Razão Poética: a Terma de Vals

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a Terma de Vals

Razão Poética

M.FAUP 2021

Júlia Oguiura Camargo



Razão Poética a Terma de Vals

Júlia Oguiura Camargo FAUP Nº estudante: 201902193

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura 2020-2021 apresentada à Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto sob orientação do docente Marco Ginoulhiac Porto, Dezembro de 2021


Nota à presente edição: O texto presente nesta dissertação foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico, porém, poderão existir exceções, como no caso de transcrições, onde se opta por manter a grafia original. Todas as citações presentes aparecem em itálico e destacadas do corpo de texto e em sua língua e grafia original. Algumas das imagens apresentadas podem ter sofrido alterações de tom e enquadramento relativamente às originais. As fotografias produzidas pela autora são referenciadas segundo o código JC0220 (Julia Camargo, mês, ano).


Indagações sobre atmosfera.



Agradeço Ao docente orientador, professor Marco Ginoulhiac, pelo apoio e acompanhamento à distância nesses meses caóticos de pandemia, mudança de países, desafios e autoconhecimento. Aos funcionários do 7132 Hotel, que possibilitaram minha visita fotográfica à Terma de Vals e a grande maravilha que foi essa experiência. Aos meus pais, pelo apoio incondicional à todas as minhas decisões, que me levaram a novos continentes e desafios. E por me ajudarem imensamente quando esses desafios pareciam grandes demais. Aos meus avós, da terra e do céu, a quem amarei sempre. Aos amigos da terra natal, que apesar da grande distância e saudades me trazem imensa alegria e boas risadas. Aos amigos do Porto, que tive o convívio abreviado, mas que guardo no peito com muito carinho. Aos velhos e novos amigos da Holanda, que aquecem meus dias e fazem o clima ser muito mais que suportável. À todas as pessoas que me ajudam e apoiam na minha aventura andarilha.


Resumo Arquitetura é uma arte espacial e temporal, no sentido que as qualidades espaciais são experienciadas por um sujeito num decorrer de tempo. A percepção espacial exige o engajamento do corpo e todo seu potencial sensorial atrelado à subjetividade. A síntese dessas qualidades pode ser interpretada como uma “atmosfera”, o intermédio entre o espaço e a compreensão desse. Colocando-se a atmosfera como essência da qualidade arquitetônica, o objetivo dessa dissertação é perceber como pode-se pensar e projetar o espaço construído a partir dela. Peter Zumthor é um dos arquitetos contemporâneos que declaradamente põe essa temática em prática, publicando o livro ‘Atmospheres’ em que propõe nove princípios de elaboração de uma atmosfera arquitetônica. Para analisar sua metodologia de projeto, utilizou-se a Terma de Vals como obra-chave, por seu êxito atmosférico. A metodologia da dissertação possui cunho teórico investigativo, no qual a partir da análise do tema e da obra põe em questão os nove pontos de Zumthor mencionados, adicionando um viés pessoal e subjetivo próprio do conceito de atmosfera. A pesquisa é dividida em quatro tempos: pensar, concretar, experienciar e desenredar. O primeiro aborda a teoria envolvendo a percepção do espaço e uma breve introdução a arquitetura sensorial. No segundo, o ponto de partida é a Terma de Vals, contemplando as ramificações necessárias para seu entendimento e adentrando a metodologia de pensamento de Peter Zumthor. O terceiro é uma descrição pessoal da visita realizada ao edifício. O último procura relacionar o experienciado com as intenções e artifícios de projeto, utilizando os nove princípios de Zumthor como estrutura. Tenta-se desvendar o certo obscurantismo que paira sobre o tema da atmosfera numa busca mais palpável e relacionável à possíveis ferramentas de projeto. A presente dissertação pretende contribuir para o estudo da prática da arquitetura, evidenciando a importância de um olhar sensível a qualidades da arquitetura pouco abordadas.

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Abstract Architecture is a spatial, temporal, and sensorial art in the sense that spatial qualities are experienced by an individual over time. Spatial perception requires the engagement of the body and all its sensorial potential linked to subjectivity. The synthesis of these qualities can be interpreted as an “atmosphere”, the intermediary between space and its comprehension. Placing the atmosphere as the essence of architectural quality, this dissertation aims to understand how to think and design the space built from the atmosphere. Peter Zumthor is one of the contemporary architects who overtly puts this theme into practice. In the book “Atmospheres”, he proposes nine principles for the elaboration of an architectural atmosphere. Due to its atmospheric success, Therme Vals was used as a key oeuvre to analyze his design methodology. The dissertation methodology has an investigative theoretical nature, based on the analysis of the theme and the oeuvre, to question the nine points mentioned by Zumthor, adding a personal and subjective bias characteristic of the concept of atmosphere. The research is divided into four stages: think, materialize, experience, and unravel. The first addresses the theory involving the perception of space and a brief introduction to sensory architecture. In the second, the starting point is the Therme Vals, contemplating the necessary ramifications for its understanding and exploring Peter Zumthor’s methodology. The third is a personal description of the visit to the building. The latter seeks to relate the personal experience with the design intentions and artifices, using Zumthor’s nine principles as a framework. An attempt is made to unveil the obscurantism that hovers over the atmosphere theme in a more palpable search related to possible design tools. This dissertation intends to contribute to the study of the practice of architecture, highlighting the importance of a sensitive view of architectural qualities that have been little discussed.

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Sumário


Agradecimentos Resumo / Abstract

Introdução Objeto, Objetivo e Metodologia

I.

Pensar Atmosferas Introdução 1.2 Percepção 1.1

5 6 10 14 16 18 22

Intuição Desfoque Sinestesia Tempo Imaginação 1.3

Composição

4.3

Qualidade da matéria

144

4.3.1 A consonância dos materiais

144

4.3.2 A temperatura do espaço

152

4.3.3 O som do espaço

158

4.3.4 As coisas que me rodeiam

164

4.3.5 A luz sobre as coisas

168

4.4 Notas finais

Referências bibliográficas Referências imagens

176

178 181

28

Elementos Atmosfera social Arquitetura sensorial 1.4

II.

O sensorial na arquitetura

Concretar Atmosferas Terma de Vals 2.2 Vila 2.3 Água 2.4 Montanha 2.1

36

40 42 44 52 62

Desacelerar Confiar Imaginar Enterrar Escavar Aflorar Averiguar 2.5 Pedra

80

Ancorar Compaixão

III.

Experienciar Atmosferas 3.1

IV.

Visita a Vals

Desenredar Atmosferas Os nove pontos 4.2 Composição da matéria 4.1

90 92

110 112 114

4.2.1 O corpo da arquitetura

116

4.2.2 Degraus da intimidade

124

4.2.3 A tensão entre o interior e o exterior 130 4.2.4 Entre a serenidade e a sedução

136

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Introdução Como fechamento de um ciclo acadêmico diversificado, quis retomar uma temática primária, porém complexa. O que faz uma grande obra de arquitetura? Pelo trajeto acadêmico pode-se citar as temáticas de forma e função, proporção, perspectiva, escala, luz e sombra etc. Como trajeto pessoal, a experiência corpórea desse conjunto citado anteriormente, unido a memórias e qualidades pessoais. Durante a investigação uma temática surge como um interlocutor entre essas duas esferas: a atmosfera. Um conceito que engloba o espaço físico e o espaço imaginário que habitamos mutuamente. A experiência atmosférica é uma experiência corpórea e, consequentemente, sensorial. Porém, segundo Pallasmaa, houve o predomínio da visão sobre os demais sentidos, no qual edifícios e planejamento urbano “se tornaram produtos visuais desconectados da profundidade existencial e da sinceridade.”01 Isso é escancarado no mundo midiático atual, onde o encantamento vem, principalmente, de uma explosão imagética que deve ser rapidamente assimilada. Porém, o predomínio da visão não é algo atual. Pallasmaa cita Walter J. Ong02 ao pontuar a passagem do discurso oral ao escrito como o começo do domínio da visão sobre o mundo do pensamento. Desde então, o principal modo de expressão e representação está inserido no espaço visual, tanto de divulgação em massa quanto de credibilidade factual. Outro fator redutor do sensorial e emocional, além da dificuldade de qualificar e quantificar esse tipo de estudo e teoria, é o grande valor científico e acadêmico no pensamento lógico, que não confere tanta relevância ao inconsciente, mesmo um século após as descobertas de Sigmund Freud.03 “We have traditionally underestimated the roles and cognitive capacities of emotions in comparison with our conceptual, intellectual, and verbal understanding. Yet emotional reactions are often the most comprehensive and synthetic judgements that we can produce, although we are hardly able to identify the constituents of these assessments. When we fear or love something, there is little scope or need for rationalisation.” 04 Na arquitetura não foi diferente. Segundo Pallasmaa, a tradição Ocidental enxerga a arquitetura como um objeto material e geométrico compreendido através da visão focada, enquanto a ambiência, ou atmosfera, é uma consequência enigmática do real.05 Exemplos disso são as rígidas ordens de proporção na arquitetura clássica e a extensa procura pela perspectiva Renascentista. Historicamente, seguindo o pensamento 01 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.29. 02 PALLASMAA, Juhani. An Architecture of The Seven Senses. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.30. 03 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.27. 04 Ibidem, p.27. 05 Ibidem, p.30.

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F01. Termas de Vals. Foto: Hélène Binet.

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iluminista, a arquitetura acadêmica também dá ênfase à dimensão intelectual e conceitual, o que contribui para o desaparecimento da essência física, sensual e corporal.06 Desse modo, Pallasmaa afirma que a compreensão do espaço principalmente pela perspectiva, deu origem à uma ‘arquitetura da visão’. Tanto na dimensão conceitual, quanto nas técnicas de representação, pois estas são intimamente ligadas. Sendo assim, a representação arquitetônica é também suposta a buscar clareza em vez de efemeridade ou o indeterminado.07 Consequentemente, o valor atmosférico e sensorial teve pouco espaço no estudo e prática da arquitetura.

F02. Intervenção artística, criação de uma atmosfera climática através de projeção de luz e fumaça. Olafur Eliasson. The Weather Project. Tate Modern, Londres, 2003. Foto: Phaidon Press.

Além disso, no último século, a arquitetura vem sofrendo uma expressiva perda do sensorial e de significado. O modernismo, por princípio e necessidade pós-guerra, buscou a arquitetura racional e purista do homem-universal, utilizando os novos materiais industriais de forma generalizada, que pouco contribuem para um caráter mais intimista e corporal. Atualmente, o distanciamento do universo sensorial atinge um clímax. Nas últimas décadas, uma nova cultura midiática priorizou o sentido da visão por seu grande impacto e distanciamento. Não é mais necessário estar presente para ser um receptor. No entanto, por mais sedutoras que sejam as atuais imagens de arquitetura, estas são insuficientes para sua compreensão. A experiência arquitetônica é um ato, de estar presente e movimentar-se num espaço. Porém, mesmo presente, a arquitetura visual distancia e pouco exige do engajamento sensorial, enquanto a arquitetura atmosférica envolve e unifica, promove lentidão e intimidade, sendo compreendida gradualmente através do corpo e pele. Steven Holl pontua que a percepção da arquitetura demanda concentração e energia, algo cada vez mais raro no mundo apressado de hoje.08 Essa nova normalidade também gera espaço para crítica, a negligência dos outros sentidos impulsionou uma busca maior pela relação da arquitetura com o corpo. Segundo Pallasmaa, apenas nas duas últimas décadas uma visão experimental começou a sobressair de um entendimento formal da arquitetura.09 Dentro disso, a recente discussão das qualidades atmosféricas nos debates sobre arquitetura e urbanismo é 06 PALLASMAA, Juhani. An Architecture of The Seven Senses. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.29 07 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.38, 22-24. 08 HOLL, Steven. Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006. p.42. 09 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.19.

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visto por Christian Borch como uma das tendências mais relevantes na área.10 Mas porque a busca pelos sentidos na percepção arquitetônica? Pallasmaa afirma que “Toda arquitetura que gera uma experiência memorável é multi-sensorial, qualidades da matéria, espaço e escala são medidos pelo olho, ouvido, nariz, pele, língua, esqueleto e músculo.”11 Arquitetura envolve sete reinos da experiência sensorial que interagem e se fundem umas nas outras. Fortalecendo e articulando nosso senso de realidade. “Os sentidos não são apenas medidores do intelecto, mas também articulam o pensamento sensorial.” 12 “We have been taught to conceive, observe, and evaluate architectural spaces and settings primarily as aesthetic and visual entities. Yet, the diffuse overall ambience is often much more decisive and powerful in determining our attitude to the setting.” 13 Para complementar, Borch afirma: “an atmospheric approach offers an important answer to the questions of what constitutes architectural quality – one that extends far beyond form and function. Adopting an atmospheric perspective implies paying attention to how architecture and urban planning are able to provide nourishment to the multisensory experiences. It means acknowledging that buildings should not be conceived of as singular entities, but rather as parts of a larger atmospheric whole.” 14 Dessa forma, o objetivo dessa dissertação é explorar o tema da atmosfera como essência da qualidade arquitetônica, buscando um entendimento mais aprofundado sobre como pode-se, conscientemente, projetar um espaço com essas qualidades. Aqui, a arquitetura sensorial entra como um novo olhar sobre a concepção da forma e não como uma negação dos valores acadêmicos.

10 BORCH, Christian. Why Atmospheres?. In Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser, 2014, p.7. 11 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.34. 12 PALLASMAA, Juhani. An Architecture of The Seven Senses. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.34 13 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.32. 14 BORCH, Christian. Why Atmospheres?. In Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser, 2014, p.15,16.

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Objeto, Objetivo, Metodologia Na procura pelo pensamento atmosférico em obras construídas, Peter Zumthor surge como um dos arquitetos contemporâneos que declaradamente põe essa temática em foco em sua metodologia de projeto. A própria condição de trabalho, reclusa e lenta, do ateliê de Zumthor sugere uma posição de resistência, ou de diferente inserção, à via arquitetônica contemporânea citada anteriormente. Em 2006, publica o livro ‘Atmospheres’, no qual defende que a qualidade arquitetônica está em seu mérito atmosférico. De suas sinceras indagações pessoais, dois pontos sobre a experiência do espaço são ligados à sua prática: a percepção da atmosfera através de uma resposta emocional espontânea, antes mesmo de sua compreensão intelectual, como sugere Pallasmaa01 ; e a experiência corpórea da arquitetura, o espaço é interpretado através dos sentidos. Pensando nessa troca entre o ‘eu’ e o espaço que Zumthor articula seu projetar, sistematizando em nove princípios de elaboração. Estes são: o corpo e a arquitetura; a consonância dos materiais; o som do espaço; a temperatura do espaço; as coisas que me rodeiam; entre a serenidade e a sedução; a tensão entre exterior e interior; degraus da intimidade; a luz sobre as coisas. São temáticas caras e conhecidas na arquitetura, porém revisitadas de uma nova forma. E, assim como Pallasmaa, Zumthor salienta a importância de todos os sentidos na construção atmosférica, principalmente o sonoro e o tátil, que muitas vezes são trabalhados apenas para manter um nível de conforto ambiental categorizado. Zumthor enfatiza a reciprocidade entre as coisas (objetos) e as pessoas (sujeitos) que estão em constante mudança e se reinterpretando. Daí surge a magia do real, a atmosfera. Isso emerge a partir de um lugar, de uma situação entre espaço e tempo, sendo necessário estar presente para uma experiência arquitetônica. Do mesmo modo que a percepção demanda tempo e energia para sua compreensão tanto física quanto teórica, optou-se por uma única obra nuclear de grande potência atmosférica, as Termas de Vals. Sua rigorosa geometria, escolha de materiais, complemento entre luz e penumbra e cuidadosa sensibilidade ao corpo humano estimulam a percepção sensorial e a efetivam como uma grande obra. O objetivo é desvendar quais os temas projetuais abordados na composição das Termas de Vals, como são pensados, concretizados e experienciados. A metodologia da dissertação tem majoritariamente um cunho teórico investigativo, que a partir da análise da obra põe em questão os nove pontos de Zumthor mencionados, adicionando um viés pessoal e subjetivo próprio do conceito de atmosfera. A dissertação é uma composição entre esses dois mundos apresentados na introdução, o real e o imaginário, ou o edifício e o sujeito. É organizada em quatro momen01 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.33.

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tos que vão priorizar um ou relacionar ambos: O primeiro capítulo procura uma fundação teórica para o que está entre esses dois mundos, a atmosfera. Fornece base teórica para o tema: o que é a atmosfera de um lugar, o que a compõe, como ela é experienciada. O segundo capítulo foca no edifício, introduzindo o objeto de estudo, as Termas de Vals. O ponto de partida é o edifício, contemplando as ramificações necessárias para seu entendimento e adentrando em parte o “mundo imaginário” de Peter Zumthor. Divide-se em quatro tempos: Vila, Água, Montanha e Pedra. O primeiro, contextualiza o lugar e apresenta as especificidades do programa e agentes envolvidos. O segundo, expande o tema da arquitetura e experiência de banho através da história e possíveis relações com a terma atual. O terceiro, introduz o processo de projeto de Zumthor e analisa sua metodologia através da Terma de Vals. O quarto, desenvolve o arremate do projeto, a conexão entre o edifício imaginado e o construído. O terceiro capítulo põe o sujeito em evidência. Apresenta uma descrição pessoal sobre o vilarejo de Vals e a experiência na Terma a partir de visita realizada, logo antes da fatídica pandemia. O quarto capítulo entrelaça novamente os dois mundos, procurando relacionar a experiência pessoal com as intenções e artifícios de projeto. Para isso, utiliza dos nove princípios de Zumthor mencionados para analisar a obra. Por se tratar de um tema de complexidade subjetiva, tanto de Zumthor quanto da minha pessoa, de difícil quantificação e qualificação, essa problemática metodológica tentará ser tratada da seguinte maneira para cada um dos nove pontos: introdução a temáticas relevantes à arquitetura; identificação de instrumentos de projeto utilizados na obra como amplificação de sensações; comparação com outras obras e arquitetos que elucidem o tema, a partir de interpretações semelhantes ou divergentes. Como recursos de trabalho, uma base de dados bibliográfica e imagética foi utilizada como principal fonte de pesquisa para elaboração teórica e descritiva. Durante a visita, em fevereiro de 2020, foi realizado um levantamento sensorial através de relatos, desenhos e fotografias de atuação própria como observador e receptor dessa atmosfera. O propósito dessa dissertação é tentar entender o tema da atmosfera do espaço arquitetônico que tanto encanta, porém, historicamente atribuída à um certo obscurantismo. Os temas da arquitetura sensorial, psicologia e fenomenologia do espaço são intrínsecos à atmosfera, porém não são aprofundados na dissertação, pois sinto que não possuo a complexidade e capacidade teórica para abordar tais temas da devida maneira. Tento investigar certos aspectos, inerentes ao tema em questão, porém numa busca mais palpável e relacionável à matéria concreta. Essa dissertação é, em sua essência, uma viagem pessoal sobre os diversos elementos da arquitetura, estudados e confrontados durante meus anos de aprendizado, sob o tema intrigante e recém-descoberto da atmosfera.

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Atmosferas

Pensar


I.

F03. Joseph Mallord William Turner. Rain, Steam and Speed - The Great Western Railway, 1844. Óleo sobre tela, 910x1218mm. National Gallery, Londres.


1.1

Introdução A etimologia da palavra atmosfera vem do Grego “atmos” (gás, vapor) e “sphaira” (esfera).01 O termo deriva da meteorologia e corresponde à camada de gases que está ao redor de um planeta, mantida pela gravidade. Por extensão, condição atmosférica, o céu ou reunião das condições relacionadas ao tempo.02 Está relacionada a uma qualidade ambiental e possui sinônimos como espaço, ar, tempo, vento, clima. Segundo Christian Borch, a primeira dissociação teórica de seu significado meteorológico foi concebida pelo filósofo Hermann Schmitz em seu livro Der Gefühlsraum (The sphere of the emotions) publicado em 1969. Propôs-se a definição de um estado de espírito (Stimmungen) que é descarregado pelo ambiente.03

F04. Esboço atmosférico de tempestade na praia de Brighton. As pinceladas rápidas das nuvens e chuva representam a natureza fugaz da cena. John Constable. Rainstorm over the Sea, 1824-1828. Óleo sobre papel colocado em tela, 235x326mm. Royal Academy of Arts, Londres.

De fato, hoje em dia o termo coloquial ‘atmosfera’ é utilizado para descrever uma sensação perante um espaço ou situação. Teresa Brennan abre seu livro, The Transmission of Affect, com a sequinte questão: “Is there anyone who has not, at least once, walked into a room and “felt the atmosphere”?” 04 Pode-se falar da atmosfera sombria de uma cidade, da leveza de um dia de verão, do ambiente tenso de uma reunião de negócios, ou a familiaridade e o aconchego da casa dos avós. Assim como a derivação do grego, a presença da atmosfera figurativa é semelhantemente indefinida, pouco palpável e visível, mas inevitavelmente presente e com grande grau de influência em nosso estado de espírito. Para Pallasmaa, atmosfera é similar à experiência, algo suspenso entre o objeto e o sujeito, o ‘denominador comum’ de uma experiência vivida. Constituída de uma troca e fusão entre o mundo material, propriedades existentes de um lugar, e o mundo imaterial, do sujeito. A sensação do mundo físico é captada corporalmente pelos sentidos, mas sua avaliação passa pelo reino da imaginação e memória.05 01 Brochure informativo do Instituto de Astronomia da Universidade de São Paulo. 02 Dicionário Michaelis, versão digital. 03 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.62. 04 BRENNAN, Teresa. The Transmission of Affect. New York: Cornell University Press. 2004, p.1. 05 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.20.

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Por exemplo, espaços reconfortantes e convidativos inspiram nossas imagens inconscientes, sonhos e fantasias, podendo criar uma potente impressão do lugar.06 De forma similar, Gernot Böeme também afirma “Atmospheres are in fact characteristic manifestations of the co-presence of subject and object.”07, corpo e mente devem estar presentes no espaço. Mas define o conceito de atmosfera como um espaço. Um espaço com ambiência, que emana de uma constelação de objetos e pessoas e é interpretado através das emoções. É quase uma entidade, um ‘quase-objeto’, que pode ‘expandir ou definhar’08. Nós somos receptores de atmosferas, as experienciamos como algo ‘quase-objetivo’ e por isso conseguimos comunicá-las. Porém, não podemos absorvê-las desprovidos de nossas emoções, logo, atmosfera é algo subjetivo. Apesar de sentirmos e compreendermos uma atmosfera, explicar o porquê um lugar causa uma reação emotiva demanda uma racionalização que as vezes não é totalmente compreendida. “emotional reactions are often the most comprehensive and synthetic judgements that we can produce, although we are hardly able to identify the constituents of these assessments. When we fear or love something, there is little scope or need for rationalisation.” 09 Segundo Pallasmaa, isso acontece porque percebemos e internalizamos a atmosfera antes de a entender intelectualmente. Por exemplo, percebe-se a essência do clima quase instantaneamente, sem necessitar de análise aprofundada sobre os fatos meteorológicos em questão. Um dia com nuvens escuras e carregadas acompanhadas de vento forte nos põe em sinal de alerta, assim como um dia ensolarado e agradável nos acalma e anima. Isso acontece por uma sensibilidade emotiva e intuitiva embutida em nosso inconsciente, um instrumento biológico de sobrevivência que distingue uma atmosfera acolhedora de uma opressiva.10 Portanto, a atmosfera é intimamente ligada à intuição, uma área pouco compreendida, analisada e explorada na arquitetura, historicamente construída sob uma base mais lógica da estética. Assim, o tema da atmosfera foi mais explorado no campo da música, teatro, cinema, literatura e até da pintura. Zumthor cita na abertura de seu livro a frase de J. M. W. Turner, “Atmosphere is my style”11. E de fato, a exemplo de sua pintura [ver figura 03], formas são diluídas e substituídas por sensações de densidade, velocidade, tempo, temperatura e umidade. Essa sugestão de atmosfera desperta a imaginação para uma diversidade de interpretações, e daí sua potência artística. A música, para os leigos, é a arte que menos entendemos intelectualmente, mas que mais evidentemente nos afeta emocionalmente. Para Pallasmaa é o exemplo mais convincente da capacidade humana de internalizar e produzir emoções através de estruturas abstratas e simbólicas.12 Também declara, “I would venture to argue that the greater the artistic work, the less we understand it intellectually.” 13 06 Ibidem, p.30. 07 BÖHME, Gernot. Urban Atmospheres: Charting New Directions for Architecture and Urban Planning. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.45. 08 Ibidem, p.43. 09 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.27. 10 Ibidem, p.21. 11 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.4. 12 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.20. 13 Ibidem, p.32.

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O cinema também constrói, talvez de forma mais consciente, diversos gêneros de atmosfera, da melancolia ao terror. Filmes criam uma ambiência espacial, temporal e sonora que engajam visualmente, intelectualmente e, principalmente, emocionalmente. Constroem uma narrativa que tem o poder de alterar a predisposição emocional do observador. Da mesma forma, atmosfera é inerente à arquitetura: “‘[a]rchitecture produces atmospheres in everything it creates. Of course, it also solves specific problems and fabricates objects and buildings of all sorts. But architecture is aesthetic work in the sense that it always also generates spaces with a special mood quality, i.e. atmospheres. […] The visitor, the user, the customer, the patient are met with or seized by these atmospheres. The architect, however, creates them, more or less consciously (BOHME 1995:97).” 14 O que está em questão não é se há atmosfera ou não, é evidente o efeito de um espaço, ou uma cidade, sob nosso estado emocional, mas como produzi-las conscientemente. Segundo Pallasmaa, esse campo foi pouco abordado no Ocidente, pois há uma tradição do pensamento arquitetônico como um objeto dentro de uma visão perspectivada do espaço. Projeta-se qualidades “puras” do espaço, através de formas geométricas.15 E ainda, a ênfase acadêmica é no pensamento intelectual e conceitual da arquitetura, deixando de lado um caráter mais artesanal e perceptivo sobre qualidades da matéria e composição. “First, architectural atmospheres cannot be seen as pure emergence, i.e. as something that arises more or less out of the blue and captures people. Quite the contrary, as mentioned several times above, atmospheres are often produced.” 16 Dessa forma, para compreender como é possível projetar um espaço pensando em suas qualidades atmosféricas, é necessário a compreensão de como é percebido esse espaço.

14 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.32. 15 Ibidem, p.22. 16 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.81.

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F05. Claude Monet, Gare Saint-Lazare, 1877 F06. Edward Hopper, New York Movie, 1939 F07. Sigurd Lewerentz, Proposta para restaurante em Sturegatan, 1930

F08. Andrei Tarkovsky, Nostalgia, 1983 F09. Akira Kurosawa, Kagemusha, 1980 F10. Wim Wenders, Asas do Desejo, 1987 F11. Akira Kurosawa, Kagemusha, 1980

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1.2 Intuição

Percepção “Your intuition is your most exacting sense, it is your most reliable sense. It is the most personal sense that a singularity has, and intuition, not knowledge, must be considered your greatest gift. Knowledge is valuable because knowing can come from it, and knowing can give you intouchness with your intuition.” Louis Kahn 01 Louis Kahn deposita imensa importância na intuição, tanto na produção quanto na experienciação da arquitetura. Zumthor descreve essa percepção momentânea ao iniciar seu livro ‘Atmosferas’ com a seguinte questão: “Qualidade arquitectônica só pode significar que sou tocado por uma obra. Mas porque diabo me tocam estas obras? (...) Entro num edifício, vejo um espaço e transmite-se uma atmosfera e numa fracção de segundo sinto o que é”. 02 Essa primeira impressão atmosférica, mais intuitiva do que consciente, está mais relacionada a um contexto geral do que aos detalhes. Quando se lê uma peça literária e imaginamos um cenário, a espacialidade criada é completa, porém os detalhes geralmente não estão presentes, ou estão em “baixa resolução”, por assim dizer. Por exemplo, ao imaginar uma cidade pitoresca, cria-se uma rua de menor largura, edifícios de baixo gabarito, pensa-se na materialidade e estética geral de uma região e temporalidade, a intensidade de iluminação do céu ou de uma cena noturna, se está repleto de pessoas ou trata-se de um local ermo. Mesmo com um grau de detalhe muito inferior ao real, consegue-se criar o contexto espacial e a atmosfera geral do ambiente. De forma similar, ao entrarmos num espaço, fazemos uma rápida avaliação das características mais marcantes. Um exemplo de como esse contexto geral, num primeiro momento, é mais importante para a percepção do que os valores estéticos é a arquitetura vernacular e cidades tradicionais. Segundo Pallasmaa, avaliamos o conjunto de materiais, escala, ritmo, cor, formas e suas variações, pois ao analisar um edifício em separado, este não parecerá tão interessante.03 Explica: “Let me repeat, such judgements cannot be consciously deduced from details; they have to be instantaneously grasped as an intuitive reading based on a ‘polyphonic’ grasp of the ambience. 01 LOBELL, John. Between Silence and Light: Spirit in the architecture of Louis Kahn. Boston: Shambala Publications, 2000, p.12. 02 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.12-15. 03 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.32.

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F12. Olafur Eliasson, Beauty, 1993 Tate Modern, London Foto: Anders Sune Berg

Cortina de névoa com projeção de luz, formando um arco-íris por refração da luz:

“Everyone sees a different rainbow, because the rainbow is made out of light, the drop of water and the eye. So this means that there is not ever a rainbow which is the same by definition because our eyes are not located in the same place. But if you think about it, this goes for everything.” Olafur Eliasson in ‘Take your time: Olafur Eliasson’ Video instalação no MoMa de 20 de abril a 30 de junho, 2008. Transcrição da autora.

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In fact, research has established that the first wave of perceptual information is directed to the deeper, more primordial and deeply biologically conditioned parts of our neural system. This polyphonic perception and cognition has also been identified as one of the conditions for the creative mind.” 04 E ainda, por essa intuição estar relacionada à criatividade, o ambiente pode ser tão sugestivo que apenas com poucos elementos do cenário é possível criar uma carga atmosférica impactante. A exemplo do filme Dogville de Lars von Trier, no qual o cenário é construído com risca de giz, que delimitam paredes e rua, mobiliário e objetos escassos, e um ou outro elemento arquitetônico como o topo da torre da igreja ou uma janela. Esse cenário e a narrativa desenvolvida durante o filme engaja o espectador, que funde sua própria imaginação às lacunas deixadas pelo diretor, e projeta uma atmosfera convincente que impacta de forma poderosa seu emocional. Este exemplo demonstra o papel da imaginação na percepção do espaço. Não se percebe para depois imaginar. A própria percepção é um resultado da criação da imaginação. “We live simultaneously in material and mental worlds that are constantly fused.”05 Novamento, ao ler um romance, imagina-se uma atmosfera de espacialidade completa, repleta de emoções e características sugeridas pela narrativa. Isso acontece em simultâneo, instintivamente, sem necessitar de esforço lógico, como se ao caminhar pelas palavras, caminha-se pelos espaços e figuras imaginadas. Do mesmo modo, faz-se o caminho inverso, compreende-se a atmosfera e sentimentos desenhados por uma situação de imediato e intuitivamente capta-se uma impressão.

Desfoque

Tal avaliação instantânea e desatenta, ou melhor, não proposital, permite o entendimento intuitivo de elementos complexos, sem que sejam conscientemente compreendidos. Isso aponta para uma habilidade sincrética contínua inata ao ser humano.06 Pallasmaa nomeia de ‘percepção periférica’, inconsciente e difusa. “This fragmented percept of the world is actually our normal reality, although we believe that we perceive everything with precision. Our image of the world is held together by constant active scanning by the senses, movement, and creative fusion and interpretation of our inherently fragmented percepts.” 07 Segundo Pallasmaa, a maior parte da captação do ambiente é feito pela visão periférica e não pela visão focada, pois essa periferia põe nosso corpo no ambiente, e temos a percepção de nossa participação espacial. “Focused vision makes us mere outside observers; peripheral perception transforms retinal images into a spatial and bodily involvement and gives rise to the sense of atmosphere and participation. (…) The importance of the senses of hearing, smell, and touch (temperature, moisture, air movement) for atmospheric perception arises from their essence as non-directional senses and their embracing character.” 08

Sinestesia

É através de todos os sentidos que captamos essa experiência do real, nosso corpo faz o intermédio entre o objeto e o sujeito. Porém, o interesse da arquitetura é principalmente na visão focada, que é essencialmente direcional. Como descrito, a atmosfera precisa desse senso não direcional, um tanto obscuro e difuso e para isso os outros 04 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.22. 05 Ibidem, p.27. 06 Ibidem, p.26,27. 07 Ibidem, p.38. 08 Ibidem, p.38,39.

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F13,14,15. Lars von Trier. Dogville, 2003. F16. Robert Wiene. O Gabinete do Dr. Caligari, 1920 F17. Hermann Warm. Desenho da cenografia, 1920

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sentidos são essenciais. Portanto, arquitetura sensorial é pensada a dar espaço para os outros sentidos, que em conjunto, intensificam a percepção de atmosfera. Pallasma reforça isso afirmando que toda grande experiência arquitetônica é multi-sensorial e que as qualidades espaciais são medidas pelo olho, ouvido, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. Porém a qualidade espacial não é uma simples somatória de todos eles, mas um emaranhado de percepções simultâneas que são instantemente e constantemente assimiladas, captadas, entendias, percebidas e entrelaçadas. Cita Maurice Maurleau-Ponty: “‘My perception is [therefore] not a sum of visual, tactile, and audible givens: I perceive in a total way with my whole being: I grasp a unique structure of the thing, a unique way of being, which speaks to all my senses at once’ (1964: 48).” 09 Os sentidos são interconectados entre si e entre o mundo físico e o subjetivo, atuam simultaneamente e continuamente. Essa complexidade não é suficientemente representada pelos cincos sentidos de Aristóteles (visão, audição, tato, olfato e paladar). Pallasmaa adiciona o sentindo de orientação, gravidade, equilíbrio, estabilidade, movimento, duração, continuidade, escala e iluminação. E afirma que uma arquitetura pensada majoritariamente no aspecto visual distancia o sujeito do presente, enquanto uma arquitetura sensorial engaja e incorpora.10 A falta da visão periférica, e o engajamento dos outros sentidos intrínsecos às qualidades do espaço, é um dos fatores que explica a insuficiência da fotografia como representação fidedigna da qualidade arquitetônica. De fato, os arquitetos fariam um trabalho muito melhor se estivessem menos preocupados com as qualidades fotogênicas de seus projetos, afirma Pallasmaa 11 A própria fotógrafa de arquitetura Hélène Binet afirma: “Representation of space with photography is an inherently impossible task. This undertaking is comparable to the path of a traveler who seeks to grasp the horizon. The line of the horizon is intangible and unattainable just as an image can never completely depict a space.” 12

Tempo

Adentrando a diferença entre atmosfera e imagem temos o tempo, para isso Böhme utiliza um exemplo urbano. A imagem da cidade é uma representação consciente dos aspectos mais convidativos, por exemplo, para o turismo são as características mais simpáticas aos turistas. Porém, a atmosfera de uma cidade “is precisely the way life goes on within it”13, é produzida diariamente pelos seus habitantes e deve ser sentida estando imerso em suas características voláteis. Voláteis, pois, alteram ao longo do dia, sazonalmente e no decorrer da história. Logo, a percepção do espaço também é percepção temporal, à medida que está em constante transformação tanto no mundo material quanto no imaginário. A leitura da atmosfera não é uma cena, mas uma narrativa, que estimula nosso senso de imaginação e apreciação emotiva, que nos leva para uma viagem ao passado, presente e futuro. “Atmosphere emphasises a sustained being in a situation, rather than a singular

09 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.34. 10 Ibidem, p.36 11 Ibidem, p.39. 12 BINET, Hélène, citação disponível no site oficial da fotógrafa, em: http://helenebinet.com/photography/sverre-fehn/ 13 BÖHME, Gernot. Urban Atmospheres: Charting New Directions for Architecture and Urban Planning. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.48.

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moment of perception; atmosphere is always a continuum.” 14 A percepção presente só é possível como resultado de experiências passadas que vão caracterizar esse presente e o associar a outros pensamentos e possibilidades de ação. “In this sense, the present is not purely in itself, self-contained; it straddles both past and present, requiring the past as its precondition, being oriented towards the immediate future. Our perception is a measure of our virtual action upon things.” 15 Então, a percepção atmosférica e imaginativa também estimula ações, guia o movimento corporal sobre o espaço. Uma paisagem bela ou acolhedora retém espacialmente, enquanto um espaço opressor conduz para uma mudança. Zumthor descreve a arquitetura como um jogo de condução e sedução. Conduzir quando necessário, porém introduzir elementos que despertam a curiosidade e sugerem o movimento da descoberta. A essência da experiência arquitetônica está em sua relação com o corpo que a adentra, ela é movimento. Alvar Aalto descreve que é o ato de entrar que maravilha e não a porta em si.16 Assim, à experiência sensorial adiciona-se a imaginação, pois a percepção não é apenas produtos sinápticos de nossos mecanismos sensoriais, estes são recebidos e interpretados por um conjunto de experiências vividas, memórias, que instigam nossa imaginação e possibilidades de atuação. Interpreta-se que, através do corpo sente-se e incorpora-se o espaço sensorialmente, enquanto a imaginação dessa experiência é o que guia espacialmente este corpo. A percepção estimula o movimento no tempo e espaço.

Imaginação

14 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.20. 15 GROSZ, Elizabeth. Architecture from the Outside: Essays on Virtual and Real Space. Cambridge: MIT Press, 2001, p.121. 16 SCHILDT, Göran. Alvar Aalto in His Own Words. Helsinki: Otava, 1991, p.58.

F18. Walter De Maria. TIME/TIMELESS/NO TIME, 2004 Chichu Art Museum, Naoshima Foto: Michael Kellough

“Add to that Ando’s architecture, where thin slivers of light make it such that the gallery is always changing like a sundial. (...) through light reflection and the idea of permutation, there is a great, an incredible deal of variability.This work highlights ourselves facing something beyond, something unknowable, something ungraspable, in the nature of romantic tradition, of feeling ourselves perceiving. This takes us from geometry to something that’s very much about intuition. You could even say it is close to Claude Monet and his deep impressions of the experience of the field of light in the landscape.” Michael Govan, diretor do LACMA, ‘Geometry, Light, and the Sublime’ Conferência em Benesse Art Site Naoshima.

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1.3 Elementos

Composição Como desenvolvido anteriormente, a experiência do espaço se dá através dos sentidos e da imaginação, porém quais são os fatores que a compõe? Em seu livro ‘Atmosferas’, Peter Zumthor compartilha anotações sobre a atmosfera de uma praça, descrevendo características que chamaram sua atenção naquele dia: “É Quinta-feira Santa de 2003. Sou eu. Estou ali sentado, uma praça ao sol, uma arcada grande, longa, alta e bonita ao sol. A praça – frente de casas, igreja, monumentos – como panorama à minha frente. A parede do café nas minhas costas. A densidade certa de pessoas. Um mercado de flores. Sol. Onze horas. A parede do outro lado da praça na sombra, em tons agradavelmente azuis. Sons maravilhosos: conversas próximas, passos na praça, pedra, pássaros, um leve murmúrio da multidão, sem carros, sem barulho de motores, de vez em quando ruídos de obra ao longe. Os feriados a começar já tornaram os passos das pessoas mais lentos, imagino. Duas freiras – isto é realidade e não imaginação -, duas freiras cruzam a praça, gesticulando, de passos leves e toucas a agitarem-se levemente ao vento, cada uma traz um saco de plástico. A temperatura: agradavelmente fresco, com calor. Estou sentado na arcada, num sofá estofado em verde mate, a figura de bronze à minha frente no alto pedestal está de costas para mim e olha, como eu, para a igreja de duas torres. As duas torres da igreja têm cúpulas diferentes, que em baixo começam de forma igual e que ao subir se individualizam. Uma é mais alta e tem uma coroa dourada à volta do topo. Em breve, B. virá ter comigo, cruzando a praça na diagonal.” 01 A narrativa começa com a situação do indivíduo no espaço, ponto fulcral, já que o corpo é o intermédio entre o físico e o subjetivo. A descrição de formas e sua disposição, formando espaços abertos, confinados e semi-confinados, criam o entorno sólido. Algumas formas e edifícios sobressaem, características particulares que cativam o indivíduo, e possuem importante papel na narrativa, estimulando memórias e relações. A materialidade, cor e textura dos objetos, aguçam a percepção e senso do real. A importância do clima, a posição do sol, intensidade do vento, temperatura e umidade. As pessoas, a densidade e suas atividades dão vida ao ambiente. Os sons são descritos em minúcia, pois possuem vital importância na composição do ambiente, refinam personagens e a vivacidade local. Fatores subjetivos também influenciam a percepção do espaço, como o humor e imaginário do sujeito perante o acontecimento.

Atmosfera social

Do ponto de vista arquitetônico, a interação das formas e elementos não materiais, como luz, som e até mesmo cheiros são aspectos trabalhados nesse campo. Esses últimos situam os objetos estáticos no continuum do tempo, pois modificam-se no 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.14-16.

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F19. Andrei Tarkovsky. Nostalgia, 1983

F20. Wim Wenders. Tokyo-Ga, 1985.

F21. Wim Wenders. Paris, Texas, 1984.

F22. Ridley Scott. Blade Runner, 1982

F23. Wim Wenders. Lisbon Story, 1994

F24. Akira Kurosawa. Sonhos, 1990.

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decorrer. Porém não são os únicos elementos presentes que afetam essa percepção, o contexto social é de vital importância, pois também adiciona interação, movimento e temporalidade. Em primeiro momento, falaremos deste agente que Gernot Böhme denomina ‘atmosfera social’. Em um ambiente, o contexto social ocorre não apenas num campo visual ou de interação interpessoal, mas também num campo emocional, “which emanates from the physiognomy and the behaviour of the people in question.” 02 Quantas vezes não nos sentimos influenciados pelo estado de espírito alegre de um festival, ou por um tenso ambiente de trabalho que desperta ansiedade? Há um grau de transmissão de humor entre os indivíduos de uma mesma cena, mesmo que conduzido de forma inconsciente. Teresa Brennan sugere que quanto mais pessoas compartilham uma atmosfera, mais as chances de haver uma transmissão contagiosa de emoções. Isso acontece pela secreção e captação de feromônios que afetam a psique e comportamento de indivíduos. Para tal, os sentidos são de vital importância, pois os feromônios são detectados principalmente pelo olfato e tato, apesar de fatores auditivos e visuais também influenciarem.03 A atmosfera social expande o limite do indivíduo, à medida que desconstrói a barreira do corpo humano como área de atuação. Os indivíduos estão em constante exposição e interação com a ambiente, tornando-se todos agentes da atmosfera. Isso pode ser denominado como um estado de espírito comum e, dependendo do grau, uma psicologia de massa, “which enraptures individuals in the crowd and integrates them into the collective.”04 Um forte exemplo disso é a energia contagiante de um estádio de futebol a pleno vapor durante a partida. E ainda, os comícios gigantescos organizamos pelos nazistas, que faziam uso de amplos espaços, arquiteturas monumentais e comportamento de massa para gerar um espírito de pertencimento do indivíduo à ideologia maior. Também podemos falar de atmosferas sociais numa escala cultural e nacional, tanto de comportamento como de bem-estar. Segundo Peter Zumthor, somos geneticamente e culturalmente condicionados a evitar ou preferir certas atmosferas.05 Por exemplo, o ambiente de Nova Delhi, completamente normal para o cotidiano de seus habitantes, pode ser considerado caótico e adverso para indivíduos de outras culturas. Isso atesta para a complexidade de fatores, interações e o caráter transitório de uma composição atmosférica. Porém, Böhme defende que o espaço físico produz uma atmosfera “base”, sentida de forma mais ou menos similar, independente da pessoa. No entanto, Böhme não é determinista, o emocional do sujeito não é inevitavelmente determinado pelas características do espaço. É mais correto afirmar que o estado de espírito da pessoa que entra no local é influenciado pela atmosfera do lugar.06 Christian Borch defende que a atmosfera arquitetônica não pode ser simplesmente interpretada como algo que emerge do ambiente e influencia pessoas, mas que a 02 BÖHME, Gernot. Urban Atmospheres: Charting New Directions for Architecture and Urban Planning. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.46. 03 BRENNAN, Teresa. The Transmission of Affect. New York: Cornell University Press. 2004, p.70,71. 04 BÖHME, Gernot. Op. cit. p.45. 05 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.13. 06 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.80.

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F25. Comício nazista em Luitpold Arena, Nuremberg, 1934.

F26. Hall of Honor em Nuremberg, 1929. Nuremberg Municipal Archives

F27. Stanley Kubric. Dr. Fantástico, 1964. War Room

F28. Ken Adams. Desenho cenografia Dr. Fantástico, 1963

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atmosfera é muitas vezes produzida.07 Exemplifica com o espaço da Torre do Holocausto no Museu Judaico de Daniel Libeskind. Uma atmosfera opressora é evidente, não vinculada subjetivamente, ou seja, independente do humor do visitante. Aqui fica evidente a construção consciente de uma atmosfera.

Arquitetura sensorial

Se a atmosfera ‘base’ pode ser projetada, quais as qualidades do espaço que diferenciam uma arquitetura atmosférica da arquitetura da visão? Como visto na percepção, os principais fatores de influência na atmosfera são o reino dos sentidos e o subjetivo, ambos vinculados às diferentes temporalidades do mundo real e imaginário. O mundo material e o subjetivo são intermediados pelo corpo, então pode-se dizer que a arquitetura atmosférica é projetada com o corpo e suas sensações em mente. Em outras palavras, arquitetura sensorial. Retomando, arquitetura sensorial é aquela que engaja os diferentes sentidos na composição do espaço. Isso não significa que todos os sentidos serão igualmente trabalhados, uns evidentemente serão mais proeminentes. Porém, uma metodologia de projeto que amplia a influência e composição dos outros sentidos abre espaço para um novo campo com grande potencial para desenvolver arquiteturas consideradas potentes. Adentrando brevemente nos sentidos, pois estes serão mais bem detalhados na análise do último capítulo, além da visão, a audição possui um importante fator emocional e espacial. A música é um exemplo exímio de como algo imaterial e pouco racionalizado tem poder de nos comover, mas os ouvidos também auxiliam no próprio entendimento do espaço. O eco nos dá pistas sobre o volume e os materiais presentes. Apesar do olfato não ser tão proeminente na arquitetura, é quase uma linha direta ao mundo imaginário. Pallasmaa pontua que “freqüentemente, a memória mais persistente de um espaço é seu cheiro”.08 Pode estar relacionado ao cheiro característico de uma casa de praia, em que a maresia impregna os móveis da casa. O cheiro pungente de uma cidade no verão. Ou o perfume que lembra uma pessoa querida. Contudo, o principal sentido da composição sensorial do espaço é o tato. Segundo Pallasmaa, todos os sentidos estão relacionados, e de certa forma derivam, do tato. Cita a antropologista Ashley Montagu para averiguar que o tato é ‘a mãe de todos os sentidos’, pois a pele é o órgão mais antigo e sensível do corpo humano. Olhos, orelhas, nariz e boca são adaptação da pele.09 Louis Kahn também refletiu sobre a primordialidade do tato: “I though then that the first feeling must have been touch. Our whole sense of procreation has to do with touch. From the desire to be beautifully in touch came eyesight. To see was only to touch more accurately. These forces within us are beautiful things that you can still feel even though they come from the most primordial, non-formed kind of existence.” 10 Espaços potentes geralmente possuem uma materialidade que não apenas instiga o tato, mas aguça os outros sentidos e reiteram nosso senso de existência. “The atmosphere of a setting is often generated by a strong presence of materiality. The

F29. Apesar da preferência pela visão, essa muitas vezes precisa ser confirmada pelo tato. Caravaggio, A incredulidade de São Tomás, 1601-1602. Óleo sobre tela, 1070x1460mm. Bildergalerie, Potsdam.

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07 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.81. 08 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.51 09 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.34. 10 LOBELL, John. Between Silence and Light: Spirit in the architecture of Louis Kahn. Boston: Shambala Publications, 2000. p.18.


F30. Torre do Holocausto - Museu Judaico, Berlim. Daniel Libeskind, 1999.

F31. Gottfried Böhm, Neviges Mariendom, 1972.

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heightened experience of materiality strengthens the feeling of reality and temporality. But the dominant atmospheric feature of a place may well be an acoustical character, a smell, or even especially pleasant or unpleasant weather.” 11 A materialidade desenvolve a percepção, mas não necessariamente é a característica dominante. Entretanto, por nossa capacidade sinestésica e sincrética inata, a ênfase no tato, como sentido-mor, intensifica a percepção dos outros sentidos e estimula a imaginação. “Tactile sensibility replaces distancing visual imagery through enhanced materiality, nearness, identification, and intimacy.” 12 Outro fator, em linhas gerais, que aumenta o poder atmosférico de um lugar, é a capacidade de perceber o tempo presente no espaço. Sejam aspectos relacionados à história local, ou que revivam memórias, ou aspectos que informem a passagem do tempo. Por exemplo, Böhme atribui valor atmosférico às características históricas vividas, e defende que reconstruções urbanas fiéis ao passado, descaracterizam o tempo e, portanto, são vazias de significado. “In this sense, faithful reconstruction can be as counterproductive as the removal of ivy from an old tower. The dimension of historical depth or the atmosphere of an organically developed city is, however, of major importance for the inhabitants’ sense of feeling sheltered and at home.” 13 Adicionalmente, Christian Borch pontua que uma abordagem atmosférica da arquitetura não é apenas a consciência estética dos sentidos, mas entender a gravidade de como a arquitetura nos afeta emocionalmente sem que estejamos conscientes disso.14 Portanto, emoções e comportamentos podem ser estrategicamente desenhados e assim, a arquitetura pode ser interpretada como uma forma sutil de poder.15 Apesar de não ser o foco desta dissertação, vale ressaltar que atmosfera não é apenas uma questão estética, mas também uma questão política.

11 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.35. 12 Ididem, p.35. 13 BÖHME, Gernot. Urban Atmospheres: Charting New Directions for Architecture and Urban Planning. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.53. 14 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.86. 15 Ibidem, p.62.

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F32. Diller e Scofidio, Blur Building, 2002.

F33. Entrada de acesso, névoa encobrindo todo o Blur Building.

F34. Interior do Blur Building. Perde-se a precisão da visão.

Edifício Blur, formado por uma “névoa atmosférica”, foi construído para a Swiss Expo 2002 por Diller e Scofidio. Ao entrar, as referências acústicas e sonoras são diluídas, a visão é deturpada pelo vapor de água branco e ouve-se apenas o som das mangueiras. E ainda, uma experiência culinária pois o edifício poderia ser consumido pelos visitantes. Uma oposição a intensa procura atual pela fidelidade visual e high-definition através da virtuosidade técnica. Blur é low-definition, nesse pavilhão não há nada para ver a não ser a prórpria dependência da visão.

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1.4

O sensorial na arquitetura A busca por uma certa atmosfera almejada e o controle sobre as emoções e ações das pessoas não é uma tarefa recente, desde os primórdios arquitetos buscam a criação de uma obra com um impacto pretendido. Tratando-se de dinastias, religiões e nações suas arquiteturas monumentais exercem um poder político de controle através do impacto emocional, seja por admiração ou opressão. Como, por exemplo, a monumentalidade descomunal dos templos e pirâmides egípcios e a sacralidade alcançada nas igrejas góticas através da nova relação da luz com o espaço, possíveis pelos saberes técnicos desenvolvidos. Arquitetura passeia pelo progresso tecnológico construtivo assim como as necessidades e anseios humanos, como a busca por um significado divino, enaltecimento de poder institucional ou individual, pertencimento a algo maior ou o aconchego do lar. Mas a intelectualização da percepção sensitiva e ênfase no movimento como espaço arquitetônico é mais recente.

F35 . Sigurd Lewerentz, Igreja St. Petris, 1966.

Segundo Böhme, uma abordagem intelectual do corpo humano na arquitetura começou no final do século XIX, iniciado por historiadores e críticos de arte como Heinrich Wölfflin. Este, defendeu que o espaço arquitetônico não era baseado apenas no que era visto, mas como era experienciado e internalizado pelo corpo, compreendendo sua capacidade sensorial. Portanto, a arquitetura não é caracterizada apenas pelas suas qualidades estruturais e geométricas, mas também como o movimento de experienciar o espaço.01 Essa nova abordagem surge no movimento Art Nouveau numa citação de August Endell no livro ‘Die Schönheit der großen Stadt’, traduzido por Jeremy Gaines num artigo de Böhme: “Whosoever thinks of architecture initially always thinks of the elements of the building, the façades, the columns, the ornaments, and yet all of that is of second rank. What is to most effect is not the shape, but its inversion, the space, the emptiness that spreads out rhythmically between the walls, is delimited by them, and that vibrancy is more important than the walls.”02 É possível observar uma mudança na perspectiva do objeto para o sujeito, da arquitetura não como projeto da matéria, mas projeto do espaço. Essa inversão do foco permite um novo potencial da arquitetura. Böhme identifica três vertentes que auxiliaram nesse novo entendimento: novos materiais industrializados, maior permeabilidade entre interior e exterior e a influência da arquitetura japonesa no ocidente.03

01 BÖHME, Gernot. Atmosphere as Mindful Physical Presence in Space. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.21,23. 02 Ibidem, p.23. 03 Ibidem, p.21-25.

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F36. À esquerda acima, Gunnar Asplund, Biblioteca Pública de Stockholm, 1928. F37. À esquerda abaixo, Sigurd Lewerentz, Igreja St. Marks, 1960 F38. À direita, Robie House, Frank Lloyd Wright, 1910.

F39. À esquerda, Igreja do Espírito Santo em Wolfsburg, Alvar Aalto, 1962. F40. À direita, Villa Mairea, Alvar Aalto, 1939.

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Novos materiais de construção que tornaram possível o desprendimento da perpendicularidade horizontal-vertical. Primeiramente aço e vidro que permitiram, por exemplo, as delgadas e amplas estações de trem e palácios de vidro, até as maravilhas e/ou atrocidades da era contemporânea. Assim, o desenvolvimento tecnológico também permitiu à arquitetura se libertar, pouco a pouco, de rígidas constrições para a criação de espaços inusitados, visando uma nova experiência do espaço.04 Em segundo lugar, a permeabilidade entre interior e exterior nos trabalhos de Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright. O convite da paisagem como espaço interno e vice e versa cria nova relação de espaço e experiência do movimento.05 O encontro, por volta de 1900, com a arquitetura tradicional japonesa, que trouxe uma nova compreensão do espaço em relação à cultura Ocidental.06 As paredes móveis e translúcidas, estrutura leve e integrada das casas japonesas, permitem a adaptação do espaço em relação aos diferentes usos cotidianos. Os espaços internos são reorganizados ao longo do dia, uma mesma sala utilizada para diversos afazeres. Na casa ocidental, cada cômodo possui uma função estabelecida, fazendo com que a pessoa se desloque pelo edifício. No entanto, na cultura japonesa, o movimento não é apenas do corpo em relação ao espaço, mas também do espaço em relação ao corpo.

F41. Acima, cozinha regular com o movimento pelo espaço necessário para preparar uma refeição. Embaixo, a cozinha extremamente funcional projetada por Margarete Scütte-Lihotzky, 1926.

Apesar dessas novas vertentes aparecerem, a ideia de arquitetura como um objeto geométrico permaneceu predominante, pois o seu inverso foi explorado de forma limitada. O espaço foi visto apenas como o negativo dos objetos, e não tanto em relação ao corpo e seu movimento. E ainda, quando o espaço era pensado para o movimento, a universalidade do corpo numa sociedade de massa trouxe a racionalidade e funcionalidade como motor principal do Modernismo. À exemplo, temos a cozinha de Frankfurt, projetada por Margarete Scütte-Lihotzky sob os princípios de eficiência e economia. No entanto, há uma outra vertente do modernismo que se distancia desse mecanicismo e foca na relação direta entre homem e natureza. Alvar Aalto é um de seus integrantes: “Tornar a arquitetura mais humana significa criar uma arquitetura melhor, o que por sua vez, implica um funcionalismo muito mais amplo do que aquele com bases exclusivamente técnicas. Esse objetivo só pode ser alcançado por métodos arquitetônicos – pela criação e combinação de coisas técnicas diferentes, de tal modo que elas possam oferecer ao ser humano uma vida extremamente harmoniosa.” 07 Além da abordagem menos mecanicista do corpo, as pautas modernas foram conciliadas com os valores históricos, os saberes e paisagem locais, não configurando a abrupta ruptura com o passado como em outros movimentos do modernismo. Assim, utilizam da sensibilidade ao lugar e da presença tátil e “sensual” do material como fontes poderosas para a criação de uma atmosfera arquitetônica. Pallasmaa cita Sigurd Lewerentz, Hans Scharoun, Gunnar Asplund e Alvar Aalto como orquestradores de uma atmosfera arquitetônica, que podem ser relacionados, a exemplo, às obras extremamente táteis de Frank Lloyd Wright. 04 BÖHME, Gernot. Atmosphere as Mindful Physical Presence in Space. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.23. 05 Ibidem, p.23,25. 06 Ibidem, p.25. 07 Alvar Aalto, citação disponível em: https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.070/367

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“(…) his buildings project a sensual presence and atmosphere. These spaces could be called haptic and ‘dense’ spaces, in the sense of the significant role of textural and material stimuli and varied illumination that enhances the tactile realm. The deliberate reduction of scale – a miniaturization of sorts – adds to the experience of nearness and intimacy.” 08 Böhme finaliza pedindo a inversão do enfoque na arquitetura, valorizando o ponto de vista do sujeito e como este percebe o espaço geométrico que o rodeia. Porém ambos devem ser trabalhados em conjunto, pois a percepção está na interação entre esses dois lados. “Architecture has traditionally understood space geometrically and considered the human in it as a body. Today, the focus must by contrast be on strengthening the vantage point of the experiencing individual and underscoring what it means to be mindfully present in spaces. This vantage point will open up a new level of creative potential for architecture. However, neither the one nor the other side should be given absolute priority. For truth lies in the interplay between them: between mindful physical presence and the body, between sensitivity and activity, between the real and reality.” 09 E dessa nova vertente que se abre para a arquitetura Peter Zumthor surge como um dos maiores exemplos atuais. Diferente dos arquitetos que pretendem maravilhar com grandes gestos monumentais, Zumthor maravilha de forma mais “contida”, mas não menos tecnológica ou impactante. Além de declaradamente pôr atmosfera como parte central de seu pensamento arquitetônico em seu livro ‘Atmosferas’, o próprio processo de projeto de Zumthor vai na contramão da maioria contemporânea e de encontro às rogas de Pallasmaa por sensibilidade e lentidão.

F42, 43. A engenharia da eficiência moderna é satirizada por Jacques Tati na comédia cinematográfica Mon Oncle, 1958.

08 PALLASMAA, Juhani. Orchestrating Architecture: Atmosphere in Frank Lloyd Wright’s Buildings. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.53. 09 BÖHME, Gernot. Atmosphere as Mindful Physical Presence in Space. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.31.

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Atmosferas

Concretar


II.

F01. Terma de Vals. Foto: Hélène Binet.


2.1

Terma de Vals Como exemplo de uma arquitetura pensada atmosfericamente, com ênfase na experiência do espaço através dos sentidos corporais, o objeto de estudo escolhido é a Terma de Vals do arquiteto suíço Peter Zumthor. A construção da atmosfera proposta deve-se a uma rigorosa combinação entre geometria, material e luz, numa incansável busca pela atmosfera sensual e serena dessa obra única. Zumthor declaradamente utiliza o conceito de atmosfera como parte fundamental de seu processo de projeto, e a obra em questão foi amplamente documentada tanto em caráter técnico quanto imaginário. Dessa forma, a partir desse exemplo, pretende-se analisar qual o processo e técnicas utilizadas para a orquestração da atmosfera pretendida. Neste capítulo, o ponto de partida é a Terma de Vals, contemplando as ramificações necessárias para seu entendimento do início até a conclusão da proposta final. A começar pelo programa do edifício. Inicialmente um concurso para expansão do hotel existente, nova casa de banho e um centro de reabilitação, com extenso requisito de programa e especificações técnicas e operacionais. Em 1986 o ateliê Peter Zumthor é o ganhador, porém para o projeto com custo de 44 milhões de francos suíços seria necessário financiamento externo, o que se tornou uma impossibilidade. Em 1990, a comunidade de Vals, representada pela empresa Hotel und Thermalbad AG, fundada em 1983 para gestão do hotel e nascente de água termal, comissionou diretamente ao ateliê um novo programa, apenas com a casa de banho, que substituiria a existente construída na década de 60. Em contraste com a proposta anterior, o edifício seria menor, independente, financiado exclusivamente pela municipalidade de Vals, com o objetivo de ser uma importante contribuição para a infraestrutura turística, atraindo pessoas para o hotel e o vilarejo. Surge então uma nova proposta, um edifício solitário, com uma área de spa incorporada, construído semienterrado na encosta da montanha e minimamente conectado com o hotel. No livro ‘Peter Zumthor Therme Vals’, Zumthor descreve a ideia central que captura a aura de seu projeto, em conjunto com o primeiro croqui desenvolvido para a nova proposta: “The beginning was easy. Going back in time, bathing as one might have a thousand years ago, creating a building, a structure set into the slope with an architectural attitude and aura older than anything already built around it, inventing a building that could somehow always have been there, a building that relates to the topography and geology of the location, that responds to the stone masses of Vals Valley, pressed, faulted, folded and sometimes broken into thousands of plates - these were the objectives of our design.” 01 01 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.22.

42


A partir dessa descrição a análise da obra foi dividida em: Vila, o ponto de partida, introdução ao lugar, suas especificidades e para quem aquela obra se destina; Água, a experiência do banho através da história e as possíveis relações com a terma atual; Montanha, parte inicial do processo de projeto de Peter Zumthor relacionado à obra; Pedra, arremate do projeto.

F02. Implantação Terma de Vals.

F03. Planta baixa Terma de Vals.

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2.2 LINHA DO TEMPO ~300 milhões de anos atrás Formação Geológica da pedreira/ pedra de Vals

F04. ~50milhões de anos atrás Formação dos Alpes e consequente formação/transformação da pedreira e suas características geológicas. Idade do Bronze Populações pré-históricas habitaram a região, mas pouco se sabe sobre isso. Fragmentos e restos de animais foram encontrados durante a construção do primeiro banho termal em Vals, inaugurado em 1893. séculos XI - XII Povo Ratheo-Romanic habitava esparsamente a região

Vila Vals é uma comuna na Suíça, localizada no cantão de Grisões, próxima à capital Coira. Com cerca de mil habitantes, o vilarejo antigo possui uma atmosfera aconchegante. Pequenas construções isoladas espalham-se ao longo do rio que corta o vale. Casas de pedra e madeira demonstram a passagem do tempo em sua superfície, seus telhados em quartzito de Vals sustentam a neve do inverno e mesclam com a paisagem montanhosa ao fundo. As cabanas de caça pinceladas nas encostas parecem ser tão antigas quanto a história da cidade, dando um ar sereno e intocado àquela montanha, quase como se um pastor em vestimentas de época estivesse por atravessar uma das portas. O pouco que se sabe sobre o surgimento da cidade está nos arquivos e descrições compilados, documentados e publicados em estudos sobre a língua, cultura e arquitetura de Vals por Johann Josef Jörger (1860-1933). Não se sabe ao certo quando ocorreu o primeiro assentamento no local, porém, durante a construção do primeiro banho termal da região, inaugurado em 1893, foi descoberta uma antiga cisterna de alvenaria enterrada no local. Em seu interior, fragmentos e osso de animais datados da Idade do Bronze foram encontrados. Isso aponta para uma possível conexão como local de banho ou de rituais já numa época anterior ao ano zero. O território da Suíça foi romanizado por volta dos séculos I e III d.C., dando origem ao povo Reto-Românico, população falante de um latim vulgar e proveniente da província de Raetia do Império Romano (hoje ocupado por leste e centro Suíça, sul da Alemanha, norte da Lombardia e parta da Áustria). Esses ocuparam esparsamente a região do cantão de Grisões durante os séculos XI e XII. No século XIV, os Walsers01 , agricultores e pastores acostumados às condições montanhosas severas, chegam a Vals para cultivar as terras montanhosas em troca de certa liberdade e condições dos senhores e proprietários feudais. Nessa época foram erguidas a praça e igreja que, apesar de reconstruída em 1643, permanecem no mesmo local.02 Documentos do século XVI, identificados por Jörger, confirmam conhecimento já existente das propriedades medicinais das águas da montanha Roota Häärd (lareira vermelha), onde a terma atual localiza-se. Em documento posterior, século XVII, menciona-se um banho termal no local, porém a fonte termal foi inutilizada até o início do século XIX quando, em 1826, a primeira análise química das propriedades de sua água passa a atrair médicos e farmacêuticos. Em 1873, nova análise das águas é levada à Feira Internacional de Viena, aumentando sua popularidade internacional.

F05.

44

01 Povo falante de um dialeto germânico e proveniente do Cantão de Valais. 02 Website da Igreja de Vals, Pfarrkirche St. Peter und Paul. Disponível em: http://www.kirchgemeindevals.ch/kirche--kapellen.html


F06. Vista vilarejo de Vals em meados de 1900. Vals Archive

F07. Vista vilarejo de Vals atualmente. Foto: Truffer AG

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século X-XI Agricultores e pastores Alemanic, assentaram nas encostas do rio Ródano. século XIV Walsers, povo proveniente do Cantão de Valais, acostumados às condições montanhosas severas, chegam a Vals para cultivar as terras montanhosas em troca de certa liberdade e condições dos senhores e proprietários feudais. Formação da primeira vila e praça central, Vals-Platz. 1451 Igreja da praça batizada em nome de São Pedro, de grande importância para a cidade.

A década de 50 também foi importante para a comunidade, Albin Truffer funda a primeira empresa para comercialização da pedreira e seu quartzito de Vals. O material, tradicional nas construções da região, era retirado de forma manual pelos moradores para construções próprias. Por séculos foi utilizado, sendo parte da história e cultura construtiva local. Albin Truffer garantia cem anos para seus telhados feitos com a pedra, demonstrando a tradição e confiança no material.04 Reestruturada em 1983 como Truffer AG por Pia e Pius Truffer, hoje detém importante parcela dos empregados e renda da cidade. A família possui vínculo profundo e detém a confiança da comunidade de Vals. Em 1957 entra em operação a hidrelétrica Zervreila, onde deságua o rio que passa por Vals, de grande importância econômica para a cidade.05 Esses pontos foram importantes para a realização da atual terma: os Truffers como um dos principais entusiastas e organizadores do projeto; a pedra de Vals como seu símbolo; e a robusta renda anual da hidrelétrica, possibilitaram ao município dinheiro e coordenação necessários para sua construção.

XVI Documentos da época confirmaram o conhecimento já existentes das propriedades medicinais das águas da montanha Roota Häärd (localizada atrás das termas de Vals).

Em 1970 quatro complexos de hotéis, ainda existentes, substituem o anterior com 345 novos apartamentos. E ainda, nova estação de engarrafamento e distribuição de água mineral, sob o nome Valser St. Petersquelle, pela empresa Valser Mineralquellen AG. A fonte da água termal se divide nessas duas vertentes: fornecimento dos banhos e de água mineral. Em 1983 o complexo de hotéis passa para a comunidade de Vals que funda a empresa Hotel und Thermalbad Vals AG para gestão do hotel e da fonte termal.

XVII Documento menciona um banho termal em Vals, mas a fonte termal foi inutilizada até o início do século XIX.

O turismo, encabeçado pelo complexo de hotéis e spa, representa o cerne da economia local. Durante o inverno com a temporada de esqui e no restante do ano com trilhas montanhosas. Por isso, a comuna, que agora detinha do controle do hotel, resolve investir num projeto especial para revitalizar o turismo.

XVII Documento menciona um banho termal em Vals, mas a fonte termal foi inutilizada até o início do século XIX.

Pius Truffer, empresário e presidente da Hotel und Thermalbad AG, e seu amigo Peter Schmid, jornalista, encabeçaram um pequeno grupo de jovens do vilarejo que através de ativismo político informaram e recrutaram pessoas importantes do vilarejo, e, por fim, após diversas assembleias municipais, convenceram seus conterrâneos a aprovarem o projeto da nova terma. Inaugurada em 1996, sua volumetria sóbria de pedra, água e luz encantou a todos e trouxe reconhecimento internacional para Vals que colheu os frutos com o aumento do turismo. O impacto da obra foi tamanho que apenas dois anos após a inauguração o edifício foi tombado como patrimônio. A terma foi construída com o dinheiro dos impostos locais e renda proveniente da hidrelétrica. Sua gestão, através da Hotel und Thermalbad AG, também feita por seus

F08.

F09.

46

O turismo Europeu está diretamente relacionado à expansão de estradas e trilhos e em Vals não foi diferente. Em 1880, com a inauguração da estrada que conecta Vals à Ilanz, e posteriormente em 1903 com a chegada da estrada de ferro em Coira, tornou-se atraente para um investidor privado inaugurar, em 1893, o primeiro hotel spa da região, com 60 camas e casa de banho. E ainda, segundo Robert Schwarz, a água mineral de Vals, importante símbolo local, foi engarrafada e distribuída pela primeira vez. Depois de um período de recessão, a empresa dona do hotel spa teve que ser dissolvida e, a partir de 1936, apesar do contexto de guerra, sob nova gestão de Alfred Grüniger, hotel e cidade experienciaram um crescimento econômico e a inauguração de uma piscina externa aberta o ano todo.03

03 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.130. 04 Ibidem, p.28. 05 Informação retirada do site oficial da empresa Truffer. https://truffer.ch/truffer-ag.


habitantes. É evidente a força da comunidade no desenvolvimento da cidade e seu envolvimento no projeto, que Peter Zumthor relembra com carinho como um “projeto social”06. Sem a confiança da população no julgamento de algumas pessoas nascidas e crescidas no vilarejo que encabeçaram a proposta e a construção da terma, e a confiança e carinho no material proveniente de sua terra e que abriga suas casas, a Terma de Vals não seria possível. Segundo Peter Zumthor: “We architects were able to think the Therme Vals in radical terms because the people in Vals permitted us to think it in radical terms. They wanted special baths to suit them and their place; they proudly made it clear to us that they and their village are special, too.” 07 E por isso, em entrevista à Fondation Beyeler em 2017, foi com tristeza que Zumthor relembra a venda do complexo de hotéis e casa de banho para o controverso incorporador Remo Stoffel. “The bath is a landmark so nothing will happen to the bath, but this social project is dead”08, diz Zumthor. A venda aconteceu em 2012, após redução no rendimento do complexo de hotéis. Segundo Anna , neta de uma moradora antiga de Vals, a terma se beneficia do retorno de pessoas que foram esquiar nas montanhas próximas. Porém, com o aquecimento global, muitas montanhas sofreram redução considerável da neve, restringindo drasticamente a temporada de esqui. Por essa e outras razões, o turismo na região vem diminuindo consideravelmente. Então, a comunidade optou, em assembleia municipal, pela proposta de compra de 7,8 milhões de francos suíços do incorporador Remo Stoffel, rejeitando a contraproposta do próprio arquiteto Peter Zumthor. Segundo notícias, a escolha foi influenciada pela promessa de Stoffel em um investimento de 50 milhões CFH no hotel, e um centro multi-uso de 6 milhões para a comunidade de Vals.09 O complexo foi renomeado como 7132 Thermal Baths e, em 2017, inaugurou reforma de uma das alas com quartos de luxo projetados por Tadao Ando, Kengo Kuma, Thom Mayne, e Peter Zumthor10. Nesse meio tempo, o escritório Morphosis de Thom Mayne ganha competição para a 7132 Tower, com proposta para a maior torre de hotel da Europa com 381 metros, enfincada em meio às pequenas casas e cabanas de Vals. O intuito seria abrigar clientes de altíssimo poder econômico, que chegariam de helicóptero e pagariam milhares de francos suíços para um final de semana.11 Sob controversas, a torre programada para ser completada em 2019, não saiu do papel. Tadao Ando também foi encarregado de projetar um parque, Valser Path, para o complexo. Kengo Kuma realizou projeto para novo escritório da Truffer AG12, em construção no momento da visita. Até mesmo a companhia que comercializava a água mineral da fonte, Valser Minetalquellen AG, foi vendida em 2002 para 06 MAIR, Jessica. Therme Vals spa has been destroyed says Peter Zumthor. Dezeen, 11 de maio de 2017. Disponível em: https://www.dezeen.com/2017/05/11/peter-zumthor-vals-therme-spa-switzerland-destroyed-news/ 07 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.181 08 MAIR, op. cit. 09 ROSTETTER, Andri. Vals kämpft um seinen Ruf. St. Galler Tagblatt, St. Gallen, 29 de março de 2012. Disponível em: https://www.tagblatt.ch/schweiz/vals-kaempft-um-seinen-ruf-ld.710593 10 MCKNIGHT, Jenne. Morphosis designs bedrooms for hotel at Zumthor’s Vals spa. Dezeen, 16 de fevereiro de 2017. Disponível em: https://www.dezeen.com/2017/02/16/morphosis-hotel-rooms-stone-wood-interiors-vals-swiss-mountain-resort-peter-zumthor-spa/ 11 WINSTON, Anna. Morphosis unveils plans for “Minimalist” skyscraper next to Zumthor’s Therme Vals. Dezeen, 25 de março de 2015. https://www.dezeen.com/2015/03/25/morphosis-unveils-minimalist-skyscraper-7132-hotel-zumthor-therme-vals/ 12 Website Truffer AG. Disponível em: https://truffer.ch/truffer-ag

F10. 1826 Aumento da popularidade das água termais de Vals atraiu diversos médicos e farmacêuticos. Nesta data, um farmacêutico de Coira fez a primeira análise química das águas. 1850 Construção de uma pequena casa de banhos 1873 Nova análise química das águas é levada à Feira Internacional de Viena, aumentando sua popularidade internacional. 1880 inauguração da estrada que conecta Vals à Ilanz. De grande importância para o aumento do turismo na região. 1893 Construção do primeiro hotel spa pela empresa Aktiengesellschaft Therme, fundada em 1891. O hotel continha 60 camas e uma casa de banhos. Água da fonte termal foi engarrafada e comercializada pela primeira vez.

1903 Estrada de ferro chega a Coira.

F11.

47


a multinacional Coca-Cola, que pretende expandir a produção com a perfuração de mais um poço. Isso demonstra o interesse e investimento que paira sobre Vals após a inauguração da terma, voltados para um turismo de elite e projetos milionários que não parecem condizer com a paisagem e história local. 1936-1954 Novo dono do hotel, Alfred Grüniger, aproveita o boom econômico de Vals para investir no hotel e inaugurar uma piscina externa aberta o ano todo. 1950 Albin Truffer funda empresa para comercialização da pedreira de Vals. “one-hundred-year guarantee for his roofs” Originalmente, qualquer um poderia extrair da pedreira, manualmente, se fosse utilizado para sua própria casa.

O status estelar que a terma alcançou internacionalmente trouxe novas grandes promessas econômicas e arquitetônicas que poderão mudar radicalmente esse charmoso vilarejo montanhoso. Segundo Zumthor: “The Thermal Baths in Vals were never envisioned as a marketing product that would attract attention through name recognition or by being an extravagant landmark. Architectural tourism was not an issue. The overriding concern throughout was the quality of the services: bathing as an experience and a ritual. We wanted to create a place of rest and relaxation for the encounter between the human body and the water issuing from the spring in the mountainside just a few meters above the baths: vigorous, self-contained and rooted in the valley. It is a joy to see how a building born of these ideas is new experienced and enjoyed in the fashion in which it was conceived. People often say walking into the baths is like being immersed in another world. The baths are an inspiration, a font of images.” 13 Porém, pelo projeto ser centrado na experiência do sujeito de certo modo atemporal e não no que está no seu entorno imediato é que talvez consiga suportar, em parte, as grandes mudanças que estão por vir, sem diminuir sua atmosfera interna. A Terma de Vals permanecerá relacionando-se com a montanha, a fonte e o corpo que a visita. A essência de uma experiência voltada ao ato de banhar-se continua, mesmo que seja para uma parcela de visitantes cada vez mais restrita.

F12. 1957 Inauguração da hidrelétrica Zervreila. De grande importância econômica para a cidade, pois fornecia uma boa renda anual que possibilitou o investimento futuro da atual terma.

F13. 1970 Inauguração de quatro complexos de hotéis por investidor privado, com 345 apartamentos. E ainda, nova estação de engarrafamento e distribuição de água mineral, sob o nome Valser St. Petersquelle, pela empresa Valser Mineralquellen AG. 13 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.180.

48


1974 Complexo de hotéis vendido para o Banco Suíço. 1983 Posse do complexo de hotéis passada para a comunidade de Vals. Fundação da empresa Hotel und Thermalbad Vals AG para gestão do hotel e da fonte termal. 1991 Início do projeto da atual terma pelo ateliê Peter Zumthor.

F16. F14. Vilarejo de Vals, vista de colina oposta. JC0220.

1994 Início das obras. 1996 Inauguração das Termas de Vals.

F17. 2002 Valser Minetalquellen AG vendida para a multinacional Coca-Cola, agora com direito de comercialização da água mineral da região.

F15. Novo sede Truffer AG, projetado por Kengo Kuma, sendo construída. JC0220.

2012 Após votação em assembléia municipal, controverso investidor Remo Stoffel é escolhido para compra das ações da Hotel und Thermalbad Vals AG, contra proposta do próprio arquiteto Peter Zumthor.

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2015 Morphosis Architects revela torre espelhada de 381m como projeto para o nova adição ao complexo de hotéis que Remo Stoffel tenta emplementar. O projeto sofreu críticas e ainda não saiu do papel.

2017 Inauguração novo Hotel 7132 Thermal Baths, com quartos projetados por Tadao Ando, Kengo Kuma, Thom Mayne, e Peter Zumthor

F18.

F19.

2020 Projeto de Kengo Kuma para nova sede da Truffer AG sob construção.

F20.

FXX.

50

F21. Hotel 7132, projeto para torre de anexo ao Hotel 7132.


F22. Foto aérea terma, complexo de hotéis e seu entorno imediato. Os grandes investimentos e projetos para esse vilarejo podem em pouco tempo mudar completamente esta paisagem.

51


2.3

Água A importância da água e do ritual do banho transpassa inúmeras culturas e religiões. A imersão em água como um ritual de purificação espiritual ou físico está presente no mundo todo, podendo ser em locais controlados como no batismo cristão, ou sob a força da corrente nos rituais de purificação hindus à beira do rio. Não se trata de uma linearidade histórica da simbologia da água entre as diferentes culturas, pois o elemento assume um arquétipo que as transpassa, uma universalidade. Rituais aquáticos são geralmente cerimônias de purificação, seja como preparação para orações no Islã, renascimento no cristianismo ou bem-estar e cultivo do corpo para os gregos. Em termos mais gerais, Mircea Eliade afirma, a imersão em água significa a regressão à um estado anterior: anterior à impureza, fatiga, doença.01 A lenda da fonte da juventude nada mais é do que regredir à sua pré-forma. Na história Ocidental, os Celtas conheciam os atributos medicinais de fontes termais, utilizando-as com propósito de cura, purificação e adoração. Algumas termas de maior importância foram transformadas em locais sagrados, onde eram performados rituais, reuniões, e cerimônias religiosas relacionados à água e seus espíritos. Peregrinações para tais lugares buscavam o revigoramento mental e físico, seu percurso possuía diversas termas como paragens.02 Em muitos desses pontos, locais de banhos foram construídos. E nesse aspecto, Sigrid Hauser comenta, os druidas foram os primeiros turistas dos banhos termais pela Europa. Os Romanos beneficiaram-se imensamente dessa cultura, diversas termas foram construídas em cima das celtas.03

F23. Lord Frederic Leighton, The Bath of Psyche, 1890. Tate Gallery.

Para os Gregos, os banhos também eram um local de culto e cura física. Hipócrates, o Pai da Medicina, reconhecia os benefícios terapêuticos das fontes, fazendo amplo uso da hidroterapia. Templos erguidos à Asclépio, e posteriormente Esculápio para os Romanos, deus da medicina, situavam-se próximos a fontes e possuíam locais de banho. O processo de cura consistia em um ritual de imersão, beber da água e dormir. Os sacerdotes do templo também possuíam função de médico, algo muito comum nas culturas antigas.04 Os banhos gregos também foram atrelados a instalações esportivas e de grande importância para o culto ao corpo. Por exemplo, na região da Lacônia, os espartanos construíram banhos militares com câmaras aquecidas que eram atrelados à rituais esportivos e sociais. Características desses banhos podem ser encontrados em termas romanas, por exemplo o cômodo laconicum cujo nome provem dessa região.

01 02 03 04

52

HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.152. Ibidem, p.176. Ibidem, p.176. Ibidem, p.21.


F24. Sir Lawrence Alma-Tadema, A Favourite Custom, 1909. Óleo sobre madeira, 660 x 451mm. Tate Gallery, Londres.

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Os banhos gregos eram caracterizados por uma planta menos rígida, câmaras circulares com banheiras individuais (tholoi), com câmaras retangulares adjacentes e uma fornalha central. Cômodos e piscinas aquecidas por fornalhas e circulação de ar já podiam ser encontradas na Grécia antiga. A exemplo temos os banhos em Morgantina, no centro da atual Sicília [vide imagem 25]. Outra importante característica grega foram os ginásios ou palaetras, espaço para exercício físico à céu aberto, rodeados por colunatas e outras instalações, como banhos.05

F25. Banho Norte de Morgantina.

Os romanos puderam experienciar os exemplos gregos no sul da Itália, e acabaram por incorporar e desenvolver a cultura do banho em seu cotidiano. As termas tornam-se importantes locais de socialização, e assim, um local público fundamental do Império Romano. Dessa forma, banhos termais foram construídos com o dinheiro do governo por todo o território, até nas províncias conquistadas. Sua entrada era geralmente gratuita, aumentando a popularidade do imperador que utilizava das termas como importante poder político de distração. As grandes e suntuosas termas imperiais eram uma demonstração de poder e prosperidade do império.06 Um dos incentivos para a disseminação da cultura balneária romana é a convicção do banho como imprescindível à saúde, reconhecida no mundo antigo há milênios. O vínculo entre água e prevenção ou cura de enfermidades descrito nos templos também integravam alguns dos banhos romanos com salas para processos terapêuticos e até operatórios.07 Asclepiades de Bitínea, médico grego discípulo da escola Hipocrática, introduziu, além de recomendações de exercícios e dieta, um regime de banho: começando com exercício, para passagem gradual de áreas frias, mornas e quentes, transpiração, massagem e por fim um banho gelado.08 A organização arquitetônica de um típico banho romano segue essa ordem estipulada: Apodyterium: eram as primeiras salas do percurso, local para despir-se e deixar os pertences antes de adentrar o banho. Similares aos vestiários atuais.

F26. Jean-Léon Gerôme, The Bath, 1880–1885. Óleo sobre tela, 737x597mm. Museu de Belas Artes de São Francisco

Palaestra: local para realização de exercício físico antes do banho, geralmente um pátio aberto com colunatas, muito semelhante ao grego. Frigidarium: cômodo frio, com banhos de água fria. Tepidarium: cômodo morno, local e descanso e transição para o banho quente. Caldarium: cômodo com banhos de água quente. Geralmente bem enfeitado, luminoso e aquecido. Laconicum: cômodo quente e seco para transpiração. Aquecido por uma fonte de calor central, como pedras ou carvão em brasa. Tipicamente Grego, não necessariamente é encontrado nos banhos públicos. Sudatorium: cômodo com vapor quente para transpiração. Natatio: piscina fria comum, geralmente ao ar livre, para encerrar a experiência de banho. Presente em termas de maior dimensão.

F27. Sir Lawrence Alma-Tadema, The Baths of Caracalla, 1899. Óleo sobre tela, 1523 x 953mm. Coleção privada.

Para o óptimo funcionamento do programa foram desenvolvidas tecnologias de captação e aquecimento de água. Entre elas o Hypocaustum, consiste em piso 05 06 07 08

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YEGÜL, Fikret K. Baths and Bathing in Classical Antiquity. New York: MIT Press, 1996. p.21-24 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.153. Ibidem, p.21. YEGÜL, Fikret K. Baths and Bathing in Classical Antiquity. New York: MIT Press, 1996, p.352-355.


F28. Planta baixa Stabian Bath, Pompéia.

F29. Planta baixa Termas de Caracala, Roma.

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F30.Detalhe de um hypocaustum

elevado por pilares de tijolo ou pedra com cavidades para circulação de ar aquecido por fornalhas (praefurnium). Tais fornalhas localizavam-se no exterior ou interior e poderiam aquecer água em caldeiras de cobre e até paredes ocas. Esse sistema de aquecimento conseguia promover diferentes graus de temperaturas para diferentes cômodos dependendo da extensão e configuração do piso e paredes. Em grandes termas, galerias subterrâneas continham as fornalhas e os escravos necessários para atender todas suas necessidades. A grande engenhosidade dos romanos foi utilizar dessa tecnologia para moldar e aperfeiçoar a arquitetura dos banhos.09 Em conjunto, grandes infraestruturas aquáticas foram desenvolvidas nessa época como os aquedutos, canais, represas e cisternas. Os edifícios menores eram chamados de balnea, atingindo até grandes complexos, designados de thermae, [do grego thermo (quente)] como as Termas de Caracala e de Diocleciano de caráter monumental. As termas imperiais, abrigavam mais do que o programa usual descrito e iam além dos prazeres do banho e exercício. Possuíam locais para socialização e atividades intelectuais, configurando um complexo de entretenimento. Poderiam ser encontrados grandes jardins, restaurantes, salas para palestras e até bibliotecas. A imersão em água quente despertava os sentidos e trazia uma sensação de leveza e frescura, um estado de gozo que os romanos denominavam voluptas. Aliado ao caráter fisiológico do ato de banho, a arquitetura também buscava incorporar e intensificar esse prazer, os espaços eram luxuosos, iluminados e agradáveis. Os patrícios, em seus banhos particulares, e o estado não poupavam recursos em os tornar o mais opulento possível.10 Com a imposição do cristianismo por Constantino, recaiu uma objeção cristã à nudez e atletismo, e a prática do banho passa a ser considerada como luxuosa e indecente. Com a caída do Império Romano do Ocidente a cultura do banho como prática social desaparece. Na Europa, as termas foram gradualmente abandonadas, e sua prática cairia no esquecimento até o século XII.11 Porém, no Oriente, mais especificamente na Ásia Menor e norte da Síria, a cultura balnear da antiguidade clássica encontrou uma continuidade, possibilitada pela estabilidade do Império Bizantino, desenvolvendo-se para os tradicionais banhos públicos Árabes, islâmicos e Turcos. O lavar-se possui um papel importante no cotidiano islâmico, incluindo a ida ao banho público na sexta-feira antes da jornada à Mesquita. Porém, além da higiene física, procura o relaxamento e a interação social, nesse aspecto similar à cultura balnear romana. Os banhos, chamados de Hammam, derivado da palavra árabe que significa “aquecer”, constitui-se de um grande hall de entrada, uma câmara intermediária, uma sauna seca ou a vapor e o banho principal de formato octogonal, com um domo perfurado por pequenas aberturas circulares ou em formato de estrela que deixam a luz entrar. Com uma temperatura média ambiente de 40°C, o piso, paredes e bancos de pedra são aquecidos pela circulação de ar via tubos ou cavidades e podem atingir temperaturas ainda maiores. Depois de transpirar e massagear-se nas pedras quentes, lava-se em fontes de água corrente e retorna-se para o hall principal que proporciona um local de descanso, contemplação e envolver-se numa discussão engajante.12

F31.Hammam Casablanca.

A inspiração no banho romano é enriquecida por influências bizantinas e persas. 09 10 11 12

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YEGÜL, Fikret K. Baths and Bathing in Classical Antiquity. New York: MIT Press, 1996, p.356–395. Ibidem, p.250. HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.154. Ibidem, p.122-125.


F32. Sir Edward John Poynter, A Visit to Aesculapius, 1880. Óleo em tela, 151 x 229cm. Tate Gallery, Londres.

F33. Jean-Léon Gerôme. Terrace of the Seraglio, 1886. Fotogravura, 178x254mm. Coleção privada.

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F34. Dan May, Devil in the Baths, 1989. Monoimpressão, 297x381mm. Coleção de William e Georgia May.

F35. Poster, Baden, Suíça.

F36. Poster, Baden-Baden, Alemanha.

Após a dinastia Omíada conquistar a Espanha no século VIII, o banho público desenvolve inúmeras variações pela Europa e vai se estabelecer nos Balcãs e Hungria com o Império Otomano. Nesse meio tempo, as Cruzadas vão trazer à Europa medieval saunas públicas realçadas com ervas e pétalas de flores, servindo de inspiração para diversos artistas retratarem fantasia bacanais. Porém, no século XV a Igreja Católica proíbe os banhos e saunas públicas e apenas no final do século XIX o interesse balneário ressurge na Europa com o surgimento de novas terapias medicinais termais e extensão das ferrovias.13 Essa confluência criou diversas “cidades termais”, como Baden-Baden, Bath, Budapest, Karlovy Vary, Spa e Vichy, atraindo a elite política e cultural europeia da Belle Époque. Diversas estâncias balneares luxuosas, ou spas, foram construídos, alguns lugares continham antigos banhos romanos que já tinham o conhecimento de suas propriedades termais. Pode-se dizer que esses interesses cimentaram o turismo como é conhecido atualmente, com a construção de diversos hotéis de luxo, cassinos, restaurantes, bares e outras atividades de entretenimento para atrair essa clientela elegante. Justamente nessa época, a primeira terma em Vals é construída em 1893. Com duas guerras mundiais o turismo balneário diminuiu e só retornaria com mais força no século XXI. Não se sabe ao certo a origem da nomenclatura Spa, alguns afirmam poder ser um acrônimo da frase em Latim “sanitas per aquas”, saúde por água.14 Apesar do conhecimento médico ter avançado, a ideia de saúde promovida por tais lugares é associada a hidroterapia, massagens, exercícios e dieta, assim como tantos médicos recomendaram na Antiguidade. E assim como os banhos antigos, os spas prezam o relaxamento do corpo e mente e são acompanhados de uma arquitetura luxuosa, porém o fator social não é mais um dos principais pontos. Talvez o fator mais importante para a retomada desses espaços de relaxamento seja a reconfiguração do conceito de bem-estar, wellness. O marketing explorado em cima disso acabou por levar a uma nova onda de spas no final do século XX e início do XXI. Em 1996 a terma de Vals foi inaugurada. Assim como tantos outros, o edifício também pretende conectar-se com esse prazer da experiência do banho e intensificá-la por meio da arquitetura. No entanto, sua suntuosidade não está numa decoração carregada como nos banhos da antiguidade ou das cidades termais, mas numa simplicidade sensível que vai estimular diversos receptores sensoriais para intensificar a voluptas. Para isso, Peter Zumthor retoma experiências presentes nos banhos romanos e turcos, indo além do programa especificado no início do projeto com piscina interna, externa e uma área para massagens e terapias. O novo programa possuiu espaços com grande diferença de temperatura, assim como o frigidarium e caldarium. Um espaço com aromaterapia e pétalas, como os encontrados em banhos no Oriente. Beber da água da nascente, como nos templos e rituais antigos de cura e purificação. Duchas e gárgulas podem simular a água corrente necessária para algumas cerimônias religiosas e nas fontes presentes no Hammam. A sauna a vapor apresenta similaridades com o banho turco e o laconicum. Espaços secos com temperatura morna para descanso, como o tepidarium. Um dos espaços assemelha-se a uma gruta, talvez relacionado às primeiras experiências de banho existentes. Porém foi apenas na quase finalização do projeto que Zumthor foi visitar os antigos 13 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.125 14 VAN TUBERGEN, A.; VAN DER LINDEN, S. A Brief History of Spa Therapy. In: Annals of the Rheumatic Diseases, 2002. P.273-275. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1136/ard.61.3.273

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F37. Gravura de odaliscas atendendo ao banho de um sultão, início XIX.

F38. Royal Hotel, Evian-les-Bains, França.

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banhos turcos em Budapeste, Istambul e Bursa. Descreve uma atmosfera calorosa, especial, quase anciã, onde o corpo relaxa e entende seu próprio peso e posição. Então reconhece que a natureza meio mística que ele buscou em sua obra deve estar relacionada à uma herança universal profundamente arcaica.15 Pallasmaa chama de “embodied image”, um reconhecimento inconsciente de imagens e significados primitivos que vão potencializar a experiência sentida. Não se sabe ao certo quais dessas referências e influências atravessaram o processo de projeto de Zumthor. E talvez elas não devam ser descritas, como indaga Steven Holl: “Perhaps intuition can never be described; it remains in a well-deserved oblivion, like an obscure book by a forgotten author.”16 Dessa forma, durante o desenvolvimento da explicação da obra, será apresentada a metodologia de projeto descrita pelo próprio arquiteto em “Thinking Architecture”, referências confirmadas no livro “Peter Zumthor: Therme Vals”, e referências selecionadas por mim para o melhor esclarecimento dos temas.

15 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Birkhäuser, 1998. p.156. 16 HOLL, Steven. Written in Water. Baden: Lars Müller, 2002, prólogo, páginas não numeradas.

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F39. Terma de Vals, piscina central com aberturas zenitais como nos hammams. Foto: Hélène Binet.

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2.4 Desacelerar

Montanha “There is a secret bond between slowness and memory, between speed and forgetting. Consider this utterly commonplace situation: A man is walking down the street. At a certain moment, he tries to recall something, but the recollection escapes him. Automatically, he slows down. Meanwhile, a person who wants to forget a disagreeable incident he has just lived through starts unconsciously to speed up his pace, as if he were trying to distance himself from a thing still too close to him in time. In existential mathematics, that experience takes the form of two basic equations: the degree of slowness is directly proportional to the intensity of memory; the degree of speed is directly proportional to the intensity of forgetting.” Milan Kundera, Slowness Na reclusa cidade de Haldenstein, Suíça, seu ateliê passa anos trabalhando em poucos projetos, cuidadosamente selecionados e confeccionados. No caso da terma de Vals, cinco anos, com mais dois anos para a proposta anterior. Em seu manifesto para a 15ª Bienal de Arquitetura de Veneza, o gabinete reforça sua contraproposta à esfera profissional da arquitetura atual, tão criticada por Pallasmaa, ao relacionar-se com materiais e com o tempo de forma diferenciada: “Zumthor’s work has paid special attention to construction, material, and craft. This attention to construction is not limited, however, to the physical quality of the object, even though his knowledge of matter is deep and the rules that generate forms are a clear consequence of the logic of the material. Whether in stone, wood, concrete, or glass, Zumthor’s work shows a great concern for the experience of materials: temperature, weight, scent, light. In this intensified notion of construction there is a principle of universality. Unlike architectures that rely on technology to be produced, making any copy of such buildings without the same resources rather pathetic, Zumthor’s universality makes his projects familiar, even in distant contexts, allowing his approach to architecture to achieve a global reach. On the other hand, he takes much more time to deliver a project than conventional (global, corporate) standards. He uses time as an antidote to probably one of the biggest threats for contemporary architects, which is to copy oneself. (…) By taking time, Zumthor has the ability to face each project as if it was the first. It is no surprise, then, that his projects exhibit a variety of languages, forms, and geometries, barely transposing a formula from one project to another. Such attention is extremely important in the fight against the homogenization of our built environment and consequently the homogenization of our lives.” 01 01 Catálogo da 15ª Mostra Internazionale de Veneza, 2016, p.180. Também disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/_/eQGwuTowXOgHwg

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F40. Ateliê Peter Zumthor em Haldenstein Foto: Hélène Binet

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Peter Zumthor é muitas vezes associado à uma arquitetura “minimalista” pela sua volumetria comedida, mas se desvencilha da certa “desmaterialização” que acompanha essa linha. Prefere lapidar seus projetos como joias, cuidadosamente orquestrando materiais e seus fatores sensoriais sinestésicos. Como a terma de Vals, sua geometria rígida é completamente transformada pelo modo como os materiais são trabalhados em conjunto e pela luz. Para tal, mune seu ateliê com incontáveis amostras e maquetes de diferentes escalas e materiais. Essa presença física e olhar minucioso é de vital importância para seu processo de projeto. Há quem trace uma linha direta entre essa artesania e sua bibliografia como filho e aprendiz de marceneiro. Porém, segundo Friedrich Achleitner, essa relação pode levar a conclusões errôneas, pois apesar do alto saber técnico do fazer, Zumthor não se deixa seduzir pela criação de uma arquitetura-objeto.02 Pelo contrário, ele dá grande relevância ao não material, às entrelinhas da matéria, à atmosfera. O manifesto do ateliê também grifa o tempo como um antídoto contra copiar-se a si mesmo. Apesar de ser presunçoso pensar que não há correlações estilísticas entre seus projetos, de fato o arquiteto utiliza desse tempo para buscar um olhar renovado sobre as especificidades que se apresentam em cada obra. Seu processo de projeto é demorado no melhor dos sentidos, dedicação incansável. “Time is an essential element for Zumthor, and he takes it at length. There is time to observe, to forget, to go back, to turn around, to contemplate and to reject, and all at different times of the day, under a changing light.” 03 Em um ensaio entitulado “On Slowness”, Tod Williams e Billie Tsien, também reforçam a importância do tempo alongado de projeto. Descrevem seu processo não linear e a inocência como semente de inspiração, encarando cada projeto com a maior liberdade possível: “We try to fight through what we have learned, toward the freedom found in innocence. (…) With each project, it feels as though we are infants learning how to walk. We pull ourselves up, wobble, take a few steps, and fall down.” 04 Inocência também pode ser relacionada com incerteza, a qual Pallasmaa dá vital importância no processo criativo.05 Apesar de arquitetos necessitarem de expertise, prolongar decisões e tolerar o estado de incerteza aumentam as possibilidades de se surpreender, pois a criação de um espaço é demasiado complexo para um olhar focado e simplista. Por exemplo, quando se está focado em uma busca muitas vezes não se encontra a resposta, talvez por ter uma ideia ou caminho fixo no pensamento. Porém, quando se está fluidamente a procurar, ou simplesmente ocupado com outra coisa, novas ideias costumam aparecer. Só se permite o distanciamento quando não se está apressado. O distanciamento permite o imprevisto, e o imprevisto pode ser acompanhado do maravilhoso.

02 ACHLEITNER, Friedrich. Questioning the Modern Movement. In: A+U extra edition, 1998. p.206. 03 BERTELOOT, Mathieu; PATTEEUW, Véronique. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.87 04 TSIEN, B.; WILLIAMS, T. On Slowness. 1999. Disponível em: http://www.twbta.com/3031 05 HAVIK, Klaske; TIELENS, Gus. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.39.

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F41. Ateliê Peter Zumthor em Haldenstein Foto: Hélène Binet

F42. Zumthor a observar maquete Foto: Rudolf Sagmeister

“The simple must not be confused with the position of the reduced, in which one finds refuge when fleeing indifference. The simple is the formula of a process rich with a great number of possibilities.” Hans Frei, ‘Neuerdings Einfachleit’ from the catalogue Minimal Tradition: Max Bill und die ‘Einfache’ Architektur 1942-1996, XIX Triennale di Milano, 1996.

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É necessário que a busca tome seu devido tempo para incertezas, tropeços, pausas e eventuais acertos. Não é coincidência que Zumthor assentou sua prática na pacata cidade de Haldenstein, com cerca de mil habitantes. Apesar de sua proximidade com a também pequena cidade de Coira, capital do Cantão dos Grisões, o ateliê permanece isolado entre as ruas estreitas do vilarejo e imerso nas belas paisagens montanhosas. Ao diminuir os estímulos externos, aumenta-se a capacidade de introspecção, dando espaço para memórias pessoais e novas buscas adentrarem o processo de projeto. Pallasmaa exemplifica com uma memória de sua infância: “I spent the Second World War years on my grandfather’s farm. Five years of solitude with very little external stimuli besides nature. There, I began to observe things. For instance my interest in animal architecture started when I was about 7 years old, as a consequence of boredom. By the way, I think that a real duty of parents is to permit their children to be bored. Only boredom initiates such internal mental activities and interests in minute things, whereas overstimulation kills that.” 06 Desacelerar construtivo.

Confiar

“‘I want them simply to say: ‘I like it’ or ‘I don’t like it’. You have to allow yourself to be concentrated. Just being there, doing your thing. It sounds like a contradiction but it is a relaxed concentration. This trick is thus to take away the pressure of rationalisation. To be connected to your feelings. To really feel things and see them. This is confidence This is concentrated confidence.’”

Peter Zumthor 07

Porém o tempo alargado em si não é suficiente. É necessário também se desprender, em parte, da racionalização e teorização que tanto se procura no estudo acadêmico e confiar em sua intuição. “When I was a professor for ten years, the main focus of my teaching came down to the very corporality of architectural things and structures. This was an amazing kind of experience: to go against everything, to go against academic, and into the real.” 08 Segundo Zumthor, as decisões de projeto não devem ser acompanhadas primordialmente de uma vestimenta teórica, mas de um sentimento real sobre experienciar algo. “the physical object is more important than conceptual thought.”09 Pallasmaa também concorda que a grande ênfase na dimensão intelectual e conceitual da arquitetura contribui para o enfraquecimento da essência física, sensual e corporal que é o cerne da arquitetura atmosférica.10 No entanto, isso não significa uma abordagem 06 HAVIK, Klaske; TIELENS, Gus. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.37. 07 Ibidem, p.75. 08 Ibidem, p.75. 09 Ibidem, p.71. 10 PALLASMAA, Juhani. An Architecture of the Seven Senses. In: Questions of Perception: Phenomeno-

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F43. “O vale de Vals há 80 milhões de anos”. Propaganda de jornal da água mineral Valser.

F44. Estrutura semi-enterrada para proteção da estrada entre Ilanz e Vals.

F45. Primeiros esboços, massas de pedra. Estudo Peter Zumthor.

F46. Primeiros esboços, pedra permeada e recortada por água. Estudo Peter Zumthor.

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superficial sobre a forma, muito pelo contrário, é necessário muita concentração, esforço e experiência para a intuição do real. Assim como a intuição, inerente e quase inexplicável, é despertada de imediato no início da experiência atmosférica, também desenvolve papel fulcral no início da sua concepção projetual. Segundo Alvar Aalto, o “conceito” inicial, ou “substância universal”, é desenhado primariamente por instinto, mais do que uma síntese arquitetônica formal. E o trabalho de projetar vai lapidando e desconstruindo a parte abstrata dessa essência até que o imaginário e sua construção encontrem uma harmonia.11 Pallasmaa interpreta a “substância universal” como uma atmosfera síntese, embasada no sentimento de intuição e não numa constituição intelectual da ideia. “Led by my instincts I draw, not architectural syntheses, but sometimes even childish compositions, and via this route I eventually arrive at an abstract basis to the main concept, a kind of universal substance with whose help the numerous quarrelling sub-problems (of the design task) can be brought into harmony.” 12

Imaginar

O início do processo de Zumthor é imergir e entender o local e imaginar imagens e experiências vividas que possam ser similares, relacionáveis ou conflitantes com a intuição inicial. Segundo ele, é por comparação e embate que ele descobre a essência multifacetada daquele lugar, revelando conexões, eixos e encantamentos. Isso cria um terreno criativo fértil que desperta diversas possibilidades que vão desencadear as decisões de projeto.13 Muitas dessas imagens são provenientes do seu conhecimento arquitetônico acumulado durante os anos. Mas outras imagens são relacionadas à sua infância, de quando apenas se experienciava arquitetura sem intelectualizá-la. Em seu livro “Thinking Architecture”, Zumthor descreve a cozinha de sua tia, relembra o som do cascalho sob seus pés na entrada, como a luz batia tímida na escada de carvalho encerado, na sucessão de portas e maçanetas que o levavam até a cozinha, dos cheiros, dos materiais. Declara serem essas suas experiências mais profundas. Memórias, são o reservatório de atmosferas arquitetônicas que ele tenta trazer à tona em seus projetos.14 A partir dessas memórias meio esquecidas, Zumthor tenta reconstruir os elementos presentes que configuram a atmosfera. Apesar de não conseguir fazer isso com precisão, há a sugestão de uma riqueza e totalidade que o faz indagar “isso eu já vi antes”.15 E ao mesmo tempo o imagina de forma nova, sem necessariamente uma conexão direta a uma arquitetura existente e aquele estado de espírito embebido na memória. “Most of the images that come to mind originate from my subjective experience and are only rarely accompanied by a remembered architectural commentary. While I am designing, I try to find out what these images mean so that I can learn how to create a wealth of visual forms and atmospheres. logy of Architecture. San Francisco: William Stout Publishers, 2006. p.27. 11 PALLASMAA, Juhani. Space, Place and Atmosphere in Architectural Atmosphere. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.24. 12 SCHILDT, Göran. Alvar Aalto in His Own Words. Helsinki: Otava, 1991, p.52. 13 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.41. 14 Ibidem, p.7,8. 15 Ibidem, p.8.

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F47. Primeiro estudo das piscinas e temperaturas. Estudo Peter Zumthor.

F48. Racionalização, configuração de regras para as massas. Estudo Peter Zumthor.

F49. Estrutura em “mesas de pedra”, vista em corte. Estudo Peter Zumthor.

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After a certain time, the object I am designing takes on some of the qualities of the images I use as models. If I can find a meaningful way of interlocking and superimposing these qualities, the object will assume a depth and richness.” 16 E uma vez encontrada essa riqueza, “universal substance”, “seed germ”, como queira chamar, esta auxilia a relembrar as qualidades concretas da arquitetura e não se perder em suposições teóricas abstratas. Ou até mesmo, “It helps us not to fall in love with the graphic quality of our drawings and to confuse it with real architectural quality.”17 Para Pallasmaa, esse “espírito” do projeto revela ser o momento em que o espaço adquire uma personalidade própria, ou melhor, uma atmosfera própria, e começa a sugerir e guiar as próximas decisões. “It is a really pleasurable moment when the thing takes over and begins to suggest ideas – always the best ideas. To me, this moment in a creative process is associated with atmosphere. That is the point where the work has obtained an atmosphere in itself, a unity and a character on its own. It begins to project on you. You base your decisions for next steps and details on that hunch of atmosphere, rather than on a theoretical view or on preconceptions. Thus, it seems that in a creative process, atmosphere enters the work in this very moment when the work takes over, when the work achieves personality, independently of yourself.” 18 Com certa essência definida, mais expertise se junta à intuição e a forma junta-se a função. Isso não significa que são duas coisas separadas, quanto mais experiência, mais esses dois pontos são inseparáveis, porém em certas etapas um pode ser mais explorado que o outro. “The design process is based on a constant interplay of feeling and reason. The feelings, preferences, longings, and desires that emerge and demand to be given a form must be controlled by critical powers of reasoning, but it is our feelings that tell us whether abstract considerations really ring true. To a large degree, designing is based on understanding and establishing systems of order. Yet I believe that the essential substance of the architecture we seek proceeds from feeling and insight.” 19 Em Vals, Zumthor conta de uma imagem de fundamental importância para suas primeiras ideias, uma propaganda de jornal da água gaseificada produzida em Vals. Nela lê-se “O Vale de Vals 80 milhões de anos atrás” [vide figura 43], mostrando uma paisagem primitiva de montanhas serrilhadas emergindo de uma lâmina d’água. Relembra que essa peça de jornal ficou exposta em seu estúdio por muito tempo. De fato, os primeiros desenhos e a experiência do edifício construído mostram como essa imagem inicial foi presente durante todo o processo. E assim como essa imagem, que paira sobre uma concepção desfocada do vale, parte-se para o início do projeto, a intuição e os primeiros desejos, embarcando nas especificidades de Zumthor. “”Boulders standing in the water”: as I recall, that was my remark about the first sketch for the baths, reproduced below. It became a driving force: stone and water. I took it along to a design meeting. “Like a quarry” somebody must have said at some point. We ended up drawing many quarry sketches.” 20 [vide figura 47] 16 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.26. 17 Ibidem, p.67. 18 HAVIK, Klaske; TIELENS, Gus. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.39,41. 19 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.21. 20 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.27.

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F50. Corte espaço das saunas. Estudo Peter Zumthor.

F51. Planta baixa e corte Sound Bath. Percurso de entrada, proporção e detalhes iluminação e corrimão. Estudo Peter Zumthor.

F52. Perspectiva fachada principal. Janelas lidas como vazios do volume. Estudo Peter Zumthor.

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Esse primeiro esquisso mostra a interpretação daquela imagem que impactou o arquiteto. Tal imagem traz um contexto próximo, o visível local de inserção do projeto, e um longínquo, há uma eternidade. Atesta ao poder cru da natureza que criou o vale e a vila, aos elementos primários do lugar. “I believe those buildings only be accepted by their surroundings if they have the ability to appeal to our emotions and minds in various ways. Since our feelings and understanding are rooted in the past, our sensuous connections with a building must respect the process of remembering.” 21

F53. Interior da hidrelétrica Zervreila.

Porém, para Zumthor, essa conexão com o passado não está apenas em imagens, são também estado de espírito, formas, palavras, sinais, sons. A arquitetura é o ponto focal de diversos ângulos simultâneos: histórico, estético, funcional, pessoal, sentimental entre outros.22 Sua arquitetura vai buscar experiências que tocam o sujeito de maneira profunda. “Mountain, stone, water, building in stone, building with stone, building into the mountain – our attempts to give this chain of words an architectural interpretation, to translate into architecture their meanings and sensuousness, guided our design for the building and step by step gave it form.” 23 Esses foram os elementos que o ateliê buscou no projeto da terma. Com seu olhar, memória, intuição e imaginação treinados com décadas de experiência, Zumthor põe no papel seus anseios para o projeto. E desses croquis surgem a promessa de uma atmosfera. Para Steven Holl, os croquis analógicos incorporam o espírito do projeto, que não é periférico, mas central e germina para os próximos passos.24 Nesses primeiros esquissos já é possível ver a essência do espaço posteriormente construído.

F54. Telhados de casas no vilarejo de Vals camuflando-se na paisagem ao fundo. JC0220.

Enterrar

F55. Fazer-se parte da paisagem. Desenho de estudo da autora.

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O desenvolvimento dos desenhos e maquetes iniciais demonstram uma “linha” processual. No início havia blocos, e o espaço entre eles que poderiam abrigar outras funções. Em seguida, a composição e peso dos blocos começa a ser trabalhada. No lado da montanha os blocos são mais robustos e densamente posicionados entre si e vão diluindo na direção oposta. O entremeio é trabalhado e passa a receber outras funções, a água escava piscinas, canais e aflora em fontes ou duchas. Numa tentativa de organização, para a estruturação da tese, esse processo foi dividido em três tempos: enterrar, escavar e aflorar. Porém, levar em consideração que esse processo não é linear, como bem descrito por Tod Williams e Billie Tsien. Este se mistura, outras possibilidades são testadas, é racionalizado e desenvolvido construtivamente, desconstruído e agregado novamente. Como já apontado, isso leva tempo, dedicação e instrumentos em sua maioria analógicos, no caso de Zumthor.

No mesmo vale montanhoso da propaganda exposto em sua sala, exemplos de soluções semienterradas engenhosas que estabilizam seu movimento, mas ao mesmo tempo atestam à magnificência daquelas montanhas. Entre Ilanz e Vals túneis e galerias, para proteger a estrada de deslizamentos e possíveis desprendimentos de rocha, 21 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.18. 22 Ibidem, p.18. 23 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Publishers, 1998. p.156. 24 HOLL, Steven. Written in Water. Baden: Lars Müller, 2002. Páginas não numeradas.


F56. Desenvolvimento do programa. Massas viraram cômodos dentro de um grande espaço envoltório. Estudo Peter Zumthor.

F57. Desenvolvimento banhos individuais. Primeira versão continha banho quente e frio num mesmo espaço. Estudo Peter Zumthor.

F58. Drinking stone. Estudo Peter Zumthor.

F59. Entrada banhos. Estudo Peter Zumthor.

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integram-se cuidadosamente na paisagem. [vide figura 44] Os telhados das construções em Vals mesclam-se com a textura da montanha [vide figura 54]. E a represa de Zervreila, com seu interior brutalista no qual afloram espaços “como catedrais”, revelando essa contradição entre o pesado e a leveza espacial também trabalhado na terma [vide figura 53]. Durante seu projetar, “I try to find out what these images mean so that I can learn how to create a wealth of visual forms and atmospheres.”25 diz Zumthor. Zumthor então propõe uma arquitetura semienterrada, encrustada na montanha, com sua superfície superior camuflada por uma pele de grama. Ao enterrar o edifício e escolher integração formal à paisagem e topografia, dá-se protagonismo à simbologia da montanha e nega sua vizinhança imediata, passageira, no sentido de: “The establishing of a special relationship with the mountain landscape, its natural power, geological substance and impressive topography. (…) The new building should communicate the feeling of being older than its existing neighbor, of always having been in this landscape.” 26 F61. Cortes de estudo, a massa sendo escavada pela luz e água. Atelier Peter Zumthor.

Escavar

F60. Faz-se luz e forma. Desenho de estudo da autora.

Montanha, o edifício integra-se a ela. Edifício-pedra, essência dessa etapa, monolítico, denso, robusto é enfim remodelado para poder ser habitado.

Como um processo de escavação, foram realizadas muitas variações de um bloco monolítico que teve sua massa retirada de todos os lados e em diferentes quantidades. Assim formaram-se cavidades, aberturas e espaços submersos no interior do edifício, delineando entremeios para uma variedade de funções. A organização dessa escavação assemelha-se ao princípio de uma caverna, de um lado o coração da montanha, com blocos mais densos, vai se abrindo e diluindo até o exterior, onde o mundo externo penetra por grandes aberturas. Assim como na natureza, o interior escuro vai gradualmente ganhando intensidade luminosa, por vezes frestas de luz atravessam rachaduras em sua estrutura, e culminam no grande clarão de luz que é a saída da caverna. Essa pedra-edifício projeta-se para fora da encosta e apresenta-se à paisagem. Porém, diferente da natureza, a escavação não é executada pela água, mas pela luz. Depois de busca extensa através de imagens, desenhos e modelos o espaço básico da terma é composto por três elementos, “mesas de pedra” (grandes pilares de pedra com lajes em balanço), espaços intersticiais gerados entre eles e espaços enclausurados. Ao longo do processo esses elementos são modificados por regras geométricas que transformam a inicial “livre configuração” dos blocos e adquirem formato de estruturas arquitetônicas e espaços utilizáveis. A experiência do espaço pode ser interpretada como uma caverna, porém um “sistema cavernoso geométrico”27. O desenho é guiado por traços perpendiculares e precisos não encontrados na natureza, uma clara e bela fabricação humana. Porém, essa racionalização, trabalhada em materiais e luz, não faz o espaço perder a sensualidade desejada inicialmente.

25 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.26. 26 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Publishers, 1998, p.156. 27 Ibidem, p.156.

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F62. “Mesas de pedra” em perspectiva. Estudo Peter Zumthor

F63. Vista para a paisagem da piscina externa. Estudo Peter Zumthor

F64. Vista área dos banheiros para galeria dos vestiários. Estudo Peter Zumthor

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Aflorar

F65. Trabalho da água e luz sobre a forma. Desenho de estudo da autora.

F66. Rudas Bath, Budapeste.

Averiguar

Nessa etapa o personagem principal não é a luz, mas a água. Um exemplo descrito por Zumthor que o levou a elaborar melhor essa sensualidade do corpo em relação a diferentes estados e temperaturas da água, texturas variadas de pedras, luz e escuridão, foi a referência de um banho oriental. [vide figura 66] “But there was a color photograph of the Rudas Baths in Budapest dating to the days of the Turks, which I had copied from a book and stuck on the wall. The rays of light falling through the openings in the starry sky of the cupola illuminate a room that could not be more perfect for bathing: water in stone basins, rising steam, luminous rays of light in semidarkness, a quiet relaxed atmosphere, rooms that fade into the shadows; one can hear all the different sounds of water, one can hear the rooms echoing. There was something serene, primeval, meditative about it that was utterly enthralling. The life of an Oriental bath. We were beginning to learn.” 28 A busca por esse quase misticismo que envolve o ato de banhar-se começa a ser desenvolvida. Os blocos de pedra serão preenchidos com diferentes experiências de banho que demandam um refinamento de proporções, materiais, temperaturas, luminosidade e sons adequados. Na figura 56 é possível observar a organização fundamental do programa, um grande espaço intersticial que contém as piscinas principais e conecta todas as experiências mais individuais. Os estudos realizados para cada parte mostram a elaboração do percurso da entrada, se o corpo deve mudar de direção, sendo possível ou não avistar seu interior, se a passagem de entrada será estreita e mais baixa em relação ao interior, se o corpo vai ascender ou descender ao entrar e com qual velocidade [vide figuras 57, 58, 59]. Todas essas características são trabalhadas de forma diferente para cada espaço, mas um movimento é unânime: se a experiência envolve imersão em água, o corpo deve descer de encontro a água. O nível da água é nivelado com o piso principal, formando uma continuidade horizontal em que a pedra “transforma-se” em água.

Nos desenhos é interessante notar a construção de um caráter espacial, o peso, textura, penumbras e iluminações presentes. À ferramenta bidimensional adiciona-se a maquete como um instrumento fundamental no auxílio da busca por uma atmosfera geral do edifício e sua relação com o entorno. Há maquetes de conceito, detalhe, construção, entorno etc. Contudo, as maquetes do estúdio não são convencionais, não há modelos de representações abstratas sobre a forma e materiais, em que todos os elementos são brancos ou qualquer que seja. Na linha metodológica a maquete é trabalhada antes dos desenhos em escala, revertendo a prática padrão na arquitetura profissional “ideia-planta-objeto concreto”.29 “Peter Zumthor’s models are never abstract, they are strikingly physical objects: tactile, gritty to the touch, and sited in rocky and wooded landscapes. They are not a representation of reality, but reality itself. Carved, assembled, and arranged, made of plaster, concrete, stone or wood, Zumthor’s models come as close as possible – in their materiality and their execution – to the reality of a built project. Their ambiances and spaces are expressed in the same materials and structure. They have an identity and a palpable atmosphere.” 30 28 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.27. 29 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.66,67. 30 BERTELOOT, M.; PATTEEUW, V.. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.87.

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F67. Foto estudo de volumes com papel cartão. Atelier Peter Zumthor.

F68. Acima, foto maquete de entorno Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor. F69. Foto maquete Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor.

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Seus modelos não são apenas uma representação tridimensional clínica do espaço, são experiências espaciais. Acrescenta pessoas, móveis e utiliza dos materiais (como argila, tijolo, pedra, aço, cobre, tecido, madeira, gesso, entre outros) para explorar suas texturas, e consonância entre si, com a luz natural e a paisagem. São diariamente observadas, manipuladas e alteradas durante seu projetar.

F70. Maquetes Mountain Hotel Tschlin, Atelier Peter Zumthor.

Diferente da maioria dos arquitetos que preferem uma perspectiva aérea das maquetes, Zumthor as posiciona na linha do olhar, conduzindo a uma perspectiva horizontal. E ainda, as maquetes de estudo são apresentadas em escala 1:10, 1:30, 1:50 que, em conjunto com esse posicionamento, vão permitir uma visão espacial mais próxima da realidade. Isso demonstra uma mudança de importância do objeto para o sujeito, o ponto de vista é de quem experiencia a arquitetura. A paisagem também é uma condição primordial de seu processo de projeto, as maquetes são enraizadas no cenário. As características do entorno são trabalhadas extensamente, com cores, texturas e densidades, diferente das abstrações da grande maioria.31 Os modelos ocupam um lugar central em seu gabinete, segundo descrição de Berteloot e Patteuw em sua visita ao estúdio:

F71. Detalhe Maquete Gugalun House, Atelier Peter Zumthor.

“Zumthor’s unique models occupy a prominent place in the center of his workspace and his daily life in Haldenstein. Seeing them every day allows Zumthor to work like a sculptor in the studio – to be absorbed in the act of building. On high pedestals, in front of bay windows, they can be easily compared with other elements of the project. Images are rare in the workshop of the architect. Only a few large drawings hang on the walls and these interact with the models for ongoing projects. During long periods of observation and analysis the models can be manipulated, turned around, and felt, to carry out the evaluation of projects under development.” 32 Sua posição central confirma o papel fulcral das maquetes como instrumento de interpretação atmosférica. Zumthor as considera primordiais para alcançar a precisão que procura, pois, interpretar e construir uma atmosfera é demasiado complexo sem ter um objeto real. Em entrevista à Tielens e Havik para a revista OASE, Zumthor declara: “‘This is too difficult to do without models. It is too complex, and I am not a genius.”33 É o confrontamento diário com o objeto concreto, consistente e prolongado, que o possibilita orquestrar todas as diversas e complexas partes que compõem a atmosfera desejada. “The models are an invitation to take one’s time.”34

F72. Maquete Capela Bruder Klaus, Atelier Peter Zumthor.

F73. Maquete Allmannajuvet Zinc Mine Museum, Atelier Peter Zumthor.

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A maquete do projeto preliminar em Vals, em escala 1:50, apresentada na reunião municipal contém uma atmosfera densa. As imagens apresentadas são do interior, com os três protagonistas presentes: pedra, água e luz. A textura da pedra, o reflexo da água em continuidade do piso, o delineado da luz e sua atuação rasante aos blocos são trabalhados. Apesar de mudanças em sua composição espacial, a ambiência geral permaneceu muito similar a realidade construída. Portanto, é interessante notar como esse instrumento concreto desenvolvido no estúdio é efetivo para sua metodologia, e como essa atmosfera própria do projeto foi verdadeiramente um fator central que guiou todas as etapas. 31 BERTELOOT, M.; PATTEEUW, V.. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.87. 32 Ibidem, p.87. 33 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.67,69. 34 BERTELOOT, PATTEEUW. Op. cit., p.87.


F74. Acima, foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor. F75. Foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor.

F76. Acima, foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor. F77. Foto maquete em pedra de Vals. Atelier Peter Zumthor.

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2.5 Ancorar

Pedra “These buildings appear to be anchored firmly in the ground. They give the impression of being a self-evident part of their surroundings and they seem be saying: “I am as you see me and I belong here.”” 01 Como desenvolvido anteriormente, a integração com a paisagem como extensão da montanha foi o princípio do edifício. Mas o que verdadeiramente aterra esse volume à geologia e história local é a pedra de Vals. Em descrição do arquiteto, a proposta volumétrica da terma é encontrada por todo o vilarejo de Vals, já que, mesmo se inconsciente, a essência partiu dela. A pedra, retirada da pedreira local, é um dos principais aspectos de coesão estética e histórica do local. “Recollections. We observed the place, its surroundings. We were interested in the stone roofs, their structure reminiscent of reflexes on water. We walked around the village and, suddenly, everywhere there were boulders, big and small walls, loosely stacked rough plates, split material; we saw quarries of different sizes, slopes cut away, and rock formations. Thinking of our baths, of the hot springs pushing out of the earth behind our building site, we found the gneiss in Vals more and more interesting; we started looking at it in greater detail - split, hewn, cut, polished; we discovered the white ‘eyes’ in what is called augen gneiss, the mica, the mineral structures, the layers, the infinitely iridescent tones of grey.” 02 A pedra de Vals, também chamada de quartzito de Vals, é um gnaisse, rocha de origem metamórfica, modificada por altas temperaturas e pressões provenientes da convergência de placas da formação dos Alpes cerca de 50 milhões de anos atrás.03 Camadas dos minerais feldspato, quartzo e mica foram deformados, esticados e achatados durante a movimentação, formando padrões de movimento em sua composição. É um material de construção versátil por sua excepcional resistência à tração e flexão, resistência à fogo, baixas temperaturas e abrasão mecânica. A pedreira para sua extração encontra-se ao sul do vilarejo, entre a estação do teleférico e a hidrelétrica Zervreila. Segundo Johann Josef Jörger, todas as construções, exceto a igreja da praça, como casas, cabanas alpinas e estábulos foram construídos com telhados dessa pedra. Até hoje a legislação em Vals especifica a utilização de placas de pedra para coberturas. Antigamente, a extração do material era feita manualmente, produzindo placas naturalmente irregulares, que eram empilhadas na conformação de um telhado robustos 01 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.17. 02 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.23. 03 Website Truffer AG. Disponível em: https://truffer.ch/en/geology

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F78. Pedreira em Vals. Truffer AG.

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com pouca inclinação. Resistiram muito bem às geadas e intempéries locais, tanto que Albin Truffer prometia cem anos de garantia para o material. Décadas depois, a Truffer AG comprou a primeira fresadora, cortando os blocos em precisas placas, algo inconcebível anteriormente. Esse novo método de processamento foi o que permitiu a produção de peças milimetricamente projetadas que garantiram o aspecto monolítico buscado por Zumthor.

F79. Pedra utilizada em muro de retenção, Vals. JC0220.

Seu processamento pode ser por fresagem, quebra ou fissura. Acabamentos variados (lixamento rústico ou fino, bujardado, jato de areia, polido) permitem a utilização desse material em diversas categorias como alvenaria, revestimento externo e interno, pisos, telhados e objetos. No vilarejo de Vals, além das coberturas, é possível encontrar a pedra como paredes de retenção ao longo do rio, pavimentação da praça central e na ponte de ligação com a estação de ônibus. Essa versatilidade permitiu que a pedra fosse utilizada de diferentes formas em todo o edifício como placas de piso, alvenaria, blocos monolíticos, polida, lascada e texturizada. Inicialmente projetada com três tipos de pedra, “it took some time – Peter Zumthor says – before I could convince myself, and ultimately the others, that an entire bath could be built with this stone.”04 Zumthor acabou por confiar inteiramente no quartzito de Vals, não apenas nas suas qualidades mecânicas e estéticas, mas no que ele representa.

F80. Pedra utilizada em ponte sob rio, Vals. JC0220.

Enquanto a estrutura semienterrada permite a integração à paisagem montanhosa e seus espaços internos como se tivessem sido escavados pela água da nascente, a pedra proveniente daquela montanha, utilizada há séculos pelos seus habitantes é a conexão com sua história. Uma releitura do vernacular. Um ponto bibliográfico geralmente associado à essa característica vernacular é seu trabalho no departamento de preservação de monumentos em Coira. Apesar do cuidado dado à importância de interrelações culturais e especificidades do lugar, Zumthor não se prende à um saudosismo vernacular de preservação ou reprodução. Antagonicamente, utiliza tecnologias construtivas engenhosas para uma releitura daquele passado, ao mesmo tempo respeitando as tradições materiais e do saber construtivo existente. Dessa forma, aterra seu edifício ao lugar e ao mesmo tempo traz uma universalidade contemporânea ao projeto.

F81. Placa de piso na terma. Foto: Hélène Binet.

Zumthor relembra de um momento que estava a observar a pedreira, aqueles cortes retos no flanco da montanha era exatamente o que queria reproduzir. A ideia inicial era utilizar blocos enormes como alvenaria, para criar um aspecto monolítico e denso como a montanha. Porém as dificuldades de corte e transporte do material tornaram isso inviável. E na mesma pedreira, encontra as tradicionais finas placas de pedra empilhadas como um bloco. E pensa, “como um tecido”05, pequenas partes vão formar um todo que aparenta homogêneo. Nada mais era do que o mesmo bloco, despedaçado e rearranjado. Esse método foi facilmente executado, pois o corte por fresa em finas placas já era utilizado para fazer as peças de cobertura, piso, escadas e revestimentos, podendo ter diferentes tipos de acabamento. Foram produzidas placas de três espessuras: 63, 47, e 31 milímetros que em conjunto com argamassa de três milímetros constitui exatos 15 cm. Essa é a altura de um degrau e estabelece a medida básica para todo o edifício. O gabinete desenvolve o

F82. Blocos monolíticos com espaçadores em latão na “Drinking Stone”. JC0220.

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04 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.60. 05 Ibidem, p.168.


F83. Foto pedreira Jossagada, local de extração da pedra.

F84. Foto pedreira Jossagada.

F85. Placas de pedra de Vals empilhadas e telhado ao fundo.

F86. Telhados edifícios em Vals.

F87. Diferentes amostras de pedra de Vals no gabinete da Truffer AG. Diferença entra a superfície polida e natural. JC0220.

F88. Detalhe placas de pedra utilizadas nas paredes da Terma. É possível ver as diferentes tonalidades acinzentadas e os veios e “olhos” embranquiçados. JC0220.

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que Zumthor chama de “regras de tricô”06, posteriormente conhecido como “esquema de trajetória e assentamento de pedra”07. Os cantos possuem cinco tamanhos de pedras mais profundas que são empilhadas de forma aparentemente irregular para que, a priori, não seja possível reconhecer nenhuma repetição ou regra, garantindo o aspecto “natural” e tranquilo do conjunto. A partir do rígido desenho dos cantos, o restante do perímetro foi erguido de forma mais livre, desde que seguisse a mesma espessura do bloco para cada linha.

F89. Detalhe encaixe peça de piso e alvenaria de pedra. JC0220.

Porém, ao invés da placa ser utilizada apenas como uma pele externa, ela foi integrada à estrutura, técnica desenvolvida e denominada “alvenaria composta de Vals”.08 Primeiro, a forma da face interior da parede é construída e recebe um concreto colorido (diferente para cara área de banho) que funciona como um revestimento. Depois a forma é removida e o concreto é tratado com uma camada de resistência à umidade e uma de isolamento térmico. Vergalhões de aço são posicionados e, em alguns casos, tubos para o aquecimento da parede. À 30cm desse conjunto, as placas de pedra são empilhadas como designadas no esquema técnico. A cada 60cm elevado, concreto é despejado entre as duas faces que as agrega num único conjunto. As variações de placas contêm apenas dois comprimentos, 12 e 15 centímetros, que vão sendo alternados no empilhamento para criar uma superfície serrilhada que vai aderir melhor ao concreto. Dessa forma, a face de concreto, que vai envolver as salas de banho, funciona como a fôrma interior da parede e as camadas de pedra são “costuradas” ao concreto armado. Concreto e pedra trabalham em conjunto, uma única estrutura. Há três tipos de parede no edifício: paredes sólidas de concreto; de frente única, concreto despejado entre alvenaria de pedra e fôrma; de frente dupla, concreto despejado entre duas alvenarias de pedra. A nova tecnologia construtiva desenvolvida para Vals é o aprimoramento de uma técnica milenar, como a maioria do desenvolvimento tecnológico. Os romanos já produziam um tipo de alvenaria composta para seus banhos e outras construções. O método consistia em erguer duas paredes de tijolo ou pedra e preencher o interior com uma mistura de rochas e argamassa, opus caementitium, cimento romano, formando uma única unidade estrutural.09

F90. Junção piso de pedra e início da piscina. JC0220.

Com a finalização da super-estrutura o edifício está quase completo. Restam alguns detalhes como canais de água “escavados” no chão de pedra como ravinas, o fechamento das “mesas de pedra” por vidro, os materiais específicos para cada programa de banho, corrimões e guarda-corpos, tubos de latão para saída de água, e outros que serão devidamente apresentados adiante. O importante é o devido cuidado para esse detalhamento, cada adição é como uma joia que vai ornar com o corpo arquitetônico, sem criar nenhum tipo de vulgarização do ornamento. “The building has been conceived as a technically ordered, architectonic structure which avoids naturalistic form. Yet within the homogenous stone mass it still retains a clear sense of the strongest of the initial design ideas – the idea of hollowing out. The sunken springwater basins and gulleys appear chiseled out of the dense mountain rock.” 10

F91. Degrau entrada bloco de banho. JC0220.

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06 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.169. 07 “stone-course-laying scheme” Ibidem, p.169. 08 “Vals compound masonry”, Ibidem, p.168. 09 Ibidem, p.153-154. 10 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Publishers, 1998, p.157.


F92. Especificação e ordenamento das peças de canto em pedra.

F93. Detalhe construtivo parede e escada Flower bath.

F94. Detalhe sobreposição do canto, parede externa, fachada leste. JC0220.

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Compaixão

Em conjunto com essa citação de Zumthor é possível perceber que após todo o detalhamento e processo construtivo, a essência do projeto inicial permanece. Pois, a ideia inicial constituía um senso espacial, e não apenas priorizava a forma e suas resoluções programáticas em planta ou corte. Isso foi possível porque durante todo o processo uma atmosfera base foi projetada, com as decisões formais do arquiteto fundamentadas nessa e guiadas por sua empatia e compaixão “The spaces have to be occupied and lived in during the design process, and only the architect can project that imaginary life. (…) My professor Aulis Blomstedt used to say that an important area of talent for an architect is the capacity to imagine human situations. That is a very important observation. Architects need the ability for empathy and compassion – that today is more important than a formal fantasy. Even formal issues should be a consequence of being able to imagine human life, human emotion, and human situations. I believe, that atmospheric qualities arise from the designer’s empathetic sensitivity and skill.” 11 Construir uma atmosfera é empatia, compaixão e dedicação incansável. O tempo é de vital importância para que todas as partes que a englobam possam entrar em sintonia, através do esgotamento de possibilidades e manuseio cuidadoso do espaço. Portanto a genialidade atrelada à figura de Zumthor é contestada no sentido da simplicidade de sua interpretação, como se suas obras surgissem rapidamente como algo inexplicável. Porém, a composição do espaço é tão complexa que mesmo com toda a pesquisa, dedicação e minuciosidade empregada é possível se surpreender com o resultado. “We spent years developing the concept, the form, and the working drawings of our stone-built thermal baths. Then construction began, I was standing in front of one of the first blocks that the masons had built in stone from a nearby quarry. I was surprised and irritated. Although everything corresponded exactly with our plans, I had not expected this concurrent hardness and softness, this smooth yet rugged quality, this iridescent gray-green presence emanating from the square stone blocks. For a moment, I had the feeling that our project had escaped us and become independent because it had evolved into a material entity that obeyed its own laws.” 12 No entanto, passado um tempo, essas qualidades tornaram-se puro deleite. E por mais que se projete pensando em uma experiência, atrelada a emoções e sensações, só é possível ter controle até certo ponto. O restante é subjetivo, está fora do mundo real. “Architecture should not specify emotion, but should invite emotion. (…) The architecture admits me and authorizes me to feel this feeling, which I would otherwise suppress. That is the liberating element in art or music. You are permitted to have these feelings, but they are your feelings. (…) Architecture provides these imaginative spaces for events, which are important for human imagination. They root us in a culture, whereas their absence makes us feel alienated.”

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11 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.41,43. 12 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.62. 13 HAVIK, TIELENS. Op. cit., p.41,43.

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F95. Contraste entre a rugosidade da camada de assentamento e da pedra. Foto: Hélène Binet.

F96. Percurso interno para piscina externa. Foto: Hélène Binet.

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F97. Planta baixa nível dos banhos. Programa da terma. Atelier Peter Zumthor.

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F98. Cortes Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor.

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Atmosferas

Experienciar


III.

F01. Terma de Vals, piscina externa. JC0220.


Visita a Vals “If a work of architecture consists of forms and contents that combine to create a strong fundamental mood powerful enough to affect us, it may possess the qualities of a work of art. This art […] is concerned with insights and understanding, and above all with truth. Perhaps poetry is unexpected truth. It lives in stillness. Architecture’s artistic task is to give this still expectancy a form. The building itself is never poetic. At most, it may possess subtle qualities, which, at certain moments permit us to understand something that we were never able to understand in quite this way before.” 01

F02. Entre Illanz e Vals, durante viagem de ônibus. JC0220.

F03. Textura montanhosa local. Entre Illanz e Vals. JC0220.

F04. Homem e montanha, arquitetura vernacular em Vals. JC0220.

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É terça-feira de manhã, peguei o trem da Basiléia até Ilanz, estação mais próxima de Vals. Tive a desventura de experienciar extensos atrasos no sistema ferroviário suíço devido a uma tempestade de neve que atingiu a região, uma experiência ímpar para quem está visitando a Suíça. A estação e o trem estão lotados de pessoas em suas vestimentas e equipamentos de esqui, correndo para aproveitar a camada recém caída de neve. Um grupo grande de estudantes me acompanha no vagão, todos tagarelas e felizes com o dia ensolarado que está a abrir após a tempestade. O clima é alegre e descontraído. No caminho, as imagens dos antigos centros urbanos e das mais contemporâneas arquiteturas vão sendo substituídas por uma paisagem montanhosa tranquila. Vilarejos cada vez menores aparecem de vez em quando na paisagem, até serem separados por bonitos picos nevados e silenciados pela extensa neve. O percurso de Ilanz a Vals é feito de autocarro por uma estrada montanhosa. No caminho encontro uma das estruturas semienterradas que seguram a encosta e protegem a rodovia descritas por Zumthor. Assemelha-se mais a um edifício do que uma infraestrutura rodoviária, o lado oposto da montanha é aberto como uma marquise em colunata, como se estivesse a observar a bela paisagem ao abrigo da sombra. Percebo por que Zumthor encantou-se com elas. Vals não possui uma estação rodoviário, o ônibus para ao lado de uma construção nova que abriga um café e centro de informações. Me deparo com um céu azul celeste sem nenhuma nuvem a vista. O sol realça o branco da neve nas montanhas, na rua, no topo das pequenas edificações. Essas eram quase homogêneas, casas antigas e novas possuem um formato muito similar, janelas de dimensões parecidas, com telhado em duas águas coberto por placas de pedra de Vals. Este tem uma cor e textura que cai muito bem com a montanha ao fundo, e com a neve em suas superfícies os telhados e paisagem mesclam-se. Está calmo, quase ninguém a vista, ouve-se apenas o barulho do riacho que divide o vilarejo ao meio. A conexão é feita por uma ponte moderna, revestida em pedra de Vals, assim como os muros de contenção ao longo 01 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.19.


F05. Vilarejo de Vals e detalhes telhados. JC0220.

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do rio. Ao atravessar a ponte, em direção à praça central, as casas de caráter mais tradicional começam a aparecer. Algumas pintadas por cima do reboco, outras com a linda superfície ainda em madeira, como era antigamente. A madeira é escura, em tons alaranjados quase vivos. Quanto menos vibrante e mais escuro, mais aquela madeira tem história. A Igreja da praça é o edifício mais alto, de dimensões e volumetria singela, sua torre aparece tímida entre os telhados, sem muito alvoroço.

F06. Fachada externa do edifício. JC0220.

A Terma de Vals fica mais ao norte, andando pela rua não é possível avistar o edifício, pois este e o hotel encontram-se numa área mais elevada, com grandes árvores tapando a visão. A escada de acesso não possui uma indicação clara, a única sugestão da terma é seu piso composto por filetes de quartzito de Vals, similares aos do edifício. O caminho é longo e serpenteia os prédios do complexo de hotéis. À primeira vista, a terma encontra-se no topo da subida, ainda entre as árvores caducifólias em primeiro plano. É inverno, os troncos nus marrom-acinzentados criam uma paleta crua com o exterior da terma, valorizando a branquitude da neve e o céu azul. Chegando perto do final do caminho é possível avistar a força total da horizontalidade da fachada leste. A linha da laje de concreto encerra e unifica a massa de concreto e suas grandes aberturas. Do exterior não é possível perceber do que se tratam aquelas grandes e pequenas janelas, o que está adentro. O vidro reflete completamente as árvores, edifícios e paisagem a sua frente. Sua geometria ordenada e alongada se contrapõe ao aglomerado desordenado de prédios e casas à sua volta, porém não é agressiva. Permanece austero, sem conflitar com os edifícios vizinhos, que se beneficiam desse acréscimo.

F07. Corredor de entrada, entre a recepção do hotel e a Terma. JC0220.

No fim do caminho chega-se a uma entrada lateral do hotel principal, não há uma entrada direta para os banhos. A porta se abre para um corredor longo em tons claros, com portas de vidro para salas de embelezamento à esquerda. O espaço não é muito decorado, sem nenhuma característica marcante, bem iluminado artificialmente, pois não há nenhuma janela. Ao final do corredor, à direita a recepção para a entrada da Terma. Se você está hospedado em algum dos hotéis do complexo a entrada é inclusa, caso contrário um valor de 80 francos suíços é cobrado. Logo depois da recepção, um corredor sem portas se abre para a entrada da terma. O corredor é escuro, estreito, com paredes preto ébano. Chão e laterais parecem encerados, refletindo sinuosamente as luzes do forro e a área iluminada da terma mais a frente. Inclinado para baixo, dá a impressão de se estar adentrando algo subterrâneo. Além dessa interpretação simbólica da caverna, o contraste entre a recepção enfadonha e clara e esse espaço dá um curto-circuito, como se quisesse reiniciar seu estado de espírito para a experiência que está por vir. Já é possível ouvir um resquício de barulho de água caindo.

F08. Catraca de entrada da Terma. JC0220.

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No fim do corredor, a nova paleta de cores é dá um relaxamento instantâneo, o concreto claro polido, o cinza pigmentado em tiras da pedra de Vals e o dourado acobreado do latão escovado, dá um brilho tímido muito bem-vindo na aspereza leve da pedra. À esquerda a entrada para as salas de tratamentos, à direita as catracas. Depois de passá-las, vira-se à esquerda e depara-se com o longo corredor dos vestiários. Cinco entradas do lado esquerdo são acompanhadas por bicas que brotam de cortes retangulares na parede oposto de concreto, autoras do som escutado na entrada. Nessa face é possível observar um elegante alaranjado ferrugem, testemunhas do encontro com a água termal, que escorre e respinga no chão,


F09. Percuso de chegada, da rua à entrada. Primeira vista da terma através das árvores. JC0220.

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característica do espaço que mais me impressionou. Imaginei que o hall de entrada foi afortunado na preparação dessa nova cena. Ao descer o degrau logo após a sala de maquiagem, entre o bloco da entrada e o bloco dos vestiários, há uma estreita vista para o interior dos banhos, um primeiro vislumbre. Uma fenda no teto, rasante ao bloco dos vestiários direciona o olhar até uma janela, oferecendo um pedaço da paisagem, e o bloco mais externo. Aqui é o ponto que permite perceber a diferença entre os dois extremos do edifício, o enclausuramento de pedra na proximidade com a montanha, e o ofuscamento do exterior que vai jorrar uma luz esbranquiçada por toda a volumetria do espaço. Se a luz não havia chamado o olhar, talvez o barulho da área central que escapa por essa fenda chame a atenção. Bem de frente para essa vista, a entrada de um dos resting spaces se apresenta alongada e iluminada por uma luz artificial alaranjada. Porém, a virada de direção não permite saciar a dúvida do que se trata aquele espaço. Debruçando sobre o guarda-corpo é possível notar uma piscina que adentra para a esquerda, mas também não é possível saber mais. Então, com uma única perspectiva estreita é possível sentir tantas coisas: surpresa de encontrar tal abertura no que aparentava ser um corredor fechado; fascinação pelo conjunto impactante daquele limitado campo visual; curiosidade sobre meias-demonstrações de espaços.

F10. Quadro de sensação: Vestiários Nota: Os quadro de sensações são colagens feitas a partir das fotografias realizadas durante a visita. Sintetizam os materiais e sensações experienciados em cada ambiente. Assim como esse capítulo baseia-se numa experiência pessoal, todas as imagens e fotografias foram produzas pela autora.

A entrada do vestiário e seu interior são revestidos por placas de madeira escura, com veios vermelho sangue, acabamento lustroso que reflete a luz e os corpos dentro do espaço. Não há portas, mas cortinas de couro preto grosso e acetinado ao toque, mesmo material do banco no centro. As cortinas de couro necessitam de mais energia para serem bem fechadas, muitas pessoas não despendem desse cuidado e sobram frestas. É possível ver no reflexo da madeira que essa fresta enquadra o que se passa no interior, uma característica curiosa para um espaço íntimo. Esses materiais dão o calor e aconchego que Zumthor descreve ter buscado depois de visitar os vestiários dos banhos turcos, onde se relaxa e conversa. Mas também traz uma certa opulência e sedução dos teatros antigos, o vermelho das cortinas, a penumbra e a luz quente. O despir-se está em foco, como uma preparação teatral para entrar em cena e a saída do vestiário deixa isso claro. Abre-se a cortina, uma passagem estreita avermelhada se estende em direção e enquadra a terma, logo na saída um único foco de luz banha o corpo e o declara protagonista daquela cena construída. Ao atravessar a saída do vestiário, há a primeira percepção da dimensão da terma, senti-me deslumbrada. Havia visto inúmeras imagens e estudado a obra, e mesmo assim não estava preparada para sentir tamanha surpresa. A textura cinza clara da pedra de Vals abraça-me de todos os lados e traz uma serenidade. Minha pele exposta parece sentir a vibração dessa textura, mesmo sem tocar, como se meus sentidos tivessem sido aguçados. Caminho sobre a galeria elevada, blocos de pedra encobrem e revelam partes do espaço, ora revelando uma piscina, ora uma nova entrada, como uma brincadeira de “esconde-esconde”. Esse espaço próximo aos vestiários possui uma penumbra que vai gradualmente dissolvendo, pontuada com delicadas lâmpadas alaranjadas, e nos blocos em último plano a luz do dia recai intensamente, prometendo uma saída para o exterior. Aqui procuro pegadas molhadas no chão dos banhos, esperançosa em ser uma das primeiras a chegar. Caminho até o início da escada, uma luz penetra e ilumina intensamente o final dessa galeria, e abre a vista para a piscina externa e a paisagem montanhosa ao longe. Ao

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F11. Percuso de entrada: corredor de entrada; abertura entre o bloco do vestiário e maquiagem; corredor vestiários; detalhe material interior vestiário; galeria vestiários; vista oposta da galeria; vista no topo da escada; vista no ponto médio da descida; vista ao pé da escada. JC0220.

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olhar para baixo é possível ver uma porta de saída para essa piscina, com separação apenas por uma cortina de plástico transparente e espesso. No lado da montanha a área das saunas fica escondida atrás do bloco dos chuveiros e banheiros. O percurso inicial te seduz para descer imediatamente as escadas até o piso inferior, curioso para desvendar o que os blocos escondem dentro e atrás de si. Porém, tinha conhecimento prévio das saunas e resolvi experimentar primeiro.

F12. Quadro de sensação: Sauna / Sweat Stone

O corredor das saunas é muito semelhante ao dos vestiários, fontes à direta e duas portas à esquerda, porém um dos rasgos de luz separa o bloco da sauna da montanha. A primeira porta dá acesso a sauna com traje de banho e ao fundo a naturalista. Uma das poucas placas de aviso descreve que a partir daquele ponto o nudismo impera. É engraçado notar as pessoas desavisadas, ou que ainda não desenvolveram coragem, chegarem até a placa, pausarem, pensarem e retornarem. A porta é de vidro com uma película azul, a mesma da área dos banheiros. Desço três degraus e encontro duas duchas saindo de paredes de concreto com pigmento preto. O piso é feito com agregados de pedra aglomerados por um cimento cinza escuro. É pouco polido, dando uma sensação áspera no percurso. Uma cortina de couro até o meio das canelas separa o espaço iluminado dos chuveiros com o local escuro da sauna. São três cavidades em sequência, que vão gradualmente esquentando à medida que se aproxima do aquecedor, no centro ao fundo da última sala. Os três espaços possuem um corredor central, delimitado por um pequeno desnível e uma canaleta de um dos lados, todo revestido pelo mesmo piso áspero. Em cada lateral, uma pedra maciça preta. As paredes e teto são de coloração preta, com o mesmo detalhe de latão que reluz com a pouca iluminação daquele espaço. Essa iluminação vem de uma única lâmpada, escondida por um nicho quadrado no ponto médio do teto. Esse quadrado aceso forma uma iluminação piramidal evidenciada pelo vapor do espaço. Quanto mais próximo do aquecedor maior a densidade de vapor e maior é a sensação de “desaparecimento” do espaço e desenho daquela luz. Deito-me na pedra aquecida, meu corpo relaxa e o espaço escuro parece intensificar o calor. Acima, observo o quadrado iluminado e o vapor que dança a volta desses raios de luz é o único movimento do espaço. Após o calor intenso, tomo uma ducha e volto para o caminho principal à beira da escada de entrada. A escada é alongada, três passos para cada degrau, dando tempo para o corpo acostumar-se a escala. Essa descida suave e lenta permite ao mesmo tempo observar os três momentos do espaço: mais à direita, grandes janelas voltadas para a piscina externa jorram luz natural entre os blocos e revelam três entradas; ao centro uma piscina interna é delimitada por blocos de pedra que barram a luz direta do exterior; à esquerda, o espaço é mais fechado e a luz intensa da janela exterior ao fundo chama a atenção. Uma luz que atravessa a fissura no teto acompanha todo o descer e abre ao bater na parede ao fundo. A lentidão e os diferentes pontos de interesse me fazem saborear o espaço, e permitem me adequar à essa nova velocidade que a experiência da terma necessita. Ao chegar ao chão, meu corpo intuitivamente segue em direção à luz e vai percorrer a piscina central, como se quisesse fazer o reconhecimento geral do espaço nesse movimento circular que a volumetria convida. O olhar segue atento entre os blocos que vão revelar e esconder novos planos e entradas ao menor dos movimentos. Esse enquadramento, que nunca revela algo por completo, traz sedução, expectativa e imaginação. O nível da piscina está alinhado com o piso, criando uma continuidade

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F13. Percuso a volta da piscina interna: ao fundo fragmento entrada Drinking Stone; luz janela piscina externa; fragmento janela e espreuiçadeira; à esquerda entrada Flower Bath, ao fundo entrada Sound Bath; vista corredor janelas; à esquerda entrada Drinking Stone, ao fundo entrada vestiários; vista piscina interna por entre os blocos Flower Bath e Shower Stone; vista por entre os blocos Sounding Stone e Flower Bath; vista por entre os blocos Cold Bath e Sounding Stone. JC0220.

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F14. Quadro de sensação: Piscina interna

F15. Quadro de sensação: Fire Bath

F16. Quadro de sensação: Cold Bath

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horizontal. Os degraus são visíveis apenas pela tonalidade azul-esverdeada mais intensa a cada passo. O corpo gradualmente desce entre as monumentais pedras até o fundo da piscina. A temperatura é amena, 32°C segundo um discreto numeral de latão em uma das paredes internas. No centro, os blocos monumentais de pedra me rodeiam e cortam as visuais externas, me distanciando da realidade que parece distante como um murmúrio que foi deixado para trás. As aberturas zenitais azuis direcionam o olhar e o corpo resolve boiar e apreciar de frente a composição. As frestas de luz rodeiam todo o perímetro da cobertura acima da piscina, soltando esse volume. E assim como a massa do meu corpo boia sobre a água, aquela espessa e pesada massa parece flutuar sobre minha cabeça, gerando uma certa estranheza, mas também admiração. Apenas o som ou a agitação da água gerada por outros visitantes me conecta novamente com a realidade. O som na terma é uma constante, o movimento da água e as conversas entre os banhistas refletem entre as paredes e a falta do visual ludibria o ponto de origem. É interessante que a grande parte do contato com as outras pessoas é apenas pelo som, como um labirinto onde a visão é restrita e a audição e intuição seu melhor guia. Ao sair da piscina central sinto um pouco de frio, e vou de encontro ao “Fire Bath”, a única entrada que revela seu interior, sendo possível ver as paredes de concreto vermelhas que envolvem o espaço. Ao descer o primeiro degrau meu corpo para, em choque com o calor de 42°C, mas continuo. O formigamento gerado pelo calor vai subindo, beirando ao agradável, porém após um tempo o corpo se acostuma e começa a relaxar. O piso e o banco são uma mistura de pequenas pedras agregadas por um cimento vermelho e polidas, criando uma sensação tátil diferente da pedra de Vals. A parede abaixo da água é branca e uma luz artificial no lado oposto incide perpendicularmente e acende o ambiente. Água como luminária. A cor vermelha parece intensificar a temperatura do espaço e parte dela escorre sobre a pintura branca, como se o cômodo estivesse derretendo junto contigo. Ao sentar-se de frente para a entrada vejo a entrada para o “Ice Bath”, para os aventureiros esse é seu próximo destino. Daqui posso avaliar se alguém entrou, visualmente ou pelos berros que alguns soltam ao entrar na água gelada. Apesar de relaxante, o banho quente é pontual, o calor intenso começa a amolecer o corpo, dando uma sensação de fraqueza se prolongar sua estadia em demasia. A configuração do espaço já te induz a sair do “Fire Bath” e ir ao “Ice Bath”, pois estão bem em frente um do outro. Em croquis anteriores havia um único bloco que abrigava ambos, relacionando-se ao intuito dos banhos antigos do choque térmico como ápice do prazer do banho. A entrada do “Ice Bath” não revela seu interior, o corpo deve virar à direita e descobrir um espaço pequeno, para apenas uma pessoa, todo em azul. Acima da linha d’água o concreto possuiu um pigmento azul de tonalidade forte, abaixo e no piso agregados com cimentado azulado são iluminados por uma luz baixa. Jatos perturbam a água e criam reflexos dançantes na parede e o material submerso parece cascalho no leito de um rio. Aqui deve-se entrar de uma vez, pois os 14°C são eletrizantes, não é a toa que algumas pessoas soltam berros ao experienciar esse banho. O material do piso é bem áspero e parece acentuar esse choque e desconforto dos primeiros segundos. Aqui não há banco, pois é um local de imersão e não estadia. Após esse choque os sen-


F17. Experiência Banhos: à esquerda, entrada Fire Bath; interior Fire Bath; passagem Fire Bath; vista entrada Cold Bath da saída do Fire Bath; entrada Colc Bath; passagem Cold Bath; entrada Flower Bath; chuveiro Flower Bath; passagem Flower Bath. JC0220.

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tidos parecem estar mais acordados. Muitos banhistas retornam ao “Fire Bath” e ficam nesse vai e vem por algum tempo. Particularmente, prefiro terminar essa dupla com um banho quente, pois me despeço com calor e não passo frio ao deambular pelo espaço geral. Porém ao retornar aos 42°C a sensação é gritante, minha pele e o cômodo parecem em chamas. Em movimento horário o próximo bloco é o “Shower Stone”, a entrada mostra uma parede grossa de separação entre as três duchas que aqui se encontram. Ao entrar o piso é áspero e de tonalidade cinza escuro, as paredes pretas sobem e perdem-se de vista. A iluminação localiza-se em cima das duchas, jogando uma luz cônica teatral sobre o corpo que está a banhar-se. A água pode ser quente ou fria, em jato único e forte, ducha larga com bastante pressão, ou controlada por uma mangueira. A envoltória preta proporciona uma experiência individual e parece atenuar o sentido visual e aguçar a sensação tátil da água que escorre, o piso áspero sob os pés descalços parece me aterrar ao chão.

F18. Quadro de sensação: Shower Stone

F19. Quadro de sensação: Sound Bath

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Ao sair do “Shower Stone” ao invés de continuar o caminho circular, a entrada para o “Sound Bath” chama minha atenção. Sugestões desse espaço apareceram no primeiro vislumbre da terma no corredor dos vestiários. A entrada fica logo à esquerda ao descer a escada de entrada, porém não é evidente, ocultando a jóia que é essa experiência. A única indicação de sua existência é o som gerado pelas pessoas mais entusiasmadas que estão a testar suas qualidades sonoras. Porém, o som viaja pelo espaço interno da terma de forma quase irrastreável, iniciando uma busca pela sua origem. Adentrando a água a 35°C, viro a direta e deparo-me com um paredão de pedra. O espaço estreito dá a impressão de uma altura mais imponente, uma sensação de pequenez. Agora é possível ver um corredor baixo, estreito e meio submerso que dá acesso à câmara de banho, a proximidade com os materiais parece torná-los mais palpáveis e potentes. O movimento da água e iluminação no piso geram reflexos que dançam freneticamente nos limites dessa estreita passagem e na parede em frente. A sensação é de surpresa, a envoltória de pedra lisa e maciez da água enquadra, sem nenhum aviso prévio, uma textura áspera e irregular da mesma pedra de Vals. No limiar da câmara o liso transforma-se em áspero, duas facetas da mesma pedra que geram sensações completamente diferentes. A textura irregular intensifica a sensação de movimento do espaço, o material acende e gera sombras que parecem dançar em conjunto com a água. No interior, a movimentação da água é tão forte que a perturbação causada pelo movimento dos corpos é imperceptível, e esse movimento massageia levemente a pele. A proporção do espaço e a superfície irregular, que constrói diferentes ângulos de reflexão sonora, intensificam e prolongam os sons, principalmente os mais graves. Banhistas testam diferentes sons, divertem-se e surpreendem-se. A difusão do som é tamanha, que se alguém está a fazer um barulho com a boca fechada é muito difícil adivinhar sua origem. O percurso de entrada e as características do espaço recordam a experiência de explorar e encontrar um nicho cavernoso incrível. Apesar de milimetricamente projetado pelo homem, esse espaço parece me aproximar da natureza, ou pelo menos ponderar sobre. O cheiro de cloro é perceptível, o tratamento com ozônio utilizado em todo o restante teve que ser modificado pelo banho ser tão escondido, pois um pequeno erro de cálculo na injeção do composto poderia deixar um banhista inconsciente.


F20. Experiência Banhos: entrada Shower Stone; interior escuro Shower Stone; uma das duchas no Shower Stone; entrada Sound Bath, entre o bloco dos vestiários e entrada externa para o spa; entrada Sound Bath; passagem Sound Bath; paredes interior Sound Bath; vista interna da entrada do Sound Bath; vista ao voltar para o salão central. JC0220.

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F21. Quadro de sensação: Flower Bath

F22. Quadro de sensação: Sounding Stone

Voltando à rota original, o próximo bloco de banho é o “Flower Bath”, com entrada mais prolongada, o corredor possui um espaço de ducha à direita, para retirar as pétalas que permanecem após o banho. Ao final do corredor o corpo vira a direita e desce os degraus. As paredes e teto são de concreto preto, abaixo da linha d’água uma pintura branca e o piso um cinza-claro polido. Jatos movimentam as pétalas de cravo amarelo que ficam mais evidentes pela iluminação do fundo branco. Há um cheiro floral agradável, mas que não é proveniente das pétalas: um funcionário aciona uma máquina no piso inferior que pulveriza o aroma por uma discreta saída embutida no concreto. É um espaço muito tranquilo, onde pessoas costumam ficar mais tempo que nos outros banhos, pois a temperatura da água é mais deleitável, 33°C, o cheiro é agradável e a sensação relaxante. A parte superior escura estática e o branco cintilante da água em movimento cria um contraste calmante, quase hipnotizador ao observar a dança das pétalas. Virando novamente a esquina, chega-se ao “Sounding Stone”. Pela abertura apenas o preto da separação entre dois pequenos espaços que abrigam um colchão revestido em couro preto para que se possa deitar. O piso é de ripas de madeira, a mesma utilizada nos vestiários e nas espreguiçadeiras. Ao atravessar a entrada, o som externo é imediatamente abafado, devido ao revestimento em tecido preto que envolve todo o espaço. Sento-me no colchão e olho pela porta, sinto uma sensação de estranhamento. O restante está tão próximo visualmente, apenas dois passos, porém tão longínquo sonoramente, como um ruído de fundo depois de um longo corredor. Deito-me com a cabeça voltada para a porta, vejo apenas um minúsculo bulbo de lâmpada muito fraco, com o filamento alaranjado flutuando num breu. O espaço é aconchegante, quente e apaziguante, o couro logo esquenta e parede derreter com o calor da pele. A instalação sonora Wanderungen [Andanças] é do compositor Fritz Hauser, criada em 1996 e tocada com pedras sonoras feitas pelo escultor Arthur Schneiter. Fecho os olhos e apenas escuto, é tudo o que o espaço permite. Apesar dos sons serem produzidos por instrumentos de pedra, meu ouvido leigo apontava algo parecido com sons metálicos, como sinos de vento que me levam à uma paisagem montanhosa de veraneio ao ar livre. A melodia aparentemente metálica me faz pensar no latão e na pedra de Vals, como os dois soariam em conjunto. Gongos e tambores também entram no meu imaginário que vai longe no tempo e espaço. Os diferentes tipos de sons e arranjos deixam-me compenetrada e passo muitos imperceptíveis minutos aqui dentro. Ao levantar creio que saí de uma massagem, a sonância relaxante que parece ter massageado por dentro. Próxima experiência é a “Drinking Stone”. Atravesso a portada e viro logo à direita, um corredor com degraus alongados, como a escada de entrada, leva a um espaço pequeno e alongado revestido com a mesma pedra, porém com uma sensação totalmente diferente. A já familiar pedra de Vals em placas estreitas e suave ao toque encerra ao final do corredor, sofre um corte e é substituída por blocos robustos de pedra, polidos finamente apenas na face voltada ao interior, dando um leve brilho e reflexo. Os maciços de pedra são empilhados com espaçadores metálicos e me remetem a construções de templos antigos, até milenares como Stonehenge, porém com a finesse do acabamento moderno. O pé descalço sente os veios da peça única de pedra mais in natura. No centro, um fio de água provém de um cano que surge entre o espaçamento de dois blocos próximo ao teto. A água derrama sobre um fosso circular iluminado por baixo no centro da sala, sendo a única fonte de luz. A

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F23. Experiência Drinking Stone e descanso: entrada Drinking Stone; passagem Drinking Stone; continuação da descoberta; peça central na Drinking Stone; saída água Drinking Stone; vista da entrada no interior do Drinking Stone; janela com espreguiçadeiras no salão central; vista para entrada de um dos Resting Space; interior Resting Space. JC0220.

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F24. Quadro de sensação: Drinking Stone

F25. Quadro de sensação: Resting Space

luminosidade é branca amarelada com pigmentos alaranjados na borda que oscilam com a perturbação da água, me lembram o sol. No entorno, um guarda-corpo circular serve de apoio para canecas e correntes também em latão. Os banhistas posicionam-se à sua volta, enchem a caneca com a água que vem de cima e bebem. O gosto metálico da água é distinto, acentuado pelo sabor do copo e pelos sons das correntes tangendo o guarda-corpo e das pessoas brindando. O som protagonista é o encontro de águas, com os barulhos metálicos como coadjuvantes. Embora o compartilhamento de copos com desconhecidos ser inimaginável nas condições atuais, é uma experiência única, envolta por uma aura de misticismo. A monumentalidade dos blocos de pedra projeta uma aura sacra para a veneração da água, a disposição das pessoas em círculo me remete a um culto. A água iluminada e borbulhante parece que está brotando das entranhas da terra. Apesar do caráter contemporâneo do espaço, há uma qualidade mais profunda, quase anciã, imagino Druidas cultuando divindades aquáticas no interior de grutas. Os “Resting Space” ficam nos blocos mais externos do edifício e, diferente dos espaços de banho que submergem, são elevados. O mais à direita (vide planta) a altura é ainda maior, apenas ao deitar na espreguiçadeira percebo o porquê. É aquela alongada e bonita entrada que me chamou a atenção naquele primeiro enquadramento do interior da terma. Subo oito degraus e logo em seguida viro à esquerda. Encontro uma cortina de couro preto de separação, como a dos vestiários. Dentro, todas as faces são escuras, concreto com pigmento preto para paredes e teto, piso tipo epóxi preto. Pequenas janelas quadradas a aproximadamente 60cm do chão são dispostas sequencialmente. Para cada janela, uma espreguiçadeira, feita com ripas da madeira avermelhada e um pequeno travesseiro de couro preto, são esbeltas e belas. Para cada espreguiçadeira, uma luminária pendente ilumina cabeça e tronco, ideal para ler um livro. Ao deitar-me, o enfoque é a paisagem enquadrada pela janela, todo o resto é suavizado. O barulho característico do espaço principal fica para trás, abafado pela virada e cortina grossa da entrada. Pela configuração do espaço ser claramente individual, os banhistas tendem a não conversar e o silêncio reina. O ambiente escuro com mínima textura e sem ornamentação priva de distrações. A temperatura ambiente é agradável, um pouco mais quente que o espaço central. A madeira da cadeira possui uma temperatura suave que logo esquenta, sua estrutura proporciona uma leve massagem, apenas me deixando a par do contato do corpo com o objeto. A ergonomia é fantástica e perfeita para admirar de frente a janela. Essa é a mais minimalista possível, uma chapa metálica envolve a cavidade e o vidro está na extremidade exterior da fachada, sem ser possível identificar um caixilho. Esse arranjo expõe a espessura completa da parede, como a sensação das pequenas aberturas nas grossas paredes de castelos atestam sua massa monumental. Essa robustez enquadra os galhos, no momento sem folhas, das árvores em frente. Em último plano, a paisagem montanhosa nevada com algumas cabanas de madeira e pedra. Não se vê o céu. No outro “Resting Space”, a janela está posicionada mais alta e inclinada para cima, a desviar do edifício do hotel que está em frente. Deitado, o olhar é direcionado para cima, de encontro a montanha ao fundo. Esta, apesar de longe, parece ter uma relação mais próxima e mais íntima através desse pequeno recorte. A atmosfera é incrivelmente relaxante, estou sozinha com meus pensamentos, a paisagem é a única lembrança de uma realidade externa. Um tipo de corredor é formado entre os blocos de banho e os mais externos. Gran-

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F26. Experiência piscina externa: acesso por porta; acesso pela água; vista entre os dois acessos; enquadramento da paisagem; vista no topo do Rock terrace; vista para o vilarejo do Rock terrace; a terma e a montanha; a terma e a montanha oposta; detalhe gárgulas de água e escada para o Rock terrace. JC0220.

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F27. Quadro de sensação: Piscina Externa

des janelas do chão ao teto trazem luz natural entre os blocos, estes não são alinhados, o que reforça mais ainda a definição de volumes separados e não um plano com aberturas. É o ponto de maior alcance visual, de um lado uma janela esbelta abre-se para o hotel, do outro a área da piscina externa com o vale de Vals em continuidade. A piscina externa é separada por uma parede de vidro e uma porta inteiramente revestida de latão, refletindo um brilho dourado tímido. Abro a porta e reparo na espessura e peso, impotente. Lá fora é inverno, o vento gelado é cortante e corro para dentro da piscina. O pavimento está revestido com um piso elevado de plástico vazado duro, provavelmente por causa da neve, o que torna o percurso dolorido e desagradável. Porém, ao entrar na piscina quente a sensação é soberba, a água parece te abraçar e proteger do frio externo e o vapor da água encorpa a atmosfera. Para mim é o ápice da relação interior e exterior, uma película de água separa o submerso como extensão do interior da terma e o exterior em contato direto com a pele exposta. Apesar de externa a piscina é envolta por todos os lados. Ao fundo o bloco das saunas cria um paredão de pedra, à esquerda o interior da terma é revelado pelas janelas, à direita um bloco elevado serve de descanso no verão, a frente dois blocos e suas respectivas lajes emolduram a montanha ao fundo. Percebo a espessura da laje e a proposta estrutural das “mesas de pedra”. Fica claro que a laje em balanço ligada a um bloco que vai transmitir seus esforços ao chão. O piso de pedra parece mais áspero, me aproximando mais da natureza do que uma piscina de ladrilho. Há três fontes em cano de latão que nascem da água e curvam-se de volta à mesma, jatos fortes de água massageiam as costas de banhistas. O desenho da piscina proporciona recantos muito bem apreciados pelos banhistas, alguns acham conforto nos degraus, outros encostam nas paredes e volumes, a parte central da piscina é mais para passagem. No paredão há um volume alto a poucos centímetros abaixo d’água. No verão é um lugar perfeito para ficar deitado ao sol e apreciando o molhado, porém no inverno serve de apoio aos cotovelos. Alguns acham os jatos de saída de água e ali ficam por horas. Do outro lado um volume 30cm mais alto que a água constrói um espaço que no verão é revestido por toalhas para tomar sol. Meu local preferido é o espaço entre o bloco da “Drinking Stone” e do “Fire Bath”. Os degraus me permitem sentar e o resguardo me protege do vento e chuva e enquadra meu olhar que desliza pela água, esbarra na horizontalidade do bloco ao fundo e transborda para a paisagem. O som é completamente diferente do interior, três fontes produzem um barulho intenso e constante, ouço pássaros, o vento, chuva, dependendo da hora o sino da Igreja, e as pessoas conversam mais desinibidas, pois o som não reverbera como no interior. O exterior é o local mais social dessa terma, diferente das romanas. À noite experiencio o local sem ninguém, os pássaros já não cantam, o único som é das fontes e do vento intenso esporádico. Não há nenhuma luz visível no exterior. A paisagem branca transformou-se num quadro de camadas negras e o vapor da água cria um certo misticismo. Olho fixamente para a escuridão por muitos minutos, como se algo estivesse à beira de se mexer, aquilo me aterroriza e me instiga. A adrenalina parece aguçar meus sentidos e tudo fica mais desperto. De profundidade incompreensível o breu ganha volume e imaginário, como se Mark Rothko tivesse o pintado. Coincidentemente há um quadro do artista, Untitled (Black on Grey), que agora me trás essa memória muito vividamente. Passa do horário de fechar, o encerramento é pontuado pelo som de um gongo. Dirijo-me para a outra travessia da piscina externa, sem sair da água atravesso a cortina de plástico e me deparo com o final da escada de acesso. Saio da piscina, recolho minha toalha e me dirijo para o vestiário. A terma agora possui uma temperatura de

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cor fria, pois as piscinas iluminadas agora atuam como a maior fonte de luz. A iluminação pelas frestas do teto já não existe mais e o espaço perde muito de seu encanto por isso. Enquanto me troco escuto um barulho não familiar. Abro a cortina e ouço um dos funcionários cantarolando enquanto limpa a piscina e um som forte de água dentro drenada. Acendem a luz dos fortes refletores, estranheza impera, o edifício está desprovido de sua qualidade fundamental, a luz natural.

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Atmosferas

Desenredar


IV.

DESENHO, ESBOÇOS DE ESTUDO

F01. Desenho de observação e colagem. Desenho da autora.


4.1

Os nove pontos “The third advantage in the concept of atmosphere is found on the objective side. We cannot study atmospheres solely from the side of the subject – that is, by exposing ourselves to them; they can also be studied from the side of the object (…)” Gernot Böhme 01

F02. A arquitetura feita para os olhos. Olho Refletindo o Interior do Teatro Besançon, gravura de Claude-Nicholas Ledoux. Teatro projetado pelo mesmo e construído em 1784.

Com base na descrição subjetiva do espaço, a próxima etapa é o estudo do objeto como fonte parcial dessas emoções. Em seu livro “Atmosferas” Zumthor considera nove pontos importantes no seu raciocínio de projeto que o auxiliam a construir a atmosfera pretendida. Esses são, em ordem: o corpo e a arquitetura; a consonância dos materiais; o som do espaço; a temperatura do espaço; as coisas que me rodeiam; entre a serenidade e a sedução; a tensão entre exterior e interior; degraus da intimidade; a luz sobre as coisas. Apenas com o título dos capítulos é possível perceber a ação de diversos sentidos, do corpo do espaço e do corpo humano em relação ao espaço. Zumthor coloca essas questões de forma acessível, sem uma carga teórica abundante. Em seu processo de projeto, trabalha-os separadamente e por vezes de forma conjunta, sempre buscando uma harmonia. “Harmonia. É mais uma sensação. (...) A explicação da forma deve surgir da sua utilização, e quando isto é legível, considero o maior dos elogios. E nesta ideia não estou sozinho na arquitectura, é uma tradição muito antiga, também na literatura, na escrita etc. E na arte. (...) Mas o mais belo é quando as coisas se encontram, quando se harmonizam. Formam um todo. O lugar, a utilização e a forma. A forma remete para o lugar, o lugar é este e a utilização é esta.” 02

F03. “To see was only to touch more accurately” Louis Kahn. A fusão entre o sentido da visão e do tato. Lonely Metropolitan, Herbert Bayer, fotografia, 1932.

Enquanto trabalha-se os nove pontos citados acima, inevitavelmente chega-se numa forma. Porém o porquê, ou a essência da forma, descobre-se no lugar e em sua utilização. Como já abordado, Zumthor não se prende a minúcias teóricas e mirabolantes conceitos, está preocupado com o concreto: como o edifício relaciona-se com a paisagem e a cultura, o lugar; e a experiência corporal nesse espaço, sua utilização. Porém, Zumthor aponta que não pensa na forma de antemão, apenas após trabalhar todos os outros princípios é que vai pensar sobre ela: a forma bonita. “Não trabalhamos na forma, trabalhamos com todas as outras coisas. No som, nos ruídos, 01 BÖHME, Gernot. Urban Atmospheres: Charting New Directions for Architecture and Urban Planning. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014. p.50 02 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.67, 69.

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nos materiais, na construção, na anatomia etc. (...) olhando ao mesmo tempo para o lugar e para a utilização. (...) Normalmente temos uma maqueta grande ou um desenho, na maioria dos casos uma maqueta, e acontece que aqui tudo se relaciona, que muitas coisas se relacionam, mas olho e digo: sim, tudo se encaixa, mas não é bonito! (...) quando esta forma não me toca, volto para trás e recomeço do início.” 03 A forma bonita é muito importante, já que Zumthor a coloca como objetivo final, mas constitui uma decorrência de todas as outras coisas. E, se o projetar for bem-sucedido, muitas vezes cria-se uma forma surpreendente, muito melhor do que poderia ter sido imaginada se o processo fosse o inverso. Associado à necessidade do tempo alongado para produzir um bom resultado, talvez esse seja a principal questão da metodologia de Zumthor. Slow architecture, como ele põe. Neste capítulo, a fim de entender os elementos que constituem a atmosfera da Terma de Vals, os pontos são analisados individualmente. Esses são rearranjados e agrupados para melhor compreensão, na tentativa de criar uma linha de pensamento próprio. Propõe-se dois grandes grupos: composição da matéria e qualidade da matéria. No primeiro serão abordadas questões da forma geométrica e da relação do corpo sobre ela, no segundo as características materiais e como elas influenciam o corpo da arquitetura.

03 Ibidem, p.71, 73.

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4.2

Composição da matéria “Eu confronto a cidade com meu corpo; minhas pernas medem o comprimento da arcada e a largura da praça; meus olhos fixos inconscientemente projetam meu corpo na fachada da catedral, onde ele perambula sobre molduras e curvas, sentindo o tamanho de recuos e projeções; meu peso encontra a massa da porta da catedral e minha mão agarra a maçaneta enquanto mergulho na escuridão do interior. Eu me experimento na cidade; a cidade existe por meio de minha experiência corporal. A cidade e meu corpo se complementam e se definem. Eu moro na cidade, e a cidade mora em mim.” Juhani Pallasmaa

F04. A man walking, fotogravura, Eadweard Muybridge, 1887.

01

Como visto anteriormente, a arquitetura, principalmente ocidental, vem priorizando cada vez mais o sentido da visão. Atrelado a fatores histórico-culturais, fisiológicos e psicológicos da visão como sentido mais importante, assim como a racionalização tecnológica que nos distancia e universaliza, e ainda questões logísticas de construção e massificação. Segundo Pallasmaa o maior problema está no isolamento da visão e supressão dos outros sentidos, enfraquecendo a relação do homem com o espaço e com seu próprio corpo. No passado o homem utilizava de sua própria proporção corporal para construção do espaço. As habilidades de um caçador, artesão ou pedreiro estão no desenvolvimento de uma sequência de movimentos regidos pelos sentidos muscular e tátil, refinados por uma tradição corpórea e não teórica. Pallasmaa exemplifica como uma “sabedoria do corpo armazenada na memória tátil (...) O corpo sabe e lembra.”02 A experiência da arquitetura não envolve apenas as necessidades e funcionalidades da vida em sociedade, mas também dessa memória tátil arcaica enraizada em nosso corpo e sentidos. Por exemplo, o piso é o início de tudo, uma superfície relativamente reta que torna o espaço utilizável para certas ações. Daí surgem parede, teto, porta e janela que não são apenas elementos arquitetônicos, o corpo as utiliza, atravessa, toca e observa. E além, dessas experiências incorporadas são associados sentimentos, como o de proteção, acolhimento, fragilidade, entre outros. Pallasmaa chama essas associações de “embodied images”. Segundo Gaston Bachelard o fogo e a água são os dois elementos que mais estimulam a imaginação. Além de sua beleza visual, sonora e tátil, o fogo, por exemplo, representa um senso de proteção e coletividade transmitido há dezenas de civili-

01 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura dos sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.37,38 02 Ibidem, p.57.

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zações.03 Não obstante, Frank Lloyd Wright centraliza a lareira no centro da casa, unindo funcionalidade ao senso poético do imaginário. De forma similar Peter Zumthor tenta trazer a bagagem emocional e arquitetônica advinda da experiência do banho. A água por si só já remete à purificação em termos culturais e medicinais, ao deleite e tranquilidade de uma imersão quente, as diversas experiências subjetivas acumuladas em torno do elemento. Porém a arquitetura apresentada é dissociada de um estilismo atrelado à religião ou construção balneária. Tenta introduzir uma temporalidade anterior a tudo isso, como se estivesse a banhar numa fonte termal ao abrigo de uma caverna. É claro que em nenhum momento confunde-se com uma caverna real, mas a imagem associada é o suficiente para criar uma aura extremamente potente.

F05. Arquitetura como analogia do corpo. As cariátides do Erecteion, em Acrópole de Atenas (421-405 a.C.)

E dessa miscelânia de imagens e experiências incorporadas o corpo encontra-se em diálogo constante com o espaço a sua volta, não sendo possível dissociar o “eu” de sua existência espacial. “Contemplamos, tocamos, ouvimos e medimos o mundo com toda nossa existência corporal, e o mundo que experimentamos se torna organizado e articulado em torno do centro de nosso corpo.”04 Se o corpo é o intermeio entre o “eu” e o espaço, e a percepção atmosférica habita entre o sujeito e o objeto, projetar atmosfera é projetar para o corpo. “Da mesma maneira, durante o processo de projeto, o arquiteto gradualmente internaliza a paisagem, todo o contexto e os requisitos funcionais, além da edificação que ele concebeu: movimento, equilíbrio e escala são sentidos de modo inconsciente por todo o corpo, como tensões no sistema muscular e nas posições do esqueleto e dos outros órgãos. À medida que a obra interage com o corpo do observador, a experiência reflete nas sensações corporais do projetista. Consequentemente, a arquitetura é a comunicação do corpo do arquiteto diretamente com o corpo da pessoa que encontra a obra, talvez séculos depois.”05

F06. Estudo de sistema de proporsões da escala humana com base em subdivisões pitagóricas de um módulo de 180cm, Aulis Blomstedt, 1960.

03 PALLASMAA, Juhani. Orchestrating Architecture: Atmosphere in Frank Lloyd Wright’s Buildings. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.55,57 04 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.61 05 Ibidem, p.63.

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4.2.1 O corpo da arquitetura “O corpo da arquitectura. A presença material dos objectos de uma arquitectura, da construção. (...) Sinto isto de uma forma física. O que considero o primeiro e maior segredo da arquitectura, é que consegue juntar as coisas do mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. Porque para mim é como uma anatomia. É verdade, tomo o conceito do corpo quase literalmente. Tal como nós temos o nosso corpo com uma anatomia e coisas que não se vêem e uma pele... etc., assim funciona também a arquitectura e assim tento pensá-la. Corporalmente, como uma massa, como uma membrana, como tecido ou invólucro, pano, veludo, seda, tudo o que me rodeia. O corpo! Não a ideia do corpo – o corpo! Que me pode tocar.” F07. Detalhe maçaneta Antoni Gaudi.

F08. Detalhe maçaneta Alvar Aalto.

Peter Zumthor 01 Um edifício como um corpo, que possui forma, densidade e resistência. Necessita de sua funcionalidade, mas aquilo que está a amostra deve ser experienciado, tocado pela pele e pelos olhos. “Poderíamos considerar o tato como o sentido inconsciente da visão. Nossos olhos acariciam superfícies, curvas e bordas distantes; é a sensação tátil inconsciente que determina se uma experiência é prazerosa ou desagradável.” 02 Podemos dizer que o sentido primordial da experiência espacial é o tato. No século XVIII, o filósofo e clérigo irlandês George Berkeley propõe que a entendimento visual especial sobre a materialidade, distância e profundidade só é possível pela associação à memória tátil. “Segundo Berkeley, a visão necessita da ajuda do tato, que fornece sensações de “solidez, resistência e protuberância”; a visão desvinculada do tato não poderia “ter qualquer idéia de distância, exterioridade ou profundidade, e consequentemente, nem de espaço ou corpo”” 03 A memória tátil identifica as qualidades do mundo tridimensional e nos faz cientes de nossa orientação no espaço. Segundo Robin Middelton, tocar é a primeira sensação de experiência de um mundo físico que existe fora de si mesmo.04 E para Pallasmaa, “Great Architecture offers shapes and surfaces molded for the pleasurable touch of the eye” 05 É através da memória tátil que é possível perceber o peso da estrutura volumétrica da Terma de Vals. Os olhos percorrem e tateiam a superfície rugosa da pedra, admiram sua geometria restrita e robusta, entendem a densidade de seus elementos. Os pés

F09. Banco em Trons Kapell, Gunnar Asplund, 1940.

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01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.23 02 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.40 03 Ibidem, p.40. 04 MIDDLETOR, Robin. Introduction. In: The Genius of Architecture; or, The Analogy of That Art with our Sensations, Nicolas Le Camus de Mézieres. Santa Monica, CA, 1992, p.11. 05 PALLASMAA, Juhani. An Architecture of The Seven Senses. In Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.36.


F10. Capela Bruder Klaus, Peter Zumthor. foto Aldo Amoretti

“To see was only to touch more accurately” Louis Kahn. Lobell, John. Between Silence and Light - p.12

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descalços sentem a veracidade do material que se vê, e a textura das paredes instigam a palma a acariciar as superfícies. A principal característica do corpo arquitetônico é seu caráter monolítico, de um bloco único de pedra que foi escavado, mimetizando seu vínculo com a montanha adjacente, como uma caverna esculpida pela água. Isso é visível pela disposição, dimensão e densidade de seus elementos:

F11. Manifesta 7, ensaio fotográfico de Hélène Binet em Forte di Fortezza, Itália.

A configuração do espaço por blocos isoladamente dispostos num espaço maior cria uma interconexão espacial e não uma sucessão de espaços. A conexão desses elementos do piso ao teto sugere ser parte de um todo. Os blocos nunca estão alinhados, exceto na fachada externa, quebrando uma possível linearidade e destacando-os como volumes separados. Em planta, as próprias paredes são lidas mais como massa escavada do que planos. A grossura de suas paredes é evidenciada em cada passagem disponível. A configuração em “mesas de pedra” também auxilia na leitura de grandes elementos, separados no teto por estreitas frestas de luz. A volumetria é a fundação, mas a extrema racionalização do detalhamento construtivo é o que garante o aspecto final de uma arquitetura monolítica memorável. O projeto inteiro foi desenvolvido com o princípio de camadas. Uma unidade básica de 15 cm, altura de um degrau, constituído de três fiadas de pedra (31, 47, 63 mm) e duas camadas de assentamento de 3mm percorrem todas as superfícies. As camadas foram tecidas numa sequência variável das três dimensões dentro do módulo de 15cm, criando uma aparente irregularidade regular. Para os cantos, pedras de dimensões especiais foram rigorosamente especificadas para o entrelaçamento das fiadas, criando um aspecto final de um tecido homogêneo, ou uma pedra monolítica.06 Cada fiada é a mesma por todo o edifício, criando uma continuidade entre os diferentes blocos, como veios que percorrem todo o edifício, assim como os estratos geológicos de uma montanha. O caráter monolítico também é reforçado pelo fato de todos os elementos arquitetônicos estarem inseridos nesse princípio de camadas. Piso, vergas, soleiras das janelas e portas, ‘ceiling soffits’, escadas, bancos estão dentro dessas dimensões e são entrelaçados com as fiadas de pedra das paredes. Assim é possível que aberturas e protuberâncias sejam incorporadas ou escavadas dos volumes, não sendo visível interrupção entre os elementos. Seguindo os passos de construção, no detalhamento da figura 27 é possível ver como o piso de pedra avança sob o revestimento da parede, encaixando perfeitamente como se fosse a continuação de uma fiada. As soluções técnicas também reforçam o caráter único e homogêneo, elas se encaixam no padrão de camadas ou nas junções entre as massas (como juntas de dilatação horizontais, canais de drenagem e transbordamento) ou estão incorporadas na estrutura composta de concreto e pedra (como juntas de dilatação verticais, impermeabilização e isolamento térmico). 07 A composição em volumes, a racionalização em camadas e o mínimo assentamento entre elas auxiliam na experiência de uma estrutura monolítica, reforçando o princípio de escavação. É palpável o peso material dessa arquitetura, o peso gravitacional é sentido em seu próprio esqueleto, mas não é opressivo, pois a combinação com a luz na-

F12. Textura paredes da Igreja St. Agnes, Werner Düttmann, 1967.

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06 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.112 07 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Publishers, 1998, p.157.


F13. Igreja St. Moritz, John Pawson, 2013. F14. John Russel Pope, Estação de Broad Street, 1919.

F15. Sigurd Lewerentz, Igreja St Marks, 1960. Foto: Andy Liffner.

F16. Peter Zumthor e Louise Bourgeois, Memorial Steilneset, 2011. F17. Mies van der Rohe, Pavilhão de Barcelona, 1929.

F18. Alvar Aalto, Igreja Paroquial de Riola, 1978. F19. Interior Igreja Myyrmäki. Juha Leviskä, 1984.

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tural traz uma atmosfera tranquila e de leveza ao rasgar toda a extensão da cobertura. Diferente do senso de gravidade de Peter Zumthor, a Igreja de Myyrmäki, projetada por Juha Leviskä parece se desfazer em pleno ar. O espaço é trabalhado de modo a criar um ritmo encantador, a sucessão e disposição de planos separados pela luz traz uma leveza e um senso de profundidade difusa. As luminárias suspensas parecem flutuar junto com o edifício. Porém, sua airosidade não significa que o edifício não é enraizado no local. Seu programa e forma dialoga com o entorno, pode ser acessado de diversos pontos e convida o verde da paisagem a entrar por suas frestas de luz. Ao chegar de trem é possível avistar a igreja e o centro comunitário, Gus Tielens descreve que o edifício parece continuar na direção e ritmo do trem.08 Leviskä reforça o diálogo com a paisagem em seu discurso: F20. Interior Igreja Myyrmäki. Juha Leviskä, 1984.

“To qualify as architecture, buildings, together with their internal spaces and their details, must be an organic part of the environment, of its grand drama, of its movement and of its spatial sequences. To me, a building as it stands, “as a piece of architecture”, is nothing. Its meaning comes only in counterpoint with its surroundings, with life and with light.” 09 Segundo Pallasmaa, Leviskä é um músico apaixonado por Mozart e seu trabalho é surpreendentemente musical “You can hear the space in the Myyrmäki Church. The rhythm of the walls and the rhythm of the light are really beautiful in most of his work, but specifically here, in this church. (…) He has confessed that in the rhythm of the space of the church, his sources are Dutch neoplasticism and Bavarian Rococo.” 10

F21. Vista exterior Igreja Myyrmäki. Juha Leviskä.

E como uma obra musical, o edifício foi composto com regras precisas, um rigor que é sentido ao entrar no edifício. Porém rigor não é sinônimo de estático ou monotonia. Assim como na Terma de Vals, a geometria rigorosa e precisa harmoniza com todos os outros elementos. Arquitetura atmosférica é muitas vezes associada a uma ambiência mais densa, cheia de penumbra e com materiais mais táteis, porém seu oposto também pode criar espaços de grande potência sensorial, esse é um exemplo exímio disso.

08 TIELENS, Gus. Rhythmic Space. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013 p.39. 09 Ibidem, p.41. 10 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.47.

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F22. Planta de massas do edifício. Desenho da autora.

F23. Casa constituída por planos.Mies van der Rohe, Brick country house, 1923, projeto não realizado.

F25. Blocos desalinhados reforçam o entendimento de volumes e não planos. A iluminação natural enfatiza sua volumetria. JC0220.

F24. Diagrama planta baixa.Igreja Myyrmäki. Juha Leviskä, 1984.

F26. Entrada do “resting space”, abertura, degraus e teto na modulação e do material. Sensação de escavação e não de elementos separados. JC0220.

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F27. Detalhe construtivo Vals compound masonry. Atelier Peter Zumthor.

F28. Esquiço detalhe escada de entrada. Realizado durante a visita.

F29. Esquiço detalhe junção do banco. Realizado durante a visita.

F30. Esquiço detalhe canaleta de água. Realizado durante a visita.

F31. Detalhe junção piso/parede/junta de dilatação. JC0220.

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F32. Detalhe junção banco/parede/piso. JC0220.

F33. Detalhe junção escada/parede/piso. JC0220.


F34. Vista da escada de entrada. Repara-se como as paredes são lidas como volumes e não planos, pelo seu desalinhamento e detalhe construtivo. O uso da luz natural também destacam os blocos separadamente.JC0220.

F35. Piscina interna. A continuidade do material da pedra abaixo da linha d’água faz com pareça que a água aflorou ou escavou o local. Não se possui a sensação de uma piscina converncional. JC0220.

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4.2.2 Degraus da intimidade “Não sei muito sobre este tema, como vão reparar rapidamente. Ainda tenho de pensar mais sobre isto. Dei o título de: Degraus da intimidade. Relaciona-se com proximidade e distância. Um arquitecto clássico diria: escala. Mas isso soa muito académico, estou a falar num sentido mais corporal de escala e de dimensão. O que abrange vários aspectos que se relacionam comigo, o tamanho, a dimensão, a escala e a massa da obra. Por vezes são elementos maiores, muito maiores do que eu e noutros são objectos mais pequenos. Fechaduras, dobradiças ou outras ferragens, portas.” 01 Dentro da ideia de distância, exterioridade e profundidade possível pelo poder de posicionamento e relação sensorial do corpo com o mundo exterior entra a noção de escala. Segundo Pallasmaa:

F36. Heinz Bienefeld, Schütte House, 1978.

“Entender a noção de escala na arquitetura implica a medição inconsciente do objeto ou da edificação por meio do próprio corpo do observador, e na projeção de seu esquema corporal no espaço em questão. Sentimos prazer e proteção quando o corpo descobre sua ressonância no espaço. Quando experimentamos uma estrutura, inconscientemente imitamos sua configuração com nossos ossos e músculos: o fluxo agradável e animado de uma música é inconscientemente transformado em sensações corporais, a composição de uma pintura abstrata é experimentada como tensões no sistema muscular, e as estruturas de um prédio são inconscientemente imitadas e compreendidas pelo esqueleto.” 02 Porém para uma sensação agradável o corpo não necessariamente necessita de uma escala mais reduzida, que muitos entendem como “escala humana”, no sentido de mais ou menos similar à dimensão do corpo. Como propõe Peter Zumthor “Não se pode simplesmente dizer, grande é mau, falta a escala humana.”03 A relação entre amplitude, proximidade e distância entre o corpo e a forma do espaço são demasiados complexos para uma “regra” e podem gerar efeitos paradoxos como Zumthor exemplifica:

F37. Castro Mello, Estádio Mané Garrincha, Brasília, 2014.

“O interessante é constatar que coisas maiores do que eu me podem intimidar, representações estatais, bancos etc. Ou, como ouvi ontem, a vila Rotonda de Andrea Palladio, uma coisa grande, monumental, mas quando estou lá dentro, não me sinto intimidado, mas sim enaltecido, se me permitem utilizar esta palavra. O espaço em redor não me intimida, mas torna-me de alguma forma maior e deixa-me respirar mais livremente (...) Surpreendentemente, existem dois efeitos.” 04 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006. p.51. 02 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.63. 03 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.55. 04 Ibidem, p.53, 55.

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F38. Sítio Arqueológico Roamano, Peter Zumthor.

“Conhecem aquela porta alta, estreia, onde toda a ente fica bem ao passar? Conhecem esta porta mais larga, sem interesse, deselegante? Conhecem os portais grandes e intimidadores, onde só quem os abre fica bem e orgulhoso? Ou seja, o tamanho, a massa e o pesa das coisas. A porta fina e a porta grossa. O muro grosso e o muro fino.” ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.51,53.

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É importante pensar nas formas que enaltecem o corpo que as rodeia, o que nos faz sentir frágeis ou imponentes. Um espaço ou passagem de proporções muito largas e pequena espessura podem perturbar a sensualidade da proximidade material e da elegância e potência da verticalidade, a qual há milênios associamos com monumentalidade, poder e transcendentalidade, mas que trabalhadas podem trazer enaltecimento do corpo ao invés de opressão e vigilância.

F39. Villa Rotonda, Andrea Palladio, 1571.

A Terma de Vals é um ótimo exemplo de trabalho entre escalas mais monumentais, como grandes vazios e grandes aberturas externas, e escalas reduzidas, trazendo a proximidade e proporção corporal de volta à experienciação do espaço. A monumentalidade dos espaços intersticiais do “grande salão”, representam as áreas comunais, como as incríveis termas romanas. Porém são contrapostas à pequenas entradas, estreitas e baixas, que se estendem como corredores e desembocam num pequeno espaço, porém de altura semelhante ao exterior. A redução deliberada da escala aumenta a experiência de proximidade e intimidade05, ideal para as experiências individuais e sensoriais dos banhos. Como discutido no ponto anterior do “corpo da arquitetura”, a escala é complementada pelo peso do espaço construído. Sua espessura e densidade material dão significado e alteram a relação visual e tátil do espaço: “A sensação da gravidade é a essência de todas as estruturas arquitetônicas, e grandes obras de arquitetura nos tornam cientes da gravidade e da terra. A arquitetura reforça a experiência da dimensão vertical do mundo. Ao mesmo tempo em que nos torna cientes da profundidade da terra, ela nos faz sonhar com a levitação e com o voo.” 06 Zumthor reforça a importância de se trabalhar a espessura da constrição do espaço:

F40. Estudos planta baixa de castelos escoçeses, Louis Kahn.

“Tento sempre conseguir que a forma interior, ou seja o espaço interior vazio, não seja igual à forma exterior. Não podem pegar numa planta e pôr lá dentro linhas, como se ali estivessem todas as paredes, marcar doze centímetros e com esta repartição constituir o exterior e o interior. Devem existir massas escondidas no interior que não se vêem por fora. É como o oco de uma torre de igreja, onde se sobe por dentro das paredes. Isto é um exemplo entre milhares da relação de peso e tamanho.” 07 Quem demonstrou grande interesse nesse princípio foi Louis Kahn, que começou a experienciar com as “formas ocas” e se distanciar do formalismo moderno vigente na época. Sua arquitetura passou por um processo de “encorpamento”: primeiro, dos elementos horizontais, pisos; segundo, dos elementos de sustentação, os pilares; terceiro, de toda a construção do espaço, projetando cômodos inteiros “dentro” das paredes. Vide seu interesse no estudo de castelos escoceses. 08 Talvez os espaços mais internos da Terma de Vals também possam ser lidos como paredes ou melhor, volumes, como espaços habitáveis. Além da questão da escala e peso, relaciona-se o ponto de tensão entre interior e exterior, e mais especificamente como é feita a transição entre um e outro. Essa questão foi abordada em parte ao falar-se da transição entre o “grande salão” e os pequenos banhos, pontuando como é difícil manter cada tema separado, pois em realidade isso não é possível. 05 PALLASMAA, Juhani. Orchestrating Architecture: Atmosphere in Frank Lloyd Wright’s Buildings. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013. p.53 06 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.64. 07 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.53. 08 CACCIATORE, Francesco. The wall as living space: Hollow structural forms in Louis Kahns’s work, Siracusa: Lettera Ventidue, 2016, p.57.

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“Do not teach theories of proportions. They only disturb the sense of proportion.” Eliel Saarinen, AIA speech, San Antonio Texas, 1931.

F41. Portal Sanmon do Templo Nanjenzi, Kyoto, 1628.

F42. Louis Kahn, IIMB, 1974. F43. Louis Kahn, Assembléia Nacional de Bangladesh, 1982.

F44. Jørn Utzon, Can Lis, 1972.

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Passagens / estreitamentos Maior grau de intimidade Espaços individuais Piscinas

F45. Mapa gradações de intimidade. Desenho da autora.

F46. Passagem intimista, prolongamento do movimento. A cortina de couro como material de transição e enquadramento com a madeira avermelhada dão teatralidade ao primeiro contato direto com o interior do edicífico. Esquiço realizado durante a visita.

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F47. Acima, entrada Ice Bath, oposta ao Fire Bath. Todas as entradas são destacadas por luminárias JCR0220. F48. Abaixo, escada de acesso à galeria dos vestiários. O prolonamento do degrau gera uma descida suave em que é possível apreciar as vistas no caminho. JCR0220.

F49. Acima, entrada Flower Bath, passagem com inflexão não informam sobre o interior. JCR0220. F50. Abaixo, saída vestiário é varrida por luz artificial, o corpo é banhado como um holofote de teatro. JCR0220.

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4.2.3 A Tensão Entre o Interior e Exterior

F51. Edward Hopper Morning Sun, 1952.

F52. Edward Hopper Nighthawks, 1942.

F53. Alfred Hitchcock Rear Window, 1954. Cena vizinhos.

“Na arquitectura retiramos um pedaço do globo terrestre e colocamo-lo numa pequena caixa. E de repente existe um interior e um exterior. Estar dentro e estar fora. Fantástico. E isto implica outras coisas igualmente fantásticas: soleiras, passagens, pequenos refúgios, passagens imperceptíveis, entre interior e exterior, uma sensibilidade incrível para o lugar; uma sensibilidade incrível para a concentração repentina, quando este invólucro está de repente à nossa volta e nos reúne e segura, quer sejamos muitos ou apenas uma pessoa. Desenrola-se então o jogo entre o indivíduo e o público, entre a privacidade e o público. É com isto que a arquitectura trabalha” 01 Como já pontuado anteriormente, a importância da experiência arquitetônica não está nos elementos por si só, como por exemplos portas, janelas, guias, pavimentos, corrimões etc., mas no ato de passar ou enxergar através deles, tocá-los, senti-los com nosso corpo e percepção. Por isso, a construção espacial dos elementos de passagem corporal e visual é trabalhada cuidadosamente por toda a terma, como evidente nos diversos croquis de sucessão de espaços e visuais pretendidas. Neles é possível ver o jogo de constrição e expansão de escala, o prolongamento da entrada tanto no eixo vertical como horizontal, e enquadramentos da paisagem. Na terma de Vals a relação visual com a paisagem se dá por grandes ou pequenos enquadramentos. A fachada exterior pouco revela sobre a funcionalidade do interior, apenas o conhecimento prévio indica que as pequenas aberturas são janelas para contemplação individual. O vidro é alinhado com a fachada externa, proporcionando total entendimento da grossura de 60cm da parede, quando no interior dos “resting spaces”. As grandes aberturas condizem com o espaço entre os volumes e o caixilho é afastado do alinhamento externo, fornecendo traços da volumetria interna. Tais aberturas para o exterior são delimitadas com um propósito visual e volumétrico específico, diferente das grandes paredes e peles de vidro que arrasaram a intimidade dos edifícios modernos e contemporâneos. Segundo Pallasmaa: “Nos dias atuais, a luz se tornou uma mera matéria quantitativa, e a janela perdeu sua importância como mediadora de dois mundos, entre fechado e aberto, interioridade e exterioridade, privado e público, sombra e luz. Uma vez que perdeu seu significado ontológico, a janela se transformou em uma mera ausência de parede. “Observe [...] o uso das enormes janelas com caixilhos fixos [...] elas privam nossas edificações da intimidade, do efeito da sombra e da atmosfera. Os arquitetos do mundo todo têm se enganado nas proporções que têm usado 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.47.

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F54, 55. Vista exterior e interior do Museu da Mineração Allmannajuvet. Peter Zumthor, Sauda, Noruega, 2016.

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nas grandes janelas com caixilhos fixos ou nas aberturas externas [...] Perdemos nosso senso de vida íntima e nos tornamos forçados a vidas públicas, essencialmente afastados de nossas casas,” escreve Luis Barragan, o verdadeiro mágico dos segredos íntimos, do mistério e das sombras na arquitetura contemporânea.“ 02 Numa perspectiva interior, as janelas na terma geralmente são acompanhadas de espreguiçadeiras, e servem de atração principal ao descanso e contemplação. No “grande salão”, ao deitar-se, as enormes janelas dão a impressão da paisagem envolver o indivíduo, pois o ângulo do corpo, dimensão e proximidade com a janela dissipam a geometria do edifício. Apesar de longe, a montanha do outro lado do vale parece adentrar o edifício e o limite entre exterior e interior é captado pelos outros sentidos. Apenas a temperatura agradável do interior, em contraste com a neve da paisagem, em conjunto com os sons do salão revive a barreira entre exterior e interior. Nesse aspecto, esse espaço pode ser comparado às janelas da Fallingwater de Frank Lloyd Wright, na qual a barreira entre interior e exterior é diluída e convida a paisagem a adentrar o cômodo. Já as janelas do “Resting space” são recortes diminutos da paisagem, podendo ser um emaranhado de galhos das árvores a frente, uma parcela da montanha ao fundo, ou um pedaço de céu. A configuração do espaço é de introspecção, um ambiente escuro, sem muitas deturpações sensoriais a não ser a janela a sua frente. A delimitação da abertura diminui estímulos visuais excessivos e auxilia na introspecção. Pode ser mais comparada à Villa Le Lac de Le Corbusier, em que a imensidão da paisagem é enquadrada para o deleite de um ato específico do cotidiano. ‘The ever-present and overpowering scenery on all sides has a tiring effect in the long run. (…) To lend significance to the scenery one has to restrict it and give it proportion; the view must be blocked by walls which are only pierced at certain strategic points and there permit an unhindered view.” 03 No percurso entre exterior e interior, de início, na entrada, um longo corredor estreito e escuro parece dissipar o mundo exterior e o preparar para a experiência contemplativa da terma; os espaços de banho e descanso, no qual a entrada prepara para o ritual a seguir. Assemelha-se a importância do vestíbulo que Le Corbusier se refere: “(…) because it gives you a chance to shake off the commotion of the outside world for a few moments and not have to take it into your own home, that small haven in the busy world. The vestibule slows down the transition from indoors to outdoors and extends the experience. It inserts the collective: moving from private to public through the collective, and vice versa.” 04 Segundo Pallasmaa, “walking through a doorway has tremendous philosophical and metaphysical power. It embodies the transition from one world to another, from one space to another.”05 No caso da terma, a transição de uma sensação para outra. A redução da escala nos percursos de entrada parece recolocar em evidência o próprio corpo, trazendo para perto a tatilidade visual, agora palpável pela proximidade, e atiçar as terminações nervosas da pele para a próxima sensação. 02 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.46. 03 BERTELOOT, Mathieu; PATTEEUW, Véronique. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013 p.85 04 TEERDS, Hans. ‘Super Limen’. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.115. 05 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.45.

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“O útero escuro do plenário da Prefeitura de Sáynàtsalo, de Alvar Aalto, recria um senso místico mitológico e de comunidade; a escuridão cria uma sensação de solidariedade e reforça a força da palavra falada.” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura dos sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.46.

F56. Alvar Aalto, Câmara Municipal de Säynätsalo, 1949.

F57. À esquerda, Le Corbusier, Villa Le Lac,1924. F58. Frank Lloyd Wright, Fallingwater, 1939.

F59. Museu Lee Ufan, Tadao Ando, 2010.

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Na parte mais interior da terma, os banhos individuais e espaços de descanso, um detalhe da virada do revestimento em pedra aparece em meio aos novos materiais e sensações daquele cômodo. Como um sutil lembrete do exterior, que não pode ser avistado, mas se faz presente na continuidade de seu material matriz. A sensação de que aquela experiência especial também faz parte de um todo. Esconder e prolongar o percurso entre exterior e interior aumenta a expectativa, pois insere o elemento curiosidade e imaginação nesse meio tempo. É a chave para outro ponto de Zumthor, a seguir.

F60. À esquerda, esquiço janela Resting Space 3 feito durante a visita. Desenho da autora. F61. À direita, esquiço janela Resting Space 2 feito durante a visita. Desenho da autora.

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F62. Mapas relação interior x exterior, identificação fotos. Desenho da autora.

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1

F63. Janela para piscina externa, paisagem enquadrada ao fundo, JC0220.

4

2

3

F64. Saída Sound Bath, contraste entre o interior escuro e o clarão da paisagem, JC0220.

5

F65. Janela para a piscina exterior, o vapor da diferença de temperatura, JC0220.

6

FXX. Planta de massas do edifício.

F66. Piscina interna protegida pelos blocos, porém com vislumbres de paisagem, JC0220.

F67. Porta de acesso à piscina externa, JC0220.

7

F69. Resting space não confinado, a grande janela proporciona a imersão na paisagem a quem deita-se. JC0220.

F68. Janela na outra extremidade da piscina externa mira o complexo de hotel, JC0220.

8

F70. Janelas individuais no Resting Space confinado, a angulação mira acima do hotel à frente. JC0220.

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4.2.4 Entre a Serenidade e a Sedução “Entre a serenidade e a sedução, e prende-se com o facto de nós nos movimentarmos dentro da arquitectura. A arquitectura é certamente uma arte espacial, é o que se diz, mas a arquitectura também é uma arte temporal. Não a vivo apenas num segundo. Nisto o Wolfgang Rihm e eu somos da mesma opinião, a arquitectura também é uma arte temporal, como a música o é. Ou seja, imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais gosto de trabalhar.” 01

F71. Imagens de ação, o corpo mede e movimenta-se. Escada Terma de Vals. JC0220.

“As pedras distribuídas na grama de um jardim, para que pisemos sobre elas, são imagens e impressões de nossas pegadas. Quando abrimos uma porta, o corpo encontra o peso da porta; quando subimos uma escada, as pernas medem os degraus, a mão acaricia o corrimão e o corpo inteiro se move na diagonal e de modo marcante pelo espaço.” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.59

F72. A man walking up stairs, fotogravura, Eadweard Muybridge, 1887.

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A esse entendimento de temporalidade interlaça-se o conceito do movimento sobre o espaço. A arquitetura inevitavelmente sugere uma ação ou uma “promessa de função e propósito”02. Por exemplo, uma porta convida-lhe a entrar, uma maçaneta a tocá-la, um banco sombreado num dia quente a sentar-se. Henri Bergson conclui “Os objetos que circundam meu corpo refletem sua ação possível sobre eles próprios.”03 Portanto, os elementos da arquitetura não podem ser julgados apenas visualmente, “eles são encontros, confrontos que interagem com a memória”04, sugerindo uma ação através da memória muscular e tátil, e desencadeando um movimento. A arquitetura não é apenas o espaço, mas também as possibilidades que representa: “A experiência do lar é estruturada por atividades distintas - cozinhar, comer, socializar, ler, guardar, dormir, ter atos íntimos - e não por elementos visuais. Uma edificação é encontrada; ela é abordada, confrontada, relacionada com o corpo de uma pessoa, explorada por movimentos corporais, utilizada como condição para outras coisas. A arquitetura inicia, direciona e organiza o comportamento e o movimento.” 05 Segundo Pallasmaa é essa “possibilidade de ação que separa a arquitetura das outras formas de arte”06. E nesse sentido Zumthor e Rihm têm razão, assim como a música, a orquestração musical e espacial sugerem ações corporais advindas da memória e imaginação. Imaginação porque também se antecipa, uma nota ou uma experiência espacial. É essa curiosidade da imaginação que gera a sedução e a consequente ação de explorar e descobrir. “Espaços – aqui estou, eles começam a reter-me espacialmente, não estou de passagem. Estou bem aqui, mas neste momento ao virar da esquina, ou noutro ponto qualquer, há algo que desperta a minha atenção, a luz que entra duma certa maneira, e eu passo descontraidamente. Tenho de dizer que isto é um dos meus maiores prazeres: não ser conduzido, mas sim poder 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.43, 45. 02 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.59 03 Ibidem. 04 Ibidem. 05 Ibidem, p.59,60. 06 Ibidem, p.59.


F73. Pavilhão Serpetine Gallery 2011, Peter Zumthor. Foto: Hélène Binet.

“Conduzir, preparar, iniciar, alegre surpresa, descontracção, mas sempre de uma forma que, devo dizer, já nada tem de didático, mas sim que parece perfeitamente natural.” ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p. 47

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deambular – drifting, sim? E assim me encontro numa viagem de descoberta. (...) E depois volto a introduzir orientação, faço excepções, como vocês todos sabem. Conduzir. Seduzir. Largar, dar liberdade.” 07 O papel do arquiteto é emoldurar, articular, estruturar, dar importância, separar e unir, facilitar e inibir experiências. “O espaço arquitetônico é um espaço vivenciado, e não um mero espaço físico, e espaços vivenciados sempre transcendem a geometria e a mensurabilidade.”08 E é a parte subjetiva dessa relação que atribui o memorável à experiência. F74. Vão livre do MASP, arquitetura que convida todo tipo de ação. Lina Bo Bardi, 1968.

F75. Vão livre do MASP, ato em homenagem à vereadora Marielle Franco, março de 2018.

Porém a arquitetura não deve especificar em demasia uma ação ou emoção, mas sim convidá-las. Havik e Tielens discutem o exagero na funcionalidade do espaço público nas últimas duas décadas, com áreas muito específicas para sentar-se, caminhar, entre outras atividades. Uma praça pública não deve ser delimitada por completo, uma infinidade de ações pode e deve acontecer, até uma revolução! O mesmo deve existir na arquitetura. Há áreas inevitavelmente mais atreladas a funcionalidade, mas, onde possível, a liberdade deve ser proposta, pois “o aspecto mais sutil do comportamento humano é sua espontaneidade.” 09 “Vou dar-vos o exemplo daquela piscina termal que fizemos. Achámos muito importante criar um certo “vaguear livre”, não conduzir, mas seduzir. Por exemplo, um corredor de hospital: condução. Mas também existe a sedução. O deixar andar, o vaguear, e isto nós arquitectos conseguimos fazer. Por vezes, este saber assemelha-se um pouco a uma encenação. Nesta piscina tentámos levar as unidades espaciais a um ponto em que funcionam por si só. Tentámos, não sei se conseguimos, mas não me parece que esteja mal.” 10 Pessoalmente, digo que Zumthor foi bem-sucedido nesse aspecto. A disposição das diferentes funções balneares em “constelações” sob o abrigo de um espaço envolvente, sem uma hierarquia de percurso cria esse “vaguear livre”. Isso é possível pois, em nenhum momento do trajeto principal, entre o vestiário e a descida para a área de banho, há entradas no ponto focal do percurso que as priorizem sobre outras. Percebe-se algumas portas, mas que nada revelam sobre seu interior. Também não há qualquer sinalização escrita sobre o que se passa, no máximo um singelo numeral sobre a temperatura da água. Ao descer para o nível do banho o instinto é dar uma volta despretensiosa pelo espaço. Porém, apesar da sincera liberdade de escolher seu percurso, a condução pela sedução impera nesse espaço. Três elementos são importantes: a disposição volumétrica, a luz natural e o padrão dos materiais. O bloqueio de certas perspectivas, principalmente pelos blocos da piscina central, convida o corpo a movimentar-se a procura do que há por trás. Apenas em pontos específicos é possível ter um vislumbre de algo novo, como uma janela para o exterior, a penumbra de uma entrada, ou uma forte incidência de luz de uma fonte que não é possível enxergar. A luz intensa das grandes janelas atrai o olhar por entre os blocos, dando maior percepção de profundidade pela diferença de claridade. Enquanto os rasgos de luz 07 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.43, 45. 08 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.60. 09 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.43. 10 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.43.

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Percurso de entrada. Fotografias Templo da Água, Tadao Ando, 1991. F76. Acima, à esquerda: 1, chegada. F77. Acima, à direita: 2, descoberta. F78. Abaixo, à esquerda: 3, entrada. F79. Abaixo, à direita: 4, interior. F80. Percurso de entrada. Planta Templo da Água, Tadao Ando, 1991. Setas e número adicionados pela autora.

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4

1 3

“In Walter De Maria’s Seen/ Unseen Known/Unknown from 2000 here on Naoshima, the work is comprised of two spheres of granite and bars in gold. This is very fixed, the granite doesn’t move out. The view is ever changing. When you stand between the two pieces of granite, you don’t see the other geometries in gold at all. As your body moves, you see different things and part of the installation is blocked from view, unknown, unseen, it is your movement that creates this changing relationship to this fixed geometry.” Palestra de Michael Govan em Benesse Art Site Naoshima, 2016. F81. Instalação Seen/ Unseen Known/ Unknown, Walter De Maria, Ilha de Naoshima, 2000.

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zenitais direcionam o olhar e por vezes desembocam num feixe de luz que recai lindamente sobre a textura das paredes, acentuando alguns volumes ou visuais específicos. Esses elementos criam pontos de interesse e cativam o banhista a ir em busca deles. A disposição dos materiais também auxilia no direcionamento do olhar. As fiadas horizontais da pedra de Vals nas superfícies paralelas à direção do olhar “aceleram” a perspectiva, enquanto as superfícies perpendiculares encerram e distribuem. As placas do piso também são posicionadas com um certo fluxo em mente, com seu comprimento rotacionando em volta da piscina central. As juntas da forma de concreto da cobertura também possuem estrutura interessante, sendo levemente deslocadas do eixo e formando uma espécie de movimento “catavento” em torno do centro. Esses elementos de certa forma convidam um movimento circular em volta da piscina interna, e entradas e elementos que se apresentam nesse caminho criam a curiosidade suficiente para explorar esses outros espaços. Em nenhum dos banhos é possível deduzir o que há dentro, pois sempre há uma barreira, seja uma parede que pouco lhe diz do espaço interno, ou uma inflexão do percurso. Esse desenho desperta uma curiosidade que instiga o corpo a adentrar essa passagem; o prolongamento dessa entrada cria uma antecipação; um enquadramento visual controlado apresenta parte do destino final, dando tempo para a imaginação preencher o restante; por fim, a surpresa real do espaço interior. É um incrível deleite esse processo de descoberta do espaço, muito bem trabalhado por Zumthor. Além desse percurso de exploração, ou espaços de vaguear, há também os espaços que retêm. Locais de serenidade que o convidam a parar e estar. Esses podem ser piscinas e saunas que o seduzem com o agradável contato de diferentes fases da água com a pele; espaços de descanso mais reclusos que o afastam das áreas mais coletivas; ou locais com visuais instigantes, como as grandes janelas ou diferentes locais da área externa. Os bancos disponíveis em diversas áreas da terma são raramente utilizados para estadias prolongadas, apenas por um ou outro arquiteto que esteja a desenhar uma perspectiva interessante. Para encerrar o tema da composição da matéria, a confluência da escala, densidade, tatilidade, disposição e iluminação do espaço que vão criar a base da matéria perceptível. E atrelado à memória corporal e afetiva, entrelaçada com o entendimento de questões histórico-culturais, aflora a percepção do espaço. Lugares muito amplos, iluminados e frios podem gerar inquietude, opressão, vigilância. Enquanto o entendimento de um espaço domiciliar, de escala mais reduzida, cercado de objectos e texturas diversas, aquecido por uma lareira e com cantos rodeados por uma penumbra calorosa, deixa o corpo mais à vontade, íntimo e protegido. Nessa descrição há adjetivos que fazem parte do próximo ponto, a qualidade da matéria, no qual será analisado a superfície material, temperatura, som e luz no espaço.

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F82. Planta baixa, composição das placas de piso. Atelier Peter Zumthor. As placas apontam longitudinalmente para a principal direção do fluxo. As setas em vermelho adicionados pela autora.

F83. Planta de forro, composição das formas de cobertura. Atelier Peter Zumthor. Assim como o piso, aponta longitudinalmente para a principal direção do fluxo. O leve deslocamento do alinhamento da placas forma um movimento “cata-vento”. As setas em vermelho adicionados pela autora.

F84. As linhas criadas pelo assentamento da pedra aceleram a perspectiva e auxiliam no entendimento dos diferenes planos de profundidade. Fotografia piscina interna e linhas demonstrativas. JC0220.

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F85. O que é visível ou não visível no percuso de entrada. Esquiços de estudo para o “Ice Bath”. Peter Zumthor.

Percursos e intensidades Zonas de permanência Interesse por entrada misteriosa Interesse por som Interesse por iluminação natural F86. Mapa fluxos e pontos de interesse. Desenho da autora.

F87. Pensar na procissão de entrada, proporções, enquadramentos. Esquiços de estudo para o “Drinking Stone”. Peter Zumthor.

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1

F88. Sedução por rasgo de luz que direciona o olhar. Vista da galeria dos vestiários. JC0220.

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F91. Sedução por descoberta de uma entrada que não revela seu interior. JC0220.

2

F89. Sedução por luz artificial que ilumina a água, indicando um possível local de experiência de banho. JC0220.

5

F92. Sedução por feixe de luz que jorra na parede. JC0220.

3

F90. Sedução por forte entrada de luz, indicando possível saída pela água. JC0220.

6

F93. Sedução por parte da janela para o exterior, possível visualizar por entre os blocos. JC0220.

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4.3

Qualidade da matéria

4.3.1 A Consonância dos Materiais “grande segredo, grande paixão, grande alegria sempre renovada. A consonância dos materiais. (...) Colocamos as coisas de forma concreta, primeiro mentalmente, depois na realidade. E vemos como reagem umas com as outras. E todos sabemos que reagem umas com as outras! Materiais soem em conjunto e irradiam, e é desta composição que nasce algo único. Os materiais são infinitos. (...) Amo este trabalho e, de certa maneira, por mais tempo que o faça mais misterioso se torna.” 01

F94. Detalhe Convento de La Tourette, Le Corbusier, 1960. foto: Hélène Binet

Em um exercício, na palestra de 2003 que originou o livro “Atmosferas”, Zumthor descreve como um único material possui inúmeros cortes e tratamentos diferentes, que podem ser utilizados em diferentes escalas e diferentes quantidades. Dependendo da sua exposição à luz, natural ou artificial, muda completamente. “Apenas um material e já tem mil possibilidades”02. A isso soma-se as infinitas possibilidades de combinação com outros materiais, em diferentes proporções. E ainda: “Existe uma proximidade crítica entre os materiais que depende dos próprios materiais e do seu peso. Ao conciliar materiais numa obra existe um ponto em que estão demasiado afastados, e outro em que estão demasiado próximos, e outro ainda em que estão mortos.” 03

F95. Alvar Aalto, Centro Cultural Wolfsburg, 1962.

Os materiais devem complementar-se e possuir uma hierarquia. Pode haver uma paleta base em que alguns materiais se sobressaem em diferentes quantidades e grau. Ou uma certa neutralidade e cumplicidade entre eles. Os contrastes e combinações podem estar na cor, textura, brilho, peso, acústica, temperatura e até cheiros. Zumthor utiliza de abundantes amostras de materiais e maquetes para experimentar com essas relações e peso, e apesar da experiência admite que muitas vezes se engana, volta atrás e recomeça. Essa complexidade faz Zumthor prezar pela experiência direta na relação com as coisas, de manusear e sentir a matéria como experiência corporal, muitas vezes atreladas a imagens incorporadas arcaicas que nem temos consciência. Então sua admiração por Joseph Beuys e a Arte Povera:

F96. Detalhe Prefeitura de Hilversum, Willem Dudok, 1931. JC0418.

“What impresses me is the precise and sensuous way they use materials. It seems anchored in an ancient, elemental knowledge about man’s use of materials, and at the same time to expose the very essence of these materials, which is beyond all culturally conveyed meaning. I try to use materials like this in my work. l believe that they can assume a poetic quality in the context of an architectural object, although only if the architect is able to generate a meaningful situation 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.23, 25 02 Ibidem, p.25. 03 Ibidem, p.27, 29.

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F97. Peter Zumthor, Capela Saint Benedict, 1988. F98. Detalhe material revestimento exterior.

“A medula na madeira desfaz-se de modo a que o padrão fique em relevo. Ao mesmo tempo, a madeira muda de cor. As espécies amarelas, resinosas, tornam-se cinza prateadas. São como pessoas idosas cujo rosto enrugado e curtido pelo tempo tem muito mais expressão do que os rostos dos jovens. Nos países onde existem muitas casas antigas de madeira, a beleza especial da madeira alterada pela exposição ao tempo torna-se muito evidente” RASMUSSEN, Stein Eller; Arquitetura Vivenciada, Editora Mil Fontes, 2º edição, São Paulo, 1998, p185

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for them, since materials in themselves are not poetic.” 04 Esse senso de materialidade e memória é geralmente enaltecido pelos materiais naturais (como madeira, pedra, tijolo), pois sua superfície transparece sua idade, o desgaste do tempo e do uso atestam a veracidade do material. A patina para a cultura japonesa tem um valor estético e sentimental. Jun’ichiro Tanizaki descreve seu apreço: F99. I like America and America likes me, Joseph Beuys, 1974. Performance artística em que o artista dividiu a mesma sala com um coiote selvagem por três dias.

“Contudo, para bem ou para mal, nós amamos as coisas que trazem em si as marcas da sujidade, da fuligem e do tempo, e amamos as côres e o brilho que trazem à memória o passado que se fez. Viver em casas antigas, no meio de objectos antigos é, de forma misteriosa, uma fonte de paz e de repouso.” 05 Zumthor também confere importância à patina deixada pelo envelhecimento dos materiais: “But when I close my eyes and try to forget both these physical traces [da patina] and my own first associations, what remains is a different impression, a deeper feeling- a consciousness of time passing and an awareness of the human lives that have been acted out in these places and rooms and charged them with a special aura. At these moments, architecture’s aesthetic and practical values, stylistic and historical significance are of secondary importance. What matters now is only this feeling of deep melancholy. Architecture is exposed to life. If its body is sensitive enough, it can assume a quality that bears witness to the reality of past life.” 06

F100. Detalhe em pedra e madeira em Vals. JC0220.

F101. Detalhe pedra de Vals em cortes precisos empregada no edificio. JC0220.

O corpo da arquitetura da terma de Vals é sensível suficiente, não como uma casa onde o desgaste e objetos pessoais testemunham mais vividamente atividades e histórias passadas, mas na escolha específica de materiais que demonstram seu envelhecimento. No exterior, sujidade, rachaduras e infiltrações dão caráter aos grandes blocos de pedra, e o aproximam da ideia original de pertencimento a montanha natural. Na linha da água, pedra e latão apresentam uma textura e coloração diferente pelo contato contínuo. Nos corredores do vestiário e sauna a água mineral das fontes deixa magníficos rastros de seu passado. Os materiais parecem ter sido escolhidos por envelhecerem bem. O continuum do tempo vai gradualmente deixando a atmosfera da terma mais interessante. Além da vivência própria daquele material, existe também seu histórico de uso pelo homem. A pedra, como a de Vals por exemplo, transpassa seu valor como material construtivo da região, interiorizando a confiança e afeto no material. Também transpassa sua qualidade geológica, porém modificada e estabilizada pelo homem. Os sedimentos de milhões de anos estão presentes naquelas paredes, que no nosso imaginário podem durar tanto quanto a própria montanha. Porém os traços do tempo lembram que mesmo a brutalidade da pedra e do concreto é efêmera. Isso é muito mais potente do que os materiais sintéticos da atualidade (metais esmaltados, plásticos, chapas de vidro) que não transmitem a essência do material e sua idade. Os edifícios atuais geralmente visam uma perfeição atemporal e não incorporam a dimensão do tempo, esvaziando o processo existencial importante da efemeridade.07 Steven Holl faz uma analogia dizendo que a única e má utilização dos materiais sintéticos diminui o sensorial da arquitetura, do mesmo modo que o êxito de uma grande

04 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.8, 10. 05 TANIZAKI, Jun’ichiro. Em Louvor às Sombras. Maputo: Imprensa Universidade UEM, 1999, p.13. 06 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.26. 07 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.30, 32.

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F102. Integração com a paisagem, do vermelho do pôr do sol à textura e estrutura do deserto do Arizona. Taliesin West, Frank Lloyd Wright, 1937-1959.

F103. Frank Lloyd Wright, Taliesin West, 1937-1959.

F104. Aalto reavalia o valor expressivo da madeira frente o concreto modernista, incorporando a tatilidade dos materiais, típico do movimento clássico-romântico finlandês. Alvar Aalto, Villa Mairea, 1939. F105. Apesar do efeito interessante e manutenção da geometria original, a temporalidade e caráter da arquitetura parece diluir e desaparecer junto com o vidro do tijolo. MVRDV, Crystal Houses, 2016.

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gastronomia depende de ingredientes autênticos.08 A franqueza de cada material, em conjunto com toda uma orquestração com outros ingredientes cria a sinfonia que faz aflorar as emoções. Zumthor conclui: “Sense emerges when I succeed in bringing out the specific meanings of certain materials in my buildings, meanings that can only be perceived in just this way in this one building. If we work towards this goal, we must constantly ask ourselves what the use of a particular material could mean in a specific architectural context. Good answers to these questions can throw new light on both the way in which the material is generally used and its own inherent sensuous qualities. If we succeed in this, material in architecture can be made to shine and vibrate.” 09 Um exemplo disso é Taliesin West de Frank Lloyd Wright:

F106. Rastro da água termal deixaos pelas fontes que brotam na parede da montanha. JC0220.

F107. Evidências de sujidade, rachaduras e infiltrações na pedra da área externa. JC0220.

F108. Marca deixada pela água por todas as paredes das piscinas do edifício. JC0220.

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“Wright’s favourite colour, Cherokee red, blends concrete floors as well as steel and wood structures with the colours of the desert and the sunset. Wright often made the remark that there are no continuous and hardlines in the desert; the lines of the desert are broken and ‘dotted’. At Taliesin West, the eave lines are broken by small ornamental cubic blocks to echo the thorny and prickly edges of the Sonoran plants. When thinking of Wright’s way of blending buildings in the landscape, I want to use the word ‘orchestration’ to emphasise his intuitive manner of integration through similarity and contrast into a unified, but dynamic unity, as in musical counterpoint.” 10 Semelhante a Wright, Zumthor tenta interiorizar a paisagem no projeto através de sua composição geométrica e material. Utiliza a pedra de Vals e a água como elementos locais e a volumetria escavada de uma caverna para ancorar-se na paisagem visível e metafórica. O acabamento reto, preciso e sem ornamentos cria um contraste interessante com a imagem incorporada das grutas, templos e casas balneares associadas ao ritual do banho, como visto anteriormente. Essa contradição entre o natural e um “minimalismo” rigoroso traz uma atemporalidade para a obra, suspendendo-a entre a memória de experiências passadas e a imaginação, surge algo novo. Isso, para mim, é o ponto central da escolha e tratamento dos três principais materiais, pedra, água e luz. A escolha por utilizar apenas a pedra de Vals e concreto traz uma paleta base cinza de serenidade incrível e faz com que todos os outros elementos se destaquem. Por exemplo, o escarlate da madeira das espreguiçadeiras e revestimento dos vestiários parecem mais intensos. O azul das portas e aberturas no teto parecem mais serenos. Os corrimões, guarda-corpos, maçanetas, relógios, bico de fontes e numerais em latão e cobre brilham solitários como joias a serem apreciadas. Um lindo detalhe são os “botões” de latão utilizados para esconder os furos da forma de concreto que brilham timidamente, porém nos ambientes escuros da sauna captam o mínimo de luz e roubam a cena. As luminárias pendentes também parecem pontuais adereços ao corpo da arquitetura. E a luz artificial alaranjada também combina bem com os tons quentes desses objetos. A água traz um azul-esverdeado que complementa muito bem o cinza da pedra. Por ter sido projetada com a superfície no alinhamento do nível do piso, submergindo as escadas, há a sensação da pedra gradualmente se transformando em água. As proprie08 HOLL, Steven. Questions of Perception. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.91. 09 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.10. 10 PALLASMAA, Juhani. Orchestrating Architecture: Atmosphere in Frank Lloyd Wright’s Buildings. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013. p.57.


Pedra de Vals

Pedra de Vals texturizada antiderrapante

Piso de agregados coloração preta

Piso de agregados coloração azul

Piso de agregados coloração vermelha

Pedra de Vals “lascada”

Piso tipo epóxi preto

Piso de agregados preto e áspero

Recorte no piso para fosso iluminado

Piso e paredes madeira avermelhada

F109. Mapa materiais do edifício. Deseho da autora.

F110. Materiais Ice Bath. Esquiço realizado durante a visita.

F111. Materiais Flower Bath. Esquiço realizado durante a visita.

F112. Materiais Fire Bath. Esquiço realizado durante a visita.

F113. Colagem a partir de fotografias e descrições, Ice Bath. Imagem da autora.

F114. Colagem a partir de fotografias e descrições, Flower Bath. Imagem da autora.

F115. Colagem a partir de fotografias e descrições, Fire Bath. Imagem da autora.

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dades refratárias e o movimento da água suavizam a dureza da pedra que a toca, e o reflexo em sua superfície também altera a percepção das coisas que não a tocam. As imagens do espaço compostas pela água parecem abrir uma outra dimensão, como uma dupla exposição de uma foto. Steven Holl nomeia esse poder de reversão do espaço, refração e transformação dos raios de luz pela água de ‘phenomenal lens’ e diz que o poder psicológico das reflexões da água supera a ciência da refração.11 Assim, o fenômeno de transformação da luz através da água transforma-se numa ferramenta poética na criação de percepções estimulantes.

F116. Contraste entre o acabamento polido e bruto da pedra no “Sound Bath”. JC0220.

As texturas também são muito importantes na composição. Como já discutido, o tato é um importante fator na composição sensorial com grande entrelaçamento com o passado. As diferentes texturas trazem memórias táteis que atiçam a imaginação. A aspereza nos pés lembra por vezes a gravidade da terra, em contraponto com a delicadeza da água e airosidade do vapor; outrora um cascalho grosso em rios ou cachoeiras, em conjunto com a sonoridade da água em movimento das duchas ou sua temperatura fria no “Ice Bath”. A rugosidade das paredes remete ao natural, em contraste com a precisão da construção, criando uma contradição interessante, principalmente no “Sound Bath”.

11 HOLL, Steven. Questions of Perception. In: Questions of Perception: Phenomenology of Architecture. San Francisco: William Scout Publishers. 2006, p.83.

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F117. Detalhe de diferentes materiais na Terma de Vals. Uso de diferentes cores e texturas, detalhes dourados que reluzem como joias. Trabalhados em cima da matéria prima da pedra de Vals. JC0220.

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4.3.2 A Temperatura do Espaço “Acredito que cada edifício tem uma certa temperatura. (...) O facto de que os materiais retiram mais ou menos do nosso calor corporal é conhecido. Histórias de como o aço é frio e por isso retira o calor. Mas ao falar disto, ocorre-me a palavra temperar. É semelhante a temperar pianos, ou seja encontrar o ambiente certo. No sentido literal e figurativo. Quer dizer que esta temperatura é física e provavelmente também psíquica. O que vejo, o que sinto e o que toco... mesmo com os pés.” 01

F118. Materiais calorosos, sensação acolhedora apesar do frio externo. The Unterhus, Peter Zumthor.

O julgamento da temperatura de um espaço, além da temperatura real, tem relação com a aparência superficial do espaço, como a cor e dureza dos materiais, mas principalmente por sua condutividade térmica. Um elemento muito frio ou muito quente não é agradável ao toque, deve-se achar um equilíbrio. Rasmussen menciona que a madeira é um material atraente pois sua temperatura é similar a temperatura corporal, não possuindo grandes variações.02 A exemplo, o Pavilhão da Suíça em Hânover funciona como uma grande massa térmica vazada, tornando a temperatura do espaço interior mais agradável no verão e inverno. A pedra também possui boa retenção térmica, criando espaços frescos no calor escaldante e retendo o calor por um tempo no frio, porém não traz o mesmo aconchego da madeira durante o inverno. No entanto, o toque da pedra no edifício da terma é agradável, numa temperatura um pouco inferior ao do corpo humano. Além das propriedades físicas, isso se deve ao isolamento térmico e outros métodos de manutenção da temperatura interna projetados.

F119. Frieza do mármore. Acne Studio Stockholm, Arquitecture-G, 2020. Foto: José Hevia

Segundo Pallasmaa, a pele assimila a temperatura do espaço com precisão, “a sombra fresca e revigorante de uma árvore ou o calor de um lugar ao sol que nos acaricia se tornam experiências de espaço e lugar.”03 Essas experiências de temperatura também acumulam na memória tátil, por isso é possível instantaneamente “sentir” o calor ou frio ao observar essas imagens, ou mesmo uma pintura [vide figura 121]. Nesse quesito há uma intensa relação entre o conforto da pele nua e a experiência do lar. A sensação de calor íntimo ao aquecer o corpo em frente a lareira, ou relaxar sob um banho de água quente depois de um dia extenuante. Lar e prazer da pele se transformam em uma sensação indissociável.04 Dessa maneira, é interessante associar a exposição quase total da pele, temperatura agradável e sensação de relaxamento intenso ao espaço da terma, já que sua arquite01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.35. 02 RASMUSSEN, Stein Eller; Arquitetura Vivenciada, Editora Mil Fontes, 2º edição, São Paulo, 1998, p189. 03 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.55. 04 Ibidem, p.55, 56.

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F120. Pavilhão da Suíça em Hânover, Swiss Sound Box, Peter Zumthor, 2000.

“Para a execução do Pavilhão da Suíça em Hânover utilizámos muita, muita madeira, muitas vigas de madeira. E quando havia calor, estava fresco neste Pavilhão como numa floresta, e quando fazia frio, havia mais calor lá dentro do que lá fora, mesmo não estando fechado.” ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.35

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tura não poderia estar mais distante do imaginário do conforto do lar. A crueza dos materiais parece mais macia e convidativa nessa atmosfera geral, porém isso talvez não seja experienciado apenas olhando para as imagens, é necessário estar presente. Portanto, a atmosfera é criada pelo conjunto de diferentes campos sensoriais criado pelo espaço e captado pelo corpo em movimento. Complementarmente, essa percepção é sinestésica, pois a mesma sensação pode ser desencadeada por qualidades sensoriais totalmente diferentes. Böhme dá o exemplo da impressão de um cômodo frio que pode ser gerado pela cor azul, por uma grande superfície ladrilhada ou a temperatura ambiente real.05 F121. Henri Matisse. Open Windowm Collioure, 1905. Óleo sobre tela, 553x460mm. National Gallery of Art, Washington.

“Conseguimos de fato sentir o calor da água da banheira das pessoas que se lavam nas pinturas de Pierre Bonnard, bem como sentimos o calor do sol e a brisa fresca das pinturas que Matisse fez de janelas com vistas para o mar.” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.40

Zumthor utiliza de diversas qualidades materiais para atingir a temperatura ambiente desejada. No “Ice Bath”, a cor azul das paredes e iluminação intensifica a sensação de frio intenso da água, e o revestimento áspero sentido pelos pés e pelos olhos intensifica a agonia álgida momentânea. No “Fire Bath”, o vermelho acentua a temperatura escaldante da água. Mas a superfície submersa branca, polida e agradável ao toque reconforta após o choque inicial. As sensações de temperatura mais interessantes eram as de maior contraste, físico ou imaginário. Na piscina externa, o frio cortante da temperatura e vento natural era imediatamente cortado na parte submersa. O corpo nu exposto ao exterior é reconfortado pelo abraço da água. Deitado na espreguiçadeira em frente a grande janela, a sensação térmica confortável do toque da madeira e da temperatura ambiente em contraste com o imaginário do frio da paisagem envolvente. E o choque térmico entre o banho frio e quente, atiçando as terminações nervosas do corpo ao extremo para uma posterior sensação intensa de relaxamento, familiar aos gregos e romanos.

05 BÖHME, Gernot. Encountering Atmospheres - A Reflection on the Concept of Atmosphere in the Work of Juhani Pallasmaa and Peter Zumthor. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.97.

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F122. Salão vermelho escarlate, com maior vibração pela luz do sol poente, intensifica o climax do percurso do espaço. Tadao Ando, Templo da água, 1991.

“Quando entrei no magnífico espaço externo do Salk Institute, de Louis Kahn, em La Jolla, na Califórnia, senti uma tentação irresistível de caminhar diretamente até a parede de concreto e tocar a maciez aveludada e a temperatura de sua pele” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.55. F123, 124. Louis Kahn, Salk Institute, 1965.

Mareei Proust faz uma descrição poética de um desses espaços junto à lareira, que é sentido na pele: “É como uma alcova imaterial, uma caverna aconchegante esculpida no próprio cômodo, uma zona de clima quente com limites variáveis” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.55, 56

F125. Lareira central, no epicentro da casa. Todas as alas levam a esse grande salão. Frank Lloyd Wright, Wingspread, 1937.

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Água entre 33-36°C Ambientes mais frios Água a 14°C Ambientes mais quentes Água a 42°C e vapor saunas Ambientes aquecidos pelo sol F126. Mapa temperatura do espaço. Desenho da autora.

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F127. Fire Bath 42°C. JC0220.

F128. Sound Bath 35°C. JC0220.

F129. Outdoor Bath 36°C (inverno) 30-33°C (verâo). JC0220.

F130. Flower Bath 33°C. JC0220.

F131. Indoor Bath 32°C. JC0220.

F132. Ice Bath 14°C. JC0220.

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4.3.3 O Som do Espaço “Oiçam! Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia e transmite os sons. Isso tem a ver com a sua forma, como a superfície dos materiais e com a maneira como estes estão fixos. Um exemplo: imaginem um pavimento de madeira de pinheiro maravilhoso como um estojo de violino, colocado sobre madeiras na sua sala. Ou uma outra imagem: estão a colá-lo à placa de betão! Sentem a diferença no som? (...) Acho muito bonito construir um edifício e pensá-lo a partir do silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que hoje em dia é bastante difícil, porque o mundo é tão barulhento. (...) para tornar os espaços calmos e imaginar a partir do silêncio como soará o edifício, com as suas proporções e materiais...” 01

F133 Imaginar o eco de passos por esse salão luxuoso. Galeria Diana, Filippo Juvarra, Palácio Venaria Reale, 1658. Foto: Henry Plummer.

F134. O som da bicicleta de Danny abafado pelo carpete, revestimento e tamanho do corredor. Stankey Kubrick, The Shining, 1980.

F135. Andrei Tarkovsky, Stalker, 1979

Segundo Pallasmaa, o sentido da visão implica exterioridade, o espaço é externo e continua externo, a imagem pode ser captada isoladamente e é unidirecional. Já a audição recebe e incorpora sons onidirecionais e interioriza o espaço. “Eu observo um objeto, mas o som me aborda; o olho alcança, mas o ouvido recebe. As edificações não reagem ao nosso olhar, mas efetivamente retornam os sons de volta aos nossos ouvidos.” 02 A reação da edificação, eco, o som produzido por sua reflexão nas superfícies, aumenta a consciência de vastidão, volumetria e materialidade do espaço. Por vezes esquecemos o poder que o som tem de escavar o espaço. Estar sentado num canto de um grande salão, isolado do mundo exterior lendo um livro ou olhando no celular, de repente os passos de um sapato seco ecoam na grande e alta cavidade revestida em mármore, sem olhar nos reconectamos com a presença volumétrica e material daquele espaço. Já numa casa habitada o eco é dissipado nos diversos objetos pessoais, tapetes, cortinas, superfícies macias e gastas. A mesma casa, desocupada, devolve um eco melancólico de histórias e possibilidades. “Cada prédio ou espaço tem seu som característico de intimidade ou monumentalidade, convite ou rejeição, hospitalidade ou hostilidade. Um espaço é tão entendido e apreciado por meio de seus ecos como por meio de sua forma visual, mas o produto mental da percepção geralmente permanece como uma experiência inconsciente de fundo.” 03 Inconsciente, porém não menos importante. Um exemplo de percepção espacial através da audição é uma cena do filme Stalker, de Andrei Tarkovsky. Vemos parte da “Sala” e uma abertura no centro. Um dos protagonistas joga uma pedra na boca dessa abertura. Enquanto nosso ouvido espera pelo som de contato, escava-se um poço imaginário, a pedra atinge uma das paredes e um som metálico aponta para a 01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.29-33. 02 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.46. 03 Ibidem, p.48.

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F136. Peter Zumthor, Pavilhão da Suíça em Hânover, Swiss Sound Box, 2000.

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continuação do material que vemos na superfície, até que atinge o fundo e o som de entrada na água e sua reverberação pelas paredes finaliza a criação desse espaço oculto, agora nítido no imaginário. “Qualquer um que já ficou encantado com o som de uma goteira na escuridão de uma ruína pode confirmar a capacidade extraordinária do ouvido de imaginar um volume côncavo no vazio da escuridão. O espaço analisado pelo ouvido se torna uma cavidade esculpida diretamente no interior da mente. (...) o som mede o espaço e torna sua escala compreensível. Acariciamos os limites do espaço com nossos ouvidos.” 04 F137. Câmara anecoica do Instituto de Tecnologia Acústica da Universidade Técnica de Berlim.

Espaços surdos, revestidos extensamente com superfícies muito macias, perdem uma parcela dessa dimensão acústica. Imagine uma catedral ou prédio ministerial revestido em carpete, a dimensão espacial monumental é reduzida, o ouvido espera, mas não recebe. Lugares demasiadamente surdos fazem o corpo perder a referência de si mesmo, dos outros e do espaço. Zumthor também aborda a memória afetiva ao relembrar que o primeiro pensamento que lhe vem à cabeça ao pensar som no espaço é de sua mãe trabalhando na cozinha de sua casa de infância. Não era necessário ver sua mãe, apenas o som de seus afazeres o deixava sereno ao saber que ela estava ali. Afeto, serenidade, felicidade ou medo, são fortes emoções que podem ser rapidamente desencadeadas pelo som. No caso da terma de Vals, Zumthor buscou a calmaria, agradável no silêncio do edifício.

F138. Banhistas a ler tranquilamente na piscina interna da Terma. Foto: Fernando Guerra.

F139. Banhistas a conversar na piscina externa. Foto: Fernando Guerra.

No corredor escuro de entrada, os sons da recepção são deixados para trás e o barulho das fontes do corredor do vestiário é o primeiro contato com o espaço interno da terma. A imaginação começa a trabalhar nas possibilidades até que, após passar pela catraca e virar à esquerda, encontra-se a fonte. O reconhecimento sonoro, mas sem a percepção visual são elementos constantes no percurso do espaço. Dentro do vestiário, as pesadas cortinas abafam os sons da água, mas são perceptíveis o suficiente para o banhista entrar na atmosfera enquanto despe-se. Sendo o primeiro a chegar, o edifício está silencioso, um tímido barulho de água reflete nas superfícies do edifício. Ao sair para a área externa o barulho de pássaros e a calmaria da paisagem entram em cena, até que as gárgulas de água começam a rodar e o movimento da água passa a ser o protagonista. Então, os primeiros banhistas começam a chegar. O som abafado de passos e conversas; os novos movimentos da água que agora entram com maior voracidade nos retornos; uma ducha que foi ligada; uma brincadeira na água; crianças afobadas; exclamações de pessoas nas suas experiências de banho. Uma diversidade de sons que passa a compor com o espaço. E, estando num espaço mais recluso, é o único lembrete de que não se está sozinho. Nesse sentido a audição cria um senso de conexão e solidariedade do espaço, diferente da visão que é de um observador solitário. O espaço interior da terma funciona como um instrumento que mimetiza o comportamento dos banhistas: “if they are loud, it amplifies their excited cries in all directions, if they are quiet, it radiates comtemplative tranquility from every surface.” 05

F140. Banhistas a massagear costas na fonte da piscina externa. Foto: Fernando Guerra.

Por essa qualidade amplificadora do som, associada à atmosfera serena produzida pela arquitetura, o espaço inibe a maioria dos banhistas a serem barulhentos ou 04 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.47, 48. 05 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P.. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.75, 76.

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Além do som como medida de espaço, temos o som parte essencial da atmosfera pretendida. Na instalação Shalekhet, mais de 10.000 peças de ferro recortadas em formato de rostos cobrem o chão do vão. O movimento pelo espaço causa barulhos que ecoam no espaço arquitetônico confinado e intimidador. Associado à visual dos rostos e memória histórica, uma sensação de agonia, desespero e temor tomam conta.

F141.Istalação Shalekhet por Menashe Kadishman. Studio Libeskind, Museu Judáico, 1999.

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fazerem movimentos bruscos em prol dessa coletividade. Retomando Brennan, atmosferas compartilhadas geram um estado de espírito coletivo, pela capacidade de transmissão de emoções entre os indivíduos.06 Dessa forma, o grau de intimidade relaciona-se com o grau sonoro, quanto mais íntimo o espaço mais silencioso, pois o cuidado com o outro é redobrado. A reverberação do edifício também é interessante na questão da sedução abordada anteriormente. Pelos visuais limitados pela geometria, os sons que viajam e cujas fontes não são visíveis podem instigar uma curiosidade. O próprio som reforça a ideia de “labirinto”, pois o edifício se revela aos poucos, primeiro pela audição, seguido do descobrimento via movimento do corpo no espaço.

F142. Material da parede e teto do Sound Bath. JC0220.

Na piscina externa os banhistas conversam de forma mais desinibida, pois seu som não está confinado às paredes e perde-se na paisagem. É o local mais social da terma, talvez mais semelhante aos banhos romanos e turcos nesse aspecto. Porém a ausência da sonoridade dos outros banhistas pode gerar tanto uma calmaria intensa ou inquietude. Próximo ao horário de fechar, o breu artificial e quietude da sauna pode ser extremamente relaxante. Enquanto na piscina externa, exposto à escuridão da noite e ventos gélidos, a sensação é completamente diferente. Após essa experiência percebi de onde surgiu a essência um tanto tenebrosa da história em quadrinho de Lucas Harari, “Swimming in Darkness”. À noite, um som de gongo avisa o encerramento do horário de funcionamento. Os últimos banhistas se deslocam para os chuveiros e vestiários. O som de duchas e dos filtros trabalhando mais intensamente reverberam intensamente pelo espaço e atravessam a cortina de couro do vestiário. As fontes do corredor voltam a ser protagonistas. No recolocar das roupas e aproximando-se do túnel de entrada, a experiência da terma encerra-se como iniciou, com o som da água.

F143. Capa da história em quadrinhos Swimming in Darkness por Lucas Harari. Uma ficção sobre um estudante de arquitetura que fica obsecado pela Terma de Vals. Lendas urbanas e acontecimentos estranhos unem-se nesse thriller literário.

06 BORCH, Christian. The Politics of Atmosphere: Architecture, Power, and the Senses. In: Architectural Atmospheres: On the Experience and Politics of Architecture. Basel: Birkhäuser. 2014, p.61.

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Água Sons de água Espaços mais silenciosos Sons especiais Som pessoas

F144. Mapa do som do espaço. Desenho da autora.

F145. Banhistas a usufruir das fontes de pressão, a relaxar e conversar na piscina externa. Foto: Fernando Guerra.

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4.3.4 As Coisas que me Rodeiam “As coisas que me rodeiam. Acontece-me sempre que entro em edifícios, nas salas de alguém, amigos, conhecidos ou pessoas que não conheço, ficar impressionado com as coisas que eles têm no seu espaço de habitar ou de trabalhar. E às vezes, não sei se conhecem esta sensação, constato uma forte relação e amor e cuidado, onde algo conjuga (...) Perguntei-me se terá sido tarefa da arquitectura criar o invólucro para receber estes objectos? (...) Esta ideia, de que entrarão necessariamente coisas num edifício que eu como arquitecto não concebo, mas nas quais penso, dá-me de certa forma uma visão futura dos meus edifícios, que se desenrola sem mim. Este facto faz-me bem, ajuda-me muito imaginar este futuro dos espaços, das casas, de como serão uma vez utilizadas.” 01

F146. Edifício como receptáculo de corpos e objetos. Detalhe Igreja St. Bonifatius, Heinz Binefeld, 1974.

No caso da terma de Vals, tudo além do invólucro da arquitetura é transitório, permanece pela brevidade de uma estadia. Apesar das toalhas, robes, chinelos, livros e cadernos, as principais “coisas” que rodeiam o espaço são os banhistas. As pegadas molhadas vão desenhando o espaço momentaneamente, um vislumbre do passado próximo. Alguns detalhes são pensados somente para os objetos, como os penduradores de toalha em latão, outros deixam em aberto como vão ser empregados, como os bancos que podem ser utilizados para descanso de banhistas ou outros objetos. É incrível como parece que o espaço da terma foi projetado para cada corpo, toda gente fica bonita: na proporção do espaço central ou ao passar por uma entrada esguia; sob a intensidade da luz natural das grandes janelas; sob a penumbra próxima a montanha; em meio à escuridão e névoa da sauna; sob os holofotes teatrais na saída dos vestiários e nas duchas individuais; sobre o ângulo sensual das espreguiçadeiras; e qualquer cor se destaca e fica interessante associada ao tom acinzentado da pedra de Vals. O corpo toda hora é colocado em evidência, como o protagonista da terma. O edifício que rodeia os corpos.

F147. Pedra, água, vapor, corpo. Conexão direta da piscina externa com o interior. Foto: Fernando Guerra.

01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.61.

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F148. Corpo como joias pontuais, enaltecem o espaço e vice e versa. Foto: Fernando Guerra.

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Água

Bancos Espreguiçadeiras Penduradores de toalha Pessoas Objetos pessoais F149. Mapa aglomerações e permanências dos banhistas e seus objetos. Desenho da autora.

F150. O protagonismo do corpo. Entrada “Drinking Stone” à direita, piscina interna à esquerda. Foto: Fernando Guerra.

F151. Detalhe relógio e pendurador de toalhas. JC0220.

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F152. Objetos deixados pelos banhistas no banco. Foto: Hélène Binet.

F153. Movimento, banhistas, pendurador de toalhas, toalha. Foto: Hélène Binet.

F154. Movimento, rastros de pegadas deixados sob a pedra. Material com porosidade e textura ideal para deixar ser marcado pela água, desvanecendo com o tempo. Foto: Hélène Binet.

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4.2.5 A luz sobre as coisas “Uma das ideias preferidas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de sombras e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade infiltrar-se. Toda a gente faz isto porque é um processo lógico sem segredos. A segunda ideia preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente, à luz e observar como reflectem. É necessário, portanto, escolher os materiais tendo presente o modo como reflectem a luz e afiná-los. (...) é tão bom escolher materiais, tecidos, vestidos, que ficam bonitos à luz e assim se harmonizam.” 01 Peter Zumthor aponta a luz como o último de seus pontos pois o lembrou mais tardiamente enquanto revia suas anotações. Na estruturação deste texto, o tema da luz encontra-se aqui pois é um ponto essencial tanto para a composição quanto para a qualidade da matéria. Indo além, sem a luz os outros pontos não existem. “A luz constrói e media a relação entre o espaço e a dimensão psíquica do usuário, torna perceptível o movimento, ordena e define todos os fenômenos reais.”02 O espaço arquitetônico deve ser luminoso para possuir existência visual, mas não necessariamente claro, pois clarear e iluminar são coisas completamente diferentes. Luz define os contornos, dá profundidade e escala, transparência e opacidade, peso e leveza, textura e ambiência. Essa entidade aparentemente imaterial é o que dá sentido e significado ao mundo material. A luz na terma dá forma e profundidade aos volumes, num gradiente entre escuridão cavernosa e saída para o exterior que transpassa em cada superfície. E como a ideia inicial do projeto, ela parece escavar as entranhas da montanha. As frestas de luz na cobertura varrem as paredes dos blocos e acentuam seus cantos e texturas. Sua impressão no chão e os focos de luz direcionam e encantam o olhar. Pessoalmente, o elemento mais impressionante da utilização da luz na composição da volumetria é na contradição entre peso e leveza. Os rasgos de luz interrompem o maciço da laje e soltam a geometria horizontalmente e verticalmente, à medida que suspende o caminho natural da transmissão de esforços. A laje em balanço, apesar dos 60cm de espessura em alguns momentos, com seu tremendo peso e esforços, parece leve. A cobertura na piscina central é o ápice dessa contradição. A luz penetra pelos quatro lados, sendo possível ver apenas pontuais vigas de conexão, e as pequenas aberturas azuis constatam a grossura da estrutura. A sensação é de que aquela enorme placa de concreto está a flutuar sobre a piscina, algo aparentemente sobrenaF155. Ensaio Hélène Binet para “The Secret of the Shadow”, Deutches Architekture Museum, 2007. Detalhe do Convento La Tourette de Le Corbusier.

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01 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.61. 02 BARNABÉ, Paulo M. M.A luz natural como diretriz de projeto, Revista USP Pós nº22, Dezembro de 2008, São Paulo, p.66.


F156. Detalhe entrada de luz pela fachada do Museu Kolumba, Peter Zumthor. Foto: Hélène Binet.

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tural. Esse é um exemplo do aspecto transcendental que a luz possui, que, se utilizada de forma apropriada, encanta a percepção humana. Grandes arquitetos conseguem moldar a forma através da luz, ou vice e versa, para atingir esse elemento espiritual. A exemplo temos Le Corbusier, que também experimentou com grandes espessuras e a contradição entre gravidade e leveza em La Tourette e Ronchamp; na Igreja da Luz, Tadao Ando utilizou a luz como forma; Shultes Frank Architeckten geram estranheza e encantamento ao aparentemente soltar o ponto superior de contato dos pilares do salão do crematório em Berlim. Todos os detalhes que mexem com as imagens incorporadas do considerado normal, que criam uma certa estranheza, podem constituir uma agradável surpresa. F157. Luz e materiais, translucidez e reflexão. Peter Zumthor, Museu Kolumba, 2007. Foto: Hélène Binet.

F158. Luz e textura, paredes da Igreja St. Agnes, Werner Düttmann, 1967.

Porém a importância da sombra vem diminuindo nas últimas décadas. Como abordado no ponto “a tensão entre o interior e o exterior”, a arquitetura, principalmente contemporânea, tem criado espaços demasiadamente iluminados com luz natural e artificial, suprimindo o senso de privacidade. A sombra é essencial para a criação de uma atmosfera de tranquilidade, aconchego e introspecção. Imaginação e fantasia são estimuladas pelas sombras, pois reduz-se a precisão da visão, convidando a ambiguidade espacial, fantasia tátil e visão periférica inconsciente, como referido no primeiro capítulo, importantes para a percepção atmosférica. Segundo Pallasmaa, “A luz forte e homogênea paralisa a imaginação do mesmo modo que a homogeneização do espaço enfraquece a experiência da vida humana e arrasa o senso de lugar.” 03 À exemplo, quando a mente está a viajar longe e se está perdido nos próprios pensamentos a visão geralmente perde o foco, diminui-se a percepção visual para poder focar no imaginário e em outras experiências sensoriais. Muitas vezes fechamos os olhos para apreciar uma música, uma comida, um cheiro ou para tatear com melhor precisão. À vista disso, imagino que Zumthor tenha criado os espaços de experiência de banho e descanso sob penumbras profundas. Salvo algumas exceções, grande parte do interior dos pequenos espaços são envoltos por superfícies muito escuras e pouco iluminadas, dando foco a outras sensações e fatores importantes para a configuração da atmosfera daquele espaço. Nos espaços de descanso, as superfícies pretas funcionam como apaziguamento da visão periférica, apresentando apenas a pequena janela como ponto de enfoque. Os pensamentos parecem adentrar por essa escuridão e o levar para além da paisagem que avista. No “Shower stone” percebe-se melhor o contato da água com seu próprio corpo, e no “Sounding stone” ouve-se com mais precisão, deleite e calmaria.

F159. Luz, forma e divindade. Le Corbusier, Convento La Tourette, 1960.

De forma semelhante, a névoa ou um elemento de deturpação da visão, despertam a imaginação, pois promovem um estado visual afocal, podendo provocar um estado de transe ou meditação. Um jardim de areia japonês produz efeito similar, acalma a mente com sua textura difusa e paleta em tons cinzas e crus. Pode-se atribuir uma atmosfera mais potente quando a cidade está encoberta por um nevoeiro, ou relaxar ao visualizar uma paisagem montanhosa brumosa no conforto de um abrigo. Por esse motivo, atribuo grande importância ao vapor e à iluminação artificial submersa nos espaços de banho. Os diferentes estados físicos da água transformam o elemento da luz, trazendo difusão e movimento para a espacialidade. Na piscina externa, o vapor dilui o entorno próximo e a paisagem, atribuindo certo misticismo, 03 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.43, 44.

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“É ridículo imaginar que uma lâmpada possa fazer o que o sol e as estações realizam. Por isso, é a luz natural que dá verdadeiramente sentido a um espaço arquitectural.” KAHN, Louis I., 1901-1974. Título Louis I. Kahn : conversa com estudantes / trad. de Alícia Duarte Penna. Publicação/Produção Barcelona : Gustavo Gili, 2002

F160. À esquerda, Le Corbusier, Convento La Tourette, 1960. Foto: Hélène Binet. F161. Luis Barragán, Casa Gilardi, 1976.

F162. À esquerda, Shultes Frank Architeckten, Crematório Baumschulenweg, 2000. F163. Igreja St. Agnes, Werner Düttmann, 1967.

“Em espaços de arquitetura espetaculares, há uma respiração constante e profunda de sombras e luzes; a escuridão inspira e a iluminação expira a luz.” PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.44

F164. À esquerda, Peter Zumthor, Museu Kolumba, 2007. Foto: Hélène Binet. F165. Luis Barragán, Casa-estúdio Barragán, 1947.

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principalmente à noite quando a escuridão prevalece. Nas saunas, o vapor dissolve os limites do espaço e dá forma à luz artificial no cume, adicionando um movimento calmo à ambiência. Nos banhos internos, a parte submersa é tratada de forma especial, com cor, textura e iluminação que contrastam com a superfície preta. A luz é refratada pela água e cria padrões dançantes que encantam o banhista. A diminuição da precisão das formas traz um certo relaxamento e estado de transe à experiência de banho.

F166. Vista piscina externa Terma de Vals. Foto Fernando Guerra.

Além de alterar as percepções volumétricas e de superfícies, a luz, principalmente natural, tem grande poder atmosférico, pois exerce papel importante na psique humana. Quem nunca se sentiu mais abatido num dia nublado e cinzento? Ou excepcionalmente feliz com os primeiros raios quentes e vibrantes do verão? Zumthor descreve, “Relativamente a este tema da luz do dia e da luz artificial, tenho de admitir que a luz do dia, a luz sobre as coisas às vezes me toca de uma forma quase espiritual. (...) Tenho a sensação que existe algo maior, que eu não percebo.” 04 A luz não só informa da espacialidade, mas também da temporalidade. A transformação da luz durante o dia e estações do ano nos faz conscientes da passagem do tempo, e seus momentos de chegada e repouso nos fazem parar para apreciá-las. Um lembrete que existe algo maior do que a vida apressada e finita que vivemos.

F167. Visitantes são temporariamente cegados por uma luz forte numa névoa, fazendo com que eles dependam de seus outros sentidos. Olafur Eliasson, Din blinde passager, 2010. Instalação em ARKEN Museum for Moderne Kunst, 2010.

Esse é um fator que considero importante na experienciação da terma de Vals. A consciência da passagem do tempo é mais imprecisa, pois só é “quantificada” pela variação da luz natural. Celulares e outros elementos que sugam a atenção e geram ansiedade pela marcação precisa do tempo não estão presentes. Há apenas dois relógios no edifício, muito discretos e que demandam que o banhista se desloque deliberadamente até seu local para poder o ler. Sente-se o continuum do tempo pelo movimento e som que desenrolam no espaço, mas a velocidade desse continuum parece alterada, há tempo de observar, sentir, imaginar, descansar.

F168. Em estados emocionais, sensoriais ou pensamentos intensos, o sentido da visão costuma ser reprimido. The Lovers II, René Magritte, óleo sobre tela, 540x734mm, 1928, MoMA, Nova Iorque. 04 ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.61, 63.

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F168. Acima, em pontos muito específicos é possível ver uma fresta da fonte de luz. Gradação de luminosidade, de um ponto mais interior à outra extremidade. JCR0220. F169. Abaixo, luz natural que desenha no espaço. As frestas de luz imprimem no chão e paredes. JCR0220.

F170. Acima, contraste entre luz e sombra. JCR0220. F171. Abaixo, estados da água e a luz. O reflexo da água como inversão da realidade. O movimento do estado líquido cria constantes alterações. O latão brilha como uma joia. JCR0220.

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Rasgos na cobertura Direcionamento do olhar pela luz, a visuais interessantes no projeto

F172. Mapa luz, rasgos na cobertura e direcionamento do olhar a pontos de interesse. Desenho da autora.

F173. À esquerda, esquiço detalhe caixilho e fresta de luz. Realizado durante a visita. F174. Acima, detalhe construtivo fresta de luz. O método só permite entrada de luz indireta. O estreitamento e dimensão da abertura provoca o efeito luminoso visto nas fotografias a seguir. Atelier Peter Zumthor.

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F175. Acima, as frestas de luz soltam a cobertura da piscina interna, criando uma dialética entre gravidade e leveza. JCR0220. F176. Abaixo, a bonita forma como a luz desmancha sobre as paredes ao atingi-las perpendicularmente. JCR0220.

F177. Acima, luz natural descola um dos lados e acentua os cantos dos volumes e evidencia sua textura JCR0220. F178. Abaixo, contraste entre luz e sombra e acentuamento dos planos de profundidade pela luz. O modo como a luz reflete na pedra e na água. JCR0220.

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4.4 Notas finais A complexidade que envolve apenas a parte teórica da atmosfera do espaço parece de certa forma incompreensível. Foi assim que me senti ao pesquisar sobre o assunto, flutuando num universo em constante expansão. À complexidade se soma a sinestesia e o imensurável. Os inúmeros sentidos, suas relações e interrelações, atrelados aos fatores emocionais, comportamentais e inconscientes de cada indivíduo tornam essa área um tanto assustadora. Porém, assim como durante o estado perceptivo sintetizamos todas essas relações intuitivamente e as experienciamos como algo “quase-objetivo”, nas palavras de Böhme, acredito que grandes arquitetos possuem um “sexto sentido” para atmosferas. Esses foram capazes de desenvolver uma sensibilidade a essa temática, sem necessariamente compreendê-la conceitualmente, e orquestrá-la com todas as outras áreas necessárias para concretizar uma arquitetura. Essa dissertação é um tímido passo a adentrar esse universo. Ao desenvolver o último capítulo, senti dificuldade em descrever cada ponto separadamente, uma vez que a experiência atmosférica é um sincretismo de tudo isso e tentar destrinchá-la apresenta suas limitações. Porém, como uma breve conclusão, desejo reforçar alguns apontamentos que transpassam esses temas e, a meu ver, são fatores que instigam a percepção sensorial e consequentemente a qualidade atmosférica. A contradição que encanta. Entre a gravidade da pedra e a leveza da luz, entre a escuridão da montanha e a luz da paisagem, entre sensações de temperatura e texturas, entre o interior e o exterior. Até mesmo o contraste conceitual, entre a montanha escavada e a precisão e rigor contemporâneo. A dualidade colapsa uma lógica inicial e cria uma riqueza sensorial, pois abre espaço para novas interpretações, com potencial para gerar experiências inesperadas e mais profundas. O indeterminado que encoraja. Uma das coisas que mais me maravilhou durante minha experiência pessoal foi a experiência da descoberta. O edifício que se priva, mas quer ser desvendado e, portanto, seduz. Que instiga o imaginário a completar o que os olhos não podem ver. E, assim como o quadro de Turner abriu a dissertação, volto a empregá-lo aqui. O indeterminado, o obscuro, convida a fantasia e, nada é mais intenso do que a própria imaginação e emoção. A potência da atmosfera está no subjetivo, pois é ele quem atribui o valor, o belo, o sublime. Uma obra de arquitetura deve dar espaço para a imaginação se surpreender. Para que essas experiências profundas sejam possíveis, é necessário tempo. Da mesma maneira que o tempo alongado é um fator importantíssimo para a concepção do projeto, é igualmente importante para a apreciação do mesmo, pois sem isso o primeiro é feito em vão. A real experiência arquitetônica demanda tempo e energia,

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tanto para o movimento do corpo como da mente. É necessário pausa para apreciar, imaginar e então agir. A arquitetura é uma arte espacial e temporal. Vários elementos da arquitetura citados nos conscientizam da passagem do tempo: a luz natural, o som, as outras pessoas. A patina dos materiais ou sua ruína trazem os ecos do tempo passado, nos fazem cientes de nossa própria existência e condição finita. Porém a arquitetura vai além, ela petrifica uma passagem da história. Nas ruelas de uma cidade medieval conseguimos imaginar e imergir em seu cotidiano caótico, ou então na barbárie de um espetáculo romano no coliseu. Segundo Pallasmaa, “O tempo da arquitetura é um tempo sob custódia; nas melhores edificações, o tempo se mantém perfeitamente imóvel.” 01 Acredito que a Terma de Vals consiga fazer isso, talvez seja cedo para afirmar, mas sua potência atmosférica é palpável. Atinge-se uma atemporalidade ao concentrar-se na experiência de banho e sua relação com a natureza. Trabalha as sensações do corpo em relação a água e a pedra, cria uma intimidade quase anciã com essas matérias primas. Independente das mudanças que ocorram no decorrer da história e à sua volta, a sensação ao estar lá dentro permanecerá quase imutável, pois a atmosfera criada é decorrente de uma relação ancestral com o corpo e a natureza. Nessa obra, não é apenas o tempo que está sob custódia, mas sua atmosfera.

O diálogo da atmosfera com nossa área de atuação é importante para reiterar que o debate da arquitetura não deve reprimir-se ao valor estético e visual. Arquitetura nos afeta, tem o poder de mudar nossas emoções, influenciar nosso comportamento, as vezes de maneira muito mais profunda que o esperado e compreendido. Nesse sentido é preciso ter o cuidado ao criar o espaço envolvente das pessoas e da sociedade. Portanto, o propósito de se projetar pensando em atmosferas não deve ser apenas criar espaços mais belos. A harmonia de um lugar se confirma ao criar uma atmosfera em que o ser se sinta seguro para experienciar suas próprias emoções, investigar suas memórias e sobrevoar seus desejos. Espaço construído como espaço envolvente, espaço vivo, que se vive. Arquitetura é parte integrante desse, cria as condições para que se possa crescer, experienciar, amar, sofrer. Em meio a tudo isso, as vezes há um lugar, ou uma obra, que nos toca, comove, alivia, ajuda a seguir em frente. Projetar pensando nisso é projetar para a vida e não apenas um espaço. Para tal, uma importante ferramenta do arquiteto é sua empatia e compaixão. Que belo seria criar esses espaços para serem vividos e amados. Afinal não é esse o objetivo da arquitetura? 01 PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.50

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Crédito de imagens As figuras não representadas na seguinte lista são de autoria própria, como fotografias, desenhos e imagens confeccionadas para a presente dissertação. Como indicado no início, as fotografias da autora são referenciadas por JC0220 (Julia Camargo, mês, ano).

01. Terma de Vals. Fotografia por Hélène Binet. Disponível em: http://helenebinet.com/photography/peter-zumthor/ [consultado em 10.10.2021] 02. Olafur Eliasson, The Weather Project. Disponível em: https://edition.cnn.com/style/article/olafur-eliasson-experience-phaidon/index.html [consultado em 29.10.2020]

Capítulo 1 Pensar Atmosferas

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Capítulo 2 Concretar Atmosferas

03. Planta baixa Terma de Vals. Em: ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Publishers, 1998, p.163. 04. Mapa município de Vals. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Karte_Gemeinde_Vals.png [consultado em 09.10.2021] 05. Vilarejo de Vals em 1911. Fotografia por Rudolf Zinggeler. Disponível em: https://www. grosshus-vals.ch/fotos-von-vals-1911/ [consultado em 09.10.2021] 06. Vista vilarejo de Vals em meados de 1900, Vals Archive. Disponível em: https://www. grosshus-vals.ch/fotos-von-vals-1911/ [consultado em 09.10.2021] 07. Vista vilarejo de Vals atualmente, Truffer AG. Disponível em: https://truffer.ch/files/Valser_Stein/Valser_Stein_3.jpg [consultado em 20.06.2021] 08. Rota Haard em 1948, Gandahus Archive. Disponível em: https://bergblicke.info/de/die-orte/vals/ [consultado em 09.10.2021] 09. Vilarejo de Vals em 1911. Fotografia por Rudolf Zinggeler. Disponível em: https://www. grosshus-vals.ch/fotos-von-vals-1911/ [consultado em 09.10.2021] 10. The Kurhaus Therme em 1910. Disponível em: https://www.wikiwand.com/de/Therme_ Vals [consultado em 09.10.2021] 11. Inauguração linha ferroviária Landquart-Davos em.1890 Disponível em: https://www. rhb.ch/en/company/portrait/history [consultado em 09.10.2021] 12. Construção hidrelétrica Zervreila. Em: HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.20. 13. Cartão postal Banho termal de Vals em 1976. Disponível em: https://www.jhpostcards. com/products/bad-vals-1252-m-thermal-schwimmbad-und-kurhotel-therme-hotel-pool-1976-switzerland-used [consultado em 10.10.2021] 16. Maquete Terma de Vas. Em: HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.34. 17. Terma de Vals. Fotografia Hélène Binet. Em: HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.152. 18, 19. Hotel 7132. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/805423/thom-mayne-tadao-ando-kengo-kuma-e-peter-zumthor-projetam-suites-de-hotel-em-vals [consultado em 10.06.2021] 21. Morphosis, Hotel 7132 Tower. Disponível em: https://www.dezeen.com/2015/03/25/morphosis-unveils-minimalist-skyscraper-7132-hotel-zumthor-therme-vals/ [consultado em 10.06.2021] 22. Foto aérea complexo de hotéis Vals. Em: HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.167.

23. Lord Frederic Leighton, The Bath of Psyche. Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/

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artworks/leighton-the-bath-of-psyche-n01574 [consultado em 02.07.2021] 24. Sir Lawrence Alma-Tadema, A Favourite Custom. Disponível em: https://www.tate.org.uk/ art/artworks/alma-tadema-a-favourite-custom-n02675 [consultado em 02.07.2021] 25. Banho Norte de Morgantina. Disponível em: https://brill.com/view/book/edcoll/9789047427032/Bej.9789004173576.i-538_004.xml [consultado em 02.07.2021] 26. Jean-Léon Gerôme, The Bath. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean-L%C3%A9on_G%C3%A9rome_-_Le_bain_(1880-85).jpg [consultado em 10.08.2021] 27. Sir Lawrence Alma-Tadema, The Baths of Caracalla. Disponível em: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:The_Baths_at_Caracalla.jpg [consultadoem 02.07.2021] 28. Planta baixa Stabian Bath, Pompéia.Disponível em: https://oxfordre.com/classics/ view/10.1093/acrefore/9780199381135.001.0001/acrefore-9780199381135-e-1067 [consultado em 18.08.2021] 29. Planta baixa Termas de Caracala, Roma. Disponível em: https://oxfordre.com/classics/ view/10.1093/acrefore/9780199381135.001.0001/acrefore-9780199381135-e-1067 [consultado em 18.08.2021] 30. Detalhe de um hypocaustum. Disponível em: https://oxfordre.com/classics/ view/10.1093/acrefore/9780199381135.001.0001/acrefore-9780199381135-e-1067 [consultado em 18.08.2021] 31. Hammam Casablanca. CROUTIER, Alev Lytle. Taking the waters: spirit, art, sensuality. Nova Iorque: Abbeville Press, 1992, p.91 32. Sir Edward John Poynter, A Visit to Aesculapius. Ibidem, p.108 33. Jean-Léon Gerôme. Terrace of the Seraglio. Ibidem, p.92 34. Dan May, Devil in the Baths. Ibidem, p.87 35. Poster, Baden, Suíça. Ibidem, p.146. 36. Poster, Baden-Baden,Alemanha. Ibidem, p.129. 37. Gravura de odaliscas atendendo ao banho de um sultão, início XIX. Ibidem, p.91. 38. Royal Hotel, Evian-les-Bains, França. Ibidem, p.125. 39. Terma de Vals. Fotografia de Hélène Binet. Disponível em: https://www.atzwanger.net/ en/references/projekt/therme-vals-1-2/ [consultado em 12.10.2021] 40. Ateliê Peter Zumthor em Haldenstein. Fotografia de Hélène Binet. Disponível em: https://www.atlasofplaces.com/architecture/zumthor-studio/ [consultado em 22.08.2021] 41. Ateliê Peter Zumthor em Haldenstein. Fotografia de Hélène Binet. Disponível em: https://www.atlasofplaces.com/architecture/zumthor-studio/ [consultado em 22.08.2021] 42. Zumthor a observar maquete. Fotografia de Rudolf Sagmeister. Disponível em: https:// www.archilovers.com/stories/1068/architectural-models-by-peter-zumthor.html [consultado em 22.08.2021] 43. Propaganda de jornal da Valser. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.19 44. Estrutura entre Ilanz e Vals. Ibidem, p.19 45. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.56 46. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.35 47. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.21 48. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.58 49. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.38 50. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.84

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51. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.83 52. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.40 53. Interior da hidrelétrica Zervreila. Disponível em: https://www.atlasofplaces.com/photography/kraftwerke-im-kanton-graubunden/ [consultado em 30.07.2020] 56. Esquiço Peter Zumthor. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.81 57. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.81 58. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.83 59. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.128 61. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.77 62. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.39 63. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.42 64. Esquiço Peter Zumthor. Ibidem, p.41 66. Rudas Bath. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/saragossett/5288778438/ [consultado em: 05.06.2020] 67. Foto maquete, Atelier Peter Zumthor. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.34. 68. Foto maquete, Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.37 69. Foto maquete, Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.74 70. Maquetes Mountain Hotel Tschlin, Atelier Peter Zumthor. Disponível em: https:// www.designboom.com/architecture/peter-zumthor-models-venice-architecture-biennale-05-28-2018/ [consultado em: 05.06.2021] 71. Maquete Gugalun House, Atelier Peter Zumthor. Disponível em: https://cynthiameadors. com/artwork/1292801-gugalun-house-by-peter-zumthor.html [consultado em 07.05.2021] 72. Maquete Capela Bruder Klaus, Atelier Peter Zumthor. Disponível em: https://www. designboom.com/architecture/peter-zumthor-models-venice-architecture-biennale-05-28-2018/ [consultado em 10.08.2021] 73. Maquete Allmannajuvet Zinc Mine Museum, Atelier Peter Zumthor. Ibidem. 74. Maquete Terma de Vals, Atelier Peter Zumthor. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.65 75. Maquete Terma de Vals, Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.64 76. Maquete Terma de Vals, Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.65 77. Maquete Terma de Vals. Fotografia Romero Garcés. Disponível em: https://www.flickr. com/photos/orppo/6528565117/in/set-72157628460679121/ [consultado em 10.08.2021] 78. Pedreira em Vals. Truffer AG. Disponível em: https://truffer.ch/files/Truffer_AG/Truffer_AG_2.JPG [consultado em 10.08.2021] 81. Piso terma de Vals. Fotogrfia Hélène Binet. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.131. 83. Foto pedreira Jossagada. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007. p.24. 84. Foto pedreira Jossagada. Ibidem. 85. Placas de pedra de Vals. Ibidem, p.17. 86. Telhados edifícios em Vals. Ibidem, p.18. 92. Detalhamento peças pedra de Vals. Ibidem, p.112 e 113.

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93. Detalhe construtivo parede e escada Flower bath. Ibidem, p.110. 95. Terma de Vals. Fotografia Hélène Binet. Ibidem, p.43. 96. Terma de Vals. Fotografia Hélène Binet. Ibidem, p.149. 97. Planta baixa nível dos banhos. Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.98 e 99. 98. Cortes Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor. Ibidem, p.105.

Capítulo 3 Experienciar Atmosferas

Capítulo 4 Desenredar Atmosferas

Todas as imagens e investigação do Capítulo 3, Experienciar Atmosferas, foram feitas durante a visita à obra entre os dias 09 e 11 de Fevereiro de 2020. No dia 11, tive a oportunidade de fotografar o interior da Terma de Vals antes do horário de abertura. Todas as imagens produzidas nesse Capítulo são colagens feitas com parte das fotografias da visita.

02. Claude-Nicholas Ledoux, Olho Refletindo o Interior do Teatro Besançon. Disponível em: https://fineartamerica.com/featured/eye-enclosing-the-theatre-at-besancon-france-claude-nicolas-ledoux.html [consultado em 07.10.2021] 03. Herbert Bayer, Lonely Metropolitan. Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/ collection/search/302020 [consultado em 07.10.2021] 04. Eadweard Muybridge, A man walking, fotogravura. Disponível em: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:A_man_walking._Photogravure_after_Eadweard_Muybridge,_1887._ Wellcome_V0048615.jpg [consultado em 07.10.2021] 05. As cariátides do Erecteion. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/cari%C3%A1tides-atenas-acr%C3%B3pole-gr%C3%A9cia-5051215/ [consultado em 21.09.2021] 06. Aulis Blomstedt, estudo escala humana. PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele – a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011, p.35. 07. Antoni Gaudi, maçaneta. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jimmckee/5890770844/in/photostream/ [consultado em 21.09.2021] 08. Alvar Aalto, maçaneta. Disponível em: https://www.elle.fr/Deco/Reportages/Visites-maisons/La-maison-paradoxe-d-Alvar-Aalto [consultado em 21.09.2021] 09. Gunnar Asplund, Trons Kapell. Disponível em: https://www.archdaily.com/550172/spotlight-gunnar-asplund [consultado em 21.09.2021] 10. Capela Bruder Klaus, Peter Zumthor. Disponível em: https://www.archdaily.com/364856/ happy-70th-birthday-peter-zumthor [consultado em 21.09.2021] 11. Manifesta 7, ensaio fotográfico de Hélène Binet. Disponível em: http://helenebinet.com/ photography/manifesta-7/ [consultado em 22.09.2021] 12. Igreja St. Agnes, Werner Düttmann. OASE #91, Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdã: nai010 Publishers, 2013, p.109. 13. Igreja St. Moritz, John Pawson. Disponível em: https://www.detail-online.com/article/ meditation-in-white-john-pawsons-conversion-of-st-moritz-church-augsburg-16543/ [consultado em 02.07.2021] 14. John Russel Pope, Estação de Broad Street. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos arquitectônicos – as coisas que me rodeiam. Barcelona: Gustavo Gili, 2006, p.10. 15. Sigurd Lewerentz, Igreja St Marks. Disponível em: https://architecturephoto.net/sya-

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105. MVRDV, Crystal Houses. Disponível em: https://www.mvrdv.nl/projects/240/crystal-houses [consultado em 02.10.2021] 118. Peter Zumthor, Unterhus. Disponível em: https://divisare.com/projects/313232-peter-zumthor-ralph-feiner-the-unterhus-leis-ob-vals-switzerland [consultado em 02.10.2021] 119. Arquitecture-G, Acne Studio Stockholm. Disponível em: https://www.archdaily. com/961696/acne-studios-stockholm-store-arquitectura-g [consultado em 02.10.2021] 120. Peter Zumthor, Swiss Sound Box. Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/building/swiss-sound-pavilion [consultado em 07.10.2021] 121. Henri Matisse, Open Windowm Collioure. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/ art-object-page.106384.html [consultado em 02.10.2021] 122. Tadao Ando, Templo da água. Disponível em: https://visuallexicon.wordpress. com/2017/10/04/water-temple-tadao-ando/ [consultado em 02.10.2021] 123. Louis Kahn, Salk Institute. Disponível em: https://archeyes.com/salk-institute-for-biological-studies-louis-kahn/ [consultado em 02.10.2021] 124. Louis Kahn, Salk Institute. Ibidem. 125. Frank Lloyd Wright, Wingspread. Disponível em: https://franklloydwright.org/wingspread-estate/wingspread-fireplace-lvgrm/ [consultado em 07.10.2021] 133.. Filippo Juvarra, Palácio Venaria Reale. Fotografia de Henry Plummer. Disponível em: https://www.archdaily.com/626181/light-matters-heightening-the-perception-of-daylight-with-henry-plummer-part-1 [consultado em 02.10.2021] 134. Stankey Kubrick, The Shining. Disponível em: https://www.rollingstone.com/movies/ movie-news/shining-hotel-to-become-worlds-first-horror-themed-museum-155129/ [consultado em 02.10.2021] 135. Andrei Tarkovsky, Stalker. Disponível em: [consultado em 07.10.2021] 136. Peter Zumthor, Swiss Sound Box. Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/building/swiss-sound-pavilion [consultado em 07.10.2021] 137. Câmara anecoica TU Berlim. Disponível em: https://mariaandueza.org/2012/06/05/ciudad-espacio-antianecoico/ [consultado em 02.10.2021] 138. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Disponível em: https://www.archdaily. com.br/br/798132/termas-de-vals-de-peter-zumthor-nas-lentes-de-fernando-guerra [consultado em 28.05.2021] 139. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Ibidem. 140. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Ibidem. 141. Istalação Shalekhet por Menashe Kadishman, Museu Judáico. 143. Capa Swimming in Darkness. HARARI, Lucas. Swimming in Darkness. Vancouver: Arsenal Pulp Press, 2019, Kindle edition. 145. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Disponível em: https://www.archdaily. com.br/br/798132/termas-de-vals-de-peter-zumthor-nas-lentes-de-fernando-guerra [consultado em 28.05.2021] 146. Heinz Binefeld, Igreja St.Bonifatius. Disponível em: [consultado em 02.10.2021] 147. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Disponível em: https://www.archdaily. com.br/br/798132/termas-de-vals-de-peter-zumthor-nas-lentes-de-fernando-guerra [consultado em 28.05.2021] 148. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Ibidem. 150. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Ibidem. 152. Terma de Vals. Fotografia de Hélène Binet. HAUSER, Sigrid; ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p. 153. Terma de Vals. Fotografia de Hélène Binet. Ibidem, p.

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154. Terma de Vals. Fotografia de Hélène Binet. Ibidem, p. 155. Hélène Binet ensaio The Secret of the Shadow. Disponível em: http://helenebinet.com/ photography/shadow/ [consultado em 10.10.2021] 156. Museu Kolumba. Fotografia Hélène Binet. Disponível em: https://purestyling.nl/blog/ architecture/peter-zumthor/ [consultado em 10.10.2021] 157. Museu Kolumba. Fotografia Hélène Binet. Disponível em: http://helenebinet.com/photography/peter-zumthor/ [consultado em 10.10.2021] 158. Werner Düttmann, Igreja St.Agnes. OASE #91, Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdã: nai010 Publishers, Dezembro de 2013, p.108. 159. Le Corbusier, Convento La Tourette. Disponível em: https://experiencingarchitecture. com/2011/03/24/light-church-in-ronchamp/ [consultado em 02.06.2021] 160. Hélène Binet ensaio The Secret of the Shadow. Disponível em: http://helenebinet.com/ photography/shadow/ [consultado em 10.10.2021] 161. Luis Barragán, Casa Gilardi. Disponível em: https://www.plataformaarquitectura. cl/cl/02-123630/clasicos-de-arquitectura-casa-gilardi-luis-barragan [consultado em 16.04.2020] 162. Shultes Frank Architeckten, Crematório Baumschulenweg. Disponível em: https:// www.archdaily.com/322464/crematorium-baumschulenweg-shultes-frank-architeckten?ad_ source=search&ad_medium=search_result_all [consultado em 10.10.2021] 163. Werner Düttmann, Igreja St. Agnes. Disponível em: https://www10.aeccafe.com/blogs/ arch-showcase/2013/05/31/st-agnes-in-berlin-germany-by-brandlhuber-architekten/ [consultado em 19.05.2021] 164. Museu Kolumba. Fotografia Hélène Binet. Disponível em: http://helenebinet.com/photography/peter-zumthor/ [consultado em 10.10.2021] 165. Luis Barragán, Casa-estúdio Barragán.Disponível em: https://www.archdaily. com/102599/ad-classics-casa-barragan-luis-barragan [consultado em 16.08.2020] 166. Terma de Vals. Fotografia de Fernando Guerra. Disponível em: https://www.archdaily. com.br/br/798132/termas-de-vals-de-peter-zumthor-nas-lentes-de-fernando-guerra [consultado em 28.05.2021] 167. Olafur Eliasson, Din blinde passager. Disponível em: https://olafureliasson.net/archive/ artwork/WEK100196/din-blinde-passager [consultado em 12.12.2020] 168. René Magritte, The Lovers II. Disponível em: https://www.moma.org/collection/ works/79933 [consultado em 19.05.2021] 174. Detalhe construtivo Terma de Vals, Atelier Peter Zumthor. A+U, Peter Zumthor, extra edition, 1998, p.172.

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