Programa Arquitectónico

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UNIVERSIDADE LUSÍADA – VILA NOVA DE FAMALICÃO faa – faculdade de arquitectura e artes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura

PROGRAMA ARQUITECTÓNICO Dimensão conceptual e metodológica da construção e manipulação do programa arquitectónico

José Pedro Moura Marques

Orientador de Dissertação: Prof. Doutor Francisco Peixoto Alves

Vila Nova de Famalicão 2010

I


ÍNDICE

ÍNDICE DE FIGURAS p. IV ABSTRACT p. VI RESUMO p. VII INTRODUÇÃO p. VIII

CAPITULO I

1 – O Programa no Desenvolvimento Conceptual da Intervenção 1.1 – Evolução do programa como estrutura conceptual p. 11 1.2 – Estruturas conceptuais e comunicação dos programas p. 17 1.3 – Multidisciplinaridade p. 22 1.4 – Do programa ao desenho p. 25 1.5 – Flexibilidade programática p. 30 2 – Entre o programa e o programador p. 33 3 – As variáveis constituintes do programa 3.1 – Cultura, entre os símbolos e a arquitectura

3.1.1 – Valor cultural na manifestação das sociedades p. 36

3.1.2 – Símbolos culturais, especificidade cultural na construção dos lugares p. 42

3.1.3 – A afirmação da cultura através da arquitectura p. 49 3.2 – Apropriação. Entre o desejo a percepção e o uso p. 56

3.2.1 – A construção mental dos lugares p. 57

3.2.2 – Sensibilidade e percepção p. 60

3.2.3 – Comportamento p. 64

4 – Variações programáticas 4.1 – Novos programas p. 68 4.2 – Reinterpretação dos programas existentes p. 72 4.3 – Programas híbridos p. 74

II


CAPITULO II

1 – Coimbra e os novos programas 1.1 – Construção da identidade de Coimbra

1.1.1 – Uma ideia de cidade p. 81

1.1.2 – Evolução cultural da cidade p. 86

1.2.3 - O Lugar dos Estudantes p. 88

1.1.4 – Formação dicotómica p. 90 1.2 – Estratégia de intervenção

1.2.1 – Programa geral e programa específico de intervenção p. 94

1.2.2 – O lugar e o novo programa p. 98

1.2.3 – Estrutura conceptual do pensamento p. 102

1.2.4 – Atitude multidisciplinar p. 105 1.3 – Transformação do programa

1.3.1 – Transformação através do desenho p. 106

1.3.2 – Flexibilidade programática p. 112

1.3.3 – Criação de um todo simbólico p. 114

CONCLUSÃO p. CXV BIBLIOGRAFIA p. CXVIII

III


Índice de Figuras

FIGURA 1 - A matriz (x) programática das culturas

p.13

Produção Própria. Fonte: Designboom, architecture, exposhanghai2010 [acedido em Março 2010] Disponível em www, url: www.designboom.com/german-pavillion-at-shanghai-world; www.designboom. com/polish-pavillion-at-shanghai-world; www.designboom.com/russioan-pavillion-at-shanghai-world;

FIGURA 2 - Diagramas Conceptuais da Biblioteca Central de Seatle

p. 19

Produção Própria. Fonte: Archidaily, OMA, Seatle Library [acedido em Março 2010] Disponível em www, url: http://www.archdaily.com/11651/seattle-central-library-oma-lmn/

FIGURA 3 - Programa para actividade temática

p. 27

Fonte: Pedro Manuel Araújo (2010)

FIGURA 4 - Entre o programa e o programador

p. 35

Produção Própria. Fonte: flickr, hand writting [acedido em Março 2010] Disponível em www, url: www. flickr.com/photos/nichos/2486701226/

FIGURA 5 - Ser Global

p. 39

Produção Própria. Fonte: Flickr, faces [acedido em Fevereiro 2010] Disponível em www, url: www.flickr. com/photos

FIGURA 6 - S. Marcos, Veneza e S. Pedro, Vaticanofonte

p. 45

Produção Própria. Fonte: google earth [acedido em Março 2010]

FIGURA 7 - Tributos à memória

p. 47

Produção Própria. Fonte: Daniel Libeskind, Projects [acedido em Março 2010] disponível em www, url www.daniel-libeskind.com/projects/show-all/jewish-museum-berlin/ e www.flickr.com/groups/holocaustmemorial/pool

FIGURA 8 - O objecto arquitectónico como símbolo cultural

p. 53

Produção Própria. Fonte: OMA, Projects [acedido em Fevereiro 2010], disponível em www, url: www.oma. eu/index.php?option=com_projects&view=portal&id=48&Itemid=10

FIGURA 9 - A construção mental

p. 59

Produção Própria. Fonte: Flickr

FIGURA 10 - Comportamento nos espaços. O espaço com desenho e o espaço livre p. 66 Fonte: Revista Volume #8 pagina 2 e #11 pagina 39

FIGURA 11 - As máscaras com que habitamos os espaços

p. 67

Produção Própria. Fonte: Flickr, Faces [acedido em Abril 2010] disponível em www, url: www.flickr.com/ photos/karenebiggs/3744943214/

IV


FIGURA 12 - Performance urbana

p. 71

Produção Própria. Fonte: Bureau des Mesarchitectures[acedido em Abril 2010]

FIGURA 13 - Produções Hibridas

p. 77

Produção Própria. Fonte: OMA, projects, De rotterdam [acedido em Maio 2010]

FIGURA 14 - Coimbra

p.83

Produção Própria.

FIGURA 15 - Apontamentos

p. 85

Produção Própria.

FIGURA 16 - Coimbra e os Estudantes

p.89

Produção Própria.

FIGURA 17 - Dicotomias

p.93

Produção Própria.

FIGURA 18 - Programa Geral

p.97

Produção Própria.

FIGURA 19 - Programa escrito

p.100

Produção Própria.

FIGURA 20 - Programa desenhado

p.101

Produção Própria.

FIGURA 21 - Maqueta da Estrutura Conceptual

p.103

Produção Própria.

FIGURA 22 - Desenhos

p.107

Produção Própria.

FIGURA 23a e b - Liberdade funcional da organização horizontal e o condicionamento da apropriação vertical do programa + Planta p.109a; p.109b Produção Própria.

FIGURA 24 - Dimensão física da construção do programa arquitectónico

p.110

Produção Própria.

FIGURA 25 - Limite fisico e limite visual dos conteudos

p.113

Produção Própria. V


Abstract

We intend to examine, at this stage, the importance of the program in the

process of architectural speculation as a conceptual variable that transcends the quantitative dimension and becomes a complete and operational tool available to the architect. The influences, how they can build programs and the existing realitiy programs are the fundamental component of research. Supported by the theoretical essays of the architect Santiago Baptista intersected with some architectural practices that underpin contemporary architecture as a formal manifestation of a society increasingly global and where the speed of transformation of concepts and content is essential.

First we present the specific framework to the problem of the program, certain

of the results already obtained and comparing current theories of modern architecture in the work of its exponents, like the new currents in contemporary architecture focusing more specifically on the work produced by Rem Koolhaas at OMA , then focusing in the investigation of some variables influencing the programs. We express, in particular, two of which synthesize a way of thinking. Programs are influenced by social environment, resulting in an analysis that Culture role in shaping the society, and are influenced by expectations of each culture, hence the specific analysis of the processes of appropriation and individuals behavior.

From a practical standpoint we rehearsed over the territory of Coimbra to in-

troduce an intervention strategy targeting a general program and more specifically one mixed-use building containing residential and equipment, reflecting the cultural construction of the city and the role that students have in the definition of the territory.

Keywords: PROGRAM; CULTURE; BEHAVIOR; HYBRID

VI


Resumo

Pretendemos analisar, nesta fase, a dimensão que o programa arquitectónico

tem no processo de especulação conceptual enquanto variável que transcende a dimensão quantitativa e se transforma numa ferramenta completa e operativa ao dispor do arquitecto. As influências, o modo como se poderão construir programas e as realidades programáticas existentes são a componente fundamental da investigação. Apoiados numa serie de ensaios teóricos do arquitecto Santiago Baptista cruzam-se interpretações com algumas práticas arquitectónicas que servem de base à arquitectura contemporânea como manifestação formal de uma sociedade cada vez mais global e onde a velocidade de transformação de conceitos e de conteúdos é incontornável.

Apresentamos primeiramente o enquadramento especifico da problemática

do programa, na certeza dos resultados já obtidos e comparando correntes teóricas da arquitectura moderna, na obra dos seus expoentes máximos, como as novas correntes da arquitectura contemporânea incidindo mais precisamente no trabalho realizado por Rem Koolhaas no atelier OMA, para depois verter na investigação algumas das variáveis que influenciam os programas. Enunciamos, concretamente, duas delas que sintetizam uma forma de pensar. Os programas são influenciados pelo meio social envolvente, resultando numa análise ao papel da cultura na definição das sociedades, e são influenciados pelas expectativas de cada um dos agentes culturais, daí análise específica dos processos de apropriação e comportamentais dos indivíduos.

Do ponto de vista prático ensaiámos sobre o território de Coimbra a introdu-

ção de uma estratégia de intervenção incidindo num programa geral e na introdução de um programa mais específico para um equipamento, traduzindo a construção cultural da cidade e o papel que os estudantes têm na definição do território.

Palavras-chave: PROGRAMA; CULTURA; COMPORTAMENTO; HIBRIDO

VII


Introdução

O presente estudo surge como uma oportunidade de investigar numa área

da disciplina arquitectónica que opera nos limites da mesma aproximando-se até de outras áreas disciplinares. Pensar o programa é uma tarefa que o arquitecto normalmente relega para segundo plano encarando o seu trabalho como um veículo entre o que lhes é pedido e a concretização final da obra. A investigação pretende, nas páginas que se seguem, demonstrar que enquanto variável conceptual da prática arquitectónica o programa pode surgir como base inicial de definição e tipificação dos conceitos, e enquanto componente metodológica como elemento estratégico e esquemático das acções que pretendemos ver concretizadas.

Actualmente encontramos algumas reflexões escritas sobre esta matéria, em-

bora estas surjam maioritariamente de forma analítica e não como reflexão operativa, acreditando profundamente que muitos ateliês, hoje em dia, partem das componentes que iremos abordar como base metodológica dos seus trabalhos específicos. Sabemos contudo que por vezes referem o programa como um mero elemento indirecto nas opções tomadas. Indirecto porque embora assumindo a sua relevância para algumas decisões não partiram das suas potencialidades para a concretização das ideias.

A intenção de aprofundar a temática do programa arquitectónico na sua

dimensão conceptual e metodológica resulta das sugestões extraídas dos artigos do arquitecto Santiago Baptista, na sua linha editorial em algumas publicações, aproveitando para reflectir sobre a teoria e a prática da arquitectura contemporânea numa das suas componentes operativas e ao mesmo tempo ensair uma ideia de manipulação e conceptualização de um programa de intenções para o território de Coimbra. Uma vez que a maioria das produções que encontramos para esta temática se prendiam sobretudo com artigos e com uma bibliografia de fundo dispersas e com vários componentes abordados, procuramos analisar algumas bases teóricas da arquitectura moderna para perceber como o problema era então enunciado e posteriormente manipulado e formalizado. Neste sentido a obra teórica produzida por Kate Nesbilt serviu de base para confrontar as ideias que nos inquietavam e analisando o passado recente e os pressupostos da arquitectura contemporânea. Corbusier percebeu que a manipulação conceptual seria o input fundamental para a saída do impasse em que a arquitectura se encontrava, presa ao academismo das Beaux Arts e à velocidade da evolução tecnológica, e expressar novas tipologias, novos programas, mais abrangentes e de conteúdos múltiplos, sempre associados VIII


às novas formas de construir e ao potencial daí resultante. Também Mies Van der Rohe deu um grande contributo para a reformulação da manipulação conceptual e programática com a introdução do conceito de “open-space” e à mutabilidade funcional extraída desta formalização espacial, sem perder as relações de compromisso entre o edifício e a envolvente próxima com especial relevância.

Recentemente encontramos no trabalho do OMA, de Rem Koolhaas, uma

base metodológica próxima da que objectivamos para esta investigação. Uma base que clarifica o conteúdo dos programas e partindo deste, problematiza de forma esquemática e recorrendo a diagramas antecipa as relações entre as diferentes área dos programa no edifício, com variações formais, entre o proposto e o construído, e entre as premissas iniciais e a transformação para responder à especificidade cultural para a qual se destina. Uma outra componente extraída do trabalho do OMA e que procuramos analisar é a relação programática entre múltiplos conteúdos como resposta à variedade de necessidades que os públicos-alvo poderão ter, na coerência funcional que no entanto o objecto deve manter, o que após os condensadores apresentados pelo movimento moderno, que retratavam a ambição de materializar uma nova condição social, parece ser a resposta mais eficaz às necessidades, expectativas e condicionantes do ser global do século XXI, os programas híbridos, com o intuito de renovação de conteúdos e de ir ao encontro de novas formas de relacionar a arquitectura, entre si e com a população.

Assim sendo para garantir que entendemos o fenómeno da construção e ma-

nipulação dos programas pensamos ser fundamental o papel das variáveis que o constituem e que lhe dão critério para as opções tomadas na definição dos conteúdos. Daí ser pertinente abordar a construção da componente cultural das sociedades assim como a resultante individual destes fenómenos e que levarão aos processos de apropriação e às dinâmicas comportamentais dos indivíduos face aos espaços. Ao confrontar, nesta investigação, a dimensão específica do programa arquitectónico com a volátil componente cultural da sociedade em questão, pretendemos optimizar, por antecipação, o processo de especulação conceptual que irá fundamentar as opções desenhadas, como solução de projecto.

Para culminar apresentamos o ensaio de algumas das componentes investi-

gadas no território de Coimbra cruzando a análise territorial com as propriedades de manipulação enunciadas e tentando reproduzir as dinâmicas e soluções apresentadas no primeiro capítulo. Contudo será um ensaio que incidirá de forma directa sob as questões analisadas na primeira parte da dissertação, posteriores opções serão tidas como complemento e não como premissa de concretização formal.

IX


CAPITULO I


I

1.1 – Evolução do programa como estrutura conceptual

O principal foco de toda a investigação relaciona-se com a especificidade

que o programa terá no desenvolvimento do projecto enquanto variável ao dispor do arquitecto e que lhe permitirá a clarificação da atitude arquitectónica.

Importa no entanto, nesta fase, estabelecer uma distinção na abordagem a

seguir uma vez que a analise e incorporação da dimensão programática poderá ter em conta as várias fazes do projecto, ora como atitude conceptual (parte do processo de especulação conceptual)1 ora como variável formal, quando as premissas dos enunciados programáticos dão origem às opções formais do objecto de forma linear e alusiva. Neste sentido procuraremos seguir, numa primeira fase, a análise dos conteúdos programáticos no desenvolvimento conceptual para posteriormente percebermos como se verifica a concretização pelo desenho, aquela que achamos ser a real capacidade produtiva do arquitecto.

Os programas são, regra geral, produtos culturais e temporais. Cada época e

cada lugar revelaram a capacidade de produzir os seus próprios programas relacionando as suas necessidades iniciais com o objectivo final das escolhas. Em todo este processo percebemos que o programa é uma produção abstracta2, uma vez que apenas inúmera um conjunto de acontecimentos que pretende ver concretizados acabando por não sugerir nenhuma relação temporal e espacial entre eles.

É então importante perceber de que forma esta relação entre a actividade

artística do arquitecto e a especificidade científica do programa, enquanto guião das actividades sociais, decorreu ao longo dos tempos.

Tschumi refere-se ao programa de duas formas distintas, pela definição geral

e pela percepção daquilo que é o programa arquitectónico, tema central da investigação.

Programa: “informação descritiva, previamente preparada, sobre qualquer

serie formal de procedimentos, como uma cerimónia festiva, um curso académico3 […] uma lista dos itens ou números musicais de um concerto, na ordem de execução, o espectáculo como um todo”; por sua vez programa arquitectónico: “é uma lista de requisitos utilitários; indica as suas relações, mas não sugere nem a cominação nem a

1 - ADRIÃO e CARVALHO, (2006) : 2 2 - PROVIDÊNCIA, (2006) : 18 3 - TSCHUMI, (1981) : 184

11


proporção entre eles.”4 Ou seja, o programa não vincula nenhuma opção linguísticoformal, apenas introduz no processo conceptual variáveis que irão dar vida ao objecto arquitectónico, perante os quais o arquitecto poderá estruturar um todo que seja mais que a soma das partes.

Ao longo dos tempos a arquitectura institui-se ao ritmo da produção industrial,

em serie, e de certa forma limitou o pensamento da condição social e a relação do Homem com o espaço construído. O programa surgia como um receituário que se repetia de projecto em projecto5 modificando somente, e por vezes, a relação directa entre o objecto e a envolvente.

Dai pensarmos que ao abdicar de pensar os programas, enquanto conteúdos

que sugerem e reflectem valores e culturas particulares6, abdicamos também de actuar sobre o mundo7. (Figura 1)

Num mundo em permanente evolução, a adequabilidade do meio arquitec-

tónico à realidade resultante das actividades revela-se extremamente importante tendo em conta a possibilidade de trabalhar as mutações existentes nos conteúdos sociais, aquilo em que as diferentes sociedades se vão transformando, e a interpretação da mudança terá consequência na produção dos programas. Se não vejamos a evolução social, industrial e tecnológica que teve lugar no decorrer dos últimos dois séculos (século XIX e século XX) e que originou a transformação na organização do tecido social, com a crescente chegada de pessoas à cidade, dando origem à necessidade de criar condições para as relações entre os indivíduos no tecido construído. Neste sentido não só a criação de habitação se torna uma realidade mas também a definição de espaços cuja função acentue a interacção social e os momentos de descompressão e lazer. Este é o grande momento de ruptura da condição social do Homem, em que a arquitectura deixa de produzir monumentalidade assumindo a responsabilidade na criação do palco para uma interacção entre públicos mais fluida e completa. É nesta linha de pensamento que interpretamos o programa como estrutura que baliza as novas necessidades sociais e que permite pensar de forma antecipada as relações a potenciar e as suas interacções nos espaços.

“O programa, regra geral, surge como premissa para pensar os novos concei-

4 - IBIDEM 5 - IBIDEM 6 - IBIDEM 7 - FUÃO, (2008)

12


FIGURA 1 - A matriz (x) programรกtica das culturas.

13


tos de ocupação, utilização, e desenho dos espaços.”8 (exemplo disto são as vanguardas futuristas e construtivistas que se combinaram com os pensadores sociais do inicio do século XIX e que levaram à produção de novos programas).

É a nova condição social a dar o mote para a criação dos programas, para

a reflexão das necessidades do Homem e desta forma enunciar, de forma sequencial, ou casuística, as acções e os espaços para as suas realizações. Desta forma entendemos o sentido das propostas utópicas que acima de tudo especulam novas tipologias de ocupação nos limites da condição externa ao projecto. Tomemos como base, nos finais do século XVIII, o projecto de Claude-Nicolas Ledoux para as Salinas de Chaux, e como o próprio afirmou “contemplamos o presente com uma luz clara, mas semeamos flores para o futuro”9, apesar da forte carga simbólica de toda a proposta (parcialmente realizada) o projecto de Chaux assume-se como uma manifestação consciente da importância de um novo programa arquitectónico capaz de potenciar a estrutura social. Apesar de tudo esta perspectiva visionária apenas contemplava relações residuais da nova estrutura social. Mais tarde, com a implosão do fenómeno industrial, os arquitectos e teóricos passaram a trabalhar com necessidades reais, e neste sentido emergiu a necessidade de criar novos programas que garantissem, verdadeiramente, uma resposta eficaz face às condicionantes. O programa poderá certamente servir como premissa para a definição das estratégias de desenvolvimento, onde a arquitectura surgirá como veículo para a mudança, ou para a afirmação da mudança. Ao longo dos tempos os programas serviram para reproduzir os fundamentos das ideologias (algumas delas rompendo com os valores de algumas sociedades acabando por falhar radicalmente)10. Não devemos pensar os programas enquanto elemento estático mas sim na sua natureza dinâmica de relação entre as actividades e os agentes capazes de a levar a cabo sabendo que os programas permitem reflectir e tornarem-se reflexo da condição social envolvente.

Não devemos, ainda, considerar que parte dessas propostas (de inicio de sé-

culo XIX) que proponham novas tipologias de ocupação, algumas delas transformando os tradicionais modos de habitar, de composição do agregado familiar e a relação com os espaços construídos tenham sido erradas, é verdade que “essa vontade de reformulação da sociedade tenderia a neutralizar-se numa posição de pura resistência”, mas é igualmente verdade que desta forma foram criadas as

8 - TSCHUMI, (1981) : 185 9 - BATISTA (2007) : 9 10 - IBIDEM

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condições para novamente reposicionar a capacidade da arquitectura enquanto processo criativo de incidência social, e da construção enquanto possibilidade de execução. Neste contexto em que as transformações são uma certeza e em que no campo disciplinar percebemos de que forma podemos agir para responder eficazmente às necessidades ganham expressão alguns dos pressupostos do movimento moderno. “A modernidade arquitectónica está associada a um projecto global”11, um pensamento estratégico, que permite conciliar as diversas escalas de projecto, desde a habitação ao desenho de cidade, em novos programas, que procuravam interpretar as inquietudes e necessidades de uma sociedade em profunda mutação. O contexto permitiu desenvolver projectos que reformularam cidades e propuseram novos modos de habitar, sintetizando o pensamento em função das diversas ambiguidades existentes, como no caso da Unidade Habitacional de Marselha, que num só objecto arquitectónico agrupava as várias dimensões da vida urbana moderna. A capacidade de Le Corbusier em perceber e antecipar estas realidades permitiu investigar uma área que achamos ser aquela que mais se aproxima da realidade actual – a proximidade de alguns sectores de actividade facilita os fluxos sociais. Apesar de toda a investigação teórica e prática de Le Corbusier, o facto de estes movimentos serem abrangentes e passarem pelo trabalho de diversos agentes fez com que nem sempre fosse possível concretizar todas as ansiedades, neste sentido encaramos com naturalidade as possíveis falhas do movimento moderno ao não ser capaz de entender verdadeiramente a dimensão cultural da arquitectura.

Nesta fase não pretendemos defender uma absoluta institucionalização do

programa como regra de projecto, aliás achamos que sobre os programas poderemos verter uma dimensão perspéctica dos fenómenos e ao mesmo tempo actuar incidindo no desenho. Percebemos também que após todas as dinâmicas e novos sentidos de pensamento arquitectónico trazidos pelo movimento moderno a arquitectura deambulou por um caminho de pura manifestação formal. Pese embora esta realidade foi com o modernismo que se ousou pensar a arquitectura inserida numa rede global, associando assim o elitismo das altas classes com o viver diário da sociedade, e foi através do pensamento estratégico que o programa traduz, que se trilhou esse caminho, não pelo controlo total das variáveis em equação, mas pela incorporação progressiva das realidades sociais.

Nem sempre o sentido foi este, e nem sempre será mas o desenvolver a ar-

11 - IBIDEM

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quitectura somente pela relação formal das partes leva-nos a um estado em que a relação do indivíduo com o objecto se esgota originando o fenómeno de desuso. O programa, por sua vez, poderá permitir inovar e manipular os constantes estímulos que provêm do meio envolvente. Após o impasse que o modernismo gerou, em que não se produziram novos programas capazes de interagir os sectores com os actores, a arquitectura incidiu numa retórica que discutiu a forma como elemento primordial e que a partir delas surgiriam as interacções físicas das pessoas (o que não deixa de ser pertinente uma vez que os nossos sentidos permanecem em contacto com as realidades construídas), mas a forma pela forma esgota a capacidade que o conteúdo, inevitavelmente funcional poderá ter no despontar da afirmação da identificação das pessoas com os lugares e dos lugares entre si.

Em tempos de elevada agitação social com a Revolução Socialista, a rea-

lidade da condição social do Homem altera-se assim como a sua capacidade de afirmar as suas opiniões. Desta forma o programa que se repetia de edifício para edifício de cidade para cidade acaba por elevar a insatisfação e o “desprezo” pelas actividades sociais.

É neste sentido que achamos que alguns movimentos culturais e artísticos fi-

cam aquém na resposta, no entanto é incontestável o seu contributo para nos dias de hoje podermos encarar novamente a dimensão programática como possibilidade de investigação em arquitectura.

Assim parece-nos de especial interesse referir o contributo dado pela obra do

OMA, ateliê co-fundado pelo arquitecto holandês Rem Koolhaas, ao perceber, e transmitir, que o projecto arquitectónico contemporâneo assenta na instabilidade resultante das experiências concretas12. “Ao contrário da vontade de controlo absoluto evidenciada pelos mestres modernos, Koolhaas interessa-se pelas respostas programáticas inovadoras, suscitadas pelo investimento da própria realidade produtiva”13, Koolhaas e o OMA abdicam e afastam-se da noção prévia trazida por algumas práticas modernas de que o programa serviria para instituir um modelo geral prévio. Pelo contrário percebemos que se aproxima da realidade produtiva da arquitectura, pela afirmação estratégica, uma posição distante da perspectiva doutrinária, teórica, entendendo assim o forte contributo que esta vertente tem para a sustentação da realidade produtiva. Esta “dimensão oculta” do trabalho do OMA está patente na produção teórica do ateliê, atitude reforçada após a criação do departamento

12 - IDEM : 11 13 - IBIDEM

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de investigação AMO numa vertente multidisciplinar (realidade que pretendemos abordadar mais a frente na investigação). Com o lançamento do manifesto retroactivo sobre Nova York, “Delirious New York”, Koolhaas investiga o que se sucede, e sucedeu em Manhattan, “em que a malha que origina a cidade é igualmente simples (base quadrangular regular) e complexa (já que as paralelas que definem o espaço publico se sucedem) ” tornando-se base para os arranha-céus como “realidade contaminante e hibridizante”. O manifesto permite partilhar o que Koolhaas percebeu da realidade de Manhattan e como isso traduz a nova condição urbana. Os edifícios crescem em altura para na maioria dos casos libertarem o espaço térreo para as actividades sociais. Ao mesmo tempo que na vertical actividades múltiplas convergem no edifício.

Pretendemos tomar por base este processo metodológico e conceptual que

aponta a hibridização programática, funcional e formal mais a frente dedicando alguma atenção à obra do OMA neste ponto de vista, através dela percebemos a “a aposta na hibridização programática a partir da função e através da forma”14. 1.2 – Estruturas conceptuais e comunicação dos programas

O programa, como vimos, traduz um conjunto de requisitos sobre os quais po-

demos operar, do ponto de vista das valências, mas também como elemento através de qual se pensam as relações espaciais, as sequencias e são potenciados os usos.

Neste sentido a sua utilização é transversal a inúmeros acontecimentos da vida

social sejam eles arquitectónicos, televisivos, sociais, planos de estudo, entre outros, e cada destes programas terá a sua construção e consequente forma de comunicação. Do ponto de vista artístico, a comunicação dos programas poderá funcionar como primeiro momento em que se induz o receptor sobre o conteúdo (imagético, formal ou funcional) do acontecimento. Este primeiro momento de comunicação do conteúdo e sequência programática pretende interagir física e mentalmente com o receptor, sabendo que essa variável é importante para uma maior optimização dos futuros usos.

Sabemos que o Homem para a comunicação e entendimento das múltiplas

possibilidades de uma actividade poderá optar por enumerar, ou relacionar esquematicamente para antecipar as soluções mais eficazes.

14 - IBIDEM

17


Para o entendimento do que é o programa arquitectónico os esquemas con-

ceptuais revelam-se importantes para a concepção e comunicação das pretensões evitando ao máximo os desvios resultantes das más interpretações. Se o objecto terá um conjunto de requisitos utilitários a cumprir e a sua manifestação terá como objectivo servir um contexto social específico, agir sobre o programa é desmontar a especificidade de cada acontecimento ao mesmo tempo que são confrontados as causas e as consequências que terá no contexto para o qual se destina. Desta forma o recurso a ferramentas como o organigrama, ideograma, diagrama, entre outros, torna-se prática comum durante a fase conceptual, como momento auxiliar de especulação mental, e de síntese, mas também como ferramenta de partilha das opções tomadas. (Figura 2)

Todos nós em vários momentos de concepção de um projecto recorremos a

estes mapas conceptuais para transpor o enunciado programático numa realidade esquemática, no entanto a esquematização do programa não corresponde, ou não deveria corresponder, à formalização do objecto. A função de cada espaço não é autónoma, o que dará sentido à intervenção e à forma como as diversas funções se encontram estruturadas, ligadas, e as relações espaciais que são possíveis extrair já que garantir a funcionalidade é um objectivo sempre presente. “Responder às necessidades (programa) e ultrapassá-las para dar sentido – arquitectura é produção de sentido”15.

Estas estruturais mentais correspondem, decorrentes da aplicação do progra-

ma, a um “momento de elaboração estratégica”. Ao longo da história recente da arquitectura estas práticas metodológicas conheceram altos e baixos, todavia pensamos ser importante analisar quais as suas possíveis aplicações.

Entre aqueles que defendem e assentam a sua prática no recurso ao diagra-

ma ou os que rejeitam essa possibilidade um dado parece ser comum, o de que a “arquitectura não é nem deverá se transformar num diagrama de todas as variáveis”16. Significa isto que a transposição do resultado imagético que o diagrama venha a sugerir para as soluções formais seja de elevado risco, uma vez que “os diagramas e a composição ocorrem em fases distintas do projecto”17, uma que permite a especulação conceptual e a síntese e outra que diz respeito à composição, ao desenho, ao dar sentido, à criação formal de relações espaciais, ao detalhe, e neste caso, o não

15 - PROVIDÊNCIA, (2006) : 18 16 - AURELI e MASTRIGLI, (2006) : 105 17 - CORBELLINI, (2006) : 95

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1 FIGURA 2 - Diagramas Conceptuais da Biblioteca Central de Seatle.

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entendimento e inclusão desta realidade apenas produzirá espaços que resultam de meras “imagens, iconográficas, vazias e indiferentes para com o mundo”18.

Aquela que se pensa ser a grande conquista do movimento moderno é a

consciencialização de que a arquitectura é um fenómeno artístico que procura a integração e inter-relação em contextos sociais e culturais ecléticos. O fenómeno artístico não é medido em termos quantitativos, não é possível instituir-se uma regra, existe sim a possibilidade de transpor, embora que ligeiramente, os pressupostos metodológicos da intervenção científica, daí, cada vez mais, a arquitectura estar a munir-se de ferramentas que permitem a sistematização dos dados recolhidos provenientes de cada contexto. Le Corbusier afirmou que “a verdade se encontra nos diagramas”19, e certo é que parte das soluções dos últimos anos traduzem a capacidade em relacionar as condicionantes através dos diagramas, num processo operativo que Gropius levou para Harvard, nos anos 40, ao introduzir os diagramas circulares, percebe-se previamente as interacções para posteriormente se estabelecerem as relações geométricas20.

A má utilização destas ferramentas poderá revelar-se um desastre - e isso

aconteceu em algumas fases da prática arquitectónica, muitos diagramas foram usados como pré-figuração formal das propostas. A linear tradução dos diagramas em formas esbate a capacidade que a arquitectura possui de privilegiar o uso. Aliás a produção de diagramas não é uma exclusividade da arquitectura, o design utilizaos como ferramenta corrente de trabalho, mas também alguns pensadores o fizeram para traduzir algumas relações que pensariam ser as relações ideais para a construção das actividades sociais. Mesmo na arquitectura contemporânea e incidindo (novamente) na prática do OMA, que utiliza incessantemente os diagramas, o factor incontornável, exclusivo e potenciador da arquitectura é reforçado pelo carácter do desenho. Koolhaas afirma que “os diagramas permitem representar relações, proporções, ligações/conexões, efeitos, basicamente tudo”, no entanto, apesar desta aparente dependência para com a capacidade da representação dos programas e das variáveis constituintes em diagramas, percebemos na obra, no objecto, que o espaço para o improviso também tem lugar. No projecto para a Biblioteca Central de Seatle o programa é clarificado e os espaços respeitam a necessidade que cada actividade exige, a comunicação do projecto leva a crer que a “forma é decorrente

18 - AURELI, e MASTRIGLI, (2006) : 102 19 - IDEM : 104 20 - CORBELLINI, (2006) : 92

20


da organização do programa”21, como afirma Paulo Providência, no entanto percebe-se que a proposta resulta sim da interpretação formal e funcional que podemos extrair dos programas. Koolhaas divide o programa em “zonas estáveis e zonas instáveis” que dizem respeito respectivamente aos arquivos, estacionamento, secretaria, e outros espaços de serviço e às salas de leitura, salas de estar, biblioteca infantil etc. Esta divisão levará a que entre os espaços se potencie a interacção espontânea permitindo o aparecimento de outros tipos de uso que dizem então respeito aos momentos de transição entre as diversas áreas, uma solução que neste projecto se reflecte num desenho livre, deixando que a apropriação individual resulte no uso colectivo. (Figura 2)

A realidade é que, tal como Paulo Providência acaba por também sugerir, a

opção de organizar compositivamente o programa com o recurso à representação através do diagrama originando estruturas formais que não são a resultante directa da organização do programa. “O empilhamento dos volumes”22 é expressão da estratégia definida para o funcionamento da biblioteca, ao mesmo tempo que pelo desenho se procura atingir essa lógica espacial.

Diversos usos e sentidos podem, como vimos, ser dados a estas estruturas de

representação conceptual, o programa é por si só uma elaboração sequencial e lógica dos acontecimentos. Devemos então perceber que a utilização do diagrama serve este propósito tal como o esquisso procura traduzir tridimensionalmente as imagens que vamos construindo, interiormente, da futura realidade. A comunicação dos projectos sempre foi feita com recurso a diagramas. As plantas, os cortes, os alçados, são diagramas bidimensionais, “não traduzem as características visuais dos espaços, mas sim permitem a clarificação das relações entre as diversas partes”23.

Apoiados no estudo publicado na revista Lotus, e na análise então feita à obra

de alguns arquitectos verificamos que existem, essencialmente, três tipos de usos que podem ser dados a estas denominadas estruturas conceptuais de representação. Por um lado se olharmos a prática de Eisenman, a sua composição resulta da construção de diagramas Cartesianos recorrendo à “grelha e à malha” constrói a regra que permite manipular o programa e trabalhar paralelamente o programa e a forma. Não só a obra se adapta ao contexto como o próprio contexto se poderá adaptar à vontade de expressão arquitectónica (como será certamente o caso da Cidade

21 - PROVIDÊNCIA, (2006) : 21 22 - IBIDEM 23 - AURELI e MASTRIGLI, (2006) : 104

21


da Cultura, na Corunha, Espanha). Já o ateliê Sanaa parece posicionar o uso do diagrama como ferramenta que permite elaborar o problema, resultante do programa e do contexto, dando-lhe, neste caso, um uso bastante mais formal sem recorrer à mimetização do diagrama programático, e depois partir para a transformação do diagrama nas soluções estruturais e espaciais pretendidas.

Outra possibilidade é a construção dos diagramas e transformação dos mes-

mos em soluções infra-estruturais. Esta possibilidade é prática comum no cálculo das estruturas quando recorrem aos diagramas de esforços como pré-figuração e representação das acções e reacções aos quais as estruturas estarão sujeitas.

Centramos, nesta fase, a análise desta estruturas mentais e conceptuais nos

diagramas por percebermos que foram e são cada vez mais ferramentas importantes ao dispor da arquitectura, mas apenas deverá ser considerada como tal, uma ferramenta que achamos ser uma forma operativa de manipulação dos programas e ao mesmo tempo um auxiliar na comunicação das intenções. 1.3 – Multidisciplinaridade

Os passos que temos vindo a seguir na investigação levam-nos no sentido que

a arquitectura, e a dimensão programática, devem ser entendidas como uma produção multidisciplinar, característica da actividade artística, e reflexo da actual condição contemporânea, num contexto em que o Homem é afectado por estímulos resultantes da diversidade de experiências e actividades em que se vê envolvido. Nesta fase pretendemos abordar a atitude multidisciplinar, de forma genérica, em duas fases distintas. A primeira enquanto especulação e desenvolvimento conceptual das intenções de projectos e a segunda que nos remete para o trabalho de desenho das combinações espaciais.

O conjunto de dados que normalmente envolvem a análise e composição

dos programas que preenchem não só a componente arquitectónica mas também a sociocultural revelam as necessidades específicas da sociedade. As necessidades deste novo ser social, global, pressupõem uma avaliação transversal a várias áreas disciplinares. A criação de um programa arquitectónico implica o conhecimento da realidade social, o recurso à Sociologia, que estuda o Homem e a sua relação em sociedade, permite a compreensão de fenómenos que vão para além da relação individual, mas que constituem as diversas dinâmicas que os grupos tendem a produzir, bem como as expectativas criadas. Assim sendo, é cada vez mais comum vermos equipas multidisciplinares a trabalhar sobre a coordenação do arquitecto, tornandose este no compositor das exigências que cada uma das áreas poderá ter. 22


Se o objectivo da arquitectura passa por dar sentido aos diversos programas,

criar espaços que possibilitam o funcionamento em harmonia de várias pessoas e situações, a capacidade de interagir com os sentidos é também uma realidade sobre a qual insistentemente se tem falado e experimentado, e, neste caso a Psicologia permite explorar um novo campo com imensas possibilidades de interacção com os nossos processos mentais. Os programas traduzem cada vez mais as necessidades humanas em detrimento das exigências territoriais, daí a crescente influencia das ciências humanas, é aqui que entram os diagramas como elemento que numa primeira fase coloca em confronto a especificidade do programa com as múltiplas exigências da vida futura da intervenção com o objectivo de encontrar respostas mais eficazes.

Ao longo dos tempos as diversas correntes artísticas manifestaram a menta-

lidade abrangente que caracteriza a atitude multidisciplinar. As várias correntes artísticas que construíram a nossa história foram o reflexo das mutações sociais, ou da vontade, e necessidade de lutar pela mudança, e não podemos descurar o contexto em que se inseriram, e que à época os programas eram a proposta formal para os acontecimentos. Foram nos momentos de confronto disciplinar, principalmente os ocorridos durante o período moderno, e as criticas que fundam os pressupostos pósmodernos, a proporcionar uma pesquisa alargada a outras áreas disciplinares. “Durante o período de reexame da disciplina (e da modernidade cultural), intensificou-se a influência dos paradigmas externos à arquitectura, principalmente os provenientes da Filosofia”24. Estas práticas que se acentuaram e derivaram da procura teórica para encontrar um (novo) sentido para a arquitectura, caracterizaram a vontade de convergir os pressupostos das diversas áreas do conhecimento como garantia para as opções do projecto, por vezes através do recurso a analogias.

Apesar da fundamentação apresentada, e dos diversos caminhos que se pre-

tendiam explicar serem passíveis de enquadrar na lógica multidisciplinar da definição e concretização dos projectos, pensamos que isto não retira a autonomia25 da actividade profissional, pelo contrário, ao garantir a coordenação e inter-relação das diversas áreas do conhecimento estaremos a reforçar o papel autónomo mas consciente do contexto sociocultural que actualmente nos define.

Se até este ponto analisamos a multidisciplinaridade que caracteriza a atitude

24 - NESBILT, (1965-1995) 25 - O exemplo dos tratados que para além de postularem uma origem legitimadora, estabelecem uma clara distinção entre a arquitectura e as demais ciências.

23


conceptual, o primeiro momento da definição da estratégia e a estruturação dos programas, poderemos também falar da componente formal. Como dar corpo à estratégia, como formalizar programas para que uma vez mais estes respondam aos anseios e expectativas das sociedades?

O trabalho coordenado pelo arquitecto hoje em dia já engloba equipas for-

madas por várias especialidades, como verificamos ao analisar as estruturas conceptuais na manipulação e comunicação dos projectos – os diagramas – o recurso a áreas disciplinares como o Design é hoje um forte contributo para o trabalho do arquitecto. Deambulamos ainda dentro do campo disciplinar tradicional do arquitecto, uma vez que a ele cabe a definição das soluções formais que confiram sentido, no entanto a exploração dos limites da disciplina levam a que alguns ateliês de projecto recorram a outros meios artísticos para coordenarem um trabalho conjunto de composição de espaços.

Esta realidade constitui aquilo a que, partilhando da opinião deixada por Inês

Moreira e Pedro Jordão, chamamos de novos programa e reinterpretações dos programas já existentes, neste caso à luz de uma prática multidisciplinar, como Pedro Gadanho refere no artigo “arquitectura do código aberto”. Embora seja objectivo isolar a análise de cada uma destas possibilidades mais a frente, é pertinente neste contexto ver como se manifesta a multidisciplinaridade na formalização dos programas.

A abordagem à incorporação na prática de projecto de outras áreas disci-

plinares procurava induzir a construção de uma imagem relativa ao trabalho em parceria entre o arquitecto e o designer, no caso específico. A construção dos novos programas, a qual nos referimos neste ensaio, analisa a perspectiva de acordo com uma prática efémera que procura estudar os efeitos de novas propostas programáticas do ponto de vista da aceitação por parte da sociedade, onde as exposições temporárias ocupam grande parte desta iniciativa.

Vejamos o trabalho realizado pelo ateliê de Santos (a.S*) para a Bienal Expe-

rimenta Design, na Feira Internacional de Lisboa. O programa previa a concepção de um pavilhão/sistema expositivo para albergar as obras de cinco artistas plásticos. Como ponto de partida a realidade é comum à prática de alguns arquitectos hoje em dia, para este tipo de eventos ou outra área cultural (frisemos o nome de Pedro Cabrita Reis e João Mendes Ribeiro). O que realmente apresenta o carácter multidisciplinar da proposta dos a.S* é o facto de no decorrer do processo o trabalho de definição dos espaços ser uma produção conjunta entre os artista a expor e o ateliê, com este ultimo a coordenar e a ficar encarregue do objecto final. Neste caso o artistas de acordo com o conteúdo a expor produziam espaços que seriam eles 24


próprios o foco de interesse da exposição. Assim os arquitectos seriam co-autores dos espaços, conferindo sentido, definindo os percursos, relacionando os diversos espaços criados pelos artistas plásticos26.

Do ponto de vista programático a interpretação do que este enumera permi-

te perceber os limites entre os quais poderemos operar, num caso procurando dotálos do máximo de rigor possível, compondo programas que respondam eficazmente à multiplicidade de conteúdos que servem a sociedade contemporânea, por outro lado comunicando os conteúdos programáticos recorrendo a um trabalho transversal a diversas áreas artísticas, alargando assim os limites da própria disciplina. 1.4 – Do programa ao desenho

A manifestação das mutações sociais e espaciais que ocorrem na arquitec-

tura, surgem primeiramente através da constituição dos programas mas a real transformação ocorre ao nível do desenho. O programa necessita sempre de uma comunicação formal, embora esta possa ser efectuada com o recurso a diagramas, ou imagens – visto que os programas são produtos da sociedade e não apenas da arquitectura – é no desenho arquitectónico, na definição dos espaços, nas proporções, na sequência, na materialidade que cada programa se encontra com o contexto e adquire ele próprio fundamento. Só assim existe arquitectura, e só nesta fase faz sentido trabalhar a definição estratégica e sistémica pois o desenho irá garantir coerência ao programa base.

Sem o desenho, a base programática é meramente especulativa e coloca-se

à margem da arquitectura, pois apenas enumera as variáveis, não construindo as linhas de acção. Nesta fase estamos a referir-nos ao desenho como elemento formal, à ferramenta que estabelece as premissas formais: a planta, o corte, o esquisso não pelo valor comunicacional, mas pela forma como dinamiza os conteúdos, como responde ao enunciado do programa.

O programa é o primeiro momento de construção mental dos lugares. Ao

quantificar actividades interage com um conjunto de signos inerentes a cada um de nós, o que dará origem à interacção do signo com os respectivos significados e construir, no indivíduo, imagens. Para mais, a comunicação da maioria dos programas sociais e também arquitectónicos faz-se recorrendo a imagens (vejamos o exemplo da

26 - BATISTA, (2007) : 8

25


figura 3 que se refere a uma actividade social temática). Associado ao convite está a descrição quantitativa das actividades, que tem como tema uma época específica (anos 20), se atentarmos à imagem verificamos a existência, no convite de objectos da época na comunicação do programa. A margem para a má interpretação dos conteúdos reduz-se em larga escala, uma vez que subtilmente é feita uma descrição dos conteúdos (formais). O que procurámos demonstrar com este exemplo é que através do desenho, e no caso da arquitectura através da forma construída, podemos para além de fazer interagir variáveis diversas, educar os usos. Cada programa, a exemplo do que acontece nos concursos, origina múltiplas respostas, o contexto em que cada programa assenta interage com o conteúdo latente de cada indivíduo (no caso com os valores de cada atelier), daí a variedade figurativa e compositiva apresentada em cada projecto nos concursos. Como tivemos oportunidade de referir inicialmente o programa arquitectónico “inúmera quantitativamente um conjunto de actividades/necessidades, mas não sugere nenhuma ligação entre eles”27, e o arquitecto deverá pois ser o transformador das quantidades em qualidades espaciais.

Falamos de desenho não apenas como ferramenta metodológica, como é

o caso do esquisso, mas como formalização dos espaços. O desenho do espaço, o desenho do pavimento, o desenho da cidade. O desenho é assim solução enquanto o programa é abstracção28. O programa permite o domínio das questões sociais, garante especificidade temática – uma vez que define as necessidades – mas poderá ainda assim ser transversal a padrões culturais comuns, ou seja em relação ao lugar29 – mas afasta-se da realidade de cada situação. Apesar de podermos desenhar estruturas abstractas, utopias, a prática comum leva-nos para uma relação estreita entre o programa que nos é proposto e a iminência de construção do projecto.

O desenho é o culminar das atitudes conceptuais do projecto, é o desenho

dos limites e o arquitecto desenha da macro para a micro escala. Entre a relação morfológica da cidade, entre o público e o privado, a transposição para o objecto, o desenho traduz o fio condutor do nosso pensamento. Voltando a incidir no período moderno e na transição para o pós-modernismo até a arquitectura contemporânea percebemos a evolução ocorrida entre o pensamento (teórico) e o desenho (prática).

Vendo um pouco mais atrás nos exemplos da história percebemos de que

forma se manifesta o pensamento na obra arquitectónica produzida. O exemplo das 27 - ADRIÃO e CARVALHO, (2006) : 2 28 - PROVIDÊNCIA, (2006) : 18 29 - Albert Einstein define o Lugar como uma pequena porção da superfície da Terra que se pode identificar por um nome (…) uma espécie de ordem dos edifícios materiais e nada mais.

26


FIGURA 3 - Programa para actividade temรกtica. 27


catedrais góticas, renascentistas, barrocas revelam ecletismo formal, tal como manifestam uma atitude intelectual diferente e por vezes inovadora, e este testemunho chega-nos através da obra construída, do detalhe.

O que os fundamentos teóricos nos mostram é que existe uma forte compo-

nente cultural implícita à leitura de qualquer prática de projecto. A leitura do projecto implica que o observador/utilizador partilhe o significado dos signos para o entendimento ser eficaz. É daqui que surge a necessidade de ajustar o projecto à realidade cultural para o qual se destina para que este não seja subentendido, dado o carácter físico que a arquitectura adquire, ao contrário da realidade programática que é uma componente estática. Seguindo este pensamento percebemos de que forma a arquitectura adquire sentido. “A arquitectura extrai o seu significado das circunstâncias que originam a sua criação; e isso pressupõe que o que lhe é exterior tenha uma importância vital”30.

De facto desde as práticas modernas, que procuravam ser um veículo que

potenciava as mudanças sociais, ao pós-modernismo, que procurava um trabalho complementar às falhas do modernismo, contrariando a máxima moderna de que a forma segue a função, com a máxima de que a forma segue sempre a forma que a arquitectura procura uma relação entre o que lhe é específico com o contexto social e cultural. No fundo no centro da discussão está a capacidade de levar para o desenho um sentido que permita trabalhar outras dimensões, como a importância que o detalhe transmite, quer na orientação na cidade, como afirmou Kevin Lynch, ou no objecto em si como meio para alguns arquitectos “construírem uma narrativa usando os materiais e os detalhes”31.

A questão, para nós, mais importante de trabalhar a dimensão programática

em arquitectura é como temos tentado demonstrar, perceber nas várias fases do projecto que importância um elemento estático, como o programa, pode adquirir na criação e na composição. Percebemos que é o desenho que irá unificar a proposta e dar resposta às emergentes duvidas, sendo esta a verdadeira forma de comunicar a arquitectura.

Citando agora umas passagens de uma entrevista dada por Jacques Derrida

a Eva Meyer, a propósito do pensamento filosófico do primeiro e os seus princípios ligados à teoria desconstrutivista, em que ambos abordam aspectos relacionados com a teoria e a prática em que se percebe a alusão ao programa. Derrida associa

30 - NESBILT, (1965-1995) 31 - IDEM

28


a arquitectura à linguagem, ao caminho, e fundamenta os princípios que dão origem à teoria desconstrutivista longe da lógica de desfazer algo mas pelo confronto de binários conceptuais. Dado que Derrida aproxima a arquitectura à linguagem, Eva Meyer remete a conversa para “as formas de escrever do arquitecto”32, ou seja a representação, o desenho e refere o exemplo das plantas baixas de Palladio, Bramante e Scamozzi, que representavam a transição do pensamento teocêntrico para a concepção antropocêntrica, “pela qual a forma da cruz cada vez se abre mais em quadrados ou rectângulos platónicos”, acabando por se diluir no seu desenho.

No sentido oposto a casa Dominó, de Le Corbusier traduz uma “arquitectura

que não representa mais o Homem, mas que se torna, em si, um signo referencial”. Corbusier conseguiu isto através de um novo tipo de construção (desenho) feita de “elementos cúbicos, telhado plano e longas janelas, racionalmente articulado e destituídos de quaisquer ornamentos construtivos”33.

De que forma se faz a transposição de um espaço público, de acesso a todos

para um espaço privado sem que no entanto se perca fluidez no percurso ou na leitura do espaço?

A resposta estará na forma como surgir a sequência de acontecimentos, pelo

desenho dos pavimentos, numa mudança de material ou pela mudança do sentido de aplicação do material, criando ritmos diferentes. A fluidez espacial é garantida pela estruturação dos planos, ou pelos volumes que albergam os espaços, a sua boa legibilidade garante sempre que o utilizador saiba onde se encontra e de que forma se poderá movimentar. Os edifícios com múltiplas funções tendem, no âmbito da definição dos programas a parecerem confusos, uma vez que se cruzam actividades distintas, no entanto podem interagir no mesmo espaço como um todo. Normalmente na mudança de espaço o utilizador é confrontado com uma perspectiva abrangente do edifício, recorrendo a técnicas de desenho como um pé direito duplo e desta forma cruzar o programa com o desenho no objecto.

O desenho dos espaços comuns poderá até recorrer à manipulação da luz

como forma de controlo das actividades, operar com os sentidos, como veremos, permite aproximar a dimensão física da dimensão mental.

E é neste sentido que as acima referidas correntes teóricas da arquitectura se

fundem com as necessidades programáticas e lhes dão sentido.

A aplicação de determinada corrente teórica necessita de concretização e

32 - MEYER, (1986) : 169 33 - IBIDEM

29


essa concretização é o desenho. Essa ansiedade procura interagir num meio cultural complexo e transversal, e com um observador/receptor/ utilizador, o Homem, cada vez mais exigente – mas também pensamos que cada vez mais manipulável em função da crescente possibilidade de manipular os estímulos e produção de novos estímulos, onde outrora estaria outro. 1.5 – Flexibilidade programática “Mutabilidade das funções em relação à necessidade de caracterização dos espaços – vitalidade orgânica”34

A condição da sociedade contemporânea coloca a investigação na tónica

da flexibilidade que deve caracterizar os programas como resposta às múltiplas exigências e ao mesmo tempo mantendo-se ao mesmo ritmo da evolução da sociedade. Observamos que a construção dos programas e a sua concretização resulta de um processo dinâmico, que envolve variáveis exteriores à arquitectura e tudo isso faz com que não seja possível definir programas ou acções concretas, apenas introduzimos intenções sobre as pretensões a concretizar.

O momento de definição do programa corresponde ao convergir das vonta-

des sociais ao mesmo tempo preparar as dinâmicas futuras. Isto faz com que seja impossível garantir à partida qualquer certeza, os programas alteram-se mesmo durante a fase de obra, pois a sequência de acontecimentos liberta novas possibilidades que alteram os programas.nb

Como Rem Koolhaas afirmou, a arquitectura contemporânea trata cada vez

mais de produzir “acomodação permanente para actividades provisórias”35. Cada vez mais o que é solicitado é um espaço que seja capaz de mudar rapidamente face aos novos estímulos mas também às novas tipologias de ocupação. Cada vez menos o arquitecto desenha com a certeza de que o desenho se manterá permanentemente, o mais provável é que com o passar do tempo adquira um novo uso, distinto daquele que esteve na origem do espaço. O que Koolhaas procura transmitir na sua afirmação, mas também na sua obra, é a capacidade que o desenho poderá ter em sofrer mutações, visto que estas irão acontecer, a preparação dos diversos estádios de ocupação. Programar o envelhecimento temporal através do rejuvenescimento ocupacional.

34 - PORTAS, (2008) 35 - KOOLHAAS, (1993)

30


A rede em que os edifícios se inserem é parte de um complexo sistema de tro-

cas. A título de exemplo não nos é possível afirmar pela aparência formal de um edifício o tipo de ocupação existente, como Paulo Martins Barata escreve no seu artigo «o programa como forma, a forma para lá do programa», “independentemente da torre do Burgo poder um dia vir a ser reconvertida num edifício de habitação, o que é de facto importante é que as relações de implantação e proporção que estabeleça com a cidade se tenham mantido desejadas e desejáveis”36. O importante é que os programas iniciais manifestem capacidade para sofrerem alterações de uso sem alterar a coerência da vida urbana, uma vez que os interiores (e as nossas casas são um bom exemplo disso mesmo) a velocidade das transformações é bastante maior que no exterior.

Como começamos por afirmar os programas alteram-se em todas as fases

do projecto, desde a concepção à concretização. É importante compreender o processo evolutivo do projecto para participar nos processos de mudança, isto fica claro em algumas intervenções que marcaram o último século e o inicio deste novo. As práticas modernistas são uma base para esta realidade, inovação trazida pela planta livre que permitia uma apropriação evolutiva do espaço, o próprio pavilhão de Barcelona, de Mies van der Rohe, resulta num paralelepípedo que define a sua relação com o lugar, não obstante o facto de poder resultar em diversas ocupações sem que a interacção com o meio se esbata ou o interior deixe de fazer sentido.

Recentemente o OMA no projecto, já referido, para a Biblioteca Central de

Seatle, resolve as necessidades enunciadas no programa inicial inerentes ao normal funcionamento da biblioteca, uma vez que serão permanentes, mas nas zonas de transição o desenho é livre, tal como o era o programa, para a apropriação acontecer com a evolução temporal e com o movimento de diversos utilizadores, isto resulta no entendimento dos fenómenos sociais e o desenho não condiciona ou induz um uso específico, cada indivíduo será capaz de, naquele momento tomar as suas opções de percurso, ou estadia. A evolução da biblioteca terá em conta o fenómeno individual que a caracteriza, e capacidade de se regenerar através dos princípios que lhe deram forma.

O projecto não termina quando a obra se conclui pelo contrário essa é a

primeira fase de confronto do programa, estrutura conceptual, com a formalização e os usos futuros para assim perceber os limites e real flexibilidade que o programa

36 - BARATA, (2006) : 25

31


pressupôs ou negligenciou.

A velocidade a que os processos decorrem provoca incerteza quanto ao tem-

po que leva até estarem concretizados, o que poderá provocar desactualização ou desfasamento do programa inicial face as actuais necessidades, podemos comparar a afirmação com o pensamento de Paola Cannavò que caracteriza a flexibilidade através do “normal” decorrer dos processos e no dinamismo que lhes é intrínseco.

É certo que o projecto de arquitectura, e referimo-nos ao desenho do objecto,

de todas as etapas é a que normalmente mais depressa se concretiza. Se olharmos para o que acontece no urbanismo e na arquitectura paisagista o tempo para a aplicação das intenções depende directamente das variáveis do meio e necessita de adaptação às suas exigências e condicionantes.

O projecto urbanístico é definido pelo programa estratégico para a constru-

ção e evolução do tecido, no decorrer do tempo de execução ocorrem mutações, quer na sociedade quer na técnica, o que não só não inviabiliza como exige uma constante adaptação do programa inicial, sabendo que se o programa se mantém rígido e inflexível, o projecto falhará, pois as intenções e preocupações estarão desajustadas relativamente ao contexto: “nestas situações torna-se extremamente difícil expor um programa como algo ordenado e pormenorizado”37.

No caso do projecto paisagístico a exigência do tempo é mais controlada,

assim como os programas contemplam a denominada “dinâmica da natureza”38, é fundamental perceber que a abordagem apenas procura induzir um caminho, “lançar sementes”39, e interagir com as materiais locais, nomeadamente o solo.

Nuno Portas defendeu o conceito da “arquitectura aberta, quanto ao proces-

so da formação e da transformação no tempo”40. De forma sucinta podemos considerar três factores que tornam os projectos, e os programas, inflexíveis, externos e internos à prática arquitectónica. A especulação e crescente burocratização, como factor externo. A pré-figuração do espaço, característica de todos nós mas tendenciosamente permanente em algumas práticas profissionais, e um híbrido entre estas duas realidades que é o que directamente interage com a produção do programa e que tem que ver com as transformações antes, durante e depois da obra concretizada.

37 - CANNAVÒ, (2006) : 20 38 - IBIDEM 39 - IBIDEM 40 - PORTAS, (2008)

32


A flexibilidade programática poderá trazer uma dimensão mais operativa à

arquitectura contemporânea, através da compreensão dos fenómenos que nos envolvem no meio em que diariamente nos inserimos, e pela percepção que vamos adquirindo que assim será possível trabalhar nos limites que a disciplina nos possibilita e assim trazer inovação e certeza ao decorrer da actividade de cada um. 2 – Entre o programa e o programador

A dimensão programática como tivemos oportunidade de analisar surge

como uma variável metodológica do processo de concepção arquitectónico, e como tal permite a relação entre a origem dos programas e os conteúdos que pretendem ver relacionados. A possibilidade que o arquitecto tem para manipular esta dimensão advém da responsabilidade social que lhe compete, a construção dos suportes para as relações sociais. O interesse suscitado pelo programa resulta da sua transversalidade nas várias dimensões (sociais, artísticas, cientificas ou linguísticas). O programa será sempre a produção de um sentido, a composição (sequencial), de acções e acontecimentos. A vantagem de trabalhar com base em programas com um forte carácter identitário é perceber como controlar as variáveis em presença - o tipo de utilizador e a função base de cada espaço devem ser a matéria principal da construção dos programas, garantindo que estes comunicam directamente com a estrutura social para o qual se destina e sem a qual a arquitectura não é mais que uma actividade escultórica e egoísta do artista.

A relação entre o programa e o programador será um produto de especial

relevo porque é neste interstício que pensamos que reside a capacidade artística do arquitecto. Como referimos anteriormente os programas são transversais a inúmeros sectores bem como a várias sociedades, exigindo a cada intervenção a produção de identidade própria, assim sendo o arquitecto como um dos programadores destas actividades deverá construir a transição e afirmar o conteúdo da mensagem e os valores que a obra irá transmitir.

Neste sentido uma vez que isoladamente analisamos o programa como base

metodológica, e nas suas propriedades constitutivas e comunicacionais é importante agora procurar perceber quais as variáveis que irão auxiliar na construção dos programas. Como produto social o programa terá como objectivo comunicar para uma sociedade, no geral, e para cada indivíduo, em particular, é assim que procuramos relacionar a dimensão cultural, inerente a cada sociedade, em que estas reflectem um conjunto de valores identitários que terão consequências, no caso da arquitectura, na construção dos lugares, como afirmação simbólica que poderá ter origem 33


segundo esta vontade. As sociedades são construídas por indivíduos, que embora se possam organizar em pequenos grupos, tribos, tenderão sempre a relacionar a vontade geral com o desejo pessoal (o que no caso particular da arquitectura poderá resultar em edifícios com fraca aceitação). É então que procuraremos analisar a vontade geral que constitui o padrão cultural de cada sociedade e a apropriação como motivação individual. A relação entre o ser social e o ser individual é uma relação simbiótica que deve constituir a construção dos programas arquitectónicos, pela forma como poderemos garantir o enquadramento no sector social, a identificação que o edifício irá produzir e perceber a maneira, específica, como os destinatários se apropriam e a forma como dentro do mesmo padrão cultural se dá lugar ao egoísmo de cada actor.

Achamos que, nesta fase, e após ter individualizado a manipulação do pro-

grama, devemos individualizar os seus constituintes. Não defendemos a utilização exclusiva destas partes (cultura e apropriação) mas sublinhamos a complementaridade que resulta da relação conjunta como garantia de que metodologicamente o programa se constrói com um objectivo direccionado, quer ele seja de ruptura – na busca de novas relações sociais e espaciais -, transitórios ou híbridos entre a utopia e a normal vida social (devidamente consolidada).

É este o espaço existente entre o programa, produto das múltiplas condições

sociais, e o programador, denominador comum nas diversas sociedades, do qual o arquitecto será figura de especial interesse por ter a capacidade de transformar e manipular operativamente todas as variáveis.

34


FIGURA 4 - Entre o programa e o programador.

35


3 – As variáveis constituintes do programa 3.1 – Cultura, entre os símbolos e a arquitectura 3.1.1 – Valor cultural na manifestação das sociedades

A relação do Homem com a Natureza é uma condição universal da nossa

existência. É assim que todas a manifestações encontram o equilíbrio necessário para se puderem concretizar, naquilo que são os ideias do Homem e o que o Meio nos proporciona e possibilita.

Diferentes épocas e diferentes lugares manifestaram formas distintas de rela-

ção social, mas cada uma delas foi importante para a criação da identidade e afirmação cultural. Então a cultura é um valor fundamental nas relações sociais e ao mesmo tempo será importante na estruturação das suas realizações.

Durante as próximas páginas procuraremos perceber de que forma esta rela-

ção Cultura/Homem/Arquitectura se processa para podermos entender a sua pertinência na Global condição Humana, global referindo-se ao todo mas também na crescente (acelerada) globalização das actividades, as partes.

Os processos de interacção cultural implicam a troca de valores e ao mesmo

tempo a existência de um emissor, um receptor e um objecto ou mensagem que se pretende transmitir, estamos assim a reforçar o papel que esta trictomia (Cultura/ Homem/Arquitectura) assume nas trocas particulares, dentro da mesma cultura, ou Globais, entre padrões e sociedades culturalmente distintas. A cultura global é uma cultura dinâmica41.

Mas o que significa cultura? Entende-se por cultura o conjunto de normas,

crenças e valores que configuram o modo de vida de uma sociedade42. Se nos colocarmos no exterior de uma cultura devemos então adoptar uma análise e interpretação global como premissa para a compreensão dos fenómenos particulares e de quotidiano, que, para valores distintos influenciarão a forma como será entendida essa mesma cultura. Como exemplo partilhemos da perspectiva enunciada por Giddens43, quando nos fala dos valores culturais dos !Kung44.

Os !Kung são uma pequena comunidade (30/40 pessoas) que habitam nas

proximidades de poços de água. Dada a escassez de alimentos os homens desta

41 - COELHO, (2009) : 2 42 - GIDDENS, (2000) : 112 43 - IDEM : 113 44 - Também conhecidos por Bosquíames, vivem do deserto do Kalahari, entre o Botswana a Namíbia e a África do Sul, o ponto de exclamação antes do nome é referente a um estalido que é emitido antes do nome ser pronunciado.

36


comunidade passam largos períodos do dia fora do acampamento em busca de alimento. Partem por vezes sozinhos ou em pequenos grupos de 3 elementos o que faz com que poucas vezes mantenham contacto com outras realidades (não existindo sequer no seu vocabulário uma definição para «estrangeiro»). Nesta pequena comunidade os momentos em conjunto resumem-se à oportunidade criada pela estação das chuvas, uma vez que torna mais fácil encontrar alimentos, e nessa altura a comunidade dedica-se á preparação das actividades rituais e cerimoniais. No seio dos !Kung a vida social faz-se em conjunto, existe pouca ou quase nenhuma privacidade, habitando os espaços ao ar livre e as “actividades são expostas ao olhar publico”, a noção de limite físico das diferentes áreas tão comum na nossa cultura, para eles não existe.

O exemplo dos !Kung serve para explicar que a actividades sociais e a relação

com a arquitectura dos espaços está directamente relacionada com os valores culturais e comunitários. “O espaço arquitectónico exprime, e traduz, na sua estrutura as figuras históricas particulares do poder e da ideologia”45. O homem ajusta as necessidades físicas dos espaços às suas próprias necessidades, e no caso acima referido a simples demarcação do espaço para dormir não tem relevância. Este padrão cultural seria praticamente impossível na cultura ocidental, não que sejam menos homens, ou que tenhamos mais dignidade mas porque nós somos produto da cultura em que nascemos e somos educados46.

Cada um de nós cresceu e foi educado segundo padrões culturais predefini-

dos e uniformes dentro da mesma comunidade, mas desde cedo o Homem partiu à descoberta de novas culturas. Estas novas culturas transmitiram Costumes diferentes aos quais seriam estranhos, ou seja, tal como Nuno Portas refere a “globalização não é um factor novo, o que é novo é a aceleração”, e essa realidade emergente do século XX é transposta com maior veemência para o século XXI. Munido de um conjunto de avanços, científicos e tecnológicos, o Homem do século XX adensou ainda mais este processo de permuta intercultural. (Figura 5) De tal forma que é comum nos dias de hoje sermos “invadidos” por informação que atravessa continentes e chega em tempo real. Este fenómeno permite uma grande proximidade com outros povos numa realidade em que a cultura se relaciona directamente com os estudos e siste-

45 - FREITAG, (1992) : 19 46 - GIDDENS (2000) :113

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mas de comunicação e trabalha directamente com audiências47.

Quem é esta audiência? De que forma se assegurará a transmissão destes

valores sem que no entanto informação chegue de forma incompleta ou difusa?

A permuta dos valores culturais e de informação afigura-se duplamente sim-

ples e complexa. Simples se esta for realizada dentro da mesma cultura, sabendo no entanto que as culturas acabam por dar origem a subculturas, uma vez que os padrões culturais acabam por ser mais uniformes e os significados e signos abrangem um maior número de tribos. Esta troca torna-se mais complexa quando efectuada entre culturas distintas, com valores e costumes opostos. O valor significante da informação (seja ela difundida pelos meios electrónicos, pela educação ou urbanização) necessitará de um enquadramento para assim ser possível compreender o contexto em que se insere. Os media assumiram um papel fundamental na difusão das diferentes realidades culturais pela velocidade com que pudemos ter acesso à informação. Nos dias que correm o Homem tem plena consciência do papel que ocupa na sociedade, a sociedade de informação, e do papel que os outros ocupam num sistema que se pretende equilibrado. Esta referência ao papel do indivíduo num sistema interactivo e dinâmico leva-nos a falar da importância da afirmação da Identidade. Partilhando a perspectiva de Manuel Castells48 que afirma que “a identidade é a fonte de significado e experiência de um povo, relacionando com os actores sociais, a identidade é o processo de construção do significado com base num atributo social”. As culturas fortes são aquelas com a estrutura social claramente definida uma vez que assim construirá um significado sustentado, e uma identidade perfeitamente legível. Normalmente estas sociedades, ou padrões culturais são formados por um conjunto de organizações/instituições cujas normas levam à criação de papéis, “as identidades organização os significados enquanto os papéis organizam as funções”49, esta afirmação aplica-se até às comunidades mais primitivas, uma vez que na estrutura social cada um desempenha o seu papel, de acordo com o que os valores culturais dessa comunidade lhe permitem e solicitam a desempenhar.

O papel social do arquitecto passa por, entendidos que estão os valores de

cada cultura (ou o valor identitário do símbolo, ou marca) que se pretende difundir, conferir ao desenho os elementos que possibilitem que este venha a suster as activi-

47 - ALVARES e SILVEIRINHA, (2009) : 1 48 - CASTELLS, (2003) 49 - IBIDEM

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FIGURA 5 - Ser Global. 39


dades para as quais foi previamente idealizado, ou ser capaz de dar espaço a que o normal funcionamento das sociedades se encarregue de reconfigurar, de forma natural.

Neste caso a cultura associa-se mais ao discurso conceptual e menos à di-

mensão formal e tectónica, mas como poderemos ver mais adiante a cultura e os seus símbolos podem ser pressupostos para que a arquitectura apareça.

Voltando agora à importância que a identidade assume em cada sociedade

e ainda partilhando da opinião de Manuel Castells, sabemos que “qualquer identidade é construída”50. Este processo de construção da identidade é também dinâmico e multidisciplinar uma vez que das diferentes áreas do conhecimento virá a matériaprima que dará origem a cada identidade. Vendo esta perspectiva de como as identidades têm origem podemos pressupor o motivo pelo qual dentro de padrões culturais mais próximos e transversais existem demasiados conflitos e interesses opostos. Esta realidade verifica-se uma vez que o conhecimento que advém das diversas áreas será processado pelos indivíduos e grupos sociais e o seu significado reorganizado tendo como base os “projectos culturais enraizados nas diferentes estruturas sociais, bem como na sua visão de espaço/tempo”51. Se até agora estivemos a analisar o fenómeno cultural como caracterizador das diversas sociedades e de como podem ser identificados, devemos também perceber os reais campos de aplicação e como se processam as trocas inter-culturais sem que isso leve à perda de identidade dos diferentes povos.

A cultura é o resultado das diferentes manifestações humanas52, ou seja tere-

mos tantas manifestações quantas culturas mas sabemos ainda que diferentes culturas possuem inúmeras subculturas. Quais são as diferentes manifestações culturais e de que forma as poderemos conhecer? Desde sempre o Homem necessitou de criar símbolos (edifícios, arte, tradições) que permitissem a afirmação das suas crenças bem como a transposição para outras culturas e entre gerações. Estas manifestações podem ser de resistência, inéditas, emergentes, de protesto, de inovação53 e de glorificação. São o conjunto destas manifestações que constituem o património cultural de cada sociedade, ou como sugere Boaventura de Sousa Santos, “no diálogo inter-cultural a troca não é apenas entre diferentes saberes, mas também entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de culturas diferentes”, todos eles com

50 - CASTELLS, (2003) 51 - IBIDEM 52 - COELHO, (2009) : 1 53 - IBIDEM

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uma dimensão demasiado complexa e extensa, estes universos constituem os topos culturais,54 através dos quais poderemos efectuar o intercâmbio cultural. Com isto o que podemos extrair é que num mundo com imensas diferenças e com uma crescente globalização da cultura a análise de outras culturas deve ser feita com base da incompletude inerente a cada topo cultural, uma vez que, como já foi referido, o nosso padrão de referência está na nossa própria cultura, devemos entender quais os padrões culturais em presença. Neste sentido, tendo por base o diálogo intercultural, e como forma de transpor as incompletudes dos diversos topos culturais, Boaventura Sousa Santos introduz o conceito de hermenêutica diatópica que “permite a análise através dos diferentes pólos culturais em confronto”. “ O reconhecimento das incompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural. A hermenêutica diatópica desenvolve-se tanto na identificação local como na inteligibilidade translocal das incompletudes”55.

Esta perspectiva numa época de grande cruzamento de informação, em que

somos invadidos por outras culturas ao mesmo tempo que procurámos transpor a nossa própria, é fundamental entender que o “diálogo intercultural só será possível através da simultaneidade temporária de duas ou mais contemporaneidades diferentes”56. Tal como o autor refere nós apenas somos “superficialmente contemporâneos”, uma vez que o nosso referencial se encontra na tradição histórica da nossa própria cultura.

Na era Global e com os padrões culturais em transformação e numa altura

em que os nossos costumes começam a ser construídos de acordo com os valores transportados de outras culturas, e com símbolos e marcas universais pensamos que a melhor forma de tornar a cultura verdadeiramente Global está na manutenção das versões inerentes a cada sociedade, “aquele que represente o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa mesma cultura”,57 só assim será possível um melhor e mais correcto reconhecimento por parte dos agentes culturais, pois o problema de tomarmos como nossas outras premissas culturais é que estas deixam de ser tidas como fundamentais e passam a ser elementares, logo o respeito e preservação da diferença deixa de existir e os próprios padrões que se querem universais são mal interpretados e a ideia de cultural Global esbate-se.

O fenómeno do lugar em arquitectura deveria reflectir a perspectiva de que é

54 - SANTOS, (2002) : nd 55 - IBIDEM 56 - IBIDEM 57 - IBIDEM

41


no lugar que estão os conceitos fundamentais para a concretização da ideia. O pensamento global permite a adopção de modelos, que não são mais que exemplos aplicados à realidade para a qual são pensados, depois deve entrar a capacidade de interpretação e síntese do arquitecto, bem como o incutir dos valores e costumes locais, para amarrar, a obra ao público e aos lugares.

Na construção dos símbolos (através da arquitectura) devemos perceber que

o valor da sua comunicação está na garantia de que os signos e o seu significado se enquadram no padrão cultural-alvo, uma vez que integração de um elemento estranho aos valores locais estará sujeita à interpretação e esta pode limitar o objecto à efeméride, e actualmente encontramo-nos, cada vez mais, “imersos na condição efémera do imediato”58. 3.1.2 – Símbolos culturais, especificidade cultural na construção dos lugares

A relação entre Cultura/Homem/Arquitectura abordado anteriormente visava

a explicitação dos moldes em que esta se processa bem como o enquadramento de alguns elementos que definem cultura permitem o seu entendimento.

A arquitectura é mais um elemento que permite perpetuar as culturas, ou sim-

plesmente aproveitar a condição efémera dos acontecimentos para a sua manifestação, alargando o âmbito do estudo.

O Homem é o elemento comum. Como havíamos referido, ele é o emissor e

o receptor das manifestações culturais, e da arquitectura em particular. Sem a sua interacção nos meios onde se integra a transmissão dos padrões culturais não teria sentido, nem a própria cultura existiria.

No processo de autognose a construção de símbolos surge como forma de

dar sentido a algumas manifestações do inconsciente. Os símbolos são referências, mecanismos de afirmação, reflectem contextos à memória dos lugares, servem para reunificação de uma sociedade.

Se encetarmos a análise pela perspectiva de Jung sabemos que os símbolos

são imagens produzidas pelo nosso inconsciente e analogicamente com aquilo que os símbolos foram e são na manifestação das sociedades, estes sugerem a relação com o desejo de afirmar algo que nos transponha. A relevância de cada símbolo dependerá sempre da dimensão da sociedade que o promove. Colocando o Homem na perspectiva de receptor, os símbolos são processos de descoberta, identificação, estes “vinculam os valores de uma cultura, mas a sua formalização nos lugares possi58 - KALDIS (2007) : 69

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bilita as múltiplas interpretações sensitivas dos espaços”59.

De acordo com o referido anteriormente a análise intercultural irá procurar

compreender os significados, ora cada símbolo terá associado um significado, daí que a utilização dos símbolos de outras culturas possa reduzir a sua própria expressão.

Para melhor compreensão da importância dos símbolos na construção dos

lugares, na materialização da arquitectura procuremos descrever algumas situações ocorridas ao longo dos tempos tendo mais recentemente aumentado o intercâmbio.

Neste âmbito sabendo que os símbolos poderão originar marcas, veremos de

que forma a arquitectura irá ser o veículo que sustentará a construção das marcas, a manifestar os símbolos e qual o uso que lhes é dado quando estes se tornam inputs à dimensão conceptual na construção dos programas e no desenho dos objectos.

Comecemos por tentar perceber quando a arquitectura começa a dar res-

posta à necessidade de expressar o desejo do inconsciente do Homem e converter os valores culturais em símbolos, e os programas poderão então transformar-se em símbolos.

Desde que existe a humanidade que recorremos estes ideais (símbolos) como

resposta para a dimensão espiritual dos acontecimentos ou como forma de reconhecimento, tributo, a Deus, deuses, o elemento metafísico. Os monumentos são marcas do Homem, serviram ao longo dos tempos para que fosse possível demonstrar as suas crenças e prestar os seus tributos. É com este sentido que eles se convertem em símbolos de cada sociedade e memória dos tempos para as gerações vindouras. A força e vitalidade dos monumentos reside na resposta dada pela mobilização colectiva, um vez que reúne um número alargado de pessoas, o reconhecimento colectivo e o uso converte-os, então, em símbolos.

A força dos símbolos reside na importância que estes têm para cada uma

das culturas, e o significado e signos que albergam em função de cada uma delas. A arquitectura foi ao longo dos tempos um mecanismo forte de manifestação e tributos das diversas culturas, dando origem às trocas culturais, uma vez que eram importados modelos e autores para as criações locais em função das originais. “De facto, se a arquitectura não se tivesse considerado a si própria como arte nunca teria progredido em significado simbólico e em representatividade social (…) nunca teria procurado valores eternos”60.

Os Romanos iniciaram o processo de conquista e deixaram espalhada a sua

marca, através da força do Império e com a necessidade de tornar a linguagem 59 - JUNG, (1964) : nd 60 - GADANHO, (2007): 26

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uniforme (costumes, moeda, construções). Um pouco por todo o lado ainda restam exemplares das suas construções, uma ponte, uma igreja, ou seja, referências e símbolos que vinculam um tempo e uma cultura.

O Renascimento marca claramente uma nova etapa na linha de pensamento

do Homem, a produção arquitectónica adquire novos contornos com a construção de inúmeras catedrais e outros tantos edifícios de expressão colectiva. Estes exemplares chegam até aos nossos dias e contam a forma de estar e de pensar daquele povo. Temos a manifestação do colectivo como força maior, grandes praças nascem (S. Pedro, no Vaticano e S. Marcos, em Veneza, Figura 6) e revelam o novo posicionamento social do Homem.

Avançando no tempo e olhando para a realidade portuguesa, analisemos a

arquitectura do Estado Novo. O país entrara num regime autoritário e a arquitectura surge como um meio para que o Estado incutisse as suas posições. A construção dos edifícios do Estado, ligados ao poder local e à institucionalização do poder. Com edifícios funcionais, transmitindo um elevado rigor e controle no desenho e na construção. Foram símbolos e meios para expressar uma forma de estar e de pensar.

Nos dias de hoje os monumentos não se revelam tão importantes, uma vez

que os arquitectos estão mais interessados em resolver a pequena escala, não de forma isolada claro, mas que revelam a necessidade do Homem em estar associado ao desenvolvimento tecnológico e à nova concepção social dos Estados Democráticos.

A existência dos símbolos acaba por ser extremamente importante para a

difusão da História. Outro caso que pretendemos mostrar é o da intervenção do arquitecto Daniel Libeskind, descendente de sobreviventes do Holocausto, o arquitecto aproveita a oportunidade que lhe é dado na construção do Museu Judaico e através da manipulação do símbolo da cultura Judaica (a estrela de David)61 e da memória dos acontecimentos cria um objecto que apela aquilo que os símbolos almejam, experiência multissensorial, respondendo à formulação programática que solicitava a construção do Museu.

Os acontecimentos ocorridos durante a segunda guerra mundial marcaram o

mundo através das atrocidades cometidas sobre uma cultura. Apoiado no diapasão cultural o museu judaico é um tributo e um lugar de memória desses mesmos acontecimentos.

61 - A estrela de Davi, originalmente, era um símbolo do exército do Rei Davi, mais tarde seria adoptada como símbolo de todos os Judeus, e os Nazis durante o Holocausto teriam obrigado os Judeus a terem o símbolo estampados.

44


FIGURA 6 - S. Marcos, Veneza e S. Pedro, Vaticano.

45


Apesar do desconstrutivismo associado à obra de Libeskind, e seguindo a pers-

pectiva de Sílvia Toledo Gomes,62 as aberturas formais na estrutura do edifício, esguias, cruzadas e aparentemente gratuitas, surgem da quebra, do “estilhaçar”, da cruz de David. Neste ponto a interpretação remete-nos ainda mais para a realidade adversa vivida pelo povo judeu durante o Holocausto. O quebrar da cruz traduz a revolta contra esses mesmos acontecimentos de forma simbólica uma vez que se trata de uma concretização formal (tectónica). No interior a luz penetra de forma ligeira, pontual e contínua, pela estreita espessura, simbolicamente como uma ferida em toda a estrutura, que podemos também associar à tenuidade da luz dos vagões que transportavam os judeus para os campos de concentração. A implantação, em forma de «zigue-zague» resulta em espaços estreitos e escuros, que retiram a possibilidade de escolha nos percursos, limitando-nos a seguir na expectativa do próximo acontecimento, ou espaço. A manipulação deste elemento cultural acaba por traduzir a capacidade que a arquitectura tem em criar no utilizador sentimentos que outrora marcaram as culturas, de fazer perdurar a memória reprimida pelos anseios de outros povos.

Os símbolos podem ser culturais ou corporativos, passando neste caso a ser

marcas, marcas essas que representam o papel funcional e definição espacial, uma vez que estas estarão intimamente ligadas à função associada. O museu judaico através da manipulação de um acontecimento torna-se num edifício cuja função é preconizar a memória dos judeus. (Figura 7) Voltemos então á perspectiva de Wittgenstein63 quando nos diz que a “arquitectura imortalização e glorifica algo. Por conseguinte onde nada há para glorificar, não pode haver arquitectura”, a parte final desta afirmação é algo imprecisa, embora seja pertinente, uma vez que revela a capacidade da arquitectura em glorificar um acontecimento, mas o seu real propósito está na criação de espaços tributo que apenas visam a memória ou comunicação de costumes e valores culturais.

Anteriormente, quando falávamos da manifestação da cultura nas socieda-

des referíamos o valor identitário da definição dos papéis e dos usos, e funções, que lhe seriam inerentes, a produção específica dos programas. Ora cada cultura deveria ser capaz de afirmar as suas práticas para que quando se confrontem com práticas de outras sociedades exista uma plataforma para as trocas culturais (hermenêutica diatópica).

62 - GOMES (2007) : nd 63 - WITTGENSTEIN, (sem data) : nd

46


FIGURA 7 - Tributos à memória. 47


“A arquitectura que ocorre hoje em dia não é uma espécie de instrumento da

mudança, mas simplesmente parte do processo da mudança”64 quando comparada às invenções do último século que permitiram um acelerar definitivo neste intercâmbio cultural na convicção de que os espaços são cada vez mais efémeros, dada a velocidade com que se vive e consome os lugares (flexibilidade programática). O tipo de consumo que se verifica decorre da influência simbólica e faz a junção entre a perspectiva cultural com a lógica economicista dos dias que correm.

Transpondo a perspectiva de Koolhaas podemos concluir que “a cultura de-

verá sucumbir à pressão da sociedade de consumo ou será pertinente que se crie a verdadeira dimensão cultural dos lugares, através dos símbolos, para assim reproduzir esses valores”65.

Parece-nos interessante falar do binómio símbolo/marca para perceber quais

as relações entre ambos mas acima de tudo qual a diferença na transposição para a arquitectura. Símbolo e marca revelam a capacidade inerente para a internacionalização, a diferença entre ambos reside no posicionamento face ao contexto actual da sociedade de consumo, e ao significado de cada um deles.

O carácter mais abrangente e independente dos símbolos revela-se capaz de

afirmar os padrões culturais das diferentes sociedades e permite a partilha de valores sem que para a sua subsistência necessite da adesão em massa ou do consumo permanente, necessita sim da aceitação e do reconhecimento. No sentido oposto encontramos o posicionamento das marcas. As marcas revelam em si algum tipo de padrão cultural, na medida em que mesmo procurando a adesão de um público generalizado, o perfil do utilizador/consumidor procura conforto nos objectivos da marca. Apoiados na prática de Koolhaas, o autor revela-nos o desafio lançado pela Prada para a criação da nova identidade da marca, a nova imagem da Prada. O curioso nesta explicação é que a marca não procurou criar uma identidade permanente, mas sim uma ideia que possibilita-se a mutação e adaptação ao ritmo frenético da mudança. “Decidimos trabalhar no mundo da moda sem nunca mostrar elementos de moda. Logo, aquilo que publicitámos é atenção e expectativa, mas não de moda (…) portanto qualquer anúncio da Prada é uma espécie de aparição fantasmagórica de uma ideia de beleza que nunca é especificada”66, em busca de uma adaptação à variedade cultural do seu público-alvo. Aqui reside, de facto,

64- KOOLHAAS, (2002): 168 65 - IDEM : 170 66 - KOOLHAAS, (2002) : 170

48


a diferença entre o símbolo e a marca, no limite entre o contemplar e o consumir/ adquirir, pese embora o facto de os símbolos se poderem tornar marcas culturais comercializáveis.

Na nossa opinião a arquitectura deverá tomar parte dos símbolos para con-

solidar as propostas e entender a dimensão dos lugares, e servir-se das marcas para investigar campos que serão comparativamente mais fugazes. 3.1.3 – A afirmação da cultura através da arquitectura

As linhas anteriores desta reflexão procuraram fazer o enquadramento da cul-

tura, no geral, e dos símbolos, em particular, como estrutura fundamental para a produção arquitectónica.

Vimos que cada cultura possui símbolos que lhe são próprios e caracteriza-

dores e que a percepção e condição dos espaços é variável em função dos seus padrões de referência.

A arquitectura reflecte a vontade do Homem em dar forma aos seus anseios e

necessidades, abrigo e espaço público, onde a vida social encontra o seu esplendor máximo. O fundamental nesta fase é procurar demonstrar de que forma a cultura encontra solução no objecto arquitectónico ou como a arquitectura representa a cultura a que pertence. É então que emerge o factor identificação e reconhecimento, o sentido de pertença que é inerente na utilização dos espaços.

A comunicação da arquitectura ocorre da mesma forma que a comunica-

ção verbal define os diálogos entre as pessoas, embora neste caso com uma comunicação visual. Cada lugar terá os seus códigos linguísticos e a arquitectura encontrará a sustentação necessária para ocupar o seu tempo/espaço.

“Um objecto arquitectónico é percebido como tal não porque tenha um de-

terminado significado inerente o que é natural, mas porque o sentido que lhe foi atribuído é fruto de uma convenção natural”67. Ainda de acordo com esta analogia não se pretende que analise ao objecto arquitectónico seja feita da mesma forma que a análise à linguagem gramatical, uma vez que existe “uma importante diferença entre a arquitectura e a linguagem – o aspecto criativo da arquitectura. Na linguagem, o indivíduo pode usar, mas não modificar o sistema de linguagem. O arquitecto, ao

67 - AGREST e GANDELSONAS, (1973) : 136

49


contrário, pode e faz modificações no sistema”68 reforçando a ideia de que arquitectura “incute temporalidade nos espaços”, cada lugar terá o seu tempo.

A leitura que se deve e que se pode fazer das produções arquitectónica não

devem incidir somente na estrutura compositiva, uma vez que o que marcará determinada produção será o contexto em que esta acontece, e quais as circunstâncias favoráveis a dada manifestação. Para percebermos a correlação entre cultura e produção recuemos um pouco à altura em que afirmamos o ritmo cada vez mais acelerado da alteração de combinações sociais. Os espaços por onde deambulamos não são capazes de aguentar as mutações sociais, por sua vez não só os espaços que estão a mudar, as técnicas e materiais69 são também eles diferentes, incorporados na cultura global e no acesso global à informação.

Ora se a estrutura social nos conduz à condição efémera dos acontecimentos,

as áreas do conhecimento (da qual a arquitectura faz parte) deve dotar-se de mecanismos que permitam compreender e dar reposta a esta mutação cultural (multidisciplinaridade).

Na génese da mudança está a transformação das estruturas de classes. Com

a industrialização e o crescimento da classe burguesa, o aceso aos edifícios e à preocupação dos arquitectos no planeamento deixa de interessar somente a construção dos monumentos e passa a ser importante a pequena escala, conferindo uma dimensão mais abrangente, logo menos elitista.

Se a maioria dos espaços tem agora um púbico ainda mais vasto, e cultural-

mente diversificado a arquitectura deverá interagir com este meio e deverá comunicar os valores para que alcance todos e ao mesmo tempo deixe que todos participem nela.

Segundo Herman Czech, “a vida quotidiana deve ser capaz de se introme-

ter na arquitectura de qualidade autónoma, que afinal é aquilo que a arquitectura deve ser capaz de acomodar, mantendo a força dos seus conceitos iniciais”70, esta afirmação reflecte o papel interactivo da arquitectura e a sociedade, preservando (tal como nas trocas culturais) o seu ponto mais forte mas que ao mesmo tempo possibilite a comparação com outras realidades.

Numa entrevista dada por Niemeyer, o arquitecto brasileiro referia o posicio-

namento da arquitectura brasileira, manifesta do estilo internacional, no Brasil como

68 - AGREST e GANDELSONAS, (1973) : 138 69 - KOOLHAAS, (2002), : 167 70 - CZECH, (2002) : 120

50


se esta arquitectura fosse livre, sustentava a sua posição através do posicionamento da história da arquitectura no Brasil. Ao contrário dos povos colonizadores, cujo vasto património arquitectónico, resultado de vários anos e muitos estilos e correntes marcaram, e marcam, a arquitectura, no Brasil era livre. As suas referências eram as paisagens, as pessoas apoiados naquilo que a técnica permitiria executar. Assim este Brasil livre é palco de intervenções de larga escala com a possibilidade de experimentação de alguns conceitos que inquietavam, então, o panorama arquitectónico. Brasília, o caso prático das utopias, onde uma cidade é construída de raiz para se tornar a nova capital do país, uma cidade em que o Homem e a máquina ocupam um território pensado para a sua coexistência. Aqui o contributo da arquitectura assenta na criação da própria identidade, na afirmação de uma cultura.

Se nos mantivermos a analisar sob o ponto de vista dos povos que foram co-

lonizados, no caso do Brasil em concreto, e da atitude da arquitectura que procura intervir num ambiente cultural, ouso referir Domingos Tavares a propósito da obra do Aleijadinho71: “a concepção do espaço interno na obra do aleijadinho é mais determinada pela sensibilidade pessoal com que retoca os esquemas que lhe são fornecidos pelas formas de evolução local”. O resultado desta linha de pensamento será a produção “eficaz uma vez que os valores em circulação nos lugares são contemplados e o uso da cultura artística garantida”72.

Percorremos agora um caminho que nos levará a reflectir sobre a incorpora-

ção dos valores culturais na produção dos espaços.

Se no inicio abordávamos a cultura e identidade como elementos caracteri-

zadores dos lugares, pois cada lugar terá os seus lugares e a arquitectura a responsabilidade de dar sentido e forma aos diferentes programas e respectivas funções: “um jardineiro, no seu jardim, tem, ao lado das rosas, o estrume, o lixo e a palha, mas o que os distingue não é apenas o seu valor, é sobretudo a sua função no jardim”73, vejamos então a influência da cultura na concepção e construção dos espaços.

A priori tudo terá a ver directamente com a atitude crítica das audiências (até

mesmo a obra anónima, de carácter iminentemente privado, está inserida numa complexa rede de peças /objectos construídos). A atitude das audiências, do público-alvo, da comunidade, traduzirá a adesão à obra, desde que esta seja capaz de

71 - António Francisco de Lisboa, conhecido como o aleijadinho, mestre-carpim, que se aventurou por terras brasileiras durante a colonização portuguesa e lá executou a sua prática profissional. 72 - TAVARES (2006) : nd 73 - WITTGENSTEIN, A propósito de uma afirmação de Nietzsche.

51


pertencer àquele lugar. A premissa do lugar é assim importante pois definirá quais as opções para a tomada de decisão por parte do arquitecto.

Ao analisar a diferentes culturas percebemos que a construção dos lugares é

resultado dos objectivos e ansiedades, bem como da apropriação, tidas em cada sociedade, num tempo especifico. Tudo começa pela definição do espaço pessoal, “na cultura Ocidental a maior arte das vezes as pessoas mantêm uma distância de pelo menos um metro quando se envolvem em interacção focada com outras pessoas” este estudo de Giddens apoiado na perspectiva de Edward Hall, define o funcionamento da comunicação/interação em sociedade, onde a preservação das distâncias revela o grau de intimidade que existe74.

Hall divide as zonas do espaço privado em 4, decorrendo estas do tipo de fun-

ção que cada ser social desempenha.

A distância íntima. Implica um elevado grau de proximidade, em que existe a

possibilidade de contacto físico (as relações de parentesco são reflexo deste tipo) vai até cerca de meio metro.

A distância pessoal. O contacto é limitado, remete-nos para pessoas com al-

gum grau de proximidade (entre amigos) e varia entre o meio metro e o metro e meio.

A distância social. É tida em conta para contactos formais, varia entre o metro

e meio e os três metros, permite um certo grau de mobilidade e segurança.

A distância pública, vai para além dos três metros é reservada para aqueles

que “actuam perante as assistências”.

A arquitectura vive da definição destes espaços, uma vez que a interacção

social e o confronto entre as pessoas é inevitável, e a resposta é dada através do desenho dos espaços. Ou seja, projectar para uma cultura ocidental ou para uma cultura oriental revela-se um exercício interessante de clarificação dos territórios a percorrer por cada indivíduo, e o resultado será tão heterogéneo quanto os padrões culturais e o objectivo final do projecto. De realçar da mesma forma a relação entre as culturas e os materiais uma vez que estará contemplado em todo o processo de decisão e ser veiculo para a apropriação, e demarcação dos espaços arquitectónicos.

Diferentes edifícios terão espaços em que a interacção social é feita de forma

distinta, a isto Giddens chama de regionalização, pela forma como a vida social se

74 - GIDDENS, (2000) : 110

52


FIGURA 8 - O objecto arquitect贸nico como s铆mbolo cultural. 53


divide em zonas, no tempo e no espaço.

Mas então é possível sistematizar o tipo de audiência arquitectónica? Ou o

padrão cultural em que se poderá inserir?

O acesso à arquitectura é, como foi referido anteriormente, livre, a arte está

hoje cada vez mais ao alcance de todos através dos museus e das produções e instalações (artísticas), quer em edifícios púbicos, quer no próprio espaço público, o importante é definir o contexto em que está inserido, para que não existam desvios excessivos na interpretação e apropriação. Esse é um risco que decorrera da importação de modelos e resoluções de outros lugares. No entanto a arquitectura passará por um processo de aceitação até se poder tornar um símbolo de uma cultura.

Para concluir este raciocínio fiquemos com a imagem da Casa da Musica no

Porto, do arquitecto holandês Rem Koolhaas e do Guggenheim Bilbao, do arquitecto norte-americano, Frank Gehry. (Figura 8) Ambas as construções são actualmente símbolos destas duas cidades, são o manifesto da afirmação da heterogeneidade cultural cultura ocidental. Objectos soltos do contexto ou não, o que é certo e que para além de serem já símbolos marcam também a nova cultura (arquitectónica e não só) emergente em ambas cidades. A arquitectura aqui toma parte dos símbolos culturais global para criação de uma peça que acaba ela por se tornar veementemente num símbolo cultural local.

A arquitectura não é um acto isolado, fruto da criatividade dos seus actores,

é sim produto de um sistema complexo de manifestações e vontades que traduzem a realidade dum momento, num determinado tempo. Entender a arquitectura como mecanismo da expressão cultural dos lugares revela a essência do que a disciplina procura, criar o suporte de vida das actividades dos indivíduos.

A identidade de um objecto arquitectónico é resultado, tal como a identida-

de dos edifícios, do passado e do presente do meio em que se insere, mesmo que esse meio seja fruto, actualmente, da sociedade global da informação. É nos critérios da identidade, como vimos, que a maioria dos papéis se sustenta para realizar as tarefas que, esse contexto lhes atribui. A análise das diferentes culturas não pode assim ser feita sem que a priori se defina quais os limites para a sua concretização. Trata-se de um elemento fundamental para a correcta avaliação dos elementos culturais exteriores aos nossos, para que possamos aí sim manifestar o nosso posicionamento face às culturas com as quais nos confrontos, já que nos nossos tempos o confronto é inevitável uma vez que a informação é cada vez mais e segundo múltiplas fontes.

A percepção das identidades que nos circundam e o seu reconhecimento é

então um passo importante para o reconhecimento dos símbolos que caracterizam

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cada cultura, pois estes como vimos, hoje em dia, mas também ao longo dos tempos, foram a expressão das vontades e crenças de determinadas culturas, são memória dos acontecimentos. E aqui a arquitectura tem dado um especial contributo na gestão destes símbolos, na incorporação da factualidade da sua existência para comunicar. A incorporação dos símbolos levará a arquitectura a essência da realidade das experiências, a experiencia multissensorial.

A incorporação da realidade cultural na produção arquitectónica pode assim

apoiar-se no simbolismo, quando a arquitectura é ela própria símbolo, ou de outra forma quando a arquitectura é apenas o veiculo que permite a difusão dos símbolos, uma vez mais Globais ou locais. Um dado é certo, a condição efémera é realidade da sociedade actual mas isso não implica que se uniformizem os valores, nem que a arquitectura venha a sucumbir à pressão da sociedade de consumo. Esta deverá sim perceber a velocidade das transformações que ocorrem dar resposta para que o reconhecimento, e uso, tenham lugar de forma continua, e para que esta realidade não nos leve a perda de identidade própria ou cultural, constituição da flexibilidade programática.

A relação entre CULTURA/HOMEM/ARQUITECTURA foi e será uma realidade

desde que entendamos que a difusão necessita de um emissor de um receptor, o Homem que encontrará na Cultura os padrões de avaliação e os programas necessários e na arquitectura a concretização de espaços que manifestem a sua identidade.

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3.2 – Apropriação, entre o desejo a percepção e o uso

A análise arquitectónica da definição e manifestação do programa implica a

definição daqueles que serão os seus constituintes enquanto fenómeno meramente conceptual. Se numa primeira fase analisamos a dimensão cultural, ou seja, o sentido mais global da definição do pensamento procurámos agora analisar a influência mais particular como é o caso da apropriação, embora directamente relacionada com a variável cultural, traduz-se num fenómeno inerente a cada indivíduo. A apropriação resulta da necessidade que cada indivíduo tem em procurar uma identificação com os objectos. “Apropriamo-nos porque usamos, mas usamos aquilo que é susceptível de apropriação, tanto ao nível físico como ao nível cultural e evocativo”75.

É desta forma que pretendemos reflectir sobre o contributo da apropriação

vista como um processo psicológico uma vez que irá intervir nas emoções, ambições e expectativas bem como as respectivas resultantes da utilização dos espaços, e como complemento a reflexão acerca dos padrões culturais, uma vez que nós somos produto do meio em que nos inserimos.

A apropriação é um processo dinâmico, o referencial altera-se com a mesma

velocidade com que ocorrem as alterações na estrutura envolvente e na necessidade que é exigida a cada objecto ou espaço.

Admitamos a definição que é atribuída à apropriação como “processo de re-

criação que envolve a intervenção física num determinado ambiente”76 e sabendo que ambiente, no âmbito da psicologia ambiental, surge como “uma organização sistémica e complexa de espaço, tempo, comunicação e significado, que ocorrem em simultâneo”, tal como referimos anteriormente a velocidade das mutações na sociedade e a identidade global que cada vez mais é uma realidade fará com que a apropriação e identificação de um determinado programa e consequente objecto seja diferente entre os sujeitos e que os mesmos tenham em ocasiões distintas diferentes significações para o mesmo sujeito.

75 - COELHO (2009) 76 - MUGA, (2005): 23

56


3.2.1 – A construção mental dos lugares

Estudar as manifestações arquitectónicas através da psicologia (e de outras

área dos conhecimento) revela-se como um factor importante para a melhor compreensão dos fenómenos associados à definição dos usos e para uma melhor escolha dos mecanismos metodológicos necessários a estruturação do pensamento conceptual, e às consequentes produções.

Num primeiro momento e ao estudar os comportamentos das sociedades per-

cebemos que a arquitectura é primeiramente manifestação resultante das vontades de cada sociedade, afirmando uma identidade própria ou na busca de identidade, cujos códigos e valores sejam mais facilmente compreendidos por uma leque mais abrangente de padrões culturais distintos.

Mesmo sabendo que cada cultura será portadora dos seus próprios padrões

culturais, cada indivíduo agirá e interpretará de acordo com aquilo que são os seus anseios e conhecimentos. Ora a análise tem sido feita da macro para a micro escala das actividades. A actividade em sociedade e a actividade interior do indivíduo e o seu confronto com o espaço arquitectónico.

Nos últimos anos temos assistido à crescente necessidade em caracterizar as

relações dos indivíduos com a realidade construída, o entendimento dos fenómenos desencadeados pelos edifícios, e subsequentes espaços irá determinar o sucesso ou insucesso do edifício do ponto de vista da apropriação e uso.

Ao analisar os símbolos e a sua importância, referimos que estes seriam resulta-

do da manifestação das imagens produzidas no nosso inconsciente. O nosso inconsciente reproduz imagens que procurámos contextualizar, bem como confrontar a realidade das experiências com a memória dos objectos.

Pretendemos então reflectir sobre a capacidade do Homem em construir men-

talmente imagens dos lugares. Através de experiências passadas vamos armazenando um conjunto de imagens e de ideias sobre determinados espaços. “Sintetizamos os estímulos sob a forma de conceitos, para assim poderem ser registados no cérebro, este registo dos elementos abstractos, permite a reactivação em futuras experiências”77. A construção mental dos espaços traduzir-se-á num conjunto de expectativas face à utilização, é um mecanismo que o Homem tem para se proteger face ao desconhecido que as novas experiências irão provocar. É a manifesta necessidade de adaptação ao meio ambiente arquitectónico que nos faz construir mentalmente as

77 - CONSIGLIERI, (2007)

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imagens dos espaços que utilizamos, ou pretendemos utilizar. Este processo de adaptação é sempre feito em função daquelas que são as nossas experiências passadas bem como o resultado da solução espacial que determinada função irá contemplar. (Figura 9)

O confronto entre os diferentes programas e os diferentes espaços será feito

em função da memória que nos é possível reter de uma dada experiência. Na construção mental que fazemos previamente dos lugares a memória assume um papel de equilíbrio entre as experiências vividas e às expectativas da futura utilização e apropriação. Aliás, a memória tem sido um input ao discurso conceptual e ao mesmo tempo um objectivo na prática profissional de alguns arquitectos, uma vez que a manipulação de alguns conteúdos do nosso psiquismo coloca-nos numa posição que poderá ser de maior identificação com os lugares.

No livro metáforas da Arquitectura Contemporânea, Victor Consiglieri cita

Herbert Read para expressar o carácter intuitivo da forma na arte, uma vez que o carácter dos indivíduos, mesmo que inseridos na mesma sociedade, é algo de particular, actua de acordo com as suas vontades e as suas memórias relativamente aos espaços. “A forma, ainda que possa ser analisada em termos intelectuais, tais como medida, equilíbrio, ritmo e harmonia é, na realidade, de origem intuitiva, não é, na prática real do artista, um produto de intelecto, trata-se de uma emoção dirigida e definida… actividade exclusivamente intuitiva”78.

Certo é que apenas algumas pessoas se encontram qualificadas para a práti-

ca da arquitectura, mas a capacidade de conceber mentalmente espaços e formas é atingível por qualquer um de nós, a vontade de expressar as nossas vontades e desejos acompanha o Homem nas suas mais ínfimas manifestações.

Todos nós crescemos neste complexo mundo repleto de significados e ao lon-

go do nosso processo de formação enquanto indivíduos fomos associando os mais diversos conceitos às imagens que mais os caracterizavam, todos nos lembramos de entrar na casa dos nossos avós, o cheiro dos tempos, o toque do puxador ornamentado e a madeira envernizada, ao fundo o cadeirão do avô, o aroma que invade a sala vindo da cozinha. Com esta descrição procuramos induzir a imersão das memórias que nos constroem e ao mesmo tempo nós construirmos esse espaço, seja ele real ou imaginário fruto das nossas vontades. Ou seja este é um processo incontornável, próprio da nossa condição humana, e que influencia de forma positiva na maioria das situações o momento da descoberta dos novos espaços arquitectónicos.

78 - IBIDEM 58


FIGURA 9 - A construção mental.

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3.2.2 – Sensibilidade e percepção A forma como percepcionamos o mundo é específica de cada indivíduo uma vez que incorporará mecanismo biológicos que são intrínsecos do seu “eu”. Não podemos considerar a existência de uma resposta universal para esta problemática uma vez que esta se encontra fortemente dependente do destinatário que a irá acolher. Sabemos sim que a manipulação dos factores associados à percepção fará com que a resposta se aproxime mais do utilizador, quer este seja local, através da incorporação de códigos que traduzam a realidade das necessidades específicas, ou do global, quando visamos algo transversal a uma identidade ideológica. Neste sentido pretendemos referir a importância deste fenómeno nas necessidades que cada grupo caracteriza. É mais um elemento que a atitude conceptual, e neste caso também a tectónica, da arquitectura nos possibilita manipular garantindo assim a apropriação por cada utilizador e a capacidade que existe de cada um de nós construir uma relação de afectividade ou de rejeição para com os espaços construídos. Ora o nosso contacto com o mundo real faz-se através dos nossos sentidos e da maneira como reagimos à estimulação sensorial é feita de acordo com os conteúdos fornecidos pela nossa memória, tal como vimos anteriormente.

Esta é a dimensão que nos permite de uma forma contínua e dinâmica ex-

plorar, seleccionar e interpretar79, os múltiplos estímulos provenientes do ambiente construído. Os estímulos são processos biológicos de contacto com o mundo real, é desta forma que tomamos conhecimento das formas, de forma isolada, e no complexo mundo das combinações que estas possibilitam, e a sua distinção depende da sensibilidade manifestada por cada um de nós. A crescente chegada de inputs sensoriais passará por um processo que podemos considerar mecânico de extracção de informação e preparação para a resposta80, a este chamamos de percepção, é um processo iminentemente cognitivo, pois a percepção implica um conhecimento prévio das matérias e materiais para assim podermos proceder à selecção e identificação de acordo com os diversos espaços com que nos confrontamos. Mais à frente iremos abordar de forma mais directa a importância que o espaço perceptivo poderá ocupar no fenómeno da apropriação.

79 - MUGA, (2005) : 27 80 - IBIDEM

60


Nesta fase pretendemos de forma sucinta referir os elementos sensoriais que

poderão influir na construção dos espaços, tendo em conta que à priori a apropriação se processa recorrendo à utilização de todos os sentidos, e estes de forma complementar entre si.

No entendimento do carácter programático em arquitectura é importante re-

flectir sobre os diversos sentidos para então podermos deixar os parâmetros em que os futuros usos se irão definir.

Procuraremos manter uma análise apoiada na relação entre a Arquitectura e

o Homem através da Psicologia e nesse sentido seguiremos a perspectiva que Henrique Muga nos deixa no seu livro acerca da importância dos sentidos na captação dos estímulos provenientes do meio.

Os receptores sensoriais não são apenas os cincos sentidos, uma vez que estes

não são os únicos a interferir na relação entre o Homem e o mundo físico. Existem outros tipos de receptores sensoriais, Muga refere três tipos: os exteroceptivos (visão, olfacto, tacto, gosta, audição), os cinestésicos (que nos informam sobre o movimento e equilíbrio do nosso corpo) e os cenestésicos (informação proveniente do interior do organismo), no entanto para a análise do ambiente arquitectónico apenas contemplamos os exteroceptivos e os cinestésicos pois estes garantem a compreensão do fenómeno do meio ao mesmo tempo que nos permitem actuar de acordo com as sensações que vamos tendo das diversas situações.

Um dos sentidos mais importantes para a percepção do mundo exterior é a vi-

são, através da visão conseguimos um elevado alcance dos diversos fenómenos que compõem o meio, permite uma maior abrangência e é o sentido que mais estímulos recebe e consequentemente maior número de informação transmite ao cérebro. No entanto o contacto com o meio envolvente não é directo mantém-se sempre relativa distância face aos objectos. Contudo revela-se extremamente sensível e a mais pequena variação de luz a incidir num objecto pode se traduzir em diferenças perceptivas relevantes, uma vez que os fenómenos implicam o processo cognitivo de reconhecimento dos conceitos.

Através da visão não é possível sentir a estrutura dos objectos nem a sua di-

mensão corpórea, bastando pequenas alterações de intensidade para que o contexto se altere, e a função seja também ela diferente. A manipulação da luz, da luminosidade é um mecanismo muito utilizado para a diferenciação dos espaços ou dos acontecimentos a decorrer nos espaços. Imaginemos uma sucessão de espaços que se pretende seja parte da concepção do edifício, essa sucessão implica a existência de actividades distintas e de espaços de transição, os tempos de estadia em cada espaço poderão ser manipulados através da intensidade de luz em cada 61


um dos lugares, a forma como nos apropriamos dos mais luminosos será diferente da forma como nos apropriamos dos espaços com menos luz, uns serão espaços de permanência, outros espaços de transição, tal como as diferentes actividades requerem uma acuidade visual específica.

A título de exemplo de como o contraste luminoso poderá alterar a percep-

ção que temos de determinados objectos é a Gioconda, obra pictórica de Leonardo da Vinci. O sorriso enigmático que esta obra possui, que aparece e desaparece, prende-se com este fenómeno visual, a visão central não permite que se veja o sorriso, enquanto que a visão periférica, sendo mais sensível ao contraste luz/sombra, faz aparecer o sorriso81.

A audição é outro dos sentidos que interferem na capacidade de compreen-

são dos lugares. Funciona como excelente complemento à visão e é fundamental para o balanço e equilíbrio corporal. Este sentido manifesta-se através do som, ou da sua ausência – silêncio. É conhecido o interesse da arquitectura na qualidade sonora dos edifícios bem como a manipulação de elementos (como arvores e vegetação) para a construção de barreiras sonoras. “A sensação auditiva é influenciada pelas características do meio de transmissão”82. E diferentes materiais possuem índices de transmissão sonora distintos que permitem estadias nos espaços repletos de experiências também distintas, é assumidamente um desafio para a arquitectura a criação de espaços cuja transmissão sonora seja feita da forma desejada.

Outro factor que resulta da manipulação do som é a criação de ritmos, uma

característica da música, a qual a arquitectura é capaz de utilizar para a caracterização de momentos distintos mas cuja percepção resulta do tipo de experiência auditiva.

“O som é indissociável do silêncio, se o escutarmos fala-nos e elucida-nos

constantemente acerca do estado dos lugares e dos seres, acerca da textura e da qualidade das situações que enfrentamos”83.(Louis Khan)

Ao falar em textura podemos então partir para a análise de outro sentido,

talvez aquele maior e mais eficazmente nos permite o contacto com o mundo físico, o tacto. É através do tacto que conhecemos as propriedades físicas dos objectos. A proporção, a geometria, bem como as capacidades plásticas dos materiais através das diversas texturas.

81 - MUGA, (2005) : 37 82 - IDEM : 47 83 - IDEM : 57

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A textura é um mecanismo diferenciador dos materiais e a sua conjugação

caracteriza espaços também eles distintos. O fenómeno da percepção reveste-se de propriedades únicas, tanto mais que a conjugação das texturas com as propriedades luminosas dos espaços aumenta ainda mais a intensidade dos lugares.

“O espaço táctil separa o observador dos objectos, o espaço visual separa

os objectos uns dos outros, é o sentido mais pessoal uma vez que implica contacto físico”84.

O olfacto e o gosto acabam por ser os sentidos que menos manifestações en-

contram na arquitectura. No entanto devemos referir que o olfacto traduz sensações que nos remontam para as propriedades funcionais dos espaços. O cheiro vinda da cozinha aquando da confecção doas refeições, ou o cheiro da lenha a queima vindo do agradável convívio da sala de estar. É o sentido que nos coloca em ligação com o ambiente. Para além de que alguns materiais produzem em nós sensações olfactivas passivas de se transformarem em factor de reconhecimento e apropriação. Analisamos até agora de que forma os inputs sensoriais podem surgir e como se manifestam através dos nossos receptores sensoriais, exteroceptivos, estes são responsáveis pela percepção directa e física da arquitectura em particular e do meio que nos envolve em geral, no entanto existe outro facto importante que poderá influenciar a apropriação dos diferentes espaços, estaremos então a partir de agora a falar dos receptores sensoriais cinestésicos, estes serão responsáveis pelo movimento e equilíbrio nos espaços, assim o controle desta variável na definição dos espaços terá a capacidade para manipular o sentimento, a percepção e as emoções, a simples alteração da escala na transição entre dois espaços distintos altera a dinâmica com que nos movimentamos e reposiciona-nos face ao lugar e ao espaço. Exemplo disto é o que, entre outros, Hitler ousou fazer, os emissários que o visitavam eram obrigados a percorrer “intermináveis corredores” pouco luminosos e quando finalizavam esse corredor e já na sala onde Hitler se encontrava, verificavam que uma nova e longa distância os separava daquele que era o objectivo da visita. Hitler fazia isto para que o indivíduo sentisse a dimensão do seu poder e para o desarmar psicologicamente face á imponência do espaço, uma vez que nos sentimos mais confortáveis quando psicologicamente nos é possível albergar toda a dimensão física dos espaços85. Abordemos agora uma dimensão do espaço que nos parece importante que é o Espaço Perceptivo. Podemos caracterizar o espaço perceptivo em duas dimensões

84 - MUGA, (2005) : 56 85 - IDEM : 58

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distintas, a dimensão física, aquela que diz respeito aos objectos, e a dimensão social, quando nos referimos às pessoas. Ou seja o espaço perceptivo pressupõe a experiência física resultante da utilização do espaço e a consequente orientação no ambiente.

“Numa perspectiva platónica e espontânea, o espaço é a mãe e o receptor

de todas as coisas, é um contentor, uma entidade vazia, capaz de ser enchida com coisas”86. Daí que a percepção que advém de cada lugar passa pela inter-relação criada pelos diversos objectos, no entanto devemos ter em conta que, de acordo com aquilo que definimos quando foi abordada a dimensão cultural, o contexto em que a actividade decorre é importante, cada processo conceptual será resultado de um tempo. O tempo traduz a especificidade das condicionantes envolvidas nos processos de apropriação.

Ainda segundo a perspectiva de Henrique Muga podemos dividir a percep-

ção do espaço em cinco conjuntos: ambientais, organísmicas, cinéticas, cognitivas e culturais. Estas dimensões perceptivas caracterizam a qualidade das relações individuais com os espaços e são explicadas em várias teorias da percepção que parecem demasiado extensas e desviantes em relação ao objectivo da investigação que pretendia enquadrar, a qualidade da percepção como justificação para os fenómenos de apropriação uma vez que ao arquitecto cabe manipular os diferentes mecanismos que dispõe para assim fazer variar os estímulos e consequentes reacções no observador em função das vontades genéricas expressas na condição geral dos programas. 3.2.3 – Comportamento

As diversas variáveis resultantes da manipulação dos estímulos condicionarão

os diferentes comportamentos face aos espaços.

Quando anteriormente abordamos a componente cultural percebemos que

para analisar uma determinada cultura é fundamental entender o contexto em que esta se insere. Acresce agora o factor resultante da apropriação, a necessidade de tomar como nosso, ao nível psicológico, determinado espaço. A necessidade de nos identificarmos com um determinado edifício traduz as ambições que temos no controlo de todas as variáveis do espaço.

86 - IDEM : 61

64


Segundo Kurt Lewin, o comportamento ocorre em função da pessoa e o meio

em que esta se insere.

De acordo com a análise cultural efectuada sabemos que a identidade será

responsável pela atribuição dos papéis a desempenhar em sociedade. Daí que os espaços arquitectónicos sejam a resposta física e materializada às necessidades espaciais decorrentes do tipo de uso. Ao procurar definir o papel da apropriação na componente psicológica da utilização dos espaços, pretendemos que as ferramentas necessárias sejam tidas em consideração para a definição dos programas e dos usos resulte na clara utilização dos espaços.

Na psicologia muitas foram as correntes que procuraram explicações para os

comportamentos manifestados pelos indivíduos. Numa primeira instância apenas o processo interno foi tido em conta, os nossos comportamentos seriam resultados das formas físicas, daí Freud ter analisado o comportamento incidindo a sua análise na dimensão inconsciente, irracional, na ocultação dos desejos latentes, ainda segundo Freud o nosso traço de personalidade forma-se na infância e acompanha-nos para o resto da vida. Esta perspectiva aproxima bastante daquilo que é a percepção actual uma vez que tem em conta a influência que a educação poderá ter na constituição da nossa personalidade e consequente comportamento. No entanto para a análise do comportamento face ao espaço arquitectónico devemos procurar uma simbiose entre os modelos para um melhor entendimento desta componente. O importante é perceber que os comportamentos não são autogeradores mas sim resultante de uma resposta a estímulos externos, que foi o que acabamos de definir ao abordar as sensações e a percepção que advém do fluxo dinâmico de estímulos bem como da capacidade cognitiva de interpretar esses mesmos estímulos de acordo com as experiências passadas. (Figura 10) Certo é também que o nosso comportamento será influenciado pela expectativa gerada pelo conhecimento e concepção prévia dos lugares. Nesse sentido o Homem possui a capacidade de se adaptar as diversas situações de forma camaleónica.

Os estímulos são inegáveis, mas ao mesmo tempo objectivos em função do

referencial que pretendemos adoptar, podem adquirir múltiplas definições.

O que pretendemos dizer é que sabendo previamente qual o tipo de espa-

ço que iremos utilizar podemos recorrer a máscaras. (Figura 11) As máscaras servem nestes contextos para balizar os padrões comportamentais, uma vez que escondem aquilo que nós somos mas não nos impedem de agir em conformidade com o que

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66

FIGURA 10 - Comportamento nos espaรงos. O espaรงo com desenho e o espaรงo livre.


FIGURA 11 - As mรกscaras com que habitamos os espaรงos.

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esperam de nós naquele aspecto específico. Os estímulos chegar-nos-ão da mesma forma, existe apenas a possibilidade da resposta ser mais controlada em função do contexto. Esta perspectiva também pode ser aplicada aos espaços, uma vez que estes também podem assumir características distintas desde que a sua estrutura física se enquadre nas novas funções. Esta premissa pretende ser enunciada de forma mais pormenorizada à frente nesta investigação na capacidade de definir ao nível do programa, as variáveis funcionais dos espaços.

A forma como nos movemos e ocupamos os espaços dependerá quase sem-

pre do grau de interacção com outros indivíduos, é o uso que o Homem faz do espaço enquanto produto cultural, proxémia87. Mais uma vez o Homem não pode isolar os seus comportamentos devendo sim fazer parte da complexa rede na qual estamos inseridos e da qual os comportamentos resultam.

A clarificação do desenho arquitectónico é um meio para a clarificação dos

usos, resulta numa boa apropriação uma vez que os valores necessários aos estímulos sensoriais são directos e não dão lugar a múltiplas e contraditórias interpretações. Isto não significa, directamente, simplicidade uma vez que a complexidade poderá ser um meio para um desenho objectivo e uma utilização fluida. “O ambiente construído determina o comportamento humano”. A relação do Homem com o meio arquitectónico é “simbiótica”, neste sentido é “dinâmica e evolutiva”88, faz-se de acordo com as vontades do Homem, uma vez que a Arquitectura é uma manifestação do Homem e expressa as suas vontades e expectativas, no entanto enquanto manifestação passível de ser utilizada determina os comportamentos ao determinar nas suas opções, iniciais e contínuas, elementos que podem interagir directamente com a sensibilidade e percepção manifesta dos indivíduos. 4 – Variações programáticas 4.1 – Novos programas

Como resultante da investigação efectuada sobre a relevância metodológi-

ca do programa e das variáveis que o constituem pretendemos agora uma análise cruzada incidindo nos pressupostos que nos parecem ser importantes para o reforço da atitude criativa e interventiva materializada nos programas. O que se pretende é integrar a atitude conceptual descrita anteriormente sobre os programas com a

87 - Proxémia é um conceito apresentado à comunidade cientifica por Edward T. Hall no seu livro “A dimensão Oculta”. 88 - MUGA, (2005) : 23

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especificidade prática do programador definindo três tipos de referências segundo as quais pretendemos reflectir. Encaramos a atitude que motiva os programas pela criação de novos programas, pela reinterpretação dos programas existentes ou através dos programas híbridos.

A manifestação das suas vontades associada às práticas utópicas permite

trabalhar nos limites da actividade profissional do arquitecto. A produção de novos programas possibilita um constante confronto de valores dentro de cada sociedade, através do entendimento das dinâmicas evolutivas poderemos criar espaços que testem a capacidade receptiva da mudança ou que resultem numa total rejeição da mesma, facto é que “após atirar uma pedra ao rio, as águas agitam-se, a pedra encontra calmamente o seu lugar, mas o rio jamais será o mesmo”89. Ou seja, em paralelo com a atitude crítica face aos contextos em que a prática se constrói existe a vontade de partilha dos códigos que nos rodeiam, a inserção de novos códigos na atitude fechada e eclética que caracteriza a arquitectura, resultado da nova condição social e da interventiva vida contemporânea que permite o acesso e a participação do (praticamente) todos na actividade arquitectónica através de novos (e acelerados) sistemas de informação.

A produção de novos programas estará associada à vontade de transfor-

mação do território espacial, o território construído, à luz da alteração da condição comunicacional e visual, daí associarmos muitas vezes esta transformação com a produção de objectos efémeros cuja velocidade de construção e uso permite a introdução constante de novos estímulos no utilizador. A possibilidade que as produções efémeras oferecem coloca ainda mais a prática arquitectónica nos limites da disciplina, tal como Pedro Gadanho refere: “os códigos da organização do espaço e do visual estão na rua e nos media de massa, o código arquitectónico está também a ser manipulado e remisturado por outros agentes da cultura urbana”90.

De facto, esta verdade, crescente, da cultura arquitectónica urbana revela

uma apropriação do território por parte, na grande maioria dos casos designers (tal como anteriormente referimos quando abordamos a componente multidisciplinar da construção dos programas). Não achamos que esta realidade retire autonomia ao trabalho do arquitecto, pelo contrário pensado de forma abrangente achamos que esta atitude reforça o carácter global dos novos programas, entendendo que neste caso o arquitecto produzirá a relação entre os conteúdos resultante das produções

89 - ZUMTHOR, (2006) 90 - GADANHO, (2007) : 26

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artísticas. Estes serão os novos programas, resultado de uma a atitude inovadora mesclada com conceitos que já dominamos, porque apesar de tudo é interagindo com os conceitos e signos que já conhecemos que será possível ousar na organização dos conteúdos.

Apesar de acharmos que se têm intensificado as pesquisas e os estudos nesta

área da criação e utilização dos programas gostaríamos de realçar o papel de Didier Fiuza Faustino / Bureau dês Mesarchitectures no panorama teórico da arquitectura, uma vez que metodologicamente o trabalho assenta numa forte vertente conceptual. Mesmo equiparando a componente crítica do seu trabalho com um posicionamento político o objectivo principal é questionar a relação dos indivíduos com os edifícios, a experiencia pessoal do corpo.

Uma vez mais as produções efémeras são o veículo difusor para testar o pen-

samento teórico e as expectativas face ao comportamento social dos seres humanos, desta forma caracterizam a relação entre os agentes de “vazia de conteúdo” o que os leva a produzir programas complexos para colocar o utilizador sobre múltiplas perspectivas, conhecer os conceitos mesmo que oposto permite fomentar o carácter de decisão e valorização dos espaços. Estas “heterotopias” são capazes de produzir de forma contínua sentimentos opostos entre o real e a ficção. “Os projectos radicais do Bureau des Mesarchitectures provocam as nossas certezas adquiridas”91.

Vejamos, a título de exemplo, o que algumas das suas obras transmitem prin-

cipalmente ao nível da concretização e inserção (ou como os autores afirmam intersecção) no contexto urbano já edificado e com as rotinas sociais bastante implementadas.

Como referimos as práticas do ateliê colocam os signos e significados da socie-

dade em confronto, confundindo os conceitos. Numa sociedade cujo egocentrismo é crescente e o desrespeito pelo espaço geral (publico) é reduzido e pelo espaço individual (privado) é desprezível o Fight Club 3.0 (Figura 12) surge como um espaço de confronto entre as regras gerais da sociedade e dos territórios marginais, com as regras a serem estabelecidas pelos próprios utilizadores. Inserido num contexto adverso esta estrutura móvel apresenta um novo programa que procura as incoerências da vida social. Da mesma forma propõe um protótipo de habitação individual (One square meter house, Figura 12) que introduz na vida urbana a habitação disposta, segundo a área de um metro quadrado, na vertical. Neste caso o individualismo extremo acaba por reduzir as relações interpessoais ao espaço público. Imaginemos

91 - BATISTA, (2008): 7

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FIGURA 12 - Performance urbana.

71


viver numa cidade cujas pessoas saem de forma mecanizada das suas habitações e se deslocam no espaço público isoladamente, possivelmente o programa poderá concretizar uma realidade, a redução (novamente) ao essencial das necessidades humanas.

Os novos programas na produção arquitectónica contemporânea crescendo

associados as produções efémeras e artísticas irão compor a paisagem urbana, mas no fundo traduzir o escape para os desejos íntimos de cada ser social. Poderemos aproveitar esta oportunidade de análise das novas dinâmicas sócias e os resultados obtidos da utilização destes espaços numa utilização progressiva na composição de programas com crescimento sustentado. 4.2 – Reinterpretações dos programas existentes

A definição da identidade de cada cultura efectua-se através da aceitação

de alguns valores e costumes, que se caracterizam nas rotinas, e nas produções de cada uma. Desde sempre existiram padrões culturais transversais a diversas sociedades mas cada vez mais, devido aos fluxos existentes, o grau de mobilidade e acesso à informação aproxima as culturas. No caso da arte o processo de globalização remonta para tempos mais antigos, que importavam modelos, e mestres. O passar dos tempos não provocou mutações programáticas e funcionais de fundo nos edifícios, levando ao crescente abandono pelo desuso dos edifícios, más configurações programáticas ou programas descontinuados.

Face a esta realidade parece-nos interessante referir as práticas arquitectóni-

cas que manifestam reinterpretações programáticas. Interpretar à luz das novas práticas sociais e das novas técnicas construtivas as acções que têm lugar nos edifícios encetará o caminho para uma maior identificação das pessoas com os edifícios, dos edifícios entre si, e dos edifícios com os lugares.

Relativamente aos ritmos sociais que se intensificam com o cruzar constante

de informação entre culturas (aquelas que podem ser equitativamente comparáveis, hermenêutica diatópica) a utilização dos espaços e a sua configuração formal parecem requerer nova leitura à luz da contemporaneidade. O exemplo do dimensionamento hierárquico dos espaços numa casa tem sofrido alterações constantes a partir do momento em que se repensou a nova condição social com a revolução socialista, ao nível arquitectónico verificou-se a introdução de um novo desenho (como é o caso da planta livre) mas também num redimensionamento baseado nesse mesmo desenho. Actualmente se analisarmos cuidadosamente as necessidades das famílias através da constituição dos agregados familiares, constatamos que as mutações so72


ciais originaram mutações formais nas tipologias de habitação.

A proposta do ateliê de Santos (a.S*) o Labirinto da Saudade (Protótipo da

Casa Portuguesa) refere uma interpretação conceptual daquele que seria o espaço da casa portuguesa. É um programa que interpreta valores tipos de utilizações passadas tornando-se crítico face ao contexto, a casa não está ao alcance de todos e alguns espaços tem uma ocupação específica (tal como o quarto do miúdo cujo pé direito não permite mais ninguém consiga entrar) reforçando o carácter individualista do Homem.

No fundo a proposta relembra-nos que é importante questionar constante-

mente a formalização espacial com as acções que decorrem, interpretando-as e possibilitando novos caminhos.

A dimensão de uma cozinha numa casa, comparativamente com a sua di-

mensão tradicional, revela o decréscimo da área disponibilizada dado o tempo de estadia que se tem neste espaço e uma vez que o agregado sendo mais pequeno encontra na sala um (novo) lugar de reunião e convívio familiar. As aéreas de interacção familiar tendem a alterar-se reinterpretando os novos tempos garantindo a mutação progressiva dos edifícios, “vitalidade orgânica”.

Não só a vida interna dos edifícios representa o grande contributo da progra-

mática arquitectónica, a dimensão pública das interacções sociais constitui o grande palco sobre o qual o arquitecto poderá operar (programar). A evolução do espaço público reflecte as mutações ocorridas no próprio espaço ao nível do conjunto de actividades que nele poderão ocorrer. Vejamos o exemplo das baixas comerciais das cidades que progressivamente foram perdendo afluência graças à crescente utilização dos grandes centros comerciais. Esta transformação decorreu de uma reinterpretação do programa que pautava as actividades comerciais no espaço público exterior, percebendo que os centros comerciais possibilitariam um maior grau de satisfação das necessidades do utilizador, por concentrarem numa relação estreita de proximidade vários sectores da actividade comercial. No entanto parece que recentemente estaremos a atravessar um processo inverso, resultado de uma nova reinterpretação, que compreende que o Homem despende a maioria das suas actividades no espaço público, e através da sua dinamização conseguir potenciar um espaço público comercial, cultural, social, e artístico.

Temos caracterizado a reinterpretação programática segundo uma base

conceptual, mas parece-nos interessante analisar as mutações físicas decorrentes desta atitude face ao programa. Com o desenvolvimento tecnológico que acarretou novas formas de desenhar e construir os espaços também o tipo de actividade se adaptou às novas exigências tecnológicas, alterando a tipologia de uso e ocupa73


ção. Exemplos desta mudança são os espaços das bibliotecas. Predominantemente as bibliotecas eram definidas pelas zonas de consulta, leitura e arquivo mas, com a introdução dos novos meios tecnológicos assistimos ao reposicionamento do programador face à definição das necessidades espaciais procurando harmonizar as dinâmicas funcionais passadas com a realidade actual em que os espaços tendem cada vez mais a ser interactivos e a tornar o utilizador mais interventivo.

Ao reflectir acerca do programa e do programador referimos a importância

que o contexto social assume na produção da identidade e nos mecanismos de apropriação e que caracterizam quem produz os programas.

A referência ao programador não pretendem isolar mas sim consciencializar

para a complexidade que define quem produz os programas. Os fluxos sociais colocam toda a gente em todo o lado, daí a necessidade de sistematizar este processo para garantir identificação com os lugares em sociedades cada vez mais plurais. 4.3 – Programas híbridos

A clarificação do pensamento ao longo da investigação incide na compo-

nente conceptual do processo metodológico do trabalho do arquitecto e, como tal, a confrontação de conceitos que compõe os programas leva-nos nesta fase a uma análise de como se processa essa mesma manipulação dos conceitos com o intuito da produção de programas comuns (a junção de actividades distintas num mesmo objecto). Essa realidade há algum tempo que preenche os campos da investigação arquitectónica, aquilo que denominamos de programas híbridos (embora também possamos referir a analise feita acerca das metamorfoses, ou seja, tudo o que tem como foco a evolução da ocupação, da formalização e da comunicação). Ainda antes de referir alguns exemplos vejamos qual o conceito da palavra híbrido: “A definição em biologia remete para o animal que resulta do cruzamento de duas espécies diferentes (…) o objecto híbrido seria, então, aquele que juntasse elementos de diferentes proveniências”.92 Partindo desta definição começamos a construir mentalmente imagens de objectos que poderemos considerar híbridos, e de que forma poderemos fazer a avaliação da sua condição. Numa primeira fase partilharemos de algumas das conclusões de Pedro Cortesão Monteiro uma vez que, na condição analítica que pretendemos dar à junção de conceitos, esta parece-nos transversal a

92 - MONTEIRO, (2005) : 20

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alguns princípios que enunciamos nas páginas antecedentes deste capítulo.

Interessa, primeiramente, referir que este aumento de vontade de manipu-

lação conceptual decorre de uma atitude social que procura novos caminhos e novas soluções. Os objectos que preenchem a vida social estão, de certa forma, experimentados, a ansiedade de quebrar os limites de cada conceito e a inexistência (aparente) de conceitos por inventar leva-nos a procurara metamorfoses conceptuais originando (teoricamente) novos objectos, no entanto algumas investigações acabam por concluir que não será essa a realidade. O híbrido não é uma solução formal, o híbrido será a atitude que origina as acções, a atitude que está entre a escolha de conceitos e a simbiose resultante. Quando procuramos valores culturais distintos daqueles que preconizaram a nossa formação enquanto indivíduos estaremos nós próprios, também, a hibridizar o processo de crescimento, se olharmos a globalização e a facilidade de acesso a informação concluímos que esta realidade é inequívoca.

Pedro Cortesão Monteiro aponta 4 formas distintas que darão origem aos ob-

jectos híbridos, ou novos objectos através da multiplicidade de conteúdos; como objecto transitório entre as realidades; como objectos ambíguos; ou como objectos adulterados.93 Embora todas estas atitudes caracterizem a vontade de transformação, pensamos que, uma vez mais, o objecto híbrido é resultado da atitude conceptual, da motivação e não o resultado final. O resultado final, enquanto formalização procurará afirmar a sua identidade, mesmo enquanto resulta de uma simbiose conceptual.

A multiplicidade funcional é uma forma que os agentes sociais encontraram

para provocar uma optimização produtiva. A proximidade de acção diferentes que teremos que despender irão garantir uma maior rapidez entre as respostas, no entanto, e ao mesmo tempo, a simples adição de funções não será garantia de coerência global, caso algumas delas resultem em meros apêndices funcionais. No entanto a manutenção de atitude de juntar num corpo várias funções interdependentes provocará a necessidade de funcionamento do todo pelas partes.

A forma que melhor caracteriza a atitude híbrida é a componente transitória.

Existem objectos cuja função se encontra perfeitamente diluída nas actividades sociais e cujo reconhecimento passa pelo desempenho dessas mesmas funções, da mesma maneira que estes acabam por ser reconhecidos pelas formas que os compõe. Quando se dá à transformação do objecto este adquire novos inputs conceptu-

93 - IBIDEM

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ais até que, uma vez corporizado emerge um novo objecto, que já não é o primeiro e possui uma nova identidade e neste caso a atitude híbrida é apenas transitória, diz respeito à vontade, motivação, e ao acto de junção de conceitos pois a resposta já não será consideração híbrida mas sim um novo objecto.

Enquanto junção conceptual, os «objectos híbridos» produzirão ambiguidade

quando indexarem conceitos opostos, pois o facto reconhecimento e a familiaridade com um determinado conceito poderá entrar em confronto com a realidade do objecto com o qual este “colidiu”, da mesma forma que no final poderemos considerar o resultado como um adultério formal e porque não também conceptual pois estamos a redefinir formalmente valores imagéticos enraizados e caso o resultado final não seja satisfatório tornar insignificante o novo objecto emergente.

De facto a atitude híbrida que motive o trabalho conceptual terá como objec-

tivo preencher os espaços intersticiais deixados pela utilização dos objectos e neste sentido a composição dos programas deverá procurar as soluções que daí poderão surgir, uma vez que formalmente e construtivamente há muito que se foram juntando sistemas e matérias.

Se recuarmos um pouco procurando as primeiras tentativas de junção funcio-

nal iremos encontrar as abordagens que nos foram deixados pelos condensadores sociais.

Nos momentos iniciais da vida moderna, a interpretação do modo de vida do

novo ser social provocou nos meios arquitectónicos a vontade de criação de edifícios que se revelassem auto-suficientes, juntando sectores de actividade no mesmo edifício o Homem teria maior proximidade nas actividades profissionais e nas actividades de lazer. Como exemplo teríamos a Unidade Habitacional de Marselha, de Le Corbusier, que procurava a agregação no objecto arquitectónico de várias valências. Embora entes edifícios fossem multifuncionais, almejavam a auto-suficiência, ou seja, os habitantes teriam o trabalho em proximidade com as zonas de lazer e, por exemplo, os jardins-de-infância. Mas os condensadores sociais, do ponto de vista funcional, afastavam-se da restante sociedade, gerando comunidades fechadas. Não será este o objectivo da hibridez que procuramos demonstrar, nesse sentido caminhamos mais para os resultados obtidos na última década por alguns ateliês que experienciaram esta atitude conceptual, nomeadamente o trabalho produzido pelo OMA. No que à cidade diz respeito, os objectos híbridos devem procurar fazer parte das dinâmicas sociais, ser complementar face ao existente para que exista dinamismo. Rem Koolhaas percebe esta realidade na análise de Manhattan (como referimos anteriormente), motivados pela falta de espaço para a construção, optando pela

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FIGURA 13 - Produções Hibridas.

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construção em altura, o dinamismo horizontal que é característico das nossas cidades é substituído pelo sentido vertical na apropriação do espaço público. O Downtown Athletic Club (Figura 13) mostra a procura pela interacção entre as diversas actividades (programas diversos no mesmo projecto, usos variados), neste caso específico as actividades desportivas ficavam nos pisos inferiores, o hotel nos pisos mais altos e nos pisos intermediários os serviços de restauração para utilizadores comuns (daqui resulta a celebre imagem do Homem nu com laço ao pescoço a comer lagosta, publicada no Delirious New York). O híbrido não se resume ao enunciado programático mas sim à iniciativa, ao investimento feito no espaço e a gestão que é feita do mesmo.94 É o que acontece na proposta do OMA, De Rotterdam, na Holanda (Figura 13), propondo um edifício com uma dinâmica de funcionamento vertical segundo torres que se tocam tangencialmente mas que albergam funcionalidades distintas. Unificado ao nível térreo e nos pisos seguintes e arranha-céus tripartidos cruzam as funções relacionando essas opções com a funcionalidade subjacente, começa com as galerias comerciais, depois aparecem os estacionamentos que permitem ligação à cota alta da cidade ao mesmo tempo que aproxima a utilização do hotel, da habitação e dos escritórios. Entre o sector de actividade laboral e a habitação existe um ginásio, destinado a actividades desportivas, tal como Koolhaas constatou no Downtown Athletic Club.

Esta constitui certamente o grande contributo que a vida contemporânea

transmite ao arquitecto enquanto programador: a capacidade de projectar espaços que potenciem as relações sociais, ao mesmo tempo que prevêem o processo evolutivo da apropriação, envelhecimento e o surgimento de novas funções.

94 - FERNANDEZ PER, (2009) : 5

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CAPITULO II


I

1 – Coimbra e os novos programas 1.1 – Construção da identidade de Coimbra 1.1.1 – Uma ideia de cidade

Cantada por muitos e vividos por tantos outros, Coimbra é uma cidade mar-

cante. A ideia desta cidade vai muito para além da resultante histórica, uma vez que as histórias se encontram cravadas nas pedras das cantarias que a constroem. Coimbra é hoje uma cidade que transmite o seu valor cultural e patrimonial como característica predominante, como elemento dinamizador da cidade e como regulador do crescimento urbano. Se olharmos para o crescimento da cidade logo percebemos que Coimbra se desenvolveu entre a Alta amuralhada e a proximidade com o Mondego. Foi assim que os Romanos elegeram a Alta como lugar de eleição para a construção da sua cidade, AEminium, fortificada, e por conseguinte o lugar do comércio e das trocas comerciais foi se concretizando em toda a baixa, perto do Mondego resultando num conjunto de habitações construídas sequencialmente e sem uma malha estruturadora, típico da ocupação medieval, e com um nível destinado ao comércio e os restantes para a habitação. Em contraste com este crescimento rebelde da baixa, surgem os edifícios religiosos que se ergueram quando Coimbra se converteu na sede episcopal, e que exibem um desenho estruturado, típico das épocas em que foram construídos e com a ocupação total do lote pelo edifício, libertando o interior para os claustros, e actividades do convento. São estes mesmos conventos que mais tarde darão lugar a Universidade que ainda hoje caracteriza a imagem de Coimbra.

A imagem que hoje temos da cidade é o resultado do seu crescimento, intra-

muros na alta, e no arrabalde, até finais do século XIX, princípios do século XX quando a cidade cresce ferozmente para Nascente, Calhabé. As construções ganham uma escala muito próxima, uma vez que assim seria possível construir mais e ao mesmo tempo defender melhor a cidade, alvo de imensos saques com o passar dos anos. Coimbra é uma cidade habituada a receber povos diferentes que partem por vezes ao mesmo ritmo com que vão chegando. Mas é também a imagem dos estudantes que densamente ocupam a cidade e a tornam como referência da prática académica nacional. E são essas referências que induzem o crescimento da cidade, com a criação do Pólo II e do Pólo III em locais distintos e em pontos opostos da cidade tentando assim esticar o crescimento urbano para outras áreas da cidade.

Com estas vontades Coimbra parece esquecer a outra vertente, outrora pri81


mordial, a actividade comercial da baixinha, verificando-se assim o afastamento e o descolar das populações para outras áreas da cidade, possivelmente porque o carácter comercial como elemento de subsistência das famílias que o efectuavam deixou de ser importante, mas também porque a estrutura edificada parece não corresponder as necessidades e sentidos de apropriação das sociedades de hoje em dia, e aquilo que fora importante para a preservação da cidade, como é o caso da construção continua e com os edifícios encostados uns nos outros, revela-se hoje um problema de salubridade que afasta as populações, descaracterizado o lugar, perdendo a ideia sobre a qual assentou o crescimento verificado ao longo dos séculos. Perde-se a ideia, e os lugares deixam de estar habitados, de serem sentidos, de serem vividos, caem em desuso e a cidade foge para outro lado, deixa de transmitir os valores que a construíram e deve-se então procurar soluções, ao nível dos conteúdos que traduzam e sejam capazes de garantir a permanência e o retorno das vivências urbanas a esses mesmos espaços. (Figura 14) A índole, propensão natural Coimbra

Situada entre colinas e vales, Coimbra emerge esculpida das montanhas e

levemente pousada sobre a planície. De facto desde cedo se percebeu que o seu posicionamento seria determinante para que a cidade pudesse crescer e afirmar o seu tempo, elevando-se sobre o olhar atento do Mondego. Interessa-nos então reflectir sobre dois conceitos que seriam importantes para a construção desta imagem de cidade. Posição e Sítio. “É no baixo Mondego que, sobre o litoral, o Portugal do Norte encontra o Portugal do Sul, assim como é na região de Coimbra que se tornam mais fáceis as relações das terras da Beira Alta com os planos adjacentes à orla marítima”95 este posicionamento estratégico fez com que Coimbra fosse, como já vimos, desde logo marcante na mobilidade existente no país, e lugar de trocas comerciais fortes, uma vez que o rio ligava o interior ao litoral, e por terra se definia a via romana que ligava o Sul com o Norte. E do alto da colina cedo se percebeu que seria um excelente lugar para a defesa e para observar esta “encruzilhada de caminhos”. É este sítio marcante que permitiu sustentar a cidade e fazer com ela crescesse aos poucos, no alto para uma melhor defesa, mas ao mesmo tempo perto dos terrenos férteis controlados pelo Mondego, Almedina (Alta) e Arrabalde Baixa. Dois lugares fisionomicamente distintos e que marcam esta Coimbra. A Alta estudantil e a Baixa Comercial. 95 - MARTINS, (1951) : 17 82


FIGURA 14 - Coimbra.

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Não só dos estudantes e do comércio se fez Coimbra, alias Coimbra, dado o

seu posicionamento estratégico foi ao longo dos tempos local de fixação de vários grupos sociais. Tendo sido capital do Reino de Portugal, aqui se fixou a Corte e toda a vida do Pais por lá passou, e aquando da partida para Lisboa, a nova capital, Coimbra torna-se a sede episcopal, que como consequência teve a construção de inúmeros mosteiros e igrejas, resultado das várias ordens religiosas que então habitavam Coimbra. A transição menos revolucionária para o tecido urbano, mas altamente ria para os lugares e para a vida social, é a construção da Universidade. Numa primeira fase são aproveitados os conventos e mosteiros existentes na actual rua Sofia, bem como na Alta. Este acontecimento marca e ao mesmo tempo divide definitivamente a cidade. Verificam-se então duas realidades opostas, a Baixa, plana, comercial, sujeita às intempéries e fúria do Mondego, e a Alta, elitista, e protegida pela topografia da cidade, toda ela povoada pelos inúmeros estudantes. Desde meados do século XVI que esta se torna a natureza da cidade, e que ao longo dos tempos foi motivo para propor novos sentidos de crescimento urbano. Mas deveria ser também este o motivo para fazer conviver as diversas realidades existentes, bem como para dar vida aos espaços outrora cheios, mas que hoje servem decadentemente a sociedade. O aspecto

A cidade vista pelo lado do Mosteiro de Santa-Clara parece toda ela um só

edificado que o olhar procura perfurar por entre as inúmeras janelas voltadas ao sol. É esta Coimbra que emerge do solo e baralha os sentidos que procuram identificar os lugares para assim resultar a apropriação. Sabemos que um dos factores que se revela importante para a apropriação dos lugares é a identificação para com os mesmos, essa identificação pode decorrer dos sentidos e depende certamente do factor cultural de cada indivíduo, como refere Fernandes Martins acerca da cidade “cada um vê com os seus olhos, cada qual sente conforme a sua vida psíquica, cada homem cria as suas paisagens interiores”96. É natural que ao chegar a um determinado espaço seja tentado a percorrer de imediato todos os cantos e recantos em busca daquilo que identifique o lugar de acordo com as expectativas, da mesma forma que ao ter a possibilidade de edificar algo, transmita aquilo que são valores culturais próprios bem como sentidos de pertença e de estar únicos. Coimbra resulta desta lógica de apropriação dos lugares. A aparente desordem da paisagem externa da cidade recompõem-se ao mesmo tempo que se percorrem as ruas, e que os edifícios

96 - IDEM : 7 84


nos conduzem porta a porta até uma praça, ou uma nova rua. É esta a imagem que resulta da cidade, mas é também o olhar jovem daqueles que connosco se cruzam nas ruas e que habitam estes lugares. É assim que a cidade se apresenta perante os outros, parecendo no entanto descurar o seu papel interno, na convergência dos diversos sectores, no tratamento dado aos diversos lugares, no tratamento dos pavimentos, dos jardins, não existe incentivo a vida social que tanto caracteriza a vida académica, e não se aproveita o encontro da história presente nas pedras da calçada e dos edifícios com o olhar do futuro dos jovens estudantes. A espaços Coimbra parece entregue a si mesma, sem vontade de continuar a crescer, sem capacidade de sair de novo a rua e dar novo sentido a vida social.

Torna-se mais evidente isto quando se percorrem os lugares da Baixa, embora

alguma ruas mantenham o seu forte carácter comercial percebe-se que outras tantas se encontram hoje em dia ao abandono, muito porque a maioria dos edifícios albergam funções destinadas a serviços deixando de responder as necessidades de habitação, ficam devolutos. Isto provoca fissuras no tecido já que os lugares deixam de ser permanentemente habitados, perdendo identidade, e o espaço físico tornase degradado, uma por não renovação das vivências através dos conteúdos.

FIGURA 15 - Apontamentos.

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1.1.2 - A evolução cultural da cidade

Graças ao posicionamento geográfico e às condições naturais Coimbra

transformou-se num ponto estratégico para a implantação do território Português, confirmando esse valor com a fixação da corte durante alguns séculos na cidade. Esta realidade permitiu que a cidade fosse habitada pela alta nobreza e pelo clero, impulsionadores das actividades culturais e religiosas, responsáveis pela maioria do património cultural português. Este facto produziu formas de ocupação do território opostas, entre o edifício da habitação simples, e as igrejas ou mosteiros, que traduziam uma relação urbana diferente, possibilitando permeabilidades díspares. Aquando da mudança da Corte para Lisboa, como referido anteriormente, o território perdeu identidade, uma vez que os lugares não respondiam às necessidades que iriam caracterizar a nova condição da cidade. É com a fixação da Universidade que os até então edifícios reais ganham uma nova vida e uma nova identidade, possibilitando um novo ajuste da cidade face ao novo programa que se disponibilizaria. Toda a realidade de Coimbra passa a girar em torno das novas actividades bem como das necessidades do novo público. A necessidade cultural, apoiada na formação académica e nas actividades complementares, a necessidade habitacional, devido ao carácter migratório dos novos habitantes, na maioria dos casos sazonais, e a necessidade de dinamização das actividades produtivas da população permanente.

Do ponto de vista social Coimbra experienciou sempre desequilíbrios entre a

sua população e consequentemente as actividades sociais. Primeiramente com a Corte e posteriormente com a Universidade a oposição entre o tipo de utilizador era clara, de um lado o produtor, do outro o consumidor. Esta importante marca evolutiva da cidade teve consequência directa na definição do território, levando á sectorização parcial da cidade agravada pela sua condição geográfica.

Embora exista a vontade de provocar estímulos estes não partem de uma

definição estratégica conjunta, nem de programas claros e agregadores. A especificidade de Coimbra reside nas diferenças que compõe o tecido social, em parte composto estudantes, todos eles como potenciais consumidores e os habitantes permanentes (considerando a população fixa e os agentes produtores) que procuram disponibilizar os bens necessários à fixação da população.

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A construção de símbolos culturais ajudou fortemente à definição do território.

Através dos símbolos efectuou-se a transformação e mutação dos usos e as perspectivas futuras para os territórios. A Universidade é, claro está, um forte símbolo cultural da cidade e garante o uso contínuo e renovado do território, adaptando as ofertas de conteúdos às novas exigências sociais, que motivaram desde cedo as novas construções da cidade.

Do ponto de vista arquitectónico assistimos ao crescimento do tecido urbano,

apoiado nas diversas actividades sociais, sem que no entanto exista uma forte transversalidade entre ambos. Na alta e na baixa a traça medieval de composição urbana marca a estruturação do território, embora com usos distintos, a alta servindo as necessidades de habitação e a baixa as actividades comerciais, com a introdução pontual das produções culturais. Não existe pois um programa claro de ocupação gerando situações em que já se verifica o desuso dos espaços por não identificação das pessoas com os lugares. No entanto os símbolos arquitectónicos e culturais mantêm a mesma preponderância na organização e gestão territorial, uma vez que dinamizam a ocupação existente nas imediações da sua implantação. Isto só foi possível graças à mutação programática ocorrida e à capacidade de consolidarem as actividades nas proximidades da sua localização, uma vez que a comunicação mais objectiva das produções culturais, consolida a posição do território face à sua envolvente, nessa fase o contributo da história resulta numa oportunidade para procurar continuidade nas acções. O reconhecimento dos valores territoriais transmitiu responsabilidade em procurar desenvolver esses mesmos conteúdos, sendo estas as premissas conceptuais de desenvolvimento urbano. Coimbra é hoje um marco na história de Portugal, e continua a ser referência da construção do património cultural, e aos poucos procura redireccionar o investimento, enquadrando a ânsia da sociedade global, dos novos públicos, os novos programas para uma comunicação mais eficaz através do território construído.

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1.1.3 - O Lugar dos Estudantes

Coimbra como símbolo cultural forte tem a Universidade como o seu mais alto

expoente. A presença de estudantes na cidade foi e é um motivo forte para a afirmação estratégica de consolidação e construção de novas referências no território. O desenvolvimento territorial esteve grandemente apoiado na relação de proximidade com os diversos pólos universitários. Daí a forte oferta de habitação nas imediações dos pólos gerando uma relação directa de dependência entre o estar na universidade e a necessidade de abrigo temporário (carácter sazonal da habitação). No entanto, salvo a tradição gerada pelas repúblicas de estudantes, não se verifica a identificação dos estudantes em grande parte do território, pelo contrário percebemos que as zonas da cidade que se encontram devolutas devem esse factor à má configuração espacial e a incapacidade de produzir conteúdos programáticos que procurem interagir directamente com as audiências e que seriam determinantes para a definição e afirmação do território.

Esta variedade cultural verificada em Coimbra deveria ser motivo para a clari-

ficação dos conteúdos de forma a tornar Coimbra, numa referência na construção e manipulação do simbolismo cultural implícito às práticas académicas, à especificidade que caracteriza a ocupação tida pelos estudantes e às necessidades espaciais e programáticas inerentes. Prova disso mesmo é a relação que existe entre algumas partes do tecido construído (privado), o espaço público (geral), e os espaços académicos, que de forma transversal deveriam responder à especificidade do padrão cultural dos estudantes de Coimbra. (Figura 16)

Do ponto de vista urbano verifica-se a importância que a Avenida Sá da Ban-

deira adquire na estruturação do desenho urbano e na transição que é feita da baixa para a alta e posteriormente para os novos sentidos de crescimento da cidade, o término da avenida acontece com o surgimento do jardim da Sereia como espaço publico verde de eleição e forte proximidade face à comunidade estudantil. Em torno desta realidade a ocupação densifica-se entre a alta e os montes claros com a ocupação a ser feita por habitação que no caso mantém a estrutura tipológica comum de uma habitação unifamiliar, longe das necessidades especificas que as exigências espaciais para um estudante poderiam ter. A definição do território deve responder a programas claros que detenham objectivos e possam ter um papel activo na afirmação dos limites de cada conteúdo, o que não se verifica no desenvolvimento deste sector da cidade de Coimbra, que poderia potenciar uma relação mais forte entre os estudantes, o espaço construído, e o espaço público.

88


imagens de estudantes

FIGURA 16 - Coimbra e os Estudantes.

89


1.1.4 - Formação dicotómica

A análise arquitectónica dos tecidos que vão ser alvo de intervenção pressu-

põe a interpretação formal da geometria urbana bem como a relação entre o espaço construído, os vazios, enquanto elemento verde, ou enquanto espaço público, verde e equipamento. Decorrendo do estudo feito no primeiro capítulo, percebemos que a definição dos conteúdos programáticos das propostas deverá contemplar, de acordo com as necessidades funcionais, a componente cultural extrínseca quando analisa os padrões culturais da sociedade e intrínseca quando diz respeito à apropriação individual de cada utilizador, o que se revela extremamente operativo para a definição do público-alvo.

No caso de Coimbra pretendemos introduzir esta componente do público-

alvo para uma análise mais objectiva e apoiados nas referências utilizadas no estudo do Professor Rogério Santos. Esta analise apoiada neste estudo prende-se com o carácter dicotómico que percebemos do funcionamento e crescimento da cidade de Coimbra, entre a realidade académica enquanto consumidores dos produtos culturais (preferencialmente) e entre os próprios produtores (sociedade em geral).

“A posição social que os indivíduos ocupam produzirá maior disponibilidade

para o consumo dos produtos culturais”97, estas dinâmicas culturais serão então motivo para sustentar conteúdos ocupacionais que tomarão forma através das acções dos arquitectos.

Voltando agora ao conceito de hermenêutica diatópica, a afirmação dos to-

pos culturais de Coimbra resultará num crescimento coerente e uma vinculação por parte do público e das audiências dos seus padrões culturais, embora como Maria de Lourdes Lima dos Santos realça, os públicos são polissémicos e mutáveis, logo as produções culturais serão abertas e interactivas, resultando numa necessidade crescente e clara da realidade Coimbrã.

A construção dicotómica do tecido social, origina públicos múltiplos. Desta for-

ma distinguimos em Coimbra, a realidades que encontramos referenciadas na obra de Rogério Santos, na distinção entre público e comunidade. Apesar de resultarem de contextos distintos publico e comunidades convergem na dimensão na “dimensão de identidade partilhada”98, identidade imagina e simbólica (os símbolos resultam de uma manifestação do inconsciente) quanto maior o ponto de convergência

97 - SANTOS, (2007) : 283 98 - IDEM : 277 90


e agregação maior aceitação será possível extrair entre cada produção cultural, é pois importante nos dia hoje, em que se avolumam e adensam as trocas culturais em sociedades formadas por várias subculturas, aumente saudavelmente a “actividade cívica”99 de todos os agentes presentes, tal como Livingstone afirma, o publico não tem uma participação passiva na definição dos programas e conteúdos culturais, visto que esta se funde na dinâmica do emissor/receptor, na realidade do produtor/ consumidor no contexto da analise: Cultura/Homem/Arquitectura.

De acordo com o que vimos anteriormente o território de Coimbra vive a dico-

tomia das relações sociais, e consequentemente das trocas culturais, tendo por base o seu território. Culturalmente percebemos a importância histórica e o forte contributo intelectual que os programas da cidade tiveram e têm no seu desenvolvimento. A arquitectura visa responder às produções culturais, transformar os espaços adoptando-os às funções que estes irão ocupar no território. Algumas produções graças ao seu carácter formal, vinculativo, bem como a componente historicista, conseguem ultrapassar as mutações funcionais, como foi o caso dos palácios e conventos que para além de albergarem a nobreza e o clero, dão o mote para uma nova ocupação, voltada para a universidade e para os colégios. O Homem assume assim um papel importante na produção de símbolos arquitectónicos, através dos usos que conferem aos espaços. No entanto verificamos apesar de alguns espaços serem capazes de motivar os usos, pelos conteúdos que disponibilizam, outros ficam aquém das expectativas iniciais, pela má formalização dos dados quantitativos decorrentes dos programas-base, gerando fenómenos de abandono e desuso, bem como a apropriação indevida dos mesmos.

A perspectiva dicotómica permite distinguir as partes do tecido que traduzem

esta constatação.

Olhando para o próprio território e para os que lhe dão vida percebemos que

a componente arquitectónica deu vida às relações sociais e produtivas do território, no entanto perdeu no percurso evolutivo a capacidade de manter a proximidade entre as duas realidades, académica, e a social (produtiva).

A Baixa alberga agora armazéns devolutos que outrora serviram as activida-

des comerciais resultantes da proximidade entre a linha de comboio e o próprio Mondego, o critério de implantação assenta na proximidade e economia de meios, no entanto isto foi possível graças ao maior controlo feito do caudal do Mondego.

99 - IDEM : 278

91


A estrutura tipológica da Baixa assenta no princípio da Baixa comercial, apro-

veitando as dinâmicas que foram resultando dos tempos em que existia comércio no piso térreo e a habitação nos pisos superiores. Actualmente a permanência das actividades nos lugares aumenta o potencial identitário aos mesmos, no entanto a tipologia habitacional não responde às necessidades espaciais da nova estrutura familiar e vivencial, o que crescentemente levou ao abandono dessas habitações, e pontualmente um novo sentido de ocupação, com os serviços a ocuparem este espaços devolutos, alterando forçosamente as dinâmicas dos lugares. Numa parcela do território em que o utilizador se afasta do perfil do estudante, uma vez que estes procuram as proximidades da universidade, a componente espacial poderá ser a resposta para a reinterpretação das vivências e para a introdução de novos programas.

Concluímos que o território de Coimbra necessita de programas que fomen-

tem a atitude afirmativa que o outro lado da formação da estrutura da cidade poderá conseguir, a Universidade, os estudantes. Resposta que acreditamos passar pelo trabalho transversal e paralelo entre as duas realidade, a produtora e a consumidora, procurando conteúdos com o intuito de integrar e interagir os sentidos opostos. Os produtos culturais (e acreditamos que em teoria a arquitectura é um deles) “atingem as classes de forma distinta”100 e cada um de nós, mesmo entre grupos sociais comuns, iremos extrair as nossas interpretações pessoais e gerar atitudes comportamentais opostas e complementares. Tudo isto resulta numa atitude objectiva, sintética que controle as variáveis em presença deixando margem para a “reconstrução dos significados” e para a “sua reapropriação”101. Assim os produtores podem ser eles próprios consumidores, diluindo as diferenças e aproximando as realidades constitutivas do território de Coimbra.

Embora interesse incidir na construção cultural da cidade, percebendo como

operar nos limites das construções dos possíveis programas, a dimensão tectónica permite entender de que forma se encontram soluções que potenciem a legibilidade dos espaços, entre a permeabilidade dos espaços estudantis, e a presumível privacidade dos espaços comerciais, no que ao limite espacial diz respeito. Neste sentido a geografia do território provoca ela própria sentidos diferentes de desenho e transposição espacial. Entre as escadas que permitem aceder aos pontos altos da Alta, os caminhos do jardim da Sereia e ao mesmo tempo os percursos dos novos jardins nas margens do Mondego. São inputs criativos que indicam perspectivas de concretização formal de relação entre as partes. (Figura 17) 100 - SANTOS, (2007) 101 - IDEM 92


A dimensão formal dos programas procura utilizar diversas ferramentas que deseham as transições espaciais sem recurso a barreiras físicas, o limite expressa-se pela variação potenciada pela luz, e o programa multiplica-se em áreas comuns sem mudar a percepção do todo. São momentos de imposição do programa em que este se funde com o lugar. Apesar de ser um conjunto de requisitos quantitativos, a matéria é expressão qualitativa que permite extrair a vontade intrínseca de cada programa.

FIGURA 17 - Dicotomias.

93


1.2 – Estratégia de intervenção 1.2.1 – Programa geral e programa específico de intervenção

O programa geral da intervenção procura uma aplicação híbrida. O híbrido

é um momento de transição que acontece quando propriedades distintas dos objectos convergem num e o resultado final é um novo objecto. Neste caso optamos por considerar o híbrido a totalidade da intervenção. Assim sendo consideramos a realidade Coimbrã, os estudantes, e procuramos dinamizar o tecido construtivo e as vivências através da introdução pontual de residências para estudantes ao mesmo tempo que procuras dotar o complexo valências que garantam o uso continuo e vinculativo dos espaços. Responder às necessidades estudantis e às necessidades da cidade, através da reconfiguração da utilização de parcelas do tecido.

A proposta pretende definir o geral de uma rede de infra-estruturas que ga-

rantam o uso da cidade, através da fixação, apoiado no sistema de mobilidade que Coimbra terá. A ligação entre os diversos pontos da estratégia para além de ser feita através do metro, recairá sobre o desenho dos momentos de transição entre os diversos espaços, pelo mobiliário, pelos pavimentos e possivelmente por algumas lógicas de desenho do objecto. Nesta rede de residências para estudantes estará também presente o desenho pontual de pequenos equipamentos que sirvam para fomentar a fixação e o acesso a momentos de lazer e de conhecimento. (Figura 18)

Face as necessidades do território pareceu-nos importante experienciar uma

atitude que permitisse responder objectivamente à especificidade que constitui o perfil do utilizador.

A vontade de manipular de forma operativa o programa enquanto variável

conceptual possibilitou a conjugação de diversos factores em presença na cidade de Coimbra, criando uma conjugação de conteúdos para uma ocupação geradora de uma nova identidade. Sistema de Mobilidade, Habitação, Pólos Universitários. A arquitectura enquanto resultado da manifestação das sociedades ou como nova plataforma de crescimento assenta numa base programática devidamente ponderada e que permita o desenvolvimento segundo inputs conceptuais que encontram depois conforto nas opções formais que se revelarem mais eficazes.

No entanto é igualmente importante objectivar a intervenção, numa sequên-

cia que permita sustentar através do geral, culminando na materialização de cada caso particular. Operando em territórios consolidados fará surgir a capacidade de acrescentar novas formas de ocupação, ou clarificar as conjugações formais e ocupacionais em presença. Coimbra possui uma vasta disponibilidade de habitação que se encontra devoluta e que não é capaz de ter um papel activo na construção 94


das vivencias nos lugares por uma má articulação formal dos espaços e de diferentes valências. Os símbolos resultam da aceitação por parte das audiências e são o resultado da construção mental que fazemos da conjugação de diversos conceitos, ou seja são resultado de padrões culturais específicos e que encontram no programa arquitectónico uma mecanismo metodológico de agregação de vários conteúdos e manipulação dos seus limites operando mais eficazmente no território.

A intervenção em Coimbra permitiu explorar algumas variações programá-

ticas, que possibilitassem a construção de uma nova forma de ocupar o território. Regra geral a variação incide pela composição de combinações que não garantam somente o normal funcionamento de um conteúdo mas sim de múltiplos conteúdos para que pontualmente se estabilizem pequenas formas de agregar a população, e os usos na rede de ocupação envolvente, a criação de programas híbridos, inseridos numa rede de mobilidade (metro) que levariam á progressiva mutação da imagem dos territórios intervencionados. Desta forma afirma-se a necessidade de reflectir acerca dos programas existentes para definir as potencialidades e aproveitar e as fragilidades para tentar colmatá-las. Como definimos anteriormente a atitude de múltiplos conteúdos (programas híbridos) seria o mote para repensar a ocupação estudantil das residências e ao mesmo tempo fundir esse uso com os de carácter mais urbano, publico, e abrangente. Pontualmente completa-se esta atitude com a introdução de uma nova realidade formal, novo programa, como premissa para perceber a aceitação e adaptação da nova realidade programática nas dinâmicas de funcionamento da rede urbana e da estrutura social. Neste sentido iríamos colmatar a rigidez programática que caracteriza parte do tecido de Coimbra com a introdução de novas combinações programáticas com multiplicidade de conteúdos, realidade híbrida, combinando a necessidade de habitação específica para estudantes com outras actividades sectoriais, incidindo nas necessidades programáticas de cada sector alvo. O que apoiado na linha de metro possibilita deslocar as pessoas rapidamente em torno dos conteúdos, associados ao crescimentos dos Pólos Universitários e dos tecidos consolidados e convergentes da estrutura urbana da cidade em busca do programa que melhor sirva o interesse do utilizador, da mesma forma que a arquitectura nessa altura procuraria manipular as novas vertentes programáticas, novos programas, com capacidade de mutação rápida para procurar estimular as capacidades cognitivas e vincular a atitude cívica e a participação activa dos agentes envolvidos no processo de afirmação e crescimento sociocultural.

95


OPORTUNIDADE NOVO PROGRAMA

IDADE OPORTURNOGRAMA

96

NOVO P

DE UNIDA OPORT PROGRAMA NOVO

O R T ME


DE UNIDA A OPORT PROGRAM

NOVO

MET

RO JARDIM DA SEREIA

NOV

OPOR

O PR

TUNID OGR ADE A MA

AREA DE INTERVENÇÃO

METRO

FIGURA 18 - Programa Geral.

97


1.2.2 - O Lugar e o novo programa

Tendo como limite o jardim da Sereia, este território é um momento de transi-

ção no desenho urbano e ao mesmo tempo a passagem para uma nova parte da cidade. A sua proximidade com dois grandes momentos de definição das actividades pública, o jardim e a biblioteca, torna-o ideal para a manifestação programática na cidade. A criação de um programa complentar às actividades académicas que funcione como elemento de reformulação e reestruturação do desenho do quarteirão.

O programa habitacional encontra-se presente no local, embora este se des-

ligue parcialmente da sua relação com o restante espaço construído, acaba por limitar que o usufruto do espaço envolvente se processe. De tal forma que o território parece abandonado, devido as limitações físicas provocadas pela topografia e pela vegetação. O programa fecha-se sobre si mesmo e não dinamiza as relações com os restantes programas. Então parece-nos importante que primeiramente os programas interpretem o funcionamento da cidade, para que a resposta permita a existência de flexibilidade deixando assim que o edifício para além da sua função de base, ocupe também um lugar na cidade como elemento da estrutura morfológica e possa então ser parte integrante, mesmo que com as possíveis mutações no uso, o carácter urbano seja mantido, principalmente fomentando, neste caso, a relação com o Bairro Silva Barros como permeabilidade de percurso, aproveitando a transição de escala, e percepção que se poderá ter de toda a intervenção.

O que procuramos é uma realidade que torne permeável a transição de co-

tas, através de um programa que cruza sequencialmente primeiramente um programa de Habitação com um Centro Académico. O programa esbate-se no território e em função do tipo de relação com a cota de chegada o programa desmultiplica-se. Como lógica de funcionamento híbrido pretendemos que os espaços se desenvolvam em função do percurso que se terá no edifício, e se articulem como um todo. O objectivo é fazer a junção entre os diversos conteúdos, servindo a maior parte da população do território. Assim sendo o módulo para o quarto visa servir a população estudantil, e fundindo-se com a plataforma horizontal cruzar as múltiplas opções do programa. (Figura 19)

A opção de ajustar a dimensão pública (plataforma) de forma horizontal com

a habitação, vertical, procura interpretar os valores tradicionais de ocupação do solo, em que a habitação se organiza de forma vertical, ocupando menos solo e elevando-se perante a via e o equipamento, como grande espaço publico, estrutura-

98


se horizontalmente, permitindo ao utilizador a percepção da totalidade do espaço, sabendo quais os conteúdos que se processam ao mesmo tempo que os alcança visualmente. Neste sentido a comunicação do programa é mais eficaz, e embora as actividades se vão cruzando tendo a plataforma como elemento rotor, gerandodescompromisso face à aparente rigidez formal.

A resposta formal face à envolvente prevê que, antes de ser um equipamento

habitacional, ou de cultura, o objecto é também um elemento que compõe o desenho urbano, e este sugere lógicas de ocupação, perfil de via, permeabilidade do lote, e utilização do logradouro que, amarram o todo ao lugar.

A diferença, neste caso, entre programa híbrido e condensador social está

presente nos conteúdos, o programa híbrido não procura de forma alguma ser autosuficiente, apenas responder a um conjunto de estímulos do meio, provocar os seus próprios estímulos e funcionar como um todo, vontade expressa na materialização da proposta, onde os materiais que cobrem a plataforma cruzam originando o revestimento das torres, como critério de dissolução do limite tectónico, da mudança de escala e de programa uma vez que a oposição horizontal/vertical reflecte empiricamente a transição de conteúdos.

A junção de um equipamento com a oferta de habitação procura consolidar

as vivências futuras, garantindo que a necessidade de habitação resulta também na procura de conteúdos complementares, no caso de espaços de trabalho.

Particularmente os conteúdos procuram um público mais abrangente, na es-

trutura urbana, e não só os estudos e/ou residentes no complexo, daí a transição de cotas feita por um espaço publico com zonas de lazer, e áreas desportivas, para a convivência simultânea de diferentes expectativas de diversos públicos, ou mais concretamente de tempos de estadia distintos, uma vez que um mesmo publico pode procurar os programas propostos pertencendo ao conjunto de pessoas cujo perfil pertence à estratégia definida, mas em tempos distintos requerer actividades que se complementam, ou seja a intervenção não se abre directamente à generalidade da população, procura sim desenvolver conteúdos que interagindo com os utilizadores vão progressivamente sendo uma referência na ocupação do território e na disponibilidade programática e ser parte da aceitação como elemento simbólico de uma realidade que caracteriza fortemente o território do Coimbra. (Figura 20)

99


Necessidades programáticas e áreas afectas

QUARTO

Directrizes Espaciais e Funcionais

ATELIER

PROGRAMA DE INTENÇÕES

RESTAURAÇÃO V CONVIVIO AZIO

ADMINISTRAÇÃO

Pretende-se que as soluções a apresentar para o Centro académico e para a Residência de Estudantes traduzam uma reformulação das

O V I U Q AR

vivências no quarteirão e na sua relação com o restante tecido construído. Uma imagem capaz de representar, do ponto de vista formal

VAZIO

e estético, um conjunto de ambições e expectativas inerentes a população estudantil de Coimbra. Mas que acima de tudo, dotar a cidade de uma infra-estrutura de flexibilidade funcional tal que qualquer cidadão sinta o espaço como sendo algo que complemente as vivencias

ARMAZENAMENTO

COLECTIVO

urbanas de uma população academicamente activa.

Complementarmente, seria espectável a apresentação de uma proposta consolide o desenho do espaço público entre o Jardim da Sereia, a nova linha de Metro e o quarteirão a intervir. Tendo em conta que a localização da biblioteca municipal, e do próprio jardim como espaço

O Ã Ç A R T S I N ADMI

publico de excelência.

L A U D I V I D IN INFORMÁTICA

No que diz respeito à Residência para Estudantes, pretendemos uma reflexão ponderada sobre a relação do estudante com o seu espaço

A I R A R V LI

íntimos, bem como a nova tipologia espacial que possa servir o público estudantil. Relativamente ao Centro Académico, idealizamos um

espaço de trabalho integrado e complementar aos restantes conteúdos programáticos existentes na cidade, e que ao mesmo se caracteriza

S OFICINAS INAS OFICINA OFICZONA DE ESTAR

PESQUISA A VAZIO CONSULT

CENTRO ACADÉMICO + RESIDÊNCIA DE ESTUDANTES

Ó AUDIT

pela capacidade de transformação e adaptação a novas exigências de conteúdo.

Trabalho Colectivo: (500m2) Espaço destinado ao trabalho entre diversas pessoas de forma simultânea, sem que isso perturbo o restante

RIO

funcionamento do centro, nem a sua configuração formal. Desta forma corresponde não só aos momentos de trabalho mas também aos tempos lúdicos e de descontracção.

VAZIO

Informática/Multimédia: (150m2) Trabalho simultaneamente individual ou colectivo. Interacção permanente.

ARQUIVO

Auditório: (300m2) Área de recriação cultural Pesquisa/Consulta: (200m2) Acção de investigação.

ACESSO

CAFETARIA

Oficinas: (250m2) Trabalho manual específico. Áreas de experimentação.

ACESSOS VERTICIAS

maior exigência.

ACESSOS VERTICIAS

Trabalho Individual: (800m2) Área disponível para o trabalho individualização que pressupõe momentos de concentração e abstracção com

Arquivo: (150m2) Administração: (600m2) Restauração/Salas de Convívio: (1400m2) Acessibilidades: (300m2) Quarto Atelier: (16m2 + 16m2)

Novo espaço de confrontação pessoal entre o espaço o trabalho e o lazer. Solução flexível e mutável em

função da expectativa e necessidade de cada estudante.

ADMINISTRATIVOS ADMINISTRATIVOS LAZER LAZER

SALAS DE TRABALHO SALAS DE TRABALHO COLECTIVO COLECTIINDIVIDUAL VOINDIVIDUAL DESPORTO DESPORTO 100 FIGURA 19 - Programa Escrito.

QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER QUARTO ATELIER LAZER LAZER ACESSIBILIDADE ACESSIBILIDADE PESQUISA/CONSULTA PESQUISA/CONSULTA DESPORTO DESPORTO AUDITÓRIO AUDITÓRIO


FIGURA 20 - Programa Desenhado.

101


1.2.3 - Estruturação conceptual do pensamento

A transposição dos conceitos decorrentes do programa para uma estrutura

formal de organização implica a definição de critérios e a sua comunicação.

A estruturação do pensamento é o momento em que se definem as acções

a aplicar. Os objectivos finais do projecto ganham agora consistência e poderemos perceber como manipular os conteúdos de forma a hierarquizar o todo.

Koolhaas defende que através dos diagramas conceptuais podemos ante-

cipar as “relações, proporções, ligações/conexões”102 e potenciar o carácter final dissecando múltiplas soluções. No decorrer da investigação e do ensaio prático pareceu-nos que metodologicamente seria importante a aproximação a esta linha de pensamento, uma vez que seria possível obter mais certezas da multiplicidade interactiva de conteúdos.

O programa apresenta-se de forma quantitativa, como um conjunto de ne-

cessidades que nos pareceram ser fundamentais para garantir a transposição da realidade social e formal de Coimbra para um novo tipo de equipamento e um novo tipo de programa, acertando as vontades que motivam a propostas com os conteúdos já existentes e vigentes nas actuais construções de carácter semelhante, nomeadamente em residências de estudantes, em Coimbra e em complexos estudantis, mais concretamente no Paul Milstein Hall Cornell University, USA, Ithaca, New York, 2006, obra do atelier OMA.

Tendo em conta a tipificação do utilizador passamos agora a definir a sequên-

cia e relação que pretendemos extrair de cada conteúdo do programa. Na definição daqueles que poderão ser os potenciais grupos de consumidores Maria de Lourdes Lima dos Santos apresenta-os da seguinte forma: consumidores esporádicos, consumidores populares, de culto ou snob, e consumidores insaciáveis, dependendo das relações mantidas com as produções culturais e com uma organização ascendente entre os que têm um consumo reduzido e os que possuem um grau elevado de dependência face aos produtos culturais nas suas variadas manifestações, entre as publicações escritas, audiovisuais, e as actividades físicas, tais como concertos, peças de teatro, performances artísticas, exposições, entre outros103.

Nesta intervenção pretendemos introduzir uma relação de conteúdos especí-

fico, na realidade do funcionamento urbano, com uma estrutura urbana e pública, de acesso generalizado e uma utilização formalmente publica mas manifestamente privada, caso das residências, potenciando assim os usos no geral. Sabendo que 102 - AURELI, e MASTRIGLI, (2006) : 102 103 - SANTOS, (2007) 102


FIGURA 21 - Maqueta da estrutura conceptual.

103


determinados conteúdos irão provocar a percepção específica nos variados grupos, podemos então almejar que a dinâmica geral incorpore essas possibilidades, através da relação extraída das diversas áreas, interagindo com a dimensão íntima, sensorial, perceptiva e comportamental compatível com a variedade de utilizadores.

O desafio passa por dar expressão física a estes inputs conceptuais, relacio-

nando a estrutura teórica do pensamento, os dados estáticos e quantitativos do programa, operando na dimensão física de território através de um ensaio formal com uma forte componente conceptual.

Afirmando o desenho de todo o quarteirão através da transição feita pelo

espaço público, percebendo desde logo a forma como os volumes se articulam. Do espaço público é feita a relação entre os percursos existentes e os propostos, a transição de cotas converge para um patamar intermédio onde será possível iniciar o percurso no interior do complexo e onde o programa adquire um maior compromisso para com as necessidades espaciais. Assim sendo, do espaço público, elemento de convergência estratégico, lugar das actividades de lazer, (desportivas e performativas), acedemos primeiramente de forma perceptiva e posteriormente de forma convicta e física, aos espaços de trabalho disponibilizados no centro académico e de forma mais privada à residência de estudantes nos pisos superiores.

Conceptualmente a plataforma é o elemento estável de correlação espacial

e de compromisso entre o programa e o desenho da proposta, é permeável para a confrontação (perceptiva) dos espaços ao mesmo tempo que se encerra para os momentos de transição entre as múltiplas actividades disponibilizadas pelo conteúdo programático (áreas de trabalho comum, individual, consulta e nas próprias mudanças para as áreas reservadas). (Figura 21)

A residência apresenta uma estrutura modular, como resposta à necessidade

de disponibilizar ao estudante um espaço em que este se sinta capaz de controlar as disposições espaciais dos seus próprios objectos, e não o de os integrar em estruturas rígidas e formalmente definidas a priori. Pretendemos assim a apropriação evolutiva daquele que será espaço de manifestação individual dos estudantes, lugar que ocuparão permanentemente durante o seu tempo de estadia. Um input conceptual extraído do conceito de Studio Residence, que vem sendo aplicado em territórios estudantis e do qual Coimbra faz parte, mas que pretende um carácter de compromisso maior entre o estudante e o seu espaço.

104


1-2-4 - Atitude multidisciplinar

A atitude multidisciplinar no processo de especulação conceptual resulta da

necessidade de entender os fenómenos socioculturais que caracterizam enormes massas de população estudantil, neste caso universitária, em que o grau de mobilidade é grande e a fixação/permanência reduzido. Perceber a abrangência destes fenómenos, bem como as necessidades resultantes do uso da cidade e dos espaços que a constroem é importante para a sustentação da estratégia e do programa geral e especifico da intervenção.

O conjunto de cursos e áreas de ensino existentes isto irão produzir seres pen-

santes que se confrontam diariamente com expectativas distintas face aos espaços, e com necessidades para a produção diária também elas distintas – ao falar disto remete-mos para os Studio Residence que resultam de uma analise detalhada à necessidade de novos espaços que permitam aos estudantes ter maior comodidade entre o espaço de dormir e zonas de estar que a habitação deverá disponibilizar em Coimbra isto parece-nos uma premissa interessante para o desenvolvimento do discurso conceptual. Ora para o entendimento destas matérias devemos procurar o contributo vinculativo que outras áreas do conhecimento possam transmitir mantendo assim o programa em aberto.

Entendendo a extensão dos fenómenos de procura, deveremos incorporar va-

riedade na oferta, a possibilidade de proporcionar espaços que respondam eficazmente a especificidade que cada área disciplinar manifeste.

Existem espaços nas cidades que graças ao seu posicionamento no tecido

funcionam com elementos agregadores de públicos, sem que o seu conteúdo se relacione com as actividades mas porque permitem ser facilmente referenciados. No fundo são espaços com características que permitem actividades multidisciplinares graças á capacidade de transformação rápida e geradores de comportamentos. Referimo-nos, principalmente, aos cafés, esplanadas que desde sempre foram veículos difusores da cultura. Graças á mutabilidade das acções sem que variem as disposições formais estes espaços conseguem albergar múltiplas actividades ligeiras.

O equipamento proposto procura interpretar estas dinâmicas de ocupação e

possibilitar que não só os estudantes mas também pessoas da cidade cuja actividade assim o justifique possam usufruir do complexo. Assim os estudantes encontram um programa que os serve enquanto população estudantil, e os restantes habitantes um programa que lhes possibilite a realização de actividades específicas apoiados no carácter de referenciação que o equipamento terá.

105


1.3 – Transformação do programa 1.3.1 – Transformação através do desenho

Acreditamos que a mudança na definição do território ocorrerá através do

desenho, não somente pelo desenho das peças, mas também pelo desenho urbano, a conjunção e a transição entre o espaço público, cidade, e o espaço privado, peça arquitectónica. Como Kevin Lynch afirma na cidade existem sistemas de referenciação, que nos permitem não só a leitura das diferentes escalas como o reconhecimento de determinados lugares por aquilo que estes nos dizem enquanto elementos do todo.104

Ligar diversos pontos da cidade para os quais se torne pertinente propor uma

objecto é um exercício complexo do ponto de vista urbano, uma vez que a distância física entre eles poderá ser grande. Ora desta forma é no desenho dos elementos morfológicos que conseguiremos este carácter unitário. Através do pavimento escolhido, na transição entre o público e o privado com a criação de ritmos que se tornem comuns, e ao mesmo tempo apostando num desenho para os elementos que constituem e caracterizam a rede de mobilidade de Coimbra, nesta fase poderão ainda surgir experiências que ligam as novas realidade programáticas, com performances comunicativas, como pontos interactivos, entre outros. O desenho das partes deverá ser contextualizado por uma estratégia e um desenho para o todo.(Figura 22)

No desenho dos espaços que dão forma à Biblioteca de Seatle Rem Koolhaas

opta por formalizar espaços de transição em que intencionalmente não define nenhuma regra que sirva para condicionar as actividades, gerando assim compromisso do utilizador tendo em conta as opções tomadas. A definição dos momentos de estadia é arbitrária, semelhante à atitude tida nos jardins japoneses onde não definindo os percursos os arquitectos optam por analisar, em função do uso desses espaços quais os percursos mais utilizados no acesso e posteriormente proceder à consolidação da proposta materializando os percursos.

O momento de definição estratégico que caracteriza os programas arquitec-

tónicos necessita de uma transposição para uma dimensão palpável e mensurável, garantindo dessa forma a interacção com os utilizadores, pelos sentidos e pela memória, para uma maior identificação com os lugares e para garantir o uso correcto dos espaços.

O desenho dos programas deverá ser assim um momento de formalização das

suas intenções pela mão do arquitecto com o intuito de atingir os objectivos finais

104 -LYNCH, (2008) 106


FIGURA 22 - Desenhos

107


para o objecto. Através do desenho atingir-se-á uma maior clarificação dos usos destinados a cada espaço, resultando numa apropriação eficaz e consequentemente uma maior identificação por parte dos utilizadores.

No caso específico do Centro Académico e da Residência de Estudantes, o

programa inicial procura a definição de uma realidade programática para o território que se traduza numa peça única de afirmação dos usos, um desenho unificador.

Neste ensaio a opção recaiu pelo desenho de um objecto (com as respec-

tivas variações formais nas partes) que procura-se estabilizar a relação de cotas e de volumetrias dos lugar e clarificar o resultado imagético deste território enquanto rótula na transição para um novo desenho da cidade. (Figura 23)

Muitos dos edifícios que conhecemos nas cidades e que vão perdendo influ-

ência no funcionamento das mesmas devem esse factor à má ligação programa com a realidade do tecido urbano. Sabemos no entanto que existem elementos marcantes que através de um novo objecto, uma nova implantação e uma nova geometria, comunicam e relacionam formalmente os programas com a sua envolvente urbana com sentido de continuidade ou como forma de ruptura.

Neste caso a aproximação de realidades, do jardim na cota baixa e a do

tecido urbano na cota alta, bem como a ligação com o Bairro Silva Barros induz um desenho que aproxima disponibilidade de habitação dos limites do terreno, fazendo com que o acesso específico à residência seja feito maioritariamente através da rua, transpondo da realidade do funcionamento urbano, remetendo o equipamento para o interior do quarteirão, posicionando-se longitudinalmente, serezindo um novo acesso que liga o espaço, o referido equipamento directamente com o Bairro Silva Barros. A transição do Bairro para o equipamento é feita sob a disposição volumétrica deste, e a transição da Avenida Afonso Henriques é feita sobre o equipamento, disto resultam dois momentos de aproximação ao equipamento deixando numa posição intermédia na leitura vertical, a plataforma liga visualmente os três momentos, e embora possam parecer contrastantes as duas realidade acabam por se aproximar.

Referenciados na obra do OMA, Paul Milstein Hall Cornell University, percebe-

mos que o programa se dilui. Não é mais que um grande open-sapce que confere transparência ao espaço e percepção do funcionamento de todos os espaços, onde o desenho do mobiliário acaba por separar fisicamente cada um dos espaços, e com a materialização dos pavimentos conduzir o utilizador pelos diversos momentos do equipamento. O programa concentra um elevado número de valências que acabam por formalizar uma memória que nos remete para as produções em serie, típica da produção industrial, em que os espaços se complementam de forma sequencial, o espaço de trabalho individual tem ladeado um zona de pesquisa, uma 108


FIGURA 23 - Liberdade funcional da organização horizontal e o condicionamento da apropriação vertical do programa 109


zona de informática, permitindo rapidamente complementar as actividades que são necessárias.

A transformação através do desenho diz respeito à transformação do progra-

ma enquanto conjunto de dados científicos, quantitativos e estáticos e à consequente transformação do território através das opções e do posicionamento formal da proposta enquanto elemento dos sistema urbano. (Figura 24e25)

O objecto é influenciado pelas características do lugar, as geometrias são

reinterpretadas e o perfil dos passeios é redesenhado para encontrar a pré existência e as leituras que os edifícios conferem às ruas enquanto elementos morfológicos, passando a ser o objecto ele próprio motivador de novas opções formais para o lugar.

A multiplicidade dos conteúdos presentes no programa procura uniformidade

operando nos limites de cada transição volumétrica e programática. O limite dilui-se no percurso, na mudança de matéria e no sentido de ocupação (vertical e horizontal). Não existe portanto sectorização das actividades, embora se distingam os sentidos de ocupação. A construção mental do utilizador e a definição tectónica cruzamse e pretendemos afirmar as de ocupação, a comunicação incidindo nos conceitos pré-concebidos em cada um de nós. Empiricamente produzimos expectativas para com os espaços, resultado das memórias que temos de espaços com um funcionamento semelhante, no entanto a alteração dos comportamentos dá-se em função da percepção que temos do espaço, e nessa altura adaptam-se comportamentos e modos de ocupação. Esse é o fenómeno que se extrai da residência, com o desenho livre que permite ao estudante a transformação de um espaço em que ele deverá ocupar despreocupadamente, e o restante complexo com sentidos de ocupação definidos e onde podemos cruzar agentes diferentes, que no funcionamento tratam de matérias diferentes, áreas de estudos diferentes (necessidades diferentes).

110


FIGURA 24 - Dimensão física da construção do programa arquitectónico 111


1.3.2 - Flexibilidade programática A flexibilidade programática traduz-se numa atitude em que a estratégia tem como objectivo influenciar a cidade, ao mesmo tempo que só conseguirá evoluir e infiltrarse se conseguir que a cidade influencie os seus pressupostos e atitudes. Desta forma Coimbra não é apenas habitada por estudantes, e estes são como temos vindo a perceber e a afirmar uma população sazonal. Desta forma devemos responder às necessidades de conteúdo que os estudantes têm ao mesmo tempo que não limitamos os espaços apenas aos estudantes. As dinâmicas culturais de uma cidade jovem, conferem desde logo aos programas incerteza na continuidade dos mesmos, uma vez que os processos de mutação ocorrem em ciclos mais reduzidos, ajustandose à variação ocorrida. No entanto ao definir uma matriz coerente e consistente, em que o programa apesar de ser afirmativo não é de todo estrangulador, vai sofrendo ajustes pontuais e assim sendo procurar uma adaptação permanente. O tempo de afirmação da arquitectura é mais lento comparativamente com o de outras manifestações culturais, o que levará a uma ponderação devida, entre as vontades iniciais e aquelas que serão as realidades vigentes quando a materialização se encontrar finalizada. Ao nível do espaço público e do acesso a todos, a especificidade de um programa, é uma forma de garantir que essas variáveis, no mínimo, estão estudadas e controladas, no entanto e como um corpo em crescimento é influenciado pelo meio o ajuste estratégico inicial deve ir ocorrendo progressivamente garantindo a adaptação e evolução dos conceitos. Daí resulta a opção pelo desenvolvimento de uma área de quarto modular, bem como do open-space que está implícito no desenho do centro académico. Ao nível das residências, o processo conceptual, e o desenho procuramos ensaiar um modulo capaz de variar face às necessidades e exigências, aquilo que no inicio da vida académica pode começar com um quarto, ou um quarto mais um ateliê de trabalho, pode ir absorvendo outras dimensões que resultem numa combinação entre lazer e trabalho. O quarto deixa de ser apenas o quarto para passar a ter o ateliê, a sala, a cozinha… o estudante deixa de estar sozinho no módulo e outras pessoas podem ocupar o mesmo espaço.

Outra das características que poderá tornar flexível a intervenção é a opção

de nas torres habitacionais propormos um revestimento em madeira, reinterpretando o sentido da cofragem dos lados que são completamente encerrados, e que correspondem aos acessos, e permitem que os alçados adquira configurações distintas decorrentes dos usos, e se percebe pela disposição mantida a taxa e o tipo de ocupação das residências, uma vez que necessitaremos de menos luz nos quartos, mas nos módulos ateliê será necessário a introdução de mais luz natural. 112


FIGURA 25 - Limite fisico e limite visual dos conteudos 113


1.3.3 - Criação de um Todo simbólico

São bastantes as cidades que possuem um elevado número de estudantes,

e pólos universitários. Pontualmente anexo ao pólo estão residências para estudantes, mas quando isto acontece em áreas mais periféricas. Estas cidades optam pela dispersão dos pólos pelo tecido para garantir uma actividade capaz de dinamizar o crescimento da cidade nesses novos limites urbanos. Estas mudanças estratégicas podem contudo prejudicar as vivências que se vão construindo, a não ser que se adoptem mecanismos de integração e referenciação com os novos programas. Um desses factores reside nas infra-estruturas de mobilidade na cidade, através dessas infra-estruturas a cidade poderá afirmar um sentido de percurso que ligue as novas realidades com recurso ao desenho de códigos de referenciação temático. Estações do metro, pavimentos, equipamentos adjacentes, entre outros. Determinado sector terá características de conteúdo transversais à polarização existente, de continuidade, de consolidação, a aceitação destes novos conceitos, destes produtos imagéticos das vontades intrínsecas, será o elemento que os tornará simbólicos. Os programas são os motores das actividades e do desenvolvimento, e ao serem reconhecidos como referências tornam-se símbolos.

Os símbolos, para se afirmarem como tal, necessitam de partilhar um conjunto

de valores nos quais a população se reveja. A oportunidade de fazer de Coimbra uma cidade verdadeiramente dos estudantes passa por construir elementos que traduzam essa necessidade bem como garantir que o tecido se vai mutando com o passar dos tempos em prol desta realidade. Uma cidade não se faz só dos estudantes, mas as inter-relações resultantes garantem o normal funcionamento uma vez que os estudantes também usufruem dos restantes sectores económicos. O objectivo é que Coimbra clarifique as opções e aproveite a oportunidade que tem de optimizar a relação entre a área intelectual, e a produtiva da cidade, produzindo conteúdos agregadores. O objectivo final é ver a cidade repleta de módulos identitários, prosperando uma nova forma de pensar a cidade.

114


Conclusão

O objectivo principal da investigação era perceber de que forma o programa

arquitectónico, enquanto input do processo de especulação conceptual poderia ser reflexo da estrutura sociocultural e através dos fenómenos perceptivos e comportamentais servir como símbolo, referência, da mudança na relação dos tecidos com determinados públicos-alvo e na estrutura tipológica.

Preocupou-nos numa fase inicial o papel que o arquitecto tem numa socieda-

de em contínua mutação, com trocas culturais fortes e em que o acesso à informação é mais rápido e os acontecimentos propagam-se a uma velocidade estonteante. Daí realçar a importância das definições de Boaventura Sousa Santos tiveram na construção e organização do pensamento. Através do conceito de hermenêutica diatópica podemos perceber que para a afirmação de um produto cultural específico numa rede trocas e comparações de modos de ser, agir e estar é importante consolidar cada produção cultural e partir para uma confrontação em que sejam avaliados sob os mesmos critérios as realidades opostas, só assim se poderão extrair resultados sérios e operativos pois as condicionantes serão sempre as mesmas e a exportação dos valores culturais mais eficiente e eficaz.

Quando, por ventura, isto não se verifica, o que sucede em inúmeras situa-

ções, deparamo-nos com uma outra realidade, que embora não desenvolvida na investigação se manteve presente e que se refere ao conceito de relativismo cultural, defendido por alguns autores em que as opções e comportamentos variam de forma relativa, aos olhos de cada agente. As diferenças culturais são relativas bem como os comportamentos inerentes, o que num factor comparativo provoca conclusões inconsequentes dificultando a certeza nas opções tomadas. Seria contudo interessante como componente de análise para futuras investigações dada a relação directa existente entre o comportamento a pessoa e o meio em que estamos inseridos, visto que do meio resultam estímulos processados individualmente por cada um de nós, e ao nível da acções comprometer as decisões. Se do meio os estímulos são objectivos e devidamente interpretados, reflexo de realidades específicas, melhor será o aproveitamento dos espaços, ao nível dos usos, da satisfação pessoal e da criação de símbolos arquitectónicos, ou de símbolos materializados através da arquitectura. A preocupação de investigar esta área da definição metodológica é pois uma consequência directa da preocupação com fenómenos culturais e o papel dos agentes no seu controlo e manipulação ao nível dos conceitos. CXV


Os programas são, como referimos, produtos culturais e temporais, e na maio-

ria dos casos encarado como elemento a cumprir e não como uma variável, que apenas indica sequencialmente necessidades espaciais para que o objectivo funcione minimamente. Alguns conteúdos programáticos manter-se-ão fechados, sem a possibilidade de grandes manipulações. Contudo enquanto formalização estratégica, consideramos que a arquitectura deverá assumir um papel de maior destaque na construção dos programas, concebendo desde logo a especulação conceptual em torno de inputs que resultam do cruzamento entre HOMEM/CULTURA/ARQUITECTURA. Do ponto de vista operativo a grande vantagem de lidar directamente com as variáveis culturais e especificas de cada lugar no momento de definição das acções, concretizáveis através de objectos com conteúdos vocacionados, ou que procurem de forma e clara sustentada pela interpretação do fenómeno cultural, redireccionar o tipo de utilizador, e educando-os para as novas actividades e vivenciais.

A grande referência da obra de Rem Koolhaas permitiu perceber de como

encarar o fenómeno sociocultural e como ocorrem as transformações no projecto. O trabalho de investigação desenvolvido por Koolhaas e que culmina no livro “Delirious New York”, reflecte a interpretação feita dos fenómenos sociais, os novos modos de vida e consequentemente a ocupação dos solos. A partir deste retrospecto Koolhaas encara a nova realidade híbrida dos conteúdos de cada objecto e as potencialidades que a escala proporciona encarando da mesma forma a relação entre os diferentes elementos morfológicos, a escala da rua, do peão, e das permeabilidades, física e visual, resultado do desenho dado ao piso térreo. É uma nova forma de encarar o projecto que permite trabalhar previamente os futuros usos e relações.

Daí

o recurso que o OMA faz dos diagramas como elemento de comunicação do projecto, mas também como ferramenta para alterar opções. Como comunicação de projecto, indica a sucessão de espaços e a relação estabelecida com a envolvente, os tipos e modos de ocupação, clarificando assim as opções.

Concluímos também que uma das respostas emergentes face ao acelerado

fenómeno de globalização está ma flexibilidade que caracteriza os programas. A apropriação e mutação evolutiva dos espaços traduz-se em produções arquitectónicas mais consistentes e toleráveis à mudança sem que tal se traduza num fachadismo vago que apelam a memoriais que na maioria dos casos não são suficientemente vinculativas. A capacidade de provocar estímulos é uma característica fundamental da arquitectura, permitindo uma interacção com os utilizadores, num sistema em que estímulos provenientes dos utilizadores têm também a capacidade de alterar funcio-

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namentos e conteúdos dos objectos. Isto levou-nos, na investigação, as três principais tipologias de programas (apoiados num estudo feito pela edição 222 do Jornal de Arquitectos), que possibilitam a produção de novos conteúdos, mais próximos da sociedade e das correntes artísticas, performances experimentais, possibilitam também a reinterpretação dos programas existentes, pela reconfiguração das tipologias e dos seus conteúdos, assim como do funcionamento dos objectos no sistema urbano. Finalmente surgem os programas híbridos no contexto da aproximação de conteúdos, e de novas formas de vida, em que as actividades se fundem no ciclo diário, como potenciadoras de novos usos e atracção de novos utilizadores através do cruzamento de conteúdos.

Procuramos ensaiar alguns destes princípios no território de Coimbra. Historica-

mente o território foi marcado por ocupações distintas embora com posicionamento geográfico similar, aproveitando as condicionantes, e a cidade viveu da relação de dependência face a essa mesma ocupação sem procurar vincular um determinado uso. Assim sendo a evolução da cidade deve procurar educar públicos face a essa realidade indicando concretamente uma estratégia que regule todo o tipo de ocupação. Entendemos ser importante afirmar culturalmente a presença dos estudantes e criar pequenos conteúdos ocupacionais apoiados nos sistemas de mobilidade da cidade que potenciem a marca estudantil ao mesmo tempo que procurar fixar novamente as vivencias reconfigurando conteúdos repovoar lugares, nomeadamente o caso da Baixinha.

A proposta do Centro Académico e da Residência de estudantes resulta da

intenção de agregar e fixar a população estudantil, mas ao mesmo tempo disponibilizar conteúdos para os vários tipos de utilizadores da cidade, ligados as restantes actividades sectoriais. Assim sendo resulta num novo suporte de vivencias de lugar, com o cruzamento da realidade residencial e a funcional da cidade, desenhados numa parcela especifica do território em que o programa ajusta a ambição funcional com relação com a envolvente e que garante que as dinâmicas sejam efectivas e próprias desta parcela identitária de Coimbra.

A incidência da investigação recaiu sobre a base metodológica e concep-

tual da produção dos programas, como momento inicial para a confrontação das necessidades dos utilizadores e a materialização espacial dessas mesmas necessidades. No entanto poderíamos, deixando em aberto para futuras investigações, perceber como traduzir do ponto de vista tectónico as potencialidades dos programas, como elemento vinculativo dos espaços com as intenções e com as funções. Como elemento de complemento da especulação inicial e concretização conceptual das necessidades programáticas. CXVII


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