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JUSTIFICATIVA

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OBJETIVO

OBJETIVO

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 O planejamento urbano no contexto póspandemia

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O processo de urbanização é um fenômeno global e irreversível e, segundo especialistas, em 23 de maio de 2007, a população mundial urbana ultrapassou a rural. Em 2018, mais da metade da população mundial (4,2 bilhões de pessoas) já viviam em centros urbanos e estima-se que ,até 2050, mais 2,5 bilhões de pessoas serão residentes de cidades, quase duplicando a população urbana (GALLO; AGUSUTO; GALLO, 2020). Com o crescimento da urbanização e surgimento da vida metropolitana, como padrão da modernidade, diferentes autores refletiram sobre os reflexos dessa urbanidade na vida humana, sendo que o grande diferencial está no anonimato e na diversidade, de pessoas e culturas. A concentração e densidade urbana são características essenciais para a vitalidade e urbanidade (GALLO; AGUSUTO; GALLO, 2020). Desde a última década, são discutidas formas mais sustentáveis de ocupação do espaço, o automóvel começa a deixar o papel de protagonista e o planejamento urbano começa a repensar o uso do solo, o adensamento mais vertical, a mobilidade menos nociva e a questão ambiental se torna essencial na discussão. Atualmente, toda cidade requer que o uso do solo e o transporte sejam planejados de maneira integrada. A “cidade contemporânea” é aquela apta a ser reescrita em virtude dos sinais progressivamente inscritos, lidos e reinterpretados. E tal como um lugar revestido de sentido, de valor simbólico, político, social e econômico. O território afirma-se como laboratório e imediatamente consolida nova dimensão estrutural ao pensamento projetual do urbanismo. Além de colocar-se como forma interpretativa para compreender a mutação contemporânea, ele permite ler a constante interação entre sedimentação histórica e práticas tradicionais e entre natureza e construído (GALLO; AGUSUTO; GALLO, 2020). Muitas cidades evitam o espraiamento planejando a sua expansão a partir da consolidação de eixos de transporte coletivo. Estimulam o crescimento vertical, a oferta de moradia, trabalho e serviços ao longo desses corredores e utilizam mecanismos financeiros para capturar a valorização do uso do solo, canalizando essa arrecadação para investimentos em sistemas sustentáveis de transporte. Estudos mostram que os congestionamentos e o consequente tempo perdido no trânsito representam, em média, perdas anuais superiores a R$250 bilhões, ou 4% do PIB nacional. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, estima-se que o espraiamento urbano onere o PIB das cidades em até 8%. Em 2012, por ocasião do projeto SP 2040, que consultou 25 mil paulistanos para construir uma visão estratégica da cidade, emergiram duas importantes demandas: as pessoas queriam viver a, no máximo, 30 minutos do trabalho e até 15 minutos a pé de um parque. A partir dessas preferências é possível redesenhar uma metrópole: quem mora em São Paulo sonha em reduzir a hora e meia ou mais que leva hoje, em média, ao se deslocar para o trabalho, e ter oportunidades de lazer em áreas próximas de casa.

Também demanda requalificar áreas urbanas hoje vazias ou degradadas e reduzir a exclusão social encurtando a distância e o custo da mobilidade entre habitações de baixa renda e centros urbanos. As ruas voltadas para os automóveis precisam ser redesenhadas para a escala das pessoas, favorecendo comércios e serviços e proporcionando uma salutar experiência de convivência social na dimensão local. No início de 2020, o mundo se viu confrontado com a pandemia COVID-19, uma infecção respiratória aguda potencialmente grave causada pelo vírus SARS-CoV-2. Esta pandemia vem desencadeando impactos inéditos na história humana, especialmente pela velocidade de disseminação e alcance global. Os impactos, de médio e longo alcance, não têm sido apenas de ordem sanitária e epidemiológica, mas na sociedade como um todo, envolvendo setores como educação, economia, política e cultura, e impactando diretamente nas cidades. A declaração oficial de pandemia ocorreu em 11 de março de 2020, pela OMS (BEECHING, FLETCHER e FOWLER, 2020). A indagação que nos orienta é sobre o impacto que a pandemia COVID-19 pode ter sobre o planejamento e a gestão urbanos (GALLO; AGUSUTO; GALLO, 2020). Para tanto, notabiliza-se a discussão quanto ao contexto atual de

FIGURA 01 | Índice de mortes confirmadas por COVID-19 em relação à densidade populacional dos países Fonte: Our World In Data, 25 de julho de 2020. ocupação do espaço urbano, quais seriam as principais fontes de disseminação da doença nas cidades e quais são as principais medidas a serem tomadas pelo planejamento urbano para melhorar a qualidade de vida e a salubridade das cidades e, assim, evitar futuras pandemias. Através do Our World In Data, desenvolvido pelo Global Change Data Lab, é possível verificar a quantidade de mortes por COVID-19 por milhão de habitantes em comparação com densidade populacional dos países.

O gráfico mostra que os casos não estão diretamente ligados à densidade populacional, logo o problema das grandes cidades não está no adensamento. No Brasil, conforme o Conasems e Conass (2020), o primeiro caso foi confirmado em 26 de fevereiro. O primeiro óbito ocorreu 20 dias depois, em 17 de março. Após sessenta e dois dias do primeiro óbito, o país já registrava aproximadamente 18 mil vítimas fatais e mais de 270 mil casos confirmados. Desde então, novos casos são divulgados diariamente em todos os estados brasileiros, diversas cidades vêm adotando medidas restritivas para tentar garantir o distanciamento social e redução da contaminação, achatando, assim, a curva epidêmica e evitando o colapso sistema de saúde.

Verifica-se que os um dos pontos principais de incidências de morte por COVID-19 é a ocorrência em áreas que concentram uma maior circulação de pessoas, que é o caso de cidades monocêntricas, como São Paulo, em que a região central da cidade converge a maior parte dos empregos e da infraestrutura urbana. Outro ponto são as cidades mais industriais, com aglomerados de funcionários das indústrias suscetíveis de disseminar a doença até para as cidades do entorno. No que se refere a São Bernardo do Campo, assim como São Paulo, o município concentra toda a infraestrutura na região central e compreende grandes indústrias nos arredores. Portanto, se faz necessário repensar, mais uma vez, o modo de ocupação do solo, desde o adensamento habitacional à implantação de áreas livres e verdes, a priorização da mobilidade ativa, que concerne em redesenhar a cidade na escala do pedestre e limitando o espaço do automóvel, além da questão de descentralização e distribuição da infraestrutura urbana e do comércio. O conceito de cidades policêntricas aqui referidas foi desenvolvido pelo cientista e pesquisador Carlos Moreno, que delibera que a cidade policêntrica é composta por quatro componentes principais: proximidade, diversidade, densidade e ubiquidade, para oferecer qualidade de vida em curtas distâncias. Em sua apresentação para o TED conference, em outubro deste ano, Carlos Moreno defende que a cidade deve se adaptar às nossas necessidas e não o contrário. Para isso, é necessário avaliar como são os espaços da cidade, para que servem, quem os usa e como os usa (MORENO, 2020). Moreno apresenta a concepção da “cidade de 15 minutos”, cujo objetivo é de redesenhar as cidades para que à uma distância de 15 minutos a pé ou de bicicleta, as pessoas pudessem desfrutar o que realmente constitui a experiência urbana: acesso ao trabalho, habitação, alimentação, saúde, educação, cultura e lazer. Como aplicação deste conceito, a cidade de Paris, seguirá o plano de “cidade de 15 minutos”, formada por vizinhanças em que todos os principais serviços, empregos e comodidades estarão a apenas quinze minutos de cada parisiense. Se possível, a pé, de bicicleta ou de transporte público, com sérios obstáculos para quem persistir em se deslocar com transporte individual, emitindo gás carbônico (CO2). As principais medidas deste projeto em Paris são:

- Desaparecimento de milhares de vagas de “zona azul”, transformadas em parklets, ciclovias, novos negócios, quiosques, parques lineares com assentos, playgrounds e até hortas urbanas; - Melhoria das calçadas implicariam em mais pessoas optando por fazer viagens curtas a pé; - Restrição do trânsito de veículos a certos horários do dia em ruas menores; - Nos arredores de escolas, ruas ficariam fechadas ao trânsito por algumas horas, como “espaços para crianças”.

Assim como Paris, a cidade de Milão, na Itália, um dos epicentros da doença, está desenvolvendo novas configurações de ocupação das ruas. Com o projeto Strade Aperte, ou “Ruas Abertas”, o objetivo é favorecer os pedestres e ciclistas em detrimento dos veículos motorizados no centro da capital lombarda. Serão mais de 35 quilômetros de vias urbanas transformadas na cidade durante todo o verão, incentivando a retomada das atividades e promovendo a sociabilidade e caminhabilidade do espaço urbano através da incorporação de ciclovia e ampliação de calçadas, além da redução dos limites de velocidade para 30 km/h. Em uma entrevista ao The Guardian Journal, Janette Sadik-Khan, ex-comissária de transportes da cidade de Nova Iorque, que está trabalhando junto à equipe da prefeitura de Milão, afirma que: No que se refere à São Bernardo do Campo, o município possui

sua estruturação radioconcêntrica, evidenciada pelo traçado viário, pelo processo de expansão urbana e também ao se verificar o acumúlo de riquezas e a concentração de infraestrutura, impactando nas condições de vida da população mais distante do centro. A partir das discussões sobre outras formas de ocupação do espaço urbano para transformar seu uso e acessar funções sociais urbanas essenciais que se inspira o desenvolvimento deste trabalho, na busca de melhorar a qualidade de vida repensando dois componentes essenciais da vida urbana: tempo e espaço. É papel do planejamento urbano em conjunto com a sociedade questionar as atuais condições de vida urbana e como é possível melhorar a qualidade de vida da população. Qualidade de vida aqui refere-se a satisfação das necessidades básicas e das necessidades criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social (PEREIRA; TEIXEIRA; SANTOS, 2012). Abordam os parâmetros objetivos do bem viver urbano: condições de moradia, oportunidade de emprego, acesso à equipamentos de educação, saúde, cultura e lazer, opções de deslocamento, com multimodais de transporte e possibilidade de prosperiade social e comunitária. Também concerce as condições subjetivas de qualidade de vida, como bem estar, felicidade, amor, realização pessoal, de poder aproveitar as possibilidades da vida, de escolher, de decidir e ter controle de sua vida (RENWICK & BROWN, 1996).

“Esta é uma oportunidade única que se apresenta em um momento também bastante singular, uma nova chance para redirecionarmos as nossas cidades em direção aos resultados que queremos alcançar: ruas que não apenas operem como espaço de deslocamento de um ponto A à um ponto B, mas espaços agradáveis e acessíveis onde as pessoas possas conviver e se deslocar com segurança” (SADIK-KHAN, 2020).

1.2 O que são operações urbanas consorciadas

A operação urbana consorciada - OUC é um instrumento urbanístico previsto na legislação brasileira para a intervenção em trechos do território. Este instrumento está referenciado internacionalmente com a temática do projeto urbano contemporâneo. Projeto urbano contemporâneo é entendido pela literatura com uma noção aberta, com diversas abordagens, evidenciando mais os processos de definição e execução da intervenção do que suas formas ou resultados. Neste tópico de projetos urbanos, podem ser incluídas intervenções como “a busca de novas funções para áreas industriais de cidades e para infraestruturas obsoletas, a reabilitação de centros históricos ou a construção de novas centralidades” (MALERONKA; HOBBS, 2017, p. 17). De acordo com os anais do Seminário Brasil-França sobre as operações urbanas (2009), o conceito do termo operação urbana foi influenciado conforme as práticas internacionais de parceria público-privada, a exemplo das Zones D’Aménagement Concerté - ZAC, “Zonas de Ocupações Concertadas”, instituídas na França, na década de 70. A aplicação das ZACs francesas admitiam uma maior interferência do poder público no desenvolvimento urbano, submetendo o capital privado aos interesses e prioridades públicos. Enquanto, no Brasil, as operações urbanas revelaram-se mais sujeitas a acordos de exceções à legislação urbana pelo Poder Público, através do Solo Criado, a fim de adquirir recursos para ações de desenvolvimento urbano. Na década de 70, inicia-se a discussão sobre o solo criado que, baseado no princípio da função social da propriedade e na separação entre o direito de construir e o direito de propriedade, procura um maior controle do uso do solo e da valorização imobiliária. Desde então, algumas cidades brasileiras empregaram o recurso do solo criado, com destaque para São Paulo que obteve os resultados mais expressivos durante a segunda metade da década de 1980, por meio das Operações Interligadas e a partir da década de 1990 através das operações urbanas. Em 2001, a aprovação da Lei 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, estabeleceu uma orientação unificada para os municípios brasileiros no que se refere às diretrizes gerais para políticas urbanas, com um capítulo sobre instrumentos urbanísticos. O Estatuto delega à legislação municipal específica, prevista no Plano Diretor do município, a delimitação da área para aplicação de operações urbanas, bem como seu plano de intervenção. Nesse momento, o instrumento de operação urbana passa a ser chamado oficialmente de “operação urbana consorciada” (OUC), sendo “adotado em algumas das maiores cidades do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, para viabilização de projetos urbanos em parceria com o setor privado” (MALERONKA; HOBBS, 2017, p. 11). As operações urbanas surgem como uma iniciativa do município

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