O MESSIAS SERVIDOR E SEUS DISCÍPULOS BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulus, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: 25° DOM. COMUM - COR: VERDE
INTRODUÇÃO GERAL 1. O messianismo de Jesus se traduz em serviço até a doação da própria vida. Celebrar a Eucaristia é fazer memória da ação do Cristo, procurando vivenciá-la em nossa prática cristã. Por isso, ser cristão, discípulo de Jesus, é tomar posição dentro dos conflitos sociais, promovendo o direito e a justiça (1ª leitura Sb 2,12a.17-20); é colocar-se a serviço de todos, particularmente dos marginalizados, sem ambicionar títulos, postos ou honrarias; é colocar como centro de atenção e dedicação os carentes, cientes de neles estar acolhendo o Messias servidor (evangelho Mc 9,3037). Quem age dessa forma é sábio segundo a sabedoria que vem do alto, pois a raiz de todos os males é a ganância (2ª leitura Tg 3,16-4,3).
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 1ªleitura (Sb 2,12a.17-20): Os injustos não suportam a prática do justo
para o justo (v. 20). Matando-o, acreditam ter matado o próprio Deus! 7. Porém, na ótica do livro da Sabedoria a perspectiva é diferente: “Deus não fez a morte, nem tem prazer em destruir os viventes. Tudo criou para que subsista; as criaturas do mundo são todas saudáveis: nelas não há veneno de morte, e a região dos mortos não reina sobre a terra. Porque a justiça é imortal” (1,1315). 8. O tema do justo perseguido e conduzido à morte, presente nesta leitura, serve de ponto de partida para entendermos o evangelho deste domingo: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará” (Mc 9,31b; cf. evangelho).
Evangelho (Mc 9,30-37): Jesus, o Messias servidor O Evangelho de Marcos compõe-se de duas partes. O início da segunda parte se encontra em 8,31, onde temos novo início. O ponto alto da primeira parte é a declaração de Pedro que, representando os demais discípulos, reconhece Jesus como o Messias (8,29). Na segunda parte, Jesus se dedica mais intensamente à instrução dos discípulos, mostrando-lhes aos poucos, em palavras e atos, em que consiste seu messianismo. A segunda parte culmina com a declaração do centurião: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus” (15,39).
9.
O cap. 2 do livro da Sabedoria apresenta o discurso dos injustos. O texto revela os conflitos existentes na comunidade judaica de Alexandria (Egito) no século I a.C. Quem são os injustos e o que fazem? Deixemos que o próprio texto os apresente a partir de suas ações: eles oprimem o justo empobrecido, não poupam a viúva, nem respeitam o velho (2,10). Fazem isso porque manipularam a Lei, que protegia essas pessoas. Pela força e violência impuseram a injustiça como norma que regula as relaa. O Messias vai ser morto e ressuscitar (vv. 30-32) ções sociais (v. 11). Eles e sua injustiça tornaram-se a lei. Quem pode se opor? 10. Jesus está a caminho de Jerusalém, atravessando a Galiléia, lugar onde desenvolveu sua atividade libertadora (v. 30). O pró3. A oposição é feita pelo justo que os incomoda, critica o que prio evangelista explica o motivo por que ele não queria ser notafazem, censura-lhes as transgressões da Lei, acusando-os de falta do pelo povo: estava ensinando a seus discípulos (v. 31). O conde educação e de bom-senso (v. 12). O justo, portanto, é a pedra teúdo desse ensinamento é o que se costuma chamar de segundo no sapato dos injustos (como, no passado, o profeta encarnava a anúncio da paixão. denúncia contra a arbitrariedade e impunidade dos poderosos opressores). Mas não se trata unicamente de crítica. O justo se 11. Marcos registrou em seu evangelho três anúncios da paixão lhes opõe sobretudo por um comportamento diferente (v. 15). de Jesus. Isso denota a importância da catequese sobre o ser crisRompe com eles, a ponto de considerá-los impuros (v. 16). Não tão (o Evangelho de Mc foi, provavelmente, o primeiro texto de quer ter nada em comum com eles. E para sua defesa chama em catequese das comunidades primitivas): o Mestre tem consciência causa o próprio Deus, garantindo que a bem-aventurança pertence dos conflitos que deverá enfrentar para realizar seu messianismo. aos justos, que têm Deus do seu lado (v. 16). O capítulo 2 da Aquele que pretende segui-lo deverá tomar consciência e posicioSabedoria, portanto, mostra o conflito aberto entre a prática da nar-se corajosamente. justiça e a injustiça que se tornou norma regedora das relações sociais. O texto dá a impressão de que o justo está sozinho contra 12. Jesus afirma que “o Filho do Homem vai ser entregue nas os injustos (como acontece em muitos salmos), o que aumenta a mãos dos homens, e eles o matarão” (v. 31). Como o justo nas mãos dos injustos (cf. 1ª leitura), ele será condenado à morte. A dramaticidade, fortalecendo a arrogância dos injustos. expressão passiva “ser entregue” pode ser entendida de dois mo4. Uma sociedade baseada na mentira e na injustiça não suporta dos: o primeiro reflete uma teologia tradicional e hoje abandonaque haja pessoas que a critiquem. Por isso os injustos vão ao da por quase todos; o segundo depende de uma nova compreensão ataque contra os defensores da justiça: armam contra o justo de tudo o que Jesus disse e fez. 1. Sendo esse evangelho um texto ciladas mortais (v. 12a). Mediante difamação, procuram desmora- de catequese, era compreensível que os catecúmenos se pergunlizá-lo, mostrando-o como alguém estranho, esquisito e excêntri- tassem: “Era de fato necessário que Jesus, para realizar seu mesco (hoje em dia, além da difamação, os que lutam pela justiça são sianismo, tivesse de passar pela cruz? Por que um Messias cruciacusados de baderneiros, inimigos da ordem, subversivos, agita- ficado?” Marcos mostra que a paixão de Jesus está dentro do dores etc.). plano do Pai. É ele quem “entrega” seu Filho para salvar a humanidade. Deus entrega o Justo para salvar os pecadores. Porém a 5. O conflito entre injustos e justo aumenta, passando pela morte não terá a última palavra sobre o destino de Jesus: “três tortura, para chegar à morte sem apelação, sem que haja alguém dias após sua morte, ele ressuscitará” (v. 31). Essa visão esbarra disposto a defender-lhe a causa (v. 20). num imagem estranha de Deus. 2. Jesus será denunciado e traído 6. A eliminação de pessoas que lutam pela justiça levanta uma por um de seus discípulos, e será morto por aqueles que sua prátiquestão importante: Onde Deus se posiciona dentro desse confli- ca de vida incomodou. Judas, um de seus discípulos, se torna to? Na ótica dos injustos, Deus não existe ou, se existe, não se traidor do projeto de Jesus, colaborando com o sistema de morte. intromete nessas questões. E parece ser este o grande drama de Marcos não menciona aqui quem será responsável pela morte de quantos sonham com uma sociedade justa e lutam por ela: Por Jesus. Para o discípulo não restam mais dúvidas. Para quem lê o que Deus não intervém? Os ímpios tripudiam em cima disso: “De Evangelho de Marcos com atenção também não, pois desde 3,6 já fato, se o justo é filho de Deus, Deus o defenderá e o livrará dos se decretara a morte dele (cf. também o primeiro anúncio da seus inimigos” (v. 18). Tornando-se eles mesmos a lei, crêem que paixão, 8,31-33). o mundo inteiro esteja à sua disposição, sem que haja um socorro 2.
b. Medo do compromisso (v. 32)
o próprio Jesus, que se identifica com ele, abraçando-o. Jesus é o menor de todos, pois se fez servo em sentido pleno: até dar sua vida. Ser discípulo dele é acolhê-lo como o Messias servidor que enfrenta a morte para comunicar vida para todos. Mas o caminho do discípulo não termina aí. Há de passar, também ele, pelo serviço até o fim, até a cruz, pois a diaconia do Mestre se prolonga nas ações da comunidade cristã.
Em cada um dos três anúncios da paixão encontramos uma reação oposta por parte dos discípulos. No primeiro anúncio (8,31-33) é Pedro quem se opõe terminantemente, apresentando condições (evangelho do 24º domingo comum). No segundo (9,30-32) os discípulos não compreendem e têm medo de fazer perguntas; têm medo do compromisso. No terceiro (10,32-34 29º domingo comum) a reação é de susto e, a seguir, os filhos de 2ª leitura (Tg 3,16-4,3): A verdadeira sabedoria se expressa Zebedeu ambicionam postos de honra. A reação negativa dos pela conduta discípulos serve de motivo para que Marcos insira aí um ensina18. O trecho da carta de Tiago que lemos como segunda leitura mento de Jesus, contrastando com a atitude dos discípulos. deste domingo nos apresenta uma comunidade gravemente divi14. No texto que nos interessa, “os discípulos não compreendiam dida. Dentro dela há grandes conflitos, a ponto de seus membros suas palavras e tinham medo de perguntar” (v. 32). O tema da se matarem uns aos outros (4,2). A carta já revelara a opressão incompreensão dos discípulos é uma constante no Evangelho de dos ricos sobre os pobres. Agora tem-se a impressão de que há Marcos. Associado ao medo de fazer perguntas, denota que eles, outros focos de conflito, não menos graves que os anteriores. acima de tudo, não querem compreender o messianismo de Jesus 19. Os versículos escolhidos para este dia relacionam-se estreiporque temem um compromisso maior (compare com 4,12). tamente com o que antecede. A tônica desse trecho é a sabedoria c. O maior é aquele que serve (vv. 33-35) cristã, que não depende de erudição acadêmica, mas do bomsenso com que as pessoas se relacionam comunitariamente. De 15. A cena situa Jesus e seus discípulos em casa (v. 33). Pelo fato, tem-se a impressão de que Tiago esteja recriminando os caminho houve uma discussão sobre quem seria o maior dentro falsos mestres: amparados por sua “sabedoria”, cometiam as do grupo (v. 34). Isso denota que os discípulos ainda imaginam a maiores injustiças dentro da comunidade, podendo ser comparacomunidade dividida em categorias e classes, onde uns são prividos com os injustos da 1ª leitura. legiados em detrimento de outros. O silêncio dos discípulos diante da pergunta do Mestre prepara a “aula particular” de Jesus que, 20. Tiago distingue dois tipos de sabedoria: a que é dada por sentado, ensina como Mestre que traz a novidade. O ensinamento Deus e se traduz no bom-senso, e a que se aprende nas escolas. de Jesus mostra que o maior é o último em importância: “Se Uma é boa e conduz a relações fraternas e justas; a outra se peralguém quer ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele verteu, e serve de suporte para que sejam cometidas injustiças. que serve a todos” (v. 35). A lição tem como ponto de referência 21. O Autor descreve a “sabedoria que vem do alto” com sete a própria ação do Mestre (cf. Fl 2,7-8: “Ele assumiu a condição de qualidades: pura, pacífica, indulgente, conciliadora, cheia de servo... humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de misericórdia e bons frutos, sem parcialidade, sem fingimento (v. cruz!”). 17).Temos aí o retrato da pessoa sábia: não é quem estudou, mas quem possui bom-senso nas relações entre as pessoas. Sábia é a d. Ser o maior é acolher os pequenos (vv. 36-37) pessoa autêntica e leal, que promove a paz, é indulgente, procura 16. A cena seguinte é marcada por uma criança no centro do conciliar, bondosa, imparcial e transparente, sem duas caras. grupo. É o próprio Jesus quem a coloca aí, abraçando-a (v. 36). Quem semeia discórdia na comunidade não é pessoa sábia, pois Criança é sinônimo de pessoa necessitada e dependente. Jesus a está semeando vento para colher tempestade (cf. v. 18). coloca como centro de atenção dos discípulos. E para ela tem um gesto de carinho e de acolhida: o abraço (notar que no Evangelho 22. Nos primeiros versículos do cap. 4 Tiago ajuda a comunidade Marcos Jesus abraça só crianças; cf. 10,16). Portanto, com esse de a descobrir as raízes das divisões comunitárias. Por que são gesto Jesus está mostrando o que é ser seu discípulo, o que signi- assim desunidos? Onde está a causa disso tudo? (4,1). A ganância fica ser o maior dentro da comunidade: maior é aquele que acolhe é a fonte de todos os males da comunidade. Por causa dela as os carentes, marginalizados, oprimidos, injustiçados e por eles se pessoas matam e se entregam à luta e à guerra. A ganância gera a interessa, dedicando-lhes tempo e vida. E acolher essa gente é cobiça e esta, por sua vez, mata para possuir, sem se saciar (cf. v. 2). acolher Jesus e o Pai, que o enviou (v. 37). 13.
17. O episódio pode ter outra conotação. É que a palavra grega paidion – normalmente traduzida por “criança” – pode significar também o menor que trabalha (como tantos menores trabalhadores do nosso país) e está a serviço. Essa hipótese é confirmada também pelo aramaico, em que talya pode significar tanto criança quanto servo. Nesse sentido, esse menor que está a serviço lembra
23. Isso tudo acontecia dentro de comunidades cristãs às quais a carta se dirige. Note-se que são comunidades que rezam (v. 3). Mas Deus não as atende porque os pedidos são interesseiros, feitos “com a finalidade de esbanjarem nos seus prazeres”. Deus não freqüenta comunidades insensatas, nem as atende, porque sua prática nega a sinceridade de suas preces.
PISTAS PARA REFLEXÃO Comparar nossa sociedade com a sociedade de Alexandria do I séc. a.C. (1ª leitura). Lá como cá há perseguição aos que lutam pela justiça. Parece ser uma luta desigual. De que lado está Deus? Como e onde descobri-lo hoje nas lutas do povo pela justiça?
24.
25. Jesus é o Messias servidor. Seus discípulos freqüentemente se perdem atrás de cargos, títulos e honrarias (evangelho Mc 9,30-37). Quem nossa comunidade deveria pôr, hoje, no centro da celebração? A quem deveríamos dar hoje nosso abraço para nos comprometermos como discípulos de Jesus?
Por que há divisões em nossa comunidade? Onde está a raiz de tudo? O que significa ser sábio em nossos dias? (2ª leitura Tg 3,16-4,3).
26.