MANUAL DE GARANTIAS E PRERROGATIVAS PARA MAGISTRADOS DIREITOS, GARANTIAS E PRERROGATIVAS DA MAGISTRATURA, COM ÊNFASE NA JUSTIÇA DO TRABALHO
2014
Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) Gestão 2013/2015
Diretoria Executiva Presidente: Paulo Luiz Schmidt (Amatra 4/RS)
Vice-Presidente: Germano Silveira de Siqueira (Amatra 7/CE)
Secretária-Geral: Noemia Aparecida Garcia Porto (Amatra 10/DF e TO)
Diretor Administrativo: Narbal Antônio de Mendonça Fileti (Amatra 12/SC)
Diretora Financeira: Raquel Fernandes Lage (Amatra 3/MG)
Diretora de Comunicação Social: Luciana Gonçalves de Oliveira Pereira das Neves (Amatra 1/RJ)
Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos: Guilherme Guimarães Feliciano (Amatra 15/Campinas-SP)
Diretor de Assuntos Legislativos: Fabrício Nicolau dos Santos Nogueira (Amatra 9/PR)
Diretor de Formação e Cultura: André Machado Cavalcanti (Amatra 13/PB)
Diretora de Eventos e Convênios: Ana Cláudia Scavuzzi Magno Baptista (Amatra 5/BA)
Diretor de Informática: Platon Teixeira de Azevedo Neto (Amatra 18/GO)
Diretora de Aposentados: Maria Wilma de Macedo Gontijo (Amatra 1/RJ)
Diretora de Cidadania e Direitos Humanos: Silvana Abramo Margherito Ariano (Amatra 2/SP)
Conselho Fiscal André Luiz Machado (Amatra 6/Pernambuco) Ivan José Tessaro (Amatra 23/Mato Grosso) Adib Pereira Netto Salim (Amatra 17/Espírito Santo) Suplente: Vitor Leandro Yamada (Amatra 14/RO)
Comissão de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos Bóris Luiz Cardozo de Souza Fábio Natali Costa Guilherme Guimarães Feliciano José Carlos Külzer Maria Rita Manzarra de Moura Garcia Vitor Leandro Yamada
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO
MANUAL DE GARANTIAS E PRERROGATIVAS PARA MAGISTRADOS DIREITOS, GARANTIAS E PRERROGATIVAS DA MAGISTRATURA, COM ÊNFASE NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Adriano Mesquita Dantas Bóris Luiz Cardozo de Souza Fábio Natali Costa Guilherme Guimarães Feliciano José Carlos Külzer Maria Rita Manzarra Vitor Leandro Yamada
É expressamente proibida a referência ou a citação total ou parcial do presente manual sem a indicação dos nomes dos autores e/ou da Anamatra.
2014
ÍNDICE Independência Judicial versus Poder Disciplinar ............................................. 12 Independência Judicial e Corregedorias
Garantias do Poder Judiciário e da Magistratura ............................................. 28 Garantias Constitucionais do Judiciário e da Magistratura
Crítica ao Planejamento Estratégico e às Metas da Justiça do Trabalho .............................................................................................. 90 Metas e Planejamento Estratégico
Análise Crítica do Código de Ética da Magistratura Nacional ........................ 102 Código de Ética da Magistratura Nacional
Responsabilidade Administrativa dos Magistrados e a Resolução nº 135/2010 do CNJ ..................................................................... 126 Regime Disciplinar da Magistratura Nacional
Uma Leitura Crítica da Resolução nº 106 do CNJ. A Promoção por Merecimento versus a Independência do Juiz ................................................. 142 Promoções por Merecimento
Dois Temas Laterais em Matéria de Prerrogativas: os Julgamentos Ectópicos de Condutas de Magistrados (OAB) e as Desinteligências em Audiências Trabalhistas (Poderes do Juiz e Modus Operandi) ................. 152 A Atuação do Magistrado e as Apurações Ectópicas (OAB). As Desinteligências em Audiência: Modus Operandi
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GARANTIAS E PRERROGATIVAS DA MAGISTRATURA NACIONAL
Apresentação Caro Colega, Com a presente publicação, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra inaugura oficialmente a coleção “Cadernos da Anamatra”, com uma proposta algo diferente daquilo que usualmente vemos no âmbito do associativismo judicial brasileiro ou no próprio mercado editorial. Os “Cadernos” têm a específica finalidade de oferecer a você, juiz do Trabalho, conteúdos básicos, atualizados e acessíveis sobre os assuntos mais candentes para o dia-a-dia de um magistrado trabalhista, seja na dimensão profissional, seja na dimensão civil e associativa. Programam-se, por agora, algo entre quatro e seis números na atual gestão da Anamatra (já está no prelo o segundo número, sobre o regime próprio de previdência social dos juízes brasileiros). Nessa esteira, pretendemos que esses breves volumes sejam capazes de esclarecer o juiz, à primeira leitura, sobre tudo aquilo que mais imediatamente o absorve ou preocupa em relação aos aspectos mais viscerais da sua função, da sua instituição ou da sua própria condição associativa: as questões ligadas às suas garantias e prerrogativas e à sua segurança institucional e pessoal, os seus direitos e deveres previdenciários, os seus direitos sociais, o processo legislativo que conforma diuturnamente o seu estatuto jurídico, o pensamento acumulado e deliberado nas diversas edições do Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (CONAMAT), as questões criminais, as questões orçamentárias etc. São recorrentes searas de dúvidas e perplexidades que amiúde acometem o juiz e nem sempre se veem esclarecidas, pela própria exiguidade do tempo que o magistrado médio tem dispendido para estudos e cuidados de cariz pessoal. Espera-se que, com estes “Cadernos”, o colega possa desde logo folhear um volume de fácil leitura e manuseio, esclarecendo-se, o quanto antes e/ou um tanto mais, sobre as respectivas temáticas. Não são, pois, um espaço doutrinário ou cien-
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tífico. São sobretudo uma ferramenta, que melhor estarão dispostas se deixadas sobre as mesas das salas de audiências, de sessões ou dos gabinetes. Neste volume inaugural, o tema central não poderia ser outro: as garantias e prerrogativas dos juízes do Trabalho. Contando com a prestimosa e apurada contribuição da Comissão Nacional de Prerrogativas da Anamatra — membros titulares (Vitor Leandro Yamada, Bóris Luiz Cardoso de Souza, Maria Rita Manzarra de Moura Garcia, José Carlos Kulzer e Fábio Natali Costa) e ad-hoc (Adriano Mesquita Dantas), exploram-se, em ordem decrescente de abertura dialética, os seguintes temas: a garantia institucional da independência pessoal do juiz frente à função correicional judiciária; as garantias funcionais dos juízes — vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (artigo 95, I a III, da Constituição) —, com ênfase na sua interpretação perante STF e CNJ; as políticas de planejamento estratégico dos tribunais (notadamente as metas) e a sua necessária crítica; o rol de “deveres” do Código de Ética da Magistratura e a sua correta dimensão deôntica; os termos e procedimentos em vigor para a apuração da responsabilidade administrativo-disciplinar dos juízes; o modelo de promoções por merecimento em vigor e a correspondente crítica; e o poder de polícia judicial aplicado às desinteligências em audiência. É isto. Caso o colega queira esclarecimentos, perceba incorreções ou queira mesmo sugerir novos temas para as nossas futuras edições, basta enviar sua mensagem para presidencia@anamatra. org.br. Parafraseando Engels, a verdadeira obra nunca aparece como a conceberam aqueles que a prepararam. Que assim seja com os “Cadernos”: que se tornem mais, pela interação de todos.
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Por fim, como uma das formas de traduzir o modo Anamatra de direção coletiva, cada caderno terá a assinatura do presidente e do(s) diretor(es) da temática abordada. Bom proveito. PAULO LUIZ SCHMIDT Presidente GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos
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1 INDEPENDÊNCIA JUDICIAL E CORREGEDORIAS
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INDEPENDÊNCIA JUDICIAL VERSUS PODER DISCIPLINAR Adriano Mesquita Dantas* Guilherme Guimarães Feliciano**
A independência do Poder Judiciário e, por consequência, da Magistratura Nacional, é inequivocamente um dos pilares do Estado Democrático de Direito (artigos 2º, 5º, LIV, e 95, I a III, da CRFB). Ao exercer a jurisdição, o magistrado deve estar seguro e isento de qualquer interferência externa. Não devem sofrer pressões, nem tampouco retaliação ou sanção “si et quando” decidem e atuam com base no respectivo entendimento jurídico, ainda que não seja o majoritário. Não podem, jamais, sofrer influências impertinentes no processo de formação do convencimento. O exercício da judicatura pressupõe independência, liberdade e tranquilidade para a análise justa e isenta dos casos que lhes são submetidos, em todas as suas peculiaridades e com todas as suas idiossincrasias. Nessa linha, o ordenamento jurídico garante aos Juízes a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (artigo 95 da CRFB) — objetos do próximo capítulo —, bem como assegura a ampla liberdade aos magistrados na condução dos processos (artigos 765 da CLT, artigos 130, 131 e 652 do CPC e artigos 35, I e 40 da LOMAN), só tolerando a punição destes nos casos da LOMAN (artigos 40 e seguintes da LOMAN). Por outro lado, o ordenamento jurídico garante o direito de a sociedade saber os motivos e fundamentos dos atos processuais praticados (art. 93 da CRFB). É, nesse contexto, fundamental a valorização, o respeito e a afirmação do Poder Judiciário como típico Poder do Estado, independente e autônomo, livre de qualquer interferência que possa eventualmente comprometer ou interferir no mérito das decisões judiciais. * Juiz do Trabalho substituto do TRT da 13ª Região e Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região – biênio 2012-2014 ** Juiz do Trabalho titular da 1ª Vara de Taubaté/SP e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Anamatra – biênio 2013-2015
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Não obstante, verificamos, com certa frequência, a instauração e processamento Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD contra magistrados onde se discute e questiona, pura e simplesmente, o mérito de decisões judiciais ou o até mesmo aspectos relacionados à própria gestão da unidade. Isso se dá tanto nas Corregedorias, quanto nos Tribunais, Conselhos Superiores e Conselho Nacional de Justiça, tanto por representação quanto de ofício. Tais representações decorrem, ordinariamente, da insatisfação com a diligência do magistrado no exercício de suas funções jurisdicionais, o qual, utilizando-se de meios previstos pela legislação para dar efetividade ao provimento judicial, contraria os interesses daqueles dados ao costume da recalcitrância indevida e aos artifícios processuais procrastinatórios e ardis. Como sabemos, as funções correicional e disciplinar são inerentes às matérias eminentemente administrativas, sem interferência na convicção jurídica dos magistrados (eis que, nos termos do artigo 40 da LOMAN, “[a] atividade censória de Tribunais e Conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado”). Impende, pois, que a instauração de PAD ou mesmo de sindicância seja precedida de um rigoroso exame de admissibilidade, processando-se apenas aqueles casos em que se denote desvio de conduta ou efetiva falta funcional cometida por dolo ou fraude, rechaçando-se, de plano e liminarmente, questionamentos contra o mérito de decisões judiciais devidamente fundamentadas. Convém, ainda, a aplicação de sanções àqueles que abusam do direito de denúncia1, trazendo sérios prejuízos à democracia e à atividade jurisdicional, na medida em que angustia e abala emocionalmente o magistrado, desvia o foco de sua atuação e instaura um escabroso quadro de insegurança jurídica e vulneração das prerrogativas constitucionais da Magistratura.
“Abusa do direito de reclamar e de denunciar no âmbito administrativo-disciplinar a pessoa que não apresenta com a petição inicial os elementos necessários à apuração e, ao longo do procedimento, demonstra completo desinteresse em comprovar os fatos alegados” (CNJ – REVDIS 42 – Rel. Cons. Rui Stoco – 49ª Sessão – j. 09.10.2007 – DJU 25.10.2007).”
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Acusar de maneira leviana o magistrado que, dentro da legalidade e do razoável, age de maneira independente, diligente e destemida, sempre em busca da efetividade do provimento jurisdicional, é uma clara e evidente tentativa de inibir sua conduta, caracterizando, na verdade, típico abuso do direito de denúncia, que não deve ser tolerado, mas sancionado severamente. Lamentavelmente, não tem sido incomum que corregedores, partes e/ou advogados valham-se desse expediente como forma de pressionar o magistrado a seguir esse ou aquele procedimento ou entendimento jurídico ou, ainda, a se averbar suspeito. Outros, de forma até leviana, pretendem atingir a honra e a boa reputação do magistrado. Entretanto, o magistrado que não se coloca em rota de colisão literal e propositada com a Constituição da República ou com as leis do país (artigo 2º do Código de Ética da Magistratura Nacional) não pode ver suas decisões objeto de revisão correicional ou reprimenta disciplinar; dizer o contrário não é nada menos que tisnar a independência judicial (insculpida no artigo 35, I, e 40 da LOMAN, e justamente um dos valores democráticos a que se reporta aquele preceito do Código de Ética). Portanto, e sob pena de atentarem contra os próprios fundamentos da República (artigos 1º, III e V, 2º e 3º, I, da CRFB) e do Poder Judiciário nacional (artigo 93, caput, da CRFB, c.c. artigo 40, in fine, da LOMAN), não cabe às Corregedorias, por exemplo: a) impor a “disciplina judiciária” (ou “responsabilidade institucional”); b) perseguir ou tentar punir infração de hermenêutica, entendimentos vanguardistas ou mesmo o uso de uma linguagem mais coloquial ou áspera em atos judiciais, quando ausente a intenção ou inexistente a potencialidade ofensiva2; STF, Tribunal Pleno, QC 501/DF, Relator Min. CELSO DE MELLO (g.n.): “(…) MAGISTRADO - EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - ASPECTOS DEONTOLÓGICOS - A QUESTÃO DA LINGUAGEM EXCESSIVA OU IMPRÓPRIA NO DISCURSO JUDICIÁRIO - INOCORRÊNCIA, NO CASO, DE IMPROPRIEDADE OU EXCESSO DE LINGUAGEM APLICAÇÃO DO ART. 41 DA LOMAN - REJEIÇÃO DA QUEIXA-CRIME. - O Magistrado, no exercício de sua atividade profissional, está sujeito a rígidos preceitos de caráter ético-jurídico que compõem, em seus elementos essenciais, aspectos deontológicos básicos concernentes à prática do próprio ofício jurisdicional. - A condição funcional ostentada pelo
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c) interferir nas pautas de audiências em busca de padronização, ignorando as peculiaridades regionais e as rotinas de trabalho próprias de cada Unidade, bem como violando prerrogativa relacionada à independência de organização e gestão das pautas pelo respectivo Juiz. No que diz resMagistrado, quando evidente a abusividade do seu comportamento pessoal ou profissional, não deve atuar como manto protetor de ilegítimas condutas revestidas de tipicidade penal. A utilização, no discurso judiciário, de linguagem excessiva, imprópria ou abusiva, que, sem qualquer pertinência com a discussão da causa, culmine por vilipendiar, injustamente, a honra de terceiros - revelando, desse modo, na conduta profissional do juiz, a presença de censurável intuito ofensivo - pode, eventualmente, caracterizar a responsabilidade pessoal (inclusive penal) do Magistrado. LIMITES DA PROTEÇÃO JURÍDICA DISPENSADA AO MAGISTRADO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL. - O Magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, exceto se, ao agir de maneira abusiva e com o propósito inequívoco de ofender, incidir nas hipóteses de impropriedade verbal ou de excesso de linguagem (LOMAN, art. 41). A ratio subjacente a esse entendimento decorre da necessidade de proteger os magistrados no exercício regular de sua atividade profissional, afastando - a partir da cláusula de relativa imunidade jurídica que lhes é concedida - a possibilidade de que sofram, mediante injusta intimidação representada pela instauração de procedimentos penais ou civis sem causa legítima, indevida inibição quanto ao pleno desempenho da função jurisdicional. A crítica judiciária, ainda que exteriorizada em termos ásperos e candentes, não se reveste de expressão penal, em tema de crimes contra a honra, quando, manifestada por qualquer magistrado no regular desempenho de sua atividade jurisdicional, vem a ser exercida com a justa finalidade de apontar equívocos ou de censurar condutas processuais reputadas inadmissíveis. Situação registrada na espécie dos autos, em que o magistrado, sem qualquer intuito ofensivo, agiu no estrito cumprimento do seu dever de ofício. STF, Tribunal Pleno, Inq 2699 QO, Relator Min. CELSO DE MELLO: QUEIXA-CRIME - DELITOS CONTRA A HONRA SUPOSTAMENTE COMETIDOS POR MAGISTRADOS NO JULGAMENTO DA CAUSA - INOCORRÊNCIA - EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL - IMUNIDADE FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS (CP, ART. 142, III, E LOMAN, ART. 41) - ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA - DISCURSO JUDICIÁRIO COMPATÍVEL COM O OBJETO DO LITÍGIO E QUE GUARDA, COM ESTE, INDISSOCIÁVEL NEXO DE CAUSALIDADE E DE PERTINÊNCIA AUSÊNCIA, AINDA, DO “ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI” - INADMISSIBILIDADE DA PRETENDIDA PERSECUÇÃO PENAL - CONSEQÜENTE EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO PENAL. - O Magistrado é inviolável pelas opiniões que expressar ou pelo conteúdo das decisões que proferir, não podendo ser punido nem prejudicado em razão de tais pronunciamentos. É necessário, contudo, que esse discurso judiciário, manifestado no julgamento da causa, seja compatível com o “usus fori” e que, desprovido de intuito ofensivo, guarde, ainda, com o objeto do litígio, indissociável nexo de causalidade e de pertinência. Doutrina. Precedentes. A “ratio” subjacente à norma inscrita no art. 41 da LOMAN decorre da necessidade de proteger os magistrados no desempenho de sua atividade funcional, assegurando-lhes condições para o exercício independente da jurisdição. É que a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo do “officium judicis”, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis. A independência judicial - que tem, no art. 41 da LOMAN, um de seus instrumentos de proteção - traduz, no Estado democrático de direito, condição indispensável à preservação das liberdades fundamentais, pois, sem juízes independentes, não há sociedades nem instituições livres.”
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peito à organização de pautas e à distribuição do serviço judiciário durante a semana, não podem os Presidentes ou Corregedores substituírem o critério de organização do magistrado de primeiro grau pelo seu próprio; d) controlar a frequência do Juiz na respectiva unidade3, principalmente agora, em tempos de virtualização de audiências (e.g., Lei n. 11.900/2009), processo eletrônico (Lei n. 11.419/2006) e gestão processual à distância (v., e.g., os recursos do PJe/CNJ, tendentes a propiciar a prática de atos processuais pelos magistrados, servidores e demais participantes da relação processual diretamente no sistema). Nesse particular, a disponibilidade do magistrado não significa necessariamente a permanência física na unidade jurisdicional durante todo o expediente forense, até mesmo porque, não raro, fora dos horários de audiências, o juiz terá em seu lar melhores recursos — bibliográficos e eletrônicos — para desenvolver seu trabalho intelectual primordial, qual seja, a prolação de decisões e sentenças. Nesse caso, dele se pode exigir apenas que em sua unidade haja magistrado disponível (e não necessariamente pre-
CNJ, PCA nº 2008.10.00.001014-0, Relator Cons. ALTINO PEDROZO DOS SANTOS: “MAGISTRADO. CONTROLE DE FREQÜÊNCIA E HORÁRIO DE TRABALHO POR TELEFONE. PROVIMENTO DE CORREGEDORIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DEVER FUNCIONAL. ILEGALIDADE. O magistrado tem o dever legal de estar presente no Juízo em que atua, sendo-lhe assegurado, todavia, o exercício da sua função com liberdade, como forma de garantir a autonomia e independência do Poder Judiciário (CF, art. 95). Ainda que precedido de boas intenções, carece de legalidade Provimento de Corregedoria do Tribunal de Justiça que instituiu controle da frequência e dos horários de trabalho dos Juízes de Direito vinculados ao respectivo Tribunal por meio de telefone, porque limita a liberdade do magistrado de escolher a melhor forma de efetivar a prestação jurisdicional, principalmente quando não há comprovação de denúncias de que magistrados, além de não residirem nas comarcas em que atuam, ali comparecem somente dois ou três dias na semana para assinar despachos e mandados, tampouco de que tal situação ocorra de forma generalizada. MAGISTRADO. AUSÊNCIA DA COMARCA. PROVIMENTO DE CORREGEDORIA IMPONDO EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. MATÉRIA PRÓPRIA DO ESTATUTO DA MAGISTRATURA. Na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a permanência e o afastamento de magistrado da sua jurisdição devem ser definidas no Estatuto da Magistratura e pela via de Lei Complementar, nos termos do caput e inciso VII do artigo 93 da Constituição Federal. Procedimento de Controle Administrativo de que se conhece e a que se dá provimento para excluir a aplicação dos dispositivos questionados.”
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sente), i.e., juiz apto a ser imediatamente contatado pelo servidor e inteirado de casos que não possam aguardar o dia seguinte (e.g., tutelas de urgência), para a sua pronta apreciação (mesmo que à distância). Em outras palavras, com relação ao expediente geral, é prerrogativa do magistrado organizar-se e conciliar as suas diversas incumbências com as necessidades de presença no foro, desde que mantenha vias hábeis para contato e assegure comparecimentos regulares. A partir de uma análise da atividade correicional no âmbito dos Tribunais brasileiros é possível constatar, ainda, o equivocado uso da recomendação com propósito intimidador e constrangedor, suficientes para caracterizar violação à independência funcional da magistratura. A “recomendação”, na verdade, é um instrumento completamente desprovido de têmpera normativa e sem qualquer viés impositivo, equivalendo, portanto, a um mero conselho ou sugestão, desprovida de caráter obrigatório, não gerando qualquer efeito meritório ao magistrado, seja de cunho positivo, pelo seu cumprimento, seja negativo, pelo seu descumprimento. Entretanto, as “recomendações”, em sua maioria, são usadas como um eufemismo para designar verdadeiramente ordens a serem cumpridas pelos magistrados, tendo em vista o caráter coercitivo que delas surgem, inclusive durante as correições ordinárias e extraordinárias e com ameaças veladas de instauração de processos disciplinares. Esse uso desviado ainda é frequente em vários tribunais brasileiros, com deliberada extrapolação das atribuições da Presidência e Corregedoria, já que eventual atividade disciplinar só se mostraria razoável e aceitável quando verificado algum abuso ou excesso. E mais, nessa situação a atuação deve ser pontual e objetiva, sem generalizações. Não é juridicamente defensável que decisão e procedimentos judiciais devidamente fundamentados e baseados no livre convencimento motivado do magistrado sejam alvos de representação disciplinar, apenas por divergir do entendimento da parte, do Presidente
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ou Corregedor do Tribunal, ou mesmo por contrariar seus interesses daquela. Nesse encalço, resulta indiscutível ser atentatório à independência dos magistrados a instauração de qualquer modalidade de procedimento administrativo — em especial os de natureza disciplinar (PAD) e as sindicâncias que os precedem — ou mesmo a atuação das Corregedorias naqueles casos ou situações em que a atuação do magistrado se pauta em entendimento jurídico devidamente exposto e fundamentado. Com efeito, a garantia da segurança jurídica, nos Estados Democráticos de Direito, é dada pela fundamentação da decisão judicial (artigo 93, IX, da CRFB); não pelo engessamento da atividade judicante segundo parâmetros de constitucionalidade, legalidade e justiça ditados por órgãos judiciários de cúpula (à exceção dos casos constitucionalmente previstos: a jurisdição constitucional de tipo concentrado — que surte efeitos vinculantes “erga omnes” — e, após o advento da EC n. 45/2004, as súmulas vinculantes do Excelso Pretório). Não há, então, como relativizar a garantia de independência de entendimento dos magistrados, ainda que desagrade a parte e seja contrária ao entendimento majoritário da doutrina, jurisprudência ou, ainda, dos órgãos imbuídos do poder disciplinar. Para rever e questionar decisões judiciais fundamentadas há meios e recursos processuais próprios, não sendo aceitável o uso transverso da via disciplinar. Também não é aceitável o uso da via correicional ou disciplinar com o propósito de atingir a honra, a dignidade e o decoro do magistrado simplesmente por discordar do mérito de seus atos judiciais. Os magistrados devem gozar de plena liberdade de convicção e autonomia pessoal no exercício do mister jurisdicional. Sua liberdade de convicção não pode ser arrostada sequer pela instância superior (tanto que lhe é dado, sempre, ressalvar o próprio entendimento, no 1º grau ou nos órgãos colegiados). E, por conseguinte, não pode ser punido administrativamente pelas teses jurídicas que perfilhar ou externar, ainda que incomuns ou minoritárias. Não fosse assim, teríamos «não-juízes»: servidores autômatos que,
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em 1º grau de jurisdição, limitar-se-iam necessariamente a repetir as teses do 2º grau e a reproduzir as emendas das súmulas dos tribunais superiores. Essa certamente não seria uma Magistratura democrática. Tampouco é constitucional ou jurígeno impor aos magistrados de 1º e 2º grau, com força administrativa, soluções jurídicas engendradas nas instâncias superiores, ainda quando ali sejam pacíficas (exceto, por evidente, nas hipóteses constitucionalmente autorizadas: decisões em ações de controle concentrado de constitucionalidade e súmulas vinculantes do C.STF). Entre as várias instâncias processuais, por imanência ao “procedural due process of law”, há tão-só um dever de respeito às decisões judiciais concretas de grau superior, no plano jurídico-decisório (não, porém, no plano jurídico-argumentativo); e, ainda assim, nos limites do processo (ou toda súmula de jurisprudência seria necessariamente vinculativa). O magistrado de 1º grau pode discordar das subsunções e razões de fato e de direito do 2º grau ou até mesmo das instâncias superiores; pode, por isso mesmo, ressalvar seus entendimentos e decidir segundo a sua própria interpretação do sistema jurídico, mesmo quando o faça em desacordo com decisões de tribunais superiores; e não poderá ser punido por isso, nem ver sua decisão revista em sede correicional, porque não são os corregedores seus juízes naturais de revisão. O mesmo vale para os desembargadores, em relação aos corregedores nacionais. Magistrados “a quo” apenas não pode rever intraprocessualmente o que foi decidido nas instâncias superiores, ante as regras de competência hierárquica. Quanto ao mais, porém, não há hierarquias. Leia-se, por todos, nas palavras felizes do Desembargador NERY DE OLIVEIRA: A tal modo, se resulta lógico que a administração centralizada nos Tribunais pressupõe uma obediência aos comandos de gestão e administração por tais Cortes enunciadas, logicamente tais atos administrativos não ensejam qualquer perda dos atributos de independência do juiz, notadamente na sua atividade-fim, mas também indiretamente qualquer ingerência que possa pretender vir a perturbar aquela, ainda que emanada de órgãos internos do Judiciário. Para que assim
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fosse, o artigo 95 haveria de comportar exceções, e tais não existem para permitir que juízes de Cortes superiores sejam maiores que outros. Na verdade, todos os juízes são iguais, mesmo aquele magistrado da comarca mais humilde e longínqua do País em relação ao ministro do Supremo Tribunal Federal — o que os distingue, basicamente, são as competências jurisdicionais distintas, que confere a uns e outros, em dados momentos, maior status social (e não pouco é lembrar que muitas vezes o juiz da comarca do interior, quase esquecida por todos, é muito mais prestigiado na sua localidade que qualquer ministro do STF, pois são as suas decisões que influem diretamente no cotidiano daquela comunidade). Ainda que possa parecer absurdo, a inexistência de qualquer hierarquia entre os Juízes vem capitulada no artigo 6º da Lei 8.906/94, exatamente o Estatuto da Advocacia, quando assevera que «não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos», havendo que se ponderar que tal dispositivo não se dirige apenas à inexistência de subordinação e hierarquia dos advogados em relação a juízes e membros do Ministério Público, mas também entre estes, sob pena também da regra primeira acabar desvirtuada4.
Ainda, no abalizado escólio de GOMES DA CRUZ5: Temos feito várias referências à independência do magistrado, salientando que as garantias constitucionais se voltam para preservar tão fundamental atributo da magistratura. Logo, todo juiz deve agir com independência, até em relação à instância superior, sabido que esta só possui, em relação ao órgão de grau inferior, competência de derrogação. Claro, não se exclui o poder disciplinar, mas não interferindo diretamente na atuação do juiz em matéria processual.
OLIVEIRA, Alexandre Nery de. “Hierarquia e subordinação judiciárias. Inconstitucionalidade”. In: Jus Navigandi. Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em http://jus2.uol.com. br/doutrina/texto.asp?id=246 (acesso em 14.06.2011 — g.n.). 5 CRUZ, José Raimundo Gomes da. Lei Orgânica da Magistratura Nacional interpretada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p.44 (g.n.). 4
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Mais além, em plagas europeias — e há décadas —, GOMES CANOTILHO6 identificou, no princípio constitucional da independência dos órgãos judiciais (consagrado na Constituição portuguesa de 1976 e inerente a todos os Estados Democráticos de Direito), três corolários: o da independência pessoal (donde a impraticabilidade das nomeações interinas e das transferências, suspensões, aposentações e demissões à margem da lei ou em razão das decisões emanadas), o da independência coletiva (autonomia da judicatura — inclusive orçamentária — em relação aos demais poderes da República) e o da independência funcional. Quanto a essa última, assevera que [a] independência funcional é uma das dimensões tradicionalmente apontadas como constituindo o núcleo duro do princípio da independência. Significa ela que o juiz está apenas submetido à lei — ou melhor, às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas — no exercício da sua função jurisdicional.
Consequentemente, o juiz de 1º grau não está obrigado a acatar teses ou entendimentos de instância superiores, se pessoalmente não os crê conformes às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas (a não ser, no caso brasileiro, em hipóteses cobertas por súmulas vinculantes exaradas pelo Supremo Tribunal Federal, mercê da norma ínsita ao artigo 103-A da CRFB). Está, sim, obrigado a acatar o resultado dos arestos que lhe reformam as decisões, nos limites de seus comandos dispositivos concretos (neste caso, “pronunciar-se sobre a contradição apontada na sentença”). Não mais do que isso. Não se obriga, p.ex., a reproduzir, em nova sentença, os conceitos, as teses e as convicções perfilhadas pelo relator na fundamentação do voto. No mesmo sentido, mais recentemente, tem se pronunciado o E. Conselho Nacional de Justiça para excluir a possibilidade de se recorrer à instância administrativa disciplinar e/ou revisional para 6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1998. pp.617-618 (g.n.).
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«corrigir» ou «punir» “errores in judicando” (conquanto ainda não seja exatamente raro identificar, no CNJ, julgados que invadem esfera de intelecção eminentemente jurisidiconal, inclusive com consequências disciplinares; assim, e.g., no PAD n. 0003772-15.2011.2.00.00007, no PAD n. 0005370-72.2009.2.00.00008 e no PAD n. 000078829.2009.2.00.00009). Dos inúmeros julgados de boa cepa encontradiços na jurisprudência do CNJ, vejam-se, p.ex., os seguintes: Recurso Administrativo em Revisão Disciplinar. Insurgência contra decisão monocrática que indeferiu pedido de apuração da responsabilidade dos magistrados que atuam em processos judiciais de interesse da requerente e contra o indeferimento de afastamento destes e do desembargador que é parte nos processos na defesa da guarda de seu neto. Recurso não provido. A Revisão Disciplinar não se presta à indagação de quaestionis juris, nem ao ataque do error in judicando do magistrado. A pretensão de incursão em atos judiciais proferidos em juízo constitui matéria que se posta fora do âmbito de competência do CNJ. Essa atuação no plano judicial só se revê através dos meios postos na legislação processual, pela via do recurso judicial cabível, sendo inadequada e incabível a Revisão Disciplinar para essa finalidade (CNJ, REVDIS n. 200810000005120 e REP n. 200810000005118, Rel. Cons. RUI STOCO, 65ª Sessão, j. 24.06.2008, in DJU 05.08.2008 — g.n.).
O magistrado foi punido com aposentadoria compulsória por ter, entre outras coisas, “contrariado a Súmula n. 269 do STF”, eis que teria “admitido” o uso de mandado de segurança como sucedâneo de ação de cobrança. A questão foi levada ao STF (MS n. 32698). 8 O magistrado foi punido com aposentadoria compulsória por ter, entre outras coisas, reconhecido incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha (com argumentos — admita-se — basicamente religiosos, em tudo estranhos ao sistema jurídico em vigor; mas, ainda assim, no exercício de sua livre convicção motivada). A questão foi levada ao STF (MS n. 30.320). 9 O magistrado foi punido com aposentadoria compulsória por ter, entre outras coisas, decretado uma prisão em flagrante sem as cautelas e os entendimentos devidos. Na dicção do STF (que reviu a decisão em sede de mandado de segurança), “[d]eduziu-se, ainda em relação ao ato confirmatório da prisão em flagrante, que o CNJ teria excedido sua competência administrativa, ao realizar juízo de valor e de validade sobre ato jurisdicional” (STF, MS n. 28816/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, j. 14.6.2012). 7
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Recurso Administrativo em Reclamação Disciplinar. Arquivamento. Atos judiciais passíveis de recurso. Inexistência de infração funcional. 1) O CNJ não é instância de revisão de decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário no exercício da típica atividade jurisdicional. 2) Os fatos trazidos aos autos pelo reclamante não apresentam cometimento de infração funcional. Recurso a que se nega provimento (CNJ – RD 391 – Rel. Cons. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ, 69ª Sessão, j. 09.09.2008, in DJU 26.09.2008 — g.n.). Magistrado. Descumprimento de dever funcional. Art. 35, I, da LOMAN. Inexistência. Regular exercício da atividade jurisdicional. Princípio do livre convencimento motivado. Error in judicando. O Juiz tem o dever legal de observar as suas obrigações, no que se inclui ‘cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício’ (LOMAN, art. 35, I). É-lhe assegurado, todavia, o exercício da função com liberdade de convencimento (CPC, art. 131) e independência, de modo a garantir, em última análise, a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário (CF, art. 95). Constatado, no caso concreto, que, conquanto se possa considerar equivocada a decisão que condenou terceiro não integrante da relação processual, o ato em questão foi praticado no regular exercício da função e de acordo com a convicção do magistrado sobre a matéria. Não há falar, portanto, em descumprimento de dever funcional e de responsabilização do magistrado. Revisão Disciplinar de que se conhece e que se julga improcedente (CNJ, RD n. 200830000000760, rel. Cons. ALTINO PEDROZO DOS SANTOS, 80ª Sessão, j. 17.03.2009, in DJU 06.04.2009 — g.n.)
Aliás, a própria LOMAN, em seu artigo 41, prevê que o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo no caso de impropriedade ou excesso de linguagem. “In verbis”: Artigo 41. Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir (g.n.).
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E na mesma alheta, como já dito, a LC n. 35/79 dispõe, no seu artigo 40, que a atividade censória dos tribunais não pode cercear a independência ou malferir a dignidade do magistrado. “In verbis”: Artigo 40. A atividade censória de Tribunais e Conselhos é exercida com o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado (g.n.).
Extrai-se desse quadro legal, por interpretação lógico-sistemática e teleológica, que a atividade censória não pode interferir com a prudente condução do ofício jurisdicional e dos serviços judiciais pela autoridade judiciária investida das funções correspondentes. Em outras palavras, não podem os tribunais ou seus corregedores, à margem da lei, obrigarem magistrados a renunciarem publicamente aos seus próprios entendimentos. Ainda nessa ordem de ideias, em outra decisão lapidar do Conselho Nacional de Justiça (Proc. n.º 000247456.2009.2.00.0000), o Ministro CÉZAR PELUSO reiterou as balizas da atuação disciplinar, sendo enfático ao defender que o juiz só deve ser responsabilizado por dolo ou fraude (artigo 133, I, do CPC), entendimento que já foi manifestado em outros casos; e, se é assim, evidentemente a atividade correicional dos tribunais — o que inclui a produção regulamentar da E. Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho — não pode instar o magistrado a decidir contra o seu entendimento (artigo 131 do CPC), se este é minimamente razoável nos horizontes hermenêuticos do ordenamento em vigor. “In verbis”: Magistrado. Descumprimento de dever funcional. Art. 35, I, da LOMAN. Inexistência. Regular exercício da atividade jurisdicional. Princípio do livre convencimento motivado. Error in judicando. “O Juiz tem o dever legal de observar as suas obrigações, no que se inclui ‘cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício’ (LOMAN, art. 35, I). É-lhe assegurado, todavia, o exercício da função com liberdade de convencimento (CPC, art. 131) e independência, de modo a garantir, em última análise, a autonomia e independência do próprio Poder Judiciário (CF, art. 95). Constatado, no caso concreto,
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que, conquanto se possa considerar equivocada a decisão que condenou terceiro não integrante da relação processual, o ato em questão foi praticado no regular exercício da função e de acordo com a convicção do magistrado sobre a matéria. Não há falar, portanto, em descumprimento de dever funcional e de responsabilização do magistrado. Revisão Disciplinar de que se conhece e que se julga improcedente” (CNJ – RD 200830000000760 – Rel. Cons. Altino Pedrozo dos Santos – 80ª Sessão – j. 17.03.2009 – DJU 06.04.2009 [g.n.]).
Donde se concluir, afinal, a indissociabilidade entre a independência técnica do juiz e o regime político em vigor. A existência mesma de um Estado Democrático de Direito pressupõe um Poder Judiciário realmente autônomo, independente e valorizado em todos os sentidos, o que inclui, por óbvio, magistrados independentes, isentos, vitalícios, capacitados, eticamente comprometidos, bem remunerados e inamovíveis. A abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos princípios da independência judicial e do livre convencimento motivado10 torna inadmissível, porque constitucionalmente ilegítima, a instauração de qualquer procedimento disciplinar contra ato judicial devidamente fundamentado, pelos seus fundamentos mesmos. Ao mais, para o bem dos mesmos princípios, a instauração de qualquer procedimento de natureza disciplinar — ainda que preparatório — deve ser precedida de um rigoroso exame de sua admissibilidade, processando-se magistrados apenas naqueles casos em que se denotem, com boa margem indiciária, desvios sérios de conduta ou efetivas faltas funcionais cometida por dolo ou fraude Para os mais relevantes desdobramentos deste princípio, cf., por todos, FELICIANO, Guilherme Guimarães. “O novíssimo processo civil e o processo do trabalho: uma outra visão”. In: Revista LTr. Legislação do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007. v. 71. pp. 01-19. Estão ali referenciados (com estes entendimentos ou semelhantes, sempre tendentes à adoção de um paradigma pós-liberal de processo e/ou à aplicação das inovações das Leis ns. 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, entre outras, ao processo do trabalho), entre vários, autores da envergadura de LUIZ MARINONI, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO, ALICE MONTEIRO DE BARROS, CLAUDIO ARMANDO COUCE DE MENEZES, LUCIANO ATHAYDE CHAVES, JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, etc.
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(artigo 133, I, CPC), rechaçando-se liminarmente os questionamentos debruçados sobre o mérito de decisões judiciais suficientemente fundamentadas. Do contrário, amesquinham-se, a um tempo, a grandeza e a dignidade das duas atividades estatais diretamente envolvidas: a correicional, por um lado, e a jurisdicional, por outro.
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2 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO JUDICIÁRIO E DA MAGISTRATURA
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GARANTIAS DO PODER JUDICIÁRIO E DA MAGISTRATURA Vitor Leandro Yamada*
1. GARANTIAS INSTITUCIONAIS DO PODER JUDICIÁRIO A Constituição da República consagrou, expressamente, no caput do art. 2º, o princípio da separação dos Poderes – sistema de freios e contrapesos –, estabelecendo que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Esta divisão de funções entre órgãos estatais, elevada à condição de cláusula pétrea insuscetível de modificação ou supressão pelo constituinte derivado (art. 60, § 4º, III), é inerente ao Estado Democrático de Direito e confere ao Poder Judiciário independência em face dos demais Poderes, não apenas no exercício privativo da jurisdição, mas também no campo administrativo e financeiro de suas atribuições. As garantias institucionais do Judiciário inseridas pelo constituinte originário no texto da Carta Magna (arts. 2º, 96 e 99) visam, justamente, salvaguardar a independência e autonomia jurisdicional, administrativa e financeira deste Poder. Segundo JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA11, a independência do Judiciário possui duas dimensões, uma de natureza política, relacionada ao exercício de um dos poderes estatais – a jurisdição –, à defesa dos direitos dos cidadãos e da sociedade contra eventual arbítrio dos demais Poderes, e ao controle da constitucionalidade dos atos emanados do Legislativo e do Executivo; e outra de caráter administrativo, também denominada autogoverno da Magistratura,
* Juiz do Trabalho titular da Vara de Jaru/RO e membro da Comissão de Prerrogativas da Anamatra – biênio 2013-2015 11 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 23
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consistente na sua capacidade para gerir com autonomia os elementos pessoais, materiais e financeiros imprescindíveis ao exercício da função jurisdicional. PEDRO LENZA12 bem define, a propósito, o que representam para o Estado Democrático de Direito estas garantias, afirmando que elas “assumem importantíssimo papel no cenário da tripartição de Poderes, assegurando a independência do Judiciário, que poderá decidir livremente, sem se abalar com qualquer tipo de pressão que venha dos outros Poderes”. A despeito da propalada independência e autonomia do Judiciário, a própria Constituição Federal impõe sérias restrições a sua efetividade, em total contrassenso ao princípio da separação de poderes, na medida em que confere ao Presidente da República a competência para nomeação dos ministros dos tribunais superiores (arts. 84, XIV; 101, parágrafo único; 104, parágrafo único; 111-A; 123), órgãos de cúpula da organização judiciária do país, e para envio das propostas e projetos de lei orçamentários da União (arts. 84, XXIII; 165, III); e ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre matéria orçamentária (art. 48, II). As ingerências políticas e financeiras do Executivo e do Legislativo no Judiciário, não raras vezes, causam graves distorções no sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição, acabando por subjugar este Poder e seus membros aos caprichos e interesses escusos de integrantes daqueles.
2. GARANTIAS FUNCIONAIS DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO Ao tratar das garantias da magistratura é recorrente a confusão terminológica com as prerrogativas destes agentes políticos. A distinção entre estes dois institutos jurídicos – garantias e prerrogativas –, todavia, não é secundária. INDALÉCIO GOMES NETO13 assim as diferencia: LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 645. GOMES NETO, Indalécio. Independência entre os poderes e garantias da Magistratura. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 63, p. 56, 1994.
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É preciso não confundir as garantias constitucionais da Magistratura com as prerrogativas do magistrado. As primeiras destinam-se a amparar e possibilitar o exercício da função, enquanto as segundas visam proteger o próprio magistrado. [...] As garantias têm origem na Constituição, ao passo que as prerrogativas na Lei Complementar.
Além de estarem em degraus distintos na hierarquia das normas jurídicas – as garantias no patamar constitucional e as prerrogativas no infraconstitucional –, é preciso ter em mente que as primeiras têm status de princípio constitucional e cláusula pétrea, ao passo que as segundas são atributos especiais do cargo. É o que afirma UADI LAMMÊGO BULOS14, em sua obra, sobre as garantias do Poder Judiciário ao “reiterar que as garantias do Poder Judiciário configuram cláusulas imodificáveis (art. 60, § 4°)”. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 98, de Relatoria do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, reconheceu expressamente o caráter de cláusula pétrea das garantias da Magistratura, como se lê na ementa do voto: I. Separação e independência dos Poderes: critério de identificação do modelo positivo brasileiro. O princípio da separação e independência dos Poderes não possui uma fórmula universal apriorística e completa: por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro, em dogma constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros, o que a estes se há de impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência dos Poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República. II. Magistrado: aposentadoria compulsória: exclusividade das hipóteses previstas no art. 93, VI, da Constituição: impossibilidade de criação de outra por Constituição Estadual. 1. O art. 93, VI, da Constituição, enumera taxativamente as hipóteses de aposentadoria facultativa e compulsória dos magistrados e veicula normas de absorção necessária pelos Estados-membros, que não as podem nem restringir nem ampliar. 2. Além de ser esse, na atualidade, o regi BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 951.
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me das normas constitucionais federais sobre os servidores públicos, com mais razão, não há como admitir possam os Estados subtrair garantias inseridas nas regras constitucionais centrais do estatuto da Magistratura, entre as quais a da vitaliciedade, à efetividade da qual serve o caráter exaustivo dos casos previstos de aposentadoria compulsória do juiz. 3. Inconstitucionalidade da norma da Constituição Estadual que impõe a transferência obrigatória para a inatividade do Desembargador que, com trinta anos de serviço público, complete dez anos no Tribunal de Justiça. 4. Extensão da declaração de inconstitucionalidade a normas similares relativas aos Procuradores de Justiça e aos Conselheiros do Tribunal de Contas. III. Poder Judiciário: controle externo por colegiado de formação heterogênea e participação de agentes ou representantes dos outros Poderes: inconstitucionalidade de sua instituição na Constituição de Estado-membro. 1. Na formulação positiva do constitucionalismo republicano brasileiro, o autogoverno do Judiciário - além de espaços variáveis de autonomia financeira e orçamentária - reputa-se corolário da independência do Poder (ADIn 135-Pb, Gallotti, 21.11.96): viola-o, pois, a instituição de órgão do chamado “controle externo”, com participação de agentes ou representantes dos outros Poderes do Estado. 2. A experiência da Europa continental não se pode transplantar sem traumas para o regime brasileiro de poderes: lá, os conselhos superiores da Magistratura representaram um avanço significativo no sentido da independência do Judiciário, na medida em que nada lhe tomaram do poder de administrarse, de que nunca antes dispuseram, mas, ao contrário, transferiram a colegiados onde a Magistratura tem presença relevante, quando não majoritária, poderes de administração judicial e sobre os quadros da Magistratura que historicamente eram reservados ao Executivo; a mesma instituição, contudo, traduziria retrocesso e violência constitucional, onde, como sucede no Brasil, a idéia da independência do Judiciário está extensamente imbricada com os predicados de autogoverno crescentemente outorgados aos Tribunais. (ADI 98, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 07/08/1997, DJ 31-101997 PP-55539 EMENT VOL-01889-01 PP-00022)
O Conselho Nacional de Justiça firmou entendimento no mesmo sentido ao sustentar que “qualquer emenda constitucional tendente a abolir a garantia da vitaliciedade seria contrária ao art. 60,
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§ 4°, inciso III, da Constituição Federal, que inclui a separação dos Poderes entre as chamadas cláusulas pétreas” 15. JOSÉ AFONSO DA SILVA16 esclarece, com maestria, que as garantias “não se trata de um privilégio, mas de uma condição para o exercício da função judicante, que exige garantias especiais de permanência e definitividade no cargo”. No mesmo sentido leciona ALEXANDRE DE MORAES17: As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário tem assim como condão conferir à instituição a necessária independência para o exercício da Jurisdição, resguardando-a das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois, os predicamentos da Magistratura como privilégio dos magistrados, mas como meio de assegurar seu livre desempenho, de molde a revelar a independência e autonomia do Judiciário.
Para bem exercerem sua função, com independência e imparcialidade, o constituinte originário instituiu garantias funcionais aos membros do Poder Judiciário, os magistrados, assim definidas nos incisos I, II e III do art. 95 da Carta Magna. JOSÉ AFONSO DA SILVA18 afirma que as garantias funcionais dos magistrados “asseguram a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário”. Independência e imparcialidade, embora conceitos conexos, possuem significações diferentes, como explica o professor JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA19:
Conselho Nacional de Justiça. Nota Técnica n° 12/2010 em relação à Proposta de Emenda Constitucional n° 89/2003. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atosda-presidencia/317-notas-tecnicas/11223-nota-tecnica-no-122010> Acesso em: 29 jul. 2013. 16 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 514. 17 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1302. 18 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 588. 19 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 30. 15
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Independência e imparcialidade, embora conceitos conexos, eis que servem ao mesmo valor de objetividade do julgamento, no entanto têm significações diferentes. Enquanto a imparcialidade é um modelo de conduta relacionado ao momento processual, significando que o juiz deve manter uma postura de terceiro em relação às partes e seus interesses, devendo ser apreciada em cada processo, pois, só então é possível conhecer a identidade do juiz e das partes e suas relações, a independência é uma nota configuradora do estatuto dos membros do Poder Judiciário, referente ao exercício da jurisdição em geral, significando ausência de subordinação a outros órgãos. Imparcial não quer dizer neutro. Em verdade, não há neutralidade do juiz. Trata-se de um mito que só serve ao fortalecimento do conservadorismo, para manutenção do status quo. Nenhum ser humano está imune às influências ideológicas, políticas ou culturais do meio onde se acha inserido. A todo momento nossas condutas refletem um posicionamento a respeito de idéias que ora acolhemos ora refutamos. Enfim, todos valorizamos as coisas a nossa volta. E com os juízes não haveria de ser diferente, posto que seres humanos iguais a nós. Seria imprudente e improvável exigir-se do magistrado uma postura acima do bem e do mal. O que a Constituição veda, convém salientar, é a participação direta em movimentos sociais, tais como a militância político-partidária, que ponham em risco, sim, a imparcialidade do juiz.
Vale ressaltar que a independência do Poder Judiciário, como instituição, não se confunde com a independência do juiz, porquanto a primeira diz respeito à relação entre os Poderes da República, enquanto a segunda refere-se ao exercício em si da atividade jurisdicional. A independência dos órgãos julgadores compreende-se, mas não se esgota, nas garantias funcionais da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios, havendo uma série de outras prerrogativas previstas em lei que as complementam. PONTES DE MIRANDA20 lecionou, com singular maestria, que: MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo III. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 577.
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As garantias são direitos constitucionais, oriundos de regras jurídicas diretas e imediatas, e não simples garantias institucionais. O Poder Legislativo e os outros Poderes não têm faculdade de interpretar e conceituar vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. São conceitos da Constituição.
Segundo a classificação proposta por JOSÉ AFONSO DA SILVA21, as garantias funcionais dos magistrados dividem-se em (i) garantias de independência dos órgãos judiciários e (ii) garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários. O primeiro grupo abrange a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade salarial, ao passo que o segundo engloba as vedações contidas no parágrafo único do art. 95 da CRFB e aquelas relacionadas no art. 36 da LOMAN.
2.1. GARANTIAS DE INDEPENDÊNCIA DOS MAGISTRADOS 2.1.1. VITALICIEDADE
A garantia constitucional da vitaliciedade prevista na Constituição da República é adquirida pelo magistrado, no primeiro grau de jurisdição, após dois anos de exercício (art. 95, I, da CRFB, e art. 22, I, da LOMAN), e nos tribunais de segundo grau e superiores, a partir da data da posse (art. 22, I, da LOMAN). Segundo UADI LAMMÊGO BULOS22, vitaliciedade é a vinculação do magistrado ao cargo com ânimo de permanência e definitividade. Não se confunde com a estabilidade do servidor público, pois esta se dá no serviço, e a do juiz, no cargo. Adquirida a vitaliciedade no cargo, o magistrado somente o perderá em decorrência de sentença judicial transitada em julgado proferida em processo próprio no qual lhe seja assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 588. 22 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 951. 21
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Exceção a esta regra ocorre com os ministros do Supremo Tribunal Federal e membros do Conselho Nacional de Justiça, que serão processados e julgados pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade (art. 52, II, CRFB). Alcançada esta garantia, nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça, cujas atribuições são meramente administrativas, poderá rever o vitaliciamento. Este é o entendimento consagrado pelo CNJ, cujo excerto do voto proferido pelo Conselheiro Paulo Lôbo no PCA 267, julgado na 35ª Sessão Ordinária, em 27.02.2007, ora se transcreve: [...] Ou seja, após a vitaliciedade, apenas sentença judicial transitada em julgado pode determinar a perda do cargo, o que subtrairia a competência deste Conselho. Se os juízes não tivessem obtido a vitaliciedade, então a deliberação do tribunal seria de natureza administrativa, o que permitiria a apreciação pelo CNJ da matéria da invalidade do concurso. Todavia, parece-me que a questão da eventual invalidade do concurso, que determinaria a perda dos cargos dos juízes com vitaliciedade, apenas poderia ser enfrentada em processo judicial, pois a regra constitucional atraiu para este todos os atos que a antecederam. A garantia de vitaliciedade é inviolável por decisão administrativa. Com este fundamento, indefiro o pedido. No mérito, o núcleo do procedimento diz respeito à suposta imparcialidade com que se houve a banca examinadora do concurso, tendo em vista que os aprovados tinham vínculos com o Poder Judiciário local. Todavia, a aparência e a suspeita de favorecimento não restaram suficientemente vertidas em provas indiscutíveis. Se o balanceamento dos fatos alegados e provados de lado a lado pendesse para o favorecimento, ainda assim, ante o transcurso do tempo, as situações constituídas, sob aparência de boa-fé, e a segurança jurídica estariam a recomendar solução que não levasse a conseqüências tumultuárias para a administração, conforme precedente do PCA 86/2006. Também, no mérito, voto pelo indeferimento do pedido.
No mesmo sentido, ademais, foi a decisão Plenária deste Conselho no PCA 479, também de relatoria do Conselheiro Paulo Lôbo,
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julgado na 40ª Sessão Ordinária, em 15-5-2007, cujo trecho do voto transcreve-se: [...] Com efeito, como bem salientado pelo Tribunal requerido, o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 192.568-3, recomendou que a questão referente aos demais 28 candidatos aprovados no concurso de juiz fosse solucionada na via administrativa, o que foi feito pelo Tribunal requerido com atenção aos ditames da justiça. [...] Ademais, os 28 juízes nomeados já possuem vitaliciedade no cargo assegurada pela nossa Constituição, o que afasta a competência deste Conselho, conforme já decidido a unanimidade no PCA 267, também da minha relatoria [...].
Nesta mesma linha segue o magistério de PEDRO LENZA23 ao afirmar que, [u]ma vez vitaliciados, a regra é clara: os magistrados só poderão perder o cargo por sentença judicial transitada em julgado. Portanto, na medida em que o ato do CNJ for administrativo, não nos parece que possa o CNJ rever vitaliciamento de magistrado.
A vitaliciedade é uma garantia essencial à manutenção do Estado Democrático de Direito, pois permite ao magistrado atuar com absoluta independência e imparcialidade, livre e ingerências internas e externas que possam comprometê-las. 2.1.1.1. Estágio Probatório
Nas palavras de HELY LOPES MEIRELLES24, em sua clássica obra, [e]stágio probatório é o período de exercício do servidor durante o qual é observada e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 649. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 421.
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para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência etc.)
O estágio probatório do magistrado é o procedimento constitucional-administrativo realizado nos dois primeiros anos de exercício visando à verificação da aptidão do juiz para exercer o cargo, resultando, em caso de aprovação ao término do período, no seu vitaliciamento, conforme dispõe o inciso I do art. 95 da CRFB. Como a reprovação no estágio probatório implica a perda do cargo e a consequente exoneração do magistrado não-vitalício, é juridicamente inadmissível que o vitaliciamento tenha caráter de mero ato administrativo discricionário a autorizar o tribunal a decidir acerca de tão relevante garantia da Magistratura segundo seu juízo de conveniência e oportunidade. Muito longe disto, o estágio probatório é um processo administrativo por meio do qual o tribunal ao qual está vinculado o magistrado examina, durante o interregno temporal de dois anos, a aptidão do juiz vitaliciando para exercer a função jurisdicional, assegurando-lhe, sempre, o direito ao contraditório e à ampla defesa no curso do procedimento, sob pena de nulidade. Trata-se, na espécie, da mais pura aplicação dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade insculpidos no caput do art. 37 da CRFB, aos quais se sujeitam todos os órgãos da Administração Pública, além daqueles encontrados na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal. Apesar da sua importância para a aquisição da vitaliciedade, não há, nem na Constituição Federal, tampouco na LOMAN, regras específicas estabelecendo os requisitos ou critérios objetivos que deverão ser analisados e aferidos pelos tribunais durante o estágio probatório, o que poderia levar a perseguições ou apadrinhamentos dos magistrados não-vitalícios, bem como fragilização da sua independência funcional e imparcialidade. Diante da omissão do legislador e sendo cediço que toda lei comporta interpretação, independentemente do ramo do Direito que a regula, deve-se aplicar ao estágio probatório dos magistrados, por analogia, normas editadas para casos semelhantes.
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Esta integração da norma jurídica no caso de lacuna legislativa, mesmo em sede de Direito Administrativo, é plenamente factível, conforme defende ALÍPIO SILVEIRA25 ao afirmar que “quando não existem normas de direito administrativo aplicáveis a uma determinada relação jurídico-administrativa, o aplicador recorre à analogia, ao costume, aos princípios gerais do direito”. Assim também já decidiu o e. STF nos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 234.068, 202.626 e 196.569. A meu ver, a norma jurídica que mais se assemelha e se compatibiliza com as regras objetivas que devem orientar o exame da aptidão dos magistrados para o exercício do cargo durante o estágio probatório é aquela que regula a promoção e acesso por merecimento destes agentes políticos (art. 93, II, alíneas “c”, da CRFB). Com base nestas regras gerais, cabe a cada tribunal, objetiva e fundamentadamente, avaliar o desempenho, a produtividade e a presteza do juiz vitaliciando no exercício da jurisdição, bem como examinar o cumprimento dos seus deveres funcionais previstos na Constituição e na LOMAN. Além disto, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 e a alteração da redação do inciso IV do art. 93 da CRFB, passou a ser “etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados”, acrescentando-se ao processo de vitaliciamento do magistrado esta etapa de preparação técnica fornecida pelas escolas judiciais, de observância obrigatória pelos tribunais. Somente neste período inicial de estágio probatório é admitida a perda administrativa do cargo pelo magistrado não-vitalício, seja por exoneração, seja por demissão, dependendo, em ambos os casos, de deliberação do tribunal ou órgão especial a que estiver vinculado. Tanto na hipótese de demissão, quanto na de exoneração do magistrado não-vitalício, deve o tribunal garantir ao juiz o contraditório e a ampla defesa durante o processo, conforme já decidiu o e. Apud Édison Vaccari. A Integração da Norma Jurídica e a Hermenêutica em face do Princípio da Legalidade na Administração Pública Brasileira. Disponível em http://www.amatra18.org.br/ site/ProducaoCientifica.do?acao=carregar&vo.codigo=124#_edn38. Acesso em: 30 jul. 2013.
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Supremo Tribunal Federal, em caso análogo, quando do julgamento do Mandado de Segurança nº 23.441, cuja ementa é a seguinte: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCURADOR DO TRABALHO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. VITALICIEDADE. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. SEGURANÇA CONCEDIDA. (MS 23441, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/2008, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-02 PP-00444) 2.1.1.2. Demissão do magistrado não-vitalício
A demissão constante no rol de penalidades aplicáveis aos magistrados prevista na LOMAN (arts. 42, VI; 47, I) não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, tendo em vista o disposto no art. 95, I, da Constituição de 1988, que admite a perda do cargo, após o vitaliciamento, exclusivamente por sentença judicial transitada em julgado. Significa dizer, por outro lado, que a pena de demissão prevista na LOMAN ainda pode ser aplicada, administrativamente, aos magistrados que não obtiveram a vitaliciedade (art. 47, II), por deliberação do respectivo tribunal ou órgão especial ao qual estiver vinculado. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no inciso II do art. 47, prevê a possibilidade de o magistrado não-vitalício ser demitido em caso de falta grave e nas hipóteses (art. 56) de: (i) manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; (ii) procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; (iii) escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou (iv) proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça, inicialmente por meio da revogada Resolução nº 30/2007 e, posteriormente, por intermédio da Resolução nº 135/2011, estabeleceu em seu art. 23: Art. 23. O processo disciplinar, contra juiz não vitalício, será instaurado dentro do biênio previsto no art. 95, I da Constituição Federal, mediante indicação do Corregedor ao Tribunal respectivo, seguindo, no que lhe for aplicável, o disposto nesta Resolução.
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§ 1º A instauração do processo pelo Tribunal suspenderá o curso do prazo de vitaliciamento. § 2º No caso de aplicação das penas de censura ou remoção compulsória, o Juiz não vitalício ficará impedido de ser promovido ou removido enquanto não decorrer prazo de um ano da punição imposta. § 3º Ao juiz não-vitalício será aplicada pena de demissão em caso de: I – falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; II – manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; III – procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; IV – escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; V – proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
A demissão tem caráter punitivo e se constitui a pena máxima a ser aplicada ao magistrado não-vitalício, implicando a perda do cargo e consequente exclusão da carreira da magistratura. O Conselho Nacional de Justiça, no art. 6º da Resolução nº 135/2011, graduou esta penalidade dispondo que o magistrado será, “se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória”. É incontroversa que a instauração do processo administrativo disciplinar demissional contra o magistrado não-vitalício deva ocorrer dentro do biênio do estágio probatório, haja vista que, ultrapassado este período, adquire ele a vitaliciedade, cessando a possibilidade de demissão administrativa. Discute-se, porém, se a conclusão do processo disciplinar também deve anteceder o término do biênio, sob pena de estar consumado, ao final deste, automaticamente, o vitaliciamento. Tal dissenso ocorre porque a instauração do PAD poderá acontecer próximo ao término do período de vitaliciamento e não
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ser possível finalizar o processo antes do fim do estágio probatório e, nesta hipótese, mesmo assim estaria vitaliciado o magistrado? A resposta a esta indagação foi dada pelo Conselho Nacional de Justiça no § 1º do art. 23 da Resolução nº 135/2011, assim redigida: Art. 23. O processo disciplinar, contra juiz não vitalício, será instaurado dentro do biênio previsto no art. 95, I da Constituição Federal, mediante indicação do Corregedor ao Tribunal respectivo, seguindo, no que lhe for aplicável, o disposto nesta Resolução. § 1º A instauração do processo pelo Tribunal suspenderá o curso do prazo de vitaliciamento. (g.n.)
Segundo a norma editada pelo CNJ, o curso do prazo de vitaliciamento estará automaticamente suspenso com a instauração do processo disciplinar, assegurando-se, com isto, a possibilidade de aplicação da penalidade de demissão ao magistrado ainda não-vitalício. A redação do dispositivo em questão, s.m.j., padece de grave atecnicismo jurídico, se não, vejamos. A opção do constituinte originário ao elaborar a Carta Magna é absolutamente clara ao conferir ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre o estatuto da magistratura, mediante proposição legislativa de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal, observando-se os princípios elencados no art. 93 da CRFB. O art. 95 conferiu a todos os magistrados garantias funcionais inderrogáveis que visam, em primeira análise, assegurar a sua independência e imparcialidade, um dos direitos individuais de todo cidadão previsto no art. 5º, LIII, da Carta Magna. A melhor exegese deste dispositivo é a de que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, considerando-se como tal o juiz imparcial e independente, pois a efetiva independência do Poder Judiciário só é alcançada se houver meios de garantir a independência dos seres humanos que o integram. Na esteira deste pensamento, não se pode admitir que a simples instauração de um processo administrativo disciplinar contra um magistrado, ainda em período de vitaliciamento, traga dissabores tais que
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possam gerar interferências indevidas na sua independência e imparcialidade, inclusive diante da condição de maior suscetibilidade destes às vicissitudes do início da carreira, cuja proteção funcional deve ser até mesmo superior aos demais que já foram confirmados no cargo. Se de modo inverso os juízes, durante o estágio probatório, ficarem à mercê de eventuais manobras administrativas promovidas por pessoas descontentes com sua atuação jurisdicional ou suas decisões visando atingi-los pessoalmente, estar-se-ia a permitir que aqueles sucumbam diante de pressões externas em face da possível postergação do prazo final do seu vitaliciamento, afetando, com isto, sua independência e imparcialidade. A Constituição Federal estabeleceu que a vitaliciedade do juiz de primeiro grau no cargo será adquirida após dois anos de exercício, regra esta também abarcada pela LOMAN, inexistindo, por outro lado, nem na Carta Política, tampouco no Estatuto da Magistratura, previsão legal para suspensão do curso do prazo de vitaliciamento na hipótese de mera abertura de um processo administrativo disciplinar. A julgar pelas circunstâncias em que a imensa maioria dos processos administrativos disciplinares é provocada e instaurada, resulta que muitos deles são absolutamente insubsistentes e acabam por não gerar nenhuma punição ao magistrado, sendo injustificável, pois, a suspensão do curso do prazo do estágio probatório do juiz. A importância da função pública que exercem perante o Estado Democrático de Direito e sua condição de agentes políticos justifica a submissão dos magistrados a um processo administrativo disciplinar regido por regras especiais e de respeito as suas garantias constitucionais. Tanto é assim que o Plenário do e. STF, no julgamento do referendo da liminar concedida na ADI nº 4.638 pelo Ministro Marco Aurélio, suspendeu a eficácia do § 1º do art. 3º da Resolução nº 135 do CNJ, entendendo que as penas aplicáveis a magistrados são apenas aquelas previstas de forma taxativa na LOMAN, e do § 1º do art. 15 da mesma Resolução, inadmitindo o afastamento cautelar do juiz antes da abertura do PAD. Noutro espeque, a gravidade da denúncia, desde que comprovada a justa causa e havendo fortes indícios da ocorrência do
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ilícito narrado, permite que o tribunal ou órgão especial, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros (art. 93, X, da CRFB), afaste do cargo o magistrado denunciado quando da abertura do processo administrativo disciplinar (art. 29 da LOMAN e caput do art. 15 da Resolução nº 135/2011 do CNJ). Como se observa, o afastamento do magistrado do cargo em nada se assemelha à suspensão prevista no § 1º do art. 23 da Resolução nº 135/2011 do CNJ, já que nesta última hipótese o juiz vitaliciando permanece no exercício de sua função jurisdicional e continua atuando regularmente, ao passo que, se afastado, deixa de exercer a jurisdição. A discussão acerca da malfadada suspensão não poderia deixar de passar pelo debate acerca dos seus efeitos concretos para o magistrado. O Conselho Nacional de Justiça, ao dispor que a mera instauração do processo disciplinar pelo tribunal desencadearia, automaticamente, a suspensão do curso do prazo de vitaliciamento do juiz em estágio probatório, fez a clara opção pela não confirmação do magistrado no cargo até a conclusão do PAD. Não significa dizer, porém, que o período de tramitação do PAD será considerado como de não exercício no cargo e postergará o término do estágio probatório do magistrado para além do biênio constitucional. Buscando a melhor exegese da norma inserta no § 1º do art. 23 da Resolução nº 135 do CNJ, e considerando a singularidade da situação de fato, bem como os efeitos da suspensão do curso do prazo de vitaliciamento, deve-se se socorrer de uma interpretação teleológica para solucionar a questão e, assim, concluir que se está diante de uma simples condição suspensiva. Isto porque os efeitos da suspensão decorrente da aplicação da regra da Resolução nº 135/2011 do CNJ diferem, por completo, daquela prevista no art. 29 da LOMAN e caput do art. 15 da mencionada resolução. Na primeira hipótese, o magistrado em estágio probatório permanece no exercício pleno da sua função jurisdicional, inclusive praticando todos os atos processuais inerentes ao cargo, ao passo que, na segunda hipótese, o juiz é afastado do exercício das suas atividades, inclusive com possível prejuízo a sua antiguidade na carreira no caso de condenação.
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A Constituição Federal e a LOMAN são absolutamente claras ao elegerem o exercício no cargo como critério para a aquisição de direitos, a contagem do tempo de serviço e, ainda, o cômputo da antiguidade do juiz na carreira, ou seja, se não houver interrupção do exercício não há falar em efetiva suspensão, porquanto todos os seus efeitos ordinários permanecerão inalterados em relação ao magistrado. Nesse sentido, infere-se que a suspensão do curso do prazo de vitaliciamento tem como único objetivo impedir a confirmação do magistrado no cargo pelo decurso do tempo, propiciando ao tribunal, se as graves acusações forem comprovadas e depois do devido processo legal, aplicar a penalidade administrativa máxima ao juiz não-vitalício. Findo o processo administrativo disciplinar e não sendo o caso de demissão do magistrado, deve este, se já houver transcorrido o biênio legal de exercício, ser automaticamente declarado vitalício. A extinção ou improcedência do processo administrativo disciplinar sem punição ao magistrado, ou a aplicação de uma punição mais branda não podem implicar a postergação do prazo de encerramento do estágio probatório de modo a protrair os efeitos do vitaliciamento. O acréscimo do lapso temporal de tramitação do PAD ao estágio probatório do magistrado, mesmo tendo ele exercido a função durante este período, é ilegal, pois extrapola o prazo constitucional de dois anos de exercício. Além do mais, se a cada processo disciplinar aberto fosse adiado o término do vitaliciamento, o juiz não-vitalício ficaria, indefinidamente, cumprindo o estágio probatório. Neste sentido vale citar o seguinte aresto do c. STJ, o qual reconhece a ausência de previsão legal para se decretar a suspensão sem dispositivo de lei infraconstitucional (LOMAN ou lei de organização judiciária local): CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. SUSPENSÃO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VITALICIEDADE. RECONHECIMENTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE.
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I - Nem a LOMAN ou o Código de Organização Judiciária do Estado de Mato Grosso prevêem a possibilidade de haver a suspensão do vitaliciamento no intuito de apurar supostas irregularidades cometidas pelo juiz substituto. Na verdade, caso haja indícios do cometimento dessas faltas (art. 148, § 3º, alínea f, do COJE) deve ser formulada a proposta de exoneração do magistrado, antes do término do estágio probatório, a qual deve ser acolhida por 2/3 dos membros do Tribunal, sendo irrelevante, nessa hipótese, que a conclusão do procedimento disciplinar ocorra após o transcurso do biênio. II - Na hipótese, o Tribunal a quo não determinou a instauração do processo demissório, apenas ordenou que se aguardasse o julgamento das representações formuladas contra o magistrado para que, conforme o resultado, lhe fosse ou não concedida a vitaliciedade. III - O ato do Presidente da Corte mato-grossense que determinou a instauração do processo de demissão encontra-se eivado de ilegalidade, porquanto seu prolator não tinha competência para editá-lo. Com efeito, ex vi do art. 17, § 2º, da LOMAN, e do art. 202 c/c arts. 149, parágrafo único, e 272, do COJE-MT, tal atribuição cabe ao Tribunal, por determinação de 2/3 de seus membros. IV - Transcorrido o estágio probatório sem que houvesse a formalização do processo demissório, adquiriu o impetrante a vitaliciedade. Não obsta à aquisição do direito a circunstância de ter ficado afastado das funções judicantes nos 20 (vinte) dias que antecederam o término do biênio, uma vez que, cassada a decisão que o afastou da função, em virtude de ausência de amparo legal, deve ser o período computado como tempo de efetivo exercício. Recurso provido. (RMS 14998/MT. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002/0072164-0. Relator(a) Ministro FELIX FISCHER. Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 02/12/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 19.12.2003, p. 504)
O Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.638, apesar de não ter debatido especificamente este dispo-
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sitivo legal, afirmou obter dictum que eventual restrição à garantia da vitaliciedade exige a edição de lei em sentido formal e material, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo, o que ocorrerá, invariavelmente, se admitida a postergação do período legal do estágio probatório. Assim, a mera abertura do processo administrativo disciplinar contra um magistrado não-vitalício, sem efetivo afastamento das funções jurisdicionais, não posterga o prazo final do estágio probatório, entretanto, fica a implementação da vitaliciedade sujeita à condição suspensiva de, ao término do PAD, não ser aplicada ao juiz a pena de demissão. 2.1.1.3. Exoneração do magistrado não-vitalício
A exoneração do magistrado não-vitalício difere-se da demissão, pois esta tem caráter punitivo e aquela de mero ato administrativo de desligamento do quadro funcional do tribunal, com vacância do cargo então ocupado pelo juiz. O professor DIÓGENES GASPARINI26 define exoneração: A exoneração é o desligamento do servidor público do quadro de pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública, por entender não ser mais conveniente ou oportuno mantê-lo integrado a esse quadro. É ato administrativo da exclusiva responsabilidade dessas entidades. Por essa espécie de ato podem ser desligados os servidores ocupantes de cargo efetivo em estágio probatório que, em processo administrativo teve patenteada sua inaptidão para o exercício das atribuições do cargo ou do serviço público, e os titulares de cargo de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração. Vê-se que a exoneração não se caracteriza como pena. Não há nesses atos qualquer caráter sancionatório.
HELY LOPES MEIRELLES27, com contumaz maestria, distingue demissão e exoneração:
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 189. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 422.
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Observe-se, desde logo, que demissão e exoneração constituem institutos diversos no Direito Administrativo: demissão é dispensa a título de penalidade funcional; exoneração é dispensa a pedido ou por motivo previsto em lei ou, ainda, por conveniência da Administração (ad nutum) nos casos em que o servidor assim pode ser dispensado. Lamentavelmente, os administradores e o próprio Judiciário vêm confundindo demissão com exoneração, ambos considerando, erroneamente, em alguns casos, que no estágio probatório não cabe demissão sumário do servidor.
O Supremo Tribunal Federal, na linha dos citados autores, também faz distinção entre exoneração e demissão, conforme de observa no teor da Súmula nº 21, in verbis: FUNCIONÁRIO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO - EXONERAÇÃO OU DEMISSÃO - INQUÉRITO OU FORMALIDADES LEGAIS DE APURAÇÃO DE CAPACIDADE. Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.
É admissível, portanto, a exoneração, por ato administrativo do tribunal, do magistrado não-vitalício que, durante o estágio probatório, demonstrar-se inapto para exercer a Magistratura. Este é o entendimento do e. STF: MANDADO DE SEGURANÇA. EXONERAÇÃO DE JUIZ DE DIREITO QUE AINDA NÃO GOZAVA DE VITALICIEDADE. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS ARTIGOS 105, II, 112, PARÁGRAFO ÚNICO, E 153, PARÁGRAFOS 4. E 15, DA CONSTITUIÇÃO (SUMULAS 282 E 356). INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ARTIGO 113, PARÁGRAFO 1. , DA CARTA MAGNA, PORQUE NÃO TINHA AINDA O RECORRENTE A GARANTIA DA VITALICIEDADE, E PERDA DO CARGO SE DEU POR PROPOSTA DO TRIBUNAL, ADOTADA PELO VOTO DE MAIS DE DOIS TERCOS DOS MEMBROS DE SEU ÓRGÃO ESPECIAL. O ARTIGO 27 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI COMPLEMENTAR N. 35/79 (LOMAN) DIZEM RESPEITO AO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA A PERDA DE CARGO DE MAGISTRADO VITALICIO, E NÃO PARA A PERDA DO CARGO DE JUIZ QUE
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AINDA NÃO ADQUIRIU A VITALICIEDADE, POR NÃO TER AINDA DOIS ANOS DE EXERCÍCIO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRENCIA DE DISSIDIO DE JURISPRUDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF - RE: 114118 RS, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Data de Julgamento: 17/06/1988, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 14-101988 PP-26385 EMENT VOL-01519-02 PP-00422)
Neste sentido também é a jurisprudência do e. STJ, conforme arestos a seguir transcritos: RECURSO ORDINÁRIO. MAGISTRADO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. JULGAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. NULIDADE. AUSÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ACATAMENTO. I - A participação no julgamento do mandamus de integrantes do Órgão Especial que concluiu pela exoneração de magistrado ao analisar o processo de vitaliciamento não configura ilegalidade, pelo motivo de não terem sido os votos desses integrantes decisivos no julgamento do decisum, haja vista a denegação da ordem por ampla maioria. II - «Durante o estágio probatório, o magistrado não esta sob o abrigo da garantia constitucional da vitaliciedade, podendo ser exonerado desde que não demonstrados os requisitos próprios para o exercício da função jurisdicional, tais como idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, eficiência e outros, circunstancia aferível por processo especial de vitaliciamente, assegurado o direito de defesa prévia. As disposições do art. 27 da LOMAN são aplicáveis tão-somente aos magistrados possuidores da garantia de vitaliciedade.» (RMS nº 6675/MG). III - Recurso ordinário desprovido. (STJ RMS: 18.205 SP 2004/0067745-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 07/02/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 20/03/2006 p. 306) ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. ESTÁGIO PROBATORIO. FALTA GRAVE. PROCESSO DE VITALICIAMENTO. DEFESA PREVIA. EXONERAÇÃO. LEGALIDADE. - A exoneração de servidor público em estágio probatório, não constitui penalidade, mas mera dispensa, por não convir a Administração a sua permanência no serviço público, por não revelarem satisfatórias as condições do seu trabalho. (cf. Hely Lo-
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pes Meireles, in Direito Administrativo Brasileiro, 14ª edição, pág. 381/382). - Durante o estágio probatório, o magistrado não esta sob o abrigo da garantia constitucional da vitaliciedade, podendo ser exonerado desde que não demonstrados os requisitos próprios para o exercício da função jurisdicional, tais como idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, eficiência e outros, circunstancia aferível por processo especial de vitaliciamente, assegurado o direito de defesa previa. - As disposições do art. 27 da LOMAN são aplicáveis tão-somente aos magistrados possuidores da garantia de vitaliciedade. - Recurso ordinário desprovido. (STJ - RMS: 6675 MG 1996/0002804-4, Relator: Ministro VICENTE LEAL, Data de Julgamento: 24/11/1996, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.09.1997 p. 40888 RST vol. 101 p. 105)
A inaptidão pode ser técnica (desempenho insatisfatório, baixa produtividade, falta de conhecimento do direito, ausência de frequência em curso de formação oficial) ou disciplinar (inassiduidade, indisciplina, extrapolação dos prazos, inidoneidade moral, inadequação funcional), sendo que, nesta última hipótese, as faltas funcionais, embora não estejam sujeitas, por si só, à penalidade máxima de demissão, pelo contexto ou modo como foram praticadas, inabilitam o magistrado não-vitalício ao exercício do cargo. Transcreve-se aresto do STJ sobre o assunto: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO. INAPTIDÃO PARA O VITALICIAMENTO OBSERVADA DURANTE O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE A SER REPARADA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O não vitaliciamento de juiz de direito substituto, em razão de omissão de informação quanto a práticas de crimes, não se mostra desarrazoado nem desproporcional, mas sim, condizente com a busca da ética na Magistratura. 2. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento. (STJ – RMS 14.874 MS 2002/0058367-2. Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 07/12/2010, T6 - SEXTA TURMA)
O exame da aptidão do magistrado para o exercício da magistratura deve ocorrer dentro do ínterim bienal do estágio probatório
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segundo os critérios objetivos alhures mencionados, respeitando-se sempre o contraditório e a ampla defesa, sob pena de nulidade, conforme Súmula nº 21 do STF e entendimento do c. STJ, cujas ementas a seguir transcrevem-se: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. PROCESSO DE VITALICIAMENTO. NULIDADE. 1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, na letra do enunciado 21 de sua Súmula, estabeleceu que o “funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”, entre as quais, como é da doutrina e da jurisprudência de nossos Tribunais e deste Superior Tribunal de Justiça, estão o direito ao contraditório e à ampla defesa, na exata medida em que, embora não seja penalidade a exoneração do servidor público de desempenho ineficaz ou que não satisfaça as exigências legais, objetivas e subjetivas, da função pública, constitui induvidosa perda material e, até, moral, precisamente porque se lhe nega almejado exercício de função pública. 2. É do Estado o poder-dever de apurar e demonstrar a inaptidão para a função judicante do agente político, em processo de vitaliciamento. 3. Recurso parcialmente provido. (STJ - RMS: 13967 PE 2001/0145368-8, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 04/02/2003, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10/03/2003 p. 312) DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. EXONERAÇÃO. EXIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTES. RECURSOORDINÁRIO PROVIDO. 1. Em se tratando de exoneração de servidor público que se encontra em estágio probatório, não se apresenta necessário prévio processo administrativo disciplinar. No entanto, devem-lhe ser assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. 2. Hipótese em que o recorrente apresentou tão-somente defesa escrita em que se reporta às provas colhidas em autos de inquérito policial, uma vez que nada foi apurado, de fato, na esfera administrativa. Não houve interrogatório, indiciamento, oitiva de testemunhas na presença
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do servidor ou de seu advogado ou defensor dativo, não figurando formalmente como acusado. 3. Recurso ordinário provido. (STJ, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 14/08/2007, T5 - QUINTA TURMA)
Por se tratar de uma análise continuativa do exercício da função jurisdicional do juiz vitaliciando é necessário, para aprová-lo ou reprová-lo, que o processo de vitaliciamento seja deflagrado e instruído dentro do biênio constitucional do estágio probatório. A conclusão e o julgamento do processo, entretanto, poderão ocorrer após o encerramento do prazo de dois anos quando não for possível, em razão do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo magistrado, ou pela necessidade de formação do convencimento dos julgadores, apreciá-lo dentro do biênio, aplicando-se a condição suspensiva de que trata o § 1º do art. 23 da Resolução nº 135/2011. Como a vitaliciedade é ato meramente declaratório, seus efeitos retroagem à data do término do período de vitaliciamento, seja para aprovar, seja para reprovar o magistrado não-vitalício. A decisão do tribunal ou órgão especial acerca do vitaliciamento deve ser fundamentada (art. 93, X, da CRFB) e possui quóruns de julgamento diferentes para a aprovação e a reprovação do magistrado vitaliciando. Na hipótese de reprovação, a natureza excepcional da medida, que tem reflexos nefastos na vida profissional e pessoal do juiz não-vitalício, exige, para sua concretização, o voto de dois terços dos membros efetivos do tribunal, conforme dispõe o § 1º do art. 22 da LOMAN. Saliente-se que, s.m.j., não se sustenta o entendimento de que a EC nº 45/2004, ao modificar a redação do inciso VIII do art. 93 da CRFB, teria revogado o § 1º do art. 22 da LOMAN e reduzido, por conseguinte, o quórum de votação nos casos de vitaliciamento dos juízes. A exoneração do magistrado em estágio probatório não é ato de remoção, disponibilidade ou aposentadoria, sendo incabível a sua reprovação por mera maioria absoluta do tribunal ou órgão especial. De igual forma, é incorreto afirmar, com a devida vênia, que o quórum qualificado do § 1º do art. 22 da LOMAN não foi recepcionado pela Constituição de 1988 por força da disposição contida no
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inciso X do art. 93, porquanto a exoneração do juiz vitaliciando em decorrência da sua reprovação no estágio probatório não se constitui pena disciplinar, pois não possui caráter punitivo. A contrario sensu, há duas formas para a aprovação do juiz no estágio probatório: (i) a expressa ou explícita, quando o magistrado obtiver os votos da maioria simples dos membros efetivos do tribunal ou órgão especial presentes à sessão que o apreciar; e (ii) a implícita ou tácita, quando, não recebendo o voto da maioria simples do tribunal ou órgão especial, não tiver sido atingido o quórum especial mínimo de dois terços dos membros votantes para reprová-lo. Neste sentido é o entendimento do STF: DECISÃO: - Vistos. Autos conclusos em 2.8.2001. Reconsidero a decisão à f. 365, dado que o agravante demonstrou que consta no processo o inteiro teor da decisão agravada (f. 352 e 237). Passo ao exame da decisão que inadmitiu o extraordinário. O acórdão recorrido porta a seguinte ementa: “RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. VITALICIEDADE. EXONERAÇÃO. NECESSIDADE DO QUORUM QUALIFICADO (ART. 93, VIII, CF). ANULAÇÃO. Constatando-se que o magistrado em questão já adquirira a vitaliciedade, para que fosse afastado de suas funções era necessário o quorum qualificado. A decisão que o exonerou considerou 2/3 de 6, quando deveria levar em conta 2/3 de 7 (composição do Tribunal local). Recurso provido para anular o julgamento administrativo, sem prejuízo de que a nova decisão venha a ser proclamada, pela Corte a quo, obedecendo-se ao quorum necessário e aos ditames legais, como entender de direito” (f. 225). Opostos embargos de declaração, foram rejeitados sob a seguinte ementa: “RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO: VITALICIEDADE. QUESTÃO ESSENCIAL PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA SOBRE A NECESSIDADE OU NÃO DE QUORUM QUALIFICADO PARA DELIBERAÇÃO. EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DO CARGO DE JUIZ DE DIREITO POR MAIS DE 2 ANOS. FATO CONSUMADO. SUPERAÇÃO DO ESTÁGIO PROBATÓRIO. VITALICIEDADE ATINGIDA. Para o deslinde da controvérsia acerca da necessidade ou não do quorum qualificado para exonerar o embargado, se fazia necessário
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examinar a questão da vitaliciedade sem implicar decisão ultra petita. Investido no cargo de Juiz de Direito em 22.11.91, foi dele afastado, em sessão administrativa de 30.9.93. Em 15.10.93, o Eg. Supremo Tribunal Federal, em mandado de segurança, concedeu-lhe liminar para retornar ao exercício do cargo, e, em sessão administrativa (19.04.94) do TJ/RR, proclamou-se-lhe a vitaliciedade, seguida de promoção por antiguidade (30.04.94). Em 27.04.95, o Eg. STF não conheceu do writ, por entender competente a Corte Estadual, e revogou a liminar. Em sessão ordinária de 25.10.95, o Tribunal de Justiça anulou a vitaliciedade, advindo a exoneração do embargado. Continuidade do exercício das funções de Juiz de Direito por mais de 4 anos, período no qual atuou, proferindo despachos e sentenças, obtendo até promoção. O prazo de 2 anos previsto para o estágio probatório é de efetivo exercício e, em razão da própria natureza desse instituto, uma vez cumprido esse período, adquirida está a estabilidade ou a vitaliciedade. No período da suspensão liminar do afastamento, por força da qual teve continuação o exercício do cargo, consumou-se a situação da conclusão do período para o estágio probatório, situação de fato criada, de que se irradia direito público subjetivo ao cargo. Os acórdãos embargados não extrapolaram, assim, os limites dispostos na lide. Embargados rejeitados, mantendo-se os acórdãos combatidos” (f. 298). Daí o RE, em que se alega ofensa ao art. 5º, XXXVI, LIV, LV, da Constituição, recurso que não foi admitido pelo eminente então Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Costa Leite. Destaco da decisão agravada: “(...) Não se excedeu o acórdão ao apreciar a questão da vitaliciedade do magistrado, uma vez que tal aspecto era imprescindível para a solução da controvérsia, ou seja, para definir o seu direito ou não à votação com quorum qualificado para o seu afastamento da judicatura. Ora, uma vez constatada a sua condição de juiz vitalício, conforme amplamente demonstrada no acórdão, somente por decisão obtida mediante quorum qualificado poderia o mesmo ser afastado. Assim, não vislumbrando as invocadas ofensas ao texto constitucional, não admito o recurso” (f. 237). A decisão mantém-se por seus fundamentos. Nego seguimento ao agravo. Publique-se. Brasília, 27 de setembro de 2001. (AI 326103 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 27/09/2001, publicado em DJ 14/02/2002 P - 00109) (grifei)
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Merece transcrição a seguinte decisão do e. STJ sobre o assunto: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. REPROVAÇÃO EM ESTÁGIO PROBATÓRIO. VITALICIEDADE ADQUIRIDA POR FALTA DE QUORUM QUALIFICADO. DECISÕES DISCREPANTES. EFETIVO EXERCÍCIO POR PERÍODO SUPERIOR A DOIS ANOS. VITALICIEDADE ADQUIRIDA. Em uma mesma decisão, o Tribunal a quo decidiu pela não aprovação do magistrado no estágio probatório, mas, por outro lado, pela ausência do quorum qualificado, considerou-o vitalício. Conforme precedentes jurisprudenciais, basta o transcurso do prazo estipulado na norma constitucional (art. 95, I, CF) para que o magistrado goze da garantia da vitaliciedade. No caso, são passados quase oito anos da decisão impugnada, com o magistrado no efetivo exercício do cargo por todo esse tempo. Recurso desprovido. (STJ - RMS: 11990 DF 2000/0047052-0, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 27/11/2001, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25/02/2002 p. 403 RSTJ vol. 164 p. 479)
O TRF da 5ª Região também já apreciou a matéria, assim decidindo: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZ FEDERAL. ESTÁGIO PROBATÓRIO. INCONSTITUCIONALIDADE E ILEGALIDADE DO ACÓRDÃO POR MAIORIA INFERIOR A 2/3. OFENSA AO ART. 93, INCISO X DA CF, AO ARTIGO 22 PARÁGRAFO 1º DA LC 35/79 E AO 287 DO RITRF DA 5ª REGIÃO. - A Constituição Federal foi omissa quanto ao quorum das decisões administrativas de avaliação do estágio probatório, pois o art. 93 é o único que trata dessa matéria, só fazendo menção em dois momentos: a) no inciso VIII, quando se refere expressamente, com exclusividade, às decisões fundadas em matéria de remoção, disponibilidade e aposentadoria dos magistrados que serão deliberadas por maioria absoluta de seus membros; b) e no inciso X, quando tratou das decisões administrativas dos tribunais que deverão ser motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares, e somente estas, tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. - O processo de exoneração não se constitui em pro-
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cesso administrativo disciplinar, vez que a exoneração não é uma penalidade, pois não tem fim punitivo. -Não havendo na Constituição Federal qualquer previsão sobre o quorum das decisões administrativas para exoneração de juiz não vitalício, resta evidente que tal previsão ficou sob a regulamentação da legislação infraconstitucional (LC nº 35/79 -LOMAM)- “Os Juízes Federais Substitutos serão vitalícios após dois anos de exercício. Enquanto não adquirida a vitaliciedade, não poderão perder o cargo senão proposta do Tribunal, adotada pelo voto de dois terços dos seus membros”.(inteligência do artigo 287, parágrafo 1º do Regimento Interno desta Corte, à época da exoneração do impetrante). - Concedo a segurança. (TRF5 - MSPL: 92119 PE 2005.05.00.036258-0, Relator: Desembargador Federal Napoleão Maia Filho, Data de Julgamento: 30/05/2006, Pleno, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 06/07/2006 - Página: 642 - Nº: 128 - Ano: 2006) 2.1.1.4. Disponibilidade e aposentadoria compulsória do magistrado vitalício
A disponibilidade e a aposentadoria compulsória figuram dentre as penalidades administrativas disciplinares aplicáveis aos magistrados (art. 93, VIII, da CRFB c/c art. 42, IV e V, da LOMAN), e consistem na colocação do juiz vitalício em inatividade remunerada, com afastamento das suas funções jurisdicionais, sem a perda do cargo. Em ambas as hipóteses o magistrado vitalício permanece ocupando o cargo, em decorrência da garantia da vitaliciedade, já que a Constituição da República proíbe a sua perda administrativa, porém, deixa de exercer suas atividades funcionais e receberá remuneração proporcional ao tempo de serviço. Afora isto, várias são as diferenças entre a disponibilidade e a aposentadoria compulsória, sendo aquela sanção mais branda do que esta. Na disponibilidade, a infração disciplinar, apesar de grave, não justifica a pena de aposentadoria, incompatibilizando o magistrado vitalício apenas temporariamente com o exercício da função (art. 58 da LOMAN). O afastamento é provisório e se dará pelo prazo máximo de dois anos (art. 57, § 1º, da LOMAN), vencido o qual o magistrado poderá pleitear o seu retorno à jurisdição. Durante o
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período de inatividade, o magistrado posto em disponibilidade mantém as vedações impostas pelo art. 95, parágrafo único, da CRFB e art. 36 da LOMAN. Na aposentadoria compulsória, a falta disciplinar é de tal gravidade que incompatibiliza o magistrado, permanentemente, com o exercício da função (art. 58 da LOMAN). O afastamento é, neste caso, definitivo e o magistrado não poderá postular o seu retorno à jurisdição. Uma vez aposentado, cessam-se as vedações do art. 95, parágrafo único, da CRFB, salvo a do inciso V, e do art. 36 da LOMAN. As sanções de disponibilidade e aposentadoria compulsória também estão previstas na Resolução nº 135 do CNJ que, inclusive, fez a seguinte gradação: Art. 6º O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória. Art. 7º O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando: I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
E, repisando o disposto no art. 93, VIII, da CRFB, estabeleceu o CNJ acerca do quórum qualificado de votação: Art. 21. A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial. Parágrafo único. Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais
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de duas penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos.
Tais penalidades, longe de serem privilégios ou “prêmios” aos juízes faltosos, decorrem da própria garantia da vitaliciedade, que foi conferida aos magistrados como meio de assegurar a sua plena independência e imparcialidade para o exercício da função jurisdicional, salvaguardando-os de pressões internas ou externas que possam influenciar, de alguma forma, as suas decisões. Não se trata, portanto, de privilégio pessoal ou proteção ao juiz buscando evitar punições em caso de crimes ou infrações funcionais, mas sim, de preservação da independência e imparcialidade do órgão julgador, essenciais ao Estado Democrático de Direito e asseguradas a todo o cidadão no inciso LIII do art. 5º da Constituição Federal. A despeito disto, tramita na Câmara dos Deputados a proposta de emenda constitucional nº 505/2010, oriunda do Senado Federal (PEC 89/2003), de autoria da Senadora Ideli Salvati, à qual foram apensadas as PECs 86/2011 e 163/2012, visando alterar os arts. 93, 95, 103-B, 128 e 130-A da Constituição da República, a fim de excluir a aposentadoria por interesse público do rol de sanções aplicáveis aos magistrados e permitir a perda de cargo por decisão administrativa do tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça. Simultaneamente, também tramitou no Senado Federal a proposta de emenda constitucional nº 53/2011, de autoria do Senador Humberto Costa, tratando da mesma matéria, em termos iniciais bem similares. Ambas as PECs, ao pretenderem introduzir a figura da demissão administrativa de juízes vitalícios (ainda que tornada ato administrativo complexo, a depender de “homologação” judiciária, como se chegou a propor), são materialmente inconstitucionais por afrontarem a garantia da vitaliciedade, uma das cláusulas pétreas assecuratórias do princípio da separação dos poderes e, portanto, imutável. Tem enfrentado, por isto, a resistência da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e de outras associações congêneres. Mais recentemente, resultando em boa medida do trabalho político dessas entidades no Senado Federal, aprovou-se substitutivo à PEC n. 53/2011, de autoria do Senador Blairo Maggi, que, se se-
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gue extinguindo a figura da aposentadoria compulsória como pena, preserva integralmente a vitaliciedade constitucional dos juízes. Esse substitutivo encontra-se atualmente em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (jan./2014). A respeito da aposentaria compulsória, alguns esclarecimentos adicionais são necessários. Diferentemente do que se propaga nos meios de comunicação de massa, esta penalidade não se caracteriza “prêmio” ao magistrado punido com a inatividade remunerada. A previdência pública brasileira (art. 40 da CRFB) é regida pelo princípio da solidariedade, isto é, os entes federativos, os servidores ativos e inativos, e os pensionistas devem financiá-la para custear os benefícios pagos. E, diferentemente da saúde e da assistência social, outros direitos abarcados pela Seguridade Social, também pelo princípio contributivo, por meio do qual o segurado contribui diretamente para a previdência visando à percepção de um benefício individual futuro. O magistrado, sujeito à norma do art. 40 da CRFB e às regras de transição das Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2003 e 47/2005, contribui, desde o seu ingresso na carreira, para a Previdência Social do Servidor Público e adquire, mediante suas contribuições mensais, muito mais do que uma mera expectativa, mas o direito de, no futuro, quando preenchidos os requisitos exigidos por lei, receber um benefício. A aposentadoria proporcional, portanto, é a contrapartida que o magistrado receberá por ter contribuído para a previdência social, e não por ocupar o cargo juiz. É certo que, em razão da vitaliciedade, esta proporcionalidade será apurada conforme as regras do serviço público, já que o magistrado aposentado compulsoriamente continua ocupando o cargo. Para estes juízes que desonram o Judiciário e se incompatibilizam com o exercício da judicatura, a legislação prevê a possibilidade, mediante ação própria, de perda de cargo que, se ocorrer, ocasionará a revisão da aposentadoria, a qual passará a ser orientada pelas regras do regime geral de previdência.
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Em qualquer hipótese, porém, a negação da aposentadoria significa violação do princípio contributivo que rege a previdência social e, em última análise, soará como confisco de bens. 2.1.2. INAMOVIBILIDADE
A inamovibilidade é outra garantia funcional concedida pelo constituinte originário aos magistrados e consiste na impossibilidade destes de serem removidos de sua lotação sem a sua anuência. Nos dizeres de PEDRO LENZA28, “garante-se ao juiz a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição”. Esta garantia também impede que juízes sejam promovidos de ofício, contra a sua vontade. ALEXANDRE DE MORAES29 leciona que “uma vez titular do respectivo cargo, o juiz somente poderá ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade”. Trata-se de mais um princípio garantidor da independência e imparcialidade do magistrado que, na visão de PONTES DE MIRANDA30: A inamovibilidade prende-se à divisão dos Poderes e à independência do Poder Judiciário. Se um dos outros Poderes pudesse remover os juízes, não teriam esses a independência que se pretende necessária. Inamovíveis e vitalícios, ficam os juízes a coberto de prejuízos materiais e morais, que lhes infligiriam os dirigentes e os legisladores. O princípio constitucional tem por fito obstar assim os golpes do Poder executivo como os golpes do Poder Legislativo.
A inamovibilidade é de tal importância à independência e imparcialidade do magistrado que o Plenário do STF, no julgamento do Mandado de Segurança nº 27.958, decidiu que tal garantia também alcança LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 649. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 468. 30 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo III. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 570. 28 29
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o juiz substituto, contrariamente ao entendimento do CNJ sobre o assunto (Procedimento de Controle Administrativo Nº 2008.10.00.0018733). Transcreve-se a ementa do citado pronunciamento: MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE CONSIDEROU A INAMOVIBILIDADE GARANTIA APENAS DE JUIZ TITULAR. INCONSTITUCIONALIDADE. A INAMOVIBILIDADE É GARANTIA DE TODA A MAGISTRATURA, INCLUINDO O JUIZ TITULAR E O SUBSTITUTO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. I – A inamovibilidade é, nos termos do art. 95, II, da Constituição Federal, garantia de toda a Magistratura, alcançando não apenas o juiz titular, como também o substituto. II – O magistrado só poderá ser removido por designação, para responder por determinada vara ou comarca ou para prestar auxílio, com o seu consentimento, ou, ainda, se o interesse público o exigir, nos termos do inciso VIII do art. 93 do Texto Constitucional. III – Segurança concedida. (MS 27958, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 28-08-2012 PUBLIC 29-08-2012)
Única exceção à regra da inamovibilidade é a remoção por interesse público, ou remoção compulsória, espécie de punição ao magistrado. 2.1.2.1. Remoção, Promoção e Permuta
A promoção de magistrados está prevista no art. 93, II e III, da CRFB, ao passo que a remoção e a permuta no inciso VIII-A do citado dispositivo, acrescentado pela EC nº 45/2004. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional estabelece em seu art. 30, ao tratar da inamovibilidade, que o “juiz não poderá ser removido ou promovido senão com seu assentimento, manifestado na forma da lei, ressalvado o disposto no art. 45, item I”. Remoção é o ato administrativo de deslocamento do magistrado da sede, vara, comarca, seção, órgão, etc. para outra com idênticas atribuições, sem qualquer alteração no cargo ocupado. Em razão da garantia da inamovibilidade, a remoção não ocorre-
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rá senão mediante consentimento expresso do magistrado, salvo se houver interesse público a justificar a medida. Promoção é o ato administrativo de ascensão funcional do magistrado e se dá, na carreira da Magistratura, apenas mediante progressão vertical, modalidade na qual é imprescindível a vacância e o provimento de outro cargo. Difere, portanto, de outras carreiras públicas, nas quais a progressão funcional é horizontal e ocorre apenas pelo decurso do prazo, sem alteração do cargo ocupado. Assim como na remoção, a promoção necessita do assentimento expresso do magistrado ante a sua inamovibilidade. Permuta é o ato administrativo de deslocamento recíproco de magistrados, por interesse individual, com troca das respectivas lotações, realizada mediante concordância prévia e expressa dos juízes interessados. 2.1.2.2. Remoção, disponibilidade remunerada e aproveitamento em razão da alteração da sede do juízo
A garantia da inamovibilidade confere ao magistrado o direito de, havendo mudança da sede do juízo, remover-se para a nova sede da comarca ou para outra de igual entrância, ou permanecer em disponibilidade com vencimentos integrais, conforme estabelece o art. 31 da LOMAN, in verbis: Art. 31 - Em caso de mudança da sede do Juízo será facultado ao Juiz remover-se para ela ou para Comarca de igual entrância, ou obter a disponibilidade com vencimentos integrais.
Como se observa do dispositivo supra, o legislador criou espécie de remoção e disponibilidade não-punitivas, facultando ao magistrado, em caso de mudança da sede do juízo, ante a sua inamovibilidade, três opções de escolha: (i) remover-se juntamente com o órgão jurisdicional para a nova sede da comarca; (ii) remover-se para outra comarca vaga idêntica, à sua escolha; (iii) permanecer em disponibilidade com vencimentos integrais. A questão não é corriqueira no Poder Judiciário, e pode causar alguns impasses funcionais.
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Na hipótese do juiz optar por se remover para a nova sede da vara, a inamovibilidade estará plenamente garantia, não sem afrontar, reflexamente, eventual direito de terceiro à remoção por antiguidade ou merecimento. A despeito disto, deve a garantia da inamovibilidade prevalecer sobre esta forma de provimento derivado de cargos na carreira magistratura, pois, apesar da mudança da sede, trata-se do mesmo órgão jurisdicional. Neste sentido decidiu o Plenário do Conselho Nacional de Justiça no Procedimento de Controle Administrativo nº 139, julgado na 26ª sessão ordinária em 26-9-2006, cuja ementa é a seguinte: Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Promoção de magistrado pelo critério de merecimento. Comarca de vara única elevada a 3ª entrância e que se encontrava regularmente provida. Não pode o Tribunal nessas condições instaurar processo de provimento do cargo de juiz por remoção ou promoção por merecimento sob pena de violar a garantia de inamovibilidade prevista no art. 95 II da Constituição Federal. Prerrogativa de que goza o magistrado nela lotado. É obrigatória a promoção do juiz que figurar por três vezes consecutivas lista de merecimento a qual não pode ser confundida com lista de remoção. Tal direito, todavia, não se concretiza quando viciado, na base, o processo de promoção. A promoção do Juiz lotado na Comarca elevada, não sana o vício e causa prejuízo ao integrante da lista. Anulação “ab initio” de todo o processo de provimento para a referida comarca. Procedência parcial do pedido.(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 139 - Rel. Marcus Faver - 26ª Sessão - j. 26/09/2006 ). (grifei)
Se a escolha do magistrado for se remover para outra comarca de igual entrância, poderá surgir, então, nova violação reflexa ao direito de remoção por antiguidade ou merecimento de outros juízes. A solução dada pelo CNJ, quando do julgamento do Pedido de Providências nº 1.011 na 29ª sessão ordinária, ocorrida em 14-112006, foi a seguinte: O Conselho decidiu: I - por maioria, conhecer da presente consulta, vencido o Conselheiro Oscar Argollo, que dela não conhecia; II - no mérito, por maioria, respondeu à consulta no sentido de que, uma vez ocorrida a mudança da sede do
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Juízo, é facultado ao requerente, nos termos da Lei Complementar nº 35/79 - LOMAN, remover-se para a nova sede, ou para outro Juízo de igual entrância, ou, ainda, obter a disponibilidade com vencimentos integrais, assegurando-se sua preferência em relação aos juízes mais antigos, nos termos do voto proferido pela Relatora, que acolheu parte da fundamentação apresentada pelo Conselheiro Marcus Faver e excluiu a ressalva que constava inicialmente de seu voto condutor. Vencidos, em parte, os Conselheiros Oscar Argollo, Paulo Schmidt, Ruth Carvalho e Eduardo Lorenzoni. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Ellen Gracie (Presidente) e Vantuil Abdala. Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Antônio de Pádua Ribeiro (Corregedor Nacional de Justiça). Plenário, 14 de novembro de 2006.
Assentou o CNJ que o magistrado, quando houver mudança da sede do juízo do qual é titular, terá preferência sobre os demais na escolha da nova comarca onde passará a atuar, limitando-a, porém, a um órgão jurisdicional vago e de igual entrância. Esta solução atende ao disposto à regra do art. 31 da LOMAN, pois se o cargo está vago a garantia da inamovibilidade deve prevalecer, a meu ver, sobre a remoção. A última hipótese é a do magistrado postular a sua disponibilidade remunerada, com proventos integrais, caso não se remova para a nova sede ou para outra de igual entrância. Neste caso, dois aspectos devem ser abordados. O primeiro diz respeito à existência de um prazo máximo que o magistrado poderá permanecer em disponibilidade. O segundo refere-se à possibilidade de aproveitamento compulsório do magistrado pelo tribunal. O STF, no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.950, de Relatoria do Ministro Paulo Brossard, assim decidiu: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA: PRINCÍPIO DA INAMOVIBILIDADE DE MAGISTRADO. JUIZ AUDITOR SUBSTITUTO. EXTINÇÃO DO CARGO, LEI N. 8.719/93. DISPONIBILIDADE NÃO PUNITIVA. APROVEITAMENTO COMPULSORIO EM CARGO EQUIVALENTE E NO MESMO LOCAL, APÓS TER RECUSADO ESTE E OUTROS TRES EM LOCAIS DIFERENTES. 1. A garantia da inamovibilidade de magistrado esta regulada nos casos de remoção, promoção e mu-
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dança da sede do juízo, hipóteses em que ele ocupa um cargo, art. 95, II, 1. parte, da Constituição Federal e arts. 30 e 31 da LOMAN, Lei Complementar n. 35/79; nem a Constituição nem a LOMAN atribuíram a garantia da inamovibilidade ao magistrado em disponibilidade, que não ocupa cargo. 2. Ressalvada a escolha do novo cargo pelo magistrado, ele deve ser adequadamente aproveitado, respeitando-se a equivalência do cargo, por força da necessária aplicação subsidiaria do art. 41, par.3., da Constituição. Não emana da lei direito liquido e certo do magistrado recusar o seu aproveitamento ou de permanecer em disponibilidade, porque ali se contem, antes, ordem vinculante para a Administração aproveita-lo em cargo equivalente. 3. O aproveitamento de magistrado em disponibilidade não punitiva no mesmo local e em cargo idêntico ao que ocupava, não se aplicam as restrições previstas para a remoção ou promoção, que alcançam os que estão em atividade, nem viola a garantia da inamovibilidade. 4. O ato administrativo do Tribunal recorrido está motivado e atende satisfatoriamente o art. 93, X, da Constituição. A ampla defesa e o contraditório previstos no inciso VIII do mesmo artigo aplicam-se apenas aos casos de remoção, disponibilidade e aposentadoria por interesse público; não se aplicam a ato não punitivo, de rotina administrativa e em obediência a comando legal. 5. Questões menores, como a fixação voluntária de domicilio em outra cidade após a disponibilidade ou a precariedade das instalações onde funciona a Auditoria para a qual foi designado, são irrelevantes para o exercício das garantias constitucionais da Magistratura e encontram soluções pelos meios ordinários. 6. Recurso conhecido, mas improvido. (STF - RMS: 21950 DF , Relator: PAULO BROSSARD, Data de Julgamento: 08/08/1994, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 27-101994 PP-29165 EMENT VOL-01764-01 PP-00077) (g.n.)
Ao tempo em que o Excelso Pretório reconheceu não haver violação da garantia da inamovibilidade o aproveitamento compulsório do magistrado em disponibilidade não-punitiva, afirmou que este deve ocorrer “no mesmo local e em cargo idêntico ao que ocupava” o juiz. Deste julgamento extraem-se duas conclusões. A primeira é de que não há prazo máximo para a permanência do magistrado em disponibilidade não-punitiva, podendo ele, a qualquer tempo, requerer, com preferência sobre os demais, a sua remoção para outro órgão vago de igual entrância. A segunda é de que, havendo vacância de
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uma vara no mesmo local onde estava lotado originalmente o magistrado, antes da mudança da sede da comarca, e sendo idêntico o cargo a ser ocupado, pode o tribunal aproveitá-lo compulsoriamente sem que isto implique violação da garantia da inamovibilidade. No caso de extinção do órgão judiciário, aplicam-se ao magistrado, por analogia, as mesmas regras que regulam a alteração da sede da comarca. 2.1.2.3. Remoção compulsória
A remoção compulsória é espécie de penalidade prevista na legislação (art. 93, VIII, da CRFB; art. 42, III, da LOMAN; e arts. 3º, III, e 6º da Resolução nº 135/2011 do CNJ) e será aplicada quando o magistrado cometer uma infração disciplinar que o incompatibilize com o exercício da magistratura no local onde está lotado. Diferentemente da disponibilidade e da aposentadoria compulsória, não há inatividade do magistrado, que permanecerá exercendo a judicatura, porém, em localidade diversa de onde se deu a incompatibilização. Como toda sanção disciplinar, sua aplicação deve ser precedida do devido processo legal, no qual será assegurado ao magistrado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Por caracterizar mitigação à garantia da inamovibilidade, a remoção compulsória somente ocorrerá se houver quórum qualificado de votação, que se traduz na maioria absoluta do tribunal ou órgão especial, ou, ainda, do Conselho Nacional de Justiça. Não alcançada a maioria absoluta estabelecida pela Constituição da República, inviável a remoção compulsória do magistrado. Seguem decisões a respeito do tema: PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM OS DEVERES DA MAGISTRATURA. COMPROVAÇÃO DE RECEBIMENTO DE BENESSES NO EXERCÍCIO DO CARGO. RELAÇÃO ESPÚRIA ENTRE MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO E AGENTE PÚBLICO DE MUNICÍPIO. I – A competência do CNJ para julgar processos
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administrativos disciplinares decorre diretamente do comando constitucional veiculado no art. 103-B, inciso III, da Constituição Federal, não sendo a atuação do CNJ dependente ou condicionada à atuação do Tribunal ao qual se encontram vinculados os Juízes investigados por infração disciplinar. II – A análise das transcrições das interceptações telefônicas não deixa dúvida de que a magistrada solicitava reiteradamente vantagens indevidas para si e para pessoas do seu círculo social. III – Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos. IV– Em casos de desvio de conduta que envolvam corrupção e clientelismo por parte de magistrados e servidores públicos dificilmente a prova será cristalina, fácil, direta. A prova em casos tais é fragmentária, dispersa, assemelha-se a um verdadeiro mosaico, montado a partir de várias fontes, para permitir chegar-se a uma conclusão, seja pela pluralidade de agentes, pela utilização da estrutura da organização como anteparo, pela hierarquia e compartimentalização, e, não raro, pela adoção de rotinas de segredo e destruição das provas. IV - O comportamento incompatível com o exercício da Magistratura, dentre outras possibilidades previstas na LOMAN, é penalizado com remoção compulsória a bem do interesse público – art. 42, III da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 000078744.2009.2.00.0000 - Rel. GILBERTO VALENTE MARTINS 156ª Sessão - j. 16/10/2012) REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. TRIBUNAL PLENO OU ÓRGÃO ESPECIAL E O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. GRAVE CONDUTA COMISSIVA. REMOÇÃO COMPULSÓRIA (ART. 42, III, LOMAN). 1. É nula a decisão exarada pelo CorregedorGeral de Justiça que aplica penalidade disciplinar, ainda que de advertência e sob o pálio de lei complementar estadual, porquanto nos termos do art. 93, X, da Constituição Federal, bem como do art. 6º da Resolução CNJ n. 30, a competência, para esse fim, pertence ao Tribunal Pleno ou ao seu Órgão Especial. 2. O Conselho Nacional de Justiça possui competência concorrente com os tribunais para o exercício do controle disciplinar dos magistrados, nos termos do art. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal. 3. Comprovadas a autoria e a materialidade do
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descumprimento de dever funcional, a penalidade a ser aplicada deve ser adequada e proporcional à gravidade da conduta. 4. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional é cristalina ao vincular a pena de advertência a atos omissivos, caracterizadores de conduta meramente negligente (art. 43). 5. A exibição, por magistrado, de arma de fogo em audiência, com o nítido propósito de ameaça, ainda que a pretexto de garantir a ordem ou de defender-se de incontinência verbal de membro do Ministério Público, caracteriza conduta infracional comissiva de natureza grave que ofende os deveres previstos no art. 35, incisos I, IV e VIII, da LOMAN. 6. Revisão Disciplinar julgada procedente para aplicar, ao juiz requerido, a pena de remoção compulsória. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro 0003341-49.2009.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 104ª Sessão - j. 04/05/2010) PROCESSO DE REVISÃO DISCIPLINAR. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – REPRESENTAÇÕES DA AUTORIDADE POLICIAL –DEFERIMENTO – DECISÕES – ILEGALIDADE FORMAL – PRÁTICA REITERADA – MAGISTRADO – SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE ADVERTÊNCIA POR REMOÇÃO (ART. 42, III, LOMAN). I. Constatadas a autoria e a materialidade do descumprimento de dever funcional, a escolha da pena disciplinar incidente é iluminada pelo princípio da proporcionalidade, ou seja, por um juízo de ponderação ancorado no caso concreto, considerada a carga retributiva da sanção, a finalidade preventiva de novos desvios e, sobretudo, o grau de reprovabilidade da ação/omissão combatida. II. Deve-se se levar em conta a gravidade da conduta ensejadora da imputação, a carga coativa da pena, o grau de culpabilidade e a eficácia da medida punitiva. III. A proporcionalidade é um dos parâmetros de aferição da legitimidade da pena e limite do grau de discricionariedade da decisão por meio da qual opera-se sua escolha e aplicação. IV. A Lei Complementar nº 35/79, LOMAN, é cristalina ao vincular a pena de advertência a atos meramente omissivos, caracterizadores da conduta negligente. V. Procedimento a que se defere parcialmente para substituição da pena administrativa, de advertência para remoção compulsória para uma das Varas não-criminais da Comarca de Natal (art. 42, III, LOMAN). (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001880-76.2008.2.00.0000 - Rel. Mairan Gonçalves Maia Júnior - 85ª Sessão - j. 26/05/2009)
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2.1.3. IRREDUTIBILIDADE SALARIAL
A irredutibilidade de vencimentos é a terceira garantia consagrada pela Constituição da República aos magistrados e visa evitar qualquer possibilidade de redução salarial em decorrência do exercício jurisdicional. Esta garantia também está prevista na LOMAN, em seu art. 32. Segundo PEDRO LENZA31 “o subsídio dos magistrados (forma de remuneração, consoante determinou a EC n. 19/98) não poderá ser reduzido, garantindo-se, assim, o livre exercício das atribuições jurisdicionais”. ALEXANDRE DE MORAES32 ensina que “o salário, vencimento, ou como denominado na Emenda Constitucional nº 19/98, o subsídio do magistrado não pode ser reduzido como forma de pressão, garantindo-lhe assim o livre exercício de suas atribuições”. Ambos os autores defendem que a irredutibilidade salarial é apenas jurídica, ou seja, a garantia é do valor nominal do subsídio, e não real, estando os magistrados sujeitos à corrosão inflacionária, conforme já decidiu o e. STF nos seguintes julgados: Servidor público militar: supressão de adicional de inatividade: inexistência, no caso, de violação às garantias constitucionais do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV). É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não há direito adquirido a regime jurídico e que a garantia da irredutibilidade de vencimentos não impede a alteração de vantagem anteriormente percebida pelo servidor, desde que seja preservado o valor nominal dos vencimentos” (AI 618.777-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJe 3.8.2007) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. INCORPORAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO MENSAL PARA CÁLCULO DA PARCELA DENOMINADA “QUINTOS”. ART. 1º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 2.333/87. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ART. 37, XV, DA CB/88. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. IR LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 650. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 468.
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REDUTIBILIDADE NOMINAL DA REMUNERAÇÃO GLOBAL. EQUIPARAÇÃO ENTRE ATIVOS E INATIVOS. ART. 40, § 4º, DA CB/88 [REDAÇÃO ORIGINAL]. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. O art. 1º, § 1º, do decreto-lei n. 2.333/87 é claro ao dispor que “a representação mensal, devida aos membros do Ministério Público e da Advocacia Consultiva da União, incorpora-se aos respectivos vencimentos e salários para efeitos de cálculo das demais vantagens”, aplicando-se à parcela denominada “quintos” [Lei n. 6.732/79]. 2. Somente são irredutíveis os vencimentos e proventos constitucionais e legais. Precedente [RE n. 185.255, Relator o Ministro SYDNEY SANCHES, DJ 19.09.97]. 3. O art. 37, XV, da Constituição assegura a irredutibilidade nominal da remuneração global - soma de todas as parcelas, gratificações e outras vantagens percebidas pelo servidor. Precedentes [RE n. 344.450, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJ 25.02.05; RMS n. 23.170, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 05.12.03; RE n. 293.606, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 14.11.03] 4. A equiparação entre ativos e inativos prevista na redação original do art. 41, § 4º, da Constituição somente é legítima quando os vencimentos pagos àqueles são calculados em observância à legislação. 5. Segurança denegada” (MS 21.659, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ 3.2.2006)
Para PONTES DE MIRANDA33 a vitaliciedade sem irredutibilidade de subsídios de nada valeria, na medida em que, talhada a independência econômica, não haveria independência funcional. Neste sentido, jungida à garantia da irredutibilidade salarial deve estar a obrigação constitucional da revisão anual da remuneração dos magistrados prevista no art. 37, X, in fine, da CRFB. Trata-se do princípio da periodicidade, reforçado pelo constituinte derivado com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/1998, que, na lição de HELY LOPES MEIRELLES34, significa a garantia da irredutibilidade real dos subsídios:
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo III. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 573. 34 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 431. 33
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É assegurada revisão geral anual dos subsídios e vencimentos, sempre na mesma data e sem distinção de índices (CF, art. 37, X). Aqui, parece-nos que a EC 19 culminou por assegurar a irredutibilidade real e não apenas nominal do subsídio e dos vencimentos.
Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO35 o objetivo da revisão geral anual é justamente este, atualizar as remunerações de modo “a acompanhar a evolução do poder aquisitivo da moeda; se assim não fosse, não haveria razão para tornar obrigatória a sua concessão anual, no mesmo índice e na mesma data para todos”. Sobre o tema, assevera a hoje Ministra do Supremo Tribunal Federal CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA36: A norma modificada e inserida no art. 37, X, in fine, fortaleceu-se com a Emenda Constitucional n. 19/98, porque se estabeleceu, ao lado do dever estatal de processar a revisão de determinada forma (genericamente, na mesma data e com idêntico índice), o direito funcional de ter aquela revisão anualmente. O direito à anualidade da revisão é posto constitucionalmente com a Emenda supra‑referida.
O Supremo Tribunal Federal também já decidiu pela obrigatoriedade da revisão geral da remuneração dos servidores públicos, reconhecendo a autoaplicabilidade do art. 37, X, da CRFB, conforme julgamentos: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC Nº 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 538. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 324.
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prevista no art. 61, § 1º, II, a, da CF. Mora que, no caso, se tem por verificada, quanto à observância do preceito constitucional, desde junho/1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC nº 19/98. Não se compreende, a providência, nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogitar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, § 2º, in fine, que prevê a fixação de prazo para o mister. Procedência parcial da ação. (ADI 2061, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2001, DJ 29-06-2001 PP-00033 EMENT VOL-02037-03 PP-00454 RTJ VOL-00179-02 PP-00587) RECURSO ORDINÁRIO - PRAZO - MANDADO DE SEGURANÇA - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O silêncio da legislação sobre o prazo referente ao recurso ordinário contra decisões denegatórias de segurança, ou a estas equivalentes, como é o caso da que tenha implicado a extinção do processo sem julgamento do mérito - mandado de segurança nº 21.112-1/ PR (AGRG), relatado pelo Ministro Celso de Mello, perante o Plenário, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 29 de junho de 1990, à página 6.220 - é conducente à aplicação analógica do artigo 33 da Lei nº 8.038/90. A oportunidade do citado recurso submete-se à dilação de quinze dias. REVISÃO DE VENCIMENTOS - ISONOMIA. “a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data” - inciso X - sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo) os vencimentos dos servidores públicos civis e militares - inciso XV, ambos do artigo 37 da Constituição Federal. (RMS 22307, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/1997, DJ 13-06-1997 PP-26722 EMENT VOL-01873-03 PP-00458 RTJ VOL-00163-01 PP-00132)
De igual forma, o Excelso Pretório chegou a reconhecer que a irredutibilidade salarial é real, e não apenas nominal, conforme decisões: REVISÃO DE VENCIMENTOS - ISONOMIA. De acordo com o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, “a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data”, sendo irredutíveis, sob o ângulo
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não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo), os vencimentos dos servidores públicos civis e militares (inciso XV do mesmo artigo). (RE 269648 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/11/2000, DJ 06-04-2001 PP-00098 EMENT VOL02026-11 PP-02278) REVISÃO DE VENCIMENTOS - ISONOMIA. De acordo com o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, “a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data”, sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo), os vencimentos dos servidores públicos civis e militares (inciso XV do mesmo artigo). AGRAVO - CARÁTER INFUNDADO - MULTA. Surgindo do exame do agravo a convicção sobre o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil. (AI 280221 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 18/12/2000, DJ 2704-2001 PP-00066 EMENT VOL-02028-13 PP-02750)
Por tais razões, e considerando que a finalidade do instituto é manter o poder aquisitivo do subsídio em face da corrosão da moeda, a recomposição inflacionária anual configura direito subjetivo dos magistrados enquanto destinatários da norma insculpida do inciso X do art. 37 da Constituição Federal. Caracterizando-se como verdadeiro poder-dever do Estado, o percentual de correção do valor do subsídio deve absorver as perdas inflacionárias e abarcar todo o período de “congelamento” salarial, retroagindo, inclusive, se não houver sido respeitada a periodicidade anual de revisão da remuneração. Tal posicionamento assegura a aplicação plena do inciso X do art. 37 da Carta Política de acordo com os ensinamentos de Hesse37, no qual as normas constitucionais devem ser interpretadas à luz das regras da hermenêutica constitucional, aplicando-se-lhes os
Apud BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p 253.
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princípios (i) da máxima efetividade ou eficiência – atribuindo a uma norma constitucional o sentido que maior eficácia lhe conceda –; e (ii) da força normativa da constituição – adotando-se dentre as interpretações possíveis aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais. Assim, muito mais do que uma mera expectativa, a recomposição anual dos subsídios de acordo com a inflação é um direito subjetivo dos magistrados e visa garantir a irredutibilidade real do valor da remuneração, e não apenas nominal, com a manutenção do poder aquisitivo do juiz.
2.2. GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE DOS MAGISTRADOS A garantia de imparcialidade do magistrado, dada a sua importância, foi expressamente reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10-12-1948, estabelecendo-se em seu artigo 10º: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA38, as vedações impostas pelo constituinte visam à garantia de imparcialidade dos órgãos judiciários, em defesa da sociedade, e estão expressamente previstas na Constituição Federal no parágrafo único do art. 95: Art. 95. omissis (...) Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 590-591.
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II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária. IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
O legislador infraconstitucional, ao editar a Lei Complementar nº 35/1979 (LOMAN), recepcionada, nesta parte, pela nova ordem constitucional, também estabeleceu restrições aos magistrados, em seu art. 36: Art. 36 - É vedado ao magistrado: I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista; II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração; III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.
E, finalmente, tem-se o Código de Ética da Magistratura Nacional editado pelo CNJ, instituiu outros impedimentos aos juízes em seus Capítulos II e III. A profissão do magistrado, pelas suas peculiaridades, demanda dedicação permanente e exclusiva, características fundamentais para o exercício da judicatura e para a efetiva prestação jurisdicional. As vedações a eles impostas, portanto, tem por objetivo garantir, justamente, que o exercício da jurisdição ocorra sem interferências de qualquer natureza.
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Por serem autoexplicativas, desnecessária uma análise mais aprofundada de cada restrição, valendo citar apenas algumas decisões acerca do tema: a) Exercício de outro cargo ou função
Sobre a proibição do magistrado de exercer outro cargo ou função, ainda que em disponibilidade, tanto o e. STF, quanto o CNJ já se pronunciaram sobre o tema. Seguem abaixo algumas decisões: Mandado de segurança. Resolução 10/2005 do CNJ. Vedação ao exercício de funções, por parte dos magistrados, em tribunais de justiça desportiva e suas comissões disciplinares. Estabelecimento de prazo para desligamento. Norma proibitiva de efeitos concretos. Inaplicabilidade da Súmula 266/STF. Impossibilidade de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, exceto o de magistério. A proibição jurídica é sempre uma ordem, que há de ser cumprida sem que qualquer outro provimento administrativo tenha de ser praticado. O efeito proibitivo da conduta – acumulação do cargo de integrante do Poder Judiciário com outro, mesmo sendo este o da Justiça Desportiva – dá-se a partir da vigência da ordem e impede que o ato de acumulação seja tolerado. A Resolução 10/2005 do CNJ consubstancia norma proibitiva, que incide, direta e imediatamente, no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos magistrados que desempenham funções na Justiça Desportiva e é caracterizada pela autoexecutoriedade, prescindindo da prática de qualquer outro ato administrativo para que as suas determinações operem efeitos imediatos na condição jurídico-funcional dos impetrantes. Inaplicabilidade da Súmula 266/STF. As vedações formais impostas constitucionalmente aos magistrados objetivam, de um lado, proteger o próprio Poder Judiciário, de modo que seus integrantes sejam dotados de condições de total independência e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão com outras atividades deixe em menor valia e cuidado o desempenho da atividade jurisdicional, que é função essencial do Estado e direito fundamental do jurisdicionado. O art. 95, parágrafo único, I, da CR vinculou-se a uma proibição geral de acumulação do car-
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go de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição, salvo uma de magistério.” (MS 25.938, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-4-2008, Plenário, DJE de 12-9-2008.) MAGISTRATURA - REGIME JURÍDICO - ACUMULAÇÃO COM A FUNÇÃO DE GRÃO-MESTRE DA MAÇONARIA VEDAÇÃO. I - O Regime Jurídico da Magistratura previsto na Constituição Federal e explicitado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, ao estipular prerrogativas, deveres e vedações, visa, precipuamente, preservar a independência e a imparcialidade do magistrado. II - É vedado acumular o exercício da Magistratura com o de grão-mestre da maçonaria, consoante se depreende do disposto no artigo 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal e do art. 36, inciso II, da Lei Complementar nº 35/1979. III - Consulta respondida contrariamente à possibilidade de o requerente, em razão de ser magistrado, exercer a função de grão-mestre da maçonaria. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 596 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 29ª Sessão - j. 14/11/2006 ). Pedido de Providências. Vedações impostas aos magistrados. Consulta formulada por servidor público. Conhecimento. Vigência da LOMAN. Premissa fundamental. Conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, está em plena vigência os dispositivos da Lei Complementar nº 35/79, particularmente sobre os deveres e vedações aos magistrados. Matéria, aliás, também já apreciada no CNJ quando da edição da Resolução nº 10/05. Regras complementadas pelo art. 95 e parágrafo único da Constituição Federal. Prevalência do princípio da dedicação exclusiva, indispensável à função judicante. Não pode o magistrado exercer comércio ou participar, como diretor ou ocupante de cargo de direção, de sociedade comercial de qualquer espécie/natureza ou de economia mista (art. 36, I da LOMAN). Também está impedido de exercer cargo de direção ou de técnico de pessoas jurídicas de direito privado (art. 44 do Código Civil c/c art. 36, II da LOMAN). Ressalva-se apenas a direção de associação de classe ou de escola de magistrados e o exercício de um cargo de magistério. Não pode, consequentemente, um juiz ser presidente ou diretor de Rotary, de Lions, de APAEs, de ONGs, de Sociedade Espírita, RosaCruz, etc, vedado também ser Grão Mestre da Maçonaria; síndico de edifício em condomínio; diretor de escola ou faculdade
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pública ou particular, entre outras vedações. Consulta que se conhece respondendo-se afirmativamente no sentido dos impedimentos. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 775 - Rel. Marcus Faver - 29ª Sessão - j. 14/11/2006 ). Consulta. Alcance da Resolução nª 10/2005 do CNJ. Exercício de cargos, sem remuneração, em instituição filantrópica. Impossibilidade. Dedicação exclusiva do magistrado à judicatura. Exceção feita ao Magistério. Art. 36 da LOMAN.(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 971 - Rel. Marcus Faver - 29ª Sessão - j. 14/11/2006 ). Reclamação disciplinar. Magistrado. Justiça desportiva. Acúmulo de funções. Impossibilidade. Afastamento do magistrado dos quadros do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. I - O prévio esgotamento das instâncias da justiça esportiva constitui condição indispensável ao acesso ao Poder Judiciário, sempre que a demanda versar sobre disciplina e competições esportivas (CF art. 217, §§ 1º e 2º). II - Os membros dos Tribunais de Justiça Desportiva exercem função técnica, daí porque exige a legislação de regência que sejam bacharéis em Direito ou pessoas de notório saber jurídico, e de conduta ilibada (Lei nº 9.615/98, 55, § 4º). III Aos juízes é vedado exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério (CF art. 95, § único, I). Referido óbice constitucional alcança não apenas a acumulação remunerada de cargos e funções, mas também sua reunião a título gratuito. Procurou a Lei Maior prestigiar os afazeres da Magistratura, impedindo possa o integrante do Poder Judiciário, em face de obrigações profissionais concorrentes com aquelas advindas do exercício da jurisdição, negligenciar o cumprimento de suas responsabilidades, independentemente do acúmulo se aperfeiçoar a título gratuito ou oneroso. Precedente do STF. IV – Ao Magistrado é obstado o exercício de cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação de qualquer natureza ou finalidade (art. 36, I) proibição que tem a intenção manifesta de assegurar o cumprimento dos deveres de presteza, exação e pontualidade no exercício das funções jurisdicionais (LOMAN art. 35, II, III e VI). V - Em sendo o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) órgão integrante da estrutura da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), pessoa jurídica de direito privado, as funções cometidas aos seus integrantes são tidas, para todos os efeitos, como correspondendo ao desempe-
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nho de atividade técnica em sociedade, associação ou uma outra qualquer modalidade de pessoa jurídica de direito privado. Resta inteiramente aplicável, dessarte, a norma disciplinar inserta no art. 36, II da LOMAN. VI - É absoluta a incompatibilidade existente entre as funções atinentes a Magistratura e aquelas próprias dos integrantes dos Tribunais de Justiça Desportiva. VII - Afastamento do Reclamado dos quadros do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. VIII - Resolução editada pelo Conselho Nacional de Justiça, por isso que se trata de matéria que merece disciplina uniforme no âmbito do Poder Judiciário. VIII - Reclamação parcialmente procedente. (CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 127 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 11ª Sessão - j. 19/12/2005 ). Recurso Administrativo. Reclamação Disciplinar. Perda de Objeto. Maçonaria. Resolução. Arquivamento Mantido. I – O Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na apreciação do Pedido de Providências n. 775/06, já decidiu sobre as funções que podem ou não ser exercidas pelos magistrados, no mesmo sentido do deliberado nesta reclamação. A conveniência ou não de edição de resolução é do CNJ e não da parte. II – A Corregedoria Nacional de Justiça expediu orientação às Corregedorias de Justiça a fim de que sejam fiscalizadas as vedações impostas aos magistrados, relativamente ao exercício de funções da justiça desportiva e de grão-mestre de entidade maçônica, ou de cargos de direção de ONGs, entidades beneficentes e de instituições de ensino (Orientação n. 02/2007). III – Recurso a que se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD Reclamação Disciplinar - 218 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 9ª Sessão (EXTRAORDINÁRIA) - j. 17/04/2007 ). PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE DE MAGISTRADO E DIRETOR PRESIDENTE DE COOPERATIVA DE ECONOMIA E CRÉDITO MÚTUO DE MAGISTRADOS. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Não estão os magistrados em atividade autorizados a exercer a função de diretor de entidade cooperativa, com prejuízo da dedicação exclusiva, indispensável ao exercício da judicatura. Precedentes do CNJ. – “As atividades relativas à função de Magistrado cumuladas ao cargo de Diretor Presidente de Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Juízes do Rio Grande do Sul - SICRED AJURIS são absolutamente incompatíveis com a Consti-
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tuição, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e a Orientação n.º 02 da Corregedoria deste Conselho, e em homenagem aos unânimes precedentes aqui reafirmados, tendo em vista que todas essas vedações visam assegurar a eficiência e a isenção da atividade principal dos juízes, isto é, a atividade judicante, que só pode ser bem exercida com absoluta independência e isenção.” Fica assegurado ao requerente a faculdade de permanecer no exercício do cargo até o encerramento do mandato. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo 0000569-50.2008.2.00.0000 - Rel. TÉCIO LINS E SILVA - 75ª Sessão - j. 02/12/2008 ). TJMA - PARTICIPAÇÃO - MAGISTRADO - MEMBRO - PRESIDÊNCIA - CONSELHO DE CURADORES - FUNDAÇÃO DIREITO PÚBLICO. CONSULTA. 1. As vedações ao exercício de cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade buscam manter o magistrado dentro dos propósitos e perfis exigidos para o exercício do importante cargo. 2. Mesmo reconhecendo a nobreza de propósitos da Fundação, e que, na verdade, as funções em questão estão sediadas no Conselho de Curadores, impende observar que as competências a ele atribuídas implicam no exercício de atividades de gestão financeira, o que compromete a imparcialidade, independência e dedicação do tempo necessários à nobre função judicante. 3. Consulta a que se responde negativamente. (CNJ - CONS - Consulta - 0002744-46.2010.2.00.0000 - Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA - 109ª Sessão - j. 03/08/2010 ). b) Exercício do magistério
O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n° 34/2007 regulamentando a possibilidade de exercício, pelo magistrado, de funções de magistério, desde que haja compatibilidade de horários entre o expediente forense e as atividades acadêmicas, admitidas, além da docência, atividades de coordenação, planejamento e assessoramento pedagógico, conforme catalogado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996). Em decorrência do magistério, o CNJ proibiu a participação de magistrados em bancas de concurso em duas hipóteses (art. 20, I e
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III, da Resolução n 75/2009): (i) o exercício de magistério em cursos formais ou informais de preparação a concurso público para ingresso na Magistratura até 3 (três) anos após cessar a referida atividade; e (ii) a participação societária, como administrador, ou não, em cursos formais ou informais de preparação para ingresso na Magistratura até 3 (três) anos após cessar a referida atividade, ou contar com parentes nestas condições, até terceiro grau, em linha reta ou colateral. Transcrevem-se decisões sobre o tema: Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Resolução 336, de 2003, do presidente do Conselho da Justiça Federal, que dispõe sobre o acúmulo do exercício da Magistratura com o exercício do magistério, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Alegação no sentido de que a matéria em análise já encontra tratamento na CF (art. 95, parágrafo único, I), e caso comportasse regulamentação, esta deveria vir sob a forma de lei complementar, no próprio Estatuto da Magistratura. Suposta incompetência do Conselho da Justiça Federal para editar o referido ato, porquanto fora de suas atribuições definidas no art. 105, parágrafo único, da Carta Magna. Considerou-se, no caso, que o objetivo da restrição constitucional é o de impedir o exercício da atividade de magistério que se revele incompatível com os afazeres da Magistratura. Necessidade de se avaliar, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judicante. Referendada a liminar, nos termos em que foi concedida pelo ministro em exercício da presidência do STF, tão somente para suspender a vigência da expressão ‘único (a)’, constante da redação do art. 1º da Resolução 336/2003, do Conselho de Justiça Federal.” (ADI 3.126-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-2-2005, Plenário, DJ de 6-5-2005.) CONSULTA. ARTIGO 20, § 1º, I DA RESOLUÇÃO Nº 75/2009 DO CNJ. DESEMBARGADOR QUE EXERCE O MAGISTÉRIO EM ESCOLA DE MAGISTRATURA. IMPEDIMENTO PARA COMPOR BANCA EXAMINADORA DO CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. 1. Consulta sobre o alcance da regra do artigo 20 da Resolução nº 75/2009 deste Conselho, que estabelece impedimento à participação em banca examinadora de concurso público para ingresso na carreira da Magistratura, de quem exerça a atividade de magistério em cursos preparatórios para concurso. 2. A
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regra do artigo 20 da Resolução n. 75/2009 do CNJ objetiva preservar a moralidade na realização dos concursos e a isonomia no tratamento aos candidatos. A finalidade da norma será alcançada na medida em que as comissões e bancas de concursos sejam constituídas por profissionais sem qualquer comprometimento com o magistério em cursos preparatórios. 3. A regra de impedimento prevista no art. 20 da Resolução nº 75/2009 alcança também o magistério nas Escolas de Magistratura quando ofereçam cursos voltados à preparação de candidatos para ingresso na carreira. Consulta respondida afirmativamente. (CNJ - CONS - Consulta - 000340996.2009.2.00.0000 - Rel. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ - 90ª Sessão - j. 15/09/2009) PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. ART. 6º DA RESOLUÇÃO Nº 11/2006 DO CNJ. DESEMBARGADOR QUE EXERCE FUNÇÃO DE COORDENAÇÃO NA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO. IMPEDIMENTO PARA COMPOR BANCA EXAMINADORA DO CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. 1. A vedação instituída pela Resolução n. 11/2006 do CNJ objetiva preservar a moralidade na realização dos concursos e a isonomia no tratamento aos candidatos. A finalidade da norma será mais provavelmente alcançada na medida em que as comissões e bancas de concursos sejam constituídas por profissionais sem qualquer comprometimento com o magistério em cursos preparatórios. 2. A regra de impedimento veiculada no artigo 6º da Resolução n. 11/2006 do CNJ deve ser interpretada no sentido de abranger também as funções de direção, coordenação e/ou subcoordenação dos cursos voltados à preparação de candidatos a concursos públicos para ingresso na carreira da Magistratura. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0000926-30.2008.2.00.0000 - Rel. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ - 65ª Sessão - j. 24/06/2008) Recurso Administrativo. Reclamação Disciplinar. Magistrado. Exercício do Magistério. I - A norma do art. 95, § único da Constituição Federal não impede o exercício pelo magistrado de mais de uma atividade docente. II - O exercício do magistério pelo Magistrado deve se dar em carga horária compatível com o desempenho da atividade jurisdicional. Precedente do Supremo Tribunal Federal (Med. Caut. na ADIN nº 3.126/
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DF). III - Recurso a que se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 434 - Rel. Antônio de Pádua Ribeiro - 42ª Sessão - j. 12/06/2007) PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. PEDIDO PARA QUE SE ASSEGURE AOS MAGISTRADOS O DIREITO DE REMUNERAÇAO PELO EXERCÍCIO EVENTUAL E TRANSITÓRIO DE MEMBRO DE COMISSÃO DE CONCURSO PUBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS NOS DEMAIS PODERES E NA ADMINISTRAÇAO INDIRETA DO ESTADO. EXERCÍCIO PERMITIDO PELA CARTA MAGNA. POSSIBILIDADE DE REMUNERAÇÃO, EXCETO NOS CONCURSOS DE INGRESSO NA MAGISTRATURA. CONSULTA ACOLHIDA EM PARTE. - “1. O exercício de atividade em banca examinadora por magistrado, seja em concurso de ingresso na Magistratura ou em qualquer outro concurso público, no âmbito dos demais Poderes ou na administração indireta ou fundacional, não caracteriza a assunção de cargo ou função, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I da CFl88 e, portanto, não é vedado”. 2. Os magistrados têm direito a remuneração pelo exercício da atividade eventual e transitória de membro de comissão de concurso para provimento de cargos em outros Poderes e na administração indireta do Estado, exceto nos concursos de ingresso na Magistratura, por força do disposto no art. 65 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n.” 35, de 14.03.79), do que restou decidido no PP 1463 e de vedação expressa constante da Resolução n.” 13, de 21.03.2006 do CNJ”.(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0001205-50.2007.2.00.0000 - Rel. RUI STOCO - 54ª Sessão - j. 18/12/2007) c) Recebimento de custas ou participação em processos
Leia-se: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Estadual 10.180, de 19 de junho de 1990, de Minas Gerais. 2. Custas judiciais cobradas pelo Oficial do Registro Civil e recolhidas à disposição do Juiz de Paz. 3. Inconstitucionalidade formal. Ocorrência. Competência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para propositura da lei. Projeto de Lei proposto pelo
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Governador do Estado. 4. Os juízes de paz, na qualidade de agentes públicos, ocupam cargo cuja remuneração deve ocorrer com base em valor fixo e predeterminado, e não por participação no que é recolhido aos cofres público. Além disso, os juízes de paz integram o Poder Judiciário e a eles se impõe a vedação prevista no art. 95, parágrafo único, II, da Constituição, a qual proíbe a percepção, a qualquer título ou pretexto, de custas ou participação em processo pelos membros do Judiciário. Inconstitucionalidade material. 5. Inconstitucionalidade da expressão “recolhidas à disposição do Juiz de Paz”. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 954, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2011, DJe-099 DIVULG 25-05-2011 PUBLIC 26-052011 EMENT VOL-02530-01 PP-00001) SINDICÂNCIA - INDICATIVOS DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES FUNCIONAIS - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 1. Sindicância instaurada contra magistrado, para apurar inclusão no disposto no art. 26, II, alínea “b”, da Lei Complementar 35/1979 - LOMAN, e art. 17 do Código de Ética da Magistratura, que previsão de perda de cargo de magistrado vitalício, em razão do “recebimento, a qualquer título e sob qualquer pretexto, de percentagens ou custas nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento”. 2. Indícios de grave violação dos deveres funcionais praticada por Desembargador. Outros processos administrativos disciplinares, além de três inquéritos no Superior Tribunal de Justiça. Postura incompatível com o exercício da Magistratura. Recomendável instauração de outro Processo Administrativo Disciplinar.(CNJ - SIND - Sindicância - 0002179-82.2010.2.00.0000 - Rel. ELIANA CALMON - 121ª Sessão - j. 01/03/2011 ). d) Dedicação à atividade político-partidária
Leia-se: Recurso contra diplomação de prefeito sob alegação de ocorrência de vedação constitucional (arts. 128, § 5º, II, e, e 130 da Carta Magna) por ser o candidato eleito membro do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Interpretação do art. 29, § 3º, do ADCT da CF. Ao
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contrário do que ocorre com os juízes em geral, cujo exercício da atividade político-partidária é vedado absolutamente, por incapacidade ínsita à função mesma de juiz, o mesmo não sucede com os membros do Ministério Público, certo como é que a vedação que o art. 128, II, e, lhes impõe admite, por força mesma do texto constitucional, que a lei ordinária lhe abra exceções, o que, evidentemente, só é admissível quando não há incompatibilidade absoluta entre o exercício da função pública e o da atividade político-partidária, mas, apenas, conveniência para o desempenho daquela. (STF - RE 127.246, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 10-4-1991, Plenário, DJ de 19-4-1996). REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS APLICADA NA ORIGEM. INCONFORMISMO DO MAGISTRADO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA. MÉRITO: DECISÃO CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS E DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. INOCORRÊNCIA. REVISÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. Não demonstrada a ocorrência do alegado cerceamento de defesa, as preliminares de nulidade arguidas pelo Requerente não comportam acolhimento. 2. Afastada a alegação de que a decisão proferida na origem estaria em desacordo com as provas dos autos, sua integral manutenção é medida que se impõe. 3. Dada a gravidade da conduta imputada, a pena aplicada ao Requerente não se afigura desproporcional. 4. Pedido de revisão julgado improcedente. (CNJ - REVDIS Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 000557907.2010.2.00.0000 - Rel. BRUNO DANTAS - 164ª Sessão - j. 05/03/2013) REVISÃO DISCIPLINAR. PRELIMINAR DE PRESCRIÇAO NÃO ACOLHIDA. INDÍCIOS DE PARTICIPAÇÃO DO MAGISTRADO EM ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 1. Inocorrência de prescrição qüinqüenal, uma vez que ao requerido é imputada a prática de atos entre os anos de 2000 e 2008, e o Processo Administrativo Disciplinar foi
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instaurado em 27.03.2012. 2. Recai sobre o requerido a suspeita de participação em atividade político-partidária, pois: a) proferiu discurso, em palanque, mesmo não sendo juiz eleitoral da Comarca, na posse do irmão como Vice-Prefeito; b) ocorrência policial o aponta como incentivador, juntamente com o irmão, candidato derrotado ao cargo de Prefeito, de desordem, tumulto e vandalismo, após o pleito eleitoral; c) depoimentos de diversas testemunhas ouvidas nos autos de ação judicial afirmam a participação ativa do magistrado-requerido na vida política da cidade de Itapeva/MG; d) no ano de 2001 já havia sido instaurado perante a Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais procedimento administrativo contra o magistrado para apurar eventual prática de atividade político-partidária e ausência da comarca injustificadamente; e) determinação, pelo magistrado, de prisão, por desacato, de uma pessoa que o teria chamado de “capote”, que nas palavras do requerido, significa “aqueles que são derrotados nas eleições municipais”. Tais condutas devem ser devidamente apuradas pelo CNJ. 3. Revisão disciplinar que se julga procedente, para determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, a fim de apurar eventual infração ao art. 95, parágrafo único, lll, da CF, e art. 26, II, “c”, c/c o art. 47, todos da LOMAN. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0006881-71.2010.2.00.0000 Rel. TOURINHO NETO - 144ª Sessão - j. 26/03/2012) Pedido de Providências. Tramitação sigilosa. Sessão pública de julgamento. Constituição Federal, art. 93, IX. Campanha político partidária. Constituição Federal, art. 95, parágrafo único, III. Participação de Presidente de Tribunal de Justiça. Ato isolado. Falta funcional não configurada. Ausência de tipicidade para instalação de processo administrativo disciplinar. Nos termos de precedentes deste Conselho e do art. 93, IX, da Constituição Federal, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. A Constituição Federal (art. 95, parágrafo único, III) estabelece que é vedado aos juízes “dedicar-se à atividade político-partidária”. A participação de magistrado em vídeo, veiculado a sua revelia, no qual declara qualidades pessoais de seu irmão, candidato a Deputado Federal, não caracteriza de per si, dedicação à atividade político-partidária. A conduta vedada pela Constituição pressupõe um conjunto
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de ações. Rejeitada a instauração de processo administrativo disciplinar, por maioria de votos. Pedido de Providências arquivado. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro 0005478-67.2010.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 123ª Sessão - j. 29/03/2011) e) Recebimento, a qualquer título ou pretexto, de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei
O Conselho Nacional de Justiça, com base nesta vedação, procurou estabelecer, por meio da Resolução nº 170/2013, parâmetros para a participação de magistrados em eventos jurídicos e culturais, de modo a não comprometer a sua imparcialidade. A referida resolução, entretanto, foi questionada no e. STF por meio dos Mandados de Segurança nº 31.945 e 32.040, que ainda aguardam julgamento do mérito. Segue decisão do CNJ sobre a possibilidade de fornecimento de moradia a magistrado pelo Município sem que isto importe vedação à regra em análise: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. CONSULTA. MORADIA. MUNICÍPIO. DESPESA MUNICIPAL. AUXÍLIOMORADIA. RECEBIMENTO DE VANTAGEM OU CONTRIBUIÇÃO POR MAGISTRADO. INOCORRÊNCIA. CESSÃO DE USO DO BEM IMÓVEL DO MUNICÍPIO PARA O TRIBUNAL. 1. O CNJ já respondeu consulta anterior do Tribunal para permitir o fornecimento, pelo Município, de moradia para o magistrado. 2. O magistrado não pode receber qualquer contribuição direta do Município em que presta serviço, sob pena de se fragilizar sua independência e sua imparcialidade. Vedação do art. 95, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal. 3. Conquanto o recebimento do auxílio-moradia seja vantagem prevista em lei, o que faz incidir a ressalva do próprio art. 65, inciso II da LOMAN, seu fornecimento não deve ser delegado a quem quer que seja. A relação deve se estabelecer entre Município e Estado, ou Município e Tribunal, por meio de cessão de uso. 4. Consulta respondida no sentido de confirmar o precedente do Conselho, de que é possível o fornecimento, pelo Mu-
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nicípio, de moradia para o magistrado, caso em que se veda o pagamento de ajuda de custo para moradia, com a orientação de que seja firmado termo de cessão de uso para o Tribunal de Justiça, o qual, então, poderá destinar o imóvel à moradia do magistrado, como residência oficial. (CNJ - CONS - Consulta 0005954-71.2011.2.00.0000 - Rel. JORGE HÉLIO CHAVES DE OLIVEIRA - 142ª Sessão - j. 28/02/2012) f) Exercício de cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade
Leia-se: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. LEILÃO JUDICIAL ELETRÔNICO – LEJ. INSTITUTO NACIONAL DE QUALIDADE JUDICIÁRIA – INQJ. OSCIP. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. SOCIEDADE COMERCIAL COM FINS LUCRATIVOS. TERMOS DE PARCERIA CELEBRADOS PELO INQJ COM ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO, VALENDO-SE DA CONDIÇÃO DE OSCIP. 1. A conduta da magistrada na direção do Instituto Nacional de Qualidade Judiciária – INQJ, sob aspecto disciplinar, é objeto de apuração em procedimento específico no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 2. O INQJ, valendo-se de sua condição de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, firmou parcerias com órgãos do Poder Judiciário para oferecer serviços especializados de informática produzidos pelo sócio oculto, a sociedade empresária S4B DIGITAL DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA MULTIMÍDIA LTDA. Essas parcerias evitaram a licitação exigível se esses serviços fossem contratados diretamente com a empresa S4B. 3. É ilegal o monopólio realizado pelo Instituto Nacional de Qualidade Judiciária - INQJ para a realização de leilões eletrônicos judiciais, em benefício da empresa SB4 DIGITAL DESENVOLVIMENTO DE TECNOLOGIA MULTIMÍDIA LTDA. A atuação do INQJ como sócio ostensivo da sociedade em conta de participação é ilegal e incompatível com a sua qualidade de OSCIP. 4. Procedência do pedido de providências para determinar o desfazimento dos termos de parceria firmados com o Instituto Nacional de Qualidade Judiciária – INQJ, sem licitação, que tenham por objeto a implementação e gestão Projeto LEJ - Leilão Eletrô-
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nico Judicial. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0002087-75.2008.2.00.0000 - Rel. JOSÉ ADONIS CALLOU DE ARAÚJO SÁ - 82ª Sessão - j. 14/04/2009) RECURSO ADMINISTRATIVO. MAGISTRADO. ACUMULAÇÃO. CARGO DE CONSELHEIRO DO CONSELHO DELIBERATIVO DE AGREMIAÇÃO DE FUTEBOL. POSSIBILIDADE. CARGO DE PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO. IMOSSSIBILIDADE. 1. O art. 36, inciso II, da LOMAN, proíbe que o magistrado desempenhe cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, exceto das associações de classe e desde que não remunerados. 2. É compatível com o exercício da Magistratura o desempenho concomitante do cargo de Conselheiro de Conselho Deliberativo de entidade de prática desportiva (de futebol), porquanto esse órgão não exerce a direção executiva da agremiação. 3. É incompatível, todavia, o exercício da Presidência do Conselho Deliberativo por magistrado, tendo em vista a possibilidade de o Presidente do Conselho Deliberativo assumir a Presidência Executiva da agremiação. 4. Recurso Administrativo a que se dá parcial provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 000238567.2008.2.00.0000 - Rel. JOÃO ORESTE DALAZEN - 79ª Sessão - j. 03/03/2009)
Eis o que há, em suma, a respeito de tais restrições, no âmbito da jurisprudência consolidada do Conselho Nacional de Justiça. Várias dessas questões, porém, carecem ainda de uma palavra final, a ser dada, como sempre, pelo Supremo Tribunal Federal.
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3 METAS E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
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CRÍTICA AO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E ÀS METAS DA JUSTIÇA DO TRABALHO José Carlos Külzer*
Para melhorar o grau de eficiência e desafogar o Poder Judiciário nacional — e, no que interessa a este texto, a própria Justiça do Trabalho —, tem-se adotado, desde o advento da Resolução CNJ n. 70/2009, uma política de estímulo ao planejamento estratégico dos tribunais e de estabelecimento de metas nacionais para os tribunais de todo o país. Infelizmente, a partir do discurso construído em torno dessa nova “visão”, tem sido comum confundir uma coisa e outra; e, a reboque da confusão, as metas, que deveriam ser ferramentas para o planejamento estratégico, passaram a ser vistas, amiúde, como a sua própria razão de ser. Nessa visão torta, o planejamento estratégico existiria para o cumprimento de metas, e não o contrário. No plano interno da Justiça do Trabalho, foi elaborado um Plano Estratégico para o período de 2010 a 2014. Como de resto em todos os outros ramos do Judiciário nacional, adotou-se para a concepção desse plano o método conhecido como “Balanced Scorecard” (BSC), que traduz, em síntese, a técnica de planejar a organização a partir de objetivos estratégicos, indicadores, metas e iniciativas, sempre sob perspectivas equilibradas. Conforme explicitado na apresentação do Plano, Os objetivos são resultados que a organização pretende realizar. Nesta etapa, é identificada onde a organização pretende chegar. A definição dos objetivos é conseqüência da etapa anterior, já que, de acordo com o diagnóstico dos ambientes interno e externo, pode-se definir o caminho que a organização irá seguir. A estratégia será delineada a partir da definição destes objetivos, e no curso do processo serão identificadas uma série de estratégias, e sua aplicação para a organização.
* Juiz do Trabalho titular da Vara de Palhoças/SC, Diretor do Departamento de Ação Social da Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região – biênio 2013-2015 e membro da Comissão de Prerrogativas da Anamatra – biênio 2013-2015
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Todo indicador é um índice de monitoramento de algo que pode ser mensurável. Os indicadores de desempenho nos permitem manter, mudar ou abortar o rumo das ações, de processos de trabalho, de atividades, etc. São ferramentas de gestão ligadas ao monitoramento e auxiliam no desenvolvimento da organização. Quanto à meta, é um estado futuro que a organização pretende alcançar e as iniciativas estratégicas são o “como” iremos fazer para atingir os objetivos e metas definidos anteriormente. E por fim, sob perspectivas balanceadas, ou seja, o BSC reflete o equilíbrio entre objetivos de curto e longo prazo, entre indicadores de tendências e ocorrências e, ainda, entre as perspectivas internas e externas de desempenho. Este conjunto abrangente de medidas serve para avaliar o desempenho organizacional, mensurando de forma também balanceada, para monitorar o progresso na construção das capacidades e na aquisição de ativos intangíveis necessários para o crescimento futuro.
Com efeito, o método BSC tem sido aplicado ao Poder Judiciário de modo quase dogmático, sem qualquer reflexão sobre as críticas que essa metodologia enfrenta nos seus próprios ambientes de origem, como — entre outras — o fato de que o seu uso inábil pode levar o usuário a confundir os fins com os meios (o que, lamentavelmente, encontra eco na recente experiência judiciária brasileira); além disso, tal método baseia-se em relações de causalidade unidirecionais e não raro simplistas demais, incapacitando-o para o tratamento de instituições mais complexas, em que os gargalos são necessariamente multifatoriais (como, p.ex., a instituição orgânica judiciária). Mas isso não interessará por agora; a crítica, aqui, seguirá outra direção. Se aquele é o atual panorama interno da Justiça do Trabalho (ou ao menos o modo de pensá-la), revela-se flagrante e perigoso o seu descompasso com a realidade identificável no plano externo. Temos assistido, ao longo dos últimos anos, várias alterações da legislação processual objetivando agilizar a prestação jurisdicional laboral, notadamente pela simplificação de procedimentos, em resposta
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as críticas que o Judiciário brasileiro vem recebendo pela demora e pela ineficiência. Os seus efeitos práticos, todavia, foram tímidos. Ora bem, será então a “gestão” o segredo de polichinelo que resolverá, internamente, o que o legislador não foi capaz de resolver ao longo de meio século? Na verdade, nem o plano estratégico e nem tais reformas têm se mostrado suficientes para resolver as altas taxas de congestionamento de processos, retratadas nas estatísticas dos Tribunais, que apontam um Poder Judiciário “afogado” em inúmeros processos, muitas vezes idênticos, que poderiam ser resolvidos mais adequadamente se fossem atacadas as causas que geram tantos conflitos. E apesar de a urbanização do país gerar conflitos de massas, atingindo grande número de pessoas, a organização do Poder Judiciário ainda está calcada no modelo tradicional de tutela individual. A própria sociedade civil, ao canalizar essas demandas para os órgãos judicantes, canaliza-a de modo individualizado. Tudo a demonstrar que, para além das causas organizacionais e estruturais já identificadas pelo CNJ, há outras tantas sequer tocadas pelo método BSC, ao menos da maneira como tem sido disseminado entre os tribunais. Aqui, uma especialmente se revela: a cultural. Para JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES39, a característica mais fundamental de nossa cultura jurídica é o individualismo, fundado em algumas premissas difusas: [...] é utilitarista, e como tal imagina que todas as questões se resolvem através de um sistema de troca de benefícios comensuráveis. A medida universal da comensurabilidade é a moeda, o dinheiro. Assim, todas as relações de direitos e deveres podem ser resolvidas em termos utilitário-monetaristas [...] [...] é individualista. Trata-se de um individualismo de base de método, imaginando-se que a parte precede o todo: o direito do indivíduo está acima do direito da comunidade, mesmo porque a comunidade propriamente dita deixou de existir, sendo substituída pelo mercado. LOPES, José Reinaldo Lima. Crise da Norma Jurídica e a Reforma do Judiciário. In, FARIA, José Eduardo (org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: LTr, 1995. p. 82-83.
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Conclui o autor, adiante, que o individualismo transborda em atomismo, pois apesar de percebidas as ações, não são percebidas as atividades, e neste contexto, o jurista normalmente “não é treinado a compreender o que é uma estrutura: assim, está mais apto a perceber uma árvore do que uma floresta”. Outra característica marcante da nossa cultura jurídica, segundo LIMA LOPES40, é o formalismo, que leva todo o sistema a se assentar sobre práticas que inibem a inovação, onde a necessidade de dar andamento aos processos sobrepõe-se ao desejo de solucionar as questões. Nessa linha, é preciso reconhecer as barreiras culturais e adequar o foco da Justiça do Trabalho aos novos tempos. De fato, a diminuição da taxa de congestionamento dos tribunais também passa pela mudança da nossa cultura jurídica, marcada pelo individualismo e pelo formalismo, sobretudo a transmitida aos estudantes de Direito nas faculdades, e depois aos bacharéis que se submetem aos concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura, que recebem um treinamento que coopera fortemente para desestimular a inovação: quando finalmente ingressam na magistratura, passam a “despachar furiosamente resolvendo tudo o que podem com as tecnicalidades do processo” 41. Daí que os dados estatísticos apurados pelo Poder Judiciário, quando enaltecem apenas os números — como fazem as famosas metas de produtividade (ano após ano, as emblemáticas “metas n. 02”), que tomaram de assalto as corregedorias e desviaram centenas de magistrados da sua verdadeira função (que não é apenas “julgar”, mas julgar com conhecimento, convicção e justiça) —, estão apenas reforçando esta cultura: quanto mais ações julgadas — e, logo, quanto mais atomizadas as demandas judiciais —, mais produtiva (e mais excelente) é a unidade judiciária. A rigor, constatado o vício de cultura, o método eleito deveria estimular a resolução de conflitos, notadamente por meio da coletivização de demandas; e não, apenas, a solução de processos.
LOPES, José Reinaldo Lima. Op.cit. p. 83. LOPES, José Reinaldo Lima. Op.cit. p. 83.
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Infelizmente, os registros estatísticos dos tribunais, assim como são coletados e organizados atualmente, tendem a estimular a proliferação e a própria atomização de conflitos. A se manter este círculo vicioso — mais reclamatórias ajuizadas (e estimuladas), mais servidores necessários, e por fim mais varas e tribunais a serem criados —, a estrutura jamais será suficiente para atender adequadamente os anseios da sociedade brasileira. Logo, outro deve ser o caminho. Embora seja necessária uma Justiça “real”, igual para todos e a todos acessível, sem distinção de classes de demandantes e de categorias de demandas pelo respectivo perfil econômico, é certo que os casos mais simples devem ser resolvidos rapidamente, em tempo real, para que o Poder Judiciário possa dar melhor atenção aos processos mais complexos e de maior envergadura econômica42 e/ou repercussão social, o que necessariamente, precisa ser refletido nos dados estatísticos e nas metas fixadas. Com a mudança daquela visão estática e unidirecional, o Poder Judiciário estará sinalizando à sociedade que impende mudar o eixo central de concepção das ações judiciais, migrando do modo individual para o modo coletivo, o que também é fundamental para dar aos juízes condições bastantes para estudar com profundidade os temas mais complexos. Além disso, historicamente, a Justiça do Trabalho tem dado maior atenção e destaque às pautas de audiências e à publicação de sentenças na fase de conhecimento, mesmo porque são esses os aspectos que se sobressaem nas estatísticas43. Tanto é assim que os processos em fase de execução sequer foram considerados quando da edição da Resolução n. 63 pelo CSJT, ao estabelecer os critérios para lotação de servidores e juízes nas Varas do Trabalho. Da mesma forma, essa carga de trabalho “invisível” — decisões interlocutórias de mérito, decisões e estratégias em sede de execução, esforços locais de estímulo à litigância responsável e/ou à promoção da cidadania — não é geralmente vista ou considerada BICUDO, Helio. Um Poder Judiciário Atuante. Folha de São Paulo, 6 set 2006. p. A3. CHAVES, Luciano Athayde. A Recente Reforma no Processo Comum e seus Reflexos no Direito Judiciário do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 222
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quando se faz a distribuição dos servidores entre as instâncias dos tribunais. Afinal, conquanto praticamente não tenham carga de trabalho em fase de execução, é tendencial que, em vários tribunais regionais, os servidores estejam concentrados nos próprios tribunais (2º grau), em detrimento do 1º grau de jurisdição. Certamente a população espera que os conflitos, além de serem pacificados com justiça, sejam-no dentro de um prazo razoável. Contudo, ainda não existe um conceito universal do que venha a ser a “razoável duração do processo”. Não por outra razão, FABIANO CARVALHO44 defende que, por ser um conceito jurídico aberto, “o prazo razoável requer um processo intelectivo individual de acordo com a natureza de cada caso”, apontando os seguintes critérios para se materializar o conceito de prazo razoável: (1) a natureza e a complexidade do caso; (2) o comportamento das partes; e (3) o comportamento das autoridades. Os dados estatísticos e as metas fixadas pelos tribunais trabalhistas e pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram que não se tem considerado o primeiro destes critérios – natureza e complexidade do caso – para a parametrização da eficiência e da produtividade de uma unidade judiciária. Afinal, em termos estatísticos, uma ação trabalhista submetida ao rito sumaríssimo, de pouca complexidade e expressão econômica, que por sua natureza prevê procedimentos simplificados, tem o mesmo peso que uma ação civil pública, que em geral é muito mais complexa e pode atingir direitos de inúmeras pessoas. A par disso, os tribunais exigem dos juízes o cumprimento do mesmo prazo para julgar ambas as ações, como se fossem da mesma natureza, complexidade e importância, podendo, com isso, estar incentivando, mesmo que indiretamente, o acolhimento de preliminares que impedem o seguimento da demanda. Nesse ensejo, entra em consideração outro aspecto fortemente deletério: a partir da regulamentação das regras de promoção da EC n. 45/2004, no CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: Reafirmação da Garantia da Razoável Duração do Processo. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord..). Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. p. 218-219.
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âmbito do Poder Judiciário, pela Resolução CNJ n. 106, a promoção dos magistrados por merecimento passou a ser aferida com base em critérios objetivos — diga-se melhor, numéricos — de produtividade e presteza no exercício da jurisdição, sem qualquer elemento de ponderação baseado nos critérios apontados por CARVALHO (ou quaisquer outros), o que poderá induzir o juiz a dar a mesma atenção a ações sumamente diferentes em complexidade, envergadura econômica e/ou repercussão social. Notadamente as ações civis públicas e coletivas trabalhistas, por serem normalmente mais complexas e trabalhosas, demandam mais tempo para serem instruídas e julgadas, sob pena de restar prejudicada a sua análise responsável. Nada obstante, é certo que, com o emprego mais generalizado de tais ações, reduzir-se-ia significativamente o número de processos em tramitação nos tribunais do trabalho. Se, porém, tais demandas recebem o mesmo tratamento dado a um processo individual, mesmo àquele que tramita pelo rito sumaríssimo — de extrema simplicidade se comparado a uma ação que envolve conflitos de massa —, não se pode esperar das comunidades forenses que refreiem práticas já tradicionais e passem a optar, por mera convicção ideológica, pela coletivização das demandas a judicializar. Nessa linha, MANOEL JORGE E SILVA NETO45 qualifica a ação civil pública como “uma das chaves que destrancam a porta que dá acesso ao Poder Judiciário”, e considera ingenuidade “achar que o velho modelo do processo dirigido à solução da disputa entre o João x José está apto a viabilizar o acesso à Justiça nos dias atuais”, numa sociedade com problemas jurídicos de massas e marcada por conflitualidade intensa e difusa. Aliás, CALAMANDREI conta, em sua obra mais clássica (“Eles, os Juízes, vistos por um advogado”), que um jovem magistrado lhe confiava, com um suspiro, que para seu superior o que contava era a quantidade de processos que conseguia expedir todo dia, e que no fim do mês perguntava SILVA NETO, Manoel Jorge e. O Ministério Público do Trabalho e a Efetividade do Processo Trabalhista. In: SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. (org.) A Efetividade do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 21.
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[...] apenas a quantos processos dei andamento; e, quantos mais eles são, mais me elogia. É a quantidade que lhe interessa, não a qualidade; o problema que o obseda é o do trabalho atrasado, não o de fazer justiça. Para resolver seu problema, dez requisitórios apressados, em que pede a condenação de dez inocentes, valem dez vezes mais que um só requisitório longamente meditado para conseguir ser justo.46
Essa é, a rigor, a obsessão que ainda sobrevive entre nós, a despeito das décadas que nos separam daquela publicação. As estatísticas, como hoje valoradas, apontam exatamente para essa preocupação dos tribunais: maior ênfase à produção em série de atos na fase de conhecimento, independentemente do resultado final do processo, porque subjaz a falsa percepção de que o litígio estará “solucionado” com a homologação de um acordo entre as partes litigantes ou com a publicação de uma sentença dizendo o direito. Nesta fase, sobretudo, é que as corregedorias cobram o cumprimento de prazos estabelecidos pelos tribunais, normalmente reduzidos, como se isso bastasse para se efetivar o princípio constitucional da duração razoável do processo. Não basta. Por vezes, até o rechaça. Não é só. Seguindo na tônica das panaceias, para a solução de todos os problemas apontados, implantou-se na Justiça do Trabalho, a “toque de caixa”, o Processo Judicial Eletrônico (PJe), com a promessa da redução de custos e da redução do tempo de tramitação do processo: ante a supressão de vários atos burocráticos, reduz-se consideravelmente o tempo neutro ou “morto” do processo (consumido pela burocracia), para permitir a priorização do trabalho de análise (de estudo), que exige maior conhecimento jurídico. Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, de início se “esqueceram” de criar, no ambiente PJe, uma ferramenta que permitisse o registro de todos os atos pelo próprio sistema... Nesse contexto, foi estabelecida meta prevendo a instalação do PJe em pelo menos 40% das varas do trabalho de cada tribunal CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um advogado. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 291-292.
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regional, no prazo máximo de um ano, sem que fossem consideradas as particularidades regionais, que influenciavam diretamente a possibilidade de cumprimento de meta tão ambiciosa no âmbito da Justiça do Trabalho. E, nesse processo de “planejamento”, sequer foram ouvidas as pessoas que passariam a operar o sistema nestes locais. Enquanto isso, no 7º Congresso Internacional da Anamatra47, realizado na capital dos Estados Unidos da América (abril de 2013), via-se que o gerenciamento eletrônico de processos federais fora lançado naquele país há onze anos; desde aquela época, muitos dados do Judiciário federal vêm sendo gerados automaticamente e têm sido transmitidos eletronicamente, a cada mês, para o respectivo departamento administrativo, que utiliza estes dados para (1) avaliar as necessidades de cada tribunal; (2) para formular os pedidos de orçamento e de obras; (3) para avaliar a necessidade de mais juízes em cada tribunal; (4) para promover a resolução eficiente de processos; e, ainda, (5) para pesquisa, informação pública e relatórios. Mais ainda, naquele país têm-se feito estudos de medição do tempo de trabalho judiciário, para a identificação da média de horas gastas por tipo de processo ou por número de juízes ou servidores. Pesquisas bienais também são realizadas para se calcular quanto tempo um juiz leva, em média, para resolver cada tipo de caso. E mediante pesos diferenciados, é determinada a necessidade de solicitar posições adicionais de juízes, baseando-se nos números de caso de cada tipo no tribunal. Cumpre esclarecer que os pesos consideram o número médio de audiências para esse tipo de processo, a quantidade média de documentos a serem lidos e da pesquisa a ser conduzida pelo juiz. Assim, com base nestes dados, se houver justificativa, realizam o deslocamento temporário de juízes de acordo com solicitações específicas. Algo bem distante das estatísticas cegas que têm definido, no Brasil, quem merece benesses e quem merece reprimendas. Entre nós, para combater a morosidade, segue-se fazendo mais do mesmo. Oportunizam-se mais reformas processuais, criam-se mais 47
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7º CONGRESSO INTERNACIONAL DA ANAMATRA, realizado em Washington, DC – EUA, entre os dias 1º a 05 de abril de 2012, com programa desenvolvido e conduzido pela Internacional Judicial Academy e Amarican University Washington College of Law.
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varas, mais cargos de juízes e de servidores, com o comprometimento progressivo de mais recursos. E, no entanto, o que se consegue conquistar, em termos de aumento estrutural, pouco interfere nas taxas de congestionamento dos tribunais. Da mesma forma, os registros estatísticos dos tribunais, assim como são coletados e organizados atualmente, seguem estimulando a proliferação numérica de conflitos. Há que olhar para outra direção. Mudar primeiramente a mentalidade jurídica, ainda marcada pelo individualismo e pelo formalismo, o que envolve inclusive a escolha da forma mais adequada de gestão judiciária. Modernizar a administração da Justiça, mas em todas as suas dimensões, a começar pela implantação de eleições diretas para os cargos de direção dos tribunais, com o efetivo envolvimento de todos os juízes (1º e 2º graus), que devem tomar as rédeas desta reforma, por conhecer a realidade e as peculiaridades do Poder Judiciário. Não se pode concordar com os que pretendem atribuir apenas aos juízes a responsabilidade pela lentidão dos processos, quando nós, juízes, não podemos sequer participar na gestão dos tribunais. Dar tratamento diferenciado às ações de massa, inclusive nos registros estatísticos da Justiça do Trabalho, realçando os dados disponíveis a esse respeito, criando prazos diferenciados e mais elásticos para os juízes atuarem nessas ações e dando condições para estudo mais detalhado e aprofundado desses processos. Não é razoável que uma ação civil pública ajuizada por entidade sindical atuando como substituta processual de milhares de trabalhadores seja apenas mais uma entre as muitas ações individuais a serem impulsionadas e julgadas pelo mesmo juiz. Redefinir prioridades. Os casos simples devem ser resolvidos rapidamente para que o Poder Judiciário possa dar maior atenção aos processos mais complexos e de maior repercussão socioeconômica. Ademais, a instrução de uma ação da maior relevância para a coletividade, como são as ações civis públicas, deve merecer todos os esforços dos envolvidos, até para que o Poder Judiciário não dê ao infrator, por falta de cuidados processuais, um atestado de boa conduta às avessas.
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Uma política judiciária assim direcionada também teria efeitos pedagógicos relevantes, que certamente contribuiria para reduzir o número de demandas individuais ajuizadas a cada ano. A propósito, não é aceitável que nos dias atuais se percam horas e mais horas instruindo processos individuais contra uma mesma empresa, sempre com o mesmo objeto, sem que seja atacada a causa da repetição destas ações. Nestes casos, muitas vezes, as irregularidades se perpetuam exatamente diante da pulverização de ações individuais, o que é agravado nos fóruns maiores, onde tais ações podem ser distribuídas para unidades judiciárias diversas. Esse expediente dificulta ainda mais a verificação da repetição de tais práticas, não retratadas nos dados estatísticos, tomados da forma como têm sido coletados. Daí, pois, ser necessário, mais do que nunca, redefinir prioridades e estratégias.
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ANÁLISE CRÍTICA DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL Bóris Luiz Cardozo de Souza*
A Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe significativas alterações no panorama jurídico e institucional do Poder Judiciário, inserindo como órgão deste Poder o Conselho Nacional de Justiça (art. 92, I-A e Art. 103-B da Constituição Federal), com competência para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Este Conselho desde sua criação editou mais de 100 (cem) resoluções exercendo efetivamente o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, buscando fazer com que este Poder da República seja realmente um Poder uno, mesmo com sua atuação ocorrendo em diversos ramos. Por certo que essa sanha positivista característica de nosso sistema legal (no mesmo período foram publicadas mais de 1800 Leis Ordinárias Federais, 35 Leis Complementares Federais e 27 Emendas Constitucionais) trouxe boas medidas, para organização administrativa e financeira do Poder Judiciário, fazendo com que o CNJ fosse visto muitas vezes pela sociedade e também pelos Juízes de 1º Grau, como um verdadeiro bastião da moralidade administrativa, assegurando que as administrações dos Tribunais pudessem agir de maneira imparcial e impessoal, resgatando seus esforços para realização de sua atividade-fim: entrega da prestação jurisdicional célere e justa. Por outro giro, considerando a amplitude e a repercussão midiática de suas decisões, percebe-se, por vezes, que o referido Conselho, ao exercer suas atribuições regulamentares, extrapola suas competências, passando a efetivamente legislar sobre matérias que somente poderiam ser trazidas ao ordenamento jurídico pelo Con* Juiz do Trabalho substituto do TRT da 24ª Região, Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 24ª Região – biênio 2012-204 e membro da Comissão de Prerrogativas da Anamatra – biênio 2013-2015
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gresso Nacional através do processo legislativo clássico, que também sofre limitações quanto à iniciativa de algumas matérias. Nesse passo, em algumas situações, normas regulamentares exaradas pelo Conselho Nacional de Justiça, ao nosso sentir, padecem tanto de inconstitucionalidades formais quanto materiais, motivo pelo qual devem ser analisadas com muita parcimônia as normas provenientes do CNJ. Este trabalho tem o propósito de analisar se essa linha tênue das atribuições regulamentares do CNJ foi observada na elaboração do Código de Ética da Magistratura Nacional aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, realizada do dia 06 de agosto de 2008. Vale ser dito, por ser óbvio, que um Código de Ética para um dos três Poderes que compõem a estrutura da República sempre é bem-vindo, pois este tipo de manual de conduta visa nortear os agentes públicos sobre os valores a serem observados no dia a dia de sua atividade profissional, de forma que os, em última instância, empregados da sociedade jamais se afastem dos princípios norteadores de todo servidor público. Todavia, a análise deste “diploma legal” não pode ser feita sem se ter em mente que o referido código trata-se mais de uma carta de princípios éticos balizadores das condutas dos integrantes do Poder Judiciário do que de um instrumento impositivo de ações, não podendo este Código de Ética impor obrigações que, caso descumpridas, tenham o condão de tornas passiveis de sanções os magistrados. Diante dessas conclusões, recorrentemente, surge uma pergunta: afinal, quais são os padrões éticos mínimos que são esperados de um magistrado? Ao meu sentir, além da observância dos princípios regentes de toda a Administração Pública, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), penso que todo magistrado deve garantir para a sociedade que todo e qualquer cidadão será julgado por um juiz independente e imparcial, conforme estabelecido pelos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial.
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E quais são esses “princípios de conduta judicial”? O que é o chamado Código de Bangalore? Na esteira do que foi argumentado até este ponto, os Princípios de Bangalore sobre a Conduta Judicial estabelecem como valores a serem observados por todo magistrado os seguintes aspectos: independência; imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência. Estes parâmetros, segundo o excelente trabalho elaborado pelo Conselho da Justiça Federal denominado Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, foram estabelecidos pelos Princípios de Conduta Judicial de Bangalore que é um projeto de Código Judicial em âmbito global, elaborado com base em outros códigos e estatutos, nacionais, regionais e internacionais, sobre o tema, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU que prevê como princípio de aceitação geral pelos EstadosMembros, o direito de todo ser humano ter um julgamento igualitário, justo e público, por tribunal independente e imparcial. O trabalho para o estabelecimento destes princípios foi realizado por um Grupo de Integridade Judicial composto por membros de cortes superiores e juízes seniores, tendo por objetivo “debater o problema criado pela evidência de que, em vários países, em todos os continentes, muitas pessoas estavam perdendo a confiança em seus sistemas judiciais por serem tidos como corruptos ou imparciais em algumas circunstâncias”. Aquele grupo levou em conta o fato de que o Poder Judiciário é sempre um dos três pilares da democracia, e o último refúgio do cidadão contra leis injustas e decisões arbitrárias, razão pela qual necessário se faz que este Poder seja resguardado contra eventuais desconfianças com relação a sua atuação, de modo que o jurisdicionado veja-o como um órgão capaz de aplicar leis e regras preestabelecidas a quem quer seja, de maneira independente e impessoal, sem ingerência de poderes governamentais ou de forças econômicas e/ou de qualquer outra espécie. O texto apresentado por esse pelo Grupo de Integridade Judicial teve por escopo sistematizar regras centrais de comportamen-
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to pessoal e profissional para juízes tanto do common law como da tradição continental e orientar o aperfeiçoamento das legislações domésticas sobre esse assunto. E o Código de Ética da Magistratura Nacional, como se enquadra nesse cenário? No tocante ao Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo CNJ por intermédio da Resolução nº 60 daquele Conselho, resta-nos dizer que, apesar de repleto de boas intenções, o texto normativo apresentado por aquele Conselho tem, ao menos, uma falha principiológica inaceitável e um defeito técnico insuperável. Com relação à falha principiológica, não há como deixar de ser notado o fato de que os integrantes da Corte Maior, integrantes da Magistratura Nacional, não são obrigados a observar os padrões éticos estabelecidos Código de Ética da Magistratura Nacional. Isso porque é pacífico na jurisprudência que os membros do STF não se submetem às decisões e atos normativos do CNJ (MS 27222 – STF), estando assim, portanto, desobrigados a observar o Código de Ética elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça. Esta situação cria, no mínimo, um paradoxo e uma situação desconfortável, pois os integrantes da mais alta Corte do País, contrariamente aos demais Órgãos do Poder Judiciário, são quem estabelecem quais os padrões éticos que seguirão. Ora, se é verdade, e assim deveria ser, que não existe hierarquia entre os juízes e que o Poder Judiciário é uno, como pode determinado grupo de juízes não estar submetido a um código de condutas que tem a pretensão de impor um mínimo padrão ético a todos os magistrados do país? Ao meu sentir, essa dicotomia acaba por diminui a força principiológica do Código de Ética da Magistratura Nacional, pois um ato normativo que tem por objetivo estabelecer qual a conduta que se espera dos magistrados, órgãos do Poder Judiciário, somente terá a dimensão pretendida se for aplicado para todos os juízes do país, pois a conduta ética não deve e não pode ser modificada de acordo com a esfera de atuação de cada magistrado.
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Dito de outra forma, a conduta ilibada e ética, pré-requisito para o exercício da magistratura, deve ser exigida tanto do juiz substituto que acaba de tomar posse, como dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de maneira que todos os integrantes do Poder Judiciário estejam submetidos às mesmas normas de conduta. No que se refere ao dito insuperável defeito técnico do Código de Ética da Magistratura Nacional, percebe-se que o artigo 40 do referido Código estabelece serem complementares aos deveres funcionais dos juízes emanados da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais, as obrigações impostas por tal norma administrativa. Ora, com todas as vênias devidas, não resta dúvida que, ao constar o dispositivo mencionado (art. 40 do CEMN), houve extrapolação das funções do Conselho Nacional de Justiça por invadir competência legislativa do Congresso Nacional, que nesse caso somente poderia ser exercida para deliberação de projeto de lei sobre esse tipo de matéria após iniciativa do Supremo Tribunal Federal (art. 93 da CRFB), pois restou claro na análise do citado dispositivo a intenção do referido Código de Conduta estabelecer deveres funcionais aos magistrados. Essa constatação, além de caracterizar um desvirtuamento da função de um código de conduta que, como dito anteriormente, deve servir como uma carta de princípios éticos balizadores das condutas dos integrantes do Poder Judiciário e não como um instrumento para impor obrigações, ainda macula o texto com inconstitucionalidade formal (pois se trata de ato legislativo em desconformidade com normas de competência e os procedimentos estabelecidos para o seu devido ingresso no ordenamento jurídico) e material (pois estabelece obrigações e vedações outras além daquelas constantes no art. 93 e no parágrafo único do art. 95, ambos da CRFB). De toda sorte, mesmo com os apontados vícios principiológicos e técnicos, o Código de Ética da Magistratura Nacional pode e deve servir como um balizamento de conduta para todos os magistrados caso haja alguma dúvida se determinada conduta por si adotada fere algum valor ético.
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Essa cautela certamente engrandecerá a carreira do magistrado, pois, o juiz que não se afastar das orientações trazidas no Código de Ética da Magistratura Nacional, jamais sofrerá qualquer questionamento de conteúdo ético com relação às suas ações e omissões, de forma que o Poder Judiciário, globalmente, manter-se-á digno e respeitado perante a sociedade. Com essa visão e com a disposição de fomentar a observância aos princípios trazidos no Código de Ética da Magistratura Nacional, que inclusive encontram eco nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, passo a analisar a dimensão com que os valores estabelecidos naquele documento devem, ao meu sentir, ser considerados no dia a dia da vida do magistrado. O CEMN, já em seu art. 1º, estabeleceu que os magistrados devem nortear-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro. O princípio da independência, contido no Capítulo II do Código de Ética, foi positivado nos artigos de 4º a 7º, assim dispostos:
CAPÍTULO II INDEPENDÊNCIA Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais. Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência.
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Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária. Como bem observado nos Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial do Conselho da Justiça Federal, a independência
judicial não é um privilégio ou prerrogativa individual do juiz. Ela é a responsabilidade imposta sobre cada juiz para habilitá-lo a julgar honesta e imparcialmente uma disputa com base na lei e na evidência, sem pressões externas ou influência e sem medo de interferência de quem quer que seja. Esta independência judicial tem dimensão tanto na independência individual quanto na independência institucional exigidas para o processo decisório. O juiz não deve permitir que qualquer influência externa manche seu julgamento, devendo decidir sem se preocupar com o clamor popular ou com eventuais críticas sobre sua decisão, não possibilitando que pressões familiares, sociais, políticas ou mesmo de outros integrantes do Poder Judiciário, influenciem qualquer decisão judicial. Da mesma forma o magistrado não pode tentar influenciar outro juiz, salvo o salutar debate técnico entre colegas, para que decida um caso de determinada maneira que atenda interesses seus ou de terceiros, sob pena estar violando a independência de outro integrante o Poder Judiciário. Em resumo, o juiz deve conservar sua independência e respeitar a do colega, abstendo-se de tentar interferir na decisão do outro, observando-se, ainda, que o magistrado deverá relatar o caso para as autoridades competentes quaisquer que sejam as tentativas de influência. Por outro giro, é preciso ser dito que para ser independente, um magistrado não deve se isolar completamente da sociedade. Contudo, o juiz deve saber que, como figura pública que é, estará sujeito a críticas daqueles que tiverem seus interesses contrariados em razão de suas decisões. É certo que a democracia permite este tipo de irresignação e até mesmo de reclamações públicas, inclusive veiculadas pela imprensa, razão pela qual o juiz deve aprender a receber críticas ao seu trabalho sem se abalar, sabendo diferenciar quais são as pres-
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sões efetivamente exercidas, pois se tiver um temperamento demasiadamente suscetível ou frágil, sofrerá muitos dissabores em razão de sua atuação profissional. Por fim, o capitulo do Código de Ética da Magistratura Nacional, em seu art. 7º, não inova, pois repete preceito constante na LOMAN (art. 26, II, c) que veda o exercício de atividade politico-partidária aos magistrados, sequer merecendo maiores comentários sobre a razão de ser desta vedação, por se tratar de postulado básico da independência judicial. Outro princípio trazido pelo Código de Ética, por intermédio do Capítulo III, é da imparcialidade, disposto nos artigos de 8º e 9º, da seguinte forma:
CAPÍTULO III IMPARCIALIDADE Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito. Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às artes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação. Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado: I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado; II - o tratamento diferenciado resultante de lei. Segundo LOURIVAL SEREJO, em seus Comentários ao Código de Ética da Magistratura Nacional (produzido para a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM),
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[...] [a] imparcialidade de que trata o presente capítulo é, a princípio, uma postura técnica, processual, do juiz que está acima das disputas pessoais das partes. Sua atuação deve ser equidistante dos interesses em litígio. Essa imparcialidade implica, também, o compromisso ético de coligir elementos suficientes para esclarecer a verdade dos fatos, com objetividade, idoneidade, sem qualquer favoritismo ou preconceito. [...]
Como se vê, e por ser óbvio, o juiz deve cumprir suas obrigações sem favorecimento, parcialidade ou preconceito para não comprometer a legitimidade de sua decisão. Para manter-se imparcial o magistrado deve ter em mente que quando age com abuso de autoridade está exarando uma manifestação de parcialidade e preconceito. De outro lado, as convicções pessoais do juiz, sua filosofia ou crenças sobre a lei, nem sempre caracterizam parcialidade, pois o fato do magistrado ter uma opinião geral sobre certa questão legal ou social que seja relacionada ao caso não o desqualifica como condutor do processo. É preciso distinguir a opinião, que é plenamente aceitável, por ser praticamente impossível que o juiz tenha a mente vazia sobre determinada questão, da parcialidade e do preconceito que tornam o magistrado inapto para decidir a causa. Também não se afiguram como parcialidade ou preconceituosas as decisões e comentários do juiz a respeito das provas produzidas durante o processo, salvo se ficar demonstrado que o magistrado não as está considerando de forma preconcebida, passando ao largo das evidências constantes nos autos. Por tudo isso, visando conservar sua imparcialidade durante todo o trâmite processual, o juiz deve manter um preciso equilíbrio, evitando ao máximo comunicações privadas com qualquer das partes e/ou seus patronos, ou, no mínimo, assegurando igual direito à parte contrária, caso
seja solicitado. Por fim, no que se refere à parcialidade, penso que o juiz deve, tanto quanto possível, pautar-se de maneira a minimizar as situa-
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ções em que deva se afastar do caso por falta de imparcialidade para que sequer se avizinhe hipótese de violação ao princípio do juiz natural. Já o Capítulo V do Código de Ética trata do princípio da transparência, que veio exposto nos arts. 10 a 14 da seguinte maneira:
CAPÍTULO IV TRANSPARÊNCIA Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei. Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara. Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente: I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores; II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério. Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza. Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional.
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A transparência, decorrente diretamente do princípio da publicidade previsto no art. 37 da CRFB, é corolário lógico do Estado Democrático de Direito e um caminho sem volta estabelecido perante a sociedade brasileira. Dessa forma, os magistrados devem decidir com a maior publicidade possível, pois o juiz no exercício da jurisdição nada tem a esconder ou a ocultar dos seus jurisdicionados e da administração em geral, devendo toda movimentação processual ser feita com a clareza necessária para sua compreensão. As únicas exceções aceitáveis são aquelas em que o processo necessite correr em segredo de justiça ou quando a publicidade do ato possa vir a comprometer sua efetividade, conforme previsto na legislação específica e no próprio Código de Ética (art. 11). No tocante à publicidade dos atos do processo, o Código de Ética recomenda em seu artigo 13 que não haja exagero para se gerar a autopromoção do magistrado em busca do reconhecimento social por suas ações. Ou seja, roga-se que o juiz utilize a transparência como uma forma de amplo acesso ao Poder Judiciário, não como uma forma promoção de seu marketing pessoal. Percebe-se também que no capítulo relativo à transparência, o Código de Ética procurou situar os magistrados na forma de atuar com a mídia, tendo em mente que quando passa a exercer a magistratura, o magistrado “não abdica de seus direitos de liberdade de expressão, associação e assembleia usufruídos pelos outros membros da comunidade, nem abandona qualquer crença política anterior ou deixa de ter interesse em assuntos políticos. Todavia, parcimônia é necessário para manter a confiança do público na imparcialidade e independência do Judiciário” (Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial). De outra banda, é importante que o magistrado não seja avesso a prestar esclarecimentos para imprensa sempre que solicitado, pois sua posição social e a repercussão de alguns casos acabam por torná-lo pessoa frequentemente convidada a dar entrevistas para os meios de comunicação. Nessas ocasiões, o magistrado precisa cuidar para que suas declarações sejam objetivas e claras, sem margem para interpreta-
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ções dúbias, para exposição indevida dos interesses legítimos das partes e de seus procuradores, para emissão de opiniões sobre processo pendentes de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais. Diante dessa demanda midiática, por certo que a responsabilidade dessa relação com a imprensa não pode ser toda imputada à pessoa do juiz, devendo os Tribunais propiciar treinamentos voltados para aperfeiçoar essa habilidade dos magistrados, além de oferecer assessoria de imprensa ágil e qualificada para dar suporte aos integrantes da magistratura quando necessitarem lidar com os órgãos de imprensa. Ao final, este capítulo do Código de Ética fomenta um dever de colaboração dos magistrados com os órgãos de controle e aferição de produtividade. Leia-se: com as Corregedorias Regionais, Gerais e com os Conselhos Superiores, não havendo maiores celeumas neste particular, pois a eficiência também um princípio geral da administração pública do qual o Poder Judiciário e seus integrantes jamais devem se afastar. Na sequência dos princípios eleitos para assegurar um Poder Judiciário insuspeito, o Código de Ética apontou, em seu Capítulo V, artigos 15 a 19, o princípio da integridade pessoal e profissional, assim apresentado:
CAPÍTULO V INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura. Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.
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Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional. Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções. Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial. Segundo os já citados Comentários aos Princípios de Bangalore
de Conduta Judicial (CJF), “a integridade é o atributo da correção e da virtude. Os componentes da integridade são honestidade e moralidade judicial. Um juiz deve sempre agir dignamente e de uma maneira apropriada ao ofício judicial, livre de fraude, trapaça e mentira, não apenas no cumprimento de seus deveres oficiais, sendo bom e virtuoso em comportamento e caráter. Não há graus de integridade assim definida. A integridade é absoluta. No Judiciário, a integridade é mais que uma virtude; é uma necessidade”. A simples leitura dos comentários passa a dimensão do que a sociedade espera de um magistrado e do quanto é importante que o magistrado haja de forma ética, integra e honesta em todos os seus atos. Um magistrado deve ter em mente que um eventual descumprimento da lei de sua parte, ainda que em suas atividades privadas, tem uma repercussão muito maior na sociedade do que se a mesma ação fosse cometida por qualquer outro cidadão. O motivo disso é simples: o juiz, no exercício de suas atividades profissionais, é aquele que busca assegurar o cumprimento da legislação pátria por todos os cidadãos, por todas as empresas e entidades, bem como pelos órgãos públicos, logo, dele se espera a observância do padrão ético que exige da sociedade. Nesse contexto, é preciso que o magistrado realmente se acautele em sua vida e em seus negócios privados (leia-se negócios como transações econômicas), tendo imediatas condições de
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demonstrar, caso necessário, qual a origem de seu patrimônio e da forma com que sustenta seu padrão de vida. Na esteira de elencar os valores que o Conselho Nacional de Justiça projeta como necessários para o exercício da magistratura, o Capítulo VI do Código de Ética, estabelece em seu Capítulo VI, os princípios da diligência e da dedicação, dispostos nos artigos 20 e 21 da seguinte maneira:
CAPÍTULO VI DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual. Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente. § 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensandolhe efetiva disponibilidade e dedicação. § 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão necessariamente no respeito à função judicial.
Tais princípios — ou deveres, como se queira — não merecem grandes comentários, pois os artigos do Código de Ética que os traduzem acabam por repetir, de maneira condensada, dispositivos legais (Incisos II, III e VI da LOMAN), princípios constitucionais (como o da duração razoável do processo) e obrigações funcionais que já
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foram detalhadas em resolução específica do próprio Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 34/2007, que dispõe sobre o exercício de atividades do magistério pelos integrantes da magistratura nacional; v., supra, o Capítulo 2). Em verdade, o que esse capítulo do Código de Ética pretende é chamar a atenção dos juízes para ficarem atentos na condução dos processos sob sua responsabilidade para que não sejam realizadas diligências inúteis — e, consequentemente, protelatórias —, de forma que o processo seja procrastinado por prazos demasiados e desnecessários. Da mesma forma também há o alerta para que os magistrados, mesmo no caso das acumulações lícitas, como no exercício do magistério, não assumam compromissos que possam de alguma forma atrapalhar sua produtividade no âmbito da judicatura. Nesse contexto, aliás, o Código de Ética ainda relembra os juízes que, mesmo quando estão no exercício do magistério, não deixam de ser vistos pelos alunos e pela sociedade em geral como um órgão do Poder Judiciário, motivo pelo qual devem manter sua usual postura ética de magistrado. No que se refere à cortesia, o Código de Ética, em seu Capítulo VII, artigos 22 e 23, estabeleceu o seguinte:
CAPÍTULO VII CORTESIA Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça. Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível. Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.
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Assim como dito na análise do capítulo anterior do Código de Ética, é preciso ressaltar que o princípio (ou dever) denominado como “cortesia” não encerra qualquer inovação na legislação de regência dos integrantes da magistratura, pois há muito está presente na LOMAN (art. 35, IV) o dever de urbanidade dos magistrados com relação às partes, aos membros do Ministério Público, aos advogados, às testemunhas e aos funcionários e auxiliares da Justiça. O que causa espécie, porém, é a necessidade, aparentemente identificada pelo CNJ, de se usar uma expressão sinônima àquela da LOMAN (“urbanidade”) — elegendo esta outra, “cortesia” — para chamar a atenção dos juízes de que estes devem tratar os que a eles se dirigem com educação, cordialidade e respeito, tal como se espera de todo e qualquer ser humano minimamente integrado à sociedade. A clareza hialina do caput do art. 22 faz com que sejam observadas com mais atenção as disposições contidas no parágrafo único deste artigo e no artigo 23, porque trazem a exortação para que os magistrados escrevam da maneira mais clara e lhana possível, além de conclamar os órgãos de correição e fiscalização a exercerem suas atividades com o devido respeito aos correicionados. Convém que os tribunais — inclusive superiores — atentem para isto: urbanidade ou “cortesia” não se exige apenas dos juízes em relação a advogados, auxiliares e jurisdicionados, mas também dos juízes de grau superior, em funções administrativas ou judicantes, relativamente aos juízes de grau inferior. E não é raro que, ao corrigirem práticas ou reformarem decisões, sejam desnecessariamente descorteses. Essas questões são atuais e relevantes, pois jogam luzes sobre aspectos do relacionamento entre o magistrado e a sociedade e entre os próprios magistrados que sempre podem ser aperfeiçoados, pois dizem respeito à comunicação dos atos judiciais e correicionais. Ainda no que se refere ao aspecto relativo à linguagem utilizada pelo magistrado, penso ser válido o alerta para que o juiz jamais se esqueça de quem são, de fato, os destinatários de sua decisão: as partes. Por essa razão, mesmo que assistidas por advogados, o ideal é que o cidadão com instrução média (o chamado homem médio) possa ler
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e entender o conteúdo das decisões, dos despachos e das sentenças, pois esses documentos tratam dos seus direitos e de suas pretensões. Da mesma forma, o art. 23 supramencionado é contundente ao lembrar, àqueles que exercem as atividades correcionais e fiscalizatórias, ser um direito dos magistrados o de receberem eventuais censuras e advertências de maneira reservada, e somente após poderem exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa. Oportunamente, este artigo 23 acaba por indicar que menções de nomes de magistrados em atas de correição, de maneira pejorativa, configuram verdadeira afronta aos dispositivos da LOMAN e deste Código de Ética, devendo ser essa conduta abolida da prática de corregedores nacionais e regionais. Outro princípio previsto pelo Código de Ética foi o da prudência, estampado no Capitulo VIII, entre os artigos 24 a 26. In verbis:
CAPÍTULO VIII PRUDÊNCIA Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável. Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar. Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua.
Para muitos, esse princípio (ou dever) não importa em inovação significativa, pois já se identificavam suas características no inciso primeiro do artigo 35 da Lei Complementar nº 35/79. Particularmente não compactuo com essa visão, apesar de conseguir
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vislumbrar sua presença no ordenamento jurídico processual ao constatá-lo subjacente, p.ex., ao poder geral de cautela (art. 798 do CPC) e às normas relativas à tutela antecipada (art. 273 do CPC). De inopino, pode ser dito que a prudência constitui uma das virtudes das quais o juiz jamais deve se afastar, pois é imperioso que o magistrado avalie as consequências dos seus atos e das suas decisões, decidindo, preferencialmente, após conhecer todas as versões dos fatos trazidos a juízo, de forma que sua decisão possa ser tomada com o maior grau de certeza e segurança possíveis. A bem da verdade, também é preciso ser lembrado que, por vezes, o juiz se vê obrigado tomar decisões arrojadas e corajosas para assegurar sua autoridade e/ou evitar o perecimento de direitos, importando, nesses casos, a acurada ponderação dos valores envolvidos no caso concreto. No tocante ao sigilo profissional, o Código de Ética estatui, no Capítulo IX, artigos 27 e 28:
CAPÍTULO IX SIGILO PROFISSIONAL Art. 27. O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício de sua atividade. Art. 28. Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento, eventualmente, antes do julgamento.
Nesse aspecto, apesar de não parecer adequado o lugar-comum da magistratura como “sacerdócio”, é certo que a obrigação de o juiz guardar sigilo profissional com relação aos dados ou fatos de tenha tomado conhecimento no exercício de sua atividade, e que mereçam reserva ou resguardo, é idêntica àquela que tem os que ouvem segredos no confessionário. Isso porque se traduz em verda-
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deiro direito do cidadão a garantia de que o magistrado não propagará informações restritas a respeito de si, ou de seus negócios, obtidas durante a tramitação processual, sob pena de se quebrantar a própria imparcialidade do Poder Judiciário. Exemplificando essa situação, LOURIVAL SEREJO afirma que [e]ssa obrigação do sigilo aplica-se, com mais rigor, aos magistrados das pequenas comarcas. Ali sempre haverá alguém da própria comunidade servindo às secretarias judiciais. Qualquer opinião expressa pelo juiz espalha-se pela cidade, e todos tomam conhecimento. Às vezes, coisas de mínima importância, mas ditas pela autoridade judicial, logo tomam uma dimensão enorme.
Já o ditame contido no art. 28 vem sendo mitigado, pois alguns juízes de 2º grau adotaram o costume de divulgar, com antecedência, aos demais integrantes da câmara ou turma, o teor dos seus votos, a fim de imprimir maior celeridade aos processos judiciais. Agindo-se nesse limite, porém, nada há a censurar, porquanto se realiza melhor, por esta via, o princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII da CRFB). Além de todos esses princípios (ou deveres) já dissecados, o Código de Ética impôs como dever dos magistrados o de “conhecimento e capacitação”, prevendo, em seu Capítulo X, entre os artigos 29 e 36, o seguinte:
CAPÍTULO X CONHECIMENTO E CAPACITAÇÃO Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça. Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.
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Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais. Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais. Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos outros membros do órgão judicial. Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as atividades que conduzem à formação judicial. Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça. Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte ofereça os meios para que sua formação seja permanente.
Esse capítulo impõe um encargo novo aos magistrados, obrigando-os a se aperfeiçoar e qualificar para poder entregar a prestação jurisdicional da maneira mais justa possível, levando em conta as decisões preceitos éticos e humanísticos, de forma que comando judicial possa ser compreendido pela sociedade como a solução de justiça mais adequada. O aprimoramento e a qualificação do magistrado tornaramse tão importantes que, após a EC n. 45/2004, passaram a ser utilizadas como critérios indispensáveis para aqueles que almejam ser promovidos por merecimento. Veja-se, a respeito, a Res. CNJ n. 106, assim como o Capítulo 6 deste Caderno. Noutras palavras, a própria Constituição Federal passou a considerar imprescindível a formação continuada do magistrado para que ele possa bem exercer a judicatura, razão pela qual andou bem o Código de Ética quando fomenta a participação dos juízes em eventos que aumentam sua
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qualificação, por enquadrar como um dever ético o constante aprimoramento profissional. Por fim, citem-se os princípios da dignidade, da honra e do decoro, fechando o Código de Ética e compondo o seu Capítulo XI, entre os artigos 37 e 39, assim dispostos:
CAPÍTULO XI DIGNIDADE, HONRA E DECORO Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência. Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.
O artigo 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional é um dos preceitos que apresentam maior complexidade hermenêutica. Como se definir quais são as atitudes e condutas consideradas dignas, honrosas ou que demonstram decoro no seu desenrolar? Lidamos aqui com conceitos abertos, variáveis de acordo com a formação de cada pessoa, com o período histórico em que se encontra a sociedade e com a perspectiva pela qual se analisa o caso concreto em que são discutidos esses valores. Por essa razão, volto a eleger como critério-padrão, a definir se uma atitude ou conduta de um juiz é digna, honrosa ou decorosa, o cumprimento da lei e a observância dos princípios regentes da administração pública, principalmente aqueles relacionados à impessoalidade e à moralidade administrativa. No mais, por tudo o que já foi discorrido, percebe-se que o magistrado deve pautar-se em sua vida privada por atitudes escor-
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reitas e em estrita observância às leis da República e à Constituição Federal, de modo que possa ser identificado pela sociedade como um juiz digno, honrado e que não falta com o decoro. Já o disposto nos artigos 38 e 39 não merecem maiores ilações. No primeiro caso, trata-se de simplesmente reproduzir a vedação expressa no inciso primeiro do art. 36 da LOMAN; e, no segundo, cuida-se de mais uma menção ao que está estabelecido no art. 9º do mesmo Código de Ética. Enfim, após a análise de todos os dispositivos do Código de Ética da Magistratura Nacional, mesmo crendo que as normas nele contidas sequer necessitariam ser (re)positivadas para obterem reconhecimento e cumprimento por tantos quanto realmente se predisponham a exercer a magistratura com o genuíno espírito de um magistrado — para cuja investidura se há de jurar, antes de mais, cumprir e fazer cumprir a Constituição Federal e as leis da República —, findo por concluir repetindo o que alhures foi afirmado, ainda que de forma diferente, em outro ponto deste texto. O Código de Ética da Magistratura Nacional pode e deve servir como um balizamento de conduta para os magistrados, caso haja dúvida se determinada conduta por si adotada fere algum valor ético. Antes dele, porém, haverá sempre a Constituição e as leis. Não se afastando de suas orientações, nessa ordem de hierarquia (primeiro a Constituição, depois as leis, e somente depois o Código de Ética), não poderá jamais sofrer qualquer questionamento de conteúdo ético, com relação às suas atitudes como integrante do Poder Judiciário brasileiro.
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5 REGIME DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA NACIONAL
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RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DOS MAGISTRADOS E A RESOLUÇÃO Nº 135/2010 DO CNJ Fábio Natali Costa*
Em 13.7.2011, foi expedida pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº 135, visando à uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, ficando revogada a Resolução nº 30/2007 que tratava do mesmo assunto. De acordo com o órgão, as normas relativas a tal procedimento administrativo disciplinar, não obstante tenham de observar as disposições da Constituição, do Estatuto da Magistratura, da Lei Orgânica da Magistratura e da legislação ordinária em vigor, têm peculiaridades que caracterizam sua natureza especial. Diante dessa nova realidade, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4638) em agosto de 2011, a fim de questionar a constitucionalidade da Resolução nº 135. Ainda de acordo com a AMB, as matérias contempladas pela nova Resolução, especialmente aquelas que tratam de censura e advertência, seriam de competência privativa dos Tribunais. Já quanto a outros temas também tratados na Resolução nº 135, tais como as penas de remoção, disponibilidade e aposentadoria, segundo a AMB, essas matérias seriam de competência privativa do legislador complementar, conforme determina a Constituição da República no caput de seu art. 93, bem como nos incisos VIII e X. A seguir, desdobra-se a análise do texto original da Resolução n. 135, pelo que isto pode ser útil para o dia-a-dia do magistrado que se vê às voltas com um procedimento disciplinar. E, logo após, um resumo dos principais pontos discutidos pelo STF nos autos da ADI nº 4.638. * Juiz do Trabalho substituto do TRT da 15ª Região, Diretor de Prerrogativas e Assuntos Jurídicos da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – biênio 20132015 e membro da Comissão de Prerrogativas da Anamatra – biênio 2013-2015
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PENAS DISCIPLINARES APLICÁVEIS Segundo a Resolução, os deveres a serem observados pelos magistrados são aqueles previstos na Constituição Federal, na Lei Complementar nº 35/79, no Código de Processo Civil (art. 125), no Código de Processo Penal (art. 251), nas demais leis vigentes e no Código de Ética da Magistratura. Portanto, se houve eventual descumprimento, aplicam-se as seguintes penalidades. a) Advertência: magistrado negligente no cumprimento dos deveres do cargo; b) Censura: na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave; c) Remoção compulsória: o magistrado de qualquer grau poderá ser removido compulsoriamente, por interesse público, do órgão em que atue para outro; d) Disponibilidade: o magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória; e) Aposentadoria compulsória: sob o fundamento de interesse público, ocorrerá quando mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário; f) Demissão: o magistrado não vitalício será demitido por interesse público quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória.
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Quanto às penas previstas no § 1º do art. 6º da Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade), são aplicáveis aos magistrados desde que não incompatíveis com a Lei Complementar nº 35/79.
INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR Trata-se de nova fase destacada pela Resolução nº 135/10. O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, e o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiverem ciência de irregularidade, são obrigados a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos da Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo. Se, da apuração em qualquer procedimento ou processo administrativo, resultar a verificação de falta ou infração atribuída a magistrado, será determinada a instauração de sindicância pela autoridade competente ou proposta diretamente ao Tribunal a instauração de processo administrativo disciplinar. A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo-se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, identificação do denunciante e seu endereço. Uma vez identificados os fatos, o magistrado será notificado a prestar informações no prazo de cinco dias. Todavia, quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos, ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame. Os corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os Presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados. Caberá recurso ao Tribunal no prazo de 15 (quinze) dias, por parte do autor da representação, das decisões referidas nos itens anteriores.
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Instaurada a sindicância, será permitido ao sindicado acompanhá-la.
PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça. Os procedimentos e normas previstos na Resolução aplicamse ao processo disciplinar para apuração de infrações administrativas praticadas pelos magistrados, sem prejuízo das disposições regimentais respectivas que com elas não conflitarem. O processo administrativo disciplinar poderá ter início, em qualquer caso, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, acolhendo proposta do Corregedor Nacional ou deliberação do seu Plenário, ou por determinação do Pleno ou Órgão Especial, mediante proposta do Corregedor, no caso de magistrado de primeiro grau ou, ainda, por proposta do Presidente do Tribunal respectivo nas demais ocorrências. O contraditório e a ampla defesa foram observados, sendo que, antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes. Findo o prazo de defesa prévia, haja ou não sido apresentada, o Relator submeterá ao Tribunal Pleno ou ao seu Órgão Especial relatório conclusivo com a proposta de instauração do processo administrativo disciplinar, ou de arquivamento, intimando o magistrado ou seu defensor, se houver, da data da sessão do julgamento. O Corregedor relatará a acusação perante o Órgão Censor no caso de magistrado de primeiro grau, e o Presidente do Tribunal nos demais casos. Tanto o Presidente quanto o Corregedor terão direito a voto. Caso a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar contra magistrado seja adiada ou deixe de ser apreciada
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por falta de quórum, cópia da ata da sessão respectiva, com a especificação dos nomes dos presentes, dos ausentes, dos suspeitos e dos impedidos, será encaminhada para a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da respectiva sessão, para fins de deliberação, processamento e submissão a julgamento. Uma vez determinada a instauração do processo administrativo disciplinar pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do respectivo Órgão Especial, o respectivo acórdão será acompanhado de Portaria que conterá a imputação dos fatos e a delimitação do teor da acusação assinada pelo Presidente do Órgão. Se acolhida a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar contra magistrado, cópia da ata da sessão respectiva será encaminhada para a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias, contados da respectiva sessão de julgamento, para fins de acompanhamento. O Relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal, não havendo Revisor, porém, não poderá ser Relator o magistrado que dirigiu o procedimento preparatório, ainda que não seja mais o Corregedor. Em relação à duração do processo administrativo, a Resolução estabelece o prazo de 140 (cento e quarenta) dias para ser concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial. Nesses casos, o Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral. Tal afastamento poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.
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Caso seja decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho, de usufruir de veículo oficial, além de outras prerrogativas inerentes ao exercício da função. O Relator determinará a intimação do Ministério Público para manifestação no prazo de 5 (cinco) dias. Após, o Relator determinará a citação do magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em cinco dias, encaminhando-lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria, ressalvando-se que: a) caso haja dois ou mais magistrados requeridos, o prazo para defesa será comum e de 10 (dez) dias contados da intimação do último; b) o magistrado que mudar de residência fica obrigado a comunicar ao Relator, ao Corregedor e ao Presidente do Tribunal o endereço em que receberá citações, notificações ou intimações; c) quando o magistrado estiver em lugar incerto ou não sabido, será citado por edital, com prazo de trinta dias, a ser publicado, uma vez, no órgão oficial de imprensa utilizado pelo Tribunal para divulgar seus atos; d) considerar-se-á revel o magistrado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo assinado; e e) declarada a revelia, o Relator poderá designar defensor dativo ao requerido, concedendo-lhe igual prazo para a apresentação de defesa.
INSTRUÇÃO PROCESSUAL Decorrido o prazo para a apresentação da defesa prévia, o Relator decidirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas requeridas, determinando, de ofício, aquelas que entender necessárias. Facultada a prova oral, serão inquiridas, no máximo, oito testemunhas de acusação e até oito de defesa, por requerido, que jus-
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tificadamente tenham ou possam ter conhecimento dos fatos imputados. Os depoimentos das testemunhas, as acareações e as provas periciais e técnicas destinadas à elucidação dos fatos serão realizados com aplicação subsidiária, no que couber, das normas da legislação processual penal e da legislação processual civil, sucessivamente. Nesse caso, a inquirição das testemunhas e o interrogatório deverão ser feitos em audiência una, ainda que, se for o caso, em dias sucessivos, e poderão ser realizados por meio de videoconferência, nos termos do § 1º do artigo 405 do Código de Processo Penal e da Resolução nº 105/10 do CNJ. Já o interrogatório do magistrado, precedido de intimação com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, será realizado após a produção de todas as provas. Observa-se que os depoimentos poderão ser documentados pelo sistema audiovisual, sem a necessidade, nesse caso, de degravação. Finda a instrução, o Ministério Público e, em seguida, o magistrado ou seu defensor terão 10 (dez) dias para manifestação e razões finais, respectivamente. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias. Será disponibilizado aos integrantes do órgão julgador acesso à integralidade dos autos do processo administrativo disciplinar. Em determinados atos processuais e de julgamento, poderá, no entanto, ser limitada a presença às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, desde que a preservação da intimidade não prejudique o interesse público. O Presidente e o Corregedor terão direito a voto, sendo que a punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial. Os tribunais comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias da respectiva sessão, os resultados dos julgamentos dos processos administrativos disciplinares.
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Caso haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos. Entendendo o Tribunal que existem indícios de crime de ação pública incondicionada, o Presidente remeterá ao Ministério Público cópia dos autos. Em caso de aplicação, seja das penas de disponibilidade ou de aposentadoria compulsória, o Presidente remeterá cópias dos autos ao Ministério Público e à Advocacia Geral da União ou Procuradoria Estadual competente para, se for o caso, tomar as providências cabíveis.
DISPOSIÇÕES FINAIS A Resolução atenta para o processo disciplinar contra juiz não vitalício, que deverá ser instaurado dentro do biênio previsto no inciso I do art. 95 da Constituição da República, mediante indicação do Corregedor ao Tribunal respectivo, seguindo, no que lhe for aplicável, o disposto na norma do CNJ. Aliás, a instauração suspenderá o curso do prazo de vitaliciamento e, em caso de aplicação das penas de censura ou remoção compulsória, o juiz não vitalício ficará impedido de ser promovido ou removido enquanto não decorrer o prazo de um ano da punição imposta. Ao juiz não vitalício será aplicada pena de demissão em caso de: a) falta que derive da violação às proibições contidas na Constituição Federal e nas leis; b) manifesta negligência no cumprimento dos deveres do cargo; c) procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; d) escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; e) proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.
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Quanto à prescrição, o prazo em relação à falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contados a partir da data em que o Tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal (vide artigo 109 do CP). Haverá interrupção da prescrição com a decisão do Plenário ou do Órgão Especial que determina a instauração do processo administrativo disciplinar. O prazo prescricional pela pena aplicada começa a correr a partir do 141º dia após a instauração do processo administrativo disciplinar. A prorrogação do prazo de conclusão do processo administrativo disciplinar (a partir de 140 dias) não impede o início da contagem do prazo prescricional de que trata o parágrafo anterior. A instauração de processo administrativo disciplinar, bem como as penalidades definitivamente impostas pelo Tribunal e as alterações decorrentes de julgados do Conselho Nacional de Justiça serão anotadas nos assentamentos do magistrado mantidos pelas Corregedorias respectivas. Aplicam-se, outrossim, aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, e desde que não conflitem com o Estatuto da Magistratura, as normas e os princípios relativos ao processo administrativo disciplinar das Leis nº 8.112/90 (que institui o regime jurídico estatutário do servidor público civil federal) e nº 9.784/99 (que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal). O magistrado que estiver respondendo a processo administrativo disciplinar só terá apreciado o pedido de aposentadoria voluntária após a conclusão do processo ou do cumprimento da penalidade. Os tribunais comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça as decisões de arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, de instauração e os julgamentos dos processos administrativos disciplinares.
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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.638 Em dezembro de 2011, o relator da ADI nº 4.638, Ministro MARCO AURÉLIO MELLO, deferiu em parte o pedido de liminar, suspendendo alguns dispositivos da Resolução 135/10 do Conselho Nacional de Justiça. Não obstante, rejeitou o pedido de suspensão do artigo 4º, que, segundo a AMB, teria suprimido a exigência de sigilo na imposição das sanções de advertência e censura, como previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), e do artigo 20, que prevê o julgamento dos processos administrativos disciplinares em sessão pública, a não ser em caso de defesa do interesse público. Observem-se os principais pontos da decisão: a) Artigo 2º Art. 2º. Considera-se Tribunal, para os efeitos desta resolução, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial, onde houver, e o Conselho da Justiça Federal, no âmbito da respectiva competência administrativa definida na Constituição e nas leis próprias.
Por maioria de votos, a Corte acompanhou o Relator da ação e negou o pedido de liminar quanto ao artigo 2º da Resolução 135, para manter a vigência do dispositivo. b) Artigo 3º, inciso V Art. 3º. São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios: [...] V - aposentadoria compulsória; [...]
O Plenário do STF, por unanimidade dos votos, referendou a liminar proferida pelo Relator, de forma a manter a eficácia do inciso V do art. 3º da Resolução 135 do Conselho Nacional de Justiça.
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c) Artigo 3º, § 1º §1º. As penas previstas no art. 6º, § 1º, da Lei no 4.898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complementar nº 35, de 1979.
O dispositivo prevê a aplicação a magistrados de penas previstas na Lei 4.898/65 (Lei de Abuso de Autoridade), desde que não sejam incompatíveis com a LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura). O Relator acolheu o pedido da AMB e suspendeu a aplicação desse dispositivo no caso de sanção administrativa civil, sob o argumento de que as penas aplicáveis a magistrados já estão previstas de forma taxativa na LOMAN. A maioria dos ministros acompanhou o voto do Relator. d) Artigo 4º Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.
A vigência do dispositivo foi mantida, confirmando a decisão do Relator, que, nesse ponto, indeferiu o pedido de medida cautelar. e) Artigos 8º e 9º, §§ 2º e 3º Art. 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo. Parágrafo único [...] Art. 9º A notícia de irregularidade praticada por magistrados poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo-se formulação por escrito, com confirmação da autenticidade, a identificação e o endereço do denunciante.
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§ 1º [...] § 2º Quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame. § 3º Os Corregedores locais, nos casos de magistrado de primeiro grau, e os presidentes de Tribunais, nos casos de magistrados de segundo grau, comunicarão à Corregedoria Nacional de Justiça, no prazo de quinze dias da decisão, o arquivamento dos procedimentos prévios de apuração contra magistrados.
Os ministros mantiveram a vigência dos dispositivos, com o entendimento de que cabe ao órgão competente de cada tribunal a apuração de eventuais irregularidades cometidas por magistrados. Porém, para o STF, não cabe ao CNJ definir de quem é a competência para proceder a essa apuração no âmbito dos Tribunais. A decisão foi unânime. f) Artigo 10 Art. 10. Das decisões referidas nos artigos anteriores caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias ao Tribunal, por parte do autor da representação.
Por maioria de votos, o Plenário decidiu manter a vigência do artigo 10 da Resolução nº 135, dispositivo que trata da possibilidade de recurso nos casos mencionados nos artigos 8º e 9º da norma. Os Ministros decidiram, contudo, excluir a parte final do dispositivo, dando interpretação conforme a Constituição ao artigo, esclarecendo que podem recorrer das decisões mencionadas todos os interessados no procedimento, seja o autor da representação ou o magistrado acusado. g) Artigo 12 Art. 12. Para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é com-
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petente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado, sem prejuízo da atuação do Conselho Nacional de Justiça.
Por 6 votos a 5, os ministros mantiveram a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para investigar magistrados, prevista no artigo 12 da Resolução nº 135. O dispositivo havia sido suspenso na decisão liminar h) Artigo 14, §§ 3º, 7º, 8º e 9º; artigo 17, caput e incisos IV e V; e artigo 20, § 3º Art. 14. Antes da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da acusação e das provas existentes. [...] § 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto. [...] § 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor. § 8º Não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento preparatório, ainda que não seja mais o Corregedor. § 9º O processo administrativo terá o prazo de cento e quarenta dias para ser concluído, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial. Art. 17. Após, o Relator determinará a citação do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 dias, encaminhando-lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria, observando-se que: [...]
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IV - considerar-se-á revel o magistrado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo assinado; V - declarada a revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao requerido, concedendo-lhe igual prazo para a apresentação de defesa. Art. 20. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias. [...] § 3º O Presidente e o Corregedor terão direito a voto.
Por maioria de votos, os ministros negaram referendo à liminar neste ponto e reconheceram a competência do Conselho Nacional de Justiça para regulamentar a instauração e instrução de processo disciplinar contra juízes. O Tribunal local terá prazo de 140 (cento e quarenta) dias para concluir o processo administrativo, prazo que poderá ser prorrogado por motivo justificado. O Presidente e o Corregedor do Tribunal terão direito a voto e o processo não terá Revisor. O magistrado que não apresentar defesa no prazo estipulado poderá ser declarado revel e sua defesa então será assumida por um defensor dativo. i) Artigo 15, § 1º Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral. § 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.
Também por maioria de votos, referendaram a decisão do Relator em relação à suspensão do dispositivo que previa o afasta-
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mento cautelar do magistrado do cargo mesmo antes de instaurado o processo administrativo disciplinar contra ele. Essa possibilidade foi afastada. j) Artigo 20 Art. 20. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias.
O dispositivo também teve sua vigência mantida. Os Ministros confirmaram a decisão do Relator que, também nesse ponto, indeferiu o pedido de medida cautelar. k) Artigo 21, parágrafo único Art. 21. A punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial. Parágrafo único. Na hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de mais de duas penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de votos.
Na análise do último dispositivo questionado pela AMB, o Plenário decidiu, também por maioria de votos, que, quando houver divergência do Tribunal em relação à pena a ser aplicada ao magistrado, cada sugestão de pena deverá ser votada separadamente para que seja aplicada somente aquela que alcançar quórum de maioria absoluta na deliberação. Nesse ponto, o Plenário deu interpretação conforme ao dispositivo da Resolução nº 135 do CNJ para que não haja conflito com o que dispõe os incisos VIII e X do artigo 93 da Constituição da República.
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6 PROMOÇÕES POR MERECIMENTO
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UMA LEITURA CRÍTICA DA RESOLUÇÃO Nº 106, DO CNJ. A PROMOÇÃO POR MERECIMENTO VERSUS A INDEPENDÊNCIA DO JUIZ Maria Rita Manzarra de Moura Garcia*
Os critérios para promoção por merecimento dos magistrados sempre se revelaram como matéria delicada e controvertida, hábil a despertar acalorados debates entre os operadores do direito e que ainda proporciona inúmeros questionamentos no âmbito administrativo e judicial. A subjetividade que sempre permeou os processos de promoção de magistrados, em especial no caso de acesso ao segundo grau, somente veio a ser mitigada quando da promulgação da emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que conferiu nova redação ao artigo 93, II, “c”, da Carta Magna, fazendo constar expressamente do texto constitucional a necessidade de que os critérios para aferição do merecimento fossem objetivos. Desta forma, desde dezembro de 2004, a Constituição Federal passou a estabelecer que a aferição do merecimento dar-se-á conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição, além da frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento. Ante a necessidade de uma nova cultura no âmbito do Poder Judiciário, com a valorização de critérios realmente objetivos para se apurar o mérito dos magistrados, o Conselho Nacional de Justiça, imbuído da competência estatuída no artigo 103-B, §4º, inciso I, da Constituição da República, editou, em 06 de abril de 2010, a Resolução nº 106, que através de seus quinze artigos, dispôs, de forma mais específica, sobre os critérios objetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de segundo grau. * Juíza do Trabalho substituta do TRT da 21ª Região, Presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 21ª Região – biênio 2012-2014 e membro da Comissão de Prerrogativas da Anamatra – biênio 2013-2015
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Em seus primeiros dispositivos, estabeleceu o Conselho Nacional de Justiça que as promoções seriam realizadas em sessão pública, com votação nominal, aberta e fundamentada, estipulando-se prazo para sua realização após aberta a vaga e estabelecendo as condições necessárias para concorrer à promoção e ao acesso aos tribunais de 2º grau, por merecimento. Ocorre, porém, que o nobre intento da Resolução de criar regras objetivas para regulamentar a promoção por merecimento restou, em diversos pontos, inobservado e vários de seus dispositivos encerram graves violações à independência da magistratura, à isonomia e à proporcionalidade, além de instituírem critérios de índole puramente subjetiva, afrontando a própria norma constitucional que visava regulamentar. Analisando detidamente a citada norma, extrai-se do artigo 5º, alíneas “d” e “e”, que na avaliação da qualidade das decisões será levada em consideração a pertinência de doutrina e jurisprudência e o respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores. Mais adiante, no artigo 10, paragrafo único, faz referência à disciplina judiciária do magistrado, que “constitui elemento a ser valorizado para efeito de merecimento”, para aqueles que almejem ascender na carreira. É de clareza solar que pretende a norma regulamentadora mensurar a qualidade da sentença do magistrado pelo respeito ou não à jurisprudência, adentrando o mérito das decisões proferidas e exigindo do juiz uma submissão aos julgados proferidos pelas instâncias superiores, o que representa violação injustificável ao cânone constitucional instituído no artigo 95, incisos I , II e III. Indene de dúvidas, portanto, que ditos dispositivos são atentatórios à garantia constitucional da independência dos magistrados, não sendo crível que este critério instituído pela Resolução nº106, que visivelmente macula o livre convencimento e a liberdade de decidir, possa ser considerado para fins de aferição de merecimento pelo órgão administrativo do Tribunal, examinador dos critérios para promoção e acesso.
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Cumpre registrar, mais, que a regra insculpida nos citados artigos 5º e 10, da Resolução - que impõe uma dependência intelectual aos magistrados para uma possível progressão na carreira -, ainda permite a revisão transversal de julgados por órgão incompetente, pois confere ao órgão administrativo do Tribunal, a quem incumbe a aferição dos critérios de promoção, o reexame do mérito de decisões judiciais, analisando in casu a pertinência da doutrina ou da jurisprudência utilizada pelo magistrado, em sua fundamentação. A afronta a esta garantia constitucional é também verificada na parte final do parágrafo único, do artigo 6º, da Resolução nº 106, quando expressamente privilegia “em todos os casos, os magistrados cujo índice de conciliação seja proporcionalmente superior ao índice de sentenças proferidas dentro da mesma média”. É flagrante, portanto, a ofensa à independência do magistrado, que se vê obrigado a valorizar uma das formas de solução dos conflitos — a conciliação — em detrimento das demais, caso possua interesse em progredir na carreira. Ignora-se, por completo, que o importante é a solução da contenda e não o caminho percorrido para tal, ferindo a razoabilidade atribuir mais mérito a um magistrado que resolva a lide através da composição do àquele que proferiu sentença de mérito, examinando fatos e provas, quando, no mais das vezes, esta última forma de resolução de conflitos é justamente a que demanda mais trabalho e tempo do juiz. A presteza do magistrado, ainda de acordo com o exposto no artigo 7º, alínea “k”, da mencionada Resolução do CNJ, deve ser avaliada levando-se em consideração, dentre outros aspectos, o “alinhamento com as metas do Poder Judiciário, traçadas sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça”, o que novamente colide com a máxima da independência do magistrado, pois atribui “mérito” somente ao juiz que com as metas consente, excluindo do sistema de pontuação de merecimento todos aqueles que delas sejam críticos e que produzem, conforme suas convicções e ritmo de trabalho, ainda que em desalinho com o imposto pelo Conselho. Fica evidente, então, que vincular promoções por merecimento de um magistrado a um necessário alinhamento com metas não
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vinculantes de um órgão administrativo é exigência que carece de razoabilidade e que premia perfis de juízes soldados, isto é, magistrados sem capacidade pensante de construir raciocínios divergentes, privilegiando a promoção daqueles meramente executores de recomendações oriundas de órgãos superiores. Ainda sob este enfoque, não podemos olvidar que o comando inserto na alínea “e”, inciso II, do artigo 7º, que estabelece como critério de aferição da presteza o “número de sentenças líquidas prolatadas em processos submetidos ao rito sumário e sumaríssimo e de sentenças prolatadas audiência”, também se apresenta manifestamente inconstitucional, igualmente por afrontar a garantia da independência do juiz. Há que se reconhecer que a prolação de sentença líquida é um facilitador na execução do crédito reconhecido, todavia, o juiz não está obrigado a proferi-la se este não for o seu convencimento, podendo entender, ante a análise do caso concreto, que a liquidação por artigos, arbitramento ou por cálculos de contador mostra-se mais apropriada para a solução da lide. Resta claro, portanto, que esta simplória fórmula adotada pela Resolução 106 desconsidera, por completo, a complexidade da demanda posta em juízo, premiando unicamente o juiz prolator de sentenças líquidas, ainda que estas tenham sido proferidas em processos de simples elucidação, como os de revelia, ou que tenham sido prolatadas em atraso apenas para atenderem ao requisito da liquidez. Neste tocante, é de se destacar que a Lei 9.957/00, que introduziu os artigos 852-A a 852-I na CLT, dispondo sobre o procedimento sumaríssimo, teve o dispositivo que inadmitia a sentença condenatória por quantia ilíquida vetado pelo então Presidente da República, sob o novel argumento de que dita imposição poderia implicar, na prática, atraso da prolação das sentenças, “já que se impõe ao juiz a obrigação de elaborar cálculos, o que nem sempre é simples de se realizar em audiência”. Dito argumento, tão bem ponderado pelo Chefe do Executivo naquela ocasião, restou ignorado pelo CNJ quando da edição da
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norma em apreço, que erigiu a sentença líquida a fator pontuador de merecimento, muito embora, em alguns casos, venha a implicar no comprometimento da própria celeridade da prestação jurisdicional, sempre que o juiz, com vistas à promoção, retardar a prolação do decisum para atender a este requisito. Se todos estes dispositivos analisados afetam a independência do magistrado, conforme demonstrado, não há como não lançar um olhar crítico sobre outros tantos preceitos desta mesma Resolução que também maculam princípios de relevo, como a isonomia e a proporcionalidade, e que albergam, por vezes, regras de cunho eminentemente subjetivo. Como antes afirmado, a Emenda Constitucional nº 45 trouxe para o texto constitucional a obrigatoriedade de que os critérios de promoção por merecimento fossem objetivos, todavia, a Resolução 106, do CNJ, visando regulamentar tais critérios, exorbitou de seu poder regulamentar, inserindo em seu bojo normas de cunho subjetivo, conferindo ao órgão de administração do Tribunal uma discricionariedade não tolerada pelo constituinte. A alegada subjetividade é facilmente constatada quando da análise do artigo 4º, inciso V e artigo 9º, caput e alíneas “a” e “b”, que se referem à necessária adequação da conduta do juiz ao Código de Ética da Magistratura Nacional, pois deixa ao crivo da instância administrativa definir se um comportamento é mais “adequado” que outro, se as ações são suficientemente reservadas na vida pública e privada, se a conduta do magistrado traduz “busca desmensurada por reconhecimento social”, se há cortesia no proceder do magistrado, se seu comportamento atende aos conceitos de honra e o decoro, pautando-se a aferição do merecimento em conceitos vagos, abstratos e extremamente subjetivos. Sobre esses conceitos abertos, aliás, confira-se o Capítulo 5 deste Caderno. O princípio da isonomia, também com assento constitucional, restou infringido pela norma editada pelo Conselho Nacional de Justiça, ora tratando igualmente magistrados que se encontram em situações desiguais, ora promovendo tratamento desigual a magistrados que deveriam perceber igualdade de tratamento, a exemplo
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do que se verifica no artigo 6º, II, alínea “e”, artigo 7º, alíneas “d” e “e” e artigo 8º, §3º, da Resolução 106, do CNJ. De acordo com a norma regulamentar em comento, para fins de aferição do merecimento, um juiz de primeiro grau pode concorrer igualmente com um juiz convocado para substituir na segunda instância, comparando-se o volume de produção de ambos, mesmo as condições de trabalho sendo absolutamente distintas, não apenas pelas características da atividade em si desempenhada, mas principalmente pela estrutura física – em especial quantitativo de assessores/assistentes – que os rodeia, numa concorrência desleal, violadora da isonomia. Se a contabilização da produtividade nos moldes antes exposto coloca em desigualdade magistrados que deveriam estar situação de igualdade, o critério previsto na Resolução n. 106, para a aferição da dedicação do magistrado, através da “gerência administrativa” e de “publicações, projetos, estudos e procedimentos que tenham contribuído para a organização e a melhoria dos serviços do Poder Judiciário”, também se revelam contrários ao princípio da isonomia. Observe-se que a denominada “gerência administrativa” aludida na norma não tem como ser aferida com relação aos juízes substitutos — que a rigor não a exercem —, mas apenas aos juízes titulares, não sendo demais destacar que esta função sequer é inerente à atividade judicial, esta sim passível de aferição pelo órgão de administração do Tribunal, para fins de promoção por merecimento. O requisito de publicação de trabalhos e estudos, a despeito de atestar a qualificação científica do candidato à promoção, também não pode ser considerado como critério objetivo pra fins de aferição do merecimento, pois além da produção intelectual não ser garantia de presteza no serviço, ainda permite injustas situações de promoção de magistrados que conferem primazia à vida acadêmica, em detrimento daqueles que não a exploram por opção, mas que, a despeito disso, desempenham de forma escorreita e exemplar a função jurisdicional.
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Pelos mesmos fundamentos, o critério estampado no artigo 8º, §3º, segundo o qual “[a]s atividades exercidas por magistrados na direção, coordenação, assessoria e docência em cursos de formação de magistrados nas Escolas Nacionais ou dos Tribunais são consideradas serviço público relevante e, para o efeito do presente artigo, computadas como tempo de formação pelo total de horas efetivamente comprovadas.” revela-se violador da isonomia, pois a designação para as funções de direção, coordenação e assessoria é inteiramente discricionária, instaurando-se uma desleal concorrência entre estes e outros magistrados que disputam a mesma promoção por merecimento. Como antes aludido, também o princípio da proporcionalidade restou afrontado em alguns dos dispositivos da Resolução nº 106, a exemplo do que se verifica no artigo 7º, I, alíneas “a” e “f’, quando considera a “assiduidade ao expediente forense” e a “residência e permanência na comarca”, como critérios válidos para aferição da presteza do magistrado. Como é cediço, não está o magistrado obrigado a cumprir jornada de trabalho, competindo a ele, verdadeiro agente político do Estado, escolher o horário de labor que irá adotar, sendo inadequada a imputação, ainda que indireta, de controle de frequência. Esta peculiaridade, todavia, não traduz privilégio ou beneficio da carreira, pois é sabido o elastecido horário de trabalho cumprido pelos magistrados – estendido, rotineiramente, em suas residências, à noite e aos finais de semana – para atender à elevada carga processual a que estão submetidos. Assim sendo, fica evidente que pontuar a assiduidade ao expediente forense como regra de promoção fere a proporcionalidade e ignora a própria dinâmica da atividade do magistrado, sendo certo que a presteza do juiz não se infere da simples observância ao horário de funcionamento do fórum, devendo, na verdade, ser ponderado por outros elementos, como o “quantum” produzido de decisões, o atendimento solicitado pelas partes/advogados e que foi realizado, dentre outras condutas objetivas plausíveis e razoáveis de serem consideradas.
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Na mesma esteira, não há como premiar o magistrado que opte por residir na comarca, considerando-o detentor de maior presteza que outrem que faça opção distinta, quando o próprio texto constitucional, em seu artigo 93, inciso VII, da Constituição Federal, admite expressamente que o Tribunal autorize o magistrado a residir fora da comarca. Desta feita, o exercício regular de um direito – de não residir na comarca – não pode ser fator de demérito na avaliação do merecimento, nem comprometer a apuração da presteza do magistrado que concorra à promoção, sob pena de mácula ao princípio da proporcionalidade. O artigo 7º da Resolução CNJ n.106 também não resiste a uma análise mais profunda, pois caracteriza como celeridade na prestação jurisdicional “a observância dos prazos processuais, computando-se o numero de processos com prazo vencido e os atrasos injustificáveis”. Evidente, então, a violação à proporcionalidade em tal comando, pois a hipótese de “processo com prazo vencido” não considera o volume processual existente da unidade jurisdicional, sendo inadmissível colocar em situação de igualdade os atrasos de magistrados que atuem em varas com ínfimo movimento e o daqueles em exercício em unidades de expressiva movimentação processual. A inconstitucionalidade material latente de todos os dispositivos aqui mencionados, que suprimem a independência dos magistrados e que denotam a tentativa de hierarquizar o Judiciário, violando a isonomia e a proporcionalidade, foi objeto de medida judicial formalizada pelas três principais entidades de classe da Magistratura nacional (ANAMATRA, AJUFE e AMB), a saber, ação direta de inconstitucionalidade, tombada sob o nº 4510, protocolizada em dezembro de 2010. Em finais de 2013, essa ação encontrava-se com vista à Procuradoria-Geral da República, desde 09.02.2011. É imperioso reconhecer os elevados propósitos da norma editada pelo CNJ, que de fato restringiu a subjetividade até então reinante nas promoções por merecimento, todavia, após a leitura crítica realizada, fica patente a exorbitância do poder regulamentar do Conselho em diversos dispositivos, que aplicados em sua literalidade, criam precedentes perigosos com relação à independência
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do Judiciário e colocam em risco premissas basilares do Estado Democrático de Direito. Conclui-se, portanto, que a promoção de juiz, em especial a promoção por merecimento, é matéria que urge ser regulamentada da forma mais objetiva, impessoal e isonômica possível, tendo o constituinte sido sensível a esta necessidade, não podendo normas que venham a regulamentar a Constituição dela destoarem e lhe serem contraditórias. Não se olvide, mais, que a independência do juiz é sustentáculo da sociedade democrática, garantia constitucional máxima que assegura ao magistrado a liberdade para formular juízos e proferir decisões, sujeitando-se apenas à lei e à sua consciência, incumbindo ao Conselho Nacional de Justiça e aos demais órgãos do Poder Judiciário o nobre dever de zelar por tão cara garantia. Desta feita, em face desse dever de zelo, urge serem declarados inconstitucionais, pelo Supremo Tribunal Federal, os dispositivos da Resolução 106, do CNJ, lesivos à independência do juiz e à isonomia, extirpando-se do seu texto todas as hipóteses que permitam juízos subjetivos e discricionários nas escolhas, sendo tais ajustes na norma regulamentadora imprescindíveis para que, enfim, possa o espírito constitucional, inspirado na moralidade e impessoalidade, prevalecer nas promoções por merecimento.
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7 A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO E AS APURAÇÕES ECTÓPICAS (OAB). AS DESINTELIGÊNCIAS EM AUDIÊNCIA: MODUS OPERANDI
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DOIS TEMAS LATERAIS EM MATÉRIA DE PRERROGATIVAS: OS JULGAMENTOS ECTÓPICOS DE CONDUTAS DE MAGISTRADOS (OAB) E AS DESINTELIGÊNCIAS EM AUDIÊNCIAS TRABALHISTAS (PODERES DO JUIZ E MODUS OPERANDI) Guilherme Guimarães Feliciano
Em 18.07.2011, por delegação unânime da Comissão Disciplinar e de Prerrogativas da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Décima Quinta Região (Amatra XV), que então presidíamos, elaboramos e encaminhamos a todos os associados daquela entidade uma “Carta ao Associado” que esclarecia, a uma, quais as respostas institucionais da Amatra XV nas hipóteses de “notificações” que as subseções da Ordem dos Advogados do Brasil vinham encaminhando aos juízes da região, de modo useiro e vezeiro, ao ensejo dos procedimentos de desagravo que instauravam e faziam tramitar internamente; e, a duas, discutia quais as ações juridicamente possíveis e recomendáveis, por parte dos juízes do Trabalho, em situações de desinteligência durante as audiências trabalhistas. À época, a carta foi muito bem recebida entre os juízes do Trabalho da 15ª Região, o que motivou uma sua reedição, já atualizada, em meados de 2012, agora em opúsculo específico para o tratamento pragmático das questões mais candentes de prerrogativas àquela altura. Agora, revisando novamente os seus inteiros termos, apresentamos este estudo aos juízes do Trabalho de todo o Brasil, e às vinte e quatro Amatras da federação brasileira, para reflexão e balizamento de reações pessoais e institucionais. Voilà.
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A. Procedimentos de desagravo e similares instaurados por subseções da Ordem dos Advogados do Brasil. “Notificações” a magistrados Tem sido cada vez mais frequentes os ensejos em que as subseções da Ordem dos Advogados do Brasil instauram procedimentos com os mais diversos formatos para apurar alegados “abusos” na conduta do magistrado, com possíveis violações às prerrogativas dos advogados, e muito especialmente por ocasião de audiências trabalhistas. Tais procedimentos geralmente tendem à realização de futuros atos públicos de desagravo (ut artigo 7º, §5º, da Lei n. 8.906/94), inclusive com possibilidade de publicação em diário oficial (cfr. artigo 45, §6º, da mesma lei). Nesses expedientes, é recorrente que a autoridade judicial seja “notificada” a se manifestar, apresentando a sua “versão” dos fatos. Alega-se, a respeito, que com isso estariam assegurando o contraditório e a ampla defesa no âmbito dos referidos procedimentos. Esse, porém, não é um proceder juridicamente adequado. Em nossa percepção, ao adotar tais procedimentos, a OAB exorbita de suas competências comezinhas. Para tanto demonstrar, citávamos, no âmbito da 15ª Região, o artigo 29, inciso VI, do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região (RI-TRT-15), que certamente se repete, em preceitos equivalentes, nos regimentos de todos os tribunais do trabalho do país: compete sempre ao Corregedor Regional conhecer das representações e reclamações relativas aos serviços judiciários e auxiliares de primeiro grau, bem como as que envolvem juízes do Trabalho de 1º grau, determinando ou promovendo as diligências que se fizerem necessárias. E, de fato, podem assim dispor: nos termos do artigo 21, III, da Lei Complementar n. 35, de 14.03.1979 (LOMAN), compete aos tribunais, privativamente, elaborar seus regimentos internos e neles estabelecer a competência de suas câmaras ou turmas isoladas, grupos, seções ou outros órgãos com funções jurisdicionais ou administrativas; e, no mesmo diapasão, o artigo 48 da LOMAN estatui que os regimentos internos dos tribunais estabelecerão o procedimento para a apuração de faltas puníveis com advertência
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ou censura. O mesmo decorre, ademais, do próprio artigo 96, I, “a”, da Constituição da República. Logo, se o juiz abusa de seus poderes ou agride direito alheio, quem lho dirá, no plano administrativo-disciplinar, será a corregedoria do seu tribunal (ou, avocando a matéria, o Conselho Nacional de Justiça). Jamais uma entidade com personalidade jurídica de direito privado, com feitio corporativo — a despeito dos relevantíssimos serviços prestados à sociedade brasileira independente e republicana — e externa ao Poder Judiciário, como é a Ordem dos Advogados do Brasil. Nada obstante, o desatino da apuração ectópica de supostas infrações perpetradas por magistrados e outras autoridades públicas, ainda que para fins de mero desagravo público, tem sido constatado em diversas esferas. Em março de 2010, e.g., o Ministério Público do Trabalho da 18ª Região encaminhou à seção goiana da OAB a notificação recomendatória n. 001/2010, assinada por seu procurador-chefe (Dr. JANUÁRIO JUSTINO FERREIRA), pela qual recomendava à OAB/GO que se abstivesse, imediatamente, de “instaurar e dar continuidade a procedimento administrativo de investigação de conduta de magistrado da Justiça do Trabalho integrante do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região”. À vista de tudo isso, e diante das competências claramente gizadas no ordenamento, da Constituição até os regimentos internos dos tribunais do trabalho, pedidos de explicações e/ou procedimentos de aferição de conduta protagonizados por comissões de direitos e prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil em desfavor de magistrados, por conta de fatos ligados ao exercício das suas funções jurisdicionais, perfazem expedientes que tendem à usurpação da competência funcional das corregedorias regionais, consubstanciando, no limite, injustificável constrangimento para a autoridade judiciária. Nessa linha, no âmbito da Amatra XV — e diante de sua missão estatutária de defender as prerrogativas, os direitos e os interesses da classe dos juízes do Trabalho na região, inclusive individualmente (como de resto se vê, comumente, na constituição estatutária da maior parte das Amatras) —, adotou-se a praxe de, em todos os ca-
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sos de “notificação” de juízes do Trabalho por comissões de advogados, remeter-se às respectivas (sub)seções respostas institucionais padronizadas, por meio ofício e em nome do associado, repudiando o procedimento eleito para “corrigir” a conduta visada. No referido ofício, faz-se constar, dentre outras coisas, que, [p]ara a defesa da honra e das prerrogativas dos magistrados do Trabalho da 15a Região, dispõe a Amatra XV da sua própria Comissão Disciplinar e de Prerrogativas, órgão que atua com absoluta imparcialidade e independência, no que toca à diretoria executiva da entidade. Releva observar, porém, que, em praticamente duas décadas de funcionamento, jamais a Comissão Disciplinar e de Prerrogativas da Amatra XV expediu ofício para profissional inscrito na OAB com vistas ao esclarecimento de fatos pertinentes a queixas e denúncias apresentadas por magistrados, como tampouco instaurou procedimento interno para aferir a regularidade de conduta de quaisquer advogados. Procurou, sempre, formar sua convicção de acordo com elementos objetivos trazidos pelos próprios interessados, além daqueles constantes dos autos de processos judiciais, sem constranger terceiros estranhos ao seu universo associativo. Não há duvida de que a construção de um Estado Democrático de Direito, tão almejada por advogados e juízes, passa pelo crivo do respeito recíproco e irrestrito às prerrogativas funcionais de ambos os segmentos. Neste sentido, é salutar que as entidades representativas das duas classes atuem de forma ativa na defesa das prerrogativas de seus membros, circunstância que, num regime democrático, somente enseja a elevação do respeito e do bom relacionamento profissional. Esta atuação, no entanto, a par de firme, deve se pautar pelo respeito aos canais institucionais e às disposições legais e regimentais atinentes à matéria, sob pena de enfraquecimento do Poder Judiciário. Por tais razões, reputando inadequado o procedimento de colheita de explicações e defesas escritas, a Amatra XV pugna pela sua completa eliminação, salvaguardando-se os limites naturais da atividade correicional judiciária”.
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Não raro, a comissão de direitos e prerrogativas da OAB (seccional ou subseccional) — ou, amiúde, uma comissão similar constituída “ad hoc” (o que fere a não mais poder os princípios de justiça que alegadamente se pretende defender com a malsinada “notificação”) — responde diretamente à associação, contrapondo entendimentos e pontos de vista, mas desviando o inoportuno constrangimento antes dirigido apenas ao magistrado. E, mesmo que siga com seus procedimentos, estará ciente de que o juiz não segue só na sua defesa, tendo respaldo institucional e jurídico bastante caso se verifiquem quaisquer excessos, em palavras ou procedimentos. Não é incomum, aliás, que as próprias sessões públicas de desagravo sejam gravadas por prepostos das associações de juízes, para o respaldo probatório de ulteriores ações de indenização por danos morais, movidas em face de advogados ou da própria OAB, quando o “desagravo” desborda em ofensas e imputações que configurem calúnias, difamações e/ou injúrias. B. Ainda os procedimentos de desagravo da OAB e seus desdobramentos. A atuação do Ministério Público Federal e das associações nacionais de juízes. As “listas negras”
Ainda em razão dos mesmos problemas, o Ministério Público Federal em São Paulo instaurou, em 2011, o Inquérito Civil Público n. 1.34.001.006486/2011-15, destinado a apurar a regularidade daqueles procedimentos inquisitoriais privados, na medida em que constrangem autoridades judiciárias e, no limite, interferem com a independência judicial. É que, a rigor, o “contraditório” formalmente oferecido às autoridades investigadas tenciona apenas conferir um verniz acusatório a um procedimento que é essencialmente corporativo e inquisitorial; e, mais, visa a publicitar um expediente interno das subseções como forma de gerar estrépito público e intranquilidade subjetiva. No âmbito daquele inquérito, editou-se a Recomendação n. 03/2012, de 31.01.2012, da lavra da Procuradora EUGÊNIA AUGUSTA GONZAGA, que notificou a Ordem dos Advogados do Brasil (São Paulo) para que orientasse as suas subseções quanto aos limites de seu
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âmbito de atuação, salientando os excessos que a Associação havia apontado em sua representação. O inquérito foi assim ementado: OAB-SP. Uso abusivo de notificações e intimações de Juízes do Trabalho, para fins de defesa ou resposta em expedientes internos das subseções da OAB/SP para a apuração da violação de prerrogativas de advogados. Possível constrangimento aos magistrados”.
Nada obstante, em agosto de 2012, o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, JEFFERSON APARECIDO DIAS, decidiu arquivar o inquérito civil público, ao argumento de que, entre fazer tramitar seus expedientes de desagravo sem a ciência e a interlocução dos juízes e fazê-los tramitar com a ciência e a interlocução dos juízes, a segunda opção era menos gravosa, de modo que nada haveria a fazer. Contra essa decisão, a Amatra XV manejou recurso, nos termos do art. 9º, §4º, da Lei n. 7.347/85, para afirmar que a prática tem demonstrado que a interpelação privada de juízes para participarem de tais expedientes é geralmente motivada pelo desiderato de, a uma, legitimar tais expedientes internos, quaisquer que sejam seus resultados; e, a duas, pelo escopo de constranger e quiçá intimidar o agente público, se não para demovê-lo de determinado convencimento jurídico sobre dada matéria. Com efeito, os procedimentos de desagravo da Ordem dos Advogados do Brasil são de jaez privado-corporativo, sem qualquer natureza público-oficial que admita a instauração de contraditórios públicos. A prática adotada corresponderia, por exemplo, à regulamentação de um procedimento interno no âmbito de alguma associação de juízes para punir advogados e desagravar juízes, nos quais os advogados que acaso desbordassem de uma atitude servil se vissem “notificados” para responder a acusações e fossem finalmente julgados por uma comissão de prerrogativas daquela mesma associação (o que, pela própria descrição, é um franco absurdo). E há, de resto, um sentido gravame naquilo que se tem perpetrado no âmbito da OAB: o resultado final, ao cabo “legitimado”
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por um arremedo de contraditório, tende a ser publicado no Diário Oficial, com foros de publicidade, nos termos de previsão específica da própria Lei n. 8.906/94. Esse modo de interferência oblíqua em assuntos estritamente jurisdicionais, utilizando-se de divulgação pública e procedimentos internos inquisitoriais — que ganham verniz contraditório com as notificações e afins a autoridades públicas —, não são exclusividade de uma específica região ou tribunal. No âmbito da Anamatra, queixas dessa natureza já foram encaminhadas, em momentos diversos, pela 15ª Região, pela 18ª Região, pela 10ª Região e pela 3ª Região. No âmbito nacional, após o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Carlos Ayres Britto, ter cassado a palavra e restringido os recursos visuais (datashow) a um dos advogados dos réus na Ação Penal n. 470 — como, aliás, faculta a lei, a qualquer juiz (v., e.g., os artigos 445 e 446 do CPC e 400, §1º, e 794 do CPP) —, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil logo noticiou publicamente que a conduta do Presidente do STF seria objeto daquela mesma espécie de apuração ectópica, realizada por quem ao mesmo tempo é acusador e juiz (em sentido funcional-orgânico); e, ato contínuo, seguir-se-ia um ato de desagravo, quiçá a igualmente publicar, em ementa, no Diário Oficial da União. Pelo quão surreal e teratológico o anúncio, diversas associações nacionais de juízes pronunciaram-se naquela ocasião. No caso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), publicou-se a seguinte nota (24.09.2012): Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade representativa dos juízes do Trabalho brasileiros, tendo em vista notícia veiculada sob o título ‘OAB apurará se Britto violou prerrogativas de Toron’, vem a público afirmar: 1. É de grande estranheza que a Ordem dos Advogados do Brasil empreste seu prestígio para sustentar factoides em torno do julgamento de ação penal n. 470, que vem transcorrendo em regime de normalidade; 2. O fato aludido em notícia na mídia eletrônica tem o objetivo evidente, mas infrutífero, de constranger o ministro Ayres
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Britto, julgador imparcial, em clara tentativa de cerceio de sua liberdade decisória, o que seria previsível, embora censurável, na conduta dos próprios réus, mas nunca partindo de instituição que já defendeu com vigor a democracia; 3. Esse mesmo tipo de expediente, aliás, visando apurações internas, pela própria OAB, dos atos praticados pelos juízes, tem sido utilizado em algumas seccionais da OAB como tentativa de censurar e intimidar a magistratura, o que evidencia o desprestígio que a própria Ordem confere, na prática, ao Conselho Nacional de Justiça e aos Órgãos disciplinares dos Tribunais, únicas instâncias constitucionalmente aptas, em nome da independência do Judiciário, a sindicar a conduta dos magistrados brasileiros, sendo certo que os juízes não estão sujeitos a qualquer tipo de avaliação ou julgamento por parte do Conselho Profissional da Advocacia ou por qualquer força política que pretenda influenciar a liberdade judicial; 4. O indeferimento de questões de ordem e sua reiteração ou até mesmo a restrição da palavra nos tribunais — sabe todo e qualquer advogado — é faculdade e por vezes dever de qualquer juiz, com mais destaque em situações como a que enfocada na sustentação oral em favor do deputado João Paulo Cunha perante o STF, quando se pretendia claramente, sem amparo jurídico, renovar a discussão de matéria vencida; 5. Não fosse assim, qualquer outro ministro integrante da Corte teria acudido o ilustre advogado e composto maioria em torno da questão suscitada, fato que não ocorreu; 6. A Anamatra igualmente solidariza-se com o ministro Carlos Ayres Britto e com todos os demais ministros do Supremo Tribunal Federal, na certeza de que Suas Excelências têm o único e definitivo compromisso com a independência e com a ética. [g.n.]
No caso da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), publicou-se o seguinte (21.09.2012): A Associação dos Juízes Federais do Brasil - Ajufe, entidade de classe de âmbito nacional da magistratura federal, tendo em vista notícia veiculada no site Conjur, no dia 20 de se-
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tembro de 2012, sob o título “OAB apurará se Britto violou prerrogativas de Toron”, manifesta-se nos seguintes termos: 1. A Ajufe recebeu com surpresa a notícia de que o Conselho Federal da OAB vai apurar se o Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, teria violado prerrogativas profissionais do advogado Alberto Zacharias Toron, no primeiro dia da ação penal 470 (“mensalão”), ao impedir o uso da palavra por esse advogado, para suscitar uma questão de ordem. 2. A despeito de suas nobres e relevantes funções, não cabe à OAB sindicar internamente ato praticado por qualquer magistrado na condução de processo judicial, muito menos do presidente do Supremo Tribunal Federal. 3. Não houve violação a prerrogativas profissionais do citado advogado, até porque os fatos não ocorreram da forma como noticiados pela OAB. A questão de ordem relativa à utilização, pelos defensores, de projeções de slides durante as sessões de julgamento do mensalão havia sido sustentada pelo advogado, da tribuna, com observância de todas as formalidades legais, na sessão do dia 1º de agosto passado, tendo sido indeferida pelo plenário do STF. 4. Na sessão do dia 2 de agosto, deixando de observar regra processual básica (preclusão) que prescreve que questões já decididas não podem ser objeto de nova deliberação, o advogado trouxe a mesma questão de ordem à tribuna. Após ouvir o advogado sumariamente — como prevê o art. 7º, X, do Estatuto da OAB — e sem oposição dos demais ministros, a questão foi corretamente indeferida pelo ministro Ayres Britto, no exercício das prerrogativas que lhe conferem o artigo 446, I, do Código de Processo Civil e o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Todas as garantias processuais dos réus nesse processo, bem como as prerrogativas de seus advogados, vêm sendo asseguradas, como prescreve a Constituição Federal. Assim, mostra-se totalmente inadequada a atitude da OAB, ao contestar a autoridade do presidente do Supremo Tribunal Federal e da própria Corte, em meio a julgamento de processo de tamanha relevância para o país.
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6. Eventuais disputas eleitorais internas da OAB podem ter motivado essa atitude, mas isso não se coaduna com a história e o espírito democrático dessa instituição. 7. A Ajufe solidariza-se ao ministro Ayres Britto e a todos os demais ministros do Supremo Tribunal Federal. (g.n.)
Ainda mais recentemente, a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) igualmente se insurgiu — inclusive judicialmente — contra os procedimentos corporativo-inquisitoriais das subseções da OAB/SP, então elevados a um novo patamar: a criação (e ampla divulgação) de um index com todos os cidadãos e autoridades “condenados” pelas comissões internas de prerrogativas das várias subseções. Lia-se no CONJUR, em 23.02.2007, pela pena da APMP, que a OAB não tem poder de aplicar punições a pessoas que não integram seus quadros. Seu poder disciplinar é restrito aos seus associados, com infrações previstas em seu estatuto. Qualquer outra sanção, a qualquer outra pessoa, resvala em ofensa ao princípio da legalidade. [...] Com esse fundamento, o juiz federal Miguel Thomaz Di Pierro Júnior negou efeito suspensivo à liminar que determinou a suspensão da lista de inimigos da seccional paulista da OAB. A entidade entrou com recurso (agravo de instrumento) contra decisão do juiz da 5ª Vara Federal de São Paulo que concedeu medida cautelar a favor da Associação Paulista do Ministério Público (APMP). [...] A APMP entrou na Justiça Federal com mandado de segurança reclamando que a lista da OAB interferia em direito líquido e certo. [...] A entidade, que representa os promotores e procuradores de justiça do Estado de São Paulo, pediu a proibição imediata da publicação da lista daqueles que foram condenados em processo de desagravo ou moção de repúdio por desrespeito às prerrogativas dos advogados. Na lista constam os nomes de juízes, delegados, promotores, procuradores, jornalistas, vereadores. A Justiça Federal concedeu a liminar. [...] Insatisfeita, a OAB ingressou com recurso. A entidade sustenta que a liminar é que interfere em direito líquido e certo e no dever da OAB de criar registros das diversas categorias. Argumenta que a lista posta em debate trata do registro dos nomes de pessoas que, comprovadamente, infringiram prerrogativas legais dos advogados.
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A OAB diz que não tem dúvida de que não possui o poder de punir juízes ou outras autoridades e que o cadastro é um simples instrumento de documentação criado como medida de defesa, mas sustenta seu dever de defender os advogados por meio da promoção do desagravo público. [...] Em sua decisão, o juiz Miguel Thomaz Di Pierro Júnior argumenta que o cadastro de autoridade que recebeu moção de repúdio por parte da OAB afasta-se do dever de desagravo. ‘Com efeito, a desvinculação entre o ato que ensejou o desagravo e a inclusão do nome de determinada pessoa no referido cadastro, não parece buscar o reparo da ofensa sofrida, mas sim atribuir à palavra desagravo outro significado, o de vingar-se, desforrar-se, desafrontar-se’, afirmou o juiz federal. Para ele, apesar de a OAB procurar demonstrar que a lista não tem caráter punitivo, o que sobressai não é a reparação moral do advogado ofendido, mas a exposição vexatória da pessoa incluída na lista. (g.n.)
Também contra esse específico expediente (inclusão em index público), que amiúde decorria da “condenação” da autoridade judicial naqueles procedimentos internos de apuração de faltas, o próprio MPF ingressara com ação civil pública em 2006, sob a lavra do procurador MÁRCIO SCHUSTERSCHITZ DA SILVA ARAÚJO. Da mesma maneira, diversas Amatras, por meio de ações judiciais manejadas em favor de associados seus, lograram excluí-los das malsinadas “listas negras”. Mas, para todos os efeitos, tais listas ainda subsistem, aqui e acolá, especialmente para os desavisados. E, antes delas, os procedimentos que as chancelam, sem qualquer balizamento constitucional aparente. A judicialização dessa matéria, em dimensões nacionais, aproxima-se do iminente. C. Desinteligências em audiência: orientações gerais. O que se pode fazer?
São recorrentes nas comissões e diretorias de prerrogativas das associações de juízes, como na própria Comissão Nacional de Prerrogativas da Anamatra, informes de casos em que as partes e/
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ou os advogados desbordaram de sua posição natural, sujeitos que estavam ao poder de organização e de polícia do magistrado no curso das audiências, e passaram a afrontá-lo resignada e explicitamente, não raro perpetrando ilícitos penais como o desacato (art. 331 do CP), a desobediência (art. 330 do CP), a resistência (art. 329 do CP) ou mesmo a coação no curso do processo (art. 344 do CP). Em circunstâncias de tal gravidade, exsurge dúvida natural sobre como deve o magistrado proceder. Obviamente, não há um roteiro orgânico para o que é teratológico. Nada obstante, diante da repetição de tais ensejos, é fundamental deter, a respeito, as informações que se seguem. Chamamo-la carinhosamente de “decálogo das desinteligências”. Vejamos. I. Serenidade. Uma vez deflagrado o contexto de confronto, agressão verbal ou ameaça, o juiz deve sempre agir com fleuma e serenidade, demonstrando preparo e controle da situação. Mesmo que altere o tom de voz, à vista das circunstâncias e de suas necessidades, deve fazê-lo de modo refletido e controlado. II. Preparar-se para o pior. O juiz deve ter em mente, ademais, que qualquer medida de força acaso tomada deve ser preparada e preordenada para o momento do comando, evitando-se arroubos de autoexecução e prevenindo-se contextos incontornáveis de resistência ou desobediência. Assim, antes de qualquer medida de força (e.g., detenção ou expulsão), convirá requisitar, por meio dos serventuários, a presença de força policial. III. Identificar opções. A polícia judiciária que serve a Justiça do Trabalho é, por natureza e destinação, a Polícia Federal; logo, deve-se sempre preferir, quando possível, o recurso aos corpos de polícia federal (que realizam, ao lado das polícias civis estaduais, a chamada polícia repressiva). Seus quadros são, todavia, sabidamente reduzidos e pouco capilarizados. Assim, exceto nas cidades em que a Polícia Federal já esteja instalada fisicamente, convirá ao juiz requisitar os corpos de polícia preventiva (i.e., os efetivos da Polícia Militar). Corpos de guarda municipal ou metropolitana destinam-se tão-só à preservação dos próprios públicos municipais, sem funções judiciárias ou de
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segurança pública preventiva (art. 144, §8º, da CRFB). Logo, em via de regra, não devem ser requisitados para esse efeito. IV. Dialogar com as polícias locais. Convirá sempre manter relações institucionais próximas com as chefias locais das polícias militar, civil e/ou federal. Da mesma forma, recomenda-se apurar e ter acesso a contatos telefônicos mais reservados, que permitam acionar níveis superiores em cada corporação. V. Absoluta excepcionalidade da prisão em audiência. A prisão em flagrante em audiência é medida absolutamente excepcional. O juiz não deve dar voz de prisão em audiência, se não quando impraticável qualquer outro encaminhamento e observados rigorosamente os pressupostos legais. Sujeita-se, de outro modo, às penas da Lei 4.898/65 (Lei do Abuso de Autoridade art. 4º, “a”). VI. Impraticabilidade da voz de prisão em delitos de menor potencial ofensivo. É importante ter em mente que, à vista do que dispõe o artigo 61 da Lei n. 9.099/95 (na redação da Lei n. 11.313/2006), são crimes de menor potencial ofensivo — em que aprioristicamente não cabe a prisão em flagrante — quaisquer delitos cuja pena máxima cominada em lei não seja superior a dois anos. Assim, por exemplo, não cabe a prisão em flagrante em delitos como desobediência (pena máxima cominada de seis meses), desacato (pena máxima cominada de dois anos) ou resistência simples (pena máxima cominada de dois anos); tampouco cabe prisão em flagrante nos crimes contra a honra (a figura mais grave — calúnia — tem pena máxima cominada de dois anos). Em todos esses casos, após a lavratura do termo circunstanciado (TCO), se o acusado “for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança” (art. 69, par. único, da Lei n. 9.099/95). VII. O dilema: prender como autoridade ou como qualquer do povo? Há forte corrente jurisprudencial a entender que o juiz não-criminal (cível, trabalhista etc.) não prende em flagrante como autoridade, mas como “qualquer do povo” (cfr. artigo 301 do CPP; v., e.g., STJ HC n. 2672-1/GO, 6ª T., rel. Min. ADHEMAR MACIEL, j. 24.06.1994; TRF 1ª Reg., Incidente de Uniformização n. 92.01.24139-9/DF, 2ª S., rel. EUSTÁ-
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QUIO NUNES SILVEIRA) apesar do que dispõe textualmente o artigo 307 do CPP (e da nossa particular opinião48). VIII. Exercitar o poder de polícia processual. Nada obstante, ainda que não possa proceder à prisão em flagrante, dá-se ao juiz, em todo caso, o poder de retirar da sala de audiências quem se comporte inconvenientemente (assim, p.ex., aquele que contra si assacar ofensas ou fizer ameaças), inclusive mediante força policial (art. 445, II e III, do CPC c.c. art. 769 da CLT). No limite, poderá determinar a sua condução à presença da autoridade policial, para a lavratura do termo circunstanciado e a assunção do compromisso de comparecimento perante a autoridade judiciária criminal. Recomenda-se, em todo caso, registrar em ata a íntegra da ocorrência, com o detalhamento possível; e, havendo condução, que se faça pelo senhor oficial de justiça, que de tudo lavrará certidão. IX. Prisões juridicamente possíveis podem não ser convenientes. Quanto ao falso testemunho, em que a pena máxima cominada é de três anos (art. 342 do CP), admite-se, em tese, a prisão em flagrante delito durante a audiência, na medida em que, para a doutrina majoritária, o delito consuma-se no exato instante em que a testemunha profere a afirmação mendaz (logo, na própria audiência). Geralmente, porém, tal prisão não é conveniente, diante da imediata extinção da punibilidade em caso de retratação pronunciada até a data da prolação da sentença (art. 342, §2º, do CP), o que pode comprometer o sentido de autoridade e a própria seriedade do ato. Nesse sentido é que os próprios membros do Ministério Público Federal “dominus litis” em todos esses expedientes sugerem que não se proceda à prisão em flagrante de testemunha mendaz ou lacunosa. Em casos especiais, querendo realizar o flagrante sem maiores contratempos (o que, insista-se, deve ser excepcional), deverá o juiz prolatar a sentença em audiência e, logo na sequência (art. 302, II, do CPP), dar a voz de prisão; nessa hipótese, porque já prolatado o julgamento, não haverá ensejo legal para retratações. X. Ao prender, prender com os olhos do advogado do preso. Em relação ao instituto da prisão, importa observar o seguinte: Cfr., a respeito, FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tópicos avançados de Direito Material do Trabalho. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2000. v. II. Capítulo 1.
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(x.1) em se tratando de advogado, é direito do detido ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo (sob pena de nulidade); e, nos demais casos, é seu direito a necessária e expressa comunicação à seccional da OAB (art. 7º, IV, da Lei n. 8.906/94), com a brevidade possível; (x.2) hodiernamente, mesmo quando caiba a prisão em flagrante delito, de regra o detido livrar-se-á mediante fiança arbitrada diretamente pela autoridade policial, sem o escrutínio do juiz penal, desde que se trate de crime cuja pena privativa de liberdade máxima cominada não ultrapasse quatro anos (art. 322, caput, do CPP, na redação da Lei n. 12.403/2011), como é o caso do falso testemunho ou da coação no curso do processo (observadas, porém, as exceções do art. 323 do CPP, como, p.ex., nos crimes de racismo Lei n. 7.716/89); (x.3) não há hipótese juridicamente possível de prisão penal ou processual penal decretada por juiz não-penal por mandado judicial (logo, há apenas a possibilidade da prisão em flagrante, nos casos legais) 49; (x.4) na contramão da hipótese, registre-se que todo juiz tem o direito de somente ser preso mediante ordem escrita do tribunal competente (i.e., por mandado judicial), salvo em caso de flagrante de crime inafiançável (e não é esse o caso, p.ex., dos crimes da Lei n. 4.898/65), caso em que “a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado” (art. 33, II, da LOMAN).
Nos casos de ilícitos penais perpetrados em audiência contra a honra do magistrado (calúnia, difamação, injúria artigos 138, 139 e 140 do CP), abre-se ao juiz, ulteriormente aos fatos, o ensejo para o ajuizamento de queixa-crime ou a representação penal ao Ministério Público Federal (competência penal concorrente do Parquet e do E, com o advento da Súmula Vinculante n. 25 (que veda, em qualquer situação, a prisão civil do depositário infiel, à vista do que dispõe o Pacto de San José da Costa Rica), tampouco restou, na Justiça do Trabalho, hipótese válida de mandado judicial para prisão civil.
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ofendido), por se tratar de delitos cometidos em razão do exercício das funções (art. 141, II, c.c. art. 145, par. único, do CP). Para esse efeito, as Amatras costumam dispor de contratos de partido com advogados criminalistas que assumem o patrocínio de tais ações penais; se não, saberão ao menos indicá-los ao juiz ofendido. Releva pontuar, entretanto, que de regra prescrevem retroativamente (art. 110, §1º, do CP), em segundo grau de jurisdição, todos os delitos com prazo prescricional não superior a quatro anos, como são os crimes contra a honra (art. 109, V e VI, do CP); a única diferença, a partir da Lei n. 12.234/2010, é que a contagem da prescrição pela pena “in concreto” agora só pode ser feita a partir do recebimento da denúncia ou queixa (e não mais da data do fato à do recebimento da denúncia ou queixa, como ocorria anteriormente). Assim, para melhores efeitos, convirá valer-se, nos casos mais graves, de ações civis de reparação por danos morais, que não se sujeitam ao fenômeno da prescrição intercorrente ou retroativa; e, bem assim, iniciar o litígio penal o quanto antes. Dominando esses rudimentos, o juiz do Trabalho lidará mais tranquilamente com os episódios em que lhe desafiem a autoridade, seja no curso de uma audiência, seja mesmo no decorrer de atos processuais presenciais (como, e.g., as inspeções judiciais).
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