Comentário: Batismo do Senhor - Ano B

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BATISMO E MISSÃO BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007 * LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL * ANO: B – TEMPO LITÚRGICO: BATISMO DO SENHOR - COR: BRANCO / OURO

nova criação: "Eu, o Senhor, te chamei com justiça e te peguei 1. A festa do batismo do Senhor revela, ao mesmo tempo, pela mão; formei-te e te destinei" (v. 6a). quem é Jesus e o que ele fez, quem são seus seguidores e o 5. Diante disso a gente se pergunta: Quem é esse servo? Os que são chamados a realizar na sociedade. Não basta termos primeiros cristãos viram nele um anúncio de Jesus. Mas a recebido o batismo. Não são suficientes belas celebrações. O figura do servo aponta também para as nossas comunidades. que se requer é um compromisso com a justiça que cria novas Não é assim que nos sentimos quando sonhamos e lutamos relações na comunidade (igreja) e fora dela. A celebração pela justiça? Não é assim que as comunidades reagem quando Santa Ceia — serviço por excelência de Jesus em vista do percebem que ainda resta uma esperança? Não é isso que celemundo novo — nos ajude a sermos filhos amados do Pai, bramos, apesar de percebermos que os objetivos ainda não responsáveis pela continuidade do seu projeto de liberdade e foram atingidos? vida para todos. Evangelho (Mc 1,7-11): O batismo de Jesus aponta para I. INTRODUÇÃO GERAL

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

sua missão

Marcos escreveu seu evangelho com a clara preocupação 1ª leitura (Is 42,1-4.6-7): O jeito certo de servir para im- 6. de mostrar quem é Jesus aos que se preparavam para receber o plantar a justiça 2. Estamos diante do "primeiro canto do servo de Javé", batismo. A cada passo sua obra traduz essa preocupação. No texto surgido no tempo do exílio (586-538 a.C.) ou imediata- trecho escolhido pela liturgia deste domingo, a demonstração mente após, e que apresenta uma figura não facilmente identi- de quem é Jesus fica por conta de João Batista (vv. 7-8) e da ficável, ou seja, o servo de Javé. Embora não facilmente iden- voz que vem do céu (v.11). tificável do ponto de vista histórico, é fácil descobrir o perfil dessa personagem amada por Deus (v. 1a). Em primeiro lugar, o servo é descrito como aquele que possui o espírito de Deus (v. 1b), e nisso ele se assemelha aos juízes do passado do povo de Deus. O povo gostava dos juízes, líderes libertadores, e afirmava que eram movidos pelo espírito de Javé. Alguns reis também mereceram do povo essa distinção. Tarefa dos juízes em Israel — bem como dos reis — era defender o povo, fazendo justiça aos oprimidos. Em segundo lugar, o servo é apresentado como aquele que "vai levar o direito às nações" (v. 1b), ou seja, sua missão é uma espécie de sacerdócio a serviço do projeto de Deus (o direito lembra de perto a Lei, que contém o projeto de uma sociedade voltada para a liberdade e a vida de todos). Em terceiro lugar, o servo é porta-voz, isto é, profeta e intérprete do projeto de Deus para o seu tempo e sociedade. Portanto, o servo é, ao mesmo tempo, rei-juiz, sacerdote e profeta da justiça. Essa é sua missão. Nesse sentido, ele se parece com Moisés por seu caráter de homem de paz (v. 2) e com Davi por suas lutas constantes em defesa do povo (v. 4). O texto mostra, também, o jeito certo de servir para implantar a justiça. O servo não adota os critérios nem os meios que os poderosos utilizam para obtê-la: "Não gritará, não falará alto, nem fará ouvir sua voz pelas ruas. Não quebrará de vez o caniço rachado, nem apagará a mecha que ainda está fumegando" (vv. 2-3a). Caniço rachado e mecha que ainda fumega lembram, provavelmente, a situação do povo que, apesar de estar sofrendo injustiças, ainda tem um fio de esperança. Não é massacrando o povo, nem o frustrando, nem o enganando com propaganda ilusória e falsa, que o servo consolidará o projeto de Deus. Pelo contrário, será a partir do veio de esperança que ainda resta que ele irá estabelecer a justiça no país e fora dele (v. 6). De fato, o servo é chamado a ser aliança com o povo (isto é, com Israel; é a dimensão nacional, fazendo o povo voltar ao projeto de Javé) e luz das nações (dimensão internacional, criando relações de justiça mediante a divulgação do projeto de Deus). Então, os olhos dos cegos (as nações) se abrirão, e os que estão na cadeia (pessoas e povos dominados) obterão a liberdade e a vida (v. 7). 3.

a. Jesus é o forte (vv. 7-8) O Precursor está batizando o povo no rio Jordão. Seu batismo visa a preparar as pessoas para a chegada daquele que vai mostrar a proximidade do Reino (cf. v. 15), ou seja, Jesus de Nazaré que, com sua prática, revela ao mesmo tempo quem ele é e em que consiste o Reino de Deus.

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João Batista anuncia: "Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias" (v. 7). Jesus é apresentado como "o forte". Temos, nessa afirmação, algumas indicações preciosas. Em primeiro lugar, Jesus é mais forte que João Batista. Isso significa que o Precursor não é o Messias esperado. João conhece e respeita seu lugar e função, sem atropelar os acontecimentos e sem usurpar as prerrogativas daquele que está para vir. Em segundo lugar, a menção do forte recorda os feitos de Javé no passado da história do povo de Deus. Em suas festas, o povo do Antigo Testamento celebrava a força de Javé, intimamente associada a seus atos libertadores (cf. Sl 24,8). Javé é celebrado como herói vitorioso, atuando seu projeto de liberdade e vida em favor do povo que sofre. Agora, às portas do Novo Testamento, Jesus resume a força de Javé libertador. Isso faz pensar nos conflitos, aqui apenas esboçados, que Jesus irá enfrentar. Desde já ele é apresentado como vencedor dos sistemas injustos que conservam o povo em estado de submissão e morte.

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O Precursor afirma também que Jesus irá batizar com o Espírito Santo (v. 8). O modo como isso vai acontecer, bem como o significado desse batismo, se tornam evidentes a partir da prática de Jesus.

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b. Jesus é o Filho amado, no qual o Pai encontra a sua complacência (vv. 9-11) O batismo de João era um sinal que predispunha as pessoas à adesão a Jesus. Este, portanto, não precisava se submeter ao batismo do Precursor. Esse detalhe é importante para nós, pois demonstra que Jesus se solidariza com nossa condição de pecadores. Este é mais um elemento que ajuda a responder quem é Jesus.

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11. No passado, o povo de Deus sonhava com uma manifesO canto do servo crê ser possível reformular a humani- tação próxima de seu aliado. Esse anseio é descrito, por exemdade toda. O próprio servo está na origem de uma espécie de plo, em Isaías 55,9: "Tanto quanto o céu está acima dos caminhos de vocês, assim os meus caminhos estão acima dos ca-

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minhos de vocês, e os meus projetos estão acima dos seus projetos". Agora, com Jesus, o caminho de Deus e o caminho da humanidade sofrida é o mesmo. É isso que Marcos parece intuir quando afirma que "Jesus veio de Nazaré da Galiléia" (v. 9a). De fato, Galiléia e Nazaré são como que sinônimos de marginalidade e sofrimento (cf. Jo 1,46). O sonho do povo de Deus se torna mais claro em Isaías 63,19: "Estamos como outrora, quando ainda não nos governavas, quando sobre nós o teu nome nunca fora invocado. Quem dera rasgasses o céu para descer! Diante de ti as montanhas se derreteriam". Pois bem: as primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos anunciam a chegada daquilo que o povo esperava: "O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo" (1,15). Além disso, logo ao sair da água, Jesus viu o céu se abrindo (isto é, se rasgando), demonstrando dessa forma que ele é a presença do Deus que caminha conosco.

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tempos e lugares. A caminhada das comunidades é, portanto, o prolongamento da prática do Filho de Deus. Lido à luz do evangelho deste domingo, o texto de Atos ajuda a entender e a atualizar a realeza e o serviço de Jesus em nossos dias. Em At 10 temos uma situação histórica nova para a comunidade cristã: a do contato com os pagãos. Esse contato era proibido pela legislação judaica. Quem convivesse com eles tornava-se impuro. Os judeus chegavam a admitir que um pagão pudesse se salvar, mas essa concessão não supunha a convivência debaixo do mesmo teto, nem a partilha do pão na mesa comum.

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Simão Pedro é o primeiro a romper esse esquema discriminador, salientando o novo modo de ser da comunidade cristã. De fato, antes de entrar na casa de Cornélio, ele está hospedado na casa de um curtidor de peles de nome Simão. A gente fica se perguntando se se trata de simples coincidência de nomes, ou se já é sinal de identificação com os marginali13. Jesus sai da água e o Espírito desce sobre ele (v. 10). A zados. Os curtidores de peles eram tidos como pessoas impupartir desse momento, o Espírito será a força que leva Jesus a ras por parte dos judeus. Era preciso evitar o contato com tais cumprir sua missão. A liberdade é uma das principais caracte- pessoas. rísticas do Espírito. E desde o começo do evangelho de Mar- 18. Cornélio era um militar romano e vivia em Cesaréia, nos cos vemos Jesus libertando as pessoas de todos os "espíritos confins do território judaico. Ele manda chamar Simão Pedro maus" que alienam, oprimem e despersonalizam o povo. para que vá à sua casa. (O episódio é um espelho de quanto A voz que vem do céu é o próprio Deus falando. O Pai mostra quem é Jesus: "Tu és o meu Filho amado, em ti encontro a minha complacência" (v. 11). Essa frase recorda duas passagens importantes do Antigo Testamento (Sl 2,7 e Is 42,1). O salmo 2 fala da entronização de um rei em Judá. No dia da posse, o rei se torna filho adotivo de Deus, seu representante para exercer a justiça e o direito no meio do povo: "Você é o meu filho, eu hoje o gerei" (Sl 2,7). Segundo o Antigo Testamento, o rei tinha como tarefa defender o povo da exploração externa (invasões, tributos etc.) e das injustiças internas (criação e manutenção de leis que defendessem o povo da exploração dos gananciosos). A voz que vem do céu, portanto, declara Jesus Filho de Deus e rei que vai exercer a justiça e o direito em favor dos oprimidos. A expressão "em ti encontro a minha complacência" recorda Is 42,1 (cf. I leitura). Aí se fala do servo de Javé, escolhido por Deus e amado, cuja função é, pelo espírito, "levar o direito às nações". Jesus é, ao mesmo tempo, rei e servo, defensor da justiça para seu povo oprimido e portador de uma nova legislação internacional, capaz de transformar completamente a sociedade. O evangelho de Marcos irá, aos poucos, mostrar em que consiste a realeza e o serviço de Jesus.

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Lucas mostrou em seu evangelho por ocasião da cura do servo de um centurião, cf. Lc 7,1-10.) Pedro, portanto, leva a comunidade cristã para fora do território judaico. Os versículos que lemos na liturgia deste domingo pertencem ao discurso de Pedro na casa de Cornélio. Aí chegando, ele constata e anuncia que Deus não faz distinção de pessoas. O povo de Deus não está ligado a uma raça ou nação. O critério para fazer parte do povo de Deus é temê-lo e praticar a justiça (v. 34). O que Deus procura é um povo profundamente preocupado com a causa da justiça.

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Jesus foi quem deu dimensões universais a esse povo: "Deus enviou sua palavra aos israelitas, e lhes anunciou a Boa Nova da paz por meio de Jesus Cristo, que é o Senhor de todos os homens" (v. 36). Esse tema é muito freqüente no Novo Testamento (cf., por exemplo, Ef 2,14: "Cristo é a nossa paz. De dois povos, ele fez um só. Na sua carne derrubou o muro da separação: o ódio") e constitui a grande novidade dos Atos dos Apóstolos e de toda a pregação de Paulo. Nos vv. 37-38 Pedro sintetiza a inteira atividade de Jesus com estas palavras: "Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder. Ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo demônio, por2ª leitura (At 10,34-38): O povo que Deus procura que Deus estava com ele" (v. 38). A missão de Pedro, como a 15. No plano de Lucas, o evangelho que escreveu continua de Jesus, é movida pelo Espírito que leva à criação de novas nos Atos dos Apóstolos. No evangelho, relatou o caminho de relações (bem, liberdade) entre as pessoas e povos. Tal é o Jesus; nos Atos, apresenta o caminho das comunidades que povo que Deus procura. procuram atualizar as palavras e ações do Mestre em outros 20.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO O jeito de servir para implantar a justiça. O servo de Javé hoje é cada um de nós e nossas comunidades. Por isso, sugere-se examinar juntos nossa missão: não quebrar o caniço rachado, não apagar a mecha que ainda está fumegando; não cansar nem se deixar abater enquanto não for firmado na terra o direito.

21.

O batismo de Jesus aponta para sua missão e para a nossa também. Seu batismo significa solidariedade; o nosso representa o compromisso com Deus na construção de um mundo novo. Como dar expressão ao que assumimos ao receber o batismo?

22.

O povo que Deus procura não depende de raça ou nação, pois Deus não faz distinção entre as pessoas. Basta temer a Deus e estar comprometido com a justiça. O que isso tem que ver conosco? Conseguimos realizar ações de justiça, de bem e de libertação entre nós e ao redor de nós?

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