eixĂŁo
sim
po r
s
eu
ins jenk a n lia u j
eo
bolismo
li
ii l
eixão e seu
simbolismo
uma análise do Eixo Rodoviário de Brasília sob a perspectiva dos conceitos de espaço e lugar elaborados por Yi-Fu Tuan
por juliana jenkins
l iii
iv l
o círculo
"(...) explicou (ou esfera) como o símbolo do self. Ele expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o . Não importa se o símbolo está presente (...) nos planejamentos das cidades ou nos conceitos de esfera dos primeiros astrônomos: ele indica sempre o mais importante aspecto da vida - sua extrema e integral totalização."
relacionamento entre o homem e a natureza
(JUNG, 2008; p.323)
lv
Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Departamento de Teoria e História Ensaio Teórico - 154814 1/2017
Juliana Jenkins 12/0123461 Orientadora: prof. Ana Paula Gurgel
Composição da Banca prof. Ana Paula Gurgel prof. Ana Elisabete de Almeida Medeiros prof. Pedro Paulo Palazzo
vi l
resumo Este trabalho é uma análise do Eixo Rodoviário - Brasília/DF - sob as perspectivas dos conceitos de espaço e lugar elaborados pelo geógrafo chinês Yi-Fu Tuan. Através da mudança de um ponto de vista técnico, que o avalia de acordo com a sua qualidade de conectar a cidade, para a escolha de um ponto de vista subjetivo, que o vê a partir da experiência das pessoas com o local, cria-se um entendimento entre os diferentes significados e símbolos que o Eixo tem e pode vir a ter dentro do contexto da capital do Brasil. palavras-chave Brasília, modernismo, Yi-Fu Tuan, escala humana, espaço, lugar.
abstract This work is an analysis of Eixo Rodoviário - Brasília/DF - under the light of the notions of space and place created by the Chinese geographer Yi-Fu Tuan. Trough the change of a technical point of view - which deals with its capacity to connect the city - to a more personal and subjetive look - which sees its qualities trough human experience-, this work is able to create a certain comprehension of the different meanings and symbols the Eixo has or might have under the context of being the capital of Brazil. key-words Brasília, modernism, Yi-Fu Tun, human scale, space, place.
l vii
viii l
sumário
l ix
Introdução
1
Metodologia Estruturação
6 6
Parte 1 - O Eixão
7
1.1 Histórico 1.2. Conjunto Eixo Rodoviário
9 13
Parte 2 - O Simbolismo
19
2.1. Espaço x Lugar 2.2. Eixão como Espaço 2.3. Eixão como Lugar
21 25 32
Conclusão
39
Referências
45
xl
introdução l1
2l
em seu Relatório do Plano Piloto (1957). Neste documento, Costa organiza todas as atividades em torno de dois eixos de circulação principal: o eixo rodoviário e o eixo monumental. O primeiro sendo um tronco estruturante dos setores residenciais, Desde o início de sua idealização, a nova capital do Brasil, Brasília, já é concebida com o peso simbólico de materializar o progresso e desenvolvimento econômicos crescentes nos últimos anos no país. Planejada e construída entre as décadas de 1950 e 1960, a cidade assume algumas das tendências urbanísticas contemporâneas; uma de suas mais importantes é o urbanismo rodoviário. O foco à circulação interna na cidade é explicito desde às primeiras ideias concebidas por Lucio Costa
e o segundo destinado à acentuação da imagem simbólica de poder desejada à capital e também à estruturação das demais funções da cidade. Desde o início concebido como protagonista na circulação de Brasília, o Eixo Rodoviário, conhecido popularmente como Eixão, se desenvolveu durante todos esses anos, quase que exclusivamente, com essa função e finalidade, não modificando-se muito em relação ao projeto inicial.
Vista aérea Eixão Sul, autor: Bento Viana, 2012
l3
Embora funcione muito bem na escala macro que
Monumental e suas qualidades espaciais do que do
permite a conexão de uma ponta a outra do Plano
seu par. Há, na produção acadêmica sobre o Eixo
Piloto, ela não funciona em uma escala micro, ou
Rodoviário, uma preocupação quase exclusiva
seja, sob a ótica dos pedestres. Os grandes cinturões
sobre seu “rodoviarismo” e muito pouco se fala
verdes ao redor dos setores residenciais, os grandes
do eixão como um objeto em si, um ambiente
canteiros centrais e a largura das vias aumentam
não necessariamente ligado ao seu caráter macro-
o percurso pedonal em demasiado. No sentido
conectivo, detentor de qualidades únicas não
norte/sul, a circulação do pedestre é barrada pelos
relacionadas à circulação e à interligação de
trevos, enquanto no sentido leste/oeste a distância,
ambientes e setores. Existem alguns trabalhos
a falta de passagens seguras e privilegiadas em
que já trabalham-o como um possível espaço
relação aos veículos, em conjunto, funcionam
projetual à exemplo do projeto de diplomação de
como uma grande barreia quase instransponível
requalificação do Eixo Rodoviário (SICCA, 2016)
pela pessoa à pé ou mesmo de bicicleta. O Eixo
e dos vários trabalhos resultantes do concurso
Rodoviário possui na sua essência projetual e na
de passarela subterrânea do Eixão (2012). No
sua ocupação a preocupação aparentemente única
entanto, pouco ainda é produzido relevante a essas
de ser um elemento estruturante e circulatório,
qualidades e não há um trabalho que possibilite
sendo o movimento e a efemeridade presencial
uma criação de um possível simbolismo próprio.
características inerentes, nas quais a permanência e ocupação pelo pedestre é excepcional. O caráter efêmero do Eixão é ainda mais acentuado quando comparado ao seu irmão de berço: o Eixo Monumental. É neste que está concentrado a maior parte das outras funções da cidade e, por mais que também tenha uma função rodoviária, adquire uma interação muito mais íntima com o pedestre. Talvez por isso, ou pela simples falta de interesse, há uma produção acadêmica muito mais significativa sobre o Eixo
4 l
Portanto, é a partir dessas inquietações que esse trabalho surge com o objetivo de, a partir de uma leitura bibliográfica, analisar o Eixo Rodoviário do ponto de vista dos conceitos de espaço e lugar elaborados pelo geógrafo chinês Yi-Fu Tuan, elaborando e construindo símbolos que permitam que se veja o eixão como um objeto em si e para si. Para alcançar tal objetivo é necessário que alguns Proposta ganhadora; Concuro do IAB - Passarelas sob o Eixão - Brasília/DF; 2012
outros pontos também sejam obtidos, sendo eles: uma delimitação geográfica daquilo que consideramos ser a área a ser analisada e o que é o Eixão; uma revisão bibliográfica do próprio Tuan (1983), e do Gehl (2013) que será usada para reforçar o entendimento do Eixão como lugar; e traçar uma ligação entre as obras dos dois autores.
Proposta que recebeu menção honrosa; Concuro do IAB - Passarelas sob o Eixão - Brasília/DF; 2012
Eixão de amanhã - possibilidades; autor: Eduarda Aun, data desconhecida.
l5
metodologia *traçar um panorama geral sobre o histórico
estruturação O desenvolvimento será dividido em duas partes:
do eixão para o entendimento do objeto à ser parte 1 | o eixão
analisado; *fazer uso de trechos em planta do Eixo Rodoviário
1.1. Histórico
e da adoção de um novo termo para o Eixão para
Um pequeno panorama sobre sus história e fatos
melhor compreender o seu espaço físico;
que influenciaram o que ele é hoje; 1.2. Complexo Eixo Rodoviário Delimitação do espaço físico do Eixão a ser
*leitura bibliográfica:
analisado, usando da ferramenta de adotar um
foco principal: “Espaço x Lugar. A Perspectiva da
novo termo para ajudar essa identificação.
Experiência”; e como estudo complementar: “Cidade Para parte 2 | o simbolismo
Pessoas”Jan Gehl.
2.1. Espaço x Lugar *elaboração de cartogramas com o propósito de
Compreender os conceitos de espaço e lugar a
analisar o vazio e o a falta de usos/funções que
partir das perspectivas de Tuan;
intensifica características atuais.
2.2. Eixão como Espaço Compreender o Eixão a partir do conceito de
*uso das ideias de gehl para defender uma mudança
espaço;
de visão entre eixão como espaço para eixão como
2.3. Eixão como Lugar
lugar.
Compreender o Eixão a partir do conceito de lugar.
6l
parte 1 l7
o eixĂŁo
8 l
peso simbólico de ser cartão de visita do país e do seu desenvolvimento.
histórico
O peso intrínseco que a capital trazia exigiu que sua concepção urbana e arquitetônica fossem igualmente significativas. Nos anos 1950, a
A ideia de levar a capital para o interior do país,
produção de uma arquitetura moderna brasileira
afastando-a dos perigos do litoral e trazendo-a
era amplamente aplicada. Por mais que este
para um ponto central no seu território, data do
movimento - em seu continente berço, a Europa
século XVII. No entanto, a concretização dessa
- já ganhasse as suas primeiras críticas; no Brasil,
intenção começa a ser realizada só nos anos 1940,
este estilo representava mais que uma escolha
ao fim da ditadura Vargas (FICHER & PALAZZO,
estética, representava arquitetura genuinamente
2005).
brasileira. Desta forma a escolha do seu uso para Brasília era uma conclusão lógica. Por outro lado,
Com o propósito de materializar o rompimento
o urbanismo escolhido assumia tendências mais
com um passado carregando de influências
contemporâneas aos outros países, sendo a mais
coloniais e imperiais e também de construir
significativa o urbanismo rodoviarista.
uma nova identidade nacional, promovendo o desenvolvimento econômico; em 1955, é criada
O rodoviarismo tornou-se base para diversos
a Comissão de Planejamento da Construção e da
projetos
Mudança da Capital Federal com o objetivo de
anteriores, contendo diversas reflexões que já
lançar o edital do concurso da cidade e assim dar
vinham sendo tratadas por diversos autores desde o
início à materialização deste ideário. A nova capital
final do século XX, dentre eles Le Corbusier e Soria
não só representaria um esforço sobre-humano
y Mata. O urbanismo rodoviarista é caracterizado
físico/material/temporal, como representaria a
pela atenção excessiva dada à circulação de
mudança de era para uma nação. Antes mesmo
veículos, empregando soluções rodoviárias de alta
de ser construída, a cidade já era um símbolo:
velocidade, adequadas às estradas, em cenários
progresso e modernidade, um novo Brasil.
urbanos. O seu principal recurso é o uso de vias
Brasília, a capital inaugurada em 1960, assume o
expressas, associadas a trevos e a viadutos, que
l9
urbanos
elaborados
nas
décadas
proporcionam uma distinção muito clara entre circulação de veículos e a de pedestres (FICHER & PALAZZO, 2005). No projeto inscrito no concurso por Lucio Costa, o plano vencedor, a escolha por essa tendência urbanística é clara. O ponto fundamental da proposta se firma no estabelecimento do funcionamento da circulação da capital. Isto é claramente visto no seu traçado síntese que consiste em dois eixos principais, duas vias expressas, que dariam origem e estrutura à cidade. A linha vertical, o Eixo Monumental, foi prevista para abrigar as funções administrativas; a linha horizontal arqueada, o Eixo Rodoviário, foi-lhe atribuída a função circulatória principal, separando o “tráfico
Croquis Lucio Costa do Relatório do Plano Piloto. 1957
urbano” e o “tráfico local” (SANTOS, 1964). “ […] 3 - E houve o propósito de aplicar os princípios francos da técnica rodoviarista - inclusive a eliminação dos cruzamentos - à técnica urbanística, conferindo-se ao eixo arqueado, correspondente às vias naturais de acesso, a função circulatória tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais para o tráfego local, e dispondo-se ao longo desse eixo grosso dos setores residenciais.” (COSTA, 1957)
Eixão Sul, fonte: Histórias de bsb, início anos 1970
10 l
No Relatório do Plano Piloto de Brasília (1957),
circuito transformando as passagens em caminhos
Costa deixa claro que o Eixo Rodoviário, além de
inseguros para os transeuntes. Portanto, as únicas
sua função principal de circulação, funcionaria
alterações no Eixo Rodoviário confirmam mais
como tronco estruturante dos setores residenciais.
uma vez o seu rodoviarismo excessivo, enaltecendo
Desta forma, todas as demais funções são
os veículos e diminuindo o conforto do pedestre.
configuradas no eixo monumental. A ausência
Podemos falar que, atualmente, o eixão é o mesmo
de uma diversidade de funções, concentradas em
dos anos 1960, porém com algumas vias duplicadas,
outra parte da cidade, levou o eixão a intensificar
novos conectores, passagens subterrâneas mais
sua característica rodoviarista, se transformando
perigosas e árvores um tanto maiores.
em um simples meio de se chegar até elas. Ao longo dos anos houve algumas medidas Sendo concebido para esse propósito, quase que
tomadas que procuraram humanizar a via. A
exclusivamente circulatório, desde sua idealização
partir dos anos 1990 começou a prática de fechar
até a construção, o eixão não sofreu muitas
o Eixão ao veículos uma vez por mês para o uso
mudanças. Hoje, mais de 60 anos depois, ele é muito
dos pedestres. Devido ao sucesso da iniciativa
semelhante àquilo que tinhamos em seus primeiros
começou a ser fechado todos os domingos e
anos de vida. A únicas alterações significativas que
feriados (SICCA, 2016). Essa prática acontece até
ocorreram na sua configuração, em todas essas
hoje. Atualmente vemos outros movimentos que
décadas, foi a duplicação das tesourinhas (trevos/
também procuram reutilizar o espaço do eixão,
viadutos que conectam o tráfico urbano ao tráfico
como é o caso das corridas, feiras independentes,
local) em 1970 e em 2013 houve a finalização da
food-trucks. No entanto, vale ressaltar que esses
implementação das agulinhas - conectivos entre os
eventos acontecem esporadicamente e só podem
trevos e a avenida central. A duplicação dessas vias
ser realizados quando a via está fechada.
obrigou a mudança das passarelas subterrâneas (SICCA, 2016). Antes esses passeios eram conectados ao comércio local das superquadras (unidade residencial) e, após a duplicação, houve um deslocamento desse
l 11
"[…] 4 - Como decorrência dessa concentração residencial, os centros cívicos e administrativos, o setor cultural, o centro de diversões, o centro esportivo, o setor administrativo municipal, os quartéis, as zonas destinadas à armazenagem, ao abastecimento e às pequenas industrias locais, e, por fim, a estação ferroviária, foram-se naturalmente ordenando e dispondo ao longo do eixo transversal que passou assim a ser o eixo monumental do sistema." (COSTA, 1957) Eixão e suas tesourinhas antes da reforna; fonte: histórias de bsb; anos 1960
12 l
mais uma vez o par Eixo Monumental/Eixo Rodoviário para ilustrar como que funciona a dinâmica atual da via, é necessário que se faça uma nova abordagem para poder entender o que
complexo eixo rodoviário
consiste esse espaço físico, e porque esse trabalho não adota mais somente o termo Eixo Rodoviário,
Quando fala-se em Eixão em Brasília a noção do
passando a usar também o nome “Conjunto Eixo
que ele é de fato, o que consiste seu espaço físico
Rodoviário”.
e quais são seus limites espaciais, é um tanto nebulosa. Alguns dirão que ele é apenas a pista
Os dois eixos, apesar de terem sido criados com um
central composta de 7 faixas de rolamento; outros,
objetivo similar de caráter circulatório, divergem
com uma visão mais vasta dirão que também
em muitos outros aspectos. Essa divergência
abrange os outros dois eixos paralelos que seguem
acontece em um plano principal: a intensificação
essa via central. Então de fato, o que é considerado,
do rodoviarismo de um e uma certa humanização
neste estudo, como o Eixo Rodoviário? Tomando
do outro. Um dos fatores que contribuí para esse eixo monumental
rio
viá do
ro ixo e to jun
n co
500
1000
5000
m
Cartograma: relação entre o “conjunto” Eixo Rodoviário e Eixo Monumental; fonte dwg: Amanda Sicca
l 13
fenômeno já foi mencionado e é a alta setorização da cidade, outra tendência em voga na época da construção de Brasilia, que intensifica as funções e usos no Eixo Monumental. Outro fator importante para essa divergência é a configuração física das vias. De um lado temos o Eixo Monumental, constituído de 2 pistas, com 6 faixas de rolamento cada, e com um grande canteiro central que as divide. Durante toda sua extensão há vários semáforos com travessia para pedestre e com limite de velocidade
Vista aérea do Eixo Monumental e da Rodoviária; fonte: Rafael Bertola, 2012
de 60 km/h, embora no plano de Lucio Costa as passagens também eram subterrâneas. A sua configuração é simples e clara, como também é sua apreensão. No entanto quando quando olhamos para seu par, sua configuração é bem diferente. Dotado de 5 pistas distintas, limites de velocidade distintos para cada uma, grandes áreas verdes que as dividem, viadutos para transição entre tráfego urbano e tráfico local, passarelas subterrâneas, o Eixo Rodoviário apresenta uma formação mais complexa, mais abstrata, por isso sua dificuldade de ter seus limites delimitados. A falta de um entendimento físico do que é o Eixão, essa sua abstração tão evidente quando se é comparada à clareza de seu irmão, leva para o que vai ser posteriormente desenvolvido em uma
Vista aérea do eixo rodoviário; autor: Bento Viana, 2012
compreensão deste muito mais como um espaço do que como um lugar. No entanto, para que haja um objeto especifico à ser analisado é necessário que se defina, mesmo que de forma mais geral, uma área física de análise.
14 l
A principal ferramenta deste trabalho para
funcionam também como passagens subterrâneas
delimitar o espaço físico deste eixo consiste em
mais seguras1 entre o sentido leste/oeste. Desta
adotar a expressão “Conjunto Eixo Rodoviário”. O
forma, o Conjunto corresponde em largura a
uso dessa nova nomeação induz uma abrangência
todos os 160m entre os setores residenciais, sendo
maior do que seria, não deixando espaço para
o o cinturão verde a área de transição entre esses
interpretações que o vêem como uma única
dois elementos distintos
pista e também indicando, em seu nome, sua
1 A questão da segurança no Eixão é um tema muito amplo e importante sendo
complexidade. Desta forma, acaba-se fazendo uma
trabalhado por diversos autores. Logo, não será aprofundado neste trabalho.
referência àquilo que Lucio Costa pensou para o eixo como “pistas centrais para velocidades e pistas laterais para tráfego local” (1957). Assim, o Conjunto Eixo Rodoviário (CER), como existe hoje, é composto por 3 avenidas paralelas, sendo uma central - com 6 faixas e limite de velocidade de 80 km/h - e duas secundárias com 4 faixas cada, com limite de velocidade de 60 km/h -, totalizando 14 faixas de rolamento
Croquis de Lucio Costa sobre como seria o funcionamento do eixo rodoviário; Relatório Plano Piloto, 1957
que se estendem pelos 13,5km de comprimento do Plano Piloto correspondentes à sua porção sul (Asa Sul) e à norte (Asa Norte). Além das pistas, essa delimitação inclui as grandes áreas verdes que as separam e assume o cinturão verde que circunda as superquadras - unidades residenciais - como área de influência direta. As tesourinhas os viadutos de conexão de tráfego - e as passagens subterrâneas para pedestres que atravessam as 3 avenidas também são incluídas. Também dentro desse complexo passa o metro, cujas entradas
l 15
Como o desenho de Lucio Costa se concretizou; autor: Bento Viana, 2012
Corte explicativo do Eixo Rodoviรกrio fonte: Amanda Sicca, 2016
16 l
superquadra
superquadra
conjunto eixo rodoviรกrio cinturรฃo verde superquadras
l 17
superquadra
superquadra
Esquema Conjunto Eixo Rodoviรกrio e setor residencial; foto base: autora joana franรงa, 2017
18 l
parte 2
l 19
o simbolismo
20 l
graus da relação humana com o meio ambiente. A ideia de espaço é conceitual enquanto a ideia de lugar é íntima.
espaço x lugar
Grande parte da dificuldade de entender esses dois termos e a singularidade de cada é fruto da tentativa de abordá-los de forma desconexa do
“Na experiência, o significado de espaço
próprio animal que os criou: o homem. A tentativa
frequentemente se funde com o de lugar. ‘Espaço’
de entender-los como dois conceitos separados
é mais abstrato que ‘lugar’. O que começa como
da experiência humana, leva à difícil distinção
espaço indiferenciado transforma-se em lugar à
entre eles, sendo um o mesmo que o outro. Da
medida que o conhecemos melhor e o dotamos
mesma forma que um livro para nós é de fato um
de valor. (…) As ideias de ‘espaço’ e ‘lugar’ não
livro, porém para uma traça esse mesmo objeto é
podem ser definidas uma sem a outra. A partir da
alimento; um conceito - o que é o livro, o alimento,
segurança e estabilidade do lugar estamos cientes
o espaço ou o lugar - necessita ser compreendido
da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço,
através de um referencial. Assim, o trabalho do
e vice-versa.” (TUAN, 1983, p.6)
geógrafo Tuan em seu livro “Espaço e Lugar A Perspectiva da Experiência” (1983) procura trabalhar esses termos através da interação do
Tanto o termo “espaço” quanto “lugar” são
homem com o meio ambiente.
familiares à nós e indicam experiências comuns, muitas vezes sendo confundidos um pelo outro.
Espaço e lugar, dentro dessa perspectiva da
Vivemos em um espaço. O lugar onde moramos
experiência, surgem um através do outro. Como
(Tuan, 1983). Sua diferença acaba sendo muito
diz Tuan, o espaço indiferenciado e abstrato
sutil na nossa fala e no nosso dia-a-dia, por tal
pode transformar-se gradativamente em lugar à
motivo alguns podem achar banal a diferenciação
medida que nos relacionamos com ele de forma
entre os dois. No entanto, quando mais aprofunda-
mais íntima e o dotamos de valor. Também diz
se no significado de um e do outro, percebe-se que
o autor que os lugares, que são esses espaços
a distinção entre eles está ligada aos diferentes
transformados, são um tipo especial de objeto que
l 21
por mais que não consigamos - em sua maioria -
indica ação. No entanto, essa liberdade também
deslocar de um ponto à outro, são uma concreção
está profundamente conectada com a noção
de valor. O espaço está lá para servir de local de
de exposição, vulnerabilidade. Toma-se como
deslocamento entre um lugar e outro, um objeto e
exemplo uma pradaria, um campo com horizonte
outro. Os lugares, concretos, delimitam o espaço,
a vista e sem muita vegetação. Nele podemos
indiferenciado; dão-lhe uma geometria. Da
cultivar, construir, explorar, percorrer facilmente;
mesma forma que para reconhecer um quadrado
no entanto, nele se está vulnerável a qualquer um
é necessário que identifique-se primeiramente
que queira invadir, conquistar, além de não se estar
seus ângulos; para reconhecer o espaço, identifica-
protegido da natureza. O lugar, por outro lado,
se seus limites: objetos e lugares. No quadrado, o
é a humanização deste espaço, é dotar de valor e
espaço é o vácuo que o preenche. O autor faz uso
significado, é delimita-lo, é exaurir-lo de liberdade.
de um exemplo prático ao homem para que essa
O lugar é refúgio, é calmo e conhecido. Os seres
dinâmica fique mais clara:
humanos precisam tanto de espaço quanto de lugar.
“Para o novo morador, o bairro é a princípio
Os homens são criaturas tomadas em sua vida por
uma confusão de imagens; ‘lá fora’ é um espaço
pares duais: ação e repouso, refúgio e aventura,
embaçado. Aprender a conhecer o bairro exige a
prazer e trabalho, dependência e liberdade; e como
identificação de locais significantes, como esquinas
tudo ele precisa dos dois, um equilíbrio entre eles.
e referenciais arquitetônicos, dentro do espaço do
Um homem precisa tanto de espaço para sentir
bairro.” (TUAN, 1983, p. 20)
liberdade, capacidade de ação, aventura; como de lugar, um local para não se sentir demandado, para
Analisar esses termos de um ponto de vista da
descansar e repousar em segurança.
necessidade físico-emocional do homem vemos que “o lugar é a segurança e o espaço é a liberdade:
Os dois termos acabam sendo meios para a
estamos ligados ao primeiro e desejamos o outro”
constituição de símbolos. O quarto, a casa, o
(Tuan, 1983). O espaço está intimamente ligado
bairro, a cidade, a pátria, todos eles podem ser
com a noção de liberdade no mundo ocidental, é o
noções que transformam-se em símbolos de
ambiente que permite a locomoção; ele está aberto
lugar, caso o homem os veja de forma íntima,
e convida possibilidades, é um local em branco que
humanizada, conhecida. Estes ambientes possuem
22 l
características próprias, são uma classe objeto,
simboliza também uma cultura de consumo, uma
que possibilitam que esse processo de formação
forma de vida, um momento histórico do país,
simbólica seja feita diretamente com eles: a casa
uma ideologia. Neste caso, ela faz uso da noção
é um símbolo de lugar. No entanto, a noção da
de espaço para conseguir entregar essas ideias. O
construção simbólica quando vista da perspectiva
espaço leva à liberdade e ao prestígio no Ocidente,
do espaço é mais subjetiva e indireta. Tomemos
ele implica que se tem dinheiro e poder, ideias que
como exemplo o caso de Los Angeles, Estados
afirmam o que LA representa; logo o uso da noção
Unidos. A cidade estado-unidense pode ser um
de espaço na capital tão dispersa ajuda a construir
símbolo de lugar, o homem pode identificar-se com
seu símbolo.
ela, e relacionar-se de forma íntima, dotando-a de valor e significado. Uma pessoa que nasceu e
Assim vemos que o lugar é o símbolo em si,
cresceu ali pode sentir um profundo sentimento
enquanto o espaço ajuda na construção de um
de pertencimento. A cidade, neste caso, é vista
símbolo. Da mesma forma que o espaço é o entre-
como símbolo de lugar. No entanto, ela mesma
lugares, ele é o vácuo que preenche uma forma,
simboliza uma ideia mais conceitual. Los Angeles
um símbolo.
Los Angeles, autor desconhecido, anos 2000
l 23
A partir desse entendimento das duas noções e
Procura-se nos capítulos subsequentes analisar
do que constitui o espaço analisado, entra-se na
o Eixão primeiro sob a perspectiva de espaço
questão cerne deste trabalho: o Conjunto Eixo
e depois sob a perspectiva de lugar. Por essas
Rodoviário, então, é um lugar ou um espaço? Sua
duas noções serem muito abrangentes, tendo
significação bem como a compreensão de suas
somente algumas de suas várias nuâncias sido
qualidades, que podem defini-lo como um ou
mencionadas aqui; define-se três pontos-base
outro, serão analisados a seguir.
que servirão de ferramenta para entender o eixo através destes termos. O primeiro ponto analisa como as pessoas se relacionam com o eixo através da ótica de objetivo e direcionamento. Se elas, neste local, estão com a contínua noção de estarem se direcionando para um outro ambiente, com o objetivo de chegar em outro ponto que não aquele que estão (espaço); ou se, só por estarem nele, elas já alcançaram seu objetivo, logo o direcionamento se torna secundário (lugar). O segundo ponto-chave trabalha sobre a ideia da ação. Neste momento analisa-se qual tipo de ação esse ambiente induz, se é à pausa ou ao movimento. Por últimos temos a perspectiva da experiência íntima. Aqui, observase se as pessoas interagem com o Eixão de forma mais impessoal ou de forma próxima, atribuindolhe valor e significado.
24 l
Essa primeira reflexão sobre a geometria do eixo indica que aparentemente o Conjunto comportase sob a perspectiva de espaço. No entanto, é necessário que se entenda como que o homem
eixão como espaço
o experiência e como ele ali se comporta, para
Vamos fazer um retorno a uma parte anterior
com o local. De forma a permitir defini-lo dentro
deste trabalho para poder entender como
de um conceito ou de outro. Para isso, utiliza-se
podemos começar a analisar o Eixão sobre a
como ferramenta os três pontos-bases: objetivo/
perspectiva de espaço. No capitulo “Conjunto Eixo
direcionamento, ação e experiência íntima.
poder traçar um panorama geral da sua relação
Rodoviário (CER)”, discorremos sobre o porquê da importância de adotar um outro termo para
objetivo e direcionamento
o eixo, um nome que compreendesse todos os
Desde a idealização de Brasília, o entorno do CER
elementos que fazem parte dele. A falta de uma
foi destinado à estruturar a função residencial e não
noção clara do que ele é, a dificuldade de delimitar
muito mais que isso. Além das superquadras com
precisamente o seu espaço físico já mostra desde
seus edifícios de 6 pavimento com pilotis, a região
início sua característica abstrata. Foi necessário
possui quadras comercias de baixa densidade e
discorrer sobre o que seria este local, quais
eventuais postos de gasolina entre uma avenida e
elementos o delimitam, quais objetos e lugares o
outra. Desta forma o local carece de diversidade
dão uma geometria, para poder entende-lo. Esse
de funções, ou pelo menos uma quantidade mais
exercício conceitual e geométrico assemelha-se
expressiva destas. A região é pouco densa em todos
em muito à ideia de que só podemos compreender
os aspectos. E isso é quando fala-se da parte ao
o quadrado a partir do reconhecimento de seus
entorno do Eixão. Quando observa-se somente o
ângulos. Mesmo antes de levar em consideração
espaço que constitui o Conjunto, além nos postos
a experiência humana mais à fundo, percebe-se
de gasolina, suas respectivas lojas de conveniência,
que a dificuldade de delimitação física já indica o
eventuais barracas de camelôs nas entradas/
que posteriormente será confirmado: atualmente o
saídas das passagens subterrâneas e as passagens
Eixão é mais compreendido como um espaço do
do metrô; não há mais nenhuma função na escala
que como um lugar.
micro, do pedestre, que são desenvolvidas. Já
l 25
na escala macro, a escala privilegiada, a função
um grande ambiente transitório entre o lugar que
circulatória predomina.
elas estavam até o lugar que elas querem ir. Um pedestre procura atravessar a largura do Eixão
O privilégio da circulação de veículos em
para ir de uma superquadra a outra, uma pessoa
detrimento do pedestre cria enormes áreas verdes
em uma bicicleta que sai do seu apartamento
onde nada acontece, elas se tornam em grandes
percorre algumas quadras para ir comprar algo em
áreas vazias de pessoas e atividades. Talvez
uma comercial; até mesmo para o carro que, em
em algum outro contexto, essa quantidade de
outra escala, está vindo de casa e se direciona para
atividades pudesse ser suficientes; no entanto, é
o seu trabalho na zona central do Plano Piloto;
importante lembrar que o CER possui 160m de
para todas essas pessoas o eixo é um entre-lugares.
largura e 13,5km de comprimento, sendo que cada
No dia-a-dia quando as vias estão abertas para
superquadra se estende por 350m. O Conjunto é
os veículos, a maioria dos exemplos repetem esse
vasto e extenso, logo as distâncias entre um serviço
mesmo padrão: o CER é apenas uma passagem, um
e outro se mostram excessivas.
meio para se atingir um objetivo.
Não há muitas atividades a serem realizadas e,
Desde a idealização da capital, o Eixão foi
quando elas existem, elas estão muito distantes
construído para exercer a função circulatória
entre si. Por não haver uma diversidade de
da cidade e nada mais. Quando observa-o sob o
funções, as pessoas que estão ali - seja de carro,
ponto de vista objetivo/direcionamento percebe-se
de ônibus, à pé ou de bicicleta - sempre estão se
que desde sempre ele foi visto como esse grande
direcionando à algum lugar. O objetivo delas não
elemento liga-pontos. Um entre-lugares. Ele foi
é alcançado naquele local. Para elas, o Eixão é
idealizado para ser um espaço e não um lugar.
“O espaço, como já mencionamos é a capacidade de mover-se. Os movimentos frequentemente são dirigidos para, ou repelidos por, objetos e lugares. Por isso o espaço pode ser experienciado de várias maneiras: como a localização relativa de objetos ou lugares, como as distâncias que separam ou ligam os lugares e - mais abstratamente - como a área definida por uma rede de lugares.” (TUAN, 1983, p. 14)
26 l
rio
viá do
o or eix
500
5000
1000
m
O recorte foi feito pois a área total do Eixão é muito vasta. Os diagramas elaborados a partie de uma só parcela explicam melhor as funções e os vazios em escala menor.
100
300
comercial residencial institucional
l 27
500
m
Diagrama de funções
100
300
Diagrama do recorte; fonte dwg: Amanda Sicca
500
m
Diagrama de cheios e vazios
vazios verdes vazios construídos (vias/estacionamentos) área edificada
ação
Muitos deles tem um objetivo em mente, um lugar
Esse segundo ponto acaba sendo uma continuação
onde eles querem alcançar em sua carreira antes
do anterior, uma consequência; logo eles estão
de se aposentar. Dizem que se tem um “longo
intimamente relacionados. A sensação constante
caminho a percorrer” até seu objetivo, e quando
de se estar dirigindo à um ponto vem do fato de
ali chegarem, eles poderão parar, descansar; assim,
que o ambiente que eles estão não consiste em seu
estando livres para fazer outras atividades que lhe
objetivo, então a pessoa se desloca até alcança-lo.
dão prazer. No dia-a-dia, e em sua vida prática,
Ela se direciona até um fim e quando ali chega ela
o homem não é diferente. Ele está em constante
cessa, ela para de se movimentar1 . Há uma pausa
movimento para alcançar objetivos.
no deslocamento, nem que seja por um instante. O lugar, o objetivo, pode indicar outras ações, mas o
Percebendo isso, vemos: o homem está em
deslocar cessa.
constante movimento no Eixão. Todo o dia aproximadamente 40.000 carros percorrem o Eixo
Pode-se fazer uma analogia a uma forma que
Rodoviário (HOLANDA, 2013) e 100.000 o cruzam
vários profissionais dizem levar as suas vidas para
segundo um estudo realizado pelo DER/DF. Todas
entender essa dinâmica, tão comum para o homem
essas pessoas estão se deslocando para algum lugar.
na sua vida prática como também na vida filosófica.
Todas essas pessoas estão apenas passando por ali,
1 O termo movimento, aqui estará sempre sendo usado com a conotação de
o local induz à isso. O movimento predomina.
deslocamento.
Avenida central do Conjunto Eixo Rodoviário, trecho norte; fonte: Frederico Holanda; data desconhecida
28 l
É raro nos deparamos com situações de pausa
As grandes áreas vazias não atuam somente na
e descanso. As poucas atividades realizadas no
questão de aumentar distâncias: elas também
eixo constituem no que Gelh chama de atividades
são capazes de produzir, principalmente no
necessárias: pegar ônibus, abastecer o carro, ir ao
pedestre, um profundo sentimento de exposição
trabalho, voltar para casa. As atividades opcionais
e vulnerabilidade. A vastidão que as grandes
- que não foram programadas e que surgem no
distâncias e vazios que o Conjunto oferece faz
percurso - e sociais - encontros com outras pessoas
com haja dificuldade de experiência-lo de um
- são mínimas. Não há uma pausa mais longa, que
ponto de vista mais humanizado, intimista. Não
seja programada ou imprevisível e espontânea, que
há aconchego, logo é muito mais difícil para o
afete a ação predominante: o deslocar-se .
homem se sentir confortável o suficiente para
No entanto, não é só através da perspectiva do
parar e se recompor. Isso fica ainda mais claro
objetivo/direcionamento que podemos colocar
quando observamos o seu entorno imediato: as
a culpa na falta de possibilidade de descanso.
superquadras com os seus edifícios com pilotis. O pilotis, ferramenta que eleva o edifício do terreno e libera-o no térreo, foi idealizado para que permitisse a passagem e o acesso a todos em nível do solo. Este ambiente amplo poderia relacionar-se com o homem de maneira que este o percebesse mais como um elemento que o induzisse a passagem - movimento - ao invés de um que permitisse o descanso - pausa. No entanto, quando ele é inserido dentro do contexto do CER, percebe-se que o efeito é o oposto. A grande vastidão imposta pelo conjunto faz com que, por contraste, esse elemento se transforme em um local mais íntimo fisicamente. Por mais que ele não ofereça tanta sensação de segurança,
diagrama de relação entre qualidade do ambiente físico e atividades; retirado de “Cidade Para Pessoas”Gehl, 2013.
l 29
se analisado separadamente, ele se apresenta como
o mais próximo de um ambiente acolhedor que se
movimento não abre espaço para a pausa e é
pode encontrar nas proximidades. A escala muda,
a partir da pausa que podemos nos relacionar
e desta forma o pedestre começa a experienciar o
intimamente com algum espaço, e desta forma
ambiente de forma distinta, mais humanizada. É
começar a transforma-lo em um lugar. O Conjunto
um local onde o ser humano acaba se sentindo
Eixo Rodoviário não oferece esse descanso, não
mais seguro para se repousar, mais confortável em
fornece muitos elementos que podem induzir a
diminuir o movimento incessante e se recuperar. A
uma pessoa a se relacionar intimamente com ele.
partir dessa pausa o homem começa a experienciar
É claro que esses momentos podem acontecer
aquele local de forma mais íntima.
devido à imprevisibilidade que é a experiência íntima e a dificuldade de a definir. No entanto, o
experiência íntima
ambiente, por ser essa grande área que incentiva
Experiências íntimas são difíceis de expressar. Elas
o movimento e o deslocamento, não incentiva que
podem ter inúmeras origens e igualmente muitos
esse tipo de relação seja efetuada.
significados. Elas são pessoais e são sentidas profundamente (Tuan, 1983). Elas podem ter
Até mesmo o comparativo feito no tópico anterior
origem em um cheiro, em uma textura, em uma
entre o espaço do Conjunto e o pilotis ajuda a
voz. Experienciar algo intimamente envolve o uso
mostrar como há falta de um ambiente no Eixão
de outros sentidos que não a visão: você toca, você
que permitem esse nível de conexão homem-
sente, você ouve. A experiência íntima é próxima
meio ambiente. Neste caso, as pessoas se descolam
e detalhista. Por mais de ser difícil entende-la
metros e metros para atingir esse local. É lá que
mais concretamente, pode-se perceber que ela
vemos pessoas se encontrando, conversando,
está conectada à pausa, ao descanso. Através do
lendo um livro, brincando. É raro ver essas mesmas
cessar do movimento direcionado é que pode-se
atividades sendo realizadas no eixo. Essa falta de
perceber os pequenos detalhes, e pode-se abrir a
experiência íntima com o Eixão faz com que as
sua realidade para essa forma de experiência. É a
pessoas não atribuam valor a ele. O entendimento
partir desse grau de relação que o homem consegue
dele como apenas um grande espaço vazio que serve
atribuir valor a um espaço.
somente como circulação é mantido e incentivado.
O direcionamento induz ao movimento. O
A passagem por todos os três pontos-base - objetivo/
30 l
direcionamento, ação e experiência íntima deixa claro que o Conjunto Eixo Rodoviário é visto como um espaço muito mais do que como um lugar. No entanto, é importante lembrar que a perspectiva de Tuan a cerca destes dois termos permite uma flexibilidade: um local pode ser os dois dependendo da forma que uma pessoa se relaciona com ele. Mil pessoas podem interagir com ele de tal forma que o caracterize mais como o primeiro; no entanto, uma única pessoa pode se relacionar como o segundo. Portanto, além de ver como essas pessoas interagem com ele sob a perspectiva de lugar, será visto como mais pessoas podem interagir desta maneira. Assim, sendo introduzido a importância de começar a vê-lo e a entende-lo sob essa ótica.
l 31
do espaço imprime prestígio. Imprime ideias de liberdade, poder, sucesso, conquista. Vimos como isso acontece no caso da cidade de Los Angeles.
eixão como lugar
Todos esses preceitos eram ideais para a nova capital a ser construída. Era a imagem que se queria passar para o mundo e para o resto do país;
“O espaço fechado e humanizado é lugar. Comparando com o espaço, o lugar é um centro calmo de valores estabelecidos. Os seres humanos necessitam de espaço e de lugar. As vidas humanas são um movimento dialético entre refúgio e aventura, dependência e liberdade.” (TUAN, 1983 p. 61) Ao lermos essas frases do Tuan chegamos a nos fazer algumas perguntas como “por quê ver o Eixão como lugar?”, ou “qual a importância de qualificalo de outra forma além de espaço, já que o ser humano também precisa de ambientes com essa qualidade?”. No entanto, se as fizermos estamos nos esquecemos de ver o contexto no qual ele está inserido. Brasília foi construída com excesso de espaços. Faz parte de seu próprio ideal fazer uso dessa quantidade excessiva de grandes áreas vazias. Além de pertencer às tendências urbanísticas que aconteciam na época de sua construção, o uso
e o uso contínuo do espaço ajudava a entrega-los. O que é o Eixão senão mais um desses espaços para reafirmar o simbolismo de Brasília? A carência de locais públicos que possuam características de lugar é geral na capital. O homem precisa se relacionar com ambientes que permeiam tanto um conceito como o outro, e, na maior parte da cidade, ele só está interagindo com locais-espaços. Um de dois. O brasiliense percorre enormes distâncias pra ir de um lugar a outro, esta sempre impelido ao deslocamento e experiencia pouco a cidade de forma íntima. Isto é evidente quando observamos o Conjunto Eixo Rodoviário. Portanto, a tentativa de entender como as pessoas interagem e como podem interagir com o Eixão sob a perspectiva de lugar é um meio para começar a pensar mais em locais-lugares. Pensar mais em cidades em uma escala micro e não macro. As ideias contidas no livro de Gehl “Cidade Para Pessoas”, que dizem que o planejamento das cidades e as políticas públicas que atuam no espaço urbano devem se ater mais à escala humana do que
32 l
a qualquer outra, servirão como ponto de apoio
seu meio de transporte, param rapidamente para
para entender e começar a pensar o Eixão sob essa
quem sabe comprar uma água e simplesmente
perspectiva.
continuam seu trajeto. Não há grandes trocas sociais e recreativas. O contato pessoal com o
objetivo e direcionamento
ambiente e com as pessoas é pouco e curto.
Como já vimos, o homem, no dia-a-dia, raramente está se direcionando para alguma atividade
No entanto, algumas atividades que acontecem
específica dentro do CER. A maior parte dessas
no subterrâneo, nas estações de metrô começam
poucas ocupações que existem - como ir para a
a mudar esse sentido de direcionamento. Alguns
parada de ônibus ou para a estação de metrô -,
postos de atendimento de programas públicos
ao invés de promoverem a permanência dessas
são localizados em algumas dessas passagens
pessoas no local, apenas estão afirmando o caráter
subterrâneas ligadas às estações. As pessoas
de passagem que o Conjunto possui. Estão apenas
se deslocam até ali para poder resolver seus
transportando essas pessoas para fora dali. Mais
problemas. Estes postos são seu objetivo. Ali, as
uma vez a escala macro-circulatória de Brasília
pessoas permanecem por um período maior, assim
ganha em detrimento da escala micro, escala
começa a acontecer uma transformação daquele
humana.
espaço em lugar. Isso acontece porque o objetivo atingido leva à pausa e a pausa induz o homem a
Porém, não podemos ser injustos e dizer que as
ter uma experiência mais íntima do local. Devido
atividades que acontecem nessa última escala não
à essa relação de proximidade, o ambiente começa
existem. Elas estão ali. Na superfície do Conjunto,
a ser tratado através de uma escala humana. Da
elas são as barracas de camelô perto das paradas de
mesma forma que essa dinâmica acontece na
ônibus, metrô e perto das passagens subterrâneas.
direção “ objetivo > pausa > experiência íntima”; o
No entanto, elas são muito informais e quase
inverso também é possível. O tratamento do espaço
insignificantes em tamanho e número quando
voltado para a escala humana (criação de um
inseridas nesse grande deserto verde que é o Eixão.
espaço humanizado, acolhedor), cria ambientes
Elas não são capazes de mudar o foco do transeunte
nos quais as pessoas se sentem confortáveis a
por um tempo significativo, elas não possuem
descansar; logo este local pode se tornar uma
essa força. As pessoas que estão ali para pegar o
finalidade.
l 33
Escala humana está profundamente conectado com a noção de experiência íntima - se relacionar com o ambiente e as coisas em vários níveis sensoriais distintos. Desta forma, a escala humana também está ligada às noções de pausa e objetivo.
O número dessas atividades que permitem
para veículos o Eixão é tomado de pessoas que vão
transformar o espaço em lugar é muito pequeno
se exercitar ou que vão apenas curtir um dia ao
na vastidão que é o Eixão. Felizmente, as estações
ar livre. Barracas de comidas, de bebidas e palcos
de metrô nos dão um excelente ponto de partida
para shows ocupam as áreas verdes que são vazias
de como podemos ocupar o local e trazer mais
nos outros dias da semana. Nestes momentos onde
lugares para dentro desse grande e vasto espaço
há uma profusão de atividades e funções em um
que é o eixo. A área do Conjunto por ser extensa e
mesmo espaço, o eixo é enfim humanizado. No
vazia, possibilita que o seu espaço seja utilizado de
entanto, esses períodos acontecem somente uma
maneira à abrigar muito mais funções e atividades
vez por semana, o que não é suficiente para uma
do que realmente possui. O pensar este ambiente
mudança permanente e profunda de perspectiva
como finalidade e não somente passagem,
sobre o Conjunto. Mas é um início.
possibilita criar uma Brasília para o pedestre, possibilita criar uma cidade mais humana.
“Um cidade segura que convida as pessoas a caminhar, por definição, deve ter uma estrutura
Programas como o Eixão do Lazer que fecham
razoavelmente coesa que permita curtas distâncias
a avenida central do Conjunto aos domingo e
à pé, espaços públicos atrativos e uma variedade
aos feriados, já mostram uma tentativa de fazer
de funções urbanas. Esses elementos aumentam a
com que o eixo seja vivenciado através da escala
atividade e o sentimento de segurança dentro e em
humana. Durante os dias que essa via esta fechada
volta dos espaços urbanos.” (GEHL, 2013, p. 6)
34 l
Imagens de um trecho do Eixão em pleno domingo; fonte: Frederico Holanda; data desconhecida
ação
voltar a ver as cidades a partir da escala humana,
Gelh mostra que ao longo dos último 50 anos
a partir da vivência do homem. Voltamos a prezar
houve uma mudança na forma que nós começamos
ambientes que possibilitam essa forma mais
a pensar e a planejar cidades. Mudamos o foco do
orgânica, íntima e humanizada de se relacionar
pedestre para o carro. Essa vivência e permanência
com os pedestres. Ao invés do movimento
do espaço urbano passou a ser deixada de lado e
contínuo, voltamos o nosso foco à pausa e ao
o pensar a cidade se tornou uma mera forma de
descanso que uma localidade pode oferecer.
funcionalismo. Ir de um lugar à outro. O caminho, apenas mecânico, não importava; ele só deveria
Como vimos anteriormente, um local com
ser agradável mas não exerceria nenhum função
qualidades de lugar possibilita, ao homem, a pausa
além dessa. O foco é o movimento. A pausa só
no deslocamento contínuo. Porém, não é só a
é permitida quando você chega ao seu objetivo
partir da ideia da pausa criada ao se um objetivo
pré-determinado. As várias possibilidades de
pré-definido que se é capaz de repousar. Imagine
intervenções de outras atividades ao longo
um homem caminhando por uma rua, retornando
do caminho são suprimidas: a efetividade e
para sua casa depois de um dia de trabalho. O
agradabilidade do espaço urbano é só o que
seu objetivo é a sua casa; no entanto, ao longo
importa. Brasília, como o Eixão, estão inseridos
do seu caminho, diversas outras atividades estão
nessa forma de pensamento. Felizmente, nos
se desenrolado. Jovens sentados em uma praça
últimos anos começou a crescer o movimento de
conversando, crianças brincando, uma peça de rua
l 35
acontecendo logo a frente, músicos se apresentado,
Quando colocamos nossos olhos sobre o Conjunto
inúmeros restaurantes e lojas funcionando.
Eixo Rodoviário, percebemos que ele pode sim
Apesar do homem estar se direcionando à sua
fornecer algumas, mesmo que sejam muito poucas,
casa há diversas outras atividades acontecendo no
atividades que possibilitam essa pausa através
seu caminho que são capazes de dete-lo por um
do ponto de vista de objetivo/direcionamento
instante ou mesmo faze-lo parar para descansar
pré-determinados. No entanto, a possibilidade
e observa-las, podendo até induzi-lo a participar
de pausa e descanso do movimento por meio de
dos seus eventos. No caminho as escolhas são
atividades imprevisíveis que surgem no caminho,
múltiplas, há diversos locais que possibilitam
como as do exemplo anterior, é quase inexistente.
que ele para de se deslocar e se atenha ao que
No dia-a-dia as barracas dos camelôs podem se
está acontecendo, é neste momento que ele para
assemelhar a isso; porém, elas não são sozinhas
de interagir impessoalmente com o ambiente e
para proporcionar sozinhas uma pausa ou algum
passa a se relacionar de forma íntima. Gehl exalta
interesse prolongados.
essa perspectiva quando, em seu livro “Cidade para Pessoas”, ele diz que grande parte do que é
No caso do Eixão do Lazer, essa dinâmica, que o
necessário para a existência de uma vida urbana
homem esta voltando para casa presencia, aparece
de qualidade consiste na possibilidade de variadas
com mais força. No entanto, um único dia por
interações sociais e recreativas.
semana de efetividade novamente não é suficiente para garantir uma vida urbana de qualidade.
“Uma característica comum da vida no espaço da cidade é a versatilidade e a complexidade das atividades, com muito mais sobreposições e mudanças frequentes entre caminhada intencional, parada, descanso, permanência e bate-papo. Aleatoriamente e sem planejamento, ações espontâneas constituem parte daquilo que torna a movimentação e a permanência no espaço da cidade tão fascinantes. Enquanto o caminhamos para nosso destino, observamos pessoas e acontecimentos, somos inspirados a parar e olhar mais detidamente ou mesmo a parar e participar.” (GEHL, 2013 p. 20)
36 l
experiência Íntima
uma superquadra pode se afeiçoar a um banco que
Se o Eixão não consegue fornecer muitas
todo dia ali senta fica olhando os carros passarem.
possibilidades de pausa e descanso para o homem,
Um casal pode ligar aquela árvore específica ao
consequentemente a forma com o ser humano
início do seu namoro. Apesar da ausência de um
se relaciona com o ambiente é raramente íntima
objetivo, de um direcionamento, de uma pausa;
e próxima. Esta experiência vai ser mais direta e
qualquer pessoa pode criar sua experiência íntima,
impessoal do que subjetiva e humanizada (TUAN,
transformando aquele pequeno local, que para
1983), ao contrário do que vimos acontecer no
muitos consiste num espaço, em lugar.
exemplo do homem que retorna a sua casa do trabalho; que permeado de atividades ao seu
Esses lugares, por mais que existam e possam
redor, para e passa a interagir intimamente com o
ser simbólicos para uma pessoa ou um pequeno
ambiente.
grupo, não são lugares comuns à comunidade, não são locais que varias pessoas podem se conectar
No entanto, Tuan nos lembra novamente que
e atribuir valor. Por mais que para uma pessoa
a experiência é algo extremamente difícil de
aquele lugar tenha valor inestimável, para o resto
expressar. Portanto, por mais que ela possa se
da população ele não passa de mais um banco, uma
conectar bastante com a ideia de pausa e descanso,
árvore, um espaço indiferenciado. A necessidade
a intimidade que cada pessoa pode criar com o
de ambientes que trabalhem com a escala humana é
Conjunto é ilimitada. Uma pessoa que mora em
essencial para criar mais lugares que sejam capazes
l 37
de se relacionar intimamente com várias pessoas, que sejam capazes de oferecer essa possibilidade a um coletivo, e não a somente um indivíduo. O foco na escala humana permite criação de novos objetivos, de pausas, pré-determinadas ou não. Permite que mais pessoas atribuam valor ao local, o significando. Talvez o ponto que mais seja influenciado por programa como o Eixão do Lazer seja este. O que essa prática mais fornece de valioso é o fato de que, por mais que sejam eventuais, essas atividades, que acontecem ali todos os domingos e feriados, permitem que a comunidade como um todo possa começar a se relacionar mais intimamente com o espaço. Aos poucos, a cada dia que a avenida está fechada ao veículos, essa relação cresce e fica mais forte, se enraizando na população que o frequenta. As pessoas começam, de forma muito mais lenta do que seria se essa oportunidade fosse diária, a atribuir valor e significado ao local. Essa prática permite que o brasiliense se conecte com o Eixão de maneira que não é capaz na sua vida diária, e que nunca seria se não fosse a iniciativa de privilegiar o pedestre, mesmo que somente um dia, na cidade feita para carros que é Brasília.
38 l
conclusĂŁo l 39
40 l
o experiencie desta forma. O CER, na maior parte não é visto como um lugar afetivo. A presença de práticas como o Eixão do Lazer, começam a mudar esse cenário; no entanto, são práticas eventuais que não permitem que o sentimento de proximidade Ao longo dessas várias páginas, procuramos entender o Eixão a partir dos conceitos de espaço e lugar de Tuan. Tendo sempre claro que esses termos estão atrelado à experiência humana, procuramos entender como essas perspectivas eram compreendidas a partir da relação entre o homem e o eixo. Começando pela falta de uma delimitação do seu espaço físico, vimos que, o eixo apresenta mais qualidades que o conceituam como um espaço do que como lugar. Percebemos que o rodoviarismo excessivo, a vastidão do seu espaço e a falta de funções diversas, fazem com que o Eixão trabalhe numa escala macro, pouco se atentando à escala micro do pedestre. Esse descuido com a escala do pedestre, dificulta o processo de experienciar-lo intimamente. As pessoas somente passam pelo ambiente, sua relação com ele é majoritariamente impessoal e conceitual. A falta da possibilidade de conhecer o eixo de forma mais próxima e humana, impossibilita que as pessoas o dotem de valor e significado, transformando espaço em lugar. Quando observamos o Conjunto sob a perspectiva de lugar, vimos que realmente há pouco momentos que possibilitam que o pedestre
l 41
com a via seja mantida por muito tempo. Se um quadrado é formado pelos ângulos e linhas que o delimitam, hoje, o Conjunto Eixo Rodoviário é experienciado como o vácuo que preenche o quadrado. Ele serve para preencher uma ideia, uma forma, mas ele em sozinho não é nada. Ele é o entre-lugares. Ele é o que conecta os diversos setores. Ele é o que possibilita as várias funções da cidade de funcionarem. No entanto, na maioria do tempo ele não é visto como um objeto independente capaz de fornecer aos habitantes uma gama de atividades e experiências intimas e completas. Todos os dias, exceto domingos e feriados, ele é somente um grande conector. Como vimos previamente o lugar é um símbolo em si, enquanto o espaço ajuda na construção de um símbolo. O espaço preenche o significado de um símbolo, ele ajuda a forma-lo e é exatamente isso que o Eixão faz: preencher o símbolo que Brasília representa. Como acontece em Los Angeles, o uso do espaço em Brasília nada mais é que uma ferramenta para fomentar ideias de modernidade,
“A proposta da mudança da capital do Brasil congregou o otimismo desenvolvimentista de um país que parecia assumir de uma vez um papel de destaque na modernização mundial, traduzindo na imagem de Brasília: a alvorada.” (BRAGA, 2010, p. 7)
“[…] 1. O único para uma capital administrativa do Brasil. […] 6. Tem o espírito do século XX: é novo; é livre e aberto; é disciplinado sem ser rígido.” (Comentários do Júri do concurso para a nova capital, sobre a proposta de Lucio Costa, 1957)
progresso, liberdade, prestígio; conceitos ideias
atenção a como as pessoas interagem intimamente
para representar a nova capital do Brasil e seu
com esse espaço. A escala monumental é exaltada e
“iminente" progresso. Se espaço no Ocidente é
a escala humana vem em segundo plano.
frequentemente visto como símbolo de poder, liberdade e possibilidades, o uso excessivo dele em
Precisamos perceber que o jeito no qual podemos
Brasília é compreensível. Era exatamente isso que
compreender e trabalhar o espaço físico do Eixão
se queria para a nova capital.
depende muito do que queremos para as nossas
O Conjunto Eixo Rodoviário ajuda a preencher
cidades. Se quisermos dotar o Conjunto de um
esse símbolo conceitual e abstrato que é Brasília.
significado próprio, independente de sua função
No entanto, ele sozinho não é nada além de
circulatória e conectiva com a cidade, é necessário
uma barreira para os pedestres. Ele não possui
que comecemos a ver-lo como um lugar concreto
um simbolismo próprio. O Eixão é da Brasília
e não como um espaço indiferenciado. Essa
conceitual e não da Brasília vivenciada. O Eixão é
mudança de percepção está atrelada à mudança de
de Brasília e não dos brasilienses. Enquanto há uma
escala. É necessário que comecemos a pensar na
preocupação muito grande em entender a cidade
escala humana.
através de um plano conceitual, há uma carência na
Atualmente uma das maiores resistências à essa
42 l
mudança de percepção, à essa mudança de escala
inquietação?
de ambientes como o Eixão em Brasília, é a questão patrimonial. Por ter recebido o título de patrimônio
A questão é que sempre irão existir resistências
mundial da UNESCO em 1987 quando tinha pouco
como essas. No entanto, ver os ambientes da
mais de 20 anos de idade, a cidade passou por um
nossa cidade como espaço ou como lugar é um
processo de patrimonialização bastante peculiar
passo pra entender profundamente como nós
(PERPÉTUO, 2015). Esse processo conturbado
nos relacionamos com eles. Precisamos começar
criou várias divergências quando fala-se em
a pensar em como queremos esses espaços e o
Brasília tombada. Alguns defendem que a portaria
que eles podem representar para nós. Precisamos
nº 314/92 e o decreto nº 10.829, que determinam
começar a questionar se atitudes que congelam
a preservação e tombamento da cidade, por terem
completamente a cidade em um plano, que nem
sido documentos com o propósito de serem
foi completamente concretizado, são relevantes
provisórios, deveriam ser reavaliados e alterados,
para criar a cidade que queremos.
permitindo uma maior flexibilidade na preservação
.
da cidade (PERPÉTUO, 2015). Outros defendem
O que esse trabalho está propondo é que
que esses documentos não podem ser tocados e
comecemos à olhar o Eixão de um ponto de vista
alimentam uma canonização do projeto de Lucio
antropológico, humano, sensitivo. Durante anos
Costa, impedindo assim que quase qualquer
percorremos e incorporamos o caminho técnico,
mudança seja possível no espaço do Plano
cognitivo e estrutural sem se preocupar com
Piloto. No entanto, se no próprio relatório estava
o espectro menos óbvio e objetivo do mundo.
prescrito que o Eixo Monumental deveria possuir
Desde a idealização da cidade até os dias de hoje,
passagens para pedestre subterrâneas como o Eixo
Brasília foi banhada por essas ideias. No entanto,
Rodoviário, mas que atualmente esse cruzamento
vivemos atualmente em um mundo que questiona
é feito na superfície por meio de semáforos; qual é
em vários sentidos o enfoque que demos durante
o parâmetro que define o que deve ser seguido e o
décadas ao progresso e avanço técnico/cientifico,
que não convém seguir da proposta de Costa? Por
desconsiderando o fato que é o homem o foco
que em um dos eixos permite-se essa alteração e
de tudo que fazemos. Em cidades como Brasília,
em outro só a mera menção a modificar o caráter
privilegiamos a circulação dos carros do que
atual do Eixão é suficiente para causar enorme
a dos pedestres. Criamos áreas e mais áreas
l 43
vazias que quase impossibilitam as pessoas de se
partir dessas perspectivas enriquecem ainda mais
relacionarem intimamente com o espaço e com
essa discussão.
outras pessoas. O homem é um ser social que só é capaz de viver em sociedade. (ARISTÓTELES).
Ao fim de todo esse percurso proponho uma
No entanto, criamos cidades que distanciam as
reflexão: qual o símbolo que você acha que o
pessoas das áreas públicas, por elas serem tão
Eixão poderia ter? Talvez essa resposta seja um
“áridas" e pouco desenhadas para o pedestre, e
símbolo da vida urbana, promovendo atividades
as isolam em pequenas máquinas de locomoção
funcionais, recreativas e sociais, como diria Gehl.
ou em compartimentos de morar, “a maquina de
Talvez seja símbolo de uma nova abordagem sobre
morar” (LE CORBUSIER, 1924). Criamos cidades
o urbanismo moderno ou até mesmo de infra-
uni-dimensionais onde suas áreas públicas são
estrutura verde. As possibilidades são infinitas e
somente espaços e não lugares. Precisamos criar
é só vendo-o como lugar e não como espaço que
cidades mais humanas e mais pluralizadas.
é possível que comecemos a pensar em outras significações para o Conjunto Eixo Rodoviário.
O Eixo Rodoviário, justamente por ser esse grande espaço vazio, tem grandes potenciais. Ele pode vir a ser esse elemento que proporciona uma vida urbana rica de atividades e encontros, tudo depende que como iremos atuar nele nos próximos anos. Esse trabalho é um convite para que possamos mudar o olhar que temos sobre o Conjunto e até sobre Brasília. A metodologia usada nesse trabalho, a perspectiva do Tuan, é uma das formas que permitem entender e começar a ver Brasília e o Eixão desta maneira, mas não é a única. Por ela ser enxuta e trabalhar apenas algumas questões que concernem o CER, ela não permitiu que questões como segurança, mobilidade, preservação fossem mais abordadas. Trabalhos que tratem o eixo a
44 l
referĂŞncias l 45
46 l
BRAGA, Milton. O Concurso de Brasília. São Paulo, Cosac Naify, 2010. COSTA, Lucio. Relatório para o Plano Piloto de Brasília. In: ArPDF, CODEPLAN, DEPHA (org). Brasília, GDF, 1991. COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Projeto, Revista Brasileira de Arquitetura, Planejamento, Desenho Industrial, Construção, no 100: ISSN 01011766, 1986/1987. FICHER, Sylvia; PALAZZO, Pedro Paulo. Os Paradigmas Urbanísticos de Brasília. Cadernos PPB-AU. Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2005. GEHL, Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013. JUNG, Carl G.. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008. PERPETUO, Thiago Pereira. Uma cidade construída em seu processo de patrimonialização: modos de narrar, ler e preservar Brasília. Rio de Janeiro, 2015. ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília-Patrimônio. Cidade e arquitetura moderna encarando o presente. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 149.07, Vitruvius, out. 2012. SANTOS, Milton. Brasília, a Nova Capital Brasileira. Actes du colloque sur le problème des capitales en Amérique latine. pp. 369-385. In: Caravelle, n°3, 1964. SICCA, Amanda. De L à W: Requalificação do Eixo Rodoviário de Brasília. Trabalho final de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Brasília, Universidade de Brasília, 2016. TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a Perspectiva da Experiência. São Paulo, Difel, 1983. l 47
48 l
l 49
50 l