Revista laboratorial A Ponte nº 15

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Foto: Fabiane de Paula

confissões

mistérios

constantes

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Ensaio fotográfico Fabiane de Paula

Artigo Pela lente do cinema

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Embaixadores da Luz Desvendando a alimentação prânica e o processo do respiratorianismo

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Eles estão entre nós? Casos impressionantes de fenômenos ufológicos

20 26 36 54 60

crenças

Ao leitor Interlúdio de revelações

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Mundo de ilusões A trajetória de vida de um ex-viciado

“Só sei que estou vivendo minha vida” A diferença de idade no relacionamento

Debaixo de sete chaves O relato, sem tabu, de quem espera a sua primeira vez

O caminho marcado pelos espíritos A medium que desafia a lógica e o tempo

Eu sou do candomblé A Ponte acompanha uma festa de Xangô

As cores do altar Evangélicos dizem não ao culto do preconceito


cartas

Sensibilidade A revista A Ponte “Mulheres” aborda o universo feminino de forma sensível, realista e encantadora. O Ensaio Fotográfico registra o que a mulher faz, é e sonha ser. Taís Mont’alverne Estudante de Jornalismo/Unifor

Da arte fotográfica

EXPEDIENTE

Centro de Ciências Humanas - Universidade de Fortaleza Fundação Edson Queiroz Revista-laboratório do Curso de Jornalismo Diretora do Centro de Ciências Humanas: Erotilde Honório Coordenador do Curso de Jornalismo: Wagner Borges Conselho editorial: Erotilde Honório, Wagner Borges e Alejandro Sepúlveda Coordenação editorial e de produção: Alejandro Sepúlveda Gerente do Laboratório de Jornalismo: Alejandro Sepúlveda Supervisão de produção gráfica: Aldeci Tomaz Diagramação e tratamento de imagens: Bruno Barbosa e Fernanda Carneiro Supervisão de Fotografia: Júlio Alcântara Edição de Fotografia: Fabiane de Paula Revisão: Antônio Celiomar Pinto Araújo, Solange Maria Morais Teles e Érika Zaituni Suporte técnico: Aldeci Tomaz Secretária do Laboratório de Jornalismo: Cleoneide Rodrigues Supervisor da gráfica: Francisco Roberto Impressão: Gráfica da UNIFOR Colaboradores: Liduína Figueiredo, Débora Morais e Wolney Batista ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / UNIFOR: Coordenação de equipe: João Paulo de Freitas Editor assistentes: Érika Zaituni Capa: Aldeci Tomaz e Fernanda Carneiro Foto da Capa: Thalyta Martins 2ª, 3ª capas e anúncios: Agência de Publicidade - NIC Projeto gráfico: Eduardo Martins Fotografias das Reportagens: Andréa Nunes, Camila Bitar, Fabiane de Paula, Georges Anderson, Hannah Moreira, Henrique Kardozo, Hyana Rocha, Julie Scott, Lardyanne Pimentel, Patrícia Mendes, Priscila Ponte, Suiani Sales e Thalyta Martins Fotografias do Ensaio: Fabiane de Paula Redação: Alunos da disciplina Princípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II de 2010.2 (Ana Carolina Cunha, Andréa Nunes, Bárbara Guerra Rodrigues, Debora Torres, Elialdo Bruno, Georges Anderson, Jayne Coelho, Julyana Brasileiro, Julie Scott, Lardyanne Pimentel, Luca Laprovitera, Lucas Pinheiro, Patrícia Mendes, Priscila Ponte, Ravelly Marques, Renata Andrade Frota, Ricardo Garcia, Suiani Sales e Thalita Tavares)

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A capa da 14ª edição faz justiça ao tema tratado. Como sempre, A Ponte surpreende na escolha de fotografias artísticas, retratando de modo simples todo um tema, que logo depois é extensamente desvendado por suas matérias. Melhor ainda quando esse tema são mulheres. Rodrigo de Borba Gondim Estudante de Publicidade/Unifor

Encantamento Fiquei encantada com a versatilidade de assuntos. Não conhecia a revista e, ao primeiro impacto, adorei os temas. As histórias da bailarina e de Jorge de Jesus formam as matérias que mais me impressionaram. É uma revista de qualidade excelente e de interesse para todos os públicos. Bárbara Severo Estudante de Farmácia/Unifor

A Ponte para todos Gostei da criatividade e originalidade e a forma de abordagem da revista. Fiquei impressionado com o talento dos novos jornalistas que a Unifor está formando. As mulheres captadas pela lente fotográfica do ensaio chamaram muito a minha atenção. Acho que a revista deveria ser distribuída para todos os cursos. Monichele Batista da Silva Estudante de Administração/Unifor


A Ponte chega a mais uma edição com páginas que trazem histórias de vida e experiências contadas pelos seus próprios protagonistas, sejam elas dos repórteres ou dos personagens. O estilo de narração lança mão de diálogos, depoimentos emotivos, descrição física de cenários e pessoas na tentativa de recriar o que se viveu na própria pele. Esse jornalismo quase literário é uma fórmula que permite ao jornalista ser muito mais do que um simples “media-dor”. Ela o desafia a se impregnar com outra realidade como se fosse a sua, para logo emergir e relatar o que viu, sentiu, pensou e sonhou. Desta vez, o tema da capa é Revelações. Revela ações como as de Lucas, seu Athayde e Leonardo. Um tentou viver de luz, o outro pro-

cura vida extraterrestre, e o terceiro, abandonou um mundo de ilusões. Revela também emoções como a de Marta, que vive um amor com um homem 22 anos mais novo, e a de Emmanuel e Liane, que optaram pela virgindade antes do casamento, ou a de Maria Argentina, que encontra no espiritismo a paz pela ausência do filho. A edição traz ainda outras duas reportagens: uma sobre uma festa de Candomblé e, outra, sobre a Igreja da Comunidade Metropolitana, fundada por homossexuais. Esperamos que a leitura seja reveladora. Até a próxima.

ao leitor

Caro leitor,

Alejandro Sepúlveda Coordenação editorial

Interlúdio de revelações De acordo com o dicionário, revelação é o ato ou efeito de revelar ou revelar-se. A própria coisa revelada. Manifestação, prova, testemunho. Divulgação de coisa que estava em segredo ou era ignorada. Denúncia. Conhecimento súbito, inspiração, iluminação. Na fotografia, é a ação de revelar uma película sensível. Nesta edição da revista A Ponte, que tem como tema “Revelações”, as reportagens nos mostram a dolorosa beleza dos segredos alheios, dos silêncios inteiros, enigmas do impossível. Renova, com um grande sopro de tom, emoção, canto e ideia, as manifestações culturais que acabam por interferir no destino dos personagens. Com as mesmas letras da palavra destino pode-se construir a palavra sentido. O curioso é que a sílaba tônica de ambas é “ti”, como um mistério aberto do conhece-te a ti mesmo. Quando o autoconhecimento acontece, urge revelar-se a outros, pois todo medo é uma sombra e os segredos camuflados são como espinhos do silêncio. Veja as janelas abertas para ti. O

universo nos alimenta com suas cores, dores e lágrimas através de sua gente. Gente que produz toda a verdade que conhecemos. As histórias retratadas aqui são como paredes caídas, e seus autores, porta-voz de todo o amor que as coisas carregam. Contemple cada metáfora (como já dizia o poeta Gonçalves de Castro, “toda metáfora é uma alquimia”). Contemple cada sentença prenhe de vida. Avance e apanhe, como se tentasse capturar um ramo de sol, repetindo o ato exato de quem quer colher um fruto doce e maduro. Escute os batuques impressos nas páginas seguintes, gemidos inefáveis da alma. Sorrisos e contentamentos compartilhados. A realidade é irrelevante no âmbito dos desejos. Mas é sincera a palavra que vem manchada de sonho e nos revela. Érika Zaituni

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mistérios

Embaixadores da

·

texto e fotos

· julie scott · patrícia mendes ·

Alguns personagens da Bíblia, como Moisés, Elias e Jesus, fizeram jejuns de comida e água durante quarenta dias. Na Índia, afirma-se que os imortais da ioga praticaram jejuns que duravam anos. Já na cultura ocidental, uma australiana resolveu mostrar para o mundo, através de um livro, o que significa viver de luz, uma prática que vem ganhando adeptos nos cinco continentes do mundo e atraindo a atenção da medicina tradicional

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“Imagine um mundo sem crianças famintas, sem adolescentes anoréxicos, sem pobreza e cada vez mais unido para o bem de todos.” (Jasmuheen)

Locais tranquilos e longe dos grandes centros são pontos ideais para iniciar a técnica respiratória

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O Respiratorianismo, ou a prática de viver de luz, é a capacidade que alguns seres humanos desenvolvem de absorver todos os nutrientes que precisam para viver sem ingerir comida, aprendendo a retirá-los de uma força vital universal, o Prana, através de métodos de controle da mente, do corpo e da respiração, fonte básica de nutrientes para o respiratoriano. Em 1998, a australiana Ellen Greve, posteriormente conhecida como Jasmuheen, publicou o livro Viver de Luz, A Fonte de Alimento Para o Novo Milênio, no qual explanou para o Ocidente uma espécie de manual que explica o Respiratorianismo e como praticá-lo. Neste livro, Jasmuheen conta sua experiência pessoal e define o processo pelo qual foi submeti-

da, o chamado processo de 21 dias, uma espécie de iniciação do indivíduo nesta prática. O sucesso polêmico desta primeira publicação inspirou diversas pessoas em vários países ocidentais a tentarem, e, em muitos casos, conseguirem, viver de Prana. O termo vem do sânscrito, e é tido, no hinduísmo, como um dos cinco órgãos vitais da sensação, comparado, no chinês, ao Chi. Prana é uma energia que se manifesta através de partículas presentes nas células de todos os fluídos e tecidos vivos de qualquer ser ou organismo, o microcosmo, e no espaço, o macrocosmo. A capacidade de absorver o prana vem de um grau elevado de desenvolvimento espiritual, pois se faz necessária a ativação das glândulas hipófise, pineal e tireóide para que se tenha um completo controle das atividades do corpo. Para isso é preciso que a pessoa que está disposta a se tornar respiratoriana esteja em sintonia com o próprio corpo, para que sinta as atividades dele.


Ciência não explica

O primeiro passo para isso, segundo Jasmuheen, é que a pessoa “se liberte da ideia de que, se não comer, irá morrer, pois se ela acreditar nisso, de fato, acontecerá.” De acordo com o clínico geral e acupunturista Dr. Marco Antônio Machado, do ponto de vista da medicina tradicional, “ainda não existem explicações científicas para isso; pela alopatia nós somos seres humanos, portanto, animais heterótrofos e não temos a capacidade de fazer o que os vegetais fazem; só autótrofos têm essa capacidade de auto-alimentação”. Muitos respiratorianos estão sendo estudados para que seja encontrada uma explicação. É o caso do indiano Prahlad Jani, que se tornou celebridade em seu país após ser personagem de um documentário televisivo. O líder religioso de 82 anos segue a tradição Jainista e diz estar sem alimentar-se nem beber água há 70 anos. O indiano foi observado por um grupo de médicos e cientistas durante 108 horas e estes puderam confirmar que Prahlad não ingeriu nada durante este período. Os pesquisadores afirmam que estudos como esse servem para que se entenda melhor o funcionamento do corpo humano e comprovar que ainda existem muitas coisas que a ciência não explica.

“Não desisti por fome”

O processo se divide em quatro partes. À meianoite do dia anterior, inicia-se um período de total abstinência de água e comida. Os sete primeiros dias são os mais difíceis, pois o indivíduo precisa se concentrar, meditar e afirmar para si que deseja que a experiência aconteça. A partir do segundo até o sétimo dia, acontecem as primeiras reações físicas: fraqueza, membros trêmulos, irritabilidade, dores nos rins (devido à falta de líquidos), na parte inferior da coluna e na cabeça, o que, segundo Jasmuheen, são toxinas deixando o corpo. No dia 3 de setembro de 2010, na região serrana do Ceará, um casal de namorados acampou em um terreno desocupado. Lucas Bezerra, 18 anos, procurava um local onde pudesse realizar a primeira etapa do processo descrito por Jasmuheen em seus livros. O local foi escolhido por ser perto da natureza e longe dos estímulos das grandes metrópoles.

A autora do livro sugere que o iniciante sempre leve um acompanhante em sua empreitada, alguém para auxiliá-lo, e um orientador, uma pessoa que já tenha feito o processo. No caso de Lucas, o orientador estava presente na forma do livro Viver de Luz, que ensina passoa-passo como deve ser feito este processo, incluindo cuidados com possíveis sintomas e reações causadas pelo jejum prolongado. A seguir, Lucas conta como foi a sua tentativa de iniciar o processo de 21 dias.

“Há muito tempo eu vinha me alimentando só de frutas, a dieta frugívora, como costumam chamar, e há mais tempo ainda a dieta vegetariana. Então comecei a pensar que tudo estava me levando a viver de luz. Apesar da minha alimentação anterior ser bastante saudável, sentia que a continuidade disso seria essa prática bastante exótica que é a alimentação prânica. Foi então que eu resolvi iniciar o processo de 21 dias. Fui para um lugar tranquilo e isolado da cidade, onde eu não tivesse muitas distrações e pudesse deixar minha mente focada somente em mim mesmo. Então fui pra serra de Pacoti, num terreno de um amigo, e levei minha namorada como acompanhante para cuidar de mim, pois todo mundo que passa por esse processo precisa de alguém que esteja lá para auxiliar no que for preciso. O livro de Jasmuheen foi de total importância. Além de ter sido minha grande inspiração, foi também um verdadeiro guia nessa experiência. Como eu já tinha a prática de jejuar um dia, dois dias, eu pensei que seria fácil. Mas percebi que esse processo exige que você tenha muita sinceridade consigo mesmo. O esforço não pode existir. Você tem que sentir que é realmente sua condição natural do momento. É um renascimento, você é o útero de si. O primeiro dia foi tranquilo, mas a partir do segundo comecei a sentir fraqueza, tontura, dor de cabeça e um mal-estar na região dos rins. A partir do terceiro dia eu me sentia bastante desidratado, mas mesmo assim, estava urinando bastante. Senti também um pouco de nervosismo quando lembrei quantos dias ainda faltavam.

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Quando eu sentia esse mal-estar, o que me fazia melhorar era andar e balançar meu corpo, para eu levar consciência à minha totalidade e não me concentrar na fome e sede. O que ajudava bastante também eram os banhos que eu tomava, pois a água desencadeava sensações por todo o meu corpo e despertava meus chacras. Para mim, foi tranquilo até o sétimo dia. O sétimo dia é o dia em que já se pode começar a beber água e sucos diluídos. Até então estava há mais de 6 dias sem comer nem beber. Decidi voltar da serra e continuar o processo em casa. Quando voltei a ingerir líquidos, senti uma vontade de tomar o suco concentrado. Talvez tenha sido a mudança de ambiente que me fez desconcentrar do processo. Percebi também que não era minha hora de começar a prática, pois eu ainda não tinha certeza disso e também porque tinha muito apego à comida. Não desisti por fome. Não a sentia desde o terceiro dia. O que eu estava sentindo nesse momento era apenas uma lembrança do que eu já havia sentido em relação à comida e queria voltar a sentir todos aqueles sabores e sensações. Era mais psicológico e emocional do que físico. Eu pretendo tentar de novo o processo, quando eu tiver certeza de que chegou minha hora e, quando isso acontecer, será de uma forma bastante natural e verdadeira. Sem ansie-

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dades ou obrigações. Não precisa ter pressa. Irei quando tiver tudo programado no meu inconsciente e as condições estiverem perfeitas. Para quem quer tentar, eu recomendo que leve muito a sério. Só tente se tiver certeza que chegou sua hora.”

Advertência

O jejum, obviamente, não é para ser feito aleatoriamente, de qualquer maneira. Pelo menos três pessoas já morreram de fome ao tentar o processo. A imprensa condenou Jasmuheen pelas mortes e, em uma entrevista na qual a autora mencionou o assunto, ela disse: “talvez ela (a australiana Verity Lynn, que faleceu em 1999 em um campo deserto na Escócia. Junto estava um diário mencionando Jasmuheen e seus ensinamentos) não tivesse as motivações certas e não estivesse preparada.” Para Lucas, o importante foi descobrir o quanto o seu corpo aguenta e qual é a hora de desistir. “É muito importante a presença de um acompanhante. Além do apoio psicológico, o acompanhante ajuda nos banhos e nas pequenas necessidades básicas. A pessoa que faz o processo não pode ter nenhuma preocupação externa, tem que se concentrar”, adverte a sua namorada, que o acompanhou durante o processo. A partir do sétimo dia, já se pode ingerir líquidos. Ficar quieto


continua a fazer parte da rotina diária de todo o processo. Durante a próxima etapa, que a autora descreve como a semana da cura, o iniciante poderá sentir a necessidade de repousar constantemente e ainda sentir um pouco de mal-estar, porém, o corpo já está se estabilizando. Na última etapa, do 15º ao 21º dia, a semana de integração, segundo Jasmuheen, as energias superiores começarão a entrar no corpo do indivíduo, que passará a se sentir mais forte e deve se achar seguro para começar a vivenciar a alimentação prânica. A questão de ingerir ou não líquidos, a partir deste momento, vira uma opção pessoal, pois a autora afirma que bebidas não serão mais necessárias, mas poderão ser consumidas.

AP: Como foi seu processo de 21 dias? Era dezembro de 2001, apenas tínhamos a experiência de minha mãe como referência. Ela havia realizado o processo de 21 dias seis meses antes. Diante de sua transformação e êxito, me senti muito confiante. Meu processo foi tranquilo. Sem fome, sede ou fraqueza, me sentia cada dia mais pleno de felicidade e liberdade.

Viajando na luz

AP: Qual a melhor experiência? Durante o processo, a melhor experiência foi no final da segunda semana e na terceira onde eu sentia um amor por tudo, tão profundo e puro, que tudo parecia ter mais cor, mais vida. Mas, no pós-processo, realmente a sensação de estar vivendo no fluir, percebendo a Providência Divina atuar o tempo todo. No início era algo novo, me deixava fascinado, as sincronicidades... Mas vivo isso até hoje. A diferença é que não me surpreende tanto quanto antes.

Oberom é um brasileiro de Minas Gerais que “vive de luz” desde os 17 anos. Com sua experiência, ele já deu palestras em vários países e publicou, em 2009, um livro sobre o assunto, chamado “Viajando na Luz”. “Tenho 26 anos. Hoje, meu pai, minha mãe e cinco de seus dez filhos fizeram o processo do respiratorianismo. A mais novinha, ainda não completou dois aninhos, veio de uma gestação sem comida, com exceção do terceiro mês, quando minha mãe teve vontade de comer alfaces. A bebê nasceu com 3 kg e pouco e mamando bastante. Hoje segue comendo dentro de uma dieta vegana”, conta. Ao ser requisitado, via e-mail, para uma entrevista, Oberom mostrou-se aberto para as nossas perguntas, apesar de demonstrar cautela ao respondê-las, talvez por medo de que tenha suas palavras distorcidas, uma vez que o autor tem noção da responsabilidade que é necessária ao se tratar deste assunto.

A PONTE: O que o motivou para iniciar essa prática? Quantos anos tinha? Aos 17 anos de idade, tomei conhecimento da possibilidade de uma pessoa comum poder se nutrir de uma energia sutil, divina. E através de uma iniciação espiritual denominada ‘processo de 21 dias’, o ser humano poderia ascender para a Consciência e viver a plenitude, se tornando um instrumento mais afinado para nossa real missão enquanto aqui encarnados. Bom, essa foi a maior motivação!

AP: Qual a maior dificuldade? Minha maior dificuldade foi o fato de, do quarto dia até o sétimo, não ter dormido absolutamente nada. Com isso o tempo ficou muito maior. O lado bom é que me forçou a experimentar a Presença, viver o agora. Assim, não sofria.

AP: Como a sociedade e a mídia reagem ao seu estilo de vida? No meu entorno só as pessoas mais próximas sabem, mas com o restante me mantenho no silêncio de minha experiência. A mídia está o tempo todo nos procurando, mas não é meu objetivo me expor desta forma, sei das consequências, mesmo porque é só para ridicularizar e aproveitar o sensacionalismo que o assunto pode proporcionar. AP: Como você consegue manter a prática? Para se manter esta prática, o mais importante é se manter Feliz, não como algo subjetivo, mas sim uma felicidade sentida “na pele”, onde cada célula do corpo vive esta felicidade. Isso gera uma frequência vibratória que permite o acesso a uma inteligência maior, que inclusive faz com que o corpo assuma um novo sistema, produzindo

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todos os elementos que qualquer ser humano precisa para sobreviver e ter boa saúde. Então, meditação e ações conscientes ajudam muito: ter consciência do padrão de pensamentos produzidos, qualidade das palavras proferidas, tudo isso interfere no nível vibratório, consequentemente na nossa nutrição. Não é possível viver de luz sendo triste.

AP: Quais as principais mudanças que a prática trouxe à sua vida? Mais consciência. Me mostrou em fatos o poder que todos temos de moldar nossa realidade e como nossos pensamentos afetam nossa realidade, inclusive na nossa condição de saúde. Dessa consciência, o grande ganho foi a felicidade. A nível físico, me sinto mais leve, com mais saúde, mais calmo. AP: Quais são os benefícios e os malefícios? Da experiência em si, não vejo malefício algum. O que eu poderia dizer diz respeito à reação das pessoas com relação a essa forma de viver, o quanto isso incomoda algumas pessoas. Mas assisto a muitas pessoas que mergulham nesta experiência e posso dizer que o maior malefício é a fixação no ponto não-comer. Isso acaba gerando muitos conflitos internos, descrença, sentimento de impotência, culpa, tudo por buscar no processo o ‘parar de comer’ e achar que isso basta. Então, não se observam, logo entram nos padrões de ego, sofrem, a frequência vibratória baixa e então o corpo desses indivíduos acessa o mecanismo de sobrevivência (fome, sede) e faz a pessoa voltar a comer. Algumas querem provar para a sociedade sua façanha, mas logo vêem quão forte é a reação da sociedade para com as “coisas” diferentes, que fogem ao padrão estabelecido. AP: O que você recomendaria para as pessoas que se interessam em iniciar o processo? Esqueçam o não-comer, o façam para se autoconhecer, se isso for sua sincera busca ali, a liberdade com relação à comida vai ser uma consequência viável. Leiam o livro “Viver de Luz”, de Jasmuheen antes de fazer o processo. Tenham alguém em quem confiem neste trabalho para acompanhá-los, e só façam se tiverem um lugar para ficar em retiro, de preferência

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junto à Natureza. Façam em silencio (é a melhor forma de se auto-conhecer), sem visitas, sem responsabilidades. Um tempo só pra si.

AP: É possível viver de prana nas grandes metrópoles? Qual a importância do ambiente para a prática? Nas grandes cidades, a pessoa é bombardeada de estímulos o tempo todo. Com isso necessita uma boa prática pessoal que traga centramento e paz. Se a pessoa está estabelecida na felicidade (que é interna e independe de fatores externos), ela pode viver esta Consciência onde quer que seja. Mas na minha experiência ela vai ter a “necessidade” de estar junto à Natureza de tempos em tempos. Como forma de quebrar todos os processos de aglutinação das vontades ditadas e impostas que a indústria da propaganda cria para sua felicidade, pra ser dependente do consumo de agentes materiais. E, muitas vezes, a pessoa de uma forma inconsciente é contagiada por este programa. AP: Algumas pessoas que dizem viver de luz estão sendo examinadas por equipes médicas. O que pode mudar caso se comprove que a prática é possível? Na atual sociedade isso não vai mudar nada, mesmo porque já está provado, mas não é interesse da indústria farmacêutica ou alimentícia que isso venha a tona. Porque se essas informações forem colocadas de maneira errada, pode ser perigoso e, dependendo do enfoque, pode levar muitas pessoas a óbito. Portanto é um processo “lento”, consciente. Depende de maturidade para ter esta experiência. O interessante é ver que já existem outros métodos que levam ao mesmo ponto e talvez para determinadas pessoas não é o ‘Processo de 21 dias’ a melhor forma de chegar a este estado de Consciência. Porém, concordo que, se houver uma brecha e a ciência se dispusser a explicar para o mundo esta possibilidade, teremos grandes avanços na quebra dos padrões limitantes da humanidade. Já estamos vivendo uma revolução de consciência, um momento que o mundo jamais presenciou. Não está longe de isso também acontecer. Chegará o momento!


Adepta do respiratorianismo, a autora fala de sua experiência e dá dicas para quem quer iniciar a prática

A autora

Pa r e c e s e r u m pré requisito de quem vive de luz ser acessível e ter uma personalidade calma. Na primeira tentativa de contato que fizemos com Jasmuheen, pelo formulário de contato do site oficial da autora, a resposta veio no mesmo dia. Ao perguntarmos se ela estaria disponível para uma entrevista, Jasmuheen respondeu: “Mande as perguntas, ficarei feliz em respondê-las”. E ainda informou que estaria no Brasil durante o mês de novembro para ministrar palestras sobre o Programa Prana no Brasil. Jasmuheen já publicou 33 livros em 18 línguas diferentes, tem diversos programas de educação transcendental espalhados pelo mundo, atualiza frequentemente sua página no Youtube com vídeos de palestras e entrevistas que ministra e ainda se dedica a um grupo de música celta e medieval, onde canta. Abaixo seguem as perguntas que fizemos por e-mail.

A PONTE – Poderia contar como começou com a nutrição à base de Prana, sua experiência, como isso mudou sua vida e por que foi inspirada a compartilhar suas experiências com o mundo? Eu comecei essa jornada muitas vidas atrás, quando enviei uma mensagem ao mundo de que estava cansada de assistir a pessoas queridas, em particular, crianças morrendo de fome e desnutrição. Eu estava procurando uma maneira de ir além da necessidade física de comida. Isso culminou em uma vida que passei na India, onde descobri como ser uma verdadeira respiratoriana e cheguei a essa vida, onde estou aprendendo como usar isso para

eliminar os problemas de saúde e fome da humanidade, como está descrito no Programa Prana. É difícil explicar como minha vida mudou uma vez que grande parte da minha experiência desta vida vem de seguir um estilo de viver muito específico, no qual passo por fortes estados de graça. Mas, em essência, existem vários benefícios de viver puramente de prana, desde mais tempo até maiores níveis de criatividade, uma clareza mental etc. Vir a público com essa experiência veio de uma inspiração de um plano interior de luz, quando percebi que isso pode ser aplicado para ajudar aqueles que precisam de ajuda.

AP – Você é vista como uma das primeiras pessoas a trazer esse assunto, esse modo de vida, à mídia. Por inspirar várias pessoas a segui-lo, você é vista como uma líder? Como uma guia espiritual? É meu trabalho lidar com a mídia global, mas todos temos papéis diferentes no programa educacional desse novo paradigma. No entanto, enquanto muitas pessoas talvez me vejam como uma líder espiritual, a maioria dos envolvidos com isso (respiratorianismo) vêem a si mesmos como seus próprios mestres e estão focados no seu auto-controle. Eles não precisam de líderes ou gurus. AP – Em várias ocasiões, você foi acusada por entrevistadores de estar mentindo ou enganando as pessoas. Como o assunto está sendo tratado atualmente? Atualmente, as coisas estão muito mais fáceis, a consciência do mundo mudou muito ao longo dessa última década. Também filmes como In The Beginning There Was Light (documentário europeu filmado no período de seis anos que está sendo exibido em vários cinemas europeus, como na Áustria e Alemanha) ajudam a penetrar essa ideia no consciente da humanidade, bem como a noção de que já são mais de 40.000 pessoas que fazem isso no Ocidente. (Tradução de Julie Scott)

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Eles estão entre nós? ·

texto

· andréa nunes · georges anderson · julyana brasileiro · fotos · andréa nunes · georges anderson ·

Objetos voadores não identificados (OVNIs), seres extraterrestres (ETs), casos de abdução. Esses assuntos sempre despertaram a curiosidade humana e criaram um amplo leque de especulações sobre os mistérios que envolvem o universo. Ao longo da história, pesquisadores de todo o mundo têm registrado inúmeros fenômenos denominados ufológicos. O Ceará também tem sido palco de várias ocorrências desse tipo, como atesta Reginaldo Athayde, fundador do Centro de Pesquisas Ufólogas

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Alguns minutos depois das 5h da manhã do dia 03 de abril de 1976, na cidade de Quixadá, o fazendeiro e comerciante Luiz Barroso Fernandes estava se deslocando de charrete de sua residência para uma fazenda. Quando ele já se encontrava fora da cidade e seguia por uma estrada de terra, subitamente ouviu um ruído que lembrava um zumbido de abelhas. Barroso olhou para os lados, mas nada viu. Despreocupadamente continuou o seu caminho. No entanto, o ruído aumentava cada vez mais de intensidade, parecendo vir do alto. E foi nesse exato momento que observou uma bola de luz passando sobre a sua cabeça. Intrigado, mas sem medo, puxou as rédeas do animal e ficou parado observando um OVNI que, diminuindo de velocidade, desceu na estrada poucos metros à sua frente...

Foto: Divulgação

mistérios

É assim que começa a história de um dos mais intrigantes fenômenos ufológicos que teria acontecido no Ceará e que ficou conhecido como “Caso Barroso”. Há muitos destes relatos em sites especializados na Internet, em revistas e livros de ciência ficção. Avistamentos de OVNIs e contato com seres de outros planetas já foram registrados em várias partes do mundo, em diversas épocas da história. Também há registro de abduções, quando ocorre o seqüestro de pessoas por alienígenas. A expressão ufologia é derivada da sigla UFO (Unidentified Flying Object), que em inglês significa literalmente “Objeto Voador Não Identificado” (OVNI). Eles são normalmente relacionados com seres de outros planetas, mas um OVNI não é necessariamente um disco voador, já que seu conceito inclui qualquer tipo de objeto

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platéias do mundo todo se emocionarem, em 1982, com a amizade entre um garoto de 10 anos e um simpático alienígena que teria sido esquecido na Terra. Um dos mais recente filmes do gênero, a ser lançado ainda neste ano, tem como título “Area Q” e foi filmado na cidade de Quixeramobim, em parceria com a Panavision (Leia quadro na página 18). Ficção ou realidade, o fato é que a ufologia instiga a curiosidade e o desejo humanos de saber mais sobre o tema. Leia, a seguir, o desenrolar do “Caso Barroso” e, também, uma reportagem com o fundador do Centro de Pesquisas Ufológicas do Ceará e o relato de outros casos semelhantes pesquisados por ufólogos.

A bola de luz apagou-se e Barroso viu que se tratava de um objeto parecido com um carro Fusca, porém muito “mal acabado e que rodopiava”, como afirmou. O objeto parou de girar e uma pequena porta se abriu. Por ela saíram dois seres baixos de aspecto humano. Uma das criaturas tinha em suas mãos um equipamento que parecia uma lanterna quadrada e escura. O ser direcionou esse aparelho para Barroso e dele foi emitido um feixe de luz que atingiu o rosto do fazendeiro. Imediatamente,

Foto: Divulgação

voador ou fenômeno óptico, detectado por visão direta ou por um radar, cuja natureza não se pode conhecer de imediato. Um dos mais importantes fenômenos ufológicos mundiais registrado até a data ficou conhecido como “Caso Valdés”, e descreve um caso de abdução presenciado por uma patrulha militar inteira, ocorrido no campo de Putre, no norte do Chile, em 1977. No Brasil, a mais famosa ocorrência ufológica ficou registrada como “Os ETs de Varginha”, quando três garotas teriam tido contato de terceiro grau com extraterrestres, em 1996, no sul de Minas Gerais. Mesmo após várias décadas de estudo e pesquisas sobre OVNIS, desconhecemos completamente sua origem, sua forma material e, principalmente, as intenções que eles têm por trás de suas atividades no planeta. Considerado como o elemento mais asustador da ufologia, a abdução desperta o medo nas pessoas. Quem já passou por essa terrível experiência, muitas vezes apresenta sequelas tanto físicas quanto mentais. Como os fenômenos ufológicos quase sempre vêm marcados por histórias misteriosas e inacreditáveis, eles também despertaram o interesse da indústria cinematográfica. O mais famoso filme sobre o tema, “ET – O Extraterrestre”, de Steven Spielberg, fez

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Outros casos Barroso sentiu um forte calor e não conseguia se mover. Logo em seguida, os seres se aproximaram mais dele e novamente atingiram-no com aquele raio de luz. Barroso perdeu os sentidos e acordou algumas horas depois, num local que não era o mesmo quando aconteceu o incidente. O fazendeiro estava meio dormente, com sensação de febre, tinha dificuldades respiratórias, intensa dor de cabeça e o lado esquerdo do corpo queimado, como se tivesse sido exposto ao sol por um tempo prolongado. Quando recuperou os sentidos, Barroso não conseguia locomover-se, e pensou que fosse morrer. Mas, para sua sorte, um vaqueiro conhecido seu que passava pelo lugar prestou-lhe auxílio, levando-o até sua fazenda. Barroso relatou o incidente insólito que tinha vivenciado e, em pouco tempo, a história se espalhou, tornando-o atração da cidade. A imprensa, na época, fez uma ampla cobertura do acontecimento. O caso foi pesquisado durante 17 anos. Segundo o doutor Antônio Moreira Magalhães, um dos mais conceituados médicos da cidade de Quixadá e outros 15 médicos que acompanharam o fato durante esses anos, Barroso apresentou, no transcorrer deste período, uma regressão mental inexplicável até parecer uma criança de não mais do que nove meses de idade. Nesse estágio, ele apenas pronunciava três palavras (“Mamãe, dá medo”) quando flashes de câmeras fotográficas ou luzes de filmadoras eram acionados. Por mais inacreditável que possa parecer, Barroso também começou a rejuvenescer fisicamente, desaparecendo as rugas do rosto e os músculos se enrijecendo. Em abril de 1993, Barroso acabou falecendo. A suposta abdução que Barroso sofreu em 1976 afetou toda a sua vida, comprometendo drasticamente a sua saúde, e terminou 17 anos depois, de forma trágica.

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Roswell: incidente ocorrido em julho de 1947, em Roswell, Novo México, EUA. Durante uma tempestade, um OVNI teria caído próximo de uma fazenda. Os militares recolheram os destroços encontrados no local e, de acordo com algumas testemunhas, pelo menos um alienígena teria sido recuperado vivo. Uma enfermeira que ajudou na autópsia dos corpos revelou que se tratava de seres de baixa estatura com braços compridos, cabeça desproporcional em relação ao corpo e com grandes olhos negros. A história ganhou espaço na imprensa rapidamente, mas foi desmentida pelas autoridades militares.

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Noite Oficial: em maio de 1986, inúmeros Ovnis invadiram os céus brasileiros, tumultuando e interrompendo o tráfego aéreo de algumas localidades no país. Os Ovnis se moviam velozmente pelo céu, apresentando cores diferentes. O próprio Ministro da Aeronáutica na época, o então Brigadeiro Otávio Júlio Moreira Lima, foi obrigado a se pronunciar na imprensa diante da situação. O fato representou um marco para a ufologia brasileira, pois pela primeira vez foi admitido, publica e oficialmente, que OVNIs tinham invadido o espaço aéreo brasileiro.

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O ufólogo trabalha há 52 anos em pesquisas na área e coleciona objetos referentes a seres extraterrestres

“Já vi OVNIs; mas, seus criadores, nunca” O Centro de Pesquisas Ufólogas (CPU) se localiza em uma rua tranquila do centro de Fortaleza. O local, que aparenta ser uma residência como outra qualquer, é também onde mora o presidente e fundador do CPU, Reginaldo de Athayde, 75 anos. Mas basta entrar em um dos quartos do imóvel, onde Athayde guarda as evidências que coleciona sobre a existência de vida extraterrestre, para se sentir entrando em um outro mundo. O lugar parece uma espécie de museu, pois reúne pesquisas, livros, fotos, fitas de vídeo e até supostos áudios de conversas com ET’s colecionados por ele ao longo de cinquenta anos de estudos sobre o assunto. As prateleiras empoeiradas sustentam cerca de 1.300 livros que tratam de objetos voadores não identificados e da existência de extraterrestres, além de fitas cassetes e objetos encontrados em suas viagens de pesquisa. Com onze livros publicados no Brasil e um na França, o presidente da CPU é uma das autoridades mais requisitadas para tratar do tema. Mesmo enfrentando problemas de saúde, ele não hesita em conversar sobre seu assunto preferido. “As pesquisas, a ufologia e os OVNIs, apesar de não renderem retorno financeiro, são a minha vida, minha diversão”, garante.

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Desde 1959, ele percorre o Brasil em busca de vestígios, relatos e provas que comprovem a existência de extraterrestres. Garante que “descobriram” que três estados da região do Nordeste (Ceará, Piauí e Maranhão) abrigam um terrível segredo: “é aqui, sem a menor explicação, que estão concentrados os mais impressionantes casos de objetos voadores não identificados”. Os pesquisadores do CPU viajam por conta própria para os locais onde tenha ocorrido algum fenômeno ufológico. Na bagagem, levam máquinas fotográficas, filmadoras e equipamentos que detectam metais e objetos em movimento. “A gente recolhe todo material que encontra. Pode ser areia, pedra, água, o que estiver por perto, para saber se tem alguma coisa que foge ao normal”, explica Athayde. Os associados do CPU começam a exploração dos fenômenos com um método de trabalho próprio. “A gente já vai acreditando que é mentira, como se fosse o advogado do Diabo. Quando não conseguimos desmentir a história, é que podemos considerar o caso verídico e passamos para uma investigação mais séria, que pode durar meses”. Athayde lembra três casos que foram registrados no Ceará pelo CPU como sendo fenômenos ufológicos. Um foi o caso de um policial militar que teria sido abduzido na


cidade de Palhano, em 1992. Outro caso foi de um homem que teria sido levado por extraterrestres na lagoa da Maraponga, em Fortaleza, “há uns 20 anos”. O terceiro foi um fenômeno ocorrido em Baturité, no ano de 1984, quando milhares de pessoas avistaram objetos luminosos no céu. “Foi analisado e constatado que eram discos voadores”, ele garante. O caso de Baturité foi um marco histórico na vida do ufólogo. Aos 49 anos, Athayde e mais de seis mil testemunhas estavam reunidos em Baturité, no sítio Labirinto - um lugar ermo, afastado da cidade, cercado por plantações de algodão e canaviais - no primeiro sábado de outubro de 1984, quando, às 14h05, avistaram um fenômeno ufológico. “Uma enorme bola pairava sobre os céus, tendo duas nuvens paralelas a ela, de onde saiam inúmeras bolas vermelhas”. Grande parte das pessoas que presenciaram o fenômeno acreditaram que aquilo representava um aparecimento sagrado, a imagem da própria Virgem Maria, sendo que as esferas vermelhas representariam as gotas de seu sagrado rosário que pairava sobre os céus da cidade. Mas para o ufólogo Athayde, o significado daquele acontecimento era outro. “Aquela enorme bola era na verdade um OVNI, e das nuvens paralelas ao seu lado

Foto: Georges Anderson

Foto: Andréa Nunes

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Valdés: Na noite do dia 25 de abril de 1977, o cabo Armando Valdés e sua patrulha militar do Regimento Oficial de Arica, cidade chilena na fronteira com o Peru, quando realizavam suas tarefas rotineiras de patrulhamento foram surpreendidos por duas intensas luzes que vinham descendo velozmente sobre uma colina a cerca de 500 metros de onde estavam. Uma delas de forma oval tinha cerca de 20 metros de diâmetro e pairou à esquerda de onde estavam. Assustados com o fato inusitado, os soldados ficaram em estado de choque. Como não se identificaram, o cabo decidiu avançar em direção à luz e, sem nenhuma explicação, desapareceu. Depois de uns minutos, como em um passe de mágica, o cabo Valdés reapareceu no mesmo lugar onde havia sumido. Estava com a barba crescida, mesmo tendo-a feito no dia anterior. Seus soldados repararam que apresentava enorme fadiga e também verificaram que o relógio de Valdés tinha parado durante o acontecido, e o calendário havia avançado cinco dias. O exército não se pronunciou.

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Travis Walton: no dia 5 de novembro de 1975, o madeireiro Travis Walton e seus companheiros de trabalho estavam na floresta do Arizona, EUA, quando avistaram uma luz atrás de uma colina. Walton correu em direção à luz, quando foi atingido por um raio azulado. Com medo, o restante do grupo fugiu. Quando perceberam que o Ovni havia ido embora, retornaram ao lugar à procura de Walton, mas ele havia desaparecido. Somente cinco dias depois ele reapareceria a milhas de distância do lugar. Em seu depoimento, ele afirmou que foi abduzido por um Ovni e que passou por experiências a bordo da nave.

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saiam inúmeras outras luzes avermelhadas menores. Inúmeros OVNIS marcavam os céus de Baturité, confundindo a crença da população com a verdade que poucos realmente conhecem: eles estão entre nós”. Para Athayde, este evento representou um dos mais importantes acontecimentos em sua carreira na ufologia. “Naquele momento, me senti realizado na questão ufológica”. O estudo ufológico não é considerado uma ciência por causa das dificuldades em conseguir dados confiáveis. “Só conseguimos provar um caso ufológico através de entrevistas feitas com pessoas envolvidas no fato e a partir da algumas evidências”, reconhece Athayde. “Sendo o mundo rodeado por sucatas espaciais, muitas vezes avistamos estes que pensamos ser OVNIs. Essas ‘aparições’ se dão normalmente entre as 18h e 19h. Fenômenos ufológicos não têm regularidade, o que representa estes como satélites que perdem sua órbita ou mesmo parte de sucatas espaciais”. Athayde diz que alguns fenômenos ufológicos muitas vezes são classificados assim, quando na realidade não passam de estranhos fenômenos atmosféricos. “OVNI, a gente vê sempre. Alguns falsos, outros verdadeiros.” Mesmo com dados e pesquisas reunidos até hoje, não existe uma prova científica de que existem discos voadores ou seres extraterrestres. Para Athayde, o que existe são relatos e indícios e, a partir deles, a suposição de que pode se tratar de extraterrestres. “Meu sonho é poder manter um contato com eles. Já vi OVNIs; mas, seus criadores, nunca”. Apesar da falta de dados científicos e específicos sobre o assunto, a crença de Athayde em seres extraterrestres continua inalterada e vai passando de geração a geração. Desde sua esposa e companheira, Dona Zilma, até seus dois filhos, Karina e Flávio, todos acreditam na existência de vida em outros planetas e nos OVNIs.

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Foto: Divulgação

Area Q

A história do aparecimento de supostos OVNIs no Ceará rendeu um roteiro de filme que irá estrear ainda este ano. Com o nome “Area Q”, o filme foi rodado em Quixadá, a quase 200 kms de Fortaleza. O nome do longa-metragem faz referência às duas cidades do interior do estado com grandes ocorrências de OVNIs, Quixadá e Quixeramobim. A fita conta a história de avistamentos e abduções no interior do estado, e é resultado de uma parceria entre empresas cinematográficas brasileiras e norte-americanas. Grandes atores internacionais participam do elenco, como Isaiah Washington, e também atores nacionais como Ricardo Conti, Murilo Rosa e Tânia Khallil. “Area Q” é fruto de uma parceria inédita entre Ceará e Hollywood. As filmagens do longa-metragem aconteceram no Ceará e em Los Angeles. A direção é de Gerson Sanginitto, enquanto a produção executiva é do cineasta cearense Halder Gomes. O roteiro foi elaborado pela brasileira Júlia Câmara.


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d

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Foto montagem: Hannah Moreira


mistérios

Mundo

de ilusões ·

texto

· elialdo bruno · ricardo garcia ·

fotos

· camila bitar · fabiane de paula · hannah moreira ·

Passar a noite em claro, bebendo e se divertindo com os amigos em orgias onde afloravam as maiores perversões. Garrafas de cachaça e inúmeras cervejas na mesa. Drogas das mais variadas. Dois maços de cigarros eram pouco para noitadas que pareciam ser o ápice da felicidade. Essa era a rotina na vida de Leonardo (nome fictício), conhecido no bairro onde mora pelo apelido de Leproso (apelido fictício)

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Sábado, 16h30. Sentado em frente à TV LCD de 42 polegadas, assistia ao seu Vozão sofrer o terceiro gol do Grêmio. Mais um cigarro aceso e apontava para a televisão soltando diversos palavrões contra o goleiro do Ceará: “Goleiro de m... Não pega uma bola. Vão levar de uns cinco essa ruma de leproso filho da p...”. Ele estava nervoso, naquele final de tarde, mas a raiva era momentânea até acender mais um “espinafre” (nome para se referir ao cigarro). Cultiva o vício do tabaco desde os 13 anos de idade. Diz ser uma herança de seu falecido pai, que o influenciou desde cedo. “Meu chapa, esse vício eu vou levar pro meu caixão. É herança do meu velho. Hoje, eu fumo às minhas custas. Não me drogo e nem fico pedindo dinheiro a ninguém, como antes. Hoje, tenho orgulho”, discursa. O jogo termina e o Ceará perde por 5x1. Recolhe o cinzeiro entupido de “bitucas”, joga no lixo e acende o último cigarro do maço amassado. Comenta: “Isso é praga dos leproso da TUF. Essa ruma de cassaco não tem time pra torcer mesmo! Bando de leproso!”, exclama aborrecido. O apelido vem da infância pobre no bairro da Aerolândia. Quando aprontava no meio da rua e a polícia o levava de volta para casa, ele escapava e corria para dentro de casa gritando: “Vaza! Vaza!, seu bando de leproso!”. A partir daí, começou a chamar assim a quem ele acha que o ameaça e acabou sendo apelidado de Leproso pelos moradores do bairro. Sorri quando lembra do episódio.

Refugiando-se no cabaré

Leonardo é um homem magro e com altura mediana. Possui cabelos claros e dentes amarelados por muito “tempo de cigarro”. Próximo de completar 40 anos, coleciona

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várias cicatrizes decorrentes de confusões em que se meteu quando era alcoólatra e usuário de drogas. Experimentou maconha, cocaína e crack. Bebia de cachaça a champanhe. Este último, segundo ele, quando ia para a Avenida Beira-Mar atrás de “gringos” para a noitada. Preso em 1992 por porte ilegal de armas e entorpecentes, foi solto no ano seguinte graças à ajuda de sua vizinha, Roxana, que ainda lhe conseguiu um emprego. Mas o vício já tinha tomado conta de sua vida. Roxana tem um bar ao lado de sua casa. Nos fundos do estabelecimento fica a janela do quarto de Leproso. O bar, bastante freqüentado nos finais de semana, era um refúgio para seu vício. “Tenho raiva até hoje desse cabaré! A Roxana me ajudou a sair da cadeia, sim. Reconheço e agradeço,

Foto: Fabiane de Paula

“Um homem na estrada recomeça sua vida. Sua finalidade: a sua liberdade. Que foi perdida, subtraída. E quer provar a si mesmo que realmente mudou que se recuperou e quer viver em paz, não olhar para trás, dizer ao crime: nunca mais! Pois sua infância não foi um mar de rosas, não...” (trecho da música “O homem na estrada”Racionais Mc´s)


meu chapa, mas, me humilhou muito ela e o leproso daquele filho dela”, conta. Pensa, respira fundo e diz: “os piores momentos da minha vida foram aí, meu chapa. Fui muito humilhado e acabei sendo influenciado por quem andava aí. Perdi quase tudo na minha vida. Meu emprego, meu caráter e a confiança das pessoas. Graças à generosidade do Senhor ainda tenho as duas coisas mais importantes de minha vida: minha filha e minha preta (apelido com que chama a sua mulher, Clélia). Se não fosse por elas, meu chapa...”. Leproso narra os fatos que marcaram sua vida com uma mistura de tristeza e deboche. Lembra do tempo em que esteve preso. “Parecia com essa favela da Aerolândia. Só que com grades e uma ruma de leproso querendo ‘filar’ meu espinafre”, brinca. Ele afirmou várias vezes que nunca fez mal a ninguém. Somente a si próprio. Porém, imediatamente se contradiz quando confessa que roubou algumas vezes para comprar um “baguio” ou um “espinafre”.

A vida passou a ter sentido

Leonardo conheceu Clélia em 1995, na Lagoa de Messejana. Nesse dia fazia uma semana que estava fora de casa, bebendo e “botando boneco” pelo mundo. Conta que sua mãe, Leninha, foi procurá-lo até no IML (Instituto Médico Legal). Começou deste encontro, que ele narra com riqueza de detalhes, o namoro com Clélia. Mas não conseguiu largar o vício. Após cinco anos de um namoro conturbado e cheio de idas e vindas, Clélia engravidou e os dois resolveram casar. Foram morar na casa de Dona Leninha. Com a notícia de que seria pai, Leornardo melhorou seu comportamento, parou de beber e usar drogas. Porém, o bom e velho “espinafre” não largou em hipótese alguma. Com o nascimento de Raíssa, tornou-se um homem mais responsável. Feliz, começou a trabalhar com o irmão fazendo frete e só lhe importava ser um bom pai. Lembra emocionado do novo rumo que sua vida estava tomando. Cita várias vezes o nome do irmão, Arnaldo, a quem ele disse ser grato eternamente pela oportunidade. Nos finais de semana, tomava um ônibus na BR-116 e ia passear no shopping com a

mulher e a filha. Segundo ele, até então, nunca tinha ido a um shopping ou feito algum programa de família ou algo parecido. Eram momentos felizes para quem tinha tido uma vida conturbada.

Amigos que “tragam” a vida

Uma pessoa regenerada. Feliz longe de álcool, das drogas e orgias. Não era preciso pedir dinheiro a ninguém e nem ser motivo de chacota dos vizinhos por causa do estado lamentável em que vivia. Esse passou a ser o novo homem Leonardo. Porém, uns amigos que não via há muito tempo, foram visitá-lo e começaram a iludi-lo novamente com promessas baixas e hipócritas. Inicialmente, resistiu, mas o “mundo de ilusão” passou a dominá-lo outra vez. Voltou a beber e a se drogar. Arranjou mais confusões e sua vida foi “tragada” novamente pelo vício. Clélia foi embora inúmeras vezes com a filha por causa do comportamento estranho que o marido apresentava. Leproso ficava agressivo e com sinais de distúrbios mentais. Ao passar o efeito da bebida, ia buscá-la com a promessa de que largaria o vício. Sem cumprir sua palavra, continuou colocando tudo a perder em sua vida. O curioso é que, quando ficava violento, partia para cima de Clélia para agredi-la, mas sempre levava a pior. Disse que a força de sua mulher era tamanha que chegou a ser amarrado na cama, por diversas vezes, para que não saísse de casa. Até que, em julho de 2008, começou a apresentar comportamentos ainda mais estranhos. Teve uma crise nervosa muito forte e a família decidiu interná-lo em uma instituição para tratamento de dependentes químicos. “Minha vida ali foi um inferno, camarada. Aqueles carandirús (outros internos) faziam era me roubar lá. Aquilo não é vida nem para o pior ser humano. Fiquei dez meses internado lá. Foi um inferno!”, garante. Leonardo revela que era mantido sob controle por meio de tranqüilizantes fortíssimos e que a segurança do hospital era precária, pois muitos internos consumiam drogas lá dentro.

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Segundo ele, os remédios que o forçavam a tomar lhe causavam uma sensação pior do que as causadas pelas drogas ilegais.

Uma vida nova e feliz

Foto montagem: Camila Bitar

Um ano e meio depois, esse homem quase quarentão tornou-se uma nova pessoa. Há seis meses fez um tratamento em uma clínica especializada. Longe do álcool e das drogas, se diz feliz com a recuperação pessoal e com sua integração à família e à sociedade. Agradeceu bastante às pessoas que lhe ajudaram na recuperação e afirma que o álcool e as drogas já fazem parte do passado. “Não tem coisa melhor, meu chapa, do que ver minha filha crescer e ter orgulho de mim. Hoje, tô limpo.

Minha esposa bem, trabalhando e eu me sentindo útil ao ajudar no sustento da família sem precisar de vício maldito algum para ser feliz. Como te disse, só não largo meu espinafre, meu camarada (risos). Não trabalho ainda porque tenho que ficar com a minha filha, já que minha preta trabalha até tarde. Mas já surgiram várias propostas e tô até pensando em voltar a trabalhar de pedreiro”, comenta esperançoso. Leproso, ou melhor, Leonardo é mais um cidadão brasileiro que teve parte de sua vida dilacerada pelo vício das drogas e do alcoolismo. Por meio da união da família e de sua força de vontade, conseguiu vencer e se livrar do “mundo de ilusões” em que vivia.

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Políticas públicas para as drogas O Ministério da Saúde se comprometeu a ampliar a rede de assistência aos usuários de crack até o fim do ano passado, dobrando o número de leitos para receber dependentes químicos - de 2,5 mil para 5 mil. O aumento foi possível porque o Ministério dobrou o incentivo financeiro aos hospitais que atendem pacientes com problemas relacionados a álcool e drogas. A medida fez parte do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em maio de 2010 pelo até então presidente Lula, e disponibiliza R$ 180 milhões por ano para o custeio desses leitos especializados. Outra medida seria intensificar as ações do Plano Emergencial de Ampliação do Acesso do Tratamento para usuários de Álcool e Drogas (PEAD). Este plano previa, inicialmente, a construção de 73 novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) até o fim de 2010 e, este ano, prevê mais 136 centros especializados em Álcool e Drogas (CAPS-AD). O Ministério também tem como objetivo promover a transformação de 110 CAPS-AD, em municípios com mais de 250 mil habitantes, para CAPS-III, que têm funcionamento 24 horas por dia e 8 leitos em cada um para internações de curta duração e maior capacidade de atendimento ambulatorial. Além dessas medidas tomadas pelo Governo no auxílio aos dependentes químicos, também são de extrema utilidade os serviços prestados pelas clínicas particulares de reabilitação, que ajudam os dependentes a se ressocializar e a curar seus vícios. O CT Viva (Clínica Terapêutica Viva) é uma clínica de tratamento para dependentes químicos, com sua matriz em São Paulo, onde tem diversas unidades de atendimento pelo interior do Estado. Em Fortaleza funciona, desde o início de 2010, uma das 10 unidades de Atendimento Psicossocial, onde os pacientes são

consultados e realizam tratamento de suas dependências químicas ou alcoolismo sem a necessidade da internação. Nesta etapa, são acompanhados por equipes de psicólogos, terapeutas e médicos psiquiatras. Se houver a necessidade de uma internação, eles são levados para São Paulo, para seguirem o tratamento. Segundo um dos psicólogos da clínica no Ceará, Tauili Taunay, as drogas mais utilizadas pelos pacientes que buscam o tratamento no CT Viva são a cocaína e o crack, com alguns poucos casos de alcoolismo e nenhum de outra droga. Ele também cita que a incidência de pessoas que procuram o tratamento varia quanto à idade (de adolescentes até adultos), classe social e sexo, embora a incidência de pacientes do sexo masculino seja maior. De todos os atendidos pela clínica em Fortaleza, somente dois não conseguiram se reabilitar e voltaram para o mundo das drogas. Para Taunay, por vontade própria. “Dos 12 atendidos desde o início do ano, somente dois não conseguiram manter a abstinência, pois eles mesmos não queriam. Dos que querem tratamento, todos conseguem se recuperar”, explica. A clínica também oferece, além dos tratamentos psiquiátricos, clínicos e terapêuticos, programas de treinamento para ajudar os dependentes na sua volta para o convívio social. São os chamados “Personal Care”. Neste tratamento ocorre o período de coaching, para estimular o desenvolvimento da pessoa, visando o seu retorno ao mercado de trabalho. “O objetivo é reinserir essa pessoa novamente ao convívio social. E este trabalho é oferecido como um ‘plus’, além da terapia”, acrescenta o psicólogo. (Fontes: Sissaude e G1)

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“Só sei que estou vivendo minha vida” ·

texto e fotos

· suiani sales ·

Dados de uma pesquisa realizada no ano passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostraram um significativo crescimento no número de mulheres maduras casadas com homens mais novos. Em 1999, o casamento entre mulheres mais velhas com homens mais novos representava 19,3% do total. Hoje, esse número corresponde a 23%. Marta (nome fictício) é uma dessas mulheres retratada pela pesquisa. Há um ano, ela começou a namorar Vitor, 22 anos mais novo 28


confiss천es

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Eles se conheceram em um bar, no mesmo bairro onde ela mora, em Fortaleza. Marta tem 53 anos, é diretora de uma escola de ensino fundamental e médio, e ficou viúva há 8 anos. De cabelos loiros e olhos levemente arredondados, tem um sorriso bonito que a faz parecer bem mais jovem. Mas, as marcas de quem já passou por momentos difíceis na vida estão presentes em seus olhos. O relacionamento com Vitor mudou a sua vida. A diferença de idade a obrigou a enfrentar o preconceito de uma sociedade que ainda encara o assunto como tabu. O relato abaixo, editado em primeira pessoa, é a história que Marta contou dessa relação em uma tarde quente de outubro, na sala de visitas do seu apartamento, onde mora sozinha.

“Lembro-me como se fosse hoje. Estava num barzinho do meu bairro, no começo de 2007, conversando com uma amiga, quando o avistei. Pele branca com cabelos pretos. Usava cavanhaque e não era gordo nem magro. Logo me chamou a atenção. Estava sentado do outro lado do bar, mas isso não me impediu de ficar olhando. Apesar da minha vontade de falar com ele, nada aconteceu naquele dia.

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Não demorou muito para nos encontrarmos novamente no mesmo bar. Acho que ele já tinha percebido meus olhares. Chegou até a mudar de mesa para ficar mais perto da mim. Ele estava só, e recordo que tomava um caldo de caranguejo. Foi nesse dia que o garçom me entregou um papel com o número do telefone dele. Por volta de uma hora da manhã daquela mesma noite, decidi ir embora. No caminho para minha casa, estava me sentindo só e ligar para ele me pareceu uma boa opção. Encostei meu carro e disquei os números. - Alô? - Oi, meu nome é Marta. Sou a mulher do barzinho - Oi, tudo bem, querida? Me chamo Vitor -Tudo bem. Então, Vitor, gostaria de saber se você quer me encontrar para conversarmos um pouco. - Claro. Não vejo a hora. Vitor estava com um amigo antes de me encontrar, mas o deixou numa lanchonete e ficou conversando comigo dentro do carro. Já


era madrugada e a lua estava linda. Lembrome que comentamos o quanto ela estava esbanjando luz. Foi uma longa conversa. Não aconteceu nada demais, mas claro que uns beijinhos e uns carinhos aconteceram. Depois do primeiro encontro, nós ainda passamos algum tempo conversando bastante, tanto por telefone quanto pessoalmente. Engraçado. Pouco depois dos primeiros encontros, eu estava no mesmo barzinho em que nos conhecemos conversando com uma amiga. - Joana, você não arranja um namorado? Já faz algum tempo que não está com ninguém. - Eu não, amiga. Não aparece ninguém de interessante. Nesse momento, Vitor entrou no bar e passou por nós. ‘Um desse eu tinha coragem’, ela comentou comigo. Dei um sorrisinho sem jeito, mas levei na esportiva. Mal sabia ela que algo estava acontecendo entre mim e ele. Ele sentou à mesa que estava atrás da gente, ficava olhando e dava uns sorrisos. Depois de alguns minutos, pedi licença à minha amiga e fui sentar à mesa com ele. Joana ficou desconcertada ao me ver com Vitor. Pelo fato de ele ser mais novo do que eu e ser muito bonito, no fundo, eu sentia que

muitas amigas minhas sentiam ciúmes da minha relação. Na escola onde trabalho como diretora, sempre há confraternizações. Certa vez o convidei para ir comigo e elas faziam questão de ficar perto dele. Como Vitor não olhava, não ficava preocupada. Com o tempo, começamos a nos envolver mais. Houve um tempo em que ele se ausentou por mais ou menos uns quinze dias. Fiquei imaginando o porquê disso, mas não surtei. Mandei umas mensagens comentando que estava com saudades. Quando estava passando o final de semana numa praia com a família, meu celular começou a tocar. Pedi à minha filha: - Atende, aí, meu celular! Na mesma hora ela revidou: - Eu não. Vai que eu atendo e um homem fala: ‘Tudo bem, meu amorzinho?’ Quando atendi... - Tudo bem, meu amorzinho? Comecei a rir e me afastei um pouco para poder conversar melhor com ele. O relacionamento foi ficando cada vez mais sério e já começávamos a sair como namorados. Desde o começo, foi uma paixão que nos arrebatou. Sempre foi tudo muito intenso. Ainda assim, muitas pessoas não sabiam do nosso relacionamento. Era tudo muito escondido. Infelizmente, eu mesma tinha preconceito com o nosso relacionamento. Eu tinha muita vergonha. Lembro que no nosso primeiro

Infelizmente, eu mesma tinha preconceito com o nosso relacionamento

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discussão ou intriga entre mim e a Vitor, pois ele não gostava de nos ver brigando. Com o tempo, as brigas foram ficando frequentes. Foi aí que me dei conta que eu estava em um relacionamento sério e complicado. Mas isso é normal em qualquer relação, não é mesmo?”

A família Dia dos Namorados juntos, nós passamos no restaurante Colher de Pau. Estávamos lá de mãos dadas, mas fiquei meio perdida. Só após algum tempo, comecei a desencanar com certas coisas. Logo no começo, Vitor ficava muito chateado comigo. Quando saíamos para algum canto, eu não o deixava pegar na minha mão. Nos locais em que estávamos, as pessoas olhavam com certa reprovação, mas com o tempo fui me acostumando e percebendo que nosso relacionamento não iria ser um conto de fadas. Mas o nosso grupo de amizades também nos ajudou bastante a encarar as coisas de outra forma. Ninguém nos discriminou pela diferença de idade. Todos falavam que nós éramos um casal muito bacana para sair e tudo mais. A maioria da turma era mais nova do que eu. Interessante é que um dos nossos amigos, um em especial, ficava chateado quando havia alguma

“A visão dos meus filhos com relação a Vitor é de uma pessoa mais nova que se aproveita de uma mais velha. Eu acredito que meu erro foi não ter assumido desde o início o nosso relacionamento. Vitor sempre me dava incentivo, mas eu tinha muito medo de ser rejeitada pelas pessoas, principalmente por minha família. Sempre tive medo de enfrentar as coisas e as pessoas. Sempre procurei fazer tudo para todo mundo ficar bem e satisfeito, mas sempre os meus desejos ficavam para trás. Eu sou uma pessoa independente, estou bem e tranquila. Mas, às vezes, choro porque perdi muita coisa e sinto falta disso. E não precisava ser assim. É muito ruim não poder juntar as duas coisas por causa de preconceito. Eu sei que meus filhos nunca vão me dar razão, mas eu gostaria que a família pudesse estar reunida sem confusões.

O relacionamento de uma pessoa mais velha com uma mais nova é como qualquer outro. São os mesmos tipos de brigas, tem todo o ciúme

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A família dele também não aceita o nosso relacionamento. Como Vitor tem dois filhos ainda pequenos, o que a mãe dele mais deseja é a reconciliação com a ex. Uma vez fui à casa dele e não fui bem recebida. Então evito ter contato com a família dele. Eu não destruí casamento de ninguém. Infelizmente, não é isso que muita gente pensa. Vitor também já teve alguns relacionamentos com outras mulheres após o divórcio, mas a maior implicância é comigo. Com certeza por causa da minha idade. Muitas pessoas ainda não estão preparadas para lidar com isso. Eu acho uma besteira, mas cada um tem sua opinião. Meu namorado é o tipo de pessoa que me incentiva a ir à academia, a um médico. Ele faz questão que eu ande de um jeito pelo qual eu possa me sentir bem. Isso é que é importante em um relacionamento. Mas parece que as pessoas da minha família não enxergam. É um relacionamento que sofre preconceito e às vezes nós mesmos temos. Claro que, hoje em dia, as coisas estão bem diferentes e aquela paixão toda do começo não é mais a mesma. Mesmo assim, acredito que quem tem mais preconceito com esse tipo de relação é a família, pois ninguém acredita que ele é sincero e verdadeiro. Sinto muita falta da família estar reunida. Sei que a gente perde um pouco de valor quando não está perto dela. Eu perco um pouco do meu valor”.

Preconceito

“Sempre apoiei Vitor na jornada profissional dele. Sempre dou força, principalmente quando ele quer desistir de algo, pois ainda não há estabilidade para ele do jeito que nós gostaríamos. O relacionamento de uma pessoa mais velha com uma mais nova é como qualquer outro. São os mesmos tipos de brigas, tem todo o ciúme. Certa vez viajamos com uns amigos para um balneário. Eu não estava vestida com meus trajes de banho, mas troquei de roupa assim que chegamos lá e fui me divertir. Nossa amiga comentou comigo que ele admirava

O relacionamento sofre preconceito. mas Vitor e Marta estão preparados para enfrentar as críticas e a discriminação

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isso em mim e gostava bastante. ‘Ela é o tipo da pessoa que topa tudo e sabe se divertir seja lá com quem for e onde for. É isso que eu quero’, Vitor comentou. Isso me faz sentir especial e feliz. Não vejo motivo para tanta discriminação. Não é diferente. Também não é por causa da grande diferença de idade que o namoro será mais sério, centrado. Para um relacionamento, não existe idade. No começo, ele morria de ciúmes de mim, mas hoje, se controla. Percebo logo porque ele fica com a cara ‘emburrada’. Cada um possui sua individualidade. Não precisa ser aquela loucura toda que era no início. Não tínhamos vontade de fazer nada sem estar juntos, mas hoje é diferente. Depois de tantas brigas e desentendimentos, a gente vai mudando e amadurecendo mais. Uma das coisas que mais influenciaram negativamente na nossa insatisfação da relação, foi o fato do Vitor sempre ficar da minha casa pra dele e vice-versa, quando meu filho vinha passar o final de semana em casa. Isso nos

Ninguém está aqui para julgar ninguém. Cada um tem sua vida e vive do jeito que achar melhor

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deixava frustrados com a nossa situação. Era um caos, porque nós queríamos ficar juntos, mas eu ficava ouvindo piada dentro de casa do meu próprio filho. Isso é muito difícil. Não sei até quando isso vai durar. Eu sei que ele gosta de mim, mas não sei se essa relação terá um futuro. Gostaria de poder fazer investimento conjuntamente como todo casal faz. Isso me deixa angustiada porque meu tempo está passando e, às vezes, paro para pensar no que estou fazendo comigo e com a minha vida. Ao mesmo tempo, penso que estou atrás da minha felicidade. Ninguém está aqui pra julgar ninguém. Cada um tem sua vida e vive do jeito que achar melhor. Só sei que estou vivendo minha vida e meu momento”. Depois da entrevista com Marta, telefonei para a sua filha, Janaína (nome fictício), a fim de conhecer a sua opinião sobre a relação que sua mãe tem com Vitor, mas ela não quis falar sobre o assunto.


Famosos em foco

Fotos: Divulgação

Vários artistas e famosos também possuem ou já possuiram relacionamentos com pessoas bem mais novas ou velhas. Nesse cenário, situação como essa é bastante comum. É o caso, por exemplo, de Cid Moreira e Fátima Sampaio. A diferença de idade entre eles é de 36 anos, mas isso não os impede de ser um casal e felizes. Em entrevista à revista Caras, Fátima afirmou: “Nossa vida é bem legal. Viajamos, gostamos de jogar partidas de tênis, de beber vinho à noite no nosso jardim... E, claro, namoramos muito. A nossa diferença de idade nos faz não perder tempo. Quando nos conhecemos, tive um pouco de medo. As pessoas falavam que, por eu ter perdido meu pai muito nova, aos 16 anos, talvez estivesse vendo no Cid uma figura paterna. Mas eu sempre concluía que não era isso. Gosto da pele dele, do cheiro, de abraçar. Nós somos um homem e uma mulher que se encontraram e se dão muito bem”. Outro caso que, em 2008, causou muita polêmica foi o relacionamento de Marcelo Camelo, ex-vocalista da banda Los Hermanos, e Mallu Magalhães, também cantora. No início do relacionamento, ela tinha 16 anos de idade e, ele, 30. Pelo fato de se tratar de uma menor de idade com um adulto, o caso teve grande destaque na mídia por algum tempo. Susana Vieira e Sandro Pedroso também namoram e a diferença de idade entre os dois corresponde a 42 anos. O casal, em entrevista à revista Contigo, disse que não sofreram nenhum tipo de preconceito pela diferença de idade dos dois e as pessoas os respeitam como casal.

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· jayne coelho ·

Em uma época de aparente liberdade sexual, é raro encontrar algum jovem que deseje se manter virgem até o casamento. Por causa das experiências sexuais acontecerem cada vez mais cedo na vida deles, a virgindade tornou-se um tabu. Mas ainda existem aqueles que optam por esperar um grande amor ou apenas o momento certo para iniciar a vida sexual. É o caso de Emmanuel, 23, que namora há quatro anos, ou o de Liane (nome fictício), 27, que ainda não encontrou o parceiro certo

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Foto: Arquivo pessoal

confiss천es


Para muitos jovens, o sexo é um assunto cercado de angústias, preconceitos e medos. Alguns procuram ajuda médica para ter uma vida sexual mais satisfatória, consultam terapeutas e sexólogos, outros buscam alternativas em livros de auto-ajuda ou em sites especializados na Internet. Tudo entre quatro paredes, pois falar do assunto abertamente ainda é um tabu na nossa sociedade. E quando se trata de virgindade? Com a banalização do sexo, o assunto se tornou ultrapassado. Os jovens são instigados a perder a virgindade mais cedo, a ter uma vida sexual ativa sem considerar o estágio de desenvolvimento de cada um. No passado, eles sofriam uma repressão sexual muito grande, sobretudo as mulheres. A virgindade era um tabu que pregava a dignidade da mulher solteira, antes de se entregar ao marido. Hoje, esse termo virou marca fora de moda, face à liberação sexual precoce e nem sempre consciente dos jovens, que acham esquisito ou até zombam de alguém que revela ser virgem.

É o que aconteceu com a universitária Liane, 27 anos, quando revelou para alguns amigos que ainda era virgem. “Eles achavam que eu mentia. Namorei um cara que me falou que eu já tinha perdido dez anos de coisas boas na minha vida. Eu respondi que não via daquela maneira, mas ele insistiu que a realidade era aquela, em que uma menina de 14, 15 anos já tinha uma vida sexual ativa – eu não queria isso pra mim. Meu namorado achava que eu sustentava uma mentira só pra não transar com ele. Me sentia mal por isso.” Liane conta que nunca teve uma educação sexual aberta, nem conseguiu conversar diretamente com sua mãe sobre o assunto. “Ela vivia me dizendo que eu tinha que casar virgem e acabei absorvendo esse pensamento. Eu até brinco com ela, pra me ensinar e me explicar certas coisas, mas ela não responde. É muito fechada e reservada, e isso dificultou um pouco. Acabou refletindo no meu comportamento e nesse meu modo de ver as coisas. Geralmente, quando quero saber de detalhes mais precisos

Foto: Henrique Kardozo

[...] meu namorado achava que eu sustentava uma mentira só pra não transar com ele. Me Sentia mal por isso

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sobre alguma coisa, pergunto a uma amiga ou a uma prima, que são mais experientes e mais próximas a mim”. Com um jeitinho tímido, Liane confessa que sua decisão de prolongar a virgindade já atrapalhou alguns de seus relacionamentos. “Tenho certeza que interferiu. Tive um ex que tentou de todas as formas e, quando caiu na real e viu que não ia rolar nada, pediu pra parar por ali. Num outro relacionamento, eu gostava muito do cara, mas a gente chegou a terminar também por conta disso. Uma vez ele chegou pra mim e perguntou: ‘Liane, você nunca sentiu alguma vontade a mais comigo?’. E eu respondi que não. Aí ele disse: ‘Tá vendo como você não gosta de mim?’. Eu acho que pra haver essa vontade, tem que haver confiança, cumplicidade e não existia isso entre a gente. O que passava na minha cabeça nessas horas é que eles só estavam comigo pra me levar pra cama, sabe?”.

Só depois do casamento

Em países como a França e a Holanda, o sexo é tratado livremente e é plenamente aceitável, enquanto que, no Brasil, ainda temos uma sociedade marcada por preconceitos. A maioria dos jovens se mostra retraída quando o tema é virgindade, alguns têm vergonha e chegam a mentir, outros preferem não opinar. Mas existem os que fizeram uma opção consciente pela preservação da virgindade. Uns por princípios e questões religiosas, outros porque estão à espera da pessoa e do momento adequados para terem a primeira relação sexual. O estudante do 6o. semestre do curso de Medicina, Emmanuel, é um exemplo de que ser virgem após os vinte anos pode não ser o fim do mundo, como seria para a maioria dos jovens cheios de testosterona. Com 1,93m de altura e um semblante tranquilo, ele é um católico que carrega em seu olhar muita confiança e maturidade para alguém de sua idade. Garante que a sua namorada é a mulher de sua vida. “Eu gostava muito de pagode. Toda sexta-feira, eu estava nos pagodes bebendo e ‘ficando’. Nesse meio em que eu vivia, todos os meus amigos já mantinham relação sexual desde muito tempo. O meu convívio era com

pessoas assim. Isso, de certa forma, fazia com que eu me retraísse um pouco, por não me sentir muito bem. Eu não valorizava minha condição de ser virgem, e aí criei na minha cabeça o pensamento de que o certo era ter relações sexuais. Era como se fosse uma luta contra a minha própria consciência. Percebi que tive muitas oportunidades de perder a virgindade, mas nunca rolava, porque era um anseio mais profundo do que eu imaginava e não queria expor minha intimidade a qualquer pessoa. Não que eu não tivesse desejo de ter uma relação sexual, mas dentro de mim existia a noção de que isso teria a hora e o lugar certo pra acontecer. Por mais que eu quisesse viver, era uma dicotomia muito grande, porque eu achava que necessitava viver aquilo para me afirmar perante as pessoas, pra elevar minha auto-estima. Chegava a mentir, dizendo que já tinha feito de tudo. Hoje em dia é uma aberração, né? Um homem com 23 anos que nunca teve uma relação sexual! Pessoas que pensam como eu são vistas como anormais, que não curtem a vida, que não têm historias pra contar”. Ele conheceu a sua namorada em 2006, quando começou uma amizade bacana, afirma. “Por uma questão religiosa e humana, eu já sabia que era vontade dela não manter relação sexual. Desde o inicio, eu comecei o namoro disposto a viver junto dela essa opção. Eu não tinha muita noção do que era manter um namoro sem sexo. Nos relacionamentos que tive anteriormente, ficava uma briga da minha consciência com o que eu ouvia de fora. Na realidade, dentro de mim existia um desejo de viver aquilo, de preservar a outra pessoa e me preservar também.” Emmanuel explica como eles fazem para evitar momentos de maior intimidade. “Olha, a gente vai se conhecendo e vendo o limite de cada um. Evitamos ir pra cantos afastados, ficar sozinhos por muito tempo, sabe? Hoje, eu vejo isso mais como uma segurança, como uma estabilidade. Penso que eu não teria um namoro estável como tenho, se nós mantivéssemos relações sexuais. A nossa experiência religiosa também foi fundamental nesse sentido pra minha vida, e foi o que ajudou muito a me decidir também, porque eu sofria por ser

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Foto: Arquivo pessoal

O casal optou pela preservação da virgindade. Chegaram juntos à conclusão de que se guardariam para o casamento

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recriminado pelos outros e isso me entristecia. Quando começamos a namorar, ela achava que eu não era mais virgem. Eu também transparecia para as pessoas algo que não era e ficava na dúvida se era um medo, um fechamento ou um preconceito, e só com o tempo fui amadurecendo isso dentro de mim”. Após passar por este conflito pessoal, Emmanuel aparenta estar bem determinado quanto à sua decisão, e deixa claro que o sexo deve fazer parte de uma união conjugal e não momentânea, como muitos costumam fazer. “Creio que o envolvimento afetivo do casal só se completa inteiramente no matrimônio. E só ele completa esse sentido que eu busco, de união e de geração de filhos racional. Então, eu estaria indo de encontro a mim mesmo, a tudo aquilo que eu acredito e que defendo, se eu mantivesse relações antes do casamento. O sexo precisa ser vivido com maturidade. Tenho minha companheira como alguém importante na construção da minha vida e não somente visando ter relações sexuais com ela”.

Palavra de especialista As mudanças principais, após a primeira vez, não são físicas, e sim emocionais. Perder a virgindade não é um bicho de sete cabeças. Para que tudo aconteça como tem que ser, basta criar um clima de preparação para esse momento, que é tão aguardado. Não precisa ter pressa nem se precipitar. A presença de muito amor, carinho, desejo e confiança no parceiro(a), sem esquecer da prevenção, ajudam a eliminar qualquer medo ou tabu que se tenha acerca da perda da virgindade, tornado-a inesquecível. É igualmente importante, no momento do ato sexual, estar consciente das suas implicações na esfera dos sentimentos – saber se é o momento certo, se está com a pessoa mais adequada e se há maturidade emocional suficiente para tomar esta iniciativa. Não adianta fazer algo só porque os amigos já fizeram. Perder a virgindade não significa ganhar maturidade. Isso porque, quando não se está preparado para dar o primeiro passo, logo vêm a culpa, o receio, a vergonha e o arrependimento. As lembranças da primeira vez ficam para sempre e, muitas vezes, é o que vai determinar a vida sexual de um homem ou de uma mulher. Sâmia Evangelista Psicóloga especialista em sexualidade


constantes

Fabiane de Paula

“Não existe nada que seja arte. Há somente artistas” E. H. Gombrich

Pode parecer estranho para algumas pessoas, sobretudo para aquelas sob a hipnose de vícios racionalistas e literários, mas uma fotografia não é um recorte do “real”, ao contrário do que acreditam com boa dose de ingenuidade. A fotografia também não é um espelho ou reflexo da realidade – seja lá o que venha a ser isso –, assim como não conta histórias, relata fatos, explica coisas, esclarece verdades ou prova coisa alguma. Publicitários, fotojornalistas e editores de fotografia sabem disso. Fabiane de Paula começou a fotografar regularmente quando cursou a disciplina de fotografia básica da Universidade de Fortaleza. Logo me chamaram a atenção as suas composições surpreendentes, construções exatas e maduras de extrema beleza e complexidade. Havia em suas fotos algo incomum em iniciantes. Uma destas me despertou a curiosidade e pedi que me mostrasse onde havia sido feita. Fabiane me levou até embaixo de uma arvore sob a qual todos nós na Unifor passamos todos os dias. Apontou para cima, para o interior da copa da árvore, e lá estava. Qualquer imagem fotográfica é uma realidade em si mesma e o universo visível é só a matéria prima da qual se alimenta. Pretender que se atenha a suposições e encadeamentos intelectuais, morais ou ideológicos, a valores e analogias literais, é aprisioná-la no uso tacanho e subserviente do seu potencial imenso e vigoroso. A

imagem magnífica aberta no display da câmera de Fabiane era e é o testemunho eloquente deste fato tão singelo. O emaranhado caótico de galhos, folhas e flores e a mediação feita pelo olho apurado da fotógrafa através da câmera guardavam entre si não mais do que elos tênues, uma relação frágil que imediatamente se desfez diante do impacto contundente da beleza e emoção inesperadamente reveladas. Eram dois universos independentes obviamente separados, realidades autônomas. Suave e inteligente, econômica nos gestos e retraída, Fabiane de Paula é uma personalidade essencialmente feminina. Refinada e elegante, encarna em sua discrição o modelo de fotógrafo preconizado por Henri Cartier-Bresson: um ser quase invisível. Entretanto, a oportunidade de ver Fabiane fotografar é uma experiência fascinante. Ágil, atenta e precisa, raramente se engana. Visão afiada, é sempre direta e não se confunde. Não se perde, não anda em círculos e não tateia sem rumo. Vê o que outros não vêem, sabe exatamente o que busca e não hesita quando encontra o que está procurando. Exuberante, como fotógrafa ou artista sofisticada, Fabiane é uma rara e luminosa revelação. Júlio Alcântara Supervisor de fotografia do Labjor 43


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· ana carolina cunha · ravelly marques · renata andrade · moreira · hyana rocha · fotos

· hannah

Danielle Rothli


crenças

Ela foi professora em várias instituições de ensino, assessora da Secretaria de Administração da Prefeitura Municipal de Fortaleza, supervisora de cursos do Movimento de Apoio do Serviço Social da Polícia Militar do Ceará. Além de ser escritora, poetisa, trovadora, artista plástica, também é integrante da União Brasileira de Trovadores, da Academia de Letras e Artes do Ceará e presidente da Academia Feminina de Letras do Ceará. A sobralense Maria Argentina Austregésilo de Andrade é uma mulher com uma intensa história de vida. Mas uma história que vai muito além de todos esses títulos. Argentina possui uma missão com a caridade. Ela é médium. Nas páginas a seguir, conheceremos a sua trajetória até a mediunidade, um mundo que, para muitos, ainda é cercado de mistérios

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Se o engenheiro Antônio Austregésilo não tivesse descoberto e aceitado a mediunidade, provavelmente a senhora de cabelos ruivos e olhar marcante, Maria Argentina Austregésilo de Andrade, viria a sofrer problemas ainda maiores quando percebesse que havia herdado a sensibilidade espiritual do pai. Antônio vinha de uma família muito católica, era primo do primeiro bispo de Sobral, Dom José Tupinambá da Frota, e defendia a religião fervorosamente. “Era católico daqueles da medalha do coração de Jesus, de Maria...”, explica Argentina com seu jeito descontraído. Até que, por volta dos quarenta anos, Antônio começou a ter crises muito parecidas com ataques de epilepsia. Sentia calafrios e, logo em seguida, desfalecia no chão, com os músculos rígidos. Chegou a realizar exames médicos para esclarecer realmente o que ele tinha, mas nada foi constatado. “Ele ainda deu uns cinco ataques desses”, conta Argentina. “Aí, quando foi um dia, ele deu um ataque desses e o botaram numa cama, ele tremendo muito. Aí, a mamãe veio com um lençol, botou um cobertor e foi saindo para buscar um chá. Quando ela ouviu foi aquela voz completamente estranha dizendo: ‘Calma...’ Antônio sentou-se e disse: ‘Se aproxime’. A mamãe aproximouse tremendo, né? Tremendo muito. Aí, ele disse: ‘Olhe, o que o irmão tem não é doença’. Ela mal podia falar e disse: ‘Mas, o que é?’ E ele disse: ‘Olhe, o que ele tem é mediunidade. Ele é um médium’”. A partir daquele momento, com o auxílio de sua esposa, a portuguesa Rita Cintra Austregésilo, Antônio, a princípio sem aceitar, passaria a desenvolver a mediunidade. Era o espírito de Israel Coelho Cintra, pai de Rita, que trazia uma mensagem para a filha – por meio de Antônio – alertando que o engenheiro viria a ficar cego e a sua riqueza estaria ameaçada. Então vieram tempos difíceis. Antônio sofreu uma trombose que, além de lhe causar cegueira, também o tornou paralítico. Rita precisou ser muito paciente e persistente para dar conta dos seus cinco filhos, cuidar do marido e das três fazendas que possuíam. Mas,

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com o tempo, a família começou a superar os problemas e Antônio a aceitar a missão recebida. Tornou-se espírita, sem deixar de ser católico, e passou a desenvolver a mediunidade. Maria Argentina garante que, mesmo sem ele enxergar, conseguia ler cartas, livros. Bastava encostar o objeto na testa ou na nuca dele. “Foram muitos psicólogos lá em casa fazer testes com ele. Botavam ele em frente à janela, botavam uma faixa e perguntavam: ‘Quem está passando na rua?’ E ele dizia tudo”. Foi cercada nesse ambiente espírita que Maria Argentina nasceu. Seu pai recebeu um espírito avisando a sua chegada. A mãe teve um parto indolor e a menina recebeu bênçãos de várias entidades espirituais que se aproximavam de Antônio. No entanto, não foi fácil para Argentina a sua relação com o mundo espiritual. Pelo contrário. À medida que crescia vendo a comunicação do pai com os espíritos e o aflorar da mediunidade também dos seus irmãos, ela ficava assustada. “Eu tinha pavor, eu tinha medo. Era um medo, assim, fora de série”, relembra. Contudo, dos cinco filhos de Antônio Austregésilo, apenas duas mulheres assumiriam a herança espiritual do pai. Uma delas foi a assustada Argentina.

A provação

Maria Argentina já morava em Fortaleza. Tinha mais de trinta anos, era casada e mãe quando o que a assustava tanto se manifestou. Ela se encontrava em casa, onde tinham um escritório de advocacia. Estava ajudando a filha com as tarefas da escola quando, de repente, sentiu uma pancada no peito. “Era como se tivessem jogado um tijolo”, explica batendo com a mão no peito, na tentativa de mostrar a intensidade da dor. “Senti uma falta de ar. Aí, eu caí. Encriquilhei toda. Aí, meu cunhado, que era médico e morava perto, foi chamado. Foi aquela confusão... E eu ouvindo tudo, mas não mexia um dedo. Tipo uma catalepsia. Minhas mãos ficaram que não tinha quem abrisse.” E, assim como tinha acontecido com seu pai, as crises de Argentina também tornaram a se repetir. Aflito, seu marido, o coronel Andrade, resolveu tomar uma atitude. Recorreu a um


Foto: Hyana Rocha

amigo de quartel que era espírita e contou todo o caso. O também coronel explicou que se tratava de um fenômeno espiritual e o aconselhou a levar Argentina a um centro espírita, onde poderia averiguar melhor o significado desses ataques. Mesmo não acreditando que a esposa fosse aceitar o conselho sugerido pelo amigo espírita, o coronel Andrade tentou. E, realmente, a princípio, Argentina se comportou como ele esperava. Descartou a ideia, recusou de imediato. Não queria por os pés em um centro espírita, mesmo tendo sido criada no ambiente da doutrina. O medo e o pavor do que estava desabrochando dentro dela falavam mais alto. Tinha receio, pois não lhe agradava a ideia de receber, ver ou ter algum contato com espíritos.

A imagem do filho falecido, vista diariamente por Argentina, é sempre lembrada com muita saudade

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Foto: Hannah Moreira

Contudo, com os ataques tornando-se mais frequentes, ela cedeu. Em companhia do esposo se dirigiu até a rua Mombaça, na Aldeota, endereço do Centro Espírita Casa do Caminho. A sensibilidade de Argentina se encontrava tão irradiante que, ao chegar à frente do local, desfaleceu. “Eu já entrei [no Centro] nos braços. Aí, pense, era um bocado de gente rezando em mim, eu comecei a crescer... Eu me sentia assim, uma coisa assim que tava para espocar”, diz fechando os olhos e alisando os braços, como se estivessem ardendo. “Eu fiquei lá sentada ouvindo as preces. Então uma médium que tava na mesa disse: ‘Olhe, tem uma senhora que está aqui, que tem um espírito como um urso”. Maria Argentina explica que o espírito, à medida que fica inferior, se animaliza, toma forma de um bicho. “Então, ela disse que era como um urso preso por uma corrente no meu pé. E disse: ‘Vamos orar para que a gente traga ele pra cá.’ Quando ela disse isso, eu falei: ‘Eu tô me sentindo mal! Pelo amor de Deus!’. Aí comecei a chorar”. Ela ficou apavorada. Apesar de terem conseguido “tirar o espírito”, segundo afirma, ela precisou fazer um longo trabalho espiritual. No decorrer do tratamento, ela descobriu que o tal espírito que levava preso ao seu corpo se tratava de um inimigo de outras vidas que a perseguia e que, por causa disso, ela viria a passar por momentos difíceis. Um desses momentos foi

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uma paralisia, da qual carrega seqüelas até hoje no lado direito de seu rosto. “Eu fiquei toda torta por causa da perseguição desse espírito. Olha, foi fogo!” Argentina passou onze anos frequentando a Casa do Caminho e rezando dia e noite por esse espírito. Afinal, devido a essa entidade maligna, como afirma, a sua saúde andava sempre por um fio. Passou por doze cirurgias, dezesseis dias na UTI, andou em cadeira de rodas, teve dois tumores na cabeça, um cisto na supra-renal, infarto. “Só vivia para morrer”, resume. Mas, para desespero dessa mulher de mais de sessenta anos, o sofrimento não tinha chegado ao fim. Mesmo se livrando do espírito que a perseguia, ainda tinha dívidas de vidas passadas. Dívidas que causaram a maior dor que ela teria que enfrentar pelo resto da vida. Uma dor que virou uma saudade apertada no peito, saudade recordada através de duas fotografias: uma delas afixada na entrada de sua casa, em um porta-retrato ao lado de uma poesia emoldurada, escrita para mitigar essa dor. A outra imagem, ela carrega sobre o peito, um pingente que não tira por nada. A maior dor de Argentina teve início no final da tarde do dia 29 de dezembro de 2005. Um helicóptero da CIOPAER (Centro Integrado de Operações Aéreas da Polícia Militar) caiu com cinco tripulantes quando se preparava para pousar na Base Aérea. Três saíram sem


Eu sou uma pessoa de muita fé. Não tem nada no mundo que faça eu achar que Deus é injusto vida. Um deles era o major Lindemberg de Andrade, filho de Argentina.

A vocação

Ela confessa que poderia ter se deixado dominar pela revolta ao perder o filho, mas foi mais forte. “Eu dizia: ‘Senhor, eu sei que o Senhor tem um plano melhor para o meu filho’. Mas era uma dor tal, que tinha hora que eu me sentia lesada. Então eu dizia: ‘Meu Deus, eu sei que o Senhor está me anestesiando’. Quer dizer, a gente tem que mostrar que tem fé é nessas horas.” Fé e apoio. Ao lado dos familiares e amigos, que durante meses iam até sua casa realizar orações, Argentina conseguiu transformar a dor em força. E, com apenas uma semana após a morte do filho, ela já estava dando apoio a uma mulher que também havia perdido a filha. No entanto, dois anos após a morte de Lindemberg, ela outra vez se viu tentada a abrir mão da serenidade. O laudo técnico sobre a queda do helicóptero revelou que o acidente tinha ocorrido por falha humana. Isso revoltou Argentina. “Fizeram uma enrolada tão grande!”, comenta amargurada. Queria abrir um processo, pois não acreditava – e ainda não acredita – na causa apontada. “Nós sabemos [ela e os familiares dos demais tripulantes] que foi o helicóptero. Defeito do helicóptero.” Então, carregada de mágoa e indignação, aproveitou a entrevista que concedia a um repórter para tentar desabafar o seu desejo de justiça. “Eu disse a ele: ‘Olha, eu vou fazer isso, vou abrir um processo...’” Mas, no instante de revolta, o seu filho apareceu para lhe dizer que não. “Começou a me dar uma coisa [fecha os olhos por um tempo e os abre

novamente]. Quando eu olhei assim, ele tava ali, do lado. Eu fiquei tão emocionada que falei assim: ‘Humano! Humano!’ Aí, imediatamente eu voltei ao normal e disse: ‘Meu filho, você não quer que eu abra processo?’ Aí, ele fez assim [balança a cabeça negativamente]. ‘Não vou abrir por você, porque se isso vai fazer você sofrer, tudo bem, também não lhe traz mais de volta’”. Então resolveu tocar em frente. Ao longo dos onze anos de tratamento na Casa do Caminho, trabalhou a mediunidade, doutrinou-se no espiritismo e se engajou em trabalhos em favor do próximo. Atualmente, faz parte do GEPE (Grupo Espírita Paulo e Estevão) onde, nas manhãs de quarta e quinta-feira, realiza atendimento fraterno (uma espécie de aconselhamento para aqueles que sentem necessidade de uma conversa), participa da leitura do Evangelho, dá passe (oração sobre outra pessoa canalizando boas energias) e participa dos demais projetos do grupo, como a preparação de um sopão oferecido para mais de 4 mil pessoas. Além disso, todas as noites de quarta-feira, ela mantém uma tradição iniciada pelo pai. Um grupo de umas 22 pessoas, entre parentes e amigos, vão até a sua casa, um apartamento tranquilo próximo à rodoviária, para fazer a leitura do Evangelho. Maria Argentina Austregésilo de Andrade venceu o medo da mediunidade. Ela sobreviveu a tantas doenças, superou a morte do único filho homem e, ainda assim, consegue espalhar amor e felicidade ao próximo, dedicando-se, como ela mesma repete incansavelmente, “à caridade”. Como superar tantos desafios? Com um jeito sereno e repleto de convicção, ela responde: “A minha vida é toda desse jeito. Vêm os problemas, mas eu não cruzo os braços nem boto minha cruz, aqui de lado, esperando que venha alguém resolver os meus problemas. Não. Problema é pra se enfrentar de frente. A gente tem que ser um rio, sempre fertilizando as margens”. E enfatiza: “Eu sou uma pessoa de muita fé. Não tem nada no mundo que faça eu achar que Deus é injusto”.

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Eu sou do

candomblé ·

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· bárbara guerra rodrigues · lucas pinheiro · priscila ponte · fotos · priscila ponte ·


crenças Para muitos, o Candomblé é uma prática de rituais misteriosos associada à feitiçaria. Palavras como Orixá e Exu não lhes são estranhas, mas não sabem o que significam. Também acreditam que se trata de uma religião de muitos deuses, quando na verdade é essencialmente monoteísta, tendo como único Deus e criador Olorún (olo = senhor; orun = espaço celeste sagrado), criador do céu e da terra, dos orixás e do homem. A Ponte acompanhou uma festa de Xangô, homenagem ao deus que rege a Justiça, o fogo e o trovão, para conhecer melhor uma das religiões mais populares do Brasil, trazida no período colonial pelos africanos que vinham trabalhar aqui como escravos

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“Tá na hora de começar nossa batucada, tá tudo atrasado”, diz Pai Xel para chamar a atenção dos presentes e dar início à festa de Xangô. Já passa das 21h e estamos no terreiro de candomblé da Casa de Pai Xel, em Fortaleza, para vivenciar a experiência de uma festa de Xangô. Como já tínhamos ido ao local antes para observar, ninguém estranhou muito a nossa presença. O eletrizante som dos atabaques se inicia (tambores artesanais que servem para conversar com os deuses). O corpo se arrepia, fica inquieto, é tomado por uma vontade de dançar e acompanhar as músicas cantadas na língua africana iorubá. Os rodantes (pessoas vestidas de branco e que entram em transe), formam um círculo e começam a dançar no centro do barracão. Acompanhamos o ritmo dos atabaques com as palmas e ficamos encantados com o espetáculo das roupas, da dança, do ritual misterioso. Layra, filha do Pai Xel, pergunta: “Não é bonito? Tem gente que tem medo, eu não tenho. Olha, ela vai receber o santo”. Nesse momento, Xangô, orixá (deus) da justiça, incorpora em Mãe Lu, homenageada da festa. Os nossos corpos começam a pesar, tentamos acertar as batidas das palmas com o ritmo da música, mas fica

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cada vez mais difícil. A sensação é de um imenso cansaço. É preciso fazer um esforço extra para manter-se consciente. Algumas pessoas em nossa volta percebem o nosso estado e explicam que, quem tem mediunidade aguçada, costuma desmaiar na presença do santo. Eles chamam isso de “bolar ”. Ficamos com medo de “bolar ”. É difícil de acreditar, mas o corpo de quem recebe o santo muda de fisionomia. Como Xangô é homem, o rosto delicado e sorridente de Mãe Lu se transfigura, adquire uma fisionomia masculina e um semblante fechado. Momentos depois, cada um dos rodantes recebe seu orixá e recomeça a dançar. Todos apresentam mudanças na


postura física. Até a cor dos seus olhos e o som de suas vozes mudam. Após quase trinta minutos de dança, é hora de um intervalo. Os filhos de santo que estão “virados” (os que recebem o santo) vão para o Roncó (quarto para meditação e descanso), onde têm suas roupas trocadas. Na segunda parte do ritual, já com novas vestimentas, apresentam-se usando símbolos de seus orixás. Eles dançam e representam de novo seus itas (lendas dos orixás). Agora as luzes se apagam. Jeane, filha de Yansã (deusa dos ventos e das tempestades), entra com uma panela de barro que exala fogo, o que simboliza a lenda segundo a qual Yansã tentou roubar o segredo do

fogo de Xangô. Trajadas com belas saias de baiana, Xangô e Oyá (outra denominação para Yansã) dançam no barracão. O ar está carregado de ansiedade. Alguns momentos depois – enquanto Pai Xel, como Babalorixá, está puxando o candomblé e cantando em iorubá – os Ogáns da casa (pessoas batizadas no santo, sem poder de mediunidade) começam a cumprimentar os santos com abraços. O Ogán de recepção, Kleber, explica que “o orixá está cumprimentando aqueles que ele sente que têm uma presença significativa pra ele”. Nesse instante, Xangô se aproxima e se inclina em nossa direção. Kleber alerta: “Ele tá pedindo o cumprimento de vocês. Vá! Dê um abraço no orixá”. Poucas pessoas foram abraçadas pelo santo. O abraço transmite paz. O Candomblé é um ritual de dança e aceitação, muito diferente do que muitos imaginam. Naquela casa todos têm espaço, não importa classe, cor, orientação sexual, nem mesmo o credo, pois, segundo Pai Xel, “as pessoas precisam entender que não existe religião certa, o importante é ter Deus no coração”.

A fé é tanta que um pixador fez oxum de graça no barracão

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Pai Xel

Ao entrar no terreiro ou roça da Casa do Pai Xel fomos como simples abiãs, o quer dizer que estávamos ali apenas para conhecer de perto a religião. Após conversar com os presentes e assistir à festa, a nossa visão sobre o Candomblé mudou completamente. A limpeza e organização do local não é uma simples questão de higiene. Está também relacionada com a limpeza espiritual, o que cria uma atmosfera de misticismo. O local transmite calma e a sensação de que

As pessoas precisam entender que não existe religião certa, o importante é ter Deus no coração estamos “em casa”. Diferentemente das imponentes torres das catedrais e do luxo das mesquitas, a casa onde assistimos à festa de Xangô é uma morada muito simples. Não imaginávamos que nos fundos dela podia-se sentir uma energia tão forte. Antes mesmo de encontrar com Pai Xel para uma conversa, já era possível sentir a sua presença. Neri (ou okainã), irmão do santo, anuncia: “O Pai Xel vem aí!”. Imaginávamos Pai Xel alto, negro e na sabedoria dos seus sessenta anos. Ele é de estatura mediana, corpo um pouco acima do peso, pele morena clara e tem apenas 41 anos.

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Apesar da idade, o seu olhar transmite uma profunda sabedoria. A presença de espírito de pai Xel é algo que se sente, que se vivencia. Ele passa imponência e confiança. Não é preciso fazer perguntas, Pai Xel começa a nos explicar o que é o candomblé. Transmite total segurança ao falar. Um cheiro de ervas toma conta do ar. Ficamos sabendo que tudo na vida dos praticantes dessa religião está ligado às tradições e às histórias que foram passadas pelas rainhas africanas feitas escravas no Brasil. “Tudo foi transmitido pela oralidade, de pai para filho, de geração a geração. A religiosidade africana sobrevive pela força dos orixás, espíritos que são o elo entre homens na terra e Deus”, ensina Pai Xel. Conta a tradição que Obaluaê (deus da cura e da doença) nasceu para ser rei, mas antes passou por várias provações. Filho de Nanã, foi abandonado no leito de Oxum, orixá das águas doces, por ter várias doenças de pele, como a hanseníase. Este o levou para os braços de Iemanjá. Ela o tomou como filho e lhe deu todas as pérolas do mar. Só quando se aceitou como o grande rei, Obaluaê curou a si mesmo e assim passou a ser o orixá da cura e da doença. Desde que nasceu, Pai Xel fez jus ao destino que o aguardava. Era um menino cheio de doenças, se machucava, sofria por não aceitar quem era. Assim como seu orixá (Obaluaê), Xel foi recolhido pela grande mãe (Iemanjá). A partir daí, descobriu a cura, e assumiu a missão de passar a paz, e mostrar o caminho para os outros que procuram orientação espiritual. Pai Xel é o babalorixá, ou o pai de santo, da primeira casa de candomblé do estado do Ceará,


Ilegiba Axé Possun Aziri (casa de orações, força e raiz de criação). Pai Xel não tira o seu sustento do candomblé, apesar de ser considerado um santo, mas sim das ruas da cidade onde trabalha como taxista. A Casa vive das doações dos fiéis, “doa quem quer e o que puder. Às vezes, a gente olha feio para quem a gente sabe que tem um pouco mais e não doa tanto, mas aceita mesmo assim”.

Depoimentos

“Meu nome é Jeane, mas todo mundo aqui me chama de Oyá. Eu conheço essa casa aqui há mais ou menos dez anos. Do tempo do Pai Xavier e do Pai Bel. No começo, eu era só abiã da casa (interessada no candomblé). Aí, eu passei um tempo afastada depois que eles morreram. Quando o pai Xel reabriu a casa, eu me encontrei com ele numa festa de candomblé e ele me chamou pra vir aqui, pra ele jogar os búzios pra mim. Nessa época, estava doente. Eu entrei no Roncó só o couro e o osso, estava bem magrinha. Tinha tentando suicídio e, depois que me iniciei no candomblé, minha vida melhorou cem por cento. Eu não tinha emprego, não tinha onde morar, eu não tinha nada. Depois que eu me iniciei e fiz santo (ser adotada como filha de santo, abraçar a religião), eu arrumei

emprego. Hoje eu tenho minha casa, eu tenho tudo. Depois disso, foi tudo maravilhoso, não teve mais nada ruim. O orixá para mim, ele é muito, muito, muito importante! E o meu babalorixá (Pai Xel) também. Se não fosse ele, eu não estaria onde estou hoje”.

Homens e mulheres em seus trajes de baianos, festejam o momento ritualístico

“O meu nome é Alex. E o nome que me foi dado aqui é Iaô do Oxossi. Eu, antigamente, andava em umbanda e não tava mais dando certo. Eu tinha me afastado por um tempo. Comecei a me envolver com história de bebida, coisa errada. Aí foi quando eu conheci Pai Xel. O filho aqui de Oxossi me trouxe e me apresentou ao Pai Xel. Ele jogou os búzios pra mim e viu minha situação de vida, viu os problemas que eu tava passando, que eu tava envolvido com droga, coisa errada, né? Aí, o pai Xel disse que eu tinha que tomar uns ebó (uma espécie de banho de ervas para tirar os maus presságios), umas coisa, e eu fiquei aqui com ele. Após uns três meses, eu acho, eu raspei e fiz santo, né? (refere-se ao ato do iniciado de raspar a nuca e marcar a faca o símbolo do orixá). Assim, primeiramente a religião tem que mudar a parte espiritual da gente. Então, quando eu vim pra cá, eu tava muito atribulado, por causa dos problemas que eu tava passando. Hoje em dia, o que eu tenho a dizer é que só sinto coisas boas aqui”.

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A força do retorno A teoria do candomblé prega a força do retorno. Tudo que se faz, volta para você, ou para seus filhos, netos. Uma teoria quase cartesiana. Por isso o bem, o puro, e a paz são incorporados como verdade absoluta. Ela tem suas raízes nas religiões tribais africanas. Ele é cultuado em diferentes regiões do Brasil. Apesar disso, como não tem apoio governamental e sofre com o preconceito, tem dificuldades para ser levada a sério. Não existe nem nomenclatura para quem vive no candomblé, simplesmente eles dizem “Eu sou do candomblé!”.

A religião surgiu no Brasil diante da proibição dos escravos de praticar seus cultos de forma pura. Assim, a única saída, foi maquiar o Calundu (termo que abrange toda forma de expressão de origem africana) com ritos católicos, conforme Vagner Gonçalves da Silva escreve em seu livro “Candomblé e Umbanda - Caminhos da devoção brasileira”. Os orixás eram disfarçados de santos, as danças seriam louvores exaltados, criando uma religião de berço africano e criação brasileira. O candomblé abre, assim, espaço para pessoas simples, excluídas socialmente.

Orixás

Obaluaê - Deus da cura e da doença Elemento: terra

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Oxalá - É o grande orixá do candomblé porque foi quem veio incumbido de criar a terra. É o deus da misericórdia, da bondade e do perdão. Ligado a Jesus Cristo. Super delicado. Elemento: ar

Xangô - Deus da propriedade que rege a justiça, deus do fogo e do trovão, representa a conquista, a aventura. Elemento: fogo

Oxum - Deusa das águas doces, cachoeiras, rege o útero e representa a fertilidade. É também deusa do amor e do jogo de búzios (associada a Iara) Elemento: água

Iemanjá - A grande mãe de todos os orixás, deusa dos mares e oceanos Elemento: água

Yansã - Deusa dos ventos e das tempestades, dona da alma dos mortos, traz a curiosidade (vai atrás dos segredos) Elemento: fogo


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crenças

As cores do

ALTAR

·

texto

· debora torres · lardyanne pimentel · thalita tavares ·

fotos

· lardyanne pimentel ·

Em alguns casos, a orientação sexual de alguns fiéis se choca com as doutrinas das igrejas que frequentam. A necessidade de encontrar um espaço onde eles possam propagar a sua fé em Deus e se expor livremente sem ser alvo de preconceitos por causa da sua opção homossexual deu origem nos Estados Unidos, há 43 anos, à Igreja da Comunidade Metropolitana. Em Fortaleza, uma sede dessa igreja foi fundada por Igor Simões, no Bairro de Fátima, em setembro de 2006

Igor abre as portas e nos convida a entrar em um pequeno salão de paredes brancas com várias cadeiras plásticas organizadas em fileiras em direção a um altar, onde um manto cobre a mesa com a mesma multiplicidade de cores que cobre o céu no horizonte após a chuva. O arco-íris da tolerância pelas diferenças ilumina aquele lugar, juntamente com as velas e as palavras bíblicas que são entoadas enquanto os fiéis vão entrando e sentando. Afixado na parede, ao lado do altar, um mural carregado de fotos mostra sorrisos e abraços dos membros da comunidade que freqüentam essa paróquia. Estamos na Igreja da Comunidade Metropolitana de Fortaleza, no Bairro de Fátima, templo fundado por Cícero Igor Simões há mais de três

anos, quando sentiu os primeiros sinais de preconceito por ser homossexual, no ambiente do grupo de oração da igreja que freqüentava. “Fui criado em um lar bem cristão, principalmente católico. Desde minha adolescência, eu participei de uma comunidade católica, muito grande e conhecida, não só aqui em Fortaleza, mas no Brasil e no mundo. Passei dez anos nessa comunidade, fui membro ativo e coordenei grupos de oração e ministério. Como eu vivia dentro de um ambiente extremamente religioso, sempre vi a homossexualidade com uma possibilidade de cura. Eu dizia: ‘Senhor, cura-me, cura-me! Senhor, tira esse pecado de mim’. Eu tinha muitos momentos de oração durante o dia, passava os dias orando e participava dos grupos missionários. Até hoje tenho experiências em grupos de oração. O mais interessante é que fui percebendo que a culpa era algo que me era colocado e não algo que estava dentro de mim. A culpa, o peso, o pecado era algo que me foi ensi-

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nado, eu fui percebendo isso não só nas leituras, mas dentro dos meus próprios grupos de oração da comunidade”, explica Igor. No início da descoberta de sua orientação sexual, Igor procurava não comentar com ninguém sobre o assunto. Tinha receio que, se a sua homossexualidade fosse descoberta, tudo que ele tinha conquistado em sua vida poderia se perder por uma revelação que nem todos entenderiam, principalmente sua família e a Igreja que frequentava. Ele não queria expor a sua condição para o grupo de oração do qual fazia parte, temia não continuar se sentindo aceito naquele grupo. O temor se justificava: Igor já havia presenciado cenas de preconceito em sua Igreja. E esse medo do julgamento por parte daqueles que ele mais amava lhe doía muito. Por vários momentos preferiu rejeitar a possibilidade de expor a verdade para todos. “Eu já tinha presenciado pessoas serem afastadas do seu serviço, daquilo que muitas vezes mais amavam e mais as aproximavam de Deus. Quando um amigo meu homossexual contou à pastora dele sobre sua orientação sexual, ela o tirou do grupo de oração. Disse ao meu amigo que ele ficaria na intercessão, escondidinho na capela: ‘o seu lugar agora vai ser de serviços escondidos, porque você não pode se mostrar’, disse a pastora.”. Diante disso, Igor resolveu não mais tocar no assunto. Com o tempo, ele foi percebendo que precisava ter uma real aceitação do seu “ser”, mas para consegui-lo plenamente teria que se afastar do grupo de oração, inclusive porque algumas pessoas já vinham suspeitando da sua orientação sexual e ele pressentia reações preconceituosas. Como sabia da existência em outras cidades de igrejas que foram criadas para receber pessoas com diferente orientação sexual, Igor Simões resolveu fundar uma sede em Fortaleza da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM).

Fundação da igreja

A primeira igreja desse tipo foi fundada nos Estados Unidos, em 1968, pelo reverendo Troy Perry logo após ser expulso da escola bíblica Midwest Bible College, em Chicago, por ser homossexual. Resolveu criar uma igreja que acolhesse as pessoas independente

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da sua orientação sexual. A Igreja da Comunidade Metropolitana (em inglês Metropolitan Community Churches) tem sede no Texas e possui hoje mais de trinta unidades pelo mundo. Na América Latina está presente em vários países, entre os quais Argentina, Chile, Venezuela e México. No Brasil, a sua implantação se deu em 2006. No site da instituição aparecem cinco capitais de estados brasileiros com sedes da ICM. A fundação em Fortaleza se deu em 2007, quando o diácono (equivalente a clérigo) Cícero Igor Simões iniciou contatos com os líderes das outras igrejas já existentes no Brasil. Na apresentação do site da sede fortalezense (www.icm-fortaleza. tk) pode ser lido que o objetivo do ministério “é o de propagar Jesus Cristo VIVO e atuante em nossas vidas através do seu amor inclusivo que não faz acepção de pessoas. Nossa pastoral é voltada, preferencialmente, ao público GLBT (Preferencialmente não quer dizer exclusivamente)”. A sigla GLBT refere-se a Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (Travestis e Transexuais).

Igor Simões lê passagem bíblica na celebração


No início, a igreja em Fortaleza era frequentada por três a quatro pessoas. Com a divulgação por redes sociais e através das próprias pessoas que visitavam o espaço de acolhimento, esta foi se tornando mais conhecida e seu grupo de “irmãos” foi crescendo rapidamente, pois a Igreja da Comunidade Metropolitana não recebe apenas grupos homossexuais, mas também heterossexuais e pessoas que enfrentaram em outras igrejas a intolerância e olhares constrangedores ou de reprovação.

Filosofia

As ICMs se utilizam de um universo de doutrinas para conceber uma filosofia de vida própria e adequada aos seus objetivos. A sua mensagem no site da instituição é de uma comunidade religiosa de pessoas “que compartilham do desejo de viver a mensagem de Jesus de forma a incluir, e não excluir; curar, e não ferir; pacificar, e não guerrear; encorajar, e não desanimar; libertar, e não aprisionar; incentivar a liberdade e criatividade de pensamento, e não exigir fé cega em credos religiosos”. A igreja é organizada em formato de colegiado, tendo em sua instância superior um Conselho de Bispas e Bispos e, nos Conselhos Regionais,

Pastores (reverendos) e os líderes locais das comunidades. As comunidades locais são formadas por um conselho comunitário que reconhece e determina as necessidades de cada igreja. A administração das necessidades é feita através da consulta a todos os seus membros, ou seja, todos os participantes têm poder de decisão, não importando a instância à qual esteja inserido. Edson Flávio dos Santos passou a frequentar a Igreja da Comunidade Metropolitana quando iniciou a relação com seu companheiro Igor Simões. Advogado e de família católica, afirma ser um cristão praticante. Há quase três anos, ele vem prestando serviços gratuitos de assessoria jurídica na Rede Nacional de Portadores de HIV, principalmente encaminhando à Defensoria Pública ações previdenciárias e trabalhistas. Ele afirma frequentar a ICM devido à liberdade de poder se manifestar. “Me sinto muito à vontade de chegar aqui e poder manifestar a minha sexualidade de uma maneira expressa, pois nas outras igrejas fica aquela coisa que você não se sente muito acolhido, principalmente se você expressa essa sua orientação. E aqui não. A gente tem uma liberdade para ser como é. Eu sinto realmente que Deus está presente nessas reuniões”.

Membros da igreja reunidos durante a celebração

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artigo Pela lente do cinema · por · luca laprovitera · estudante de jornalismo da unifor · foto · thalyta martins ·

Desde a “invenção” do cinema, há cerca de 115 anos, ele nos oferece emoções inesquecíveis. Nas últimas décadas, a sétima arte vem ganhando caráter comercial, mas também abre espaço para produções mais realistas e chocantes. “Je vous salue, Marie”, um dos filmes mais polêmicos do cineasta francês Jean-Luc Godard, estreou em 1985 e causou protestos de religiosos católicos no mundo inteiro. Um filme com pouca produção, cheio de cortes inusitados e que causa certas confusões pelos buracos na montagem. Mesmo assim, “Je vous salue, Marie” é um dos pilares do cinema abordando a religião. Nos dias de hoje, inundados de obras protestantes americanas que não possuem o menor carisma, o filme francês consegue contar a vida de José e Maria nos meados dos anos 80, reconstituindo a história e relacionando os personagens aos conflitos dos casais modernos. O luto é algo praticamente inexplorado no cinema. Em 2009, “Anticristo” de Lars Von Trier, dinamarquês famoso por seu gosto peculiar de chocar o grande público, chega às telas para incomodar. Cenas com genitálias sendo mostradas sem nenhum pudor, a cena inicial com o coito entre o casal do filme sem corte algum. Os atos se dividem em Dor, Luto e Desespero. A metáfora dos Três Mendigos representam o sofrimento da perda do filho, o sentimento de culpa,

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a insanidade despontando na mulher e o tratamento psicológico a que é submetida pelo próprio marido. “Anticristo” explora a total perda de consciência que o ser humano pode alcançar. A homossexualidade está caminhando para ser cada vez mais aceita pela sociedade ao passar das décadas. Quando se fala de polêmica e cinema, não se pode deixar para trás O Segredo de Brokeback Mountain, de 2005. Considerado a obra prima de Ang Lee, o drama é desafiador, mas soa preconceituoso. Muitos se perguntam como um filme sobre homossexuais o pode ser, mas é, no estranho modo como dois cowboys vão passar toda uma estação sozinhos, completamente separados do mundo e cuidando de ovelhas, sim, de ovelhas! Um cowboy de verdade, com toda virilidade demonstrada no filme, cuidaria de cavalos, búfalos e não de ovelhas. Outro fator preconceituoso é o excesso do amor proibido, algo que jamais dará certo simplesmente pelos protagonistas serem gays, gerando certo desconforto de quem assiste. As cenas muitas vezes chocam, não por não termos a cultura de aceitar a visão de dois homens se beijando ou atuando em cenas de sexo, mas por mostrar simplesmente como o amor pode não ter fronteiras. Para finalizar, Salò ou 120 Dias de Sodoma, de 1976. Uma das obras primas do cinema italiano que continua a perturbar mesmo trinta e quatro anos depois de seu lançamento. Baseado nas histórias de Marquês de Sade, o filme mostra cenas de sadomasoquismo, sexo heterossexual e homossexual, torturas e até assassinatos, transformando-o assim em um dos mais polêmicos da história do cinema. Na mesma época em que os filmes de Terror italiano assustavam o mundo, Pasolini investe no que há de mais devasso no ser humano e coloca na tela. A sociedade passa por diversas transformações ao longo das décadas e o cinema as acompanha. Desde os tempos onde o beijo era algo absurdo de se pôr na tela aos tempos onde atos sexuais parecem comuns aos cinéfilos, as polêmicas sempre existiram e cada vez mais se reciclam e se recriam para o público ver.


Título

SACADA é a nova revista do curso de Publicidade e Propaganda da Unifor. Uma revista que de tão completa, não tem definição. A Sacada será o lugar onde você, que sempre quis divulgar seus trabalhos e nunca teve chance, finalmente vai conseguir ser visto como merece. E ainda vai ficar por dentro de todas as notícias desse mundo tão cheio de novidades que é o do publicitário. A gente te deu a sacada, agora você pode relaxar na sua cadeira de balanço e aproveitar a vista.

No. 00000001

Sacada

E olha que não é nem uma revista de arquitetura.


Universidade de Fortaleza - UNIFOR Comunicação Social

Jornalismo

Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz CEP 60.811-905 - Fortaleza-CE, Brasil Fone 55 (85) 3477.3105 equipelabjor@gmail.com


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