Canção, educação e cidadania

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Canção, Educação e Cidadania: Como pensar uma formação crítica através da música Julia Pinheiro Andrade

Resumo Este trabalho discute os valores da cidadania e da vida urbana metropolitana através da música. Acreditamos que uma das maneiras mais eficientes de problematizá-los na educação pode se dar pelo exercício de um direito fundamental: o acesso e a fruição das tradições culturais brasileiras. Assim, consideramos a experiência estética proporcionada por canções sobre a cidade de São Paulo como forma de refletir, a um só tempo, sobre valores fundamentais de uma formação crítica e sobre a singular contribuição da música à formação cultural brasileira. Palavras-Chave: Educação para cidadania – canção – experiência estética – formação crítica

Abstract This work discuss the citizenship’s and the urban life’s values through music. We belief that one of the most efficient ways to put in question this values on education could be thought the exercise of an fundamental right: the access and fruition of the Brazilian’s cultural traditions. Thus, we consider the aesthetics experience proportionate by songs about the city of São Paulo as a form to reflect, at the same time, about fundamental values of a critical formation and to reflect about the singular contribution of music to the Brazilian cultural formation. Key words: Education to citizenship – song - aesthetics experience – critical formation

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Como qualificar, ampliar e aprofundar o olhar para o presente da geografia da cidade de São Paulo, aparente caótica acumulação de tempos, tornando-o denso, crítico e, o mais possível, autônomo, desperto para ver seus espaços de liberdade? De que maneira a

 Mestranda em Filosofia e Educação pela FEUSP e bolsista pela FAPESP. Contato: juliapa@uol.com.br. Artigo escrito em 2004.

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educação escolar pode contribuir para a formação desse olhar sobre as difíceis questões da cidade e da cidadania? Este trabalho consiste em um conjunto de notas de pesquisa que visam responder a esse par de perguntas – e tantas outras – mediante o seguinte projeto: a tentativa de alargar a experiência de formação (escolar) do olhar crítico (reflexivo, questionador, criativo, sensível) mediante o investimento na cultura escolar da escuta (qualificada, é claro, por semelhantes predicados). Trata-se, portanto, de um trabalho que se realiza pela reflexão sobre dois campos simultâneos de objeto: de um lado, sobre o campo das práticas pedagógicas, ao considerar diferentes concepções de cultura escolar e defender uma visão humanista e ampla de educação e, de outro lado, sobre o campo das artes e da cultura, ao se debruçar sobre parte da mais pública das manifestações da cultura brasileira: seu acervo de canções populares. No conjunto, apresentaremos, aqui, noções gerais de nossa pesquisa para a dissertação de Mestrado em Educação pela FEUSP, no qual procuramos pensar a história e a geografia da cidade de São Paulo através da análise estética de alguns de seus cancionistas, especialmente três: Adoniran Barbosa, Tom Zé e Racionais MCs.

Centralidade do Conceito de Experiência Nosso estudo parte do ensino da “experiência urbana” da vida na cidade de São Paulo através de três tipos de canções: o samba, o experimentalismo tropicalista e o rap. Trata-se de figurar algumas imagens da experiência da cidade em três momentos críticos de seu desenvolvimento urbano contemporâneo: as décadas de 1950, 1960 e 1990. Ao tomar como objeto imediato de ensino a fruição, a comparação e a análise de canções cuja forma estética organiza de modo específico a experiência urbana da vida na cidade, é possível introduzir os educandos em um processo de “letramento” geográfico, histórico, social e político facilitado pela mediação de uma forma cultural. Como afirma Oakeshott (1968), “nada sobrevive nesse mundo sem o apreço humano”. Por isso mesmo, se os alunos não forem introduzidos ao apreço da cultura, da cidade e da democracia, dificilmente seus valores fundamentais poderão ser preservados e lapidados ao longo do tempo.1 Não poderia ser outra a justificativa dessa pesquisa: reintroduzir na prática escolar e na reflexão (conceitual) sobre esta prática temas 1 Na mesma perspectiva escreve Hannah Arendt: “(...) o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores; ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em um mundo em contínua mudança” (Arendt, 2000, p. 239).

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esquecidos da escola: território, cidade, experiência, música e, por que não, alegria.2 Queremos sustentar que a (re)fundação do espaço público de encontros e transmissão de cultura numa cidade apartada como São Paulo (índice da difícil experiência formativa de um país como o Brasil) tem na rede escolar pública talvez seu, senão o último, ao menos o mais resistente e profícuo bastião. Para fundamentar os princípios da educação comprometida com os ideais democráticos e com a vida pública, John Dewey desenvolveu uma teoria da experiência de forma a responder a seguinte questão: “como poderá o jovem conhecer e familiarizar-se com o passado de modo tal que este conhecimento se constitua poderoso fator de sua apreciação e sentimento do presente vivo e palpitante?” (Dewey, 1976, p. 7). Propomo-nos a retomar tais indagações deweyanas, porém não de seu ponto de vista pragmático, da concepção do “learning by doing”, mas sim desde uma certa perspectiva da teoria crítica de inspiração benjaminiana. Conseqüentemente, uma tarefa dessa pesquisa será elaborar um quadro teórico centrado no conceito de experiência que seja, a um tempo, estético, filosófico, pedagógico e sociológico. Isto, porque visamos pensar a condição urbana da vida e da possibilidade de formação para o mundo público na cidade de São Paulo, hoje, cidade blindada e apartada por muros e pelas mais perversas formas de violência, privação e segregação.3 Por essa razão, procuraremos articular o pensamento de diferentes autores (sobretudo em torno de Benjamin) que consideraram a questão da perda da experiência 4 e as possibilidades de sua (re)fundação em um processo formativo de um país periférico no sistema capitalista, como o Brasil.5 Na contemporaneidade, os postulados da formação de um sujeito autônomo, como ideal de indivíduo moderno saído de sua “menoridade crítica” para o campo de liberdade da esfera pública (Kant, 1995), encontram-se amplamente em crise. Com o avanço da massificação, dos regimes autoritários e da indústria cultural, foi se tornando duvidosa a continuidade de projeto de formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente. Há, por exemplo, teóricos que vêem o projeto moderno como inacabado (Habermas, 1997), como esgotado ou fechado (Lyotard, 1987) ou como

2 Sobre o tema da alegria e da música (joie) na escola, cf. Snyders, 1988. 3 Para mais detalhes desse tema, cf. Caldeira, 2000; Maricato, 2000; Rolnik, 1997 e 2001; Kovarick, 1993; Casseano et alli, 2000. 4 Cf. Benjamin, 1977, 1984, 1996; Baudelaire, 1997; Berman, 1995; Gagnebin, 1995, 1997; Adorno, 1995; Harvey, 1989; Lyotard, 1989; Sennett, 1999; Lefort, 1999; Dewey, 1976; Dubet, 1994. 5 Por diferentes entradas nesse tema, consideramos as contribuições de Carvalho, 2004; Calvalcanti et alli, 2004; Wisnik, 2004; Rolnik, 2001; Maricato, 2000; Martins, 2000; Schwarz, 1999; Oliveira, 1998; Santos, 1994.

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recalcado e estilhaçado em cacos (Benjamin, 1996). Como, então, pensar esse diagnóstico mediante a realidade brasileira, em que tal atitude crítica e problematizadora, que define a modernidade (Foucault, 1984, pp. 344 e 345), mal chegou a acontecer nas instituições públicas em geral e, menos ainda, em uma dimensão crucial à formação de sujeitos autônomos - a educação pública?

Canção e educação A escola representa um espaço institucional de introdução à cultura letrada em que profundos processos de socialização, reciprocidade e conflitos podem ser elaborados de forma pública, ou seja, por meio da razão e do diálogo. Antes da universalização democrática de seu acesso (que correspondeu ao processo de massificação do ensino),6 apenas a música e os espaços de sociabilidade das festas populares puderam desempenhar esse papel dialógico no Brasil, como sugere a antropóloga Alba Zaluar (2000). Suas hipóteses procuram justamente mostrar como que, numa sociedade de base escravista e, portanto, analfabeta, a incorporação da população à modernidade cultural teve de passar por registros necessariamente ligados ao corpo, ao gesto e à fala antes que pudessem decantar em letra. No mesmo sentido, mas de um ponto de vista habermasiano, temos o trabalho de Maria Célia Paoli (2004), segundo o qual, no Brasil, a canção popular urbana teria cumprido o “trabalho simbólico e imaginário de construir um referencial de interpretação da vida privada popular, coisa que, nas sociedades onde a modernidade se originou, foi tarefa da literatura moderna” (Paoli, 2004, p. 74). Embora sob a variação de argumento, é de domínio público a opinião - e mesmo a convicção - de que a música popular é uma expressão fundamental da cultura brasileira, sobretudo sob a forma de canção, decantada ao longo de complexos processos musicais, sociais e econômicos no século XX. Na síntese do historiador Marcos Napolitano: 6 O único equipamento público que se tornou universalmente oferecido às crianças e adolescentes de nossas cidades é a escola. Segundo dados do MEC, em 2002, 96,5% das crianças em idade escolar obrigatória (dos 7 aos 14 anos) estão matriculadas no sistema de ensino. Isso quer dizer que, mal ou bem, a escola se tornou um equipamento social que efetivamente penetra o território brasileiro. Em pouco mais de 20 anos, o processo de democratização do acesso ao ensino deu largas passadas (basta conferir em qualquer família brasileira média, os graus de instrução nas últimas 3 gerações). Por um lado, essa realidade se deve a sucessivas políticas de Estado, notadamente àquelas do desenvolvimentismo militar – no qual deslancharam também acordos com órgãos internacionais (como o BID e o Bird) e incentivos à rede privada de ensino. Por outro lado, através da pedagogia da política, os movimentos sociais forçaram a política da pedagogia a abrir o ensino público a toda população. Da escola aristocrática, que oferecia muito saber a poucos, passamos à hegemonia da escola contábil, que oferece pouco saber a muitos. Nesse movimento, porém, os movimentos sociais afirmam seu direito à cidade e, com isso, forçam a negação da apropriação privada (elitista) de escolas, do saber e das infraestruturas urbanas necessárias à sua socialização. Cf. Sposito, 1992; Bomeny, 2001 ; Andrade, J., 2002.

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“A música, sobretudo a chamada ‘música popular, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e regiões que formam nosso mosaico nacional. Além disso, a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de utopias sociais” (Napolitano, 2002, p. 7).

A música popular brasileira, dinamizada pelos meios técnicos do rádio e das gravadoras (sistema fonográfico) e, depois, da televisão, operou ao menos três grandes operações estéticas neste último século: a consolidação do gênero samba, nos anos 192030, de onde saíram muitas implicações musicais e ideológicas para a vida cultural nacional;7 o surgimento da bossa nova, no final dos anos 1950, a operar uma triagem na “voz da fala” e na “fala da voz” (Barthes, 1984; Tatit, 2004) da música brasileira e a realizar uma apropriação do cool jazz de modo a alcançar um resultado definidor de nossa MMPB – Moderna Música Popular Brasileira; e o acontecimento turbilhonante do tropicalismo, no final dos anos 1960, que processou a mistura da MMPB com o pop internacional das guitarras, com a levada do iê-iê-iê, com os happenigs, com a atitude dos ready-made, com pérolas da literatura brasileira, com a poesia concreta, com o Cinema Novo, com a recuperação da música “cafona” pré-bossa nova, pondo tudo isso no cadinho de uma operação antropofágica muito própria (Favaretto, 2000). Depois disso, a música brasileira nunca mais foi a mesma e, tudo que é feito hoje, no contemporâneo, reelabora, reinventa e dialoga com esse passado.8 Tais questões talvez bastassem como justificativa para um trabalho sistemático com canções no currículo escolar. Muito além disso, porém, a própria linguagem cancional oferece interesse a múltiplas disciplinas, das ditas “exatas” às “humanas” e “biológicas, pois a canção a) apresenta uma estrutura formal definida, basicamente, segundo parâmetros 7 Hermano Vianna (2002) mostra como se deu a invenção ou construção social do samba como “gênero nacional” num momento em que, política e ideologicamente, a moderna acepção da identidade nacional brasileira também era social e culturalmente inventada, sobretudo por obra das instituições políticas públicas e autoritárias da Era Vargas. Já Tatit (2004, pp. 143-175) evidencia como o samba partia da formalização estética de um modo de dizer de cuja matriz saiu um “prumo para a composição de canções que até hoje serve de referência aos artistas de maior apuro técnico” (Tatit, 2004, p. 174), como João Gilberto. Da seresta, passando pelo samba-canção às marchinhas de carnaval, há um esquema “fórico” das acelerações ou desacelerações do “samba-samba”, o qual conseguiu estabilizar melodicamente, com eficiência e naturalidade, a entoação temática de nossa língua como poucos gêneros na música brasileira. 8 O rap dos Racionais, por exemplo, partiu das experiências pop da black music de Tim Maia (do lp Manifesto Racional, de onde tiraram inclusive seu nome) e do suingue sambado de Jorge Ben (hoje, “Jor”).

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de pulso (freqüência), ritmo, duração, intensidade, altura (para a melodia, a harmonia basicamente); b) articula um conjunto infindável de temas da vida coletiva, individual, natural, psicológica, metafísica enfim, um conjunto de temas riquíssimo que interessa a qualquer disciplina educativa e a escola como um todo, se a considerarmos enquanto instituição pública de cultivo da cultura local, regional ou nacional; c) permite a organização estética de séries analíticas sobre processos históricos, políticos e sociais de relativa facilidade de operacionalização, pois, além da formação do professor, depende de um aparelho de som e de cds gravados com as faixas em questão; d) o trabalho com canções passa a dar relevo filosófico, ou seja, crítico-analítico, a esse objeto cultural tão difundido enquanto linguagem viva da cultura brasileira que, porém, estranhamente, ainda não ganhou o devido tratamento acadêmico em nosso país. Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de ensaios e trabalhos acadêmicos das mais diversas áreas que tomam a canção popular brasileira como objeto de estudo e crítica (Napolitano, 2002; Teresa, 2004). Na medida em que chegava ao fim o “século da canção” (Tatit, 2004), em que basicamente todos os matizes da vida nacional haviam sido cantados e decantados em diferentes pulsos, dicções, timbres e ritmos, ganhando uma circulação social e cultural singular pelos meios de comunicação, foi-se tornando evidente a necessidade de avaliar essa tal qualidade de experiência condensada esteticamente. A música popular no Brasil, como poucas expressões artísticas, conseguiu organizar modos universalmente acessíveis de experiências do corpo e do desejo profundamente definidores de nossa “cor local”. Como mostrou José Miguel Wisnik (2004), as canções populares foram forjando uma rede de “recados” e diálogos entre compositores, intérpretes, escritores, poetas e figuras da vida pública bastante singular. Essa maneira de sinalizar a vida cultural do país, mais do que uma forma viva de expressão constitui-se como “uma nova forma de ‘gaiaciência’, isto é, um saber poético-musical que implica uma refinada educação sentimental, mas também, uma ‘segunda e mais perigosa inocência na alegria’” (Wisnik, 2004, p. 218). A canção, assumindo diferentes ethos e pathos, codifica pulsos profundos da cultura de modo a potencializar as referências assumidas como matéria melódica. Assim, as canções estão se evidenciando como “matéria de um experiência de profundas conseqüências na vida cultural brasileira nas últimas décadas” (idem). O corpus de nossa pesquisa foi pensado a partir do presente, do lugar onde sobrevivemos, vivemos e trabalhamos. Assim, pretendemos avaliar a rede de recados dos

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cancionistas de São Paulo, cidade ícone do desenvolvimento e da crise nacional. Dentre outros, são eles: Geraldo Filme, Adoniran Barbosa, Premeditando o Breque, Grupo Rumo, Rita Lee, Tom Zé, Arnaldo Antunes, Titãs, José Miguel Wisnik, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Mamonas Assassinas e Racionais MCs. Como é impossível darmos conta de todas essas variações musicais, elegemos três de seus momentos, com base na correspondência que permitem estabelecer com as grandes inflexões históricas tanto do desenvolvimento da cidade, quanto da canção no Brasil: o samba urbano paulista, através do estudo da dicção de Adoniran Barbosa (década de 1950); a canção tropicalista, através da dicção do primeiro lp de Tom Zé, de 1968 (década de 1960); e o rap, uma das fortes vertentes da música popular contemporânea, através da dicção dos Racionais MCs (década de 1990). Em certa medida, essa visada nos permite avaliar a arcada estético-histórica do que Wisnik (2004) chamou de “música popular paulista”, curiosamente composta por paulistas de nascimento e migrantes de toda cor e matiz. A partir de mais ou menos 1950, São Paulo será, com efeito, o símbolo nacional da mistura de população e da aceleração de processos de modernização em ampla escala.9

Decantação da experiência São conhecidas, de longa data, pesquisas em torno das relações entre estética e educação, ou mais amplamente, entre cultura e educação.10 Em Education Through Art, Herbert Read (1958) propõe tal reflexão apresentando sua origem em Platão, cuja tese da arte como base para toda a educação (e formação, no sentido de Paidéia) é então reapresentada como princípio necessário à humanização do homem contemporâneo. A arte, 9 Pensando nisso, Roberto Pompeu de Toledo (2004) prefacia sua história se São Paulo a partir da interpretação das duas canções que ganharam o concurso do SP-TV, da Rede Globo, para eleger a música que melhor representaria a cidade. A ganhadora foi “Trem das Onze” (1964), de Adoniran, e o segundo lugar foi para “Sampa” (1978), de Caetano Veloso. Segundo Toledo, embora em dicções muito distintas, ambas codificariam o signo do movimento, da mudança, do estranhamento e da aceleração como características fundamentais da cidade, sem, no entanto, deixar de estar profundamente embebidos por ela “ (...) em Sampa a perturbação que o compositor sente diante de São Paulo tem uma contrapartida – a atração. Tanto quanto estranheza, a letra sugere um caso de sedução pelo grande e o desconhecido, e pela promessa de enriquecimento neles contida. E que, em Trem das Onze, em paralelo ao drama, transcorre uma comédia, estrelada por um sujeito inseguro, perdido entre seus afetos e lealdades, incapaz de superar obstáculo tão comezinho quanto um horário de trem. Conclusão: São Paulo pode ser perturbadora como em Sampa e opressora como em Trem das Onze, mas também sedutora como em Sampa e divertida como em Trem das Onze” (Toledo, 2004, pp. 19 e 20). 10 Cf. Read, 1958; Wojnar, 1966; Snyders, 1988, Schiller, 1963. Em uma perspectiva diversa, mas em diálogo com essa questão cf. Adorno, 1995 e Lefort, 1999. Embora não tratem especificamente de pedagogia, Alfredo Bosi e Antonio Candido se referem ao tema ao considerarem o direito à cultura letrada e sua relação com outras formas de cultura no Brasil para a formação de uma sociedade verdadeiramente democrática. Cf. Bosi, 1995 e Candido, 1995.

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compreendida em ampla variedade de manifestações (música, dança, teatro, artes plásticas, artesanato, prosa, poesia etc), apresenta uma ordenação e uma fabulação do mundo e da natureza de modo a desenvolver, a um só tempo, a sensibilidade, a intuição, os sentimentos e o pensamento. Nesse sentido, o fazer e o saber artísticos se tornam fatores de “humanização do homem”, aproximando-o de si mesmo exatamente por ser um produto de sua ação e reflexão sobre o mundo e sobre a natureza, ou seja, um objeto culturalmente construído. Tratando da literatura em sentido amplo, Antonio Candido faz as seguintes considerações, também aplicáveis à arte de modo geral: “Alterando um conceito de Otto Ranke sobre o mito, podemos dizer que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. (...) A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fortalecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (...) Isto significa que ela tem um papel formador da personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. (...) Em palavras usuais: o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si, virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o produtor escolheu uma forma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também se ordena e a mensagem pode atuar. (...) Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver” (Candido, 1995, pp. 242-244).

No caso da música, e no que nos importa considerar, da canção, tais considerações implicam a articulação de som e sentido, seja na harmonia, na melodia, no arranjo ou na letra, concorrendo para o êxito da forma estética. Como afirma Wisnik (2002), autor chave para nossa compreensão do aspecto pulsional profundo da música, esta “não refere nem nomeia coisas visíveis, como a linguagem verbal faz, mas aponta com uma força toda sua para o não-verbalizável; atravessa certas redes defensivas que a consciência e a linguagem cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do mental e do

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corporal, do intelectual e do afetivo. Por isso mesmo é capaz de provocar as mais apaixonadas adesões e as mais violentas recusas” (Wisnik, 2002, pp. 28). A canção, porém, é um gênero estético híbrido, compreendendo aspectos formais e expressivos da literatura (notadamente, da poesia) e da música. Nesse sentido, nosso trabalho deve se dedicar sempre a essa dupla dimensão de fruição e análise das experiências formalizadas esteticamente nas canções populares. À superação da barbárie objetiva a que vem se convertendo a vida na cidade de São Paulo corresponde uma rememoração, uma “perlaboração” de vivências para torná-las assim, experiências assimiladas,11 como numa busca sem fim, porém não sem finalidade, de suas condições histórica (Lyotard, 1989, pp. 38 e 39). Apenas para enumerar assuntos e matérias, sem ainda considerar propriamente as canções, podemos indagar como a cidade de Adoniran Barbosa, em que se ia caminhando a festas na vizinhança (“No Morro da Casa Verde”, “Fica mais um pouco amor”), em que havia muita solidariedade e reciprocidade na vida das camadas mais pobres dos trabalhadores da cidade (“Vide Verso meu Endereço”), onde a dor é lembrada em samba passional como forma de esquecimento, de amar e assimilar a cicatriz (“Saudosa Maloca”, “Despejo na Favela”), e em que os temas do amor e da alegria eram amplamente cantados (“Tiro ao Álvaro”, “Trem das Onze”, “Samba do Ernesto”, “Vila Esperança”), apesar de acidentes, “apagões” e desencontros (“Iracema”, “Apaga o fogo Mané”, “Bom dia Tristeza”, “Luz da Light”, “Acende o Candieiro”), como essa cidade se transformou em algo cuja “mais completa tradução” passou a ser cantada apocalipticamente pela força bruta do rap dos Racionais? Neste, além da fé e da moral cristã, o amor praticamente não existe, como tampouco a esperança de espaços de inclusão não-violenta aos “50 mil manos” de periferias que se espalharam por todo lugar (“Diário de um Detento”, “Periferia é Periferia”, “Capítulo 4, Versículo 3”) e em que a morte ganhou primeiro plano (“Tô ouvindo alguém me chamar”, “Fórmula mágica da Paz”, “Rapaz Comum”).

11 Como não temos condição de desenvolvermos essa idéia aqui, aludimos aos conceitos benjaminianos de Erlebnis e de Erfarung. O tema da perda da experiência (Erfarung) e da imposição de vivência (Erlebnis) de choques na metrópole moderna encontra-se no centro da obra de Walter Benjamin, filósofo cujo trabalho crítico situa-se na fronteira entre filosofia, teoria estética e teoria da história. No clássico estudo “O Narrador”, de 1936, em que retoma questões expostas em “Experiência e Pobreza”, de 1933, Benjamin procura analisar as possibilidades de apropriação da História, da formulação das condições de sua citação, em uma palavra, dos modos de narrála como um juízo histórico capaz de dar voz racional ao violento silenciamento que a experiência da guerra e do nazismo estavam produzindo sobre os homens (cf. Benjamin, 1996). Seu empenho consiste em articular os conceitos de tradição, narração, memória e transmissão de cultura por meio das formas épicas, sobretudo a crônica. Pretendemos, assim, desenvolver uma leitura crítica estéticofilosófica benjaminiana em relação às mencionadas canções populares paulistas.

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Será que parte desse elo histórico não pode ser decifrado através das complexas figuras de montagens cinematográfica, cênica, radiofônica expressas nas peças cancionais de Tom Zé, baiano de Irará que chegando em São Paulo, em 1968, percebeu que a cidade provinciana, de moral católica, conservadora, do “bom rapaz” (“Namorinho de Portão”) parecia tão mais cafona quanto se esforçava por modernizar-se, por fazer seu up-to-date no avanço das “boas maneiras” de metrópole?

A aceleração da economia

desenvolvimentista (à base de crescimento endividado) passava, então, a espacializar de uma maneira nova um lugar comum da história urbana paulistana: o lugar periférico dos pobres, dos migrantes, dos negros descendentes de escravo, pois, agora, a cidade “esnoberrimamente” procurava dizer que a “primeira lição” é “deixar de ser pobre/ que é muito feio” (Curso Intensivo de Boas Maneiras”); ou como na história do grande chefe de família que, em nome da tradição, “aguardando o dia do juízo/ por segurança foi-lhes ensinando/ a juntar muito dólar/ dólar, dólar na terra” (“Gloria”). Era uma cidade que crescia, namorava, dormia, junto com a indústria automobilística, cujo relógio passava a andar “apressado demais/ correndo atrás de letras/ juros e capitais” (“Não Buzine que Estou Paquerando”) e nesse ritmo procurava assimilar o way of life introduzido pelo uso de tais novas mercadorias, mesmo que para isso o sujeito entrasse no crediário da liquidação e saísse “quase liquidado” (“Sem Entrada e Sem Mais Nada”). Pois, trabalhador ou se liquida ou fica para sempre camelô, ambulante-ilegal, fugindo do rapa, comendo na base da farinha seca, vivendo na falta d’água, de torneira, de roupa, de tudo (“Camelô). Nessa cidade grande, em modernização a todo custo, o “jeitinho” do brasileiro cai bem, porém ladrão pequenininho, pobre, vai em cana; só ladrão grande, de gravata é que se dá bem (“Profissão Ladrão”). A cidade, como metrópole, passava a ser então um parque industrial, não principalmente de indústrias que, poluídas e poluentes, estavam sempre do lado de lá dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí; nem a cidade do trabalho assalariado, da promessa de inclusão no mercado formal e legal do trabalho, dos direitos sociais mínimos e na casa própria; mas o parque de diversões da promessa de consumo, em que “tem garotas propaganda/ aeromoças e ternura no cartaz”, onde o trabalhador fatigado sente que “basta olhar para a parede/ que num instante me alegria se refaz”, pois o sorriso “já vem pronto e tabelado/ é somente requentar/ e usar/ porque é made, made, made/ made in Brazil”. No entanto, a música alude à contrapartida dessa sedução, aos anos de chumbo, ao arrocho que estava na base do desenvolvimentismo militar: “é um banco de sangue encadernado/ já

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vem pronto e tabelado/ é somente folhear/ e usar/ porque é made, made, made/ made in Brazil” (“Parque Industrial”). A metrópole, agora tentacular, seduz e devora “o povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas” (“Sampa”, de Caetano Veloso, 1970). Deixa claro que, a despeito das promessas de felicidade da modernidade, a regra social na maior cidade do Brasil é, custe o que custar, a da “força da grana ergue e destrói coisas belas” (idem). Para a análise das canções, é claro, não importa considerar apenas a mudança nos temas cantados por aqueles que conseguem traduzir a experiência urbana em forma estética - desse modo, alargando-a a um espaço de alteridade democrática, em tese, a todos que os escutam. Antes mesmo do conteúdo épico e alegórico cifrado nas letras, teremos de analisar a própria mudança no gênero, no pulso melódico, na configuração da dicção característica de cada cancionista. É a definição dessa dicção que atuará como mediação para interpretá-la como índice de “gaia-ciência”, o que, por sua vez, pode ser posto em correspondência à dramaticidade da transformação no processo social. É, portanto, da estruturas das canções, de suas organizações tensivas profundas que teremos que depreender as conexões estéticas com a experiência da cidade, desse acontecer entre as palavras e as coisas que escapa ao conceito, mas codifica-se em som, em melodia e em palavra cantada. Uma hipótese interpretativa consistiria em apontar para a própria estrutura narrativa das canções. Para falar do mais óbvio, os sambas de Adoniran, crônicas da cidade que se tornaram verdadeiras histórias orais transmitidas de geração em geração (portadoras de uma experiência comunicável, como diria Benjamin), são geralmente curtos (típico tamanho da canção de rádio), cheios de rimas internas e externas, aparentemente sem enigmas semióticos e têm suas letras invariavelmente repetidas duas vezes na canção, como se tal estrutura narrativa favorecesse a transmissão e a assimilação na memória. Já em Tom Zé, o que se repete é apenas o refrão, que fixa e tematiza o objeto da sátira ou da alegoria, permanecendo o discurso da letra em uma única enunciação, freqüentemente feita de colagens e descontinuidades, ora dramáticas, ora cômicas. Ali, apesar de mantida a forma da canção de rádio (geralmente de 32 compassos), o ouvido se reinventa sinestesicamente, junto com os sentidos do corpo, pois se torna tátil, óptico, saboroso e até cheios de odor. Os raps dos Racionais, por sua vez, assumindo também claro aspecto de crônica da vida nas periferias paulistas parecem romper claramente com a forma da canção de mercado, constituindo-se em longuíssimas seqüências narrativas que descrevem geralmente o cotidiano das periferias como lugar de violência e miséria, onde a lei é a

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exceção e o desamparo, a regra. Embora pareçam “crus”, diretos, são raps de versos carregados de sentido metafórico-alegorizante, que às vezes têm (“periferia é periferia/ em qualquer lugar”), mas às vezes não têm refrão (“Tô ouvindo alguém me chamar”), casos em que são falas de testemunho, em primeira pessoa, versos desabafados em letras quilométricas. Nestas, apesar da freqüência rítmica e rímica funcionar como “sintaxe” que induz o acompanhamento semântico (atualização da tradição dos repentistas nordestinos?), se torna impossível assimilar toda mensagem em uma só audição. Daí a dicção ficar sempre rente à fala, mantendo uma entoação familiar aos ouvidos de conversa “dos manos” (com suas gírias e expressões próprias), quase sem tessitura melódica. A imaginação, a sensação e o entendimento provocados pelo samba tradicional, pela mistura rítmico-pulsional do experimentalismo tropicalista e pelo rap são, assim, profunda e inevitavelmente diferentes. Como cada qual logra formalizar esteticamente as experiências cantadas? Como mobilizam e dão forma ao desejo, ao pulso do corpo e ao ritmo da vida que captam para a citação (cf. Favaretto, 2000)? Quais suas possibilidades e formas de assimilação e recepção? Com que público, respectivamente, “formam” sistema no sentido de sistema literário definido por Antonio Candido (1970), entre autor, obra e público? Nesse primeiro momento, como corpus analítico específico de nosso trabalho, consideraremos à análise detalhada apenas uma canção de cada cancionista, embora com os respectivos comentários críticos de todo lp ou cd no contexto do qual a canção eleita foi elaborada e publicizada.12 Pretendemos, assim, constelar imagens do conflito urbano e da elaboração da “identidade de cidadania” de São Paulo de forma a permitir uma possível reapropriação da cidade para além de uma forma vivida (a Erlebnis de Benjamin), inscrevendo-lhe a fisionomia em uma experiência (Erfarung) conceitualmente elaborada. Porém, afinal, por que a canção é tão hábil para essa operação estética?

Da canção à canção popular brasileira A canção é um gênero musical que permite a articulação sintética de uma dupla dimensão estética: a musical e a poética. Em seu “Ensaio sobre a origem das línguas”, Rousseau aponta para o vínculo de nascimento entre a fala e o canto e convoca, dentre 12 Serão elas: “Saudosa Maloca”, de Adoniran Barbosa, Meus Momentos. EMI, 1994. “São São Paulo, Meu Amor”, de Tom Zé, Grande Liquidação. Sony Music, 2000. “Periferia é Periferia (em Qualquer lugar)”, do Racionais MCs: Sobrevivendo do Inferno, Zâmbia/ Cosanostra, 1997.

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outros, o testemunho de Estrabão ao afirmar que “outrora dizer e cantar eram o mesmo” (Rousseau, 1991, p. 186). Rousseau apontava então, avant la lettre e praticamente fora de seu tempo (que estava sob hegemonia do pensamento musical puro ou da ópera) para a força do caráter entoativo da canção e com isso, pretendia “reviver” suas possibilidades de instrução moral, também acentuada, na antiguidade clássica, por Platão.13 A força do argumento rousseauniano está em algo semelhante à descoberta de Schiller sobre o lúdico: a afirmação da liberdade e criação humanas frente à natureza de onde o próprio homem se originou.14 Rousseau queria, a todo custo, enfatizar a singularidade entoativa da melodia como proveniente da fala “de um outro ser sensível”. Sabemos que sua crítica não teve força e a separação dos domínios chamados “erudito” e “popular” são especialmente sensíveis no campo da linguagem musical. Talvez, sobretudo devido a esse desenvolvimento bipartido, deixando de um lado a canção popular e, de outro, as peças sinfônicas, camerísticas e mesmo operísticas de base essencialmente instrumental – ainda que o instrumento solista fosse a voz. Nas canções, no entanto, essa dimensão propriamente musical aciona no ouvinte estados fóricos15 que estão estruturados internamente segundo uma base tensiva que é partilhada pela melodia entoada. Isto lhe confere uma singularidade lingüística cuja força reside justamente na articulação entre a voz da fala, enquanto instrumento melódico, e a fala da voz, enquanto “instrumento” entoativo, articulação que apenas trabalhos recentes têm sabido analisar, como o demonstra extensamente a obra semiótica de Luiz Tatit. Em O cancionista, Composição de Canções no Brasil, Tatit (2002) evidencia que a especificidade da canção está em seu projeto entoativo, isto é, no modo de dizer que 13 Perguntava-se o filósofo genebrino: “O que existe em comum entre os acordes e nossas paixões? Fazendo-se a mesma pergunta quanto à melodia, a resposta virá por si mesma: já está de antemão no espírito dos leitores. A melodia, imitando as inflexões da voz, exprime as lamentações, os gritos de dor ou de alegria, as ameaças, os gemidos.(...) De qualquer modo que se faça, somente o ruído nada diz ao espírito, tendo os objetos que falar para se fazer ouvir e sendo sempre necessário, em qualquer imitação, que uma espécie de discurso substitua a voz da natureza.(...) Os pássaros trinam, somente o homem canta. E não se pode ouvir canto ou sinfonia sem se dizer imediatamente: ‘um outro ser sensível está aqui’”(Rousseau, 1991, pp. 190, 191 e 194). 14 “É o impulso para o jogo, que já começa a manifestar-se na variedade perdulária das espécies vegetais e nos movimentos supérfluos, se não livres, dos animais e das crianças que brincam, quando os seus instintos primários já foram saciados. (...) O impulso lúdico joga com a beleza, que Schiller define como forma viva. A Beleza surge na convergência do subjetivo com o objetivo, do sentimento com a forma, que esse impulso determina. Força eminentemente livre, o jogo estético neutraliza tanto o rigor das formas abstratas, produzidas pelo intelecto, quanto a imediatidade das sensações passageiras, e, ‘dando forma à matéria e realidade à forma’, liberta o homem do jogo da natureza exterior e das exigências racionais exclusivistas” (Nunes, 2003, p. 55). 15 No Dicionário Houaiss Eletrônico, “-foria” é um elemento de composição de origem grega, formador de substantivos conexos com “foro”, cuja noção é de “levar, carregar”, para trás, para frente, por repetição etc: ex. adiaforia, aforia, disforia, cataforia, euforia, hiperforia. Daí, usá-los para nomear tensões em música.

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compatibiliza melodia e letra para dizer cantando ou cantar dizendo tudo que se queira - o que basicamente Tatit situa em três campos: ações, paixões e enunciações de objetos. O modo como cada canção realiza esse projeto entoativo lhe conferirá a especificidade de sua “gestualidade oral”, característica que o semioticista define a partir de parâmetros “tensivos” e “narrativos” da canção e que lhe definem como predominantemente: 1. Temática, voltada à fixação de uma idéia, tema ou ícone, modalizando estados do /fazer/ em que se decanta uma experiência, com ataques consonantais, gradações e reiterações claras: por exemplo, um samba ligeiro, como “O Que é Que a Baiana Tem?”, de Dorival Caymmi, ou reiterativo como “Águas de Março”, de Tom Jobim; 2. Passional, que canta estados de paixão, freqüentemente na distância e na separação entre sujeito e objeto, modalizando estados passivos do /ser/, com freqüentes segmentações, durações vocálicas e saltos intervalares no percurso melódico: por exemplo, um samba canção, como “As Rosas Não Falam”, de Cartola, ou “No Rancho Fundo”, de Ary Barroso; 3. Figurativa, em que captamos “a voz que fala no interior da voz que canta” (Tatit, 2002: 21), adequada à enunciação de uma experiência na tangente da entoação da fala, presentificando-a: por exemplo, um samba-carta, como “Vide Verso Meu Endereço”, de Adoniran Barbosa, ou samba-diálogo, como “Conversa de Botequim”, de Noel Rosa ou “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola. A partir do trabalho de Tatit e de seu método de análise do perfil melódico (que evidencia a relação entre “voz que fala” e “voz que canta” na voz da canção), teremos condições de analisar a um só tempo as inflexões, durações e padrões melódicos e a compatibilidade destes com a narrativa e o discurso expressos pela letra das canções, de modo a desenvolver tanto a análise vertical de cada cancionista, quanto a análise comparativa entre seus projetos entoativos. A avaliação do resultado “natural”, muitas vezes quase coloquial de uma canção poderá ser feita tendo em vista, portanto, que: “Retratar bem uma experiência significa, para o cancionista, fisgá-la com a melodia. Ao texto cabe apenas circunscrever a temática que nem sempre está diretamente relacionada com os fatos. Cabe a ele criar o acontecimento, selecionando unicamente o que é possível desenvolver nos limites da canção. Daí a técnica tão comum da antecipação melódica. Cada fragmento melódico elaborado delimita uma área e os pontos de acento que nortearão o processo de seleção lingüística. Não precisa falar muito. Basta ser exato e

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pertinente na conformação do texto, que a força da experiência já está melodicamente assegurada. Não importa tanto o que aconteceu mas como aquilo que aconteceu foi sentido. Por isso um texto de canção é, quase necessariamente, um disciplinador de emoções. (...) Não precisa dizer tudo. Tudo só será dito com a melodia. (...) A naturalidade, a espontaneidade e a instantaneidade são valores preciosos ao cancionista. A rapidez e a eficácia do resgate da experiência provocam o efeito de sentido inspiração” (Tatit, 2002, p. 19).

À guisa de conclusão Como argumentamos em outro lugar (Andrade, J., 2002), considerando o quadro dominante, crianças e jovens de periferia, ou mesmo de cortiços, vivem num mundo em que quase nada é escrito, em que o espaço da casa é exíguo e não há sequer espelhos para se ver de corpo inteiro; onde os poucos espaços do brincar e do lazer conflitam com a necessidade do trabalho precoce; em que as relações são pessoais e a experiência é exclusivamente concreta – exceto pelo quê lhes chega pela TV. Desses jovens a escola exige e trabalha com freqüência justamente o contrário, o abstrato e o distante, tanto na forma quanto nos conteúdos. E se escola ensinasse a ler a vida, como dizia Paulo Freire? Por que não partir, na redação, das trajetórias migrantes das famílias; no estudo do meio, da formação do bairro; na geografia, do estudo da urbanização; na matemática, das contas do dia a dia; na educação artística, da nova cultura jovem; enfim, por que não partir do vivido para alcançar, com mais sentido, os conteúdos obrigatórios de que não podemos abrir mão? Como mostrou Mayumi Souza Lima em A Cidade e a Criança (1989), a escola pode acolher a experiência urbana do entorno e romper a segregação social e simbólica dos espaços da pobreza material. Ao invés de fixar-se no que falta, valorizar o que trazem os alunos, possibilitando-lhes entenderem-se como sujeitos, capazes de aprender a ler na paisagem do bairro, da cidade e do Estado a história de suas vidas. Aprender a ler esses espaços é poder neles se situar historicamente, desvelando a aparente naturalização das desigualdades que os constituem – e por mais violentas que sejam. Trata-se de perguntarmo-nos, tal como o fez Mário Sérgio Cortella a questão fundamental da escola: “qual o sentido social do que fazemos? A resposta a esta questão está na dependência da compreensão política que tivermos na finalidade de nosso trabalho

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pedagógico, isto é, da compreensão sobre a relação entre sociedade e escola que adotarmos” (Cortella, 1998, p. 130). Percorrendo os “lugares comuns” dos preconceitos pedagógicos otimistas e pessimistas, Cortella identifica uma série de idealizações e de modos de escamoteamento do assim chamado “fracasso escolar”. Por tratar-se de uma situação tão problemática do ponto de vista social, o autor prefere nomeá-la como pedagocídio da escola brasileira (pouco importado a intenção dos agentes escolares a esse respeito). Diante de um tal diagnóstico, sua análise então é feita de modo a apreender tanto seus condicionamentos sociais, quanto sobretudo a evidenciar a responsabilidade de cada pedagogo e educador em enfrentar a “crise” da educação e de suas aporias na sociedade capitalista: como isso aparece em sala de aula, na sala dos professores, nas respostas dadas aos “alunosproblema”? O autor oferece inúmeros exemplos, da “indisciplina” ao uso acrítico dos livros didáticos e chama atenção justamente às determinações pedagógicas do problema, relativizando as costumeiras questões extra-escolares (crise da família, crise econômica, fim das políticas públicas, e assim por diante).16 Contra as várias formas de cultura escolar do “pedagocídio”, Cortella defende, então, uma concepção fundamentada na “paixão pelo humano”, situada na tensão entre o político e o epistemológico, como utopia-prática capaz de atualizar a cada instante o sentido de humanidade. Se este é o fundamente de qualquer ação humana (mesmo que contemplativa), ele o é ainda com mais força o fundamento da ação educativa, sob pena de, em o perdendo, sermos otimistas ingênuos ou pessimistas desumanizados. A necessidade histórica que aprisiona estes últimos no campo cético da imanência – a inexorabilidade da dominação de classes, a escola como lugar de pura reprodução disciplinar, simples mantenedora do sistema de dominação – se torna, assim a possibilidade prática de uma atitude crítica que está nas mãos de cada um de nós. Cabe à educação problematizar continuamente tal atitude – como um tesouro cultural, um conjunto de tradições de cultura, a um tempo ameaçada e preservada de geração em geração – e pôr tudo isso a disposição dos novos que, através da Escola, introduzimos no mundo público dos adultos (Arendt, 16 Duas ironias do autor expressam bem o mal-entendido que subjaz na apreensão “externalizante” dessas problemáticas escolares: “muitas pessoas talvez achem que, em educação, atingimos o ‘crime perfeito’: só há vítimas; não há autores”; e a contundente comparação com o universo da medicina: “já pensou a mesma cena na sala de repouso dos médicos de um hospital? Chega um e diz: Gente! Comigo não tem moleza; dos 40 pacientes de que eu estava cuidando, 20 vão morrer...” (Cortella, 1998, pp. 142 e 143). Ou seja, à crise da educação e seus dilemas, cabe também a cada educador sua cota de responsabilidade e ação social na construção de uma perspectiva crítica à ação educativa (da sala de aula à reconstrução da instituição pública escolar).

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2001). Na síntese de Cortella (1998, p. 159): “repartir idéias para todos terem pão” - essa uma bela consigna política para o educador humanista. Senão, exatamente porque “democratizada”, a escola, enquanto instituição pública, continuará a segregar e a marginalizar, preservando o sentido do “pedagocídio” brasileiro: manter os pobres em seu devido lugar, de cabeça baixa, periféricos, como analfabetos funcionais. Se disposta a acolher e a pensar institucionalmente a experiência urbana que a cerca, a escola pode se tornar um lugar em que diferenças de cor, renda, origem, gênero e linguagens culturais aprendam a dialogar, tornando-se um dos raros lugares de prática democrática em nosso país. Estamos apostando em uma pequena seara desse caminho: na associação entre olhar e escuta para decifrar as mensagens e os enigmas das experiências decantadas em nossas canções urbanas.

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