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Sernancelhe organiza VIII Festival de Sopas e Encontro de Ranchos

Nos dias 25, 26 e 27 de Fevereiro no Expo Salão

Sernancelhe organiza Viii Festival de Sopas e Encontro de Ranchos

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O Expo Salão de Sernancelhe vai receber a oitava edição do Festival de Sopas e Encontro de Ranchos, marcado para os dias 25, 26 e 27 de Fevereiro. Recuperando o formato tradicional, o evento mantém o propósito de promover a gastronomia local, em especial a sopa, com intenção de renovar hábitos antigos, impulsionar a cultura, o artesanato e as gentes de Sernancelhe, projectando também turisticamente o território.

Em entrevista à Gazeta Rural, o vice-presidente da Câmara de Sernancelhe salienta a importância deste evento para a comunidade local, nomeadamente no escoamento dos produtos agrícolas. Armando Mateus referiu que esta iniciativa assinala o primeiro momento integrado nas comemorações da Festa da Castanha, que este ano celebra 30 anos de existência.

Gazeta Rural (GR): O Festival das Sopas chega num momento pós pandemia, mas é também o início dos festejos dos 30 anos da Feira da Castanha. O que espera deste festival, tendo em conta todo o momento que vivemos?

Armando Mateus (AM): A questão que me coloca tem duas vertentes e duas respostas. Após esta fase mais contida, vamos realizar o Festival das Sopas, evento que inicia o cartaz de 2022.

Para além disso, tem também o cunho e o selo daquilo que o município pretende, que é celebrar os 30 anos da Festa da Castanha, que irão ser comemorados ao longo de todo o ano e cujas comemorações começam com este festival e serão concluídas com a Festa da Castanha, no final do mês de Outubro.

Ao longo deste período vamos ter diversos momentos, vários apontamentos e atividades, que marcarão, obviamente, as três décadas deste fruto tão importante para a nossa economia e para a nossa cultura, mas também para todos os outros setores que alavancou e que transformou este território como sendo a Terra da Castanha.

Várias ações vão existir, nomeadamente na BTL, onde vamos apresentar esta logomarca e o cunho dos 30 anos da Terra da Castanha, com toda a comunicação, com convidados e personalidades que ao longo destes 30 anos fizeram parte da Festa da Castanha. Haverá alguns depoimentos, alguns pessoais e outros gravados, que serão apresentados nessa altura.

GR: Voltando ao Festival das Sopas. A castanha é elemento obrigatório no Festival de Sopas?

AM: Naturalmente. É um produto gastronómico, de excelência e que nos caracteriza. É aquele produto que habitualmente era seco à lareira ou nos caniços do fumeiro e que depois se guardava ao longo do ano, até haver novas colheitas ou as novas produções de Primavera, como as hortícolas e frutos.

Durante o Inverno o caldo de castanha estava presente em todas as casas, um hábito tradicional que ainda hoje se mantem. No Festival, a Confraria da Castanha apresenta, todos os anos, um creme de castanha. Também a Escola Profissional de Sernancelhe dá a provar um caldo de castanha, numa versão tipo ‘sopa à lavrador’, não só com castanha, mas também com outros legumes típicos da região, como o feijão, a couve, o repolho e os nossos enchidos.

GR: O Festival mostra o dinamismo da comunidade local e ajuda no

escoamento dos produtos locais. Contudo, este ano tem uma novidade dedicada aos mais novos?

AM: Este festival, para além do momento de festa e do momento cultural, com a prova das 18 Sopas das 18 associações, que nos apresentam diferentes formas de confecção, mostra o dinamismo do nosso movimento associativo e da comunidade local.

Para além da prova das sopas, este evento é uma forma de escoar os produtos locais, dos pequenos e médios produtores, sejam produtos agrícolas, enchidos ou outros para a confecção das sopas. Tudo isto é direcionado a um público específico, que nos procura.

Porém, fazemos também outro tipo de ações para o público sénior, porque os centros lúdicos do concelho também participam neste evento, de várias formas, criando e produzindo algumas peças para serem expostas, para além de ser com eles que fazemos a recolha das nossas tradições e dos hábitos alimentares. São eles o grande parceiro e a grande ajuda do Festival de Sopas.

Entendemos, contudo, que seria de todo o interesse incluirmos os mais novos nesta iniciativa, através do Espaço da Castanha e do Castanheiro. Na semana que antecede a realização do Festival iremos fazer sessões de esclarecimento sobre a vantagens e os benefícios que a sopa tem na alimentação de todos nós.

Para o efeito, criámos o slogan “Come a tua sopa e a tua vida tem mais cor”. Pretendemos que as crianças seleccionem os seus legumes ou hortícolas preferidos e, na cozinha do Espaço da Castanha, produzam a sua própria sopa. A intenção é fazer uma sopa reduzida num creme, que, seleccionando determinados legumes, pode ter cores diferentes.

Desta forma, associando cores interessantes, pretendemos sensibilizar as crianças de que a sopa é um elemento fundamental para a nossa estabilidade nutricional, para um bom crescimento e fortalecimento e, obviamente, também para que haja uma maior apreensão e capacidade cognitiva da criança.

GR: Estamos, assim esperamos, a entrar numa fase de endemia. Ainda assim, haverá regras a cumprir para quem se desloque ao festival?

AM: Naturalmente que sim. O festival, por norma, realiza-se em meados de Fevereiro e o adiamento por mais 15 dias foi uma das medidas, tendo o cuidado de ainda estar dentro do limite do mês de Fevereiro, mas numa altura em que o pico de pandemia está numa fase de decréscimo.

Obviamente que o evento vai ter regras e todos os cuidados, no cumprimento das indicações emanadas pela Direção Geral de Saúde. É um evento gastronómico, mas as pessoas, quando circularem pelo espaços e pelos standes, devem usar sempre máscara. O consumo de sopas terá zonas marcadas, onde as pessoas podem estar sentadas.

Iremos ter muito cuidado na higienização e limpeza de todos os espaços, com manutenção acrescida e reforço das equipas. Vamos também controlar, se assim for exigido à época, as entradas, com a apresentação do certificado Covid ou um teste com 48 horas de validade.

A sua importância remonta à Idade Média

Lampreia esteve sempre nas mesas da nobreza portuguesa

A lampreia está há muito presente na dieta portuguesa, em particular da nobreza, sendo o único peixe que figura no livro de receitas da infanta d. Maria. A importância da lampreia remonta à idade Média, considerada pela historiadora Maria Helena da Cruz Coelho a “idade do ouro do peixe”, numa sociedade que vivia da terra, mas que também se dedicava “a arrancar” da água, doce ou salgada, diversas espécies de peixes.

De acordo com a mesma historiadora, no artigo “A Pesca Fluvial na Economia e Sociedade Medieval Portuguesa”, as lampreias, entre outros peixes, eram presentes que se ofereciam “aos reis ou riqueza que eles próprios” reclamavam.

A lampreia era conhecida por ser um pescado “muito considerado pelos paladares dos mais poderosos”, nota também Sandra Gomes, na sua tese de mestrado na Universidade de Coimbra “Territórios Medievais do pescado do Reino de Portugal”, publicada em 2011.

A sua importância comprova-se, por exemplo, numa carta de foro, em Coimbra, em que se afirmava que por cada dez lampreias pescadas uma deveria ser dada a D. João I e seus sucessores, até ao primeiro dia de Maio, servindo também este peixe como modo de pagamento do usufruto de terras, refere a mesma tese.

Mas já na primeira dinastia era dada muita atenção àquele peixe, com as listas da ucharia (despensa da casa real) de D. Afonso III, quinto rei de Portugal, a registarem 1.656 lampreias secas.

Apesar de ser apetecida nos repastos da nobreza, o historiador Francisco Ribeiro da Silva nota, num artigo científico publicado em 2001, que as lampreias, entre outros peixes, “entravam nas ementas de quase todas as famílias ricas e menos ricas”, em parte face às obrigações religiosas, nomeadamente em tempos de Quaresma.

O Livro de Receitas da Infanta D. Maria atesta a importância que a nobreza dava à lampreia, sendo este o único peixe digno de uma receita neste registo histórico, considerado o mais antigo livro de receitas português. Ao contrário da receita tida hoje como tradicional pela Câmara de Penacova, na altura a Infanta sugeria o uso de especiarias como o cravo, o açafrão e até “um pouco de gengibre”, sem esquecer a salsa, o azeite ou o vinagre, que estão presentes na mais comum das receitas de arroz de lampreia.

Num artigo científico publicado em 2016, o investigador da Universidade de Coimbra João Pedro Gomes nota também a sua presença no livro “Cozinheiro Moderno”, de 1785, da autoria de Lucas Rigaud, cozinheiro da Rainha D. Maria I.

Nesse livro, é apresentada uma “Sopa de Lampreia à Portuguesa” (o único peixe “à Portuguesa” daquele livro), em que a lampreia é refogada em postas, com especiarias, ervas, sangue guardado com vinagre, servindo-se sobre côdeas de pão frito. Nesse mesmo documento, João Pedro Gomes realça a especificidade do consumo de lampreia na sociedade portuguesa à época, aparecendo documentado como relacionado “com os estratos mais privilegiados da sociedade”.

“Note-se o registo da despesa que a Câmara de Coimbra, no ano de 1608, faz com a preparação e envio de 75 lampreias assadas a alguns escrivães e desembargadores do Paço, em Lisboa, contemplando todos os gastos feitos com a preparação destas”, refere o investigador, apontando para os vários custos, dos ingredientes aos alguidares para assar, até ao trabalho pago a uma mulher que amanhou as lampreias.

Apesar dessa conotação à nobreza, o juiz da Confraria da Lampreia de Penacova, Luís Amante, salienta que a lampreia seria “consumida por toda a gente”, nomeadamente nas comunidades onde esta era pescada. “A quantidade de lampreia que chegava era uma loucura. Era um produto que tinha três meses para ser consumido. Não havia reis que chegassem para tanta lampreia”, disse Luís Amante.

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