Mais tarde e devido ao perdão dado, perante Francisco Sousa Tavares, negou-se a depor contra os autores militares das várias sevícias de que foi alvo, quando este o foi ouvir durante a elaboração do Relatório das Sevícias.

Era a representação viva do espírito revolucionário do século passado, um combatente por Valores e nada mais, um anarquista que sobreviveu às novas técnicas massificadoras que matam à distância milhares de seres humanos.

Nas vésperas do 25 de Novembro e quando já se preparava a defesa da Liberdade contra a Ditadura Comunista, que governava ilegitimamente o País, em pleno Inverno, foi feito um

Camarate era o exemplo da dádiva total às suas concepções de Justiça, de Liberdade e de Amor pelo seu Semelhante. Era um Revolucionário dos Autênticos.

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Ficha Técnica TÍTULO:

Real Gazeta do Alto Minho

PROPRIEDADE:

Real Associação de Viana do Castelo

PERIODICIDADE: Trimestral

DIRECTOR: José Aníbal Marinho Gomes REDACTOR: Porfírio Silva WEB:

www.realvcastelo.pt

E-MAIL:

real.associacao.viana@gmail.com

REAL ASSOCIAÇÃO DE VIANA DO CASTELO Casa de Santiago Barrosa – Arcozelo 4990-253 PONTE DE LIMA (morada para correspondência)

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