Comentário: 13° Domingo do Tempo Comum - Ano B

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DEUS É O SENHOR DA VIDA BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 12° DOM. COMUM - COR: VERDE

I. INTRODUÇÃO GERAL

Evangelho (Mc 5,21-43): Jesus, vencedor da morte

1. "Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição..." Toda celebração eucarística é memorial da vitória de Cristo sobre a morte, pois o nosso Deus é Senhor da vida que nos criou para a imortalidade. A morte não provém dele (1º leitura: Sb 1,13-15; 2,23-24), e é por isso que o Senhor Jesus resgata da doença incurável e da própria morte (evangelho: Mc 5,21-43). Ele, sendo rico, fez-se pobre para enriquecer-nos e ensinar-nos a partilhar, para que haja igualdade (2º leitura: 2Cor 8,7.9.13-15).

7. O Evangelho de Marcos avança perguntando a cada passo "Quem é Jesus?" O longo trecho deste domingo pertence a um bloco maior, iniciado em 4,35 – um bloco de três episódios (cf. evangelho do domingo passado). O texto de hoje é o terceiro episódio. Ele mistura habilmente duas cenas, mostrando dois inimigos poderosos vencidos por Jesus: a doença incurável (mulher com hemorragia) e a morte (a filha de Jairo). Nesses três episódios temos, portanto, uma seqüência que culmina na morte: tempestade (4,35-41), Legião (5,1-20), doença incurável, morte. Com essa seqüência Marcos mostra quem é Jesus, vencedor também da morte aparentemente irreversível (veja 5,35b: "Por que ainda incomodar o Mestre?"). São quatro vitórias coroadas pela ressurreição. É também significativo o fato de serem três episódios e quatro inimigos, pois esses números (3 e 4) geralmente não são neutros, mas vêm carregados de conteúdo simbólico. Em outras palavras, não representam apenas quantidades, mas sobretudo qualidades; lidos simbolicamente, falam de totalidade. Paulo afirma que o último inimigo a ser vencido se chama "morte" (l Coríntios 15,26).

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ª leitura (Sb 1,13-15; 2,23-24): "Deus não fez a morte"

O livro da Sabedoria é fruto maduro da experiência de vida de Israel. Surgiu em grego por volta do ano 50 antes de Cristo, em Alexandria (Egito), onde se instalara a maior comunidade judaica da diáspora. Envolvidos pela civilização grega (helenismo), os judeus arriscavam perder a própria identidade e se entregar à busca dos "valores" propagados pelo helenismo como caminho para alguém ser feliz. Perdendo as próprias raízes deixavam sem fundamentos a própria 8. De passagem, lembremos o contraste entre sinagoga e casa fé. no Evangelho de Marcos. Sinagoga é quase sinônimo de mor3. É um texto sapiencial e, como tal, reflete os problemas te, ao passo que a casa lembra a vida. Aqui, a sinagoga está existenciais que cedo ou tarde batem à porta de nossa frágil representada pelo chefe Jairo. A ressurreição acontece na casa. existência: o sentido da vida, sua fugacidade, o engodo das 9. De volta à Galiléia, com habilidade Marcos encaixou a riquezas e do poder, a morte como única certeza, o desejo de ir cena da mulher com hemorragia no episódio da ressurreição além da própria morte. Recorde-se que nesse período ainda se da filha de Jairo. Poderíamos pular do versículo 24 ao 35 sem está ensaiando uma visão de "imortalidade", ressurreição e perceber o corte. Mas a inserção da cena da mulher portadora temas afins, estranhos à mentalidade grega. de doença incurável ressalta todo o episódio, provocando 4. Como pano de fundo dos versículos que compõem a 1ª tensão, expectativa, suspense. De fato, Jairo afirma que a filha leitura temos, com certeza, Gn 1-4 e Ez 18, comentados livre- dele "está morrendo". Mas o evangelho desvia nossa atenção mente. É a primeira vez que a serpente é identificada com o para uma mulher doente, como que fazendo-nos esquecer a diabo, termo de cultura grega que se imporá a seguir em todo grave situação da menina. E quando a narração volta a se ocuo Novo Testamento. O texto de hoje começa com uma afirma- par da adolescente, Jairo recebe a notícia trágica: "sua filha ção lapidar: "Deus não fez a morte" (v. 13a), deixando para morreu". depois a identificação de quem a introduziu na história da 10. A cena da mulher doente não cria apenas suspense. De humanidade (v. 24). Sendo a morte a destruição da vida, ela alguma forma está relacionada com a tragédia de Jairo e sua não pode provir de Deus, que "não tem prazer com a destrui- filha. Isso se torna claro se prestarmos atenção a algumas ção dos vivos" (v. 13b; cf. Ez 18). correspondências e contrastes entre as duas cenas, como em 2.

O v. 14 comenta Gn 1, resumindo positivamente toda a criação. Recorde-se que, na primeira narrativa da criação, repete-se 7 vezes a expressão: "E Deus viu que era (tudo muito) bom”. Daí a conclusão do sábio que, mais adiante, chamará Deus de "o amigo da vida" (11,26): "Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas do mundo são saudáveis: nelas não há nenhum veneno de morte, nem é a morte que reina sobre a terrà" (v. 14). O motivo que leva o autor a essa afirmação é surpreendente: "pois a justiça é imortal" (v. 15). Quem pratica a justiça adquire dela e de Deus a imortalidade.

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parte será demonstrado a seguir. 11. Trata-se de duas mulheres: uma começa a reconhecer seu corpo de mulher (naquela cultura, com cerca de doze anos as meninas eram dadas em casamento; essa idade marcava aproximadamente o início da menstruação); a outra sofre em seu corpo uma enfermidade que é um peso em vários sentidos: econômico (gastou tudo e ia piorando sempre mais), religioso/social (ritualmente impura, excluída) e familiar (impossibilidade de engravidar. Aliás, não sabemos se tinha família. Jesus, no entanto, a trata como filha). Doze anos é a idade da menina, e aí a morte chega. Há doze anos essa mulher carrega a enfermidade que a exclui de tudo, também da fecundidade do útero, dado muito importante naquela cultura. A jovem, morta aos doze anos; a adulta, "morta" há doze anos. Uma, morta na cama; a outra, morta-viva ambulante. A morte da menina seria a "coroa" daquela que estava morrendo há doze anos.

6. Aqui temos um salto de qualidade: afirma-se não só que "Deus não fez a morte", mas que "criou o ser humano para a imortalidade" (2,23a), superando a barreira da morte física e da "morte escatológica". Parafraseando o "façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança" (Gn 1,26), esse sábio judeu afirma que Deus fez o ser humano "à imagem de sua própria natureza" (2,23b), ou seja, imortal como a própria natureza divina. Mas há um detalhe: a imortalidade é só para 12. Com pena de morte para homem e mulher, Levítico 20,18 os que praticam a justiça. Os outros – os que pertencem ao proíbe a relação sexual no período da menstruação. Marcos diabo, por cuja inveja a morte entrou no mundo – com a morte afirma que essa mulher tinha hemorragia há doze anos. Todo biológica morrem para sempre (v. 24). esse tempo sem o prazer do sexo. E a menina, morta antes de


conhecer a paixão e o prazer cantado pelo Cântico dos Cânti- pois pede a Jesus por sua filha (5,23), e o pessoal da casa dele informa que a filha acaba de morrer, e nada resta a fazer cos... (5,35). Jesus, por sua vez, chama de filha a mulher corajosa 13. Do ponto de vista da pureza ritual, a mulher doente está permanentemente impura e é fonte constante de contaminação (5,34), ao passo que à filha de Jairo chama de menina (5,41). (Levítico 15,25-31), e o mesmo vale para a menina defunta: é Isso se explica: a verdadeira família de Jesus não depende de impura. Aquilo que elas tocarem se torna impuro. Quem as laços de sangue (3,31-35). tocar também se contamina. Jairo, chefe da sinagoga, sabia disso, e certamente assim instruía o povo na sinagoga. Mas a mulher doente não leva em conta essas coisas, pois sua situação grita mais alto. Por isso toca furtivamente Jesus. Este não se preocupa com essas leis, e toma a defunta pela mão. São dois transgressores da lei da pureza ritual. Ela, violando a lei, manifesta fé e obtém a cura; ele, tocando a menina morta, vence o pior inimigo. O resultado das duas cenas é sublinhado pelo duplo "imediatamente" (5,30.42): uma força saiu de Jesus e curou a mulher; a menina se levantou e começou a andar. 14. Há também alguns contrastes entre as duas cenas. Em primeiro lugar, o aperto da multidão em volta de Jesus, detalhe freqüente em Marcos (1,33; 2,2; 3,7-10; 4,1), que provoca o toque furtivo da mulher doente, contrastando com as poucas pessoas no quarto da adolescente. Não sabemos se para Marcos isso é intencional, mas nesse quarto, após o milagre, há sete vivos. Contrastam também a criatividade da mulher com a inatividade da menina: a primeira toma a iniciativa, age, obtém a cura, e Jesus afirma que tudo isso foi resultado da fé dela; a segunda está prostrada, sem poder reagir, e nela age progressivamente a morte. Seu pai tem de tomar a iniciativa, e Jesus, no momento mais difícil, lhe pede que tenha fé. O contraste se manifesta também entre a impotência dos médicos e a força curadora do manto, da mão e da palavra de Jesus; entre a exorbitância de dinheiro exigido por eles e a gratuidade de Jesus.

2ª leitura (2Cor 8,7.9.13-15): Partilha para que haja igualdade 18. A partir do ano 48 de nossa era, os cristãos de Jerusalém passaram por grave carestia. Paulo esteve sempre atento a esse sofrimento (cf. Gl 2,10) e organizou um mutirão internacional de solidariedade para ajudar os empobrecidos da igreja-mãe. Envolveu nessa campanha a Galácia (lCor 16,1), a Macedônia (2Cor 8,1) e a Acaia (9,2), cuja capital era Corinto. Empreendeu esse mutirão entre os pagãos convicto de que eles eram devedores dos judeus, dos quais receberam bens espirituais (fé, Escrituras, Messias etc.) e aos quais deveriam retribuir com bens materiais (dinheiro, cf. Rm 15,27). Paulo sabia dos riscos que esse empreendimento comportava tanto na fonte quanto no destino. Na fonte: alguns coríntios cismaram em dizer que Paulo os estava roubando, ressarcindo-se da pregação gratuita em Corinto (cf. 1Cor 16,3-4; 2Cor 8,16-24; 12,1619); no destino: Paulo não sabe que acolhida terá na Judéia por parte de Tiago e sua comunidade. Ele teme (Rm 15,31), e Lucas ignora o que foi feito com esse montante (At 21,17ss). Simplesmente recorda um atentado fracassado na Acaia (20,3). 19. 2Cor 8 deve ter sido originalmente um bilhete de Paulo aos coríntios, motivando-os a participar do mutirão internacional de solidariedade para com os pobres de Jerusalém. Os breves versículos pinçados deste capítulo não fornecem uma visão completa, pois Paulo estimula os coríntios a partir do exemplo dos macedônios: empobrecidos, transbordaram em riquezas de generosidade (8,1-2). Estimula os próprios coríntios, elogiando-lhes a fé, o dom da palavra, o conhecimento, o entusiasmo e o amor que nutrem para com seu fundador. E pede que esse mesmo fervor se manifeste agora na coleta, chamada de "obra de generosidade" (v. 7). E a razão principal é a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo, conhecida dos coríntios: ele era rico (compare com Fl 2,6), mas tornou-se pobre pelos coríntios, a fim de, com sua pobreza, enriquecê-los (v. 9).

15. Entre tantos contrastes, note-se também este: a mulher doente se apóia numa crença popular, segundo a qual certas pessoas emanam uma força misteriosa, capaz de curar. Ela crê nisso, e acaba roubando de Jesus essa força misteriosa para reverter seu estado de viva-morta. E Jesus, como que se sentindo roubado, além de perceber que uma força misteriosa saiu dele, reconhece que a crença dessa mulher é fé que salva. Na casa de Jairo o contraste é evidente. As pessoas que aí se descabelam chorando (dado cultural típico) não crêem na força misteriosa de Jesus, capaz de reverter aquilo que parece irre- 20. Paulo concorda que não vale a pena desnudar um santo versível (para Jesus, contudo, a morte é um sono). E por isso para vestir outro, sinal de que os coríntios, na sua maioria, não caçoam de Jesus, privando-se de participar do episódio-ápice, eram gente rica. Apesar de pobres, são materialmente menos a ressurreição da menina. necessitados que os irmãos de Jerusalém. E nisso ele entrevê 16. O contato de Jairo com Jesus é direto, ao passo que o da um motivo para se solidarizar. É como se diz hoje: "Quando se mulher doente não. Jairo se prostra na frente de Jesus e fala olha pra trás, sempre se descobre alguém que está pior". Daí o com ele; a mulher se aproxima de Jesus por trás, sem nada apelo forte de Paulo para que haja igualdade (vv. 13.14). Ele dizer, sem verbalizar seu drama e sua fé ("... pensava: ainda busca no Antigo Testamento uma justificativa para a igualdaque... ficarei curada"). Jairo pede; ela tem certeza. Ele solicita de, e encontra o episódio do maná (leia Êxodo 16, sobretudo o a imposição das mãos; ela estende a mão e toca. Ele conhecia v. 18): "A quem recolhia muito, nada lhe sobrava; e a quem Jesus pessoalmente; ela "tinha ouvido falar de Jesus". recolhia pouco, nada lhe faltava" (v. 15). 17. Entre tantos detalhes deve-se salientar também este: Jairo está, com razão, ligado à idéia de família em sentido físico,

III. PISTAS PARA REFLEXÃO A 1ª leitura (Sb 1,13-15; 2,23-24) e o evangelho (Mc 5,21-43) giram em torno do tema morte x vida. O Senhor da vida não criou nem a morte física nem a escatológica, pois criou-nos para a vida e a imortalidade. Contudo, vivemos num mundo marcado por tantas manifestações da morte, sinais visíveis da ausência do Deus da vida. Entre esses sinais encontram-se as doenças incuráveis que encurtam o percurso da vida. E a fome (2ª leitura: 2Cor 8,7.9.13-15), que apressa a morte de milhões de seres humanos. Diante disso perguntamo-nos que valor tem a vida para nós e o que fazemos para evitar que ela seja ceifada pela causa da violência, desigualdade e fome. Deus criou tudo para a vida, a morte não vem dele nem lhe causa prazer, mas pesar (cf. Sl 116,15). Como comprometer-nos com esse Deus, "o amigo da vida"?

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