Entre industrialização e tradição: uma adaptação da habitação vernacular

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uma adaptação da habitação vernacular

Entre industrialização e tradição:


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Julia Oguiura Camargo Orientadora: Profa. Lara Leite Barbosa de Senne São Paulo, 2018

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Entre industrialização e tradição:

uma adaptação da habitação vernacular

Trabalho final de graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo


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Agradecimentos

À professora Lara Barbosa, por me auxiliar e incentivar a buscar novas propostas para uma questão pouco usual. Ao Quilombo Ivaporunduva, Ditão e Setembrino, por partilhar o conhecimento e conversas inspiradoras. À Lia Barros do CDHU, por fornecer informações valiosas de seus projetos na região do Vale do Ribeira. À Maria Ignez do ITESP, por dividir seu conhecimento sobre a questão dos Quilombos. Ao studio e amigos do Building Under the Himalaya, realizado na TU Delft, que instigou meu interesse em arquitetura vernacular e na procura de sua retomada. Aos amigos que compartilharam momentos essenciais durante a graduação, tornando-a mais leve e prazerosa.

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Aos meus pais, pelo amor, apoio e inspiração.


Introdução 1. SANTOS, Cecília Rodrigues dos. O chão que continua. Arquitetura rural mineira em exposição. Drops, São Paulo, ano 13, n. 061.05, Vitruvius, out. 2012

O objetivo deste projeto, como muitos outros, é melhorar as condições habitacionais do brasileiro através da proposição de um módulo habitacional, facilmente produzido em larga escala e o mais sustentável possível. Porém, o escopo deste trabalho visa áreas rurais e pequenos municípios, onde a oferta de infraestrutura e políticas públicas é mais escassa. Portanto, onde as possibilidades estão mais intrínsecas às disponibilidades materiais locais. Além disso, um único módulo arquitetônico é debatido como insuficiente para responder às diversidades geográficas, culturais e econômicas do país como um todo. Desse modo, a sustentabilidade visada é a utilização dos recursos naturais existentes e adequados às características locais, diminuindo o impacto ambiental, cultural e econômico. Por esse motivo, a arquitetura vernacular surge como subsídio ao estudo de novas alternativas construtivas sustentáveis. Já que, sua construção histórica baseia-se na resposta da comunidade ao seu próprio meio, utilizando materiais e técnicas construtivas estabelecidas pelo clima, geografia, geologia, economia e cultura locais, e cuja construção não recebeu orientação de profissionais, mas seguiu os ensinamentos tradicionais passados entre gerações. Ou seja, a arquitetura vernacular é a materialização mais próxima da máxima relação de interdependência entre as comunidades e seus territórios,” são construções que dão sentido ao chão onde se estabelecem” 1. Adicionalmente, o processo construtivo geralmente inclui a família e outros membros da comunidade, fortalecendo as relações sociais e o sentimento de pertencimento àquele lugar, àquela casa. Porém, a grande demanda habitacional carece de um projeto que possa ser construído rapidamente, com baixo custo monetário e proporcionando menor impacto ambiental . No geral, a arquitetura vernacular, pela falta de industrialização dos materiais, possui um tempo de construção elevado e maior demanda de mão de obra. Portanto, o estudo e a integração com materiais e técnicas construtivas mais modernas são necessários para uma resposta mais incisiva à questão habitacional levantada. Tal estudo não é apenas de materiais totalmente novos e já produzidos pela indústria, mas um esforço de refinar técnicas construtivas tradicionais de modo a aumentar sua produtividade e melhorar sua durabilidade. No fim, a busca pela conciliação entre o tradicional e o industrial.


Dessa forma, a proposta final é o desenvolvimento de um módulo habitacional dividido em duas partes. Uma brasileira e outra regional. A primeira é o projeto de um módulo totalmente industrializado que possa ser rapidamente entregue em todo o Brasil. Este, é constituído da estrutura autoportante e um núcleo hidráulico. A regionalidade arquitetônica entra, principalmente, no tipo de vedação a ser implantado no piso, paredes, telhado e fundação. Este é diferente para cada região, tentando atender adequadamente a cultura popular, o domínio de técnicas construtivas, o uso adequado de materiais disponíveis e as potencialidades da mão de obra local, além de expressar a identidade do lugar e de seus habitantes.


Ă?ndice


I. II. III.

Características do Brasil e Regiões Introdução Clima Suscetibilidade local à desastres Naturais Regiões do Brasil

Arquitetura Vernacular Introdução

Contribuições indígenas Contribuições africanas Quilombos do Vale do Ribeira Quilombo Ivaporunduva Taipa de mão Projeto CDHU

11 12 14 17

28 32 40 44 47 52 58

Projeto Introdução Referências Processo criativo Conceitos Modulação Cômodos e Layouts Materiais utilizados Módulo Peças Construção Implantação sugerida Uma casa Bibliografia Referência Imagens

62 66 70 72 74 76 78 82 84 96 112 116 126 129


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Características do Brasil e Regiões


Amenizar a situação habitacional precária que grande parte da população vive, seja por falta de recursos próprios ou governamentais, por desastres naturais, ou por alocação inadequada em reurbanização de assentamentos precários, é uma das grandes buscas da arquitetura brasileira e mundial. A falta deste direito acomete o indivíduo, intensificando sua vulnerabilidade. Pensando apenas em termos de localização geográfica, há situações de carência distintas: meios que conseguem ou poderiam prover mais facilmente a infraestrutura necessária para uma habitação adequada e meios onde a possibilidade de acesso à essa infraestrutura e políticas públicas é extremamente deficitário. Resumidamente, meios urbanos e rurais, respectivamente. Isso não significa que a resolução de um deles é mais fácil, apenas que são duas questões distintas que necessitam de propostas compatíveis. Isso reitera a importância da análise das condições sociais e habitacionais envolvidas. Além disso, quando se fala em propostas para suprir a demanda habitacional, muitas vezes aponta-se como solução um modelo único de rápida confecção que possa ser aplicado em todo o país ou até mundialmente. Essa não é inteiramente a proposta deste trabalho. Em parte, há a necessidade e o cuidado de utilizar materiais e ferramentas industriais, mas um importante foco é o reconhecimento das particularidades territoriais. Ou seja, a consciência de que, para a produção habitacional sustentável e de qualidade, é necessário levar em consideração e tirar proveito das condições locais existentes. Este capítulo resume algumas das diferentes características das regiões brasileiras, com base em clima e biomas; história e cultura; e recursos materiais. Destes pontos destaca-se diferentes problemáticas a serem abordadas num projeto arquitetônico, reforçando a necessidade de um design adaptável. Vale ressaltar que, apesar do conceito de região ter sofrido muitas alterações e desenvolvimentos nas últimas décadas, a divisão do Brasil em suas regiões políticas nesse trabalho tem relação com uma divisão segundo aspectos físicos e climáticos, importantes para entender um dos pontos de partida do porquê de certas características arquitetônicas locais. No entanto, entende-se que essa divisão não engloba muitos outros aspectos importantes para a definição de uma região, que não pode ser considerada uma unidade autônoma que se explica por si mesma., mas de uma complexidade de certa forma líquida. Segundo Milton Santos: “as condições atuais fazem com que as regiões se transformem continuamente, legando, portanto uma menor duração ao edifício regional. Mas isso não suprime a região, apenas ela muda de conteúdo. A espessura do acontecer é aumentada, diante do maior volume de eventos por unidades de espaço e por unidade de tempo. A região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo o homem.” 2

MILTON SANTOS 11

2. SANTOS. 1997, p.197


Clima 12

Figura 1. Mapa de Clima do Brasil Fonte: IBGE


>2500mm

2000mm

EQUATORIAL Sofre ação direta das massas de ar equatorial continental e equatorial atlântica, de ar quente e úmido. Possui médias pluviométricas muito elevadas ao longo do ano todo.

período do verão. Apresenta temperatura amena. No inverno, as geadas ocorrem com certa frequência, em virtude da ação das frentes frias originadas do choque entre as massas tropical e polar.

Temperatura média: 25-27°C Amplitude térmica anual: <3°C Umidade: muito úmido Período de Chuva: ano todo Vegetação predominante: bioma amazônia

Temperatura média: 18-22°C Amplitude térmica anual: 7-9°C Umidade: média Período de Chuva: verão Vegetação predominante: mata atlântica e araucária

TROPICAL ATLÂNTICO

1000mm

Ocorre nas latitudes abaixo do trópico de Capricórnio. É influenciado pela massa polar atlântica. As chuvas não são muito intensas, mil milímetros anuais, porém, ocorrem de forma bem distribuída na região. Nessa região climática do Brasil são comuns as geadas e nevadas. O verão é muito quente e a temperatura pode ultrapassar os 30 °C. O inverno, bastante frio, apresenta as temperaturas mais baixas do país, inferiores a 0 °C.

Conhecido também como tropical úmido, compreende a faixa litorânea do Rio Grande do Norte ao Paraná. Sofre a ação direta da massa tropical atlântica, que, por ser quente e úmida, provoca chuvas intensas. Com temperatura mais amena, apresenta amplitude térmica maior à medida que se avança em direção ao Sul. No Nordeste, a maior concentração de chuva ocorre no inverno, já no Sudeste, ocorre no verão. O índice pluviométrico médio é alto, de 2 mil mm anuais.

Temperatura média anual: 18°C Amplitude térmica anual: 10°C Umidade: média Período de Chuva: 1mil mm anuais bem distribuídos Vegetação predominante: pampas e floresta de araucária

Temperatura média: 18-26°C Amplitude térmica anual: Umidade: alta Período de Chuva: Nordeste-inverno/Sudoeste-verão Vegetação predominante: mata atlântica e mangues

1500mm

TROPICAL Caracteriza-se por temperatura elevada e estações bem definidas, uma chuvosa e outra seca. A estação de chuva ocorre no verão; no inverno ocorre a redução da umidade relativa em razão do período da estação seca. Temperatura média: 18-28 °C Amplitude térmica anual: 5-7°C Umidade: alta no verão, menor no inverno Período de chuva: verão Vegetação predominante: bioma cerrado e pantanal

1500mm

TROPICAL DE ALTITUDE É encontrado nas partes mais elevadas, acima de 800 metros, do planalto Atlântico do Sudeste. Está sob influência da massa de ar tropical atlântica, que provoca chuvas no

SUBTROPICAL

<800mm

SEMIÁRIDO Ocorre no interior do Nordeste, na região conhecida como Polígono das Secas. Corresponde a quase todo o sertão nordestino e aos vales médio e inferior do rio São Francisco. Caracteriza-se por temperaturas elevadas e chuvas escassas e mal distribuídas, em torno de 700 milímetros anuais. Há períodos em que a massa equatorial atlântica (super-úmida) chega ao litoral norte da região Nordeste e atinge o sertão, causando chuvas intensas nos meses de fevereiro, março e abril. Temperatura média: 27°C Amplitude térmica anual: 5°C Umidade: baixa Período de Chuva: mal distribuída, porém pode ocorrer chuvas intensas fevereiro-abril Vegetação predominante: bioma caatinga

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UMIDADE mm/ano


Suscetibilidade local à desastres naturais

3. Centro Universitário de Estudos e Pesquisa Sobre Desastres, Universidade Federal de Santa Catarina.

4. Atlas Brasileiro de Desastres Naturais 1991 a 2012. Florianópolis: CEPED UFSC, 2012. 27 v.

O Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil (1995-2014), desenvolvido pelo CEPED UFSC3, organiza dados relativos aos danos materiais e aos prejuízos decorrentes de desastres naturais no Brasil entre 1995 e 2014, a partir dos registros de desastres informados pelos municípios ao órgão estadual de Defesa Civil ou à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC). Segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais4, do CEPED UFSC, os eventos mais informados com maior frequência pelos municípios são referentes a estiagens e secas, seguidos por enxurradas, inundações e vendavais. No entanto, devido à grande extensão territorial e diferentes características geográficas e econômicas do país, cada região exibe frequência e magnitude desses desastres distintos. Na Região Norte, os maiores registros de desastres naturais são relacionados ao excesso de chuva, devido ao intenso regime pluviométrico da região, tido como a maior média anual do país. Tais desastres concentram-se nos meses de fevereiro a maio. Na Região Nordeste, os longos períodos de escassez de chuva que acometem o semiárido são responsáveis pelos grandes registros de estiagem e seca, estes registros são bem distribuídos ao longo do ano. Os eventos hidrológicos concentram-se nos meses de abril a junho. A Região Centro-Oeste possui desastres relacionados com enxurradas e inundações com maior frequência. Tais fenômenos concentram-se no primeiro semestre, com destaque para os meses de fevereiro a maio. Porém, estiagens e secas também representam registros significativos. A Região Sudeste apresenta os registros de enxurradas e inundações como os mais recorrentes. Porém, danos relacionados a vendavais, granizo e movimentos de massa também são relevantes. Os registros concentram-se nos meses de dezembro a março, com ênfase no mês de janeiro.

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A Região Sul também concentra boa parte dos danos por estiagem e seca, concentrado na porção oeste dos três estados. Porém, os maiores danos são por enxurradas e inundações. Danos relacionados a vendavais, granizo e movimentos de massa também são relevantes. Os eventos são bem distribuídos, com maior destaque para o período entre novembro e janeiro e com menor intensidade nos meses de julho e agosto.


METEREOLÓGICOS - 5%

1% - OUTROS

40% - HIDROLÓGICOS CLIMATOLÓGICOS - 54%

Figura 2. Brasil -danos e prejuízos totais por grupo de desastres fonte: CEPED UFSC I Camargo, 2018

Figura 3. Brasil -tipos de desastres por região fonte: CEPED UFSC I Camargo, 2018

Os desastres climatológicos são os mais expressivos no total de danos, representando 54% dos valores, com destaque para as secas e estiagens na Região Nordeste. Seguido dos prejuízos causados por desastres hidrológicos, 40%, concentrados na Região Norte e Sudeste. Os desastres meteorológicos representam apenas 5% dos valores relacionados aos danos, concentrado majoritariamente na Região Sul do país.

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Apesar de o Brasil não sofrer muitos desastres naturais de grande magnitude como em outros países, a reincidência dos eventos e a não adequação das infraestruturas e edificações resulta em uma soma de danos e prejuízos elevados. Dentre as duas décadas de dados do relatório em questão, foram estimados uma perda superior a R$9 bilhões por ano. Mesmo que os dados sejam imprecisos, pela falta de registros e estimativas de cada município, tais valores explicitam a relevância dos impactos econômicos relacionados à desastres naturais. Conclui-se que é de grande importância a adequação das edificações e infraestruturas para cada fator climatológico e hidrológico característico de cada região.


CO

Figura 4. Mapa Brasil - danos materiais totais fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014

NE

1,0%

13,5%

SUL

NO

43,0%

12,9%

SE

Valor total de danos materiais relacionados a danos de infraestrutura, habitações e outras instalações, segundo estimativas realizadas e informadas pelos municípios no período de 1995-2014.TOTAL: R$45.432.940.483

29,6%

CO

Figura 6. Mapa Brasil - desastres hidrológicos fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014

7,1%

SUL 27,0%

NE 19,8%

NO 8,7%

SE 37,3%

CO

Figura 8. Mapa Brasil - desastres climatológicos fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014

SUL 30,1%

NE 47,4%

14,9% NO

16

0,3%

Figura 7. Gráfico de danos e prejuízos de eventos hidrológios fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014 Valor relacionado ao total de danos materiais e prejuízos de eventos hidrológicos, segundo estimativas realizadas e informadas pelos municípios. Período 1995-2014. TOTAL: R$72.332.318.263

7,3%

SE

Figura 5. Gráfico de danos materiais totais por região fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014

Figura 9. Gráfico de danos e prejuízos de eventos climatológicos fonte: Relatório de Danos Materiais e Prejuízos decorrentes de Desastres Naturais no Brasil 1995-2014 Valor relacionado ao total de danos materiais e prejuízos de eventos climatológicos, segundo estimativas realizadas e informadas pelos municípios. Período 1995-2014. TOTAL: R$99.212.850.821


Regiões Brasileiras

Figura 10. Mapa Físico e climático do Brasil fonte: IBGE I Camargo, 2018

LEGENDA Curva batimétrica: Mestra Rio Permanente/Intermitente Rio margem dupla Área sujeita à inundação Picos, Morros

ALTIMETRIA (metros) acima de 1800 1800 1200 800 500 200 100 0

CLIMA Equatorial Tropical Tropical atlântico Tropical de altitude Subtropical Semi-árido

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Figura 11. Casas em região alagável, Santa Helena (MA) Arquitetura popular do Brasil, 2010, pg 37


Região Norte

Figura 12. Mapa Região Norte Legenda e fonte na p.15

CLIMA PREDOMINANTE: equatorial superúmido, quente e úmido. DESASTRES NATURAIS: hidrológicos, excesso de chuvas, principalmente entre fevereiro e maio.

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VEGETAÇÃO PREDOMINANTE: floresta amazônica.


HISTÓRIA RURAL - 26,47%

URBANA - 73,53%

Figura 13. Gráfico população rural x urbana Região Norte fonte: IBGE, censo 2010 I Camargo, 2018

Figura 14. Gráfico crescimento IVS Região Norte fonte: Ipea, 2015 I Camargo, 2018

A cultura indígena encontra sua maior expressão na região Norte. Porém, por diversos motivos, tal cultura tem dificuldades de se manter íntegra. A miscigenação da cultura indígena com outras culturas imigradas é bastante comum, tanto crenças como a culinária. Nas últimas décadas tem sofrido muito com o desmatamento da Amazônia devido, principalmente, pelas frentes agrícolas e de gado. Porém, muitos locais são de difícil acesso e ainda inexplorados. A questão da terra é débil, dependente de uma justiça frágil e gerida por interesses econômicos privados, desse modo, tal questão é geralmente resolvida por métodos violentos.

ECONOMIA Composta em grande parte do extrativismo da floresta, como a extração do látex, açaí, madeiras e castanhas. Porém, boa parte da extração não possui os devidos cuidados, aumentando a deterioração ambiental. Há áreas muito ricas em minérios, como a Serra dos Carajás (PA), uma das mais importantes áreas de mineração do país, porém a maioria do minério de ferro extraído é exportado. Na Serra do Navio (AP) há uma grande fonte de manganês. As indústrias localizam-se principalmente na Zona Franca de Manaus, onde se instalaram com incentivos fiscais a partir da década de 60.

CONSTRUÇÕES A região caracteriza-se pela escassez de pedras, dificultando o uso de concreto armado. Por outro lado, é abundante em variedades de madeira, no entanto, a extração consciente da madeira é frágil. No Pará, devido à estrutura de exploração de madeira já existente, as construções populares geralmente são feitas de tábuas. O regime de chuva intenso e regular, necessitando de um afastamento considerável do chão, como palafitas. Desse modo, as casas são elevadas do solo por fundações de pilares de madeira resistente à água, ou estruturas de alvenaria de tijolos. Fibras vegetais são muito utilizadas para as coberturas, principalmente nos locais rurais. Já em locais mais próximos de centros produtores ou grandes cidades, as telhas cerâmicas são preferidas. Construções indígenas, população relativamente grande na região Norte, são referências expressivas da arquitetura popular. Materiais vegetais, madeira e fibras, são quase exclusivamente utilizados na construção das moradias. A organização espacial e construção de tais espaços é reflexo das características sociais e culturais de cada tribo. Porém, a estrutura habitacional indígena é pouco empregada nas outras moradias brasileiras por ser de intensa convivência comunitária, modo de habitar diferente da outra parte da sociedade brasileira.

TOPOGRAFIA E SOLO O relevo é formado pela Planície Amazônica, pelos Planaltos Amazônicos Orientais que a envolvem e pela sequência de depressão marginal-planalto residual, tanto no sentido norte como no sul. A terra em geral é pobre, e sem a floresta para reposição da matéria orgânica, ela se esgota facilmente, consequentemente sendo abandonada ou destinada à criação de búfalos.

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Figura 15. Paisagem de moradia ribeirinha no Rio Amazonas (AM) fonte: terratributa-br.org


Região Nordeste

Figura 16. Mapa Região Nordeste Legenda e fonte na p.15

CLIMA PREDOMINANTE: Faixa litorânea – “zona da mata”: quente e úmida Interior – “sertão”: longa estação de seca e quente DESASTRES NATURAIS Estiagem e seca

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VEGETAÇÃO PREDOMINANTE Sertão - Savana (meados de novembro) > Caatinga no período de seca (início de março) Litoral - a mata atlântica foi devastada e em seu lugar estabeleceram-se muitos coqueiros Porção Oeste - Cerrado


HISTÓRIA RURAL - 26,87%

URBANA - 73,13%

Figura 17. Gráfico população rural x urbana Região Nordeste fonte: IBGE, censo 2010 I Camargo, 2018

Primeira região a ser ocupada pelos europeus. Durante a primeira parte do período, foi a região mais rica do país com o ciclo do açúcar. Por esse motivo, foi sede de diversos povos que se estabeleceram lá, mesmo que momentaneamente. Desse modo, constituiu-se a maior e mais profunda miscigenação étnica do país, principalmente portuguesa, negra e indígena. Consequentemente, a arquitetura local caracteriza-se pela sua antiguidade e pluralidade de manifestações. Além disso, “a escassez de água constitui um grande entrave para a modernização das relações sociais.” (BARRETO, WEIMER, HOLZER, 2010) Desse modo, a modernização não afetou tanto a cultura e construção do nordestino, principalmente rural, conservando e mantendo a cultura nordestina.

ECONOMIA Há uma concentração industrial na faixa litorânea, atividades agrícolas predominam no restante da região. Nos últimos anos o Nordeste tem melhorado em questões econômicas e de vulnerabilidade social. Porém, os latifundiários ainda detêm o controle regional e nacional, de modo que essa modernização de pouco contribuiu para melhoras sociais da população nordestina.

Figura 18. Gráfico crescimento IVS Região Nordeste fonte: Ipea, 2015 I Camargo, 2018

CONSTRUÇÃO O sol escaldante no período de seca exige que a cobertura tenha um bom isolamento térmico e a construção seja bem ventilada. Pela intensa pobreza da população, a dificuldade de obtenção de outros materiais e a consequente divulgação das técnicas tradicionais, o Nordeste possui a maior concetração de construções de taipa e adobe. Comumente as paredes são de adobe e/ou taipa. No litoral os coqueiros são abundantes, é comum a utilização das folhas nas coberturas das casas mais populares. O tronco pode ser utilizado para construção, mas a carnaúba é mais utilizada por ser mais resistente. As palafitas foram originalmente trazidas pelos africanos. É comum em regiões alagadiças, de charco e mangues pelo nordeste. Entre as vantagens dessa tipologia estão: ampla ventilação; constante conversão da energia solar em vapor d’água, resultando num ambiente mais fresco; flexibilidade na modificação das construções; entre outros. Em ambiente mais urbanos o emprego de casas de estrutura de concreto e tijolos sem revestimento é muito comum, muito semelhante à muito outros locais precários pelo Brasil.

TOPOGRAFIA E SOLO

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Figura 19. Casa nos Sertões de Canindé (CE) foto: Antonio Carlos Alves, C4 notícias

O relevo é formado pelo planalto da Borborema, próximo ao litoral, e pelo planalto do rio Parnaíba, a oeste. Entre os dois está a Depressão Sertaneja. Os planaltos são antigos e erodidos, com baixas altitudes. Apesar do alto teor de areia, o solo é muito fértil. Durante o longo período de secas a terra entra em repouso, mas na época de chuvas ela rapidamente dá vida à uma vegetação muito verde. Mesmo com a monocultura do açúcar por vários séculos a terra não entrou em exaustão, mas com os devidos cuidados e água é possível extrair muito do solo.


Região Centro-Oeste

Figura 20. Mapa Região Centro-Oeste Legenda e fonte na p.15

CLIMA PREDOMINANTE: Tropical, verão chuvoso e inverno seco. DESASTRES NATURAIS: enxurradas e inundações concentrados entre fevereiro a maio. Períodos de seca também são significativos no inverno.

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VEGETAÇÃO PREDOMINANTE Norte Mato Grosso - floresta amazônica Pantanal - predominam as gramíneas, área inundável sazonalmente Nos planaltos - cerrado


HISTÓRIA RURAL - 11,21%

URBANA - 88,79%

Figura 21. Gráfico população rural x urbana Região Centro-Oeste fonte: IBGE, censo 2010 I Camargo, 2018

Primeira urbanização feita pelos bandeirantes a procura de índios e metais preciosos. Com o início do ciclo de mineração, algumas cidades planejadas foram estabelecidas. Após tal ciclo a região entrou em decadência até um novo investimento governamental em transporte ferroviário e a construção de novas cidades, na época da República. Isso ampliou as fronteiras agrícolas e urbanas da região. As influências culturais mais fortes são dos paulistas, na urbanização do século XVIII, e posteriormente por gaúchos, catarinenses e paranaenses. Dessa primeira miscigenação, dos paulistas com os locais, surge o pantaneiro. Possui urbanização recente e concentrada em poucos núcleos urbanos densos como, Brasília, Cuiabá, Goiânia e Campo Grande. Criou-se uma população dispersa no território centro-oeste, marcado tradicionalmente pela criação de gado, extração mineral e madeireira.

ECONOMIA

Figura 22. Gráfico crescimento IVS Região Centro-Oeste fonte: Ipea, 2015 I Camargo, 2018

Num período recente da história, houve o surgimento de novos polos industriais e a forte expansão da agroindústria, majoritariamente monoculturas de soja, milho e gado que transformaram radicalmente a área. Esse quadro é responsável pela devastação de grande parte do cerrado e atualmente vem avançando predatoriamente na Amazônia.

CONSTRUÇÃO Os colonos paulista e mineiros do século XVIII construíam em taipa de pilão. Nas regiões mais afastadas a taipa de pau a pique, geralmente coberta com folhas de buriti, predomina. Hoje em dia, dessa urbanização concentrada em alguns polos urbanos e industriais e majoritariamente recente, surge uma construção de técnicas e materiais mais industrializados. Nos locais mais afastados, há exemplos de arquitetura popular indígena, de madeira e folhas de palmeira, exemplos de construções com variações regionais de taipa, advento dos sertanejos criadores de gado, e palafitas na região do Pantanal, com vedação em madeira ou alvenaria. No geral, a arquitetura popular é mais recente e surgida das diversas arquiteturas introduzidas pelos imigrantes de todo o Brasil.

TOPOGRAFIA E SOLO Maioria planaltos, com pouca variação de altitude. Depressão na área do Pantanal. O relevo, marcado pelo Planalto Central, é antigo e plano, com pouca variação de altitude, dando origem aos chapadões. A área do Pantanal é uma depressão na topografia, alaga apenas durante a época chuvosa.

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Figura 23. Região de Nobres (MT) fonte: ESALQ USP Laboratório de Silvicultura Tropical


Região Sudeste

Figura 24. Mapa Região Sudeste Legenda e fonte na p.15

CLIMA PREDOMINANTE: Clima tropical (predominante) Serra do Mar e da Mantiqueira - clima tropical de atitude Ambos com verões chuvosos e invernos secos DESASTRES NATURAIS: enxurradas e inundações, concentrados de dezembro a março

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VEGETAÇÃO PREDOMINANTE Era a mata atlântica, já fortemente devastada. Minas Gerais- Cerrado Sul de São Paulo - Mata de araucárias Litoral - Restinga


HISTÓRIA RURAL - 7,05%

URBANA - 92,95%

Figura 25. Gráfico população rural x urbana Região Sudeste fonte: IBGE, censo 2010 I Camargo, 2018

No começo da colonização, essa região possuía uma importância secundária, sendo de captura de índios para plantios locais, fato que gerou forte miscigenação. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, iniciou-se o ciclo do ouro que acabou por estabelecer nova capital no Rio de Janeiro, ponto final de escoamento desse ouro. Com a expansão do Sudeste, houve o declínio acentuado da população indígena e o aumento da importação de escravos. Depois da abolição da escravidão um grande contingente de imigrantes europeus estabeleceu-se nessa região, com, principalmente, suíços e alemães no Rio de Janeiro, alemães e italianos no Espírito Santos e italianos e japoneses em São Paulo. Esse quadro demonstra a grande diversidade de arquiteturas vernaculares e materiais utilizados nessa região. Porém, a forte urbanização e industrialização tem contribuído para o desaparecimento dessas técnicas tradicionais.

ECONOMIA

Figura 26. Gráfico crescimento IVS Região Sudeste fonte: Ipea, 2015 I Camargo, 2018

Maior economia do país, correspondente à metade do PIB nacional, contando com larga produção industrial e grande setor terciário. A agricultura é moderna e muito produtiva, com destaque para laranja, milho e cana-de-açúcar. A Bacia de Campos, maior bacia exploratória de petróleo no Brasil, também contribui para o quadro. Além disso, o Sudeste também destaca-se pela cidade de São Paulo, importante centro financeiro e comercial mundial.

CONSTRUÇÃO

TOPOGRAFIA E SOLO O relevo é planáltico e muito erodido, bem arredondado e chamado de “mares de morros”.

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Figura 27. Paisagem rural em Miracema (RJ) foto: Saint-Claire Mello, 2015

No litoral, muitas casas caiçaras são feitas de madeira, com tábuas muitas vezes recolhidas do mar, ou de taipa onde o barro era disponível. Nas serras e planaltos há o predomínio da taipa, de pilão para a população mais rica, pois sua construção demanda bastante mão-de-obra, e de sopapo, pau a pique ou estuque para os mais pobres. A escolha da fundação varia de acordo com a umidade do ar e do solo. São Paulo e áreas mineiras próximas preferiam taipa de pilão, já no Rio de Janeiro e Minas Gerais o pau a pique era mais comumente empregado. Já em certas áreas altas mais frias e onde há grande disponibilidade de pedra, como alguns locais de Minas, a pedra era e ainda é utilizada paras as paredes e, em alguns casos, na cobertura. A cobertura de palha exige bom conhecimento técnico da construção e grande manutenção, sendo, quando possível, substituída por telhas coloniais rústicas, também por causa das fortes e constantes chuvas na mata atlântica. Hoje em dia utiliza-se telha de fibrocimento ou telhas de barro industrializadas, mesmo nas áreas mais remotas. Hoje em dia, a arquitetura popular do Sudeste é majoritariamente de concreto e tijolos. Seus exemplos estão concentrados em favelas ou periferias. Com paredes de tijolos expostos, a telha de ferrocimento só substitui a cobertura em laje de concreto quando não é mais possível expandir verticalmente.


Região Sul Figura 28. Mapa Região Sul Legenda e fonte na p.15

CLIMA PREDOMINANTE: Subtropical – estações bem definidas, verões quentes e úmidos e invernos frios e secos. Outono e inverno temperadas e relativamente secas, mas com chuvas intermitentes e bem distribuídas. DESASTRES NATURAIS: maiores danos são por enxurradas e inundações. Danos relacionados a vendavais, granizo e movimentos de massa também são relevantes. Bem distribuídos, concentrados entre novembro e janeiro. Danos por estiagem e seca também são relevantes. VEGETAÇÃO PREDOMINANTE Mata de araucárias nos locais mais frios Campo de gramíneas nos pampas

HISTÓRIA Ocupação relativamente recente. O Rio Grande do Sul foi o primeiro a ser extensivamente habitado com o projeto bragantino de estender o território nacional até o rio da Prata. Já o interior do Paraná e Santa Catarina passou a ser fortemente povoado a partir no início do século XX, devastando a mata atlântica. Na região das Pampas a cultura indígena, apesar de influente na formação étnica local, desapareceu quase totalmente. Na arquitetura e outros aspectos culturais, os preceitos e técnicas portugueses prevaleceram sobre as outras.

ECONOMIA

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A economia é diversificada, possui o segundo maior parque industrial do país, com destaque para a indústria alimentícia, a têxtil, a metalúrgica e a automobilística. Possui também uma agricultura moderna, com destaque para a produção de suínos, de gado, de fumo e de soja. No sudeste de Santa Catarina há alta qualidade de argila, possuindo um parque industrial com produção de azulejos, lajotas, pisos cerâmicos e aparelhos sanitários. No litoral norte de Santa Catarina, em São Francisco do Sul, existe um polo de construção de barcos, contando com fornos especiais que aquecem madeira para adquirir maleabilidade. O desmatamento fez com que as técnicas construtivas em madeira perdessem força. Infelizmente, apesar do Brasil ter uma variedade e prosperidade em madeira muito grande, as espécies exóticas como eucaliptos e pinhos são preferíveis pelo crescimento mais rápido. Assim, o conhecimento das madeiras nacionais acaba diminuindo.

5. Tolderia indígena da aldeia Guaicurú que habitava a região das Pampas. Essa tipologia habitacional é representada mais para frente, p. 41.


CONSTRUÇÃO RURAL - 15,07%

URBANA - 84,93%

Figura 29. Gráfico população rural x urbana Região Sul fonte: IBGE, censo 2010 I Camargo, 2018

Figura 30. Gráfico crescimento IVS Região Sul fonte: Ipea, 2015 I Camargo, 2018

Como influências arquitetônicas de diferentes etnias há: Na área das Pampas, haviam tolderias indígenas5, casas formadas por painéis desmontáveis, mas já desaparecidas. Hoje em dia há poucos exemplos derivados feitos de torrões cobertos de capim-santa-fé. Como antigo polo de imigrantes alemães, as principais características arquitetônicas trazidas ao Brasil foram as construções de paredes de pedra de arenito e a construção em enxaimel, estrutura de madeira e enchimento de tijolos. Os poloneses faziam construções em blocause, paredes construídas com troncos roliços ou aparelhados de madeira encaixados entre si. Italianos trouxeram construções em pedra e construções com tábuas de madeira nos assentamentos em matas de araucárias. Paredes de tábua duplas, para famílias de maior poder aquisitivo, propiciam um maior isolamento térmico. A tipologia da mecla, piso térreo da cantina em pedra e o piso superior residencial de tábuas, também foi implantada. A grande variação de temperatura durante o ano, com verões muito quentes e invernos muito frios, é uma tarefa difícil para a arquitetura conciliar. Como solução para o frio, o emprego do fogão a lenha ou do uso da cozinha como sala de estar substitui a lareira, raramente utilizada. Pela abundância de madeira na região, os telhados eram feitos de tabuinhas fendidas. Porém, por ser necessário trocá-las com certa frequência, estas foram substituídas por folhas de flandres (ferro zincado). Também empregavam tais folhas nas paredes mais expostas à chuva. Atualmente não são mais utilizadas, mas há exemplos de casas com paredes de latas de alumínio.

TOPOGRAFIA E SOLO Íngreme escarpa junto ao litoral, e um planalto com leve queda para o interior, fazendo com que os rios corram de leste a oeste, desembocando os rios Pará e Paraguai, seguindo para o rio da Prata e depois para o oceano Atlântico mais ao sul. Denominados Planaltos e Serras do Atlântico Leste-Sudeste. Exceção (Pampa) da metade meridional do Rio Grande do Sul, planície levemente ondulada que vai se tornando mais plana a medida que se afasta do litoral e se extende ao sul, os Planaltos e Chapadas da Bacia do Paraná. Também no Rio Grande do Sul há um grande número de lagoas e lagunas. A faixa litorânea é de formação recente e muito arenosa. As demais terras são muito antigas e férteis para a agricultura, boa parte já mecanizada.

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Figura 31. Região de Blumenau (SC) foto: Marcelo Martins, 2012


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Arquitetura Vernacuar


“a casa é uma instituição, não somente uma estrutura, criada para um conjunto complexo de propósitos. Como construir uma casa é um fenômeno cultural, a sua forma e organização são grandemente influenciadas pelo meio cultural ao qual pertence [...] a casa‚ um fato humano, e mesmo dentro das mais severas limitações físicas e tecnológicas o homem tem construído em formas tão diversas que elas só podem ser atribuídas à escolha, que envolve valores culturais [...] forças socioculturais se tornam, portanto, de importância primordial no relacionamento do modo de vida humano ao meio-ambiente” 6 6. RAPOPORT, A. 1969, p.46.

AMOS RAPOPORT

A diversidade de culturas, histórias, economias, paisagens e arquiteturas vistos, resumidamente, no capítulo anterior, demonstra a riqueza dos ambientes brasileiros. Da mesma forma, a multiplicidade de construções vernaculares encontradas no Brasil é tamanha. Uma das principais características da arquitetura vernacular é a sua tradição, a construção de uma forma arquitetônica de um povo que se desenvolveu por muito tempo, a partir de formas familiares, consagradas por várias gerações, passadas oralmente ou na prática. Dessa forma, a própria família ou outros membros da comunidade costumam construir sua própria habitação, devido à simplicidade e pragmatismo histórico característico desse tipo de arquitetura. É também entendida como anônima, sem o projeto de um arquiteto ou engenheiro. É uma adaptação do ser-humano ao meio vivido, utilizando-se dos materiais e conhecimento construtivo disponível localmente. Esta, diferente da arquitetura autoral, de monumento, não se baseava em caprichos, mas utilizando-se do básico para suprir as necessidades humanas, sendo essas de abrigo contra as intempéries e de autopreservação. Mesmo que haja uma preocupação plástica, esta não é uma questão fundamental. Segundo Elvan Silva:

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7. SILVA, Elvan. 1983, p. 19.

“O abrigo‚ produzido pelo próprio usuário, geralmente reproduzindo um estereótipo ou modelo concreto, sugerido ou imposto pela tradição. Não existe a figura do construtor profissional, nem o conceito abstrato de arquitetura como forma de conhecimento; neste contexto, o projeto é totalmente dispensável e inconcebível” 7


Por essas características, a arquitetura vernacular é muitas vezes associada ao meio rural, onde os materiais e métodos construtivos mais “modernos” são de acesso mais limitado, fazendo que com a interdependência entre o usuário e seu meio seja mais forte. Segundo Günter Weimer (2010), a arquitetura popular é, atualmente, a caracterização mais próxima da arquitetura vernacular, com os melhores exemplos no meio rural. Desse modo, a busca por uma solução habitacional em ambientes mais rurais, como explicitado no capítulo anterior, fortalece a indispensabilidade do estudo da arquitetura vernacular como fonte dessas possibilidades. Além disso, o estudo das regiões brasileiras serve como embasamento para entender as particularidades dos aspectos culturais, históricos, econômicos, geográficos, entre outros, específicos para cada localidade, resultando em diferentes construções habitacionais. Este trabalho possui o esforço de retratar, minimamente, algumas tipologias encontradas na arquitetura vernacular brasileira. Para entendermos melhor a arquitetura popular brasileira atual deve-se analisar as raízes culturais deste. A formação étnica brasileira base é triíbrida 8, formada pela população indígena, ibérica e negra. Após o século XIX outros imigrantes chegam ao Brasil, adicionando novas culturas e tradições. Tais correntes migratórias não se distribuíram uniformemente pelo país, o que proporcionou novas diversidades regionais. Portanto, um primeiro passo para estudar arquitetura vernacular e popular brasileira é analisar as contribuições arquitetônicas das diferentes etnias. A área de estudo escolhida para o projeto foi o Vale do Ribeira no estado de São Paulo, mais especificamente os Quilombos dessa região. Referente à arquitetura vernacular encontrada no local e suas raízes, este capítulo pretende conferir um aspecto geral das contribuições arquitetônicas dos índios e africanos. O primeiro grupo para entender melhor a arquitetura desses povos que já habitavam o Brasil e que, por sua cultura muitas vezes itinerante, utilizavam técnicas construtivas simples e eficazes, empregando apenas materiais vegetais. O segundo grupo seria o estudo dos quilombolas, grandes construtores em taipa-de-mão, técnica muito difundida em várias regiões e entre diferentes culturas. Após uma breve análise das contribuições indígenas e africanas, tipologias mais recentes, relacionadas à essas origens mencionadas, são analisadas para entender melhor as técnicas envolvidas. Nesse estudo, pretende-se identificar características interessantes em termos de organização dos espaços, materiais e sistemas construtivos utilizados.

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O estudo da habitação popular, relacionado à vrenacular, permite investigar as possibilidades de soluções para a construção de uma moradia com recursos extremamente locais, pois, em muitos casos, outros recursos são escassos. Por isso, a arquitetura vernacular é muito importante para se pensar soluções habitacionais longe de infraestrutura urbana e políticas públicas, e soluções entendidas como sustentáveis, utilizando recursos e técnicas locais. Além disso, como descrito por Weimer (2005) a arquitetura popular, diferente de uma arquitetura erudita com intenção formal específica, é livre e criativa em termos de imaginação formal e dos materiais de construção. Ensina que, sendo a forma plástica o resultado da técnica e materiais empregados, essa arquitetura oferece uma grande quantidade de solução e experimentações.

A ARQUITETURA VERNACULAR SURGE COMO SUBSÍDIO AO ESTUDO DE NOVAS ALTERNATIVAS CONSTRUTIVAS SUSTENTÁVEIS. JÁ QUE, SUA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA BASEIA-SE NA RESPOSTA DA COMUNIDADE AO SEU PRÓPRIO MEIO, UTILIZANDO MATERIAIS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS ESTABELECIDAS PELO CLIMA, GEOGRAFIA, GEOLOGIA, ECONOMIA E CULTURA LOCAIS, E CUJA CONSTRUÇÃO NÃO RECEBEU ORIENTAÇÃO DE PROFISSIONAIS, MAS SEGUIU OS ENSINAMENTOS TRADICIONAIS PASSADOS ENTRE GERAÇÕES.

8. WEIMER, G. 2005, p. 39

Figura 32. Palafitas, Ilha de Marajó (PA) fonte: BARRETO, 2010, p.55


Figura 34. Casa taipa de mão, Vale do Ribeira (SP) fonte: acervo próprio

Figura 35. Habitação feita em fibra de coqueiro, Indiaroba (SE) fonte: BARRETO, 2010, p.106

Figura 36. Casa de taipa e fibras naturais, às margens do rio Cuiabá, Poconé (MT) fonte: BARRETO, 2010, p.96

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Figura 33. Casa em enxaimel, Pomerode (SC) foto: Humberto Medeiros, 2010


Figura 37. Localização influência arquitetura indígena Camargo, 2018

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Figura 38. Aldeia Yawalapiti, Parque Indígena do Xingu (MG) foto: Lalo de Almeida, Folhapress Figura 39. Interior de residência indígena, Baixo Xingu(MG) foto: Bené Fonteles, 2016 Figura 40. Construção de oca circular na aldeia Xavante (MG) fonte: arquitetofala.com


As populações nativas de índios foram os primeiros a ocupar terras posteriormente ditas brasileiras. Sua relação harmoniosa com a natureza e estrutura social sem exploração das forças de trabalho infelizmente não foram um dos pontos da cultura indígena assimilados aos dos colonizadores. Os portugueses que aqui chegaram limitaram-se, em sua maioria, a enxergar os índios como inferiores pela pouca complexidade material que eles tinham. Isso levou à submissão forçosa e extermínio indígena por parte dos portugueses. Uma das vias de escape, ao menos parcial, à essa situação foi a miscigenação dos colonos com mulheres índias. Apesar de as regras sociais e políticas serem lusitanas, regendo toda a vida pública da colônia, a vida privada das famílias permitia um pouco de liberdade. Dessa forma, houve a aceitação e assimilação de algumas culturas indígenas como o cultivo e consumo de frutos da terra, banhos diários e redes de dormir, por exemplo. Na cultura indígena, as relações socioculturais demandam um alto grau de mobilidade. Por exemplo, culturas baseadas em caça constantemente precisam deslocar-se a procura de novas fontes alimentares, em outras, uma parte do clã migra para outro local. Por esse motivo, as construções são muito simples e permitem uma durabilidade do material menor. Dessa forma, uma característica comum às diversas tradições indígenas é a construção integralmente feita de materiais vegetais. As tipologias e métodos construtivos variam imensamente entre as aldeias. Em algumas delas, cada família ocupa uma pequena construção separada, em outras uma casa unitária abriga toda, ou boa parte, da aldeia. Isso também explicita um ponto importante da cultura indígena, a vida em comunidade prevalece sobre a vida privada. Nas próximas páginas um pequeno escopo das tipologias indígenas será apresentado. Em seguida, algumas construções mais recentes onde é possível notar influências dos povos índios e que ainda são construídos em algumas partes do território brasileiro.

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Indígenas

- ESTRUTURA EM MADEIRA LEVE - VEDAÇÃO DE FIBRAS


CASA UNITÁRIA IANOMÂMI

Figura 41. Planta, corte e elevação da aldeia Ianomâmi fonte: WEIMER, 2005, p.47

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- Os ianomâmis, assentados na fronteira entre Brasil e Venezuela, constroem uma casa unitária em formato quase redondo com um pátio central descoberto, denominada shabono. - O tamanho da construção varia de acordo com o número de famílias que ela abriga, podendo chegar até 20m de diâmetro. Cada família ocupa um pedaço dessa circunferência. - A cobertura é de palha e tem forma de cone cortado, essa abertura central atua como saída de fumaça, ventilação e entrada de luz solar. - A estrutura é feita de terças, caibros e ripas de madeira apoiados em troncos fincados no chão. - A vedação vertical é feita com madeira ou esteiras de folhas. Ao redor da casa uma paliçada de aproximadamente 3m de altura a circunda. - Tal edificação tem duração apenas de dois anos. Isso pode ser explicado pelo apodrecimento das folhas de cobertura ou pelos constantes reagrupamentos das comunidades.

Figura 43. Desenho dos painéis guaicurus fonte: WEIMER, 2005, p.233


TOLDERIAS - GUAICURUS

NO INVERNO

Figura 44: Desenhos esquemáticos do sistema de painéis da tribo Guaicurú Camargo, 2018

- Os índios Guaicurus habitam o extremo sul brasileiro, tendo que se adaptar a invernos frios e verões quentes. Os constantes deslocamentos da tribo também contribuíram para a solução encontrada. Uma moradia composta de painéis desmontáveis, podendo ser transportada quando o clã se desloca-se, chamados de toldos ou tolderias. - Os painéis em primeiro momento eram feitos de um enquadramento de madeira e fibra de bambu trançada. A partir do século XVIII, couro animal passou a ser preferência, principalmente para o inverno. - O módulo familiar é composto por três painéis e uma cobertura inclinada de uma água, deixando uma das fachadas abertas. O agrupamento desses módulos em fileira permite economizar painéis. - Conforme a temperatura, a abertura é direcionada a favor ou contra o vento. No inverno dois módulos são postos com as aberturas de frente um para o outro, criando um módulo de duas águas. Postos em fileiras cria-se um corredor entre as áreas de cada família. As extremidades desse corredor são fechadas com painéis de couro que criam um ambiente interno com temperatura mais elevada que o externo. - A modulação e os painéis desmontáveis proporcionam uma adaptabilidade muito interessante.

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Figura 42. Foto interna da aldeia Ianomâmi fonte: arquitetofala.com


Tapiris

Tapiri é um nome dado às casas dos seringueiros amazônicos. Algumas influências indígenas são identificáveis nesse tipo de construção, principalmente nas casas que adentram mais a mata. Por exemplo, os nomes tapiri e poperi, abrigo onde é feita a defumação do látex da seringueira, são apropriados de línguas indígenas. A área de assentamento do seringueiro geralmente é composta por uma ou duas casas, os tapiris, um defumador, os poperis, e uma casa de farinha com um depósito. Construção geralmente feita com madeira de palmeira (Paxiúba), fendida em sarrafos com aproximadamente 10cm de largura. Essas ripas são amarradas ou pregadas para formar a estrutura. O miolo da palmeira é retirado e batido até que se forme uma espécie de “pano”, utilizado na cobertura do entrepiso feito com os sarrafos amarrados. O “pano” serve para diminuir as irregularidades das ripas. A cobertura de palha seca deve ser montada, devidamente amarrada formando camadas de palha, e ser deixada ao sol para secar. Este processo pode durar dias. Após secas, a palha é colocada sobre a estrutura do telhado. A quantidade de camadas depende do clima local, podendo variar de 10 a 20cm. Tal espessura permite que, com a chuva, as camadas mais internas permaneçam totalmente secas. As externas, por sua vez, com o tempo vão apodrecendo até o consumo completo da vedação, que pode durar décadas. Além de proteger da chuva, a camada mais grossa de palha constrói um colchão de ar entre as camadas, auxiliando no isolamento térmico. A casa é geralmente avarandada, devido o clima quente, e a estrutura apoiada em palafitas de 60cm de altura para as enchentes dos rios e as fortes chuvas que encharcam a terra. Constituída geralmente de um quarto, onde se dorme em redes sobrepostas, uma cozinha e a área avarandada que também serve de conexão. Em certos tapiris não há segmentação entre os cômodos e dependendo das condições climáticas e de segurança locais, a vedação pode ser colocada apenas para o uso noturno. A utilização de uma varanda totalmente aberta para abrigar-se do calor extremo do meio dia, o uso de redes e a construção em palafita revelam uma grande adaptação dessa construção ao ambiente inserido. A cozinha possui um fogão de barro com chapa de ferro. Em um dos lados, há uma janela que dá para um “jirau”, mesa posta do lado de fora para o preparo da comida antes do cozimento, atividades de lavar e secar. As refeições seriam feitas no chão.

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O poperi, é o local de defumação do “leite” da seringueira para transformá-la em borracha crua. Construído de maneira semelhante ao tapiri, mas como um para-vento de palha de uma água que se estende até o chão, evitando que o


vento espalhe a fumaça. Pode haver nas proximidades uma casa de farinha, parecida com o tapiri, mas menor e mais vedada. Nas proximidades de um igarapé, uma cuia de madeira é colocada para recolher a água utilizada no banho e evitar o contato com o chão lamacento. Biombos de palha trançada podem ser colocados em volta para proporcionar privacidade ao banhista. As referências indígenas ficam evidentes nos métodos construtivos e materiais, no uso das redes de dormir, no contato com a água e nas plantações de mandioca e banana que muitas vezes acompanham tais casas de tapiri. Porém, a estrutura em tesoura romana, mais comum a partir do século XIX, e o tipo de vedação demonstram a assimilação de outras soluções. A construção em palafitas também é encontrada em construções africanas, comentadas mais a frente.

Figura 45. Tapiri indígena na aldeia de Awá (MA) fonte: Pagina 10, periódico digital

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Figura 46. Desenho tapiri de seringalista à beira do Rio Xapuri, Amazônia. fonte: WEIMER, 2005, p.60.


Fibras Vegetais As fibras naturais são uns dos materiais mais práticos, pois estão amplamente disponíveis na natureza, são razoavelmente fáceis de serem coletadas e não necessitam de quase nenhum tratamento além da secagem. O maior trabalho está em fazer o trançado das folhas e as cordas com as fibras. À vista disso, é comum o emprego de fibras naturais em construções populares das mais diversas culturas. Ao baixo custo e disponibilidade soma-se um bom isolamento térmico quando agrupada em camadas. Porém, o maior empecilho para o emprego construtivo desse material é a baixa durabilidade. Esta depende de vários fatores como as condições climáticas, o tipo de vegetação utilizado e manutenção, tanto contra insetos como do apodrecimento do material devido principalmente à umidade. Por este motivo, as fibras vegetais são geralmente substituídas por outros materiais quando possível, como telhas de barro ou telhas de fibrocimento. No entanto, hoje em dia existem preparadores para as fibras que aumentam bastante o tempo de vida. É notável diferenciar a madeira das fibras naturais. A primeira tem as mais variadas funções, geralmente utilizada na estrutura autoportante de paredes e telhados, mas também nas vedações destes. Já as fibras, mais especificamente as folhas, são utilizadas em vedações de telhados e paredes. As fibras também são utilizadas na confecção de cordas das mais variadas utilizações.

Figura 47. Dobradura de folha de palmeira fonte: BARRETO, 2010, p.107.

Figura 48. Trançado folha de Babaçu foto: Palê Zupanni.

As palmeiras são as mais utilizadas na aquisição de fibras vegetais, com destaque para a Carnaúba. Seu tronco é usado na estrutura da casa, suas folhas vedam a cobertura, ou até mesmo paredes, e a capa do pecíolo da folha é utilizada na fabricação da corda de embira, utilizada para fixar as folhas na estrutura. Além do consumo completo da Carnaúba, suas folhas são enceradas naturalmente, possuindo uma sobrevida maior. Outras fibras de destaque são a de Piaçaba, fibras plásticas naturais com grande durabilidade, e o Buçu. Existente em largas quantidades no Pará e Amapá, o Buçu apresenta uma excelente aparência na confecção de telhados. Suas folhas são dispostas lado a lado em várias camadas sobrepostas, garantindo uma boa vedação.

Figura 49. Trançado folha de palmeira. foto: D’ leon C. Freire, 2015

A própria nervura das folhas de palmeira é muitas vezes usufruída como as próprias ripas e amarradas à estrutura do telhado. O trançado das folhas é dos mais variados tipos, alguns utilizados para criar painéis de vedação, emoldurados por pedaços de madeira ou bambu.

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No conhecimento da construção popular, retira-se apenas uma quantidade das folhas de palmeira, denominada popularmente de “olho”, assim garantindo sua existência e o futuro suprimento de folhas quando chegar a hora de refazer o telhado, por exemplo. Isso demonstra, além do saber técnico do manuseio e das características de cada espécie, a responsabilidade quanto à preservação do meio que se retira os materiais.

Figura 50. Folha de palmeiras foto: Moointer


Figura 51. Abrigo sem-terra, todo feito em fibras, Indiaroba (SE). fonte: BARRETO, 2010, p.105. 52. Estrutura de cobertura de madeira e bambu com vedação de folha de palmeira, Guaíba (RS). fonte: BARRETO, 2010, p.107

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Figura 53. Oca, Trancoso (BA). fonte: BARRETO, 2010, p.108. Figura 54. Foto interna da Oca, feita com folha de Buçu. fonte: BARRETO, 2010, p.109.


Figura 55. Localização origem influência africana Camargo, 2018

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Figura 56. Casa de adobe e cobertura de fibras, Araioses (MA) fonte: BARRETO, 2010, p.15. Figura 57. Foto da aldeia Ganvié, Benim, África. fonte: Lecomptoirdetitam Figura 58. Detalhe de taipa de mão. fonte: acervo próprio


As contribuições arquitetônicas africanas no Brasil são as menos estudadas e conhecidas. Isso também se deve a grandes dificuldades em termos da antiguidade e diversidade das diversas populações africanas. Além disso, a imigração africana possui muitos entraves, desde de sua brutalidade desumana até o método de distribuição dessas populações pelo território brasileiro. Um dos métodos dos escravocratas foi a heterogeneização cultural. Para dificultar a comunicação entre as populações negras, os traficantes e senhores de escravos escolhiam pessoas de diferentes territórios, com culturas e línguas distintas. A isso, soma-se a falta e precariedade de registros. Por isso, é difícil estudar a origem étnica das diversas correntes. Porém, dois fatores são válidos para estudar as origens dos navios negreiros. O primeiro pelo fator geográfico, os negros do Norte e Nordeste do Brasil seriam, majoritariamente, provenientes do litoral Atlântico da África Central, enquanto os do Sul provenientes da África Meridional. O segundo seriam as colônias lusitanas, sendo Angola, Guiné e Moçambique os pontos mais importantes de imigração. Assim, sendo a maioria da população de Angola e Moçambique de cultura banta, é possível inferir uma das correntes culturais que vieram ao Brasil.

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Africanos

ANGOLA GUINÉ MOÇAMBIQUE - COBERTURA DE FIBRAS - TAIPA-DE-MÃO - PALAFITAS - ADOBE


EXEMPLO MOÇAMBIQUE - TAIPA DE MÃO OU ADOBE

- Telhado de duas ou quatro águas feito de estrutura de madeira e coberto com folhas de palmeira. - Paredes de pau-a-pique vedadas com taipa-de-mão ou adobe ou folhas de coqueiro. A taipa pode ser revestida com acabamento de cal. - Portas e janelas pequenas, pintadas de cores vibrantes. - Quintal fechado com paliçada de pau-a-pique. Pode haver um quarto separado para os filhos nessa região. As árvores frutíferas providenciam sombra, sob a qual as mulheres preparam a comida em fogões a lenha. Se o tempo não permite utiliza-se a cozinha de dentro.

Figura 59. Planta e isométrica de tipologia. Camargo, 2018

EXEMPLO ANGOLA - TAIPA DE PILÃO

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Figura 60. Planta e isométrica de tipologia. Camargo, 2018

- A organização dos cômodos é de influência portuguesa, assemelhado-se à casa açoriana. - Telhado de duas ou quatro águas feito de estrutura de madeira e coberto com folhas de palmeira. - Paredes de taipa-de-pilão, com espessura de até 50cm, ou de pau-a-pique vedadas com taipa-de-mão. A fachada externa pode ser pintada com cores vibrantes. - Plataforma de terra batida para proteger o chão interno da umidade. - Quintal ao fundo cercado. Onde fica o banheiro e diversas árvores e hortas. As árvores protegem do clima seco e quente. Aqui são realizadas diversas atividades. - O beiral do telhado pode ser prolongado na frente, utilizado como varanda, e/ou atrás, abrigando a cozinha ao ar livre.


Figura 61. Planta e isométrica de tipologia palafita. Camargo, 2018.

PONTOS CONVERGENTES - Utilização frequente de fibras naturais e terra nas construções. - Telhado de folhas de palmeiras inteiras. A própria nervura da folha atua como ripa na sustentação do telhado. - Parede geralmente estruturadas com pau-a-pique, sua vedação varia em taipa-de-mão e capim ou folhas. Há também utilização de taipa-de-pilão, mas sua construção demanda mais trabalho. - Três cômodos: sala, voltada para a rua, quarto e cozinha ao fundo. - Uma ou duas portas, uma para a rua e outra para o pátio. - Quintal ou pátio onde são realizadas diversas atividades. Cozinhar ao ar livre é uma prática frequente e possui cobertura própria ou localiza-se embaixo do prolongamento do beiral do telhado. Num canto constrói-se uma latrina sobre uma fossa negra. Também é no pátio que se recebem as visitas e, portanto, é visto como necessário o cercamento bem feito do terreno. - Plantas retangulares são mais comuns. - Piso de terra batida, elevado em locais mais úmidos, utilizando a gravidade para vencer a capilaridade da água. - A localização das portas varia, em Angola é geralmente posta à esquerda. Já no Sudão prefere-se à direita. Janelas são pequenas ou inexistentes.

- As palafitas sustentam o piso, vedação e telhado, chegando a ter de 3 a 4m acima do nível da água. - Barrotes horizontais, amarrados com cordas de fibras de palmeira, sustentam a plataforma do piso. Este é feito com varas inteiras de bambu e cobertos com esteiras de folhas de palmeira. O nível da plataforma varia com o nível da enchente, geralmente em torno de 1,5m acima do nível d’água. - As paredes são montadas com varas fendidas de bambu, amarradas verticalmente e horizontalmente e presas aos montantes. - Telhado feito com estrutura de madeira e folhas de palmeiras inteiras. Uma grossa camada de palha de grama é adicionada para proteger da chuva e conferir maior isolamento térmico.

Desenhos produzidos a partir de descrições retiradas do livro de Günter Weimer, “Arquitetura popular brasileira”, 2005.

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EXEMPLO SUDÃO - PALAFITA


Quilombos Vale do Ribeira

Localizado na porção mais sul do estado de São Paulo, a região do Vale do Ribeira é um dos mais importantes corredores socioambientais do país, em meio à mais importante área contínua remanescente de Mata Atlântica do país, com exuberante diversidade ambiental e cultural. Concentra o maior remanescente da Mata Atlântica, sendo 20% do seu território parques, estações ecológicas e áreas de proteção ambiental 9 . Geograficamente, o Vale do Ribeira divide-se em três sub-regiões: a Baixada do Ribeira, que inclui os municípios de Eldorado, Jacupiranga, Pariquera-Açu, Registro e Sete Barras; a sub-litorânea, que compreende os municípios de Iguape e Cananéia; o Alto Ribeira, que compreende os municípios de Iporanga, Apiaí e Ribeira. Em dois desses municípios localizam-se nove bairros rurais de remanescentes de comunidades quilombolas. Em Iporanga: Pilões e Maria Rosa, e em Eldorado: Ivaporunduva, São Pedro, Galvão, Pedro Cubas, Nhunguara, André Lopes e Sapatu. A ocupação humana no Vale do Ribeira data da era pré-colombiana. Segundo Petrone (1966)10, a região constituía uma área de passagem de ameríndios que desciam dos planaltos no inverno em busca de pesca no litoral. Eram pequenos contingentes de pessoas, mas que habitavam constantemente o local. No início da colonização foi documentada a presença de indígenas das etnias Carijó, na região de Iguape e Cananéia. Nas entradas sertanistas de 1628 a 1641, a população indígena livre foi perseguida e escravizada como mão de obra para agricultura, transporte e até no sertanismo. As condições geográficas do Vale do Ribeira proporcionaram uma zona de refúgio ideal para os índios perseguidos pelo bandeirantismo escravagista.

9. Secretaria do Meio-Ambiente, 1996, p.81, apud STUCCHI, 1998, p. 7 10. PETRONE, 1966, p.69 11. STUCCHI, 1998, p.8, apud Relatório Técnico-Científico da comunidade negra rural de Ivaporunduva, elaborado pelo ITESP, p.8.

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Figura 62. Imagem do Vale do Ribeira, percurso do Rio Ribeira fonte: Google Earth, 2018.

A população indígena teve forte influência na composição dos quilombos no Vale do Ribeira e em outras regiões do estado. Segundo Stucchi (1998)11, relatos orais das comunidades apontam a convivência e colaboração entre indígenas e comunidades negras da região. A cultura e técnicas indígenas provenientes das culturas tupi-guaranis foram assimiladas pelas comunidades negras e Ribeirinhas como a técnica de pesca, agricultura itinerante e até a toponímia da região. (Os nomes de diversos municípios no Vale do Ribeira, como o caso antigo nome de Eldorado: Xiririca que, no tupi significa corredeira ou o lugar onde as águas do rio correm mais veloz) Cananéia e Iguape constituíam pontos de ligação por mar com outros centros da capitania de São Vicente e Brasil. Passava-se por elas ao penetrar o interior pelo rio Ribeira de Iguape. A descoberta desse adentrando o interior do estado de São Paulo gerou os primeiros núcleos de povoamento rio acima, como Ivaporunduva, Xiririca (atual Eldorado), Apiaí e Paranapanema. Com o ciclo do ouro, a partir do século XVII as entradas tornam-se mais frequentes, consequentemente surgindo doze novos locais pra extração de ouro. Consequentemente é implantada agriculturas de subsistência. Com o fechamento da Casa


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de Fundição de Iguape, em 1973, encerra-se o período de quase dois séculos de mineração de lavagem na região. Ao final do século XVIII dois núcleos apresentavam povoamento condensado na região: o de Cananéia e Iguape e o de Xiririca (Eldorado). 12. CARRIL (1995), PETRONE (1966), YOUNG (1904) e KRUG (1908) apontados pela Relatório Técnico-Científico da comunidade negra rural de Ivaporunduva, elaborado pelo ITESP, p.9.

Segundo documentações e pesquisa12, existem indícios da chegada de população negra escrava no porto de Iguape para a mineração na região e em outras regiões como Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Documentos apontam as origens dessas populações negras sendo provenientes de Angola, Moçambique e Guiné. Segundo Carril (1995: 55), principalmente na segunda metade do século XVII, a mão de obra escrava negra em São Paulo foi claramente ligada à mineração, diferente de outras regiões onde a relação com a cultura do café foi muito forte em meados do século XIX. Somente com o encerramento no ciclo do ouro a agricultura na região de Eldorado começou a se estabelecer, tendo um grande crescimento no século XVIII com a produção de cana, mandioca, café, feijão e com a monocultura de arroz. Nesse contexto, a mão de obra escrava diminuiu consideravelmente, se comparada com a época do garimpo, mas ainda era empregada pelos grandes proprietários agricultores da região, principalmente na monocultura no arroz, que aumentou com a chegada da família real portuguesa. Durante todo o século XIX o arroz foi o principal produto escoado pelo Porto de Iguape, tendo como foco outras províncias da Colônia. Dessa forma, a Rio Ribeira era uma importante via fluvial de transporte de passageiros e mercadorias.

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Figura 63. Foto de vista do Vale do Ribeira, próximo a Iporanga (SP). fonte: acervo próprio


Quilombo Ivaporunduva

Logar ermo e habitado por algumas famílias de pretos, descendentes dos escravos ... Uma capellinha, sem architectura alguma, apenas com uma larga porta no pavimento térreo e duas janellas no andar superior, que dão luz ao côro, está construída no logar mais alto da beira do Ribeira: íngremes morros, como o morro da “Joanna” e outros, cercam-n’a pelo lado de traz, dando assim ao logarejo uma vista agradável e poética.” 13

EDMUND KRUG, 1942

As informações sobre o Vale do Ribeira e sobre o quilombo Ivaporunduva foram baseados em relatos de Setembrino e Ditão, moradores e líderes do quilombo, em visita feita em 19 de outubro de 2018. No Relatório Técnico-Científico da comunidade negra rural de Ivaporunduva 14, cedido pelo ITESP com ajuda de Maria Ignez Maricondi. E no Inventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, feito pelo ISA, Instituto Socioambiental. Ivaporunduva é a comunidade mais antiga do Baixo Ribeira. Segundo documentos citados por documento citado por YOUNG 15, surgiu como povoado em meados do século XVII com dois irmãos mineradores, Domingos Rodrigues Cunha e Antonio Rodrigues Cunha, e dez escravos. O local foi mais densamente povoado a partir de 1720 com diversos mineradores e seus escravos.

13. Krug, 1942:272 - Relato de viagem, que Edmundo Krug fez pela região, resultando em documento publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, em 1.912 - 1ª edição 14. Elaborado pelos Antropólogos do Ministério Publico Federal, sob a coordenação de Debora Stucchi 15. YOUNG, E. 1895.

Segundo moradores, na época da mineração chegou ao lugar uma senhora, Joanna Maria, trazendo escravos para o serviço da mineração do ouro. Mandou construir uma casa para sua moradia, que hoje restam apenas vestígios, e uma a Capela para realizar as celebrações religiosas, a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Segundo dados oficiais do processo de tombamento realizado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1972, a capela foi construída em meados da década de 1770. Porém, moradores de Ivaporunduva relatam que a capela data de mais de cem anos antes, segundo Setembrino a data seria 1630. Com a grande enchente de 1997 a capela, e muitas outras casas, foram destruídas. O Condephaat refez a Igreja tentado utilizar as mesmas técnicas de taipa de pilão, pedras, terra e óleo de baleia, que na época era retirado de Iguape. “A Igreja era tudo de taipa, telha de barro, dizem que foi construída na era dos escravos e acabada no tempo da abolição da escravatura. Mas, hoje em dia, já tem uma parte da alvenaria, as travessas e as telhas foram mudadas, porque como boa parte da sua construção original, quando foi feito a restauração já estava deteriorada.” 16

VANDIR RODRIGUES, 60 ANOS, IVAPORUNDUVA, 2011 47

16. Iventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, elaborado pelo ISA, 2013, p.298.


Durante a mineração, o ouro era garimpado e transportado pelo rio Ribeira até Registro, onde se registrava a extração, daí seu nome. Registro e Xiririca eram os centros encarregados da distribuição dos produtos. Setembrino conta que em 1690, Joanna Maria adoeceu e voltou à Portugal para se tratar. Com sua morte as terras deixadas pela senhora de escravos não foram requisitadas e os escravos se encontravam “abandonados”. Porém, não eram escravos livres e estavam confinados àquela região da falecida Joanna Maria, pois se atravessassem o rio poderiam ser capturados por senhores escravos da região. Dessa forma, a subsistência da comunidade naqueles limites foi imperativa.

Figura 64. Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. fonte: acervo próprio

17. Relatório Técnico-Científico de Ivaporunduva, elaborado pelo ITESP, pg.15.

“Refugiando-se nas práticas de uma economia de subsistência, ancorada no cultivo de pequenas roças - sobretudo arroz, milho e feijão - suplementando a atividade agrícola por meio das atividades de pesca, coleta e caça, apossaram-se de parcelas livres relativamente próximas ao centro do povoado e isolaram-se em núcleos familiares, que compunham um grupo mais extenso e igualitário, graças aos vínculos de solidariedade e de sociabilidade baseados nas obrigações mútuas próprias do parentesco, da vizinhança e do compadrio. Construíram, enfim, uma identidade própria, centrada na origem comum, na cor negra da pele e sobretudo na devoção à Santa padroeira de Ivaporunduva, Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. E assim permaneceram durante décadas e décadas, até meados dos anos de 1950.” 17 Com o passar do tempo, durante os séculos XVIII e XIX, o bairro de Ivaporunduva foi se transformando num ponto de atração de grande contingente de negros livres, libertos, fugidos ou não. A luta pela liberdade da população negra na região durou até a lei Áurea em 1888.

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Figura 65. Vista da Rodovia SP-165, admiridando a Vila do Quilombo de Ivaporunduva. fonte: acervo próprio

A existência de fazendas e de pequenos produtores negros no Vale do Ribeira demonstram uma simultaneidade de relações escravistas e livres, tanto sociais quanto espaciais. O reconhecimento desses grupos pelos fazendeiros tem alicerce em sua posição social, definida como pequenos produtores, fornece-


dores de produtos de consume para fazendas próximas, reserva de mão-de-obra em período de safra, enriquecimento de comerciantes pela participação na economia local, conhecedores de navegação nos rios da região considerados perigosos. Essa especificidade contribuiu aos negros para a constituição de uma vida social e econômica paralela à dominante, garantindo certa autonomia. O quilombo Ivaporunduva foi o bairro negro mais antigo da região, caracterizando-se como núcleo estruturador de outras comunidades negras que foram se instalando ao redor do rio Ribeira. Tal ocupação foi implantada segundo a teia formada pelos rios da região, importante canal de comunicação entre os povoados negros que foram surgindo. A comunidade de Ivaporunduva cresceu em organização e com o passar do tempo saiu da subsistência para exportadores de produtos agrícolas. Essa organização não era apenas econômica, mas social e política, tornando-se uma comunidade forte. Isso à levou a ser a primeira comunidade a conquistar o título da terra. O direito à terra dos quilombos foi legalizado e protegido com a Constituição de 1988, por meio do Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” E pelos artigos 215 e 216 de nossa Carta Magna, que apontam diretrizes para a proteção do patrimônio e das manifestações culturais dos diferentes segmentos étnicos nacionais ou grupos formadores da sociedade brasileira, conforme citado nos mesmos artigos.

Figura 66. Vista de parte da Vila do morro indo para o cemitério novo. fonte: acervo próprio

Apesar da legislação, o direito à terra das comunidades quilombolas é de difícil acesso. Em 30 anos, dos quase três mil quilombos identificados pela Fundação Cultural Palmares, somente 193 foram titulados, porém em sua grande maioria com problemas fundiários, sem a posse de fato da terra. No Vale do Ribeira a situação se repete. Das 66 comunidades apontadas pelo movimento quilombola local, 21 reconhecidas oficialmente, e destas, somente seis com títulos homologados pelo poder público, até então. Hoje a comunidade conta com cerca de 600 pessoas. E com a ajuda de programas sociais, surgidos em 2003, e a ajuda de ONGs como o ISA (Instituto Socioambiental) o acesso à luz, à educação e faculdade, à saúde e o estímulo da agricultura familiar melhoraram a vida na comunidade.

Figura 67. Casa “de material” de morador. fonte: acervo próprio Figura 68. Vista de uma das ruas indo para o campo de futebol onde o time do Quilombo de Ivaporunduva treina, um dos melhores da região. fonte: acervo próprio

Ivaporunduva conta com a Vila, onde localiza-se a Igreja, a escola Churis Princesa, o Posto de Saúde18 e o cemitério novo mais acima num morro próximo. Mais acima há uma pousada da comunidade, construída para abrigar alunos adventos do turismo de educação, programa organizado pela comunidade como forma de introdução da cultura quilombola nas escolas brasileiras. Ali perto também se encontra o Barracão, local de armazenamento e amadurecimento, por câmara fria, dos cachos de banana coletados. A banana orgânica é

18. O posto de saúde, assim como muitos quilombos da região, recebia atendimento exclusivamente de médicos cubanos do programa Mais Médicos. Agora, com a saída dos médicos cubanos devido aos recentes acontecimentos políticos no país, o acesso à saúde está mais deficitário e incerto.

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Com isso, em 1994 a própria comunidade iniciou o processo de demarcação de terra do quilombo Ivaporunduva, contando com técnicos e membros mais velhos que sabiam exatamente o limite da área com vizinhos. Em 1998 houve a concessão de terras à comunidade.


a principal renda do quilombo Ivaporunduva, exportadas cerca de 500 a 600 caixas de banana por semana, diretamente aos consumidores. 19. Iventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, elaborado pelo ISA, 2013, p.298.

“O cemitério antigo está situado às margens do Rio Bocó. Foi onde enterraram os escravos que faleceram na exploração do ouro em pó. Hoje, embora esteja coberto de mata totalmente, o vestígio dos túmulos e das ruínas do período da escravidão ainda continua intacto. Os vestígios são pedras empilhadas, em forma de túmulo. Na divisa do cemitério ficam as cacimbas, que são desvios de água para lavar o ouro da época da escravidão. Esse lugar se formou porque os negros estavam falecendo na extração do ouro e lá mesmo eram sepultados. Calcula-se que naquela época, em Ivaporunduva, tiraram 600 arrobas de ouro. Faleceram muitos negros nesse período. Lá por perto fica o Bengalá e o Morro do Chumbo, onde os negros se refugiaram pra fugir da escravidão. Este cemitério não é mais utilizado, hoje os mortos da comunidade são sepultados em outro cemitério, mais recente. Mas a história do nosso povo, história sofrida por nossos antepassados, está naquele lugar. O sangue do nosso povo e o alicerce da nossa comunidade está todo impregnado naquele lugar. Aqueles que faleceram ali, a gente tem a certeza que eles tão olhando pra nós, orgulhosos pelo prosseguimento da luta que estamos dando, a luta que eles começaram, pela liberdade.” 19

DENILDO RODRIGUES DE MORAES, 30 ANOS, IVAPORUNDUVA, 2011

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Figura 69. Vista do rio Ribeira, tirado do morro da pousada de Ivaporunduva. fonte: acervo pessoal

A história e ocupação dos quilombos dessa região, prosperou num verdadeiro corredor socioambiental, com comunidades habitando o meio da mais importante área contínua de remanescente de Mata Atlântica do país. Isso demonstra veementemente que a forma de ocupação e uso do território dessas comunidades contribuiu para a sustentabilidade socioambiental da região, construindo relações sociais com a natureza que hoje são aspectos importantes da cultura brasileira. Por isso, a importância de preservação e reconhecimento dessas comunidades, que continuam na luta, não mais pela liberdade física dos escravos, mas por todas as outras liberdades.


Figura 70. Setembrino, que me guiou durante a visita ao Quilombo Ivaporunduva, e Ditão, uma das lideranças de Ivaporunduva. fonte: acervo pessoal

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Figura 71. Vista da loja de artesanato ao lado da pousada de Ivaporunduva. fonte: acervo pessoal


Taipa de mão

“Primeiro corta a madeira no mato, lavra os esteio, tira as travessas, a janela e a porta, o barrote pra barrotear as paredes. A madeira tem que tirar no tempo certo, na minguante, deixar secar. Faz os buracos pra esquadrejar e “armar” a casa. Os buracos faz com cavadeira. Pra não apodrecer o pé da parede botava bardame, entre os esteio, apoiado no chão. Põe os esteio no buraco, soca bem socado. Os esteio é uns palanque que vai pra firmar as travessas. Numa casa pequenininha vai 9 esteio. Coloca as travessas, apoiada no esteio. Amarra tudo com cipó timbopeva. Encaibra, põe o caibro apoiada na travessa. Aí depois vai a ripa pra segurar a cobertura. O caibro vai de comprido [horizontal] e a ripa é de atravessado, na cobertura. Aí vem a cobertura, de primeiro era sapé. Quando não era sapé era telha. Daí que vem a barroteação das paredes. Ele apóia nos bardame, de pé. Aí põe a ripa, de comprido, amarrava com cipó. Vai bastante ripa na parede, uma distância de mais ou menos 15 centímetros entre uma e outra. Pra barrear tinha que cavocar no chão, carpir o cisco de cima e cavoca a terra. Põe água e vai pisando até fazer o barro. A terra de baixo não presta pro barro, tem que ser a terra mais de cima. Tinha que ficar uns par de gente pisando, amassar ele pra ficar bem macio, sem bolota, fica visgoso. Jogava na parede com a mão, umas 3 ou 4 pessoas. Tinha que ficar um de cada lado, de dentro e de fora, pra trançar o barro, pra grudar um no outro. Alisava com a mão. Poucas pessoas rebocavam depois, misturava farelo de arroz, areia, barro e cinza, que aí fica lisinho. Porque as parede depois que seca racha tudo, então pra tapar fazia isso. Tinha que terminar o piso: pegava terra, jogava na altura do bardame e socava, bem socado, pra não ficar levantando poeira e ficar lisinho. Aí fazia a taipa pra mulher fazer a comida”. 20

PEDRO RODRIGUES DA CUNHA, 61 anos, 2011

20. Iventário Cultural de Quilombos do Vale do Ribeira, elaborado pelo ISA, 2013, p.177.

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Figura 72. Casa de taipa de mão. Usada em oficinas educativas sobre a construção tradicional no Quilombo. O barreamento foi feito pelos próprios alunos. fonte: acervo pessoal


Taipa de mão, ou de sopapo ou pau a pique são termos comumente usados para descrever esta técnica. Fazer o pau a pique, na língua portuguesa, significa fincar estruturas verticais, como galhos e troncos finos, no chão, configurando um plano permeável. Tais construções, muito comuns no litoral brasileiro, também são denominadas caiçara. Segundo estudos de Costa e Cordeiro, o termo caiçara, no tupi-guarani caá sará, remete a paus fincados na terra, técnica muito utilizada na construção de cercos ou paliçadas erguidas em volta da aldeia indígena como proteção. É interessante notar as diferentes interrelações entre as culturas dos povos brasileiros, definindo novas formas de assimilação.

Figura 73.Processo de construção de uma casa de taipa de mão. fonte: Desenho de Sílvio Cordeiro.

A taipa-de-mão foi a técnica brasileira mais comumente utilizada até a primeira metade do século XIX, conhecendo seu auge nos ciclos do açúcar e ouro. Diferente da construção em terra dos portugueses, a taipa de pilão, a de mão foi trazida e elaborada pelos africanos, e é uma das mais tradicionais manifestações da arquitetura brasileira. A técnica consiste em aplicar o barro, devidamente comprimido, sobre uma estrutura de ramos vegetais. Se a casa não recebe o revestimento de barro esta é denominada apenas “casa de pau-a-pique”. Quando barreadas são chamadas de “casas de barro”. Apesar da taipa de mão ser menos durável que a taipa de pilão e adobe, ela consiste numa técnica mais ágil e econômica, necessitando de menos mão de obra e realiza com materiais encontrados no local e pouquíssimos instrumentos. Como o nome revela, o instrumento principal são as mãos. Portanto, é um procedimento economicamente viável e verdadeiramente adaptado ao seu local de habitação, donde todos os materiais são retirados. Madeira, paus, bambus, cipós, folhas, pedras e barro. A taipa de mão possui vários pontos positivos, são mais leves, mais econômicas e de fácil execução, comparada à outras técnicas tradicionais. O conhecimento da técnica do pau-a-pique ou taipa-de-mão é difundido em quilombos de todo o Brasil. Apesar de algumas comunidades terem substituído, até integralmente, as construções de pau-a-pique por construções de alvenaria ou tábuas de madeira, o conhecimento desta técnica permanece presente nos quilombos, principalmente entre os membros mais velhos. Porém, as novas construções são “de material”, materiais industrializados, mas ainda é comum encontrar nos quintais uma cozinha, uma casa de farinha ou um paiol de pau-a-pique. Tais construções variam pois necessitam de condições diferentes. As casas de farinha são apenas de pau-a-pique, pois necessitam de ventilação para o processo da torra. Já os armazéns são revestidos de barro se necessitam proteger os produtos de animais e chuva.

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Ao visitar o Quilombo Ivaporunduva, Setembrino me apresentou um exemplo de construção em pau a pique. Esta era utilizada exclusivamente para apresentar à visitantes e alunos os modos de construção tradicionais nos quilombos


Figura 75. Detalhe da estrutura da cobertura em bambu e pequenos troncos como caibros, meio bambu como ripa e cobertura de sapê. fonte: acervo pessoal Figura 76. Parede de taipa de mão, com parte superior aberta pela ventilação necessária numa casa de farinha. Cobertura de sapê. fonte: acervo pessoal

Figura 74. Detalhe de fixação dos barrotes na parte superior, uma peça é presa com cordas na travessa, prensando os demais pau a piques contra a estrutura de madeira. fonte: acervo pessoal

da região. A descrição da construção a seguir é feita com base nos relatos de Setembrino e no Inventário Cultural do Quilombos do Vale do Ribeira feito pelo ISA, Instituto Socioambiental.

Figura 77. Detalhe de fixação da taquara mestre, fixada na estrutura de madeira por um encaixe. fonte: acervo pessoal

Para a construção de uma casa de pau a pique, após a limpeza e aplainamento do terreno, marca-se com um risco no chão o local dos cômodos, procedimento chamado de traço. Como fundação escava-se uma vala para ser preenchida com pedras ou coloca-se uma viga de madeira direto no solo, o baldrame. É comum pousar um baldrame em cima da fundação de pedras. Em seguida ficam-se troncos de madeira diretamente no solo, um em cada esquina, chamados esteios. Os esteios são travados com as travessas. Outro pilar de madeira, denominado mestre, é fixado na linha média da casa e recebe a cumeeira do telhado. Aproveita-se o mestre como estrutura para porta e janela. Para construção de janelas e portas é necessário estruturá-los com peças de madeira que podem, ou não, ficarem aparentes após o barreamento. A estrutura principal da casa era feita de madeira de lei local. Segundo Setembrino, utilizou-se muito a madeira canela, conhecida como Imbuia, Ocotea porosa. Segundo ensaios do IPT, tal madeira apresenta boa durabilidade natural, considerada resistente ao ataque de organismos xilófagos, sendo raramente atacada por cupins; fácil de ser trabalhada, proporcionando bom acabamento; boa resistência podendo ser usada na construção pesada interna.

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Em seguida os caibros e ripas são fixados com cipó. Estes podiam ser de bambu ou partes da juçara, ou palmeira jiçara, ou palmito-juçara (Euterpe edulis). Os bambus utilizados nos caibros são da espécie Bambusa tuldoides, segundo pesquisa pelo nome popular mencionado, taquara, e diâmetro de aproximadamente 5cm. Em muitas casas antigas no Vale do Ribeira foram utilizados caibros de tronco de Jiçara, que mesmo após mais de cem anos se apresentam em ótimo estado. Porém, a extração dessa palmeira sem os devidos cuidados é ilegal. Depois de feita a estrutura do telhado a cobertura era feita de sapê ou folhas de palmeiras, excelentes em resistência, impermeabilidade e conforto térmico. Porém o desmatamento cessou o uso da palma como vedação de cobertura. Quando possível, a cobertura era feita de telhas cerâmicas, antigamente de telhas de coxa ou capa e canal, mais resistentes, duráveis e com boa


propriedade térmica. Na casa visitada a cobertura foi feita com sapê, camada com cerca de cinco centímetros de espessura. Segundo Setembrino a palha deve ser tirada na lua minguante para garantir maior durabilidade. Tendo a estrutura e a cobertura prontas é possível continuar a vedação das paredes, pois o barro fica protegido da chuva. A cobertura proporciona sombreamento para a maior parte do trabalho a ser feito a seguir e mesmo em dias chuvosos é possível continuar o barreamento da parte interna da casa. A armação que recebe o barro é denominada de pau-a-pique, constituída de barrotes, verticais, e taquaras, horizontais, devidamente amarrados e presos à estrutura da parede. As variações de técnicas geralmente estão no modo de execução e material da armação. No caso do quilombo Ivaporunduva e de outros no entorno, os barrotes são feitos de paus de madeira uvá encontrada no local. Pesquisando, não foi possível identificar qual seria esse tipo de madeira.21 A taquara é de bambu, que também é popularmente conhecido como taquara pelos moradores. Essa espécie tem nome científico Bambusa tuldoides, o mesmo utilizado nos caibros Os barrotes são apoiados diretamente no baldrame, neste é feito um rebaixo circular para receber o barrote. Os esteios e mestres também são cavados para fincar algumas taquaras também chamadas de mestres. Não nessas taquaras fincadas que são estruturados os barrotes, amarrados com cipó. Alguns barrotes também são fixados junto às travessas para melhor estabilidade.

21. Em uma conversa com Carlos Zibel Costa, foi sugerida uma possível assimilação da língua guarani, na qual ywa, pronunciada muito similar à uvá, significa madeira.

Depois de toda a elevação da estrutura da casa começa o “barreamento”. A estrutura da casa é geralmente erguida pela família nuclear e parentes próximos. Na construção de grandes casas, a família chama a comunidade para ajudar a barrear. Após o trabalho faziam bailes e serviam comida para os participantes, tradição africana também presente nos quilombos brasileiros. Tal processo é de extrema importância pois, além de estreitar as relações entre os membros da comunidade, a transmissão do conhecimento das técnicas se dá no momento da construção. Para o “barreamento”, procura-se uma camada de terra sem muita matéria orgânica, geralmente a uns 30-40cm de profundidade. Molha-se a terra e pisoFigura 78. Detalhe de amarração da taquara mestre nos barrotes. fonte: acervo pessoal Figura 79. Detalhe de uma janela feita pelo não preenchimento do pau a pique com barro. A camada superior é um teste com solo cimento, explicado na legenda da imagem abaixo fonte: acervo pessoal

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Figura 80. Detalhe de meio bambus pregados nos barrotes. Segundo Setembrino, a utilização de pregos ao invés do cipó foi muito mais eficiente. A camada de barro que está descolando foi um experimento de utilização de solo-cimento como reboco da parede de taipa. Infelizmente a camada fina de barro não agregou à camada antiga. Talvez por não terem umedecido a taipa antes da aplicação, ou pela proporção não adequada de cimento, qualidade do solo. Não se sabe ao certo. fonte: acervo pessoal


teia-se o barro para compactá-lo. No caso de Ivaporunduva o barro era apenas molhado, mas fibras podem ser adicionadas à mistura de barro para conferir melhor resistência à massa, diminuindo as trincas. Após a preparação do barro, bolos de barro são arremessados simultaneamente por ambos os lados da armação. Para sincronizar o ritmo dos lançamentos utiliza-se “cantigas de moita”. A pressão do impacto aumenta a aderência do barro à estrutura e aos outros bolos. O barro não é resistente à água, portanto certos cuidados são necessários para proteger a construção da umidade e chuva. Como: beirados largos; baldrames ou elevação da construção para impedir o contato com a água por respingamento ou capilaridade; Cimento, argila e cal podem ser adicionados à camada de barro para melhor estabilizá-la e conferindo maior resistência à água, além de conferir uma qualidade estética à construção. Apesar da pintura das fachadas externas com cores vivas ser recorrente na arquitetura popular brasileira, assim como na africana, a tinta não deve ser utilizada em paredes de barro por impermeabilizar a camada, evitando que a parede regule a umidade interna. Figura 81. Detalhe de uma taipa “descuidada”, segundo Setembrino, uma taipa bem feita deve estar totalmente contida nos limites da estrutura de madeira, sem uma projeção das estrutura do pau a pique, nem do barro. Esta é uma construção recente de taipa de mão projetada por um arquiteto para a realização de uma cozinha com fogão a lenha ao lado da pousada. No entanto a comunidade reclamou do estado da construção, a estrutura de madeira não foi devidamente fixada em sua base, nem os encaixes das peças estavam travados. A estrutura já se apresentava inclinada. fonte: acervo pessoal

Essas “casas de barro” são ditas quentes no inverno e frescas no verão, devido à quantidade de massa térmica presente no barro. Portanto é boa para climas com amplitudes anuais maiores. Porém, com a devida ventilação, também funciona bem para climas quentes. Se construída com os cuidados necessários à umidade e feita as devidas manutenções o clima úmido não apresenta grandes problemas. No entanto, em locais de grandes chuvas e terrenos alagadiços não é apropriada. Segundo Costa e Cordeiro (1999) uma característica interessante da casa de pau a pique, assim como na habitação indígena, na cada bandeirista e na casa colonial, é a total independência da estrutura das vedações, sendo comum encontrar exemplos ainda estruturados, mas sem boa parte das paredes. Dessa forma, enquanto a estrutura ainda estiver íntegra é possível refazer as vedações quantas vezes forem necessário. Da mesma forma, permite facilidade na modificação da configuração da casa, podendo serem abertos novas janelas ou portas, expansão da casa etc. Também pode-se fazer a troca de madeiras apodrecidas, fixando-se novas peça e aproveitando as demais. Foi observado no Vale do Ribeira a possibilidade de total reaproveitamento de uma estrutura de uma casa, transportada e reconstruída em outro local, desde que os materiais não estejam deteriorados. Desse modo, a técnica de pau a pique possibilita o reaproveitamento dos materiais, desde que estejam em bom estado de conservação. Conclui-se que a grande disponibilidade de terreno argiloso adequada à taipa de mão, em adição à simplicidade de materiais, ferramentas e execução, contribuiu para a propagação dessa técnica por todo o país.

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Figura 82. Casa de taipa de mão revestida com uma camada de mistura de cal. fonte: acervo pessoal

Infelizmente, essa técnica construtiva está em declínio, inclusive nas comunidades quilombolas visitadas. Com a introdução de novos materiais industrializados, mais práticos e mais duráveis, o uso da taipa de mão foi restringindo-se às pessoas de baixa renda, geralmente localizadas em áreas rurais, onde o acesso aos materiais industrializados é mais difícil. Além do estigma relacionado à pobreza, a doença de Chagas foi muito associada às casas de taipa, contribuindo para a disseminação de uma imagem negativa. Contudo, este problema ocorre


pela carência de manutenção ou execução para resolver certos problemas técnicos como o solapamento da base da parede e o surgimento de trincas e fissuras, principalmente na interface dos materiais. Os mais novos têm menos contato com as construções tradicionais, pois a utilização de materiais industrializados aumentou muito nos últimos anos. As maiores críticas à técnica são o aspecto rústico e mal acabado, além da necessidade de manutenção constante das paredes. Nos quilombos e outras regiões as coberturas de fibras vegetais foram substituídas por telhas cerâmicas e, principalmente, por telhas de fibrocimento, que costuma superaquecer as casas, já que a ventilação conferida pela cobertura vegetal é perdida. A estrutura e vedação, quando possível, são de tijolos, blocos de cimento ou cerâmicos. Os banheiros e cozinhas adentraram a casa e, se viável economicamente, são revestidos de azulejos. As janelas são de alumínio e em quase todas as casas visitadas há vidros. A casa de Setembrino é uma das poucas habitadas que ainda são de taipa de mão. Ele enfatiza a sensação de casa “fresca” que o barro proporciona nessa região. Os exemplos remanescentes dessa arquitetura vernacular raramente ainda abrigam uma família, são geralmente utilizados como cozinha de fogão à lenha, tráfico de farinha ou um espaço de estocagem. Assim, grande parte do conhecimento quilombola, como a identificação de espécies florestais e suas propriedades, acaba se perdendo. A diminuição na utilização de materiais locais para a construção do cotidiano acaba enfraquecendo a relação de interdependência entre as comunidades e seus territórios. Figura 93. Casa de taipa de mão. Hoje em dia a grande maioria não é mais utilizada como habitação, mas no Quilombo Ivapodunduva ainda há vários exemplos que tem como finalidade o estoque de material. Ao fundo a nova moradia. fonte: acervo pessoal

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Figura 94. Casa de taipa de mão tradicional com uma casa atual ao fundo, já feita totalmente com materiais industrializados, uma tipologia muito comum em Quilombos da região e de mais fácil acesso. Geralmente elas não possuem revestimento, tem seus telhados cobertos com telhas de fibrocimento que superaquecem a casa em dias quentes, portas e janelas de alumínio. Nota-se a linha de respingo de chuva na base da edificação, cerca de 60cm. fonte: acervo pessoal


Eldorado, Quilombo Galvão

Projeto CDHU

Figuras 95. Planta do projeto de unidade habitacional construída no Quilombo São Pedro pelo CDHU. Estão marcadas as modificações solicitadas pelos moradores do Quilombo Galvão fonte: acervo CDHU

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Figuras 96 e 97. Fotos do projeto de unidade habitacional construído no Quilombo São Pedro pelo CDHU. Fotos mostradas à comunidade do Galvão para discussão sobre a nova moradia. fonte: acervo CDHU


Figuras 98. Foto das unidades habitacionais construídas no Quilombo Galvão pelo CDHU. fonte: acervo CDHU

Ao conversar com Lia Affonso Ferreira Barros, da gerência de Programas de Cortiços, Moradias Indígenas e Moradias Quilombolas, tive a oportunidade de conhecer o trabalho do Programa de Moradias Quilombolas criado pela Secretaria de Habitação. Com o objetivo de desenvolvimento de ações direcionadas à melhoria da qualidade de vida e conforto da população quilombola, com a implantação de moradias destinadas exclusivamente aos residentes em áreas/ comunidades reconhecidas pela Fundação ITESP “José Gomes da Silva”, através da CDHU. Através da melhoria da qualidade de vida de sua população segundo padrões e valores, a partir do fomento e da proteção das condições básicas à sua reprodução física e cultural, num processo de participação ativa da comunidade na definição de projetos de desenvolvimento econômico adaptados à sua raiz cultural e à capacidade regional. Está sendo realizado o projeto de construção de 50 unidades habitacionais em Ivaporunduva, seguindo o mesmo projeto apresentado e construído no quilombo próximo Galvão.

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O projeto no Galvão foi feito segundo apresentação e discussão de projeto com os moradores. Foi apresentado o projeto de unidade habitacional construído no Quilombo São Pedro, demarcando no chão a planta do projeto em escala real, possibilitando a melhor compreensão da escala do espaço projetado. Após discussão com a comunidade algumas modificações foram feitas no projeto. Os comentários foram: • Eliminação elemento estrutural da cobertura no meio da cozinha. • Delimitar cozinha com acréscimo de parede. • Portas da cozinha consideradas muito grande – foram trocadas por porta convencional de 80 cm. • Troca da porta na parede oposta ao tanque por caixilho. • Troca das esquadrias de madeira por alumínio. • Construção de uma laje, antes a caixa d’água ficava aparente. • Transferência do fogão a lenha para o exterior da unidade, porém previsão de fogão a gás, muito mais utilizado. • Retirada das aberturas com ventilação permanente (tijolos intercalados). Críticas ao frio, população veda precariamente esta ventilação permanente.


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Com exemplos pós-ocupação no Quilombo São Pedro. Seguindo as informações coletadas na conversa um novo projeto foi realizado e, posteriormente, construído. Os comentários foram atendidos e a unidade habitacional passou a ter três quartos. Os materiais utilizados foram: • • • • • • • • • • •

Fundação radier Bloco de concreto Telhado em estrutura de madeira Telha de barro Piso cerâmico Revestimento interno de azulejo Caixilhos de alumínio Fogão a lenha e previsão para fogão a gás Aquecimento solar de água Caixa d’água Fossa negra

Quanto ao abastecimento de água e esgoto do Quilombo Ivaporunduva, a água é coletada diretamente de uma nascente e é conduzida diretamente para as casas, mas o projeto realiza a instalação de caixa d’água. Não há rede de esgoto na região e, dessa forma, o esgoto é depositado em fossa séptica. A partir dessas informações e outras questões estudadas nos capítulos anteriores o projeto de um módulo habitacional para a região do Vale do Ribeira começou a ser elaborado. Figura 99 e 100. Planta, corte e elevação do projeto final de unidade habitacional construída no Quilombo Galvão pelo CDHU. fonte: acervo CDHU

22. Relatório sobre os estudos para implantação de unidades habitacionais na comunidade de quilombo de ivaporunduva (município de eldorado) realizados pela diretoria adjunta de recursos fundiários/itesp e pela diretoria de planejamento e fomento/cdhu atraves da superintendência de favelas e outros assentamentos informais.

Segundo o Relatório sobre os estudos para implantação de unidades habitacionais na comunidade de quilombo de Ivaporunduva realizado conjuntamente pelo ITESP e pelo CDHU 22, foram apontadas algumas dificuldades encontradas na locação das 116 unidades habitacionais a serem implantadas na região. O Quilombo Ivaporunduva encontra-se na margem esquerda do rio Ribeira de Iguape, possui morros íngremes e diversos cursos d’água. Isso apresenta duas principais dificuldades. Os terrenos menos íngremes se encontram perto das margens do rio, sujeitas à inundações em época de chuva, principalmente em eventos extremos como foi a enchente de 1997 que destruiu muitas casas em diversos quilombos e cidades próximas ao rio Ribeira. Adicionalmente, tais áreas possuem restrições legais de ocupação, pois localizam-se em área de APP, Áreas de Preservação Permanente. Já as áreas mais afastadas dos cursos d’água apresentam topografia com alta declividade, sendo de difícil implantação sem um corte no terreno, isso quando a inclinação permite qualquer implantação. Concluindo, os principais desafios de implantação são o terreno acentuado e as áreas de inundação.


BOCÓ 4 BOCÓ 1 E 2 BOCÓ 3

CORTESIAS 1,2 E 3

VILA

CG 3 E 4

CG 5

CG 1 CG 2 JPN 1

Figura 101. Localização das moradias no quilombo Ivaporunduva. fonte: Elaboração própria a partir de informações cedidas pelo CDHU

LEGENDA MAPA DE LOCALIZAÇÃO DAS MORADIAS EM IVAPORUNDUVA Área de inundação de 1997 Cotas de nível a cada 20m Áreas de moradias reunidas em bolsões: CORTESIAS-moradias perto da margem do rio Ribeira, mas fora de APP BOCÓ-moradias localizadas ao longo do rio Bocó ao lado de uma estrada do Bocó,de terra, com bastante vegetação ao redor CG-moradias ao longo da estrada Córrego Grande . 1 localizado próxima à entrada do Quilombo, 2 próximo ao campo de futebol JPN-áreas menos íngremes mas longe de acesso

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JPN 2


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Projeto


Como visto nos capítulos anteriores, a diversidade física e cultural de um país como o Brasil necessita de uma solução habitacional adaptável. Uma das formas de compreender essa moldagem ao meio habitado foi estudar a arquitetura vernacular brasileira, cuja materialização é um exemplo da adaptação àquele local e àquelas pessoas. Porém, numa sociedade que necessita de uma abordagem mais rápida à escassez habitacional, as técnicas tradicionais representam um certo descompasso com a quantidade e velocidade necessária. No entanto, as soluções atuais empregadas com materiais industriais muitas vezes se mostram impróprios ao clima e características da região. Além disso, a arquitetura popular, antes tão diversa e criativa, passa a ter uma homogeneidade que a torna dissociada de seu local de assentamento. Para tanto, a tentativa de mesclar a praticidade e durabilidade dos materiais industrializados com técnicas tradicionais que emanem as características e necessidades locais é a grande tentativa desse projeto. Levando tais pontos em consideração, para tentar conciliar o tradicional e o industrial, o local e o universal, o projeto foi dividido em duas partes principais: a brasileira e a regional. A primeira é o projeto de um esqueleto industrializado que possa ser rapidamente entregue em todo o Brasil. Este é constituído da estrutura autoportante do módulo e um núcleo hidráulico. A ideia é que este módulo possa se expandir horizontalmente e verticalmente, sendo montado com quantos cômodos a família necessitar. Suas partes são transportadas e facilmente montadas por um sistema de peças metálicas que unem a estrutura de madeira. O módulo foi projetado como uma estrutura elevada, devido a maiores possibilidades de adaptação ao terreno, preservação de cobertura vegetal fragilizada, maior distanciamento de umidade do solo e adaptação à altura necessária contra enchentes em caso de locais alagadiços.

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A segunda parte, caracterizada pela regionalidade, é diferente em cada situação, pois deve-se adaptar às características climáticas, geológicas, culturais e econômicas locais. Em termos técnicos, os processos construtivos devem atender adequadamente à cultura construtiva, o domínio de técnicas, o uso adequado de materiais disponíveis e as potencialidades da mão de obra local. Por isso, os materiais utilizados devem estar vinculados ao local escolhido, de forma a retomar técnicas que estão desaparecendo, porém, com certas modificações no processo que possam melhorar sua durabilidade, manutenção e praticidade na construção. Além disso, os materiais escolhidos devem ser de fácil obtenção, tratamento e manejo por comunidades locais. Dessa forma, parte-se do pressuposto da possibilidade que a utilização desses materiais deva promover articulação comunitária e estimulação da economia local. Então, o projeto deve expressar pela sua materialidade particularidades daquele lugar e daquelas pessoas, além de se tornar benéfico para aquela comunidade.


Concluindo, o ponto central deste projeto é a adaptação ao local e ao cotidiano das pessoas em questão. Por isso optou-se pelo desenvolvimento de um módulo que possa ser combinado da melhor maneira à atender as necessidades da família e buscar a melhor ordenação para a implantação vigente. Complementar, a independência da estrutura de suas vedações garante a possibilidade de diversos tipos de vedação que se adequam a cada região. Também, uma vez construído tal invólucro, a estrutura independente garante a troca, manutenção e modificação mais facilmente. O projeto a seguir é a tentativa de colocar tais conceitos em prática na região do Vale do Ribeira, mais especificamente nas comunidades quilombolas do Baixo Ribeira. Apropriando-se do conhecimento adquirido na visita ao Quilombo de Ivaporunduva, nas conversas com a Lia do CDHU e Ignez do ITESP, e os estudos feitos sobre o local e a arquitetura tradicional quilombola, chegou-se no projeto das páginas seguintes.

Figura 102. Módulo Brasileiro Camargo, 2018 Figura 103. Invólucro Regional Camargo, 2018

CARACTERÍSTICAS CLIMÁTICAS DO VALE DO RIBEIRA VERÃO - quente e úmido - temp média 24°C (fev) - umidade média ~84% INVERNO - frio e úmido - temp média 14°C (jun) - umidade média - 82% VENTO PREDOMINATE - sudeste PLUVIOSIDADE - anual 1650-1900mm - período chuvoso jan-mar ÁREA DE INUNDAÇÃO - maior inundação recente registrada em 1997 quando atingiu 12m acima do nível do rio.

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VEGETAÇÃO PREDOMINANTE - Mata Atlântica da Serra do Mar


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Referências CAPE TOWN PROJECT HANDS OF HONOUR

Figura 104. Construção do protótipo fonte: Uno Pereira I Noero Architects Figura 105.Perspectiva da estrutura fonte: UrbanxChanger group Figura 106. Cenário futuro da autoconstrução utilizando a”Table Structure” fonte: BAU Collaborative I Noero Architects

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O projeto surgiu como uma tentativa de solução das inúmeras habitações temporárias e inadequadas na Cidade do Cabo mais condizente com os recursos financeiros disponíveis. O conceito do projeto, desenvolvido pelo UrbanxChanger, foi denominada “Table Structure”, constituindo uma estrutura de pilares e laje de 2,4x2,4m que possam ser expandidos. Isso proporcionaria uma estrutura externa que possa abrigar melhor uma casa temporária e que, com o tempo, se transforma em uma casa mais permanente, podendo ser até expandida verticalmente.


TAIPA EM PAINÉIS MODULADOS MEC. SG. CEDATE. Centro de desenvolvimento e apoio técnico à educação, 1985.

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Figura 107. Construção da Escola Rural Olhos D’água. Figura 108. Detalhe de fixação entre os painéis. Figura 109. Fixação da viga de amarração. Um dos passos de montagem descritos na cartilha. Figura 110. Habitação rural região de Carajás (PA) fonte: cartilha “Taipa em painéis modulares” da CEDATE.

O projeto surgiu como forma de tentar recuperar técnicas simples e baratas, que aproveitassem os materiais próprios de cada região. A técnica escolhida foi a taipa de mão, que, segundo o CEDATE é “uma técnica construtiva conhecida e utilizada em quase todo o País. O Sistema de taipa em painéis modulados, retoma a técnica tradicional, aperfeiçoando-a e racionalizando-a, de forma a: corrigir os problemas comuns de sua má utiIização; permitir seu emprego em larga escala; aproveitar o material construtivo mais abundante desse nosso vasto território: o barro; aproveitar resíduo de serraria; reduzir o tempo de construção, visto que os painéis já são levados prontos para o canteiro de obras; favorecer a auto-construção, visto que os processos de montagem dos painéis (basicamente através de pregos e martelo, abolindo-se os encaixes) e de barreamento são simples e popularmente conhecidos.” Seguindo essas diretrizes foram criados e testados painéis modulares autoportantes que, após montagem, recebem o barreamento. Os passos para a construção utilizando esses painéis foram descritos e desenhados numa cartilha informativa. Essa referência foi muito importante como base conceitual e técnica para o projeto desse trabalho.


Figura 111. Vista do abrigo construído em primeiro plano, e outra em construção ao fundo Figura 112. Confecção dos painéis de fibra de palmeira para a cobertura. fonte: Shigeru Ban Architects

PAPER TEMPORARY SHELTER SHIGERU BAN ARCHITECTS

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Projeto de um abrigo temporário em Cebu, Filipinas depois da devastação do furacão Haiyan em 2013. O método construtivo em tubos de papelão, já construídos em Kobe, Turquia e Índia, foi aperfeiçoado para simplificar e agilizar a construção, utilizando-se do mesmo sistema de conexão do “Paper Partition System” para abrigos provisórios no Japão. Esse sistema é composto de encaixe simples entre duas peças de tubo de papelão furadas previamente com diâmetros diferentes. Para a fundação foram utilizadas caixas de cerveja preenchidas com sacos de areia, para os painéis de piso madeira de coqueiro e compensado de madeira. Para a vedação da estrutura de tubos de papelão foram fixadas esteiras de bambu trançado já prontas, enquanto a cobertura foi revestida com uma folha plástica e palha de palmeira Nypa confeccionados no canteiro.

Figura 113. Esqueleto da estrutura de encaixes em tubos de papelão. Figura 114. Detalhe do sistema de encaixe utilizado no “Paper Partition System no Japão. Figura 115. Vista do interior do abrigo pronto. fonte: Shigeru Ban Architects


Figura 116. Cobertura do completo fabril do Big Tree Farms, em Bali, Indonésia. fonte: artigo da afbb

Figura 117. Conexão de bambu de residência pré-fabricada. Arquitetura: Studio Cardenas fonte: Studio Cardenas Figura 118. Emsable Chacarrá em Pereira, Colômbia. Arquitetura: Ruta 4 fonte: Ruta 4

Figura 119. Escola em Rudrapur, Bangladesh. Arquitetura: Anna Heringer e Eike Roswa foto: Kurt Hoerbst

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Figura 120. Restaurante em Son La, Bali Arquitetura: Vo Trong Nghi Architects foto: Hiroyuki Oki


Processo Criativo Figura 121. Croquis de estudos Camargo, 2018

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O processo de projeto contou com diversas outras versões, passando por outras hipóteses do módulo, modulação, dimensionamento e desenho da estrutura, tipo de materiais, detalhamento etc. Aqui estão alguns exemplos de croquis e desenhos desenvolvidos ao longo do processo projetual.


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Conceitos: Adaptável

À CONFIGURAÇÃO E EXPANSÃO: adaptável à diferentes configurações e tamanhos de casas. Por isso a ideia de produzir o esqueleto de um módulo habitacional que possa ser combinado horizontalmente e verticalmente. Além de diferentes tipologias, a possibilidade de expansão e modificação da casa posterior ao projeto e construção é um fator importante. Em vista disso, foi projetado uma conexão metálica entre pilares e vigas que pudessem receber facilmente novos elementos. Além disso, tais elementos, como pilares e vigas, devem ser facilmente encontrados, reproduzidos e fixados. Consequentemente os elementos estruturais em madeira são formados de peças facilmente encontradas no mercado, como tábuas, pilaretes e vigotas combinados para formar uma peça de maior porte estrutural. A fixação dessas peças também é simples, necessitando de parafusos passantes junto às peças metálicas já presas. As peças metálicas também são de simples reprodução, formada de chapas dobradas e/ ou soldadas.

À TOPOGRAFIA E INUNDAÇÕES: adaptável ao terreno, na questão de topografia irregular e possíveis inundações. Apesar de uma habitação elevada ser mais cara e mais trabalhosa, as vantagens introduzidas pela não necessidade de grandes movimentações de terra é um fator considerável na possibilidade de adaptação de um esqueleto estrutural que possa ser implantado em diferentes localidades. Além da acomodação ao terreno, a estrutura dos pilares conectados à fundação pode ser ajustável em diferentes alturas, de acordo com o padrão de inundações da região, quando não há a possibilidade de deslocamento para uma área mais seca.

À DIFERENTES MATERIALIDADES: adaptável às necessidades e

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Figura 122. Diagramas conceito adaptabilidade Camargo, 2018

culturas locais. A estrutura independente do módulo permite a utilização de diferentes tipos de vedação horizontal e vertical, podendo ser totalmente adaptados ao local a serem implantados. Por exemplo, ao norte do país, num clima muito quente e seco as vedações devem ser muito bem ventiladas. Em climas frios as paredes podem ser feitas com mais isolamento térmico. Em locais com alta amplitude de temperatura uma maior massa térmica é o mais adequado. Tal como apontado na descrição sobre a técnica de taipa de mão, assim como em diversas outras arquiteturas vernaculares, a estrutura da casa é dissociada da vedação, sendo possível refazer e modificar as vedações conforme o desejo dos habitantes. Dessa forma, a estrutura “esqueleto” aliada à possibilidade de diferentes vedações configura um modelo viável à diversas situações.


uma estrutura autoportante única para todo o país e vedações adaptáveis a cada local. Como resultado, o “esqueleto” é uma etapa pré-fabricada, constituída pela estrutura de vigas, pilares e conexões metálicas das mesmas. Os painéis de piso e divisória também podem ser pré-fabricados. Essas peças são montadas e perfuradas já no local de fabricação, agilizando o processo de montagem na obra. Por seu caráter industrial e nacional os locais de fabricação possuem área de distribuição maior, estando em pontos estratégicos perto das fontes de matéria prima e de forma a atender o maior número possível de localidades. Esses materiais são: eucalipto de reflorestamento para as madeiras estruturais, chapas e perfis metálicos e compensado naval.

REGIONAL: em pontos de distribuição regional, estão os materiais também industrializados, mas sem necessidade de um padrão específico e de fácil acesso, como: portas e janelas, cimento, armação, revestimento de paredes e pisos, resinas, mastique para vedação, tintas etc. No projeto em questão, a placa de fibra de coco é um material industrializado, mas de fabricação mais específica, portanto pode ser associado a pontos regionais. Dessa forma, esses materiais comuns não ficam restritos à uma só empresa e distribuidora, diminuindo a energia e gasto despendido no transporte de longas distâncias, e estimulando maior distribuição da economia.

Áreas de distribuição

NACIONAL: o projeto é dividido basicamente em duas partes,

LOCAL: em regiões próximas à área de implantação os mate-

Figura 123. Diagramas áreas de distribuição Camargo, 2018

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riais utilizados devem ser extremamente locais, sendo retirados com o devido manejo sustentável e manufaturado por grupos locais. Os materiais devem fazer parte de técnicas construtivas já conhecidas pela população local, mesmo que seu processo sofra algumas modificações em detrimento de melhorias técnicas. Dessa maneira, o projeto parte do pressuposto que a utilização e manufatura de materiais específicos promova articulação comunitária, proporcionando estimulação da economia local, formação de mão de obra e consequentemente promovendo a autonomia comunitária. No projeto, esses materiais locais são: o bambu, terra e fibras vegetais como o sapê e folhas de palmeira e bananeira, encontrados com facilidade na região do Vale do Ribeira e já conhecidos e manejados pelas comunidades locais.


Modulação

Para o projeto do módulo habitacional foram testados diferentes tipos de modulação para a organização de cômodos e articulação de uma casa. Levou-se em consideração, principalmente, as dimensões adequadas para cada espaço de uma casa, representado esquematicamente nos croquis de estudo ao lado, a dimensão das peças industrializadas a serem utilizadas, como a madeira serrada, chapa de compensado naval, portas e janelas comuns, etc.

0,9X0,9m +1M

2,5x1,2m

1,2x2,5m: a modulação de 2,5x1,2m, tinha uma proporção

0,9X0,9m +1M Figura 125. Planta modulação 1,2x2,5m Camargo, 2018

diferente por ser o tamanho de um painel wall de piso utilizado em mezaninos de fábrica, fabricado pela Eternit. Constituía num miolo de madeira laminado ou sarrafeado, contraplacado com lâminas de madeira e placas cimentícias CRFS. O módulo era composto por 3M, três placas de painel wall formando um espaço de 3,6x2,5m. Porém, a dimensão de 2,5m era pequena para um cômodo e mais a área de passagem necessária. Ao colocar uma passagem de 90cm, como um corredor, no lado maior os cômodos ficavam com dimensões pequenas. A área da casa por habitante ficava pequena, em torno de 9 a 10m²/pessoa, considerando duas pessoas por quarto, e configurava espaços de sala, cozinha e banheiro apertados. Além disso os quartos ficavam com a porta diretamente para a sala.

0,9X0,9m

0,90x0,90m: a modulação de 90cm surgiu como uma unidade

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ESCALA DOS DESENHOS 1:200

Figura 126. Planta modulação 0,90x0,90m Camargo, 2018

básica de passagem, configurando um módulo de 4Mx4M com dimensões de 3,6x3,6m. O espaço interno dos cômodos era adequado e espaçoso, e incorporando um corredor em um dos módulos o cômodo resultante ainda possuía um tamanho adequado para um quarto. Também foi testado dois módulos de 3x4M espaçados 1M entre eles, formando cômodos de 2,7x3,6m e um corredor no meio. Esse layout era favorável, pois a entrada dos quartos dava para um corredor e não diretamente na sala. Porém, os materiais a princípio utilizados, como placas de OSB (1,20x2,4m) e compensado naval (1,22x1,44m) deveriam ser cortados, gerando mais perdas de material. Além disso, numa modulação de 0,90m é difícil encontrar uma janela pré-fabricada que possa ser encaixada nesse espaço.


0,9X0,9m

1,2X1,2m Figura 124. Estudos de espaços para cada cômodo Camargo, 2018

1,0x1,0m: testou-se também a modulação de 1,00m, por causa das peças de madeira, como tábuas, vigotas, caibros etc., mais comuns no mercado possuírem comprimento de 3,00m. Assim, o módulo teria 3Mx3M, 3,00x3,00m. Mas as dimensões, principalmente para os quartos não era o ideal. E, com uma unidade de passagem o espaço de 2,1m seria muito estreito para um cômodo. E, novamente, os materiais a serem utilizados também necessitariam de cortes.

1,25x1,25m: dessa forma, chegou-se à modulação de 1,25m. O módulo seria composto por 3Mx3M, resultando em 3,75x3,75m. Descontando-se a espessura da estrutura de madeira, 15cm, a modulação do cômodo interno seria 3,6x3,6m, possuindo divisórias de 1,20m cada uma. Os painéis externos entre a estrutura também ficariam com 1,20m, possibilitando o encaixe de uma janela comum. Os cômodos permaneceram adequados e confortáveis, mesmo com a passagem de um corredor. A área da casa por habitante passou a ser 13,5m²/pessoa mas com a possibilidade de um quarto grande para três pessoas, fornecendo 11,7m²/pessoa. A sala, espaço de comer e cozinha são espaçosos, de forma que numa futura expansão de quartos tais espaços de convívio consigam abrigar adequadamente um percentual a mais de pessoas.

Figura 127. Planta modulação 1,20x1,20m Camargo, 2018

Figura 128. Planta modulação 1,25x1,25m Camargo, 2018

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1,20x1,20m: então, optou-se pela a modulação de 1,20m, referente ao tamanho das dimensões da maioria dos materiais a serem utilizados, como: chapa osb, compensado naval, drywall ou painéis para o núcleo hidráulico, dimensão de revestimentos, e uma janela comum de 1,20x1,00m, de alumínio da Sasazaki por exemplo. Porém, ao se descontar a espessura da estrutura externa de madeira, de 15cm, os painéis e pisos internos passariam para uma modulação de 1,10m, diferente do ideal.


Cômodo 76

Dentro da modulação de 1,25m foram pensadas algumas possibilidades de organização de cômodos, tanto para sala e sala de jantar, núcleo de área molhada e quartos. Dentro da modulação podem ser adicionadas varandas ou corredores de 1M, ainda restando 2M para o cômodo em si. Isso gera diversas possibilidades de organização da casa.

ESCALA 1:100 Figura 129. Plantas de possibilidades de organização do módulo Camargo, 2018


Ao lado, algumas variações de disposição desses cômodos numa casa. Variando o número de quartos, organização interna e a quantidade de fileiras de módulos, podendo ser de uma ou duas. Pensando que um módulo poderia ter uma cobertura em meia tesoura, mais que duas fileiras causam uma incompatibilidade no desenho das águas da cobertura, devendo ser pensado um outro tipo de encaixe entre elas.

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ESCALA 1:100 Figura 130. Plantas de possibilidades de organização entre módulo. Configurações de possíveis casas Camargo, 2018


Materiais industriais

Os materiais industriais não necessariamente têm a matéria prima industrializada, mas são materiais que passam por processos de corte precisos, tratamento químico, montagem e finalização em ambientes mecanizados e de maior porte. Os materiais utilizados no projeto são:

EUCALIPTO DE REFLORESTAMENTO: Dos dois principais tipos de madeira reflorestada, pinus e eucalipto, o eucalipto é o que apresenta maior resistência mecânica e é o mais adequado para construção pesada interna, como pilares e vigas. O eucalipto reflorestado também é produzido em diversos locais do país, comercializado com facilidade em grande parte. Por esses motivos, principalmente pela escolha de um manejo adequado de reflorestamento, o eucalipto é a espécie arbórea escolhida para as peças que compõe a estrutura “esqueleto” do módulo. O eucalipto-citriodora é a espécie escolhida, procedente de reflorestamento e propícia para utilização na estrutura do módulo. Segundo dados do IPT, é resistente ao apodrecimento e durável ao ataque de cupins. (Silva,2001), excelente para serraria e apresenta boas características de aplainamento, lixamento, furação e acabamento.

COMPENSADO NAVAL: são lâminas de madeira sobrepostas alternadamente, garantindo maior resistência física por possuir fibras em ambos os sentidos. Tais lâminas são prensadas e coladas com uma resina fenol-formaldeído. É um painel à prova d’água, podendo ser utilizado em áreas úmidas e externas. Produzido com madeira Pinus reflorestada. Pode ser facilmente cortado, possui acabamento estético liso e não solta muitos resíduos como pode ocorrer com as chapas OSB. Pode ser aplicado em construção civil como andaimes, arquibancadas, mezaninos industriais, pisos comerciais, passarelas etc. No caso do projeto, o compensado naval é utilizado na fabricação dos painéis modulares de piso e divisórias internas, permanecendo com suas dimensões originais.

POLICARBONATO ALVEOLAR: esse produto é produzido através do processo de extrusão do policarbonato, formando vãos quadrados ocos internamente. Isso proporciona um material leve, resistente e transparente. As chapas alveolares conseguem uma redução de até 85% do peso do vidro convencional, sendo mais fácil de manusear em obra, e sem adicionar peso expressivo à cobertura. Sua transparência permite até 80% de passagem de luz. A geometria dos alvéolos e a escolha em branco leitoso, garantem uma luz mais difusa e 70% de passagem de luz. O colchão entre os alvéolos também garante um bom isolamento termo acústico. Outras opções mais baratas podem ser empregadas, como a telha ondulada de polipropileno, que também proporcionada entrada de luz.

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Figura 131. Textura madeira de eucalipto-citriodora fonte: IPT, consulta online-informações sobre madeiras. Figura 132. Textura Pinus elliottii utilizado para fabricação do compensado naval. fonte: IPT, consulta online-informações sobre madeiras. Figura 133. Textura policarbonato alveolar fonte: Polantis


Materiais locais

Os materiais locais são facilmente encontrados e/ou cultivados no Vale do Ribeira. De acordo com a arquitetura vernacular estudada de taipa de mão, a madeira, o bambu, as fibras vegetais e a terra são materiais já conhecidos e utilizados pela população local. No Quilombo Ivaporunduva a cultura e técnicas construtivas ainda permaneciam muito vividamente em pessoas de cerca de 40/50 anos. Apesar da geração mais nova não ter tanto o contato com as técnicas tradicionais, os mais velhos ainda detêm esse conhecimento e podem passá-lo. Como são materiais já explorados pelos moradores, existentes na arquitetura tradicional e que não necessitam de procedimentos muito complicados, são opções interessantes para utilização na construção e como possibilidade de articulação de grupos manufatureiros que possam capacitar mão de obra e estimular a economia local. Segundo Noia (2012) o uso do bambu na construção civil demanda uma constante presença do homem em toda sua fase de cultivo, tratamento, beneficiamento e manufatura. Dessa forma, pode ser considerado um importante elo de reaproximação do homem aos meios de produção e do artesanato, possibilitando uma organização social mais democrática dentro deste ciclo de produção. Essa escala mais humana deve se expandir na otimização, autossuficiência e sustentabilidade dos recursos materiais, assim como na distribuição social do trabalho mais equilibrada. Esse conceito pode se ampliar além da produção do bambu para um manejo e produção sustentável de vários outros materiais locais. A requalificação, conscientização e capitalização benéfica do meio em que habitam.

FIBRAS VEGETAIS: as fibras vegetais encontradas na região possuem um baixo custo de obtenção e manipulação. No Quilombo Ivaporunduva, a banana orgânica é o principal produto produzido e a maior fonte de renda da comunidade. O conhecimento de técnicas de trançado e confecção de artesanato com fibra de bananeira, entre outras, é algo explorado pelas artesãs locais que vendem em feiras próximas e em lojas de artesanato. As antigas casas de taipa de mão da região eram feitas, em sua maioria, com cobertura de sapê. Portanto, a técnica de corte, secagem, preparação e instalação já são conhecidos. Para aumentar a durabilidade das fibras podem ser adicionadas resinas. No artesanato local, as tiras de bananeira são tratadas com um composto a base de óleo de eucalipto, canola e sabão de coco que aumentam o ciclo de vida da fibra, pois aumentam sua resistência a fungos e insetos. Esse mesmo composto, de fácil produção e já assimilado, poderia ser testado em outras fibras na confecção de material para a habitação, como na cobertura de sapê e nas esteiras de palha ou bambu. A aplicação de retardantes de chamas também são importantes para melhorar a segurança da habitação. No caso da cobertura, pode-se empregar o SAPÊ, já conhecido. As fibras seriam amarradas de forma a construir uma esteira, que pode ser enrolada, transportada até o canteiro de obras e desenrolada sobre a cobertura estruturada, sendo necessário apenas a sua fixação.

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A utilização de FOLHA DE PALMEIRA também existia em algumas casas tradicionais da região do Vale do Ribeira. Há plantações da palmeira Juçara, que prospera bem na região. Porém deve-se ter mais cuidado no manejo por entraves legais postos pelo grande desmatamento e possibilidade de extinção. Por isso


optou-se pelo sapê, além de possuírem exemplos de construção com sapê no próprio Quilombo. Além do sapê, um teste interessante a ser feito seria utilização de FOLHA DE BANANEIRA como material de cobertura, material muito abundante na região e que faz parte do cotidiano do quilombola da região, de fácil acesso e que ainda não possui muito uso. A esteira de PALHA NATURAL DE JUNCO, pode ser utilizado, além do artesanato, em forração de teto. O junco é uma vegetação que nasce em solos alagados e, por isso, prosperou no Vale do Ribeira. Plantações do junco em pequenas propriedades do Vale do Ribeira, trazida pelos imigrantes japoneses, geram empregos na plantação e no artesanato local. Com o artesanato e experiência da região, não seria algo difícil de desenvolver para peças maiores e tratadas com resinas e compostos para melhorar sua durabilidade. Já existem fabricantes que manufaturam e vendem a esteira em rolos de até 40m por 90cm de largura, como a DN Junco em São Paulo. 23. Informações a partir de GRECO, T.M.; CROMBERG, M.; RÍOS, H. C. 2011.

Figura 134. Cobertura de folha de palmeira, amarração com uma das próprias folhas na ripa fonte: Flickr, usuário asmart42 Figura 135. Esteira de junco fonte: Futon Company, fabricante Figura 136. Amarração de folha de palmeira na cobertura foto de Sally Charette Figura 137. Pentes de piaçava comercializados. fonte: SoloStocks, revendedora

BAMBU é uma planta perene, sem necessidade de replantio, com tempo de renovação muito curto, alto rendimento anual por unidade de área e de baixo custo de produção. Por esses motivos, o bambu é altamente adaptável e cresce rapidamente, por esse motivo muitas vezes é considerado uma praga pelos agricultores e poucas vezes cultivado. Com o objetivo de comprovação do potencial econômico do bambu, uma pesquisa realizada pela Embrapa nas comunidades agrícolas do Acre caracterizou seu plantio como uma boa possibilidade de renda na produção familiar. Apesar da pesquisa ser feita no Acre, as espécies de bambu possuem tolerância à grande variação térmica e se adaptam a vários tipos de solo. Dessa forma, seu cultivo é possível em diversas regiões brasileiras, inclusive no Vale do Ribeira. Durante a visita na região, foi possível identificar diferentes espécies de bambu em diferentes locais, na beira de estradas, em clareiras, morros e as vezes em quintais de casas. Além da possibilidade de cultivo na região, seu manuseio, tratamento e beneficiamento tem baixo custo, sendo um grande atrativo para estimular a economia local. Adicionalmente, o bambu já era usado como matéria prima no pau a pique, sendo um elemento incorporado da arquitetura tradicional, consequentemente o manuseio e técnica relativos a esse material já estão presentes. Suas características físicas e versatilidade possibilitam construções estruturais diversas, leves e resistentes. Desse modo, este projeto tenta utilizar o bambu não só na estruturação do pau a pique, mas como estrutura de cobertura. Segundo Noia, 2012, as espécies disponíveis em maior abundância no Vale do Ribeira são o Dendrocalamus giganteus e o Bambusa tuldoides. Ambos possuem qualidades físicas e mecânicas propícia à construção. Porém, o Bambusa tuldoides já era utilizado na construção do pau a pique e caibros, sendo uma espécie familiar aos locais. Dessa forma, foi optado pela construção da cobertura em Bambusa tuldoides.

80

O Bambusa tuldoides é uma espécie entouceirante, ou seja, cresce em uma base comum, formando moitas e não se alastrando. A altura dos colmos é de cerca de 12m e o diâmetro de 5cm a 6cm. Possui paredes grossas, mas pouca quantidade de amido. Por ser bastante linear e ter alta resistência mecânica é utilizado também na construção. 23


Por fim, o material considerado mais específico do local é o SOLO, retirado do próprio canteiro de obras. Construções com terra são milenares e se desenvolveram em diferentes regiões do mundo, adotando-se diferentes técnicas como, taipa de mão, taipa de pilão, adobe. No entanto, essas técnicas são muito associadas à pobreza e falta de recursos, principalmente pelo seu aspecto “trincada” de poucos cuidados, e acabaram por cair em desuso. As construções em terra apresentam diversos benefícios como: menor poluição e geração de resíduos, por se tratar de um material natural, retirado no local, que não necessita de grandes gastos de energia para ser produzido, transportado e manuseado. Gera cerca de 1 a 5% da energia despendida em uma obra similar de concreto e tijolos cozidos; regula a umidade interna dos ambientes, pois o barro tem maior capacidade de absorver e perder a umidade que demais materiais de construção; conforto térmico, o material atua como uma boa massa térmica, criando um ambiente mais confortável por estabilizar melhor a temperatura interna, sendo uma boa opção em locais com amplitude térmica maior; pode ser demolido e aproveitado diversas vezes; baixo custo e facilidade para autoconstrução, as técnicas de construção com barro são relativamente simples, assim como as ferramentas e materiais necessários; não é um material combustível; preserva a madeira e outros materiais orgânicos. Devido ao baixo teor de umidade, de 0,4 a 6% em peso, e a sua elevada capilaridade, o barro conserva os elementos da madeira, que permanecem em contato com os mesmos mantendo-os secos. Os fungos e os insetos não danificarão essa madeira, já que os insetos precisam de um mínimo de 14% a 18% de umidade para manter a vida, e os fungos mais do que 20% (Möhler 1978, p. 18).

Figura 138. Diferentes camadas de terra aparentes em taipa de pilão. fonte: sirewall.com

Porém as construções com barro também possuem certas desvantagens como: falta de padronização, pois as características do solo variam entre um local e outro. Apesar de simples, é preciso conhecimento para saber a melhor composição, poder avaliar as suas características e alterá-las. No caso do Vale do Ribeira, é um conhecimento que já existe no local, presente na sua arquitetura tradicional; o material deve ser protegido da umidade, utilizando-se de beirais mais largos e selantes naturais; no processo de secagem podem ocorrer fissuras que prejudicam a aparência estética da técnica. Porém podem ser minimizadas com adição de fibras e tornando a camada externa com menor granulometria.

81

Esse trabalho tenta retomar a técnica de taipa de mão presente na região com a racionalização do processo e a utilização de novos materiais.


115 15

20

130 80

115 15

20

120

125

120

360 360

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115 130

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14

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5

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25

25

.7

567

25

54.6

5

ESCALA 1:50 Figura 139. Planta do mรณdulo Figura 140. Corte do mรณdulo Camargo, 2018

120

25241.5

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82

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20

120 120

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355

120

375

120 355

Mรณdulo

115


Figura 142. Detalhe de conexão Camargo, 2018

Figura 143. Detalhe de conexão na fundação Camargo, 2018

O módulo final para a região do Vale do Ribeira, possui estrutura em madeira de eucalipto e vedações externas em painéis pré-fabricados de pau a pique para serem preenchidos com barro na obra. É uma solução que tenta agilizar e aprimorar a estrutura e acabamento estético da técnica tradicional de taipa de mão, além de tentar retomar essa cultura construtiva e os costumes atrelados à ela como o mutirão de barreamento, ou “puchirão” como eles descrevem. A estrutura da cobertura é feita em bambu, material abundante e empregado na construção tradicional, porém não como estrutura. A ideia é transmitir uma nova técnica de construção com um material disponível, barato e de fácil cultivo para uma possível articulação comunitária. A cobertura é feita em sapê, técnica já conhecida nas comunidades locais, mas poderia ser substituída por outros materiais de preferência da família. Os materiais industrializados estão basicamente incorporados na estrutura portante e nos painéis de vedação de pisos e paredes internas, como a madeira de reflorestamento, o aço, o compensado naval e a fibra de coco. Outros elementos como portas e janelas convencionais são previstos para incorporação no dimensionamento das peças. Como solução para uma conexão de estrutura que possa ser expandida sem a necessidade de encaixes de madeira mais complicado, que demandariam cortes mais precisos dificultando sua reprodução numa futura expansão, foi adotada uma peça composta de chapas metálicas. Essa peça, dividida em duas partes, possibilita a expansão horizontal e vertical. Quando essa peça é utilizada na ponta externa dos módulos, uma parte fica saliente como uma espera para futura expansão. Contudo, essa espera é utilizada para fixar outros elementos de ponta, como uma mão francesa que sustenta o beiral alongado. Os pilares e vigas são fixados com parafusos passantes nas peças já furadas, tanto a metálica como as peças de madeira pré-fabricadas. Como solução para adaptação ao terreno e possíveis enchentes, adotou-se uma estrutura elevada, onde o pilar conectado à fundação possa ter altura variável. A estrutura do módulo, com pilar 15x15cm e vigas 15x25cm é pré-dimensionada para suportar até dois andares mais a distância do chão. O alicerce entre a estrutura de madeira e a fundação também é feito por uma peça metálica que é concretada junto à fundação, proporcionando uma distância entre a madeira e o solo evitando possível acúmulo de água.

83

Figura 141. Isométrica do módulo Camargo, 2018


Peรงas 84

Figura 144. Explodida dos componentes do mรณdulo Camargo, 2018


TRANSPORTE CONTAINER 20 Quantos módulos desmontados cabem em um container de 20 pés

Figura 145. Caminhão e módulo Camargo, 2018

3,7x

CONTAINER 20 590x235,2x238,6cm = 33m³

ESTRUTURA DE MADEIRA PEÇAS METÁLICAS PAINÉIS DE PISO ESTRUTURA DE BAMBU PAINÉIS EXTERNOS ROLOS DE VEDAÇÃO DA COBERTURA JANELAS E PORTA

2,24m³ 0,04m³ 0,65m³ 0,81m³ 2,95m³ 2,03m³ 0,24m³

TOTAL

8,96m³ 85

MÓDULO COMPLETO COM PEÇAS DESMONTADAS 8,96m³


ESTRUTURA A estrutura é composta de pilares e vigas de madeira eucalipto conectados por peças metálicas. O pilar de madeira é composto por duas tábuas coladas e fixadas em um pilarete de 10x10cm. Há três tipos de pilares: o pilar que conecta a fundação com o andar da habitação, de comprimento variável; o pilar de ponta, que recebe e conecta-se à empena da cobertura; o pilar central onde é fixado o pendural da cobertura. As vigas são compostas por duas tábuas e duas outras vigotas coladas e fixadas formando uma viga de dimensão 15x25cm para vencer o vão de 3,60m. As vigas para sustentação do piso são mais baixas e dispostas num formato de grelha. Nas vigas são parafusadas as esperar metálicas necessárias para a sustentação de outras vigas. As conexões metálicas são feitas de chapas metálicas de 8mm de espessura. Possuem três tipos, de fundação, de base e de topo. As duas últimas são compostas por três peças, sendo uma central e as outras duas adicionadas apenas se forem necessárias.

86

Figura 146. Isométrica estrutura completa. Figura 147. Componentes da estrutura Camargo, 2018

2x PILAR MEIO

4x PILAR DA FUNDAÇÃO

265x15x15cm

variávelx15x15cm

2x PILAR PONTA

280x15x15cm

8x VIGA 360x15x25cm

6x VIGA DO PISO 117,5x5x18cm

6x VIGA DO PISO 115x5x18cm

4x CONEXÃO DE TOPO

4x CONEXÃO FUNDAÇÃO

4x CONEXÃO MEIO

8x CONEXÃO VIGAS DE PISO

88x PARAFUSO PASSANTE

144x PARAFUSO MADEIRA SEXTAVADO


PAINÉIS DE PISO 3x COMPENSADO NAVAL 240x122x1,5cm

3,2x PLACA ACÚSTICA FIBRA DE COCO 100x100x5cm

O painel de piso é um sanduíche de compensado naval com dimensão de 360x120cm. Dessa forma são necessárias três chapas de compensado naval (144x122x1,5cm) para a confecção de um painel. É estruturado por caibros de madeira pinus de seção 5x5cm e preenchido por placas acústica de fibra de coco (100x100x5cm). O compensado naval pode ser usado como piso cru ou aplicado algum tipo de revestimento sobre ele.

4x ESTRUTURA DE MADEIRA 360x5x5cm

7x ESTRUTURA DE MADEIRA 100x5x5cm

Figura 148. Isométrica destaque piso Figura 149. Componentes do painel de piso Camargo, 2018 120

120

5

53.8

5

55

5

55

5

53.8

5

53.8

5

55

53.8

120

120

120 8

58.8

58.8

60

60

58.8

58.8

360

Figura 150. Planta e corte painel de piso ESCALA 1:25 Camargo, 2018

87

5

120

100

55

120


ESTRUTURA COBERTURA

150cm

33x PARAFUSO FRANCÊS PASSANTE

170cm

225cm

proj

eção

1x PEÇA DE TRAVAMENTO DA TESOURA

370

cm

em a pen cm

568

A estrutura de bambu chega ao canteiro de obras com as peças nas dimensões corretas e pré-montadas. Os bambus são cortados, ou unidos se necessário, nas dimensões corretas e fixados entre si para formar peças que necessitam de maior altura estrutural como, por exemplo, a cumeeira e terças. Além disso, as estruturas que ocupam um plano único, como as tesouras e travamento das mesmas, também são montados antes de chegar à obra. A montagem de tais peças garante maior velocidade na construção, mas não prejudicam muito o espaço de armazenamento no caminhão. O fechamento do oitão da meia tesoura também é feito antes, pois demanda mais cuidado e tempo para corte e fixação dos bambus entre as diagonais e posicionado no eixo da empena. Como a tesoura não possui a linha, pois será fixada na viga de madeira, a vedação do oitão com essa “parede” de bambu auxilia no travamento para garantir o esquadro correto. O travamento das tesouras no sentido contrário também chega pronto na obra, sendo necessário apenas a fixação entre as peças.

380

cm

3x CAIBROS 550x5x10cm

11x RIPAS 510x5x5cm 1x TERÇA

390x10x7,5cm

1x CUMEEIRA 390x15x5cm

4x MÃO FRANCESA BEIRAL 280x5x5cm

2x PEÇA DE MADEIRA 10x8,5x7,5cm

1x MÃO FRANCESA COBERTURA 215x5x15cm

88

Figura 151. Destaque cobertura Figura 152. Componentes da estrutura de cobertura Camargo, 2018

2x MEIA TESOURA COM VEDAÇÃO VERTI-

CAL DE BAMBU


VEDAÇÃO COBERTURA

Figura 153. fonte: acervo próprio

12x ROLOS DE ESTEIRA DE PALHA DE JUNCO 500x70cm Figura 154. fonte: Futon Company

Figura 157. Destaque componenetes da vedação da cobertura Camargo, 2018

2x PLACA POLICARBONATO ALVEOLAR 4mm

2x VEDAÇÃO VERTICAL DO OITÃO EM BAMBU

Figura 155. fonte: Polantis

Figura 156. fonte: Elo7

195x175x0,4cm

170x380x5cm

Como já citado, a vedação vertical do oitão das tesouras é feita anteriormente, auxiliando no travamento e proporcionando melhor acabamento. Este consiste em peças de bambu alinhadas paralelamente que são fixadas na tesoura entre as diagonais. A outra vedação vertical é feita com placas alveolares de policarbonato que são muito mais leves que o vidro convencional e mais fácil de manusear, além de proporcionar iluminação. Este será fixo no caso de uma casa de apenas uma fileira de módulos ou pivotante se for composta por duas fileiras, contribuindo na ventilação e iluminação da casa. A vedação horizontal é feita de duas camadas. Uma de esteira de palha de junco, cultivado e manufaturado na região, e outra de sapê. A esteira de palha auxiliaria na homogeneização da aparência da cobertura, proporcionado um acabamento mais fino além de melhor proteção contra insetos e poeira. Também ajuda na vedação da interface da cobertura com o fechamento vertical, podendo ser dobrada sobre este. As esteiras são transportadas em rolos de 80cm de largura por comprimento variável, dependendo do tamanho da casa. Já são produzidos na região rolos de até 40m que podem ser cortados no tamanho desejado direito no canteiro. Como já visto, o sapê é apenas uma das opções de materiais mais naturais, mas outros tipos de cobertura industrializados, como telhas de fibra vegetal, também podem ser utilizados. O sapê seco e tratado é separado em molhos que são amarrados entre si formando uma esteira que pode ser enrolada para transporte. Também podem ser feitos pentes de sapê onde os molhos são amarrados e transportados nas próprias ripas, como na figura ao lado.

89

12x ROLOS SAPÊ PARA COBERTURA 500x65cm


PAINÉIS PAREDE EXTERNA Os painéis de vedação externa possuem três tipos. Um cego, um para janela e outro para porta. Estes são o esqueleto de uma estrutura a ser preenchida com barro no canteiro de obra. Esses painéis são alocados dependendo da configuração do projeto, podendo formar diferentes tipos de parede. O PAINEL CEGO é formado por uma trama de bambu estruturadas por barrotes de bambu (d~35mm), dispostos a cada 16cm aproximadamente, e taquaras de meia seção de bambu no sentido horizontal pregadas diretamente nos barrotes a cada 15cm. Na visita foi apresentada uma construção de taipa de mão em que os bambus foram pregados entre si com um ótimo resultado, sendo muito mais ágil. Este painel é fixado nos outros por amarração em pregos nas laterais das esquadrias e encaixada no vão entre as vigas de madeira, como na colocação de um vidro numa esquadria fixa. Por esse painel ser feito apenas de bambu, ele confere uma certa versatilidade se houver de ser feita alguma modificação na obra, podendo ser reduzido ou até mesmo aumentado com certa facilidade.

264x PREGOS

8x BARROTE DE BAMBU 246,5cm d=3-4cm

33x TAQUARA DE BAMBU 115cm d=3-4cm feitas com meio bambu

15

15

15

15

15

15

246,5

Figura 159. Isométrica e detalhe painel externo bambu Camargo, 2018

16

90

115

15

Figura 158. Destaque painéis externos Camargo, 2018

3.5

1.5

16

ESCALA 1:25 Figura 160. Planta e corte painel externo cego Camargo, 2018


2x MADEIRA PINUS DE ENCAIXE COM VIGA 120x10x5cm

2x MADEIRA PINUS ESTRUTURA JANELA 120x15x5cm

2x MADEIRA PINUS ESTRUTURA PAINEL 241,5x15x5cm

136x PREGO BAMBU 64x PREGO MADEIRA fixação do painel de bambu e melhor aderência com o barro a ser aplicado 8x BARROTE DE BAMBU 22,5x5x5cm

8x BARROTE DE BAMBU 104x5x5cm

17x TAQUARA DE BAMBU 120x5x5cm

1x JANELA DE ALUMÍNIO SASAZAKI

120x100x7,6cm ou 1x JANELA COM ESQUADRIA DE MADEIRA

120

246.5 5

5

130

18

ESCALA 1:25 Figura 162. Planta e corte painel externo janela Camargo, 2018

O PAINEL DE JANELA é formado com uma armação de madeira para sustentação da janela. São então fixadas as peças de bambu que conformam a trama de sustentação do barro a ser aplicado. A esquadria de madeira é desenhada para deixar a estrutura vertical aparente após o barreamento, relembrando alguns exemplos de taipa de mão estudados na região do Vale do Ribeira. A dimensão do vão da janela é de 1,20x1,00m, tamanho exato de uma janela comum. Portanto, ele pode ser vedado com uma janela de madeira ou alumínio pré-fabricados. O exemplo estudado foi a janela veneziana de correr de três folhas da Sasazaki, um modelo simples padrão. O painel é transportado até a obra com peças de fixação que mantém o esquadro correto. Este também é encaixado entre os vãos das vigas e parafusado na base.

91

16.7

3

16.7

15

16.7 5

2.5

15

104

15

15

5

241.5

100

5

22.5

12,75

5

2.5

Figura 161. Isométrica e detalhe painel externo janela Camargo, 2018


4x TAQUARAS DE BAMBU 80cm d=3-4cm feitas com meio bambu

6x BARROTE DE BAMBU

2x MADEIRA PINUS DE ENCAIXE COM VIGA

22,5cm d=3-4cm

120x10x5cm

1x MADEIRA PINUS MONTANTE 241,5x15x5cm

2x MADEIRA PINUS MONTANTE 244x15x5cm

123x PREGO BAMBU 64x PREGO MADEIRA dispostos a aproximadamente 15cm 33x TAQUARA DE BAMBU 35cm d=3-4cm feitas com meio bambu 3x BARROTE DE BAMBU 241,5cm d=3-4cm

5

16.7 5

35

5

92

130

18

80

15

5

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3

16.7

5 1.5

5

15

15

15

210

249

244

15

5

15

22.5

14

2.5

Figura 163. Isométrica painel externo janela Camargo, 2018

ESCALA 1:25 Figura 164. Planta e corte painel externo porta Camargo, 2018

O PAINEL DE PORTA é projetado para receber uma folha de porta comum de 82cm. É composto por montantes da largura da estrutura principal, para que fiquem aparentes após o processo da taipa. Assim com o painel de janela a trama de bambu é fixada entre os montantes para preencher com barro o restante do painel não ocupado pela porta. O painel é transportado até a obra com peças de fixação que mantém o esquadro correto. Como os demais, também é encaixado entre os vãos das vigas e parafusado na base. Também possui pregos na lateral para proporcionar melhor aderência ao barro e como ponto de ancoragem para fixação do painel cego por amarração.


PAINÉIS PAREDE INTERNA

Figura 166. Isométrica painel interno cego Camargo, 2018

2x MADEIRA PINUS 3x MADEIRA PINUS 230x5x5cm

1x CONDUÍTE d=2,5cm

2,5x PLACA ACÚSTICA FIBRA DE COCO

100x100x5cm

2x COMPENSADO NAVAL

244x122x1,5cm

122.5 2.5

120

5 1.5

5

50

50

5

5 2.5

240

5 5

25

5

2.5

240

7.5

230

O PAINEL SIMPLES foi projetado com um conduíte para passagem de cabos elétricos e a previsão de caixa de luz na linha de passagem vertical e caixa de tomada à 30cm do piso. Suas dimensões foram pensadas para produzir o mínimo de desperdício dos materiais. O compensado naval é utilizado em chapas inteiras e 2,5 placas de fibra de coco (100x100cm), sendo cortadas em quatro pedaços de 100x50cm e dois pedaços de 25x50cm.

120x5x5cm

5

As divisórias internas são feitas com painéis sanduíche pré-fabricados de compensado naval, estruturados por peças de madeira pinus e preenchidos com placas acústicas de fibra de coco. A chapa de compensado naval é resistente, à prova d’água, e como bom acabamento, podendo ser inclusive usada sem revestimento no banheiro e cozinha. A fibra de coco promove uma proteção acústica e térmica, formando um sistema massa-mola-massa em conjunto com o revestimento de compensado naval. Assim como os painéis internos, também possuem três modelos, um simples, um de porta e um com janela.

8

5 2.5

50

5 120

50

5 5 2.5

8

ESCALA 1:25 Figura 167. Planta, corte e elevação painel interno cego Camargo, 2018

93

Figura 165. Isométrica destaque painéis internos Camargo, 2018

7.5 5

5

1.5

2.5


2x MADEIRA PINUS 110x5x5cm

2x MADEIRA PINUS

Figura 168. Isométrica painel interno janela Camargo, 2018

2x MADEIRA PINUS

240x8x5cm

110x8x5cm

0,5x COMPENSADO NAVAL 244x122x1,5cm

2x MADEIRA PINUS 100x5x5cm

1x JANELA

1,125x PLACA ACÚSTICA

110x100x8cm

FIBRA DE COCO 100x100x5cm

ESCALA 1:25 Figura 169. Planta, corte e elevação painel interno janela Camargo, 2018

122.5 5

110

5

50

55

50

100

5

5 105

5

94

8

1.5 5 1.5

5

2.5 5

100

240

100

travamento do esquadros até a instalação de janelas e portas

5

5 5 15

25

5

2.5

O PAINEL DE JANELA foi pensado como uma alternativa de vedação para uma varanda, por exemplo. Ao invés de fazer a parede da área afastada de barro pode-se colocar os painéis internos como alternativa mais prática. Por causa da placa de fibra de coco suas características termo acústicas provavelmente são suficientes para o clima da região. Dependendo do projeto, a janela desse painel pode ser fixa, já que a ventilação pode ser totalmente feita pelas janelas convencionais dos painéis de taipa externos. O PAINEL DE PORTA, na página à seguir, tem esquadria dimensionada e produzida para a colocação de uma folha de porta comum de 82cm, sendo necessário apenas sua fixação no local.


Figura 170. Isométrica painel interno porta Camargo, 2018

2x MADEIRA PINUS 80x5x5cm

0,6x PLACA ACÚSTICA FIBRA DE COCO

ESCALA 1:10 Figura 172. Peça de encaixe entre painéis, planta e detalhes de junção Camargo, 2018 8

9

3

1x MADEIRA PINUS 80x8x5cm e 240x5x5cm 3x MADEIRA PINUS 22,5x5x5cm

15

100x100x5cm

1.5

2x MADEIRA PINUS 240x8x5cm

1x PORTA

0,375x COMPENSADO NAVAL

210x82x3cm

244x122x1,5cm

1.5

120 5

22.5

8

5 2.5

30

ESCALA 1:25 Figura 171. Planta, corte e elevação painel interno porta Camargo, 2018

8

5

8

1.5

82 80

O encaixe entre painéis alinhados é feito com encaixe macho e fêmea criado pelo desalinhamento entre a chapa externa de compensado naval e a estrutura de madeira. Porém, no encontro de dois ou mais painéis perpendiculares entre si, foi projetada uma PEÇA DE ENCAIXE produzida com sobras do próprio compensado naval utilizado na fabricação dos painéis. Esse é formado por 10 pedaços da chapa colados entre si. O acabamento lateral do compensado, formado pelas diversas lâminas de madeira coladas, proporciona uma textura interessante à peça.

95

210 5

25

100

210

240

5

100

5

5 5 15

25

5

80 5

5


Construção

O projeto tenta associar materiais industrializados e um processo de fabricação prévio à construção em canteiro como forma de agilizar e facilitar alguns processos construtivos baseados na arquitetura vrenacular da região. No caso, a técnica da taipa de mão. Como visto na parte anterior, grande parte das peças que compõe o módulo chegam prontas ao canteiro de obras, sendo necessário apenas a junção e fixação destas. Dessa forma, o tempo de construção é reduzido consideravelmente. Porém o intuito não é a construção de algo totalmente pré-fabricado. A intenção é de que esse novo espaço seja também um aprendizado das técnicas construtivas tradicionais, trazendo consigo um pouco do valor daquele local. Desse modo, o processo de manufatura de algumas peças pela comunidade local e no canteiro de obra é um desejo de retomada da relação do homem com a natureza de seu meio. Que este faça parte da construção de seu chão que foi, em parte, erguido pelos conhecimentos e materiais locais.

96

A seguir, são descritos e ilustrados alguns passos para a construção do módulo apresentado.


FUNDAÇÃO O tipo e profundidade da fundação deve ser estudado para cada terreno, dependendo do tipo de solo e estabilidade. Para fins de proposta de projeto adotou-se como princípio dois tipos de fundação. A fundação direta em sapata para terrenos nivelados e de maior resistência do solo. Para terrenos em declive e/ou com baixa resistência na superfície, como solos argilosos, adota-se a fundação em broca, podendo ser feita manualmente com trado ou com máquina. Dependendo do terreno e altura da casa deve-se usar duas a três brocas.

Figura 173. 1ª etapa: fundações e pilares Camargo, 2018

Após a limpeza básica do terreno, faz-se a locação da obra com gabarito de linha ou arame. O local da fundação é escavado, coloca-se a armadura com barras e estribos e concreta-se. Após a concretagem da broca, constrói-se um reforço entre a broca e o pilar, também dotado de armação. É nesse reforço que a peça metálica de espera do pilar deve ser posicionada para ser concretada junto com o reforço de forma a submergir a parte inferior da peça que ficará engastada na fundação. Após a cura da fundação, a primeira parte do pilar deve ser fixado na peça metálica com parafusos passantes. A peça de madeira e metálica são previamente furadas, não sendo necessário perfurar nenhum deles no canteiro de obras.

Fundação concretada in-loco. Para fundação em broca utilizar armadura de 3 barras de 10 mm e estribos de 4,2 mm dobrados em formato circular ou triangular, espaçados a cada 15 cm

Figura 174. 1ºpasso: concretagem da esperametálica na fundação Camargo, 2018

Parafuso passante na parte inferior da peça metálica para impedir movimentação no sentido vertical, garantindo uma fixação adequada ao concreto Pilar composto de madeira 15x15cm A peça metálica garante o afastamento da estrutura de madeira do solo, evitando a umidade do solo e o acúmulo de água que provoca o apodrecimento mais acelerado da madeira, diminuindo sua durabilidade e qualidades físicas. Parafuso passante, arruela e porca

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Figura 175. 2ºpasso: fixação dos primeiros pilares à peça metálica Camargo, 2018


ESTRUTURA PILAR-VIGA Com as fundações e pilares da fundação já instalados, começa a montagem dos pilares e vigas por meio de uma conexão metálica. Esta peça metálica é separa em duas partes. Um núcleo central que recebe o pilar inferior e o superior e um outro que recebe um eixo das vigas. Outras duas peças metálicas são posteriormente fixadas nos pilares de madeira caso sejam necessárias. Dessa forma, se não há no projeto a continuidade da viga no sentido em questão não há a protuberância de uma peça de espera, garantindo uma estrutura limpa e contínua no eixo vertical. No entanto, caso haja uma expansão a peça avulsa pode ser facilmente fixada no pilar. As peças metálicas e as peças estruturais de madeira são perfuradas previamente no seu local de produção, para minimizar danos às peças e agilizar o processo de montagem das mesmas.

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Figura 176. 2ª etapa: conexões pilares e vigas Camargo, 2018

Pilar composto por: duas tábuas 25x15x2650mm e um pilarete 100x100x2650mm colados e parafusados no local de produção

Peça metálica composta por chapas de 8mm de espessura

Viga composta de madeira: duas tábuas 25x250x3600mm e duas vigotas 50x100x3600mm coladas e parafusadas na indústria de produção

Parafuso passante, arruelas e porcas

Figura 177. Detalhe da conexão da estrutura Camargo, 2018


Os pilares devem ser instalados primeiro. A peça metálica é fixada com parafusos passantes no pilar já preso à fundação. Em seguida a continuidade do pilar é fixado da mesma forma na parte superior da peça metálica. A chapa metálica encaixa no espaço criado entre as duas tábuas.

Figura 178. 1° passo: conexão dos pilares Camargo, 2018

Após a montagem dos pilares, vigas compostas são presas nas chapas metálicas ainda expostas por parafusos passantes. As vigas são pré-furadas e as peças de madeira entre as duas tábuas da viga são previamente serradas nas laterais pelo comprimento de 15cm, tamanho do encaixe metálico, para receber a chapa de 8mm.

Figura 179. 2° passo: conexão pilares e vigas Camargo, 2018

Se há a necessidade de estrutura no sentido oposto, perfis metálicos em ‘U’ são fixados no pilar de madeira por parafuso sextavado rosca soberba e em seguida a viga é conectada por parafusos passantes. A viga também deve possuir um rebaixo na madeira para encaixar a cabeça do parafuso sextavado. Isso pode ser feito já nas peças pré-fabricadas, mas em caso de uma expansão posterior pode ser feita no canteiro com uma broca chata.

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Figura 180. 3° passo: conexão peça metálica e vigas perpendiculares. Camargo, 2018


ESTRUTURA VIGAS E PAINÉIS DE PISO Após a elevação da estrutura de madeira principal, vigas secundárias de menor dimensão e estrutura são acopladas. A viga principal possui conexões metálicas já fixadas em espera das vigas menores. Essas devem ser encaixadas e fixadas nessas peças. A estrutura para o piso é projetada num grid de 1,2m, já que o vão interno entre as vigas principais é de 3,60m. Há duas peças diferentes: uma de 117,5cm que serão conectadas em continuidade, formando uma viga única de 3,60m. A segunda tem comprimento de 115cm e é disposta perpendicularmente às outras, garantindo melhor estabilidade ao conjunto. Esse grid é conectado por peças metálicas pré-fabricadas para garantir maior agilidade e fixação mais segura. Os painéis de piso têm dimensão de 3,60x1,2m. Estes são colocados sobre as vigas da estrutura secundária e sobre um perfil metálico fixado na lateral interna da viga principal. O painel de piso é então fixado e calafetado nas suas extremidades. Tendo a maioria das conexões guiadas por peças metálicas, que já estão fixadas em seu local exato, e as peças de estrutura e painel de piso pré-fabricados, isso garante maior velocidade e precisão na construção.

Figura 181. 3ª etapa: colocação do piso Camargo, 2018

A fixação das vigas de madeira nas espera metálicas da viga principal é feita com parafuso sextavado rosca soberba, específico para madeira. Na junção entre as vigas secundárias são utilizados perfis metálicos que unem duas vigas em continuidade e possuem uma espera para a viga perpendicular. Dessa forma, primeiro são montadas as peças de madeira que formam uma viga maior de 3,60m. Depois de unidas elas são fixadas nas esperas metálicas da viga principal já montadas na fábrica.

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Figura 182. Detalhe conexão estrutura e piso Camargo, 2018

Os painéis de piso são colocados sobre as vigas secundárias e no perfil em ‘L’ na lateral da viga principal. Em seguida, um xxxxx é aplicado nos vãos das laterais e entre painéis para garantir melhor vedação.


MONTAGEM ESTRUTURA DA COBERTURA PASSOS As peças de bambu são previamente cortadas e chegam ao canteiro de obra com as dimensões exatas e algumas peças já montadas. Conexões de bambu são versáteis, pois podem ser unidas por cordas, conexões metálicas ou parafusadas e preenchidas com graute. No caso dessa estrutura a maioria das conexões são fixadas por parafusos passantes ou barra roscada e têm suas conexões preenchidas com graute para fixação da conexão e melhor resistência à compressão no sentido perpendicular às fibras. Em primeiro momento a estrutura das tesouras de bambu são montadas no chão. Elas são constituídas de duas partes principais: uma tesoura fixada no pilar, seguindo a linha da viga, e outra estrutura no ponto médio da viga adjacente que recebe outra empena da cobertura, formando uma tesoura no mesmo sentido da primeira. Possui também duas diagonais que se conectam com a tesoura das pontas, travando melhor a estrutura. As tesouras de bambu não são construídas com a viga de linha da tesoura tradicional, pois utilizam a viga de madeira existente como estrutura.

Tendo as tesouras posicionadas, estas são travadas por terças e uma cumeeira, ambas composta de três bambus. Em seguida os caibros, composto de dois bambus, e ripas são fixados na estrutura da cobertura com arame recozido, material maleável e resistente. A maioria das conexões de bambu são feitas a partir de parafusos passantes rosqueados. Depois que fixados o interior dos colmos é preenchido com concreto para uma maior rigidez e maior segurança contra forças de esmagamento nas conexões.

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Figura 183. 4ª etapa: fixação da estrutura de cobertura Camargo, 2018

Depois de montadas as estruturas das tesouras, estas são erguidas e fixadas na estrutura de madeira construída. Os pontos de fixação são no ponto médio da viga central, no caso de dois módulos, ou em uma das extremidades no caso de um módulo; em todos os pilares com dois tipos de fixação diferentes, um no ponto alto da tesoura e outro no ponto baixo. Este último possui uma mão francesa de bambu para auxiliar na estruturação do beiral que avança 125cm. No outro sentido o beiral avança apenas 50cm. Essa mão francesa é composta de dois bambus parafusados na conexão metálica da base do pilar e juntam-se no topo para abraçar a empena da tesoura.


Empena das tesouras Cumeeira composta de três peças de bambu amarrados por cordas Fixação da cumeeira e pendural central por parafuso passante. Após o encaixe é importante preencher o colmo de bambu com graute para garantir o travamento da estrutura e proporcionar resistência à compressão no sentido perpendicular às fibras Junção de duas meia tesouras de cada módulo, conexão através de um separador de bambu e cordas. Uma conexão parafusada também pode ser uma opção. Essa configuração estabelece uma espera para a cumeeira do telhado DETALHE C

Figura 184. Detalhe A Camargo, 2018

DETALHE A

DETALHE B DETALHE D

DETALHE E

102

Figura 185. Cobertura de bambu no caso de união de dois módulos. Camargo, 2018


Empena da tesoura formada por dois bambus amarrados por cordas Duas peças de madeira 25x100x150mm, cortadas de restos de tábua, para calçar os feixes de bambu entre as duas peças sobressalentes do pilar Junção do pilar, calços e da cobertura com parafuso passante, arruela e porca Conexão metálica de topo, interrompimento de parte do eixo vertical permite a passagem da estrutura de bambu do telhado Figura 186. Detalhe B Camargo, 2018

Junção de duas meia tesouras de cada módulo, conexão através de um separador de bambu e cordas. Essa composição deixa um espaço na porção inferior suficiente para encaixar entre as diagonais e os bambus de fixação na viga Diagonais de travamento com outras tesouras Diagonais de conexão com a empena da tesoura Bambu de conexão das diagonais e pendural Figura 187.Detalhe C Camargo, 2018

Bambu de conexão da estrutura de bambu com viga de madeira

Diagonais compostas de dois feixes de bambu e um espaçador. Os dois feixes vão abraçar a empena da tesoura Conexões das diagonais com o pendural central com parafuso passante

Calço de madeira 25x50x250mm para encaixe e fixação da estrutura de bambu e viga de madeira por parafuso passante

103

Figura 188 Detalhe C explodido Camargo, 2018


Corda de junção de dois feixes de bambu para construção da empena da tesoura As ripas são amarradas nos caibros com arame recozido A estrutura da mão francesa abraça a empena da tesoura. Fixação com parafuso passante Ao longo do comprimento do bambu, a cada 60cm, espaçadores de bambu são conectados para garantir a rigidez da estrutura

Figura 189. Detalhe D Camargo, 2018

Fixação dos dois feixes de bambu com chapa metálica e peça de madeira por parafuso passante, arruelas e porcas Conexão metálica, previamente perfurada, de junção de pilares, vigas e mão francesa de bambu Peça de madeira 50x150x150mm para passagem do parafuso

104

Figura 191. Tipos de conexão com bambu fonte: Taller Carlos Leduc Montaño de la Facultad de Arquitectura de la UNAM

Figura 190. Detalhe E Camargo, 2018


VEDAÇÃO HORIZONTAL DA COBERTURA A primeira camada da vedação horizontal é feita com esteira de palha de junco, como as esteiras de praia vendidas comercialmente. Isso garante uma homogeneidade visual na parte interior da cobertura, melhor acabamento e limpeza, atuando como uma camada protetora de possíveis insetos e desprendimentos de partes da cobertura de palha. Além dessas qualidades, a esteira de junco serve como um arremate de vedação entre os fechamentos laterais e a cobertura. A esteira é amarrada com arame nas ripas, garantindo uma conexão que possa ser desfeita caso uma troca seja necessária. A segunda camada pode ser de sapê ou folha de palmeira Juçara, dois materiais muito comuns nessa região do Vale do Ribeira. No caso das folhas de palmeira seu pecíolo pode ser preservado e as folhas trançadas. A folha pode ser colocada inteira sobre a esteira de bambu e amarrada nos caibros. Dependendo do espaçamento entre caibros, o próprio pecíolo da folha de palmeira atua como ripa. A opção com o sapê pode ser manufaturada, assim como a esteira de junco, produzindo uma manta de palha de sapê que pode ser enrolada e transportada. No canteiro de obra elas são apenas desenroladas na estrutura do telhado e fixadas por amarração. Esse primeiro processo permite um ganho de tempo na vedação do telhado muito grande.

Esteira de sapê amarrada nas ripas com arame

Como já discutido anteriormente, a escolha por esses materiais naturais presentes no local é uma tentativa de articulação da comunidade na apropriação de uma nova fonte de renda e uma reaproximação com o processo construtivo manual de seu meio.

Esteira de junco arrematando na tábua de vedação vertical

ESCALA 1:10 Figura 193. Detalhe de interface entre estrutura e cobertura Camargo, 2018

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Figura 192. 5ª etapa: colocação da vedação de cobertura Camargo, 2018

Apesar da cobertura de fibras vegetais possuir uma durabilidade menor do que outros materiais, a aplicação de resinas no processo de manufatura pode elevar significativamente.


VEDAÇÃO VERTICAL DA COBERTURA Antes da colocação da cobertura de esteira de bambu e palha deve-se vedar os vãos verticais entre as vigas e a futura cobertura de palha. Para o fechamento do oitão é feito uma parede de bambu de colmos inteiros adjacentes. Eles são postos entre as diagonais da tesoura principal, no eixo das empenas. A vedação das frestas, se necessário, pode ser feita com silicone. Como já visto, essa tesoura chega à obra com a parede de bambu já fixada, atuando como travamento da tesoura. Dessa forma a vedação do oitão é instalada quando a tesoura é fixada.

Pedaços de ripa de madeira fazem a vedação das bordas do painel pivotante do lado interno e externo, evitando a entrada de água e auxiliando na trava do painel pivotante Tábua de madeira pregada numa ripa de bambu e na esquadria de bambu. Prende o painel de policarbonato fixo e, no caso do pivotante, atua como anteparo Esteira de junco arrematando na tábua de vedação vertical

Como frechal do telhado é utilizado uma tábua para a vedação ao longo da viga onde se apoia o beiral. A peça é pregada à viga com auxílio de pequenas peças de madeira. Quando há apenas um módulo o fechamento ao lado do pendural da meia tesoura é feito com três placas de policarbonato alveolar de dimensões 6x1650x1250mm. Uma opção mais barata seria a utilização de telhas de polipropileno ondulado translúcido 1,1x1100x1830mm, cortando um ao meio e associando à uma placa inteira para atingir a altura de 1,65m necessária. No caso de dois módulos, o pendural das duas meia-tesouras são conectados por um espaçador de bambu e cordas ou abraçadeiras metálicas. Uma das empenas é ampliada 1,75m para que sejam adicionadas janelas distantes 1,25m ao lado do eixo central entre módulos, respeitando a modulação prevista e localizando-se acima do corredor de acesso à outros módulos. Um módulo corresponde a três janelas de 1,25m cada, sendo uma delas pivotante para ventilação. Dessa forma, as janelas iluminam o corredor previsto em projeto e garantem uma melhor ventilação. As janelas são feitas de bambu, painel de policarbonato alveolar e pedaços de ripa e tábua de madeira para fixação e vedação. A janela pivotante possui um bambu no eixo de seu primeiro terço que atua como pivô.

Painel de policarbonato alveolar 4mm Corda presa na parte superior do painel pivotante, utilizada como puxador para abrir a janela Bambu atuando como pivô. Um pino de madeira é preso à estrutura portante da janela e o bambu é encaixado nele, possibilitando seu giro

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Figura 194. Detalhe janela da cobertura. Escala 1:20 Camargo, 2018 Figura 195. Desenho, detalhe de um encaixe com bambu que permite sua rotação fonte: Nendo, escritório de design


Cobertura de sapê

Vedação do oitão com bambu, já incorporado na fabricação da tesoura da cobertura

Esteira de palha de junco

Chapas de policarbonato alveolar 4mm

Figura 196. 6ª etapa: fixação da vedação vertical da cobertura Camargo, 2018

Figura 197. 6ª etapa: fixação da vedação vertical de cobertura no caso da união de dois módulos Camargo, 2018

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Compensado naval para vedação e auxiliar fixação do policarbonato


FIXAÇÃO PAINÉIS EXTERNOS DE TAIPA DE MÃO Os painéis modulares de taipa são dispostos apenas no limite do módulo, pois estes são encaixados entre os vãos das vigas compostas. O vão da viga tem dimensão de 5cm de altura e 10cm de largura. As peças de madeira do topo e da base do painel são encaixadas entre o vão, estas com 2,5cm salientes. Dessa forma há espaço para encaixar a peça no topo e “subir” 5cm, dando espaço para a parte de baixo passar e encaixar no vão inferior descendo 2,5cm. Na parte de baixo do painel, um calço de 2,5cm é colocado para que o painel seja posicionado exatamente no meio entre as vigas. Em seguida a madeira da parte inferior do painel é pregada, unindo o painel o calço e a viga. A parte superior do painel está estabilizada nos 2,5cm que adentram o vão da viga. No caso dos painéis cegos, feitos apenas de bambu, o encaixe entre as vigas é feito da mesma forma, mas estes são fixados na lateral, junto à esquadria do painel da janela ou porta, por amarração que une o barrote perimetral do painel com pregos fixados nas esquadrias de madeira, vide figura 198. Esses pregos também atuam para melhor fixar o barro na superfície lisa da madeira, aumentando sua aderência.

108

Figura 199. 7ª etapa: fechamento externo, colocação dos painéis modulares de taipa. Camargo, 2018

Os pregos aumentam a aderência do barro à madeira, criando pequenos pontos de ancoragem Amarração entre o barrote do painel de taipa cego e os pregos fixados na esquadria dos painéis de janela ou porta

Figura 198. Detalhe de amarração entre o painel de bambu e o painel de janela ou porta Camargo, 2018


BARREAMENTO DOS PAINÉIS EXTERNOS Na tradição construtiva local, o barreamento era um acontecimento na comunidade. Após a família erguer a estrutura da casa, outras famílias se juntavam e ajudavam a barrear a construção. Ao final do dia, os habitantes daquela casa preparavam uma festa para toda a comunidade como forma de agradecimento à ajuda prestada. Esse ato fortalecia os laços entre as pessoas e o sentimento de pertencimento à uma comunidade. O intuito de retomar esse processo construtivo, além de ressignificar e desenvolver suas qualidades técnicas, é recuperar essa prática social e cultural local. Além disso, a participação do homem no processo construtivo de sua própria casa é uma relação importante neste projeto. O barreamento é o processo que demanda mais tempo e trabalho, pois o barro deve ser testado, preparado no local e aplicado em diversas camadas. O conhecimento dos mais velhos sobre as quantidades ideais para a mistura, assim como o conhecimento empírico das qualidades do solo e seu aspecto ideal para o barreamento, é uma transferência de cultura construtiva necessária e vital para este projeto.

SOLO

BARRO PARA TAIPA FIBRAS

AREIA

ÁGUA Figura 200. 8ª etapa: prepardo do barro componentes da mistura Camargo, 2018

O processo descrito a seguir é um desenvolvimento da técnica tradicional conhecida na região, porém com modificações para melhorar o acabamento e a durabilidade

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Figura 201. 9ª etapa: barreamento Camargo, 2018


Após a aplicação de uma das camadas de barro, deve-se esperar a secagem para a aplicação da próxima. As camadas devem ser as seguintes25:

1ª CAMADA

Segundo Setembrino, o barro produzido para a taipa-de-mão no quilombo era apenas a terra local molhada. Não há nenhum tipo de mistura ao barro, provavelmente por a terra já ter a característica argilosa ideal. Dependendo da qualidade do solo uma porção de areia, ou de terra mais arenosa, deve ser adicionada para atingir a textura e trabalhabilidade ideal. Para testar a qualidade do solo pode-se empregar diversos tipos de teste como a preparação de tiras ou discos de barro, de forma a avaliar sua mecânica antes e após a secagem. Um método simples é recolher amostras de quatro locais diferente no terreno. Adiciona-se um pouco de água para que possa ser possível formar bolas de barro. Tais amostras devem secar naturalmente e, ao final do processo, a bola que estiver menor trincada é a mais ideal para ser utilizada na taipa. Solos arenosos, que esfarelam após a secagem, não podem ser utilizados para o processo de taipa. Depois de escolhido o melhor solo, retira-se uma boa quantidade desse e transporta-se para perto da construção. Como regra geral, a parte de cima 6.5 do local onde será retirado o barro deve ser descartado por conter muita matéria orgânica, aproximadamente 40cm.

6.5

2ª CAMADA

2.8

2.8

Após escolhido o barro, além de adicionar água e areia, se necessário, para minimizar o aparecimento de trincas no processo de secagem, pedaços de fibras de palha devem ser acrescentados à mistura. A palha de sapê, Imperata brasiliensis, é uma opção local para as fibras. Segundo a técnica de taipa japonesa a quantidade de palha na mistura deve ser cerca de 20 kg por m3 de terra. A mistura, originalmente, era pisoteada. Porém, se houver condições, essa mistura pode ser feita com auxílio de máquinas. o barro, dois taipeiros se colo6.5 Depois de preparado2.8 2.8

110

cam em lados opostos do painel e prensam as porções de barro ao mesmo tempo. O processo pode ser feito apenas por uma pessoa, empurrando a terra de um lado de cada vez, mas o preenchimento do vão é menos eficiente, tornando a aderência do barro menor. Na cultura construtiva, cantigas de moita eram utilizadas para sincronizar os arremessos de ambos os taipeiros.

Para o preparo da primeira camada de barro é adicionado fibras com comprimento aproximado de 5cm. A terra também pode ser mais grossa, formando uma mistura mais rústica. O barro deve preencher todos os espaços entre os barrotes e taquaras, garantindo uma boa pressão entre as porções de barro. Essa camada não deve cobrir totalmente as as taquaras. O processo pode 2.8ser feito com menos 2.8 cuidado, sendo uma porção base que receberá outras duas camadas. Feito isso, deve-se aguardar a secagem, cerca de uma semana, ao final desta devem aparecer as trincas.

Na segunda camada de barro as fibras a serem adicionadas devem ser trituradas, proporcionando um acabamento mais fino e coeso. Deve-se preencher todas as trincas e cobrir completamente as taquaras de bambu. 1.5 1.5 e, depois, passar A camada deve ser alisada pelo processo de secagem natural.

3ª CAMADA

1.5

1.5

A última camada será a de acabamento. Pode ser feita de maneira tradicional, com terra mais fina, misturada à cinzas, como comentado por Setembrino. Ou pode-se fazer uma argamassa fina, utilizando cimento ou cal, areia e saibro na composição, com traço 1:3:5. O cimento e o cal atuam como estabilizador do barro, tornando-o mais resistente às intemperes. Após aplicado a argamassa sobre o barro, a camada é nivelada com régua de pedreiro, deixando os montantes do painel de janela ou porta aparentes. 1

da taipa, características muito criticadas. O estudo da taipa japonesa, o tsuchikabe 24, guiou certas modificações para uma melhor qualidade técnica e estética do produto final. Além disso, a taipa japonesa foi muito utilizada na construção das casas dos imigrantes japoneses que se estabeleceram na região do Vale do Ribeira, possuindo vários exemplos nesta região.

ESCALA 1:10 Figura 202. Cortes esquemáticos das camadas de barro Camargo, 2018


24. Dados sobre essa técnica em: HIJIOKA, A.; JOAQUIM, B.; INO, A. Aprendendo com os mestres japoneses o tsuchikabe: técnica de taipa japonesa no brasil. 2015. Foi um workshop ministrado na USP São Carlos, onde um mestre taipeira japonês ensinou a técnica de taipa japonesa.

111

25. As instruções sobre o processo do barreamento a seguir são uma mescla da técnica de taipa tradicional com a técnica de taipa japonesa. Essa última conhecida pelo seu ótimo acabamento e durabilidade. As referências utilizadas foram: HIJIOKA, A.; JOAQUIM, B.; INO, A. 2015. CEDATE, 1985


sugerida

Implantação

Área de inundação de 1997 Área de implantação Vila do Quilombo Ivaporunduva

112

ROD OVI A

A implantação foi escolhida por estar fora de área de inundação, com ao menos 15m acima da cota atingida pela grande inundação de 1997. Encontra-se ao lado da estrada que dá acesso da rodovia SP-165 ao Quilombo Ivaporunduva, não possuindo dificuldade para a chegada do caminhão com as peças dos módulos. Dispõe de uma vista muito bonita do Rio Ribeira e da Vila de Ivaporunduva. Localiza-se perto de plantações de bananeira à margem direita do Rio Ribeira, podendo ser um ponto interessante para uma capova, casa que se encontra perto da área de trabalho, ao mesmo tempo que possui fácil acesso à Vila e próximo ao ponto de escoamento da produção.

SP165

Figura 203. Mapa do entorno do Quilombo Ivaporunduva Camargo, 2018 I Google Earth


VILA QUILOMBO IVAPORUNDUVA

RIO

113

IRA

RIBE


VERÃO - quente e úmido - temp média 24°C (fev) - umidade média ~84% INVERNO - frio e úmido - temp média 14°C (jun) - umidade média - 82% VENTO PREDOMINATE - sudeste PLUVIOSIDADE - anual 1650-1900mm - período chuvoso jan-mar Figura 204. Diagrama ventilação, iluminação e inundação Camargo, 2018

ÁREA DE INUNDAÇÃO - maior inundação recente registrada em 1997 quando atingiu 12m acima do nível do rio. VEGETAÇÃO PREDOMINANTE - Mata Atlântica da Serra do Mar

INVERNO

VERÃO

Figura 205. Diagrama incidência solar no inverno e verão Camargo, 2018

Fachadas de frente e fundo

Varandas na frente e fundo da casa

Incidência do sol, quartos e área molhada indicados

114

Figura 206. Diagrama implantação dada orientação solar e regime de ventos Camargo, 2018

Figura 207. Diagramas de organização da habitação Camargo, 2018


VILA QUILOMBO IVAPORUNDUVA

RO DO VIA

SP -16

5

RA

I RIBE RIO

Na figura 206, está posta uma orientação ideal para garantir insolação em duas fachadas, mesmo no inverno. Dessa forma é possível distribuir quartos em até quatro cômodos com incidência solar, nos módulos indicados.

N

Figura 208. Implantação esquemática, sem escala Camargo, 2018 I Google Earth

O vento predominante do Sudeste também orienta a saída superior de ar para o lado oposto, indicado no corte da figura 204, garantindo a eficiência da ventilação interna, imprescindível por causa da alta umidade, e garantir maior proteção contra chuva dessa janela. A saída de ar também possui transparência para possibilitar entrada de luz direta. No caso de dois módulos, essa abertura ilumina e ventila o corredor dos quartos. Os beirais do telhado devem ser dimensionados para minimizar entrada de luz direta no verão e garantir essa entrada no inverno, como apontado na figura 205. Esse beiral também deve ser largo para proteger a parede de barro da chuva. Além da orientação, apesar de estar 15m acima da linha de inundação, uma distância é recomendável. Na visita notou-se uma faixa de respingamento de aproximadamente 60cm, que em sua maioria será resolvida pela extensão do beiral, mas o piso elevado ajuda. Também pelo terreno no vale ter grande declividade é interessante uma fundação ser ajustável ao terreno sem a necessidade de grandes movimentações de terra. 26

26. Infelimente, o único dado encontrado da topografia da região foram de curvas de nível a cada 20m, as existentes na figura 203. Por esse motivo não foi feita uma implantação mais específica do módulo, apenas boas práticas de implantação e organização do projeto.

115

Segundo a orientação ideal prevista e a acessibilidade do terreno escolhido, a frente e o fundo encontram-se nas fachadas de menor dimensão. Varandas na entrada e nos fundos, com vista para o rio Ribeira e a Vila podem ser previstas. Dessa forma, pela implantação, uma boa configuração de casa teria os quartos nas fachadas nordeste e noroeste; salas na entrada voltada à sudoeste com incidência solar na fachada à noroeste, cozinha, banheiro e área de serviço à sudeste. Como desenhado na figura 207.


Uma Casa Uma casa é uma das soluções possíveis perante a implantação escolhida e as possibilidades de arranjo do módulo projetado. Segundo os dados coletados pelo CDHU em sua conversa com as comunidades da região, chegou-se numa unidade habitacional de três quartos. Portanto, essa foi a quantidade adotada como princípio. Dada as circunstâncias de implantação discutidas anteriormente, a organização dos espaços tem frente voltada para a rodovia de acesso, quartos nas fachadas com maior incidência solar e abertura das janelas da cobertura a favor do sol e contra o sentido predominante do vento. A altura da cobertura foi dimensionada para possibilitar a colocação de uma caixa d’água acima do núcleo do banheiro. Varandas são posicionadas da seguinte maneira: na entrada da casa, voltada para a estrada, proporcionando um ponto de descanso de onde pode-se observar o movimento da estrada; no fundo, local mais intimista com uma vista privilegiada do rio Ribeira e da Vila de Ivaporunduva; na área molhada, criando uma pequena área aberta para a área de serviço, protegida amplamente pelo telhado e beiral, onde pode-se pendurar um varal. Essa área de lavanderia pode ter a colocação dos painéis modulares de taipa, porém sem o barreamento, criando uma área protegida de acessos indesejáveis e uma proteção visual que não compromete a ventilação. Dessa forma a porta da área de serviço pode ser deixada aberta para ventilação e iluminação da cozinha. No entanto, no inverno, com a porta fechada a iluminação é feita pelas janelas na cobertura. A opção por uma área de estar espaçosa, que pode ter dimensões totais de 3,60x7,20m, garante uma boa área de convívio para os seis possíveis habitantes da casa e a absorção de novos integrantes, caso haja uma expansão do número de quartos. Apesar da área de circulação interna ser grande, como demonstrado na Figura 210, a adição de cômodos é feita na fachada de fundo e acessada por esse corredor que separa a entrada dos quartos da sala. A iluminação e ventilação da circulação é feita pelas janelas fixas e pivotantes da cobertura.

116

Se a expansão de um módulo inteiro não for necessária, o aumento de área interna pode ser feito pela expansão dos cômodos onde se encontram as varandas, delimitadas pelos painéis internos pré-fabricados. Dessa forma, o aumento dos cômodos é facilmente introduzido pela desmontagem dos painéis e colocação dos mesmos, ou nova vedação, no eixo da estrutura.

varanda como possível expansão núcleo área molhada dormitórios expansão dos módulos Figura 209. Diagrama de montagem dos módulos e possibilidade de expansão futura Camargo, 2018 varanda da frente

varanda da área de serviço

varanda do fundo Figura 210. Diagrama organização das varandas, área molhada e circulação Camargo, 2018

Figura 211. Diagrama ventilação, iluminação e inundação Camargo, 2018

Figura 212. Diagrama incidência solar no inverno e verão Camargo, 2018


Figura 213. Planta da habitação Camargo, 2018

117

ESCALA 1:50


PALHA 80mm ESTEIRA DE PALHA DE JUNCO 8

RIPAS DE BAMBU d=50mm

5 17.5

10

TESOURA BAMBU d=50mm

10

2.5

EXTENSÃO DE PARTE DO PILAR PARA FIXAÇÃO DA TESOURA NA ESTRUTURA

25

VIGA COMPOSTA MADEIRA 15x15cm PARAFUSO PASSANTE

7.5

15

10

7.5

2.5

TÁBUA PARA VEDAÇÃO

1

ENCAIXE PAINEL DE TAIPA NA VIGA TRAMA DE BAMBU-PAINEL DE TAIPA

15

CAMADA DE BARRO

ESPERA DA CONEXÃO METÁLICA PARA FUTURA EXPANSÃO

ESCALA 1:10 Figura 214. Detalhe A Camargo, 2018

JUNTA DE DILATAÇÃO ENTRE BARRO E MADEIRA CAMADA DE BARRO TRAMA DE BAMBU DO PAINEL DE MADEIRA RODAPÉ ESTRUTURA PAINEL DE TAIPA TIPO JANELA COMPENSADO NAVAL 15mm 1.5

PLACA ACÚSTICA DE FIBRA DE COCO 50mm

18.5

26.5

1 10

25

15

2.5 5

5

15

PARAFUSO MADEIRA DE FIXAÇÃO CALÇO DE MADEIRA PARA FIXAÇÃO DO PAINEL DE TAIPA PERFIL L DE FIXAÇÃO DO PAINEL DE PISO VIGA COMPOSTA MADEIRA ESPERA METÁLICA PARA VIGA DE SUSTENTAÇÃO DO PISO VIGA DE MADEIRA

15

2.5

10

2.5 7.5

FIXAÇÃO DE BAMBU NA PEÇA METÁLICA COM PARAFUSO PASSANTE E PEÇA DE MADEIRA PILAR CONECTADO À FUNDAÇÃO

ESCALA 1:10 Figura 215. Detalhe B Camargo, 2018

118

ESCALA 1:50 Figura 216. Corte transversal Camargo, 2018


119

105

25

18.5

8

220

240

150

DETALHE A

DETALHE B


10

2.5

10

17.5

PILAR DE MADEIRA 15x15cm CONEXÃO DE CHAPAS METÁLICAS 8mm

30

5

.8

PARAFUSO PASSANTE

FUNDAÇÃO CONCRETADA IN LOCO EXTENSÃO DA CHAPA METÁLICA CONCRETADA JUNTO COM FUNDAÇÃO PARAFUSO PASSANTE PARA FIXAÇÃO NA FUNDAÇÃO

BROCA DE FUNDAÇÃO

105.5

25

241.5

25

238.5

ESCALA 1:10 Figura 217. Detalhe C Camargo, 2018

DETALHE C

120

ESCALA 1:50 Figura 218. Corte longitudinal Camargo, 2018


121

240

25

135

187,5

375


122

ESCALA 1:50 Figura 219. Elevação A Camargo, 2018


123


Conclusão 124

ESCALA 1:50 Figura 220. Elevação B Camargo, 2018

O projeto é uma tentativa de resposta à inadequação e homogeneização das novas casas populares, sendo adaptável às diferentes particularidades. Também tem como objetivo gerar um impacto socioambiental positivo. Possuiu o enfoque em locais onde a população está mais atada às condições de seu próprio meio, geralmente meios rurais, e trabalha com o pressuposto de subsídio para fabricação e transporte do módulo brasileiro por órgãos governamentais e/ou ONGs. O “esqueleto” pré-fabricado oferece uma base para uma diversidade de soluções e experimentações que são próprias da arquitetura popular brasileira, sendo uma tentativa de resgatar a criatividade e diversidade da arquitetura vernacular nacional.


125


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Figura 28. Mapa elaboração própria. Fonte: Mapa Físico do Brasil, IBGE. Figura 29. Gráfico elaboração própria. Fonte: IBGE, censo 2010. Figura 30. Fonte: Ipea, Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros, 2015.. Figura 31. Foto de: Marcelo Martins. Retirado de: http://fotografomarcelomartins.blogspot.com/2012/06/blumenau-vila-itoupava.html Figura 32. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p.55. Figura 33. Foto de: Humberto Medeiros. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 28. Figura 34. Acervo próprio. Figura 35. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 106. Figura 36. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 96. Figura 37. Mapa elaboração própria. Figura 38. Foto de: Lalo de Almeida, Folhapress. Retirado de: https://www1. folha.uol.com.br/poder/2016/09/1810078-bolsa-familia-altera-rotina-de-indigenas-na-regiao-do-xingu.shtml Figura 39. Retirado de: http://fazendaserrinha.com.br/estrutura/oca-xinguana/ Figura 40. Retirado de: http://arquitetofala.blogspot.com/2011/12/arquitetura-indigena-no-brasil.html Figura 41. WEIMER, G. Arquitetura popular brasileira, 2005, p. 47. Figura 42. Retirado de: http://arquitetofala.blogspot.com/2011/12/arquitetura-indigena-no-brasil.html Figura 43. WEIMER, G. Arquitetura popular brasileira, 2005, p. 233. Figura 44 Desenho elaboração própria. Figura 45. Retirado de: http://pagina10.com/web/mision-de-verificacion-a-la-comunidad-indigena-awa/ Figura 46. WEIMER, G. Arquitetura popular brasileira, 2005, p. 60. Figura 47. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 107. Figura 48. Foto de: Palê Zupanni. Retirado de: https://fotonatural.photoshelter.com/image/I00005KJ1vr4vS6w Figura 49. Retirado de: http://ciclismobelem.blogspot.com/2015/09/como-fazer-uma-cabana-de-bambu.html Figura 50. Foto de: Moointer Retirado de: Dreamstime.com Figura 51. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 105. Figura 52. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 107. Figura 53. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 108. Figura 54. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 109. Figura 55. Mapa elaboração própria. Figura 56. BARRETO, D. I. et al. A arquitetura popular do Brasil, 2010, p. 15. Figura 57. Retirado de: https://lecomptoirdetitam.wordpress. com/2014/11/06/le-village-lacustre-de-ganvie/ Figura 58. Acervo próprio. Figuras 59-61. Desenho elaboração própria. Figura 62. Fonte: Google Earth Figuras 63-72. Acervo próprio.


131

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