O Diário de Nuemberg

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O DIÁRIO DE NUREMBERG (Nuremberg Diary)

Gustave M. Gilbert, Ph.D. Ex-psicólogo da prisão no Julgamento de Nuremberg dos Criminosos de Guerra Nazistas Copyright, 1947, by G.M.Gilbert

Tradução: Carlos Eugenio Junqueira Ayres

Farrar, Straus and Company – New York 1947

A minha esposa

Agradecimentos Agradeço ao coronel B.C. Andrus, comandante da prisão, e ao Dr. Douglas M. Kelley, psiquiatra da prisão durante os dois primeiros meses, por facilitarem a minha designação para o cárcere de Nuremberg com livre acesso a todos os prisioneiros desde o início de minha estada no local. Também gostaria de expressar gratidão ao Dr. Leon N. Goldensohn, psiquiatra da prisão por quase todo o julgamento, pelo encorajamento e estímulo às discussões proporcionadas por minha associação a ele. Quando da preparação do Diário para publicação, contei com a assistência especializada de John Farrar, cuja experiência editorial prática e interesse arguto provaram-se inestimáveis na edição final. Os detalhes históricos foram checados e a cronologia foi preparada por Mr. Robert Katz, ex-oficial de informação de guerra, que também prestou assistência editorial valiosa. Os detalhes legais foram examinados por Mr. William Jackson, ex-assistente do chefe do Conselho de Promotoria dos Estados Unidos. Finalmente, gostaria de expressar os meus agradecimentos ao juiz Robert H. Jackson, ex-chefe do Conselho de Promotoria dos Estados Unidos no Tribunal de Nuremberg pela permissão para publicar meu diário ao perceber o seu beneficio para a história e para a ciência. O autor.


2 Introdução ─ Os Acusados Cheguei a Nuremberg com uma turma de prisioneiros em 20 de outubro de 1945, dia em que o Tribunal Militar Internacional recebeu a acusação contra os 23 criminosos de guerra nazistas que estavam em custódia. Como oficial de inteligência militar que falava alemão, eu havia presenciado o colapso da máquina de guerra nazista e as evidências da barbárie nazista em locais como o campo de concentração de Dachau, antes do Dia da Vitória. Psicólogo de profissão, naturalmente que eu tinha interesse em descobrir o que levou seres humanos a aderirem ao movimento nazista e praticarem os atos que praticaram. Minhas entrevistas com prisioneiros de guerra e com civis alemães ficaram inconclusivos. A ―arraia miúda‖ alegava a sua falta de responsabilidade e sua obediência aos líderes, que os haviam traído. Esses líderes estavam agora no cárcere de Nuremberg e esse era o lugar onde eu gostaria de estar. Felizmente, pude substituir o intérprete do comandante da prisão e, logo após, também fui designado como psicólogo oficial enquanto durasse o julgamento. Minha tarefa principal era manter um contato pessoal diário com os prisioneiros a fim de deixar o comandante da prisão, coronel B.C. Andrus, a par do moral do grupo e assegurar que sua presença no tribunal se desse com disciplina e ordem. Também colaborei com as comissões psiquiátricas e com o psiquiatra da prisão(*) em exames mentais que fossem necessários. Foi-me permitido o acesso direto aos prisioneiros a qualquer hora, desde a fase de acusação até as execuções. Isso tornou possível um estudo de suas reações sob condições controladas por todo um ano. O método adotado foi a conversação casual no meu papel de psicólogo e de oficial de ligação, assessorando o próprio Tribunal como instrumento de exame do sistema nazista e dos homens que o criaram. Nunca tomei notas em suas presenças, mas consegui guardar memórias de minhas conversas e observações, fazendo anotações privadamente logo após deixar suas celas, a sala da Corte ou os refeitórios, e então escrevendo meu Diário, que constitue a matéria basica deste estudo, apresentado tanto como valor histórico quanto psicológico Como era esperado, uma boa parte das conversações com os nazistas foi consumida em racionalizações, auto-justificativas e recriminações; mas mesmo em seus protestos excessivos, e sendo mais francos em suas opiniões sobre os demais do que sobre si mesmos, inevitavelmente eles revelavam suas personalidades e seus motivos. Sem dúvida, na maioria das vezes eles estavam mais ansiosos em conversar pessoalmente com o psicólogo e o único oficial americano da prisão que falava alemão (exceto os capelães). Abstive-me de florear os dados com muita especulação psicológica, deixando isso para estudos colaborativos posteriores que seriam mais compreensíveis e objetivos do que minhas reações imediatas poderiam ser. Durante o mês entre o indiciamento e o início do julgamento, os líderes nazistas ficaram confinados em celas solitárias. Utilizei esse período para estabelecer meus contatos pessoais com os prisioneiros, captando suas reações às acusações e administrando testes psicológicos. Para eles, isso serviu como um alívio para o seu isolamento. Para mim, serviu como uma apresentação dos líderes nazistas como indivíduos. O estudo desse período, portanto, será apresentado informalmente neste capítulo de introdução, em vez de sequenciado cronologicamente.


3 (*) O cargo de psiquiatra da prisão foi primeiramente ocupado pelo major Douglas M. Kelley, que saiu após o primeiro mês de julgamento, sendo substituído pelo major Leon N. Goldensohn, que atuou na maior parte do tempo. Também ocuparam o cargo o capitão Richard Worthington e o tenentecoronel W.H. Dunn, por breves períodos (Nota do Autor – NA).

Reações ao indiciamento As reações ao indiciamento logo ficaram cristalizadas. Pedi a cada réu que autografasse a minha cópia do processo com as acusações, cada um colocando uma breve frase com suas opiniões. Suas primeiras reações espontâneas, que seguem entre-aspas e grifadas em itálico, apresentarão seus caráteres. HERMANN GOERING, marechal do Reich e chefe da Luftwaffe, presidente do Reichstag, ministro Plenipotenciário do Plano Quadrienal etc. etc. etc., escreveu sua fórmula cínica favorita: ―O vitorioso será sempre o juiz, e o derrotado, o réu‖. JOACHIM von RIBBENTROP, ministro das Relações Exteriores, fez uma declaração evasiva: ―A acusação é dirigida às pessoas erradas‖. Ele queria acrescentar: ―Estávamos todos sob a sombra de Hitler‖, mas, por cautela, desistiu de escrever. RUDOLF HESS, em estado de total amnésia desde a sua chegada da Inglaterra, somente pôde escrever (em inglês): ―Não me lembro‖. ERNST KALTENBRUNNER, chefe dos Quartéis-Generais de Segurança de Himmler (incluindo a Gestapo e a SD), protestou sua formal inocência: ―Não me sinto culpado de quaisquer crimes de guerra, fiz apenas a minha tarefa como um órgão de inteligência, e eu me recuso a ser considerado um bode-expiatório para Himmler‖. ALFRED ROSENBERG, filósofo-chefe do nazismo e ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste, também declarou sua inocência formal: ―Tenho que rejeitar a acusação de ‗conspiração‘. O movimento antissemita foi apenas por proteção‖. HANS FRANK(*), advogado de Hitler e último governador-geral da Polônia ocupada, ponderou sobre sua recente conversão religiosa: ―Considero este julgamento como uma Corte mundial desejada por Deus, destinada a examinar e pôr fim a uma terrível era de sofrimento sob Adolf Hitler‖. WILHELM FRICK, ministro do Interior, deu sua reação legalística: ―Toda a acusação se baseia na suposição de uma conspiração fictícia‖. FRITZ SAUCKEL, chefe do recrutamento de mão de obra escrava, achou difícil conciliar a acusação com o seu amor pelos trabalhadores: ―O abismo entre o ideal de uma comunidade social, que imaginei e advoguei como exmarinheiro e trabalhador, e os acontecimentos terríveis nos campos de concentração chocou-me profundamente‖.

(*) Também conhecido como ―Açougueiro de Cracóvia‖. (Nota do Tradutor NT).


4 ALBERT SPEER, ministro do Reich para Armamentos e Municões, admitiu francamente a culpa do regime nazista: ―O julgamento é necessário. Há uma responsabilidade comum por tais crimes horríveis, mesmo em um sistema autoritário‖. HJALMAR SCHACHT, presidente do Reichbank e ministro da Economia antes da guerra, declarou: ―Eu realmente não entendo porque estou sendo acusado‖. WALTER FUNK, sucessor de Schacht como ministro da Economia, foi um pouco mais prolixo e emotivo em seu protesto de inocência: ―Nunca em minha vida fiz algo conscientemente que pudesse contribuir para tal acusação. Se for considerado culpado dos atos que estão nos acusando, por erro ou ignorância, então minha culpa é uma tragédia humana e não um crime‖. FRANZ von PAPEN, chanceler do Reich antes de Hitler e embaixador da Áustria e Turquia durante o regime de Hitler, foi ainda mais prolixo ao dissociarse da culpa dos nazistas: ―A acusação me horrorizou por causa (1) da irresponsabilidade com que a Alemanha foi lançada nessa guerra e na catástrofe mundial e (2) do acúmulo de crimes que alguns de meu povo cometeram. A última é psicologicamente inexplicável. Acredito que o paganismo e os anos de totalitarismo produziram a culpa principal. Através de ambas as coisas, Hitler se tornou um mentiroso patológico no curso dos anos‖. BARÃO von NEURATH, ministro das Relações Exteriores nos anos iniciais do regime nazista e depois Protetor da Boêmia e da Moldávia, escolheu um aspecto da ilegalidade nazista: ―Sempre fui contra a punição sem a possibilidade de defesa‖. BALDUR von SCHIRACH, líder da Juventude Hitlerista e gauleiter (governador) de Viena, teve um atrasado mas aparentemente sincero despertar: ―O azar todo veio da política racial‖. ARTHUR SEYSS-INQUART, chanceler da Áustria e depois comissário do Reich para a Holanda, não se aborreceu ao protestar sua inocência, mas escreveu com frio fatalismo: ―Último ato da tragédia da Segunda Guerra Mundial, eu espero‖. JULIUS STREICHER, o nazista alemão flagelo nº 1 dos judeus como editor do jornal Der Stürmer e gauleiter da Francônia, expressou a sua obsessão até com respeito ao julgamento: ―Este tribunal é um triunfo do Judaísmo Internacional‖. MARECHAL-DE-CAMPO KEITEL, chefe do Alto Comando da Wehrmacht, teve uma reação esperada a um oficial prussiano: ―Para um soldado, ordens são ordens!‖. GENERAL JODL, chefe de Operações do Alto Comando, considerou a acusação com sentimentos misturados: ―Lamento a mistura de acusações justificadas com propaganda política‖. ALMIRANTE DOENITZ, grande almirante da Marinha Alemã e sucessor de Hitler após seu suicídio, tentou ironizar todo o processo como se não se relacionasse a ele: ―Nenhuma das acusações pelo menos se refere a mim. Típico humor americano‖. HANS FRITZSCHE, chefe de Propaganda de Rádio do Ministério da Propaganda de Goebbels, sentiu-se impelido a se dirigir ao povo alemão: ―Esta é a acusação mais terrível de todos os tempos. Somente uma coisa é mais terrível: a acusação que o povo alemão fará pelo abuso do seu idealismo‖.


5 Faltaram as reações autografadas do Almirante Raeder e de Robert Ley. Raeder foi trazido para a prisão por seus captores russos e recusou-se a comentar por escrito ou em conversa. O excêntrico e emocionalmente instável líder trabalhista Robert Ley apresentou uma imediata e decisiva reação ao seu indiciamento como criminoso de guerra: cometeu suicídio.

O suicídio de Robert Ley Visitei Ley com o psiquiatra da prisão no dia anterior ao seu suicídio. Ele estava agitado, andando de um lado para o outro em sua cela, com suas botas de feltro e jaqueta-de-campo militar que alguns prisioneiros usavam à época. Perguntado como ia a preparação de sua defesa após a leitura do libelo de acusação, ele lançou a seguinte tirada: 23 de outubro (cela de Ley) ―Como posso preparar uma defesa? Suponho que tenho que me defender contra todos esses crimes sobre os quais eu nada sabia? Se, após toda a matança desta guerra, mais s-sacrifícios são necessários para satisfazer a vvingança dos vencedores, tudo bem...‖ (Aqui, ele se encostou na parede, como um cruxifixado, e declarou com um gesto dramático): ―Ponham-nos na parede e nos fuzilem! Tudo bem, tudo bem. Vocês são os vencedores. Mas, por que fui trazido ante o tribunal como um cr..., cr..., como um cr..., cr...?‖. Gaguejou e ficou completamente bloqueado com a palavra ―criminoso‖, até que eu completei. Então, acrescentou: ―É, eu não posso mesmo falar a palavra‖. Ele repetiu sua linha de pensamento várias vezes, andando pela cela, gesticulando e gaguejando em grande agitação. Na noite seguinte, foi encontrado estrangulado em sua cela. Havia feito um laço, com pontas rasgadas de uma toalha do Exército, preso à tubulação do vaso sanitário. Em seu bilhete suicida, ele disse que não poderia mais conviver com a vergonha. O suicídio de Ley provocou considerável consternação no destacamento da prisão. A guarda foi quadruplicada para que permitisse uma sentinela em cada cela 24 horas por dia. Por receio de sugestionar os outros réus a cometerem suicídio, o coronel Andrus, comandante da prisão, não revelou imediatamente o que havia acontecido, mas fez circular poucos dias depois uma nota ambígua, anunciando a morte de Ley. Eu estava na cela de Goering quando essa nota lhe foi entregue, no dia 29 de outubro. Ele leu o anúncio sem demonstrar qualquer emoção. Após o oficial deixar a cela, ele virou-se para mim e disse: 29 de outubro (cela de Goering) ―Foi melhor a sua morte, porque eu tinha as minhas dúvidas sobre como ele se comportaria no tribunal. Ele sempre teve o cérebro disperso, sempre fazendo declarações fantasiosas e bombásticas. Estou certo de que ele promoveria um espetáculo no julgamento. Bem, não estou surpreso, ele estava se matando de tanto beber...‖. Atitudes similares foram expressas pelos outros réus. O único que pareceu deplorar a morte de Robert Ley foi o fanático vulgar Julius Streicher. O excêntrico líder trabalhista, que havia forçado os trabalhadores alemães a subscrever o jornal de Streicher, Der Stürmer, tinha sido o único a se aproximar


6 de Julius durante o encarceramento anterior, no campo de prisioneiros de Mondorf. Entretanto, Streicher achou que foi covardia de Ley cometer suicídio e deixar atrás um ―Testamento Político‖ chamando a política antissemita dos nazistas de ―um grande erro‖. STREICHER Streicher sempre teve um prestígio social baixo, sendo considerado pelos outros criminosos de guerra inadequado para se juntar a eles. Sua mentalidade obscena e perversa tinha atingido o mais baixo QI nos testes psicológicos, e até o seu advogado de defesa se perguntava se sua obsessão antissemita não era fruto de uma mente doentia. Streicher foi examinado por uma comissão de psiquiatras, composta por Dr. Krasnushkin, de Moscou, coronel Schroeder, de Chicago, e o Dr. Delay, de Paris. Streicher transformou o exame em outra arenga de antissemitismo, discorrendo sobre o assunto para os psiquiatras, explicando como ele devotou 25 anos de sua vida a estudar o problema judeu e como ele sabia mais sobre isso do que qualquer outra pessoa. Quando os médicos pediram-lhe que se despisse para um exame físico, a intérprete russa dirigiu-se para a porta da cela. Streicher olhou de banda e disse: ―Qual é o problema? Você está com medo de ver alguma coisa interessante?‖ A moça teve um tremor de repugnância e virou as costas para o grupo. Como resultado do exame, os psiquiatras decidiram que, embora sofresse de uma obsessão neurótica, ele não era louco. Sua obsessão sempre ficava patente em conversas casuais na sua cela antes do início do julgamento. Streicher discorria sobre o antissemitismo com qualquer pessoa que o viesse visitar, enquanto revelava que era essencialmente sua perversidade obscena e sacrílega que o fazia deleitar-se com o assunto. Uma nota do Diário ilustra essa linha de pensamento. 14 de novembro (cela de Streicher) ―Eu sou a única pessoa no mundo que vê claramente a ameaça judia como um problema histórico. Não me tornei antissemita por causa de maus tratos pessoais ou por ódio — de forma alguma Eu fui levado a isso! Minha percepção da ameaça judia veio do próprio Talmud, o chamado Livro Sagrado que os judeus camuflaram com Cristianismo e então eles o chamam de Livro Sagrado. Você sabe que tudo isso sobre cristãos e judeus acreditarem no mesmo Deus é algo podre. O próprio Talmud mostra que os judeus são governados por lei racial. E esse é o ponto principal. Agora, vejam! Não é diabólico como o Talmud diz o que Deus falou aos judeus? ‗Tu deves ser circuncidado, e tu deves gerar somente crianças judias de mulheres judiais‘ E é assim como eles mantêm sua pureza racial e sobrevivem há séculos. Agora, se eles querem manter sua pureza racial, deixem-nos, é tudo o que digo. Mas, conservem-nos longe da raça alemã, que é uma raça nórdica. Devemos também preservar nossa pureza racial. Ah, sim!‖, acrescentou ele, revirando os olhos e sacudindo um dedo pedante, ―deve-se aprender muito com o Talmud. Os judeus sabiam sobre essas coisas. Mas, nós devemos ser os superiores, não eles‖. ―Goering e os outros pelo menos estão querendo admitir que isso foi um terrível engano, além de qualquer outra coisa‖, disse eu. ―Ah, esse Goering! Ele nunca consumou realmente o seu casamento. Sim, eu sei que foi Goering o responsável por me tirarem do cargo de gauleiter em


7 1940 por causa daquela história de seu filho ser um bebê de proveta. Mas não posso fazer nada. Tenho de dizer o que acredito ser verdade‖. ―Sei que muita gente tentou impedi-lo de publicar o Stürmer, mas Hitler sempre o apoiou. Qual o segredo do seu favoritismo junto ao Führer?‖, questionei. ―Bem, você sabe que marchei com ele na linha de frente no putsch (golpe) de Munique, e ele nunca se esqueceu disso. Sempre dizia na prisão que nunca iria se esquecer, e manteve a sua palavra. E eu fiquei esperançoso também. Mesmo depois que fui destituído, ele enviou Goebbels e Ley para me visitar, alguns anos atrás, perguntando se eu queria alguma coisa. Respondi a eles (com um gesto dramático): ‗Digam ao meu Führer que não desejo nada a não ser morrer ao seu lado caso uma catástrofe aconteça à nossa pátria‘‖. Streicher manteve a pose por um momento e, então, acrescentou: ―E aquilo o impressionou bastante‖. HESS O principal candidato a um exame mental era Rudolf Hess, representante de Hitler como líder do Partido Nazista, cujo voo misterioso para a Inglaterra em 1941 provocou sensação. Ele havia chegado recentemente da GrãBretanha à prisão de Nuremberg em estado de total amnésia. Entre seus pertences, havia pequenos pacotes de amostras de alimentos que ele havia embrulhado, selado e rotulado na Inglaterra durante um período de ilusões paranóicas relacionadas a envenenamento de comida. Ele sentava-se em sua cela por todo o dia em estado de apatia profunda, incapaz de dar a mais ligeira impressão de familiaridade com qualquer assunto referente ao passado, inclusive à sua viagem à Inglaterra. Às vezes, parecia segurar deliberadamente uma lembrança que se insinuava por sua mente obscurecida, mas havia poucas dúvidas entre nós de que ele estivesse essencialmente em estado de completa amnésia. Quando confrontado com Goering e von Papen, ele não reconheceu nem um nem outro. Ao lhe ser mostrado um filme nazista onde ele próprio aparecia, não mostrou igualmente qualquer reação. Ele tinha que ficar algemado em suas caminhadas no pátio de exercícios por causa de sua tentativa de suicídio na Inglaterra. Os testes psicológicos que fiz com ele em sua cela mostraram uma mentalidade bastante limitada, embora sua inteligência fosse um pouco superior à média. As reações eram típicas de uma personalidade histérica. Poucos dias antes do início do julgamento, ele foi examinado em sua cela por uma comissão de psiquiatras americanos composta pelo Dr. Nolan D.C. Lewis, da Universidade de Colúmbia, Dr. Donald E. Cameron, da Universidade McGill, e pelo coronel Paul Schroeder, de Chicago. Atuei como intérprete durante o exame. Questionamentos contínuos não sugeriram, entretanto, que sua amnésia não era verdadeira, embora os psiquiatras concluíssem que ele não estava legalmente insano GOERING Além do suicídio de Robert Ley e dos exames psiquiátricos de Julius Streicher e Rudolf Hess, nenhuma outra questão foi levantada sobre a sanidade dos outros réus na prisão.


8 Goering tinha sido curado do vício das drogas pelos Doutores Miller e Kelley, que usaram doses cada vez menores de pílulas de paracodeína. O coronel Andrus, comandante da prisão, gostava de contar: ―Quando Goering chegou a Mondorf, era um pretensioso com duas malas cheias de paracodeína. Pensei que fosse um vendedor de remédios. Mas, tiramo-lhe as drogas e fizemos dele um homem‖. Em nossas conversas em sua cela, Goering tentava dar a impressão de um realista jovial, que havia jogado em grandes apostas e tinha perdido, e estava levando tudo esportivamente. Qualquer questão sobre culpa era adequadamente encoberta por sua atitude cínica de ―justiça dos vencedores‖. Ele tinha bastante desculpas para a condução da guerra, sua alegada ignorância das atrocidades, a ―culpa‖ dos aliados e o humor ágil sempre calculado para dar a impressão de que tal caráter afável não poderia ter provocado o mal. Entretanto, ele não podia esconder um egoísmo patológico e inabilidade para tolerar nada a não ser louvores e admiração por sua liderança, enquanto desdenhava abertamente dos outros líderes nazistas. 29 de outubro (cela de Goering) (Após comentários sobre o suicídio de Robert Ley) ―... Espero que Ribbentrop não entre em colapso. Eu não estou com receio dos militares, eles saberão se comportar. Mas Hess, ele está louco. Ele tem estado insano por muito tempo. Soubemos disso quando ele voou para a Inglaterra. Você imagina que Hitler iria enviar o terceiro homem do Reich em tal missão solitária sem a menor preparação? Hitler explodiu quando soube do caso. Você acha que era do nosso agrado ter que declarar publicamente que um de nossos líderes estava louco? Se ele quisesse negociar com os ingleses, havia canais paradiplomáticos confiáveis em países neutros. Meus próprios contatos com a Inglaterra eram tais que eu poderia arrumar tudo em 48 horas. Não, Hess viajou sem dizer uma palavra, sem papéis, sem nada. Apenas deixou um bilhete maluco‖. Discutindo sobre Hitler, falei: ―As pessoas agora dizem que foi muito ruim que a tentativa de assassinato (de Hitler) de 20 de julho do ano passado não tivesse tido sucesso. Elas parecem bastante desiludidas com a liderança nazista‖. Essa referência ao povo alemão o irritou bastante: ―Não importa o que o povo diz agora! Isso é uma coisa que não tem o menor interesse para mim. Eu sei o que eles diziam antes! Eu sei como eles nos aplaudiam e nos elogiavam quando as coisas estavam indo bem. Conheço bastante o povo‖. 11 de novembro (cela de Goering) ―Quanto ao julgamento‖, disse Goering, ―é tão somente um ‗affair‘ político arranjado, e eu estou preparado para as consequências. Não tenho dúvidas de que a imprensa terá um maior papel na decisão do que os juízes. E estou certo de que os juízes russos e franceses, pelo menos, já devem ter as suas instruções. Posso responder por qualquer coisa que eu tenha feito, mas não posso fazê-lo pelo que não tenha feito. Mas, os vitoriosos são os juízes... Sei o que me espera. Já estou até escrevendo uma carta de despedida para a minha mulher...‖ ―Sinto muito ver Ribbentrop desabar‖, continuou. ―Se eu fosse o ministro das Relações Exteriores, simplesmente diria: ‗Foi a minha política externa e eu


9 mantenho isso. Como ministro das Relações Exteriores do Estado Alemão soberano, isso era estritamente meu trabalho e meu direito. Se vocês quiserem me julgar por isso, vão adiante. Vocês conseguiram o poder, vocês são os vitoriosos‘. Mas eu permaneceria com minhas armas. Odeio vê-lo vacilando como agora, desculpando-se com memorandos intermináveis e explicações prolixas. ―Não tenho nada contra ele pessoalmente, mas nunca pensei nele como ministro das Relações Exteriores. Von Neurath era um homem de postura e perspicácia. Ele poderia contradizer Hitler, tendo a ocasião e a razão com ele... Mas Ribbentrop era um egoísta sem limites, um vendedor de vinhos que teve sucesso nos negócios, mas não tinha nem experiência nem tato para a diplomacia. Tentei aconselhar Hitler a removê-lo do cargo por duas razões. Primeiro, ele era persona non grata aos britânicos, e Hitler queria manter boas relações com os ingleses. Eles não gostavam de Ribbentrop por causa de sua estúpida falta de tato. Ele já começou muito mal em sua missão em Londres, ao querer lhes dar conselhos sobre como controlar o equilíbrio de poder com os russos, completamente insensível ao fato de que os britânicos se consideravam experts em política de poder e tentavam nos aconselhar a nos proteger na fronteira do Leste. Então, quando foi apresentado ao Rei, ele o saudou com um ‗Heil Hitler!‘, o que os britânicos naturalmente consideraram um insulto à Coroa. Eu chamei a atenção de Hitler sobre o fato. ‗Suponha que a Rússia lhe enviasse um embaixador de boa-vontade‘, eu lhe disse, ‗e ele chegasse e lhe saudasse com um ‗Longa Vida à Revolução Comunista!‘ Hahaha!‖. Aqui, Goering levantou seu pulso na saudação comunista e riu bastante. ―A segunda razão é que Ribbentrop não tinha experiência para a diplomacia internacional. Hitler não tinha condições de perceber isso porque ele nunca havia viajado para o exterior. Só porque entre os negociantes de vinho ligados a Ribbentrop incluíam-se alguns condes ingleses, Hitler pensou que ele era um homem com ―conexões‖ Eu disse a Hitler que, se ele quisesse negociar com a Inglaterra, ele poderia fazê-lo melhor através dos meus contatos ─ Lord Halifax, por exemplo. Mas, apesar de sua ignorância, Ribbentrop era arrogante como um pavão quanto à sua posição. Imagine que na época da assinatura do Pacto do Eixo com o Japão e a Itália, com cinejornais e tudo o mais, ele queria que eu, o segundo homem do Reich, ficasse atrás dele na cerimônia. Você imagina o ódio? Disse-lhe que, se eu posasse com ele, eu sentaria e ele ficaria em pé atrás de mim. Mas, de qualquer maneira, eu não queria comparecer porque eu não havia lido o pacto ainda e poderia fazer objeções mais tarde, só para descobrir que eu havia me identificado com o documento. ―Ele era muito pretensioso naquela época. Diferente de agora. Em Mondorf, ele escreveu um documento de 85 páginas e pediu a todo mundo que o lesse. Alguns disseram-lhe que, se ele antes se achava importante demais para consultá-los, que pegasse o documento e se sentisse importante agora‖. Goering deu outra risada. ―Não tenho nada contra ele pessoalmente‖, repetiu. 12 de novembro (cela de Goering) Goering considera correto o suicídio de Hitler. Ele sabe que Eva Braun havia dito a Speer, já em 22 de abril, que ela e Hitler acabariam com suas vidas. Era a data em que Goering supunha suceder Hitler, mas este mudou de ideia e, em


10 vez disso, ordenou que o prendessem e o matassem. Ele não acha covardia Hitler ter se suicidado. ―Afinal, ele era o chefe do Estado Alemão. Seria absolutamente impensável para mim ter Hitler sentado numa cela como essa, aguardando julgamento como criminoso de guerra perante um tribunal estrangeiro. Mesmo ele me odiando no fim. Ele era, apesar de tudo, o símbolo da Alemanha. Teria sido o mesmo se eles levassem o Kaiser a julgamento após a última guerra. Ora, até mesmo os japoneses insistiram em não levar o seu Imperador a julgamento. Não importa quão isso é duro para mim agora, eu preferiria sofrer quaisquer consequências a ter Hitler vivo como prisioneiro ante uma Corte estrangeira. Não, isso é absolutamente impensável. ―Mas com Himmler a história é diferente. Ele deveria estar aqui para responder por si e por seus subordinados. Ele teria livrado muitos dos réus de terem tido conhecimento de suas ordens de assassinato em massa. Eu nunca vou entender como ele pôde ter feito todas aquelas coisas e ainda sair impune.‖ ―Você nunca ouviu falar das atrocidades que todo mundo tinha conhecimento?‖, perguntei. ―Oh, ouvia-se um monte de rumores, mas não se acreditavam nessas coisas. Porém, muitos daqueles generais das SS que executavam aquelas ordens sabiam de tudo. Como eles podiam conciliar aquilo com as suas consciências? Não posso entender.‖

15 de novembro (cela de Goering) Eu lhe apliquei o teste de inteligência. Ele estava ligeiramente depressivo quando cheguei, mas se animou após alguns minutos de conversa. Reagiu com grande interesse ao desafio de um teste de inteligência e, ao fim da primeira etapa (teste de memória), ele estava agindo como um estudante brilhante e egoísta, ansioso para se exibir ao professor. Riu satisfeito quando me mostrei surpreso com a sua performance nas séries de dígitos com dificuldades crescentes, Bateu a mão na coxa e na cama, impacientemente, quando falhou em um item, e implorou por uma terceira e quarta tentativas. ―Ora, vamos, me dê outra oportunidade. Eu posso fazer!‖ Quando finalmente conseguiu, para meu espanto mal pôde conter sua alegria e encheu-se de orgulho. Esse padrão de entendimento foi mantido ao longo de todo o teste, o examinador encorajando com observações sobre como poucas pessoas seriam capazes de resolver o próximo problema, e Goering respondendo como um estudante que quer impressionar. Ele dava a entender que possuía o nível intelectual mais alto. Chegou à conclusão de que os psicólogos americanos realmente sabiam alguma coisa. ―O método é bom, muito melhor que o material usado de maneira idiota por nossos psicólogos‖. ―Talvez você devesse ter se tornado um acadêmico, em vez de político‖, sugeri. ―Talvez. Estou convencido de que teria feito melhor que a média dos homens em qualquer campo. Mas não se pode adivinhar o destino. Depende de coisas pequenas. Por exemplo, uma pequena coisa que impediu de me tornar maçom. Eu tinha um encontro com alguns amigos para me filiar à Maçonaria em 1919. Enquanto esperava por eles, vi uma bonita loira passar e fui atrás dela. Bem, nunca me filiei aos maçons. Se não tivesse arranjado


11 aquela loira naquele dia teria sido impossível para mim entrar no partido, e não estaria aqui hoje. VON RIBBENTROP Como se pode deduzir das observações de Goering, o von Ribbentrop da cela nº 7 não tinha muita semelhança com o arrogante embaixador nazista na Corte de St. James (Inglaterra), nem com o ministro das Relações Exteriores que havia estalado o chicote de Hitler sobre as chancelarias da Europa e forjado o Pacto do Eixo entre Roma, Berlim e Tóquio. O colapso do sistema de sua diplomacia apoiada na força armada amoleceu a falsa espinha dorsal do seu caráter fraco. O que restou foi um decadente oportunista confuso e desmoralizado, sem ter sequer um argumento consistente para manter uma fachada apresentável. Desleixado fisicamente, assim como nos hábitos mentais, ele dava a impressão de um empresário alemão em falência moral e material, com nada no mundo que pudesse dizer que possuía, nem mesmo a sua mente. Se tivesse havido qualquer objetivo respeitável por trás de suas atividades, von Ribbentrop parecia tê-lo esquecido e esperava que alguém o contasse. Nos interrogatórios preliminares feitos pela promotoria, von Ribbentrop queixava-se sempre da memória falha e perguntava aos interrogadores o que eles pensavam sobre o assunto. Em sua cela, ele passava o tempo escrevendo memorandos intermináveis e pedia a todo mundo que o ajudasse na sua defesa ─ aos médicos, aos guardas, aos encarregados da ordem, ao barbeiro etc. Como o médico alemão da prisão observou, se houvesse um faxineiro por lá, von Ribbentrop teria lhe pedido conselhos sobre a sua defesa da política externa nazista. Nessas condições, quaisquer tentativas de conseguir manifestações de princípios fundamentais em nossas primeiras conversações estavam destinadas ao fracasso porque von Ribbentrop não parecia ter qualquer princípio fundamental. Mesmo tentando se desculpar, dizendo ter obedecido ordens de Hitler, ele revelava a ambivalência passiva e a falta de integridade moral em seu caráter. Por um lado, ele dizia que havia cumprido seu dever apoiando Hitler e, por outro, que sempre alertara os ingleses e franceses contra Hitler. Além disso, Hitler certa vez havia gritado com ele, em 1940, e desde então nunca mais pôde contradizê-lo. O julgamento encheu-o de apreensão. Queixava-se de que não lhe estava sendo dado tempo suficiente para preparar sua defesa e esperava que o processo pudesse ser adiado indefinidamente. Parecia temer o dia em que suas anotações viessem a ser apresentadas em plena Corte e ele tivesse que se levantar e fazer algum tipo de defesa de suas atividades no regime nazista. Sentia que muitos dos outros réus, especialmente os estadistas mais velhos, von Papen e von Neurath, a quem ele tinha eclipsado, estariam ansiosos para incriminá-lo e a Hitler pela política externa temerosa que havia levado à guerra e à derrocada da Alemanha, e ele vivia repetindo: ―Este julgamento é um grande erro. Não será um espetáculo muito dignificante deixar alemães denúnciarem alemães‖. Ele mesmo considerava a possibilidade de antecipar um exame aberto dos arquivos, fazendo alguma confissão superficial e colocando-se à mercê das autoridades americanas. Porém, isso não aconteceu e von Ribbentrop continuou a enterrar sua ansiedade num mar de memorandos e pílulas para dormir.


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SCHACHT Schacht partilhava do desprezo de Goering para com von Ribbentrop, assim como para com os outros, e da admiração de si mesmos. Claramente não havia afeto entre os egoístas rivais pelo poder no Terceiro Reich. O desejo insaciável de Goering pela supremacia em todos os campos naturalmente havia cruzado com o de Schacht na área econômica. Mas, isso se manifestava até nas menores questões dos testes de QI que eu apliquei na prisão enquanto eles aguardavam o julgamento. Na verdade, Goering não atingiu o nível mais alto nos testes de inteligência, o que muito o aborreceu (ver quadro na página......). O primeiro da lista aconteceu ser o seu velho rival e inimigo, o ―mago das finanças‖ Hjalmar Schacht. Se isso foi surpresa para Goering, não o foi para Schacht, que não fazia segredo do fato de que era o mais inocente em toda a prisão, e o mais brilhante. Sua indignação de estar preso por ser um colaborador de Hitler não era inteiramente sem fundamento, pois havia passado dez meses em um campo de concentração sob suspeita de ter conspirado contra o Führer antes de ter sido colocado na prisão pelos americanos após o armistício. Ele fazia saber a todos que o visitavam que, no que se referisse a si, era tudo um erro, e ele esperava que o julgamento fosse rápido para que os outros criminosos fossem enforcados e o deixassem ir para casa. 23 de outubro (cela de Schacht) ―Eu tenho total confiança nos juízes, e não tenho medo das consequências. Poucos dos réus são inocentes, na maioria são claramente culpados. Mesmo Ribbentrop deveria ser enforcado por sua estupidez; não há crime pior que a estupidez.‖ 1º de novembro (cela de Schacht) Ainda ressentido de estar encarcerado como um criminoso como os outros, ele esperava que o julgamento não demorasse muito. Eu lhe disse que dependeria, em certo grau, do tempo que os réus iriam levar nas suas defesas orais. ―Quanto a mim, só preciso de meia-hora, uma vez que a minha oposição às políticas agressivas de Hitler é notória. Afinal, por isso ele me mandou para um campo de concentração, onde fiquei preso por dez meses ─ só para ser arrastado até aqui como criminoso de guerra. Este é o motivo do meu grande ressentimento.‖ ―Bem, você deve admitir que a liderança do governo tem muito a responder‖, repliquei. ―Claro que quem for inocente não será punido.‖ ―Não tenho dúvidas quanto a isso. Esta é a razão por que posso tolerar tudo sem uma consciência pesada, que é mais que alguns daqueles cavalheiros podem dizer. Todos sabem que eu fui contra a guerra. E foi até mencionado no livro do embaixador (Joseph) Davies, ―Missão em Moscou‖. Tudo o que eu queria era reerguer a indústria alemã. A tão propalada magia financeira foi nada mais que uma eficiente unificação e aproveitamento das finanças e dos recursos da Alemanha. A única coisa de que eles podem me acusar é de romper o Tratado de Versalhes. Mas, se isso for crime, então os juízes deveriam ser processados também. A Inglaterra não só aprovou tacitamente o nosso rearmamento como também fez um acordo para limitar a nossa Marinha


13 a um terço do tamanho da Marinha britânica, em 1935. Quando restabelecemos o alistamento militar, nenhuma das potências mundiais deu sequer um pio. Seus adidos militares presenciaram nossas paradas como convidados. Elas mesmas fechavam os olhos às agressões. Após tentarem impor sanções à Itália, reconheceram a conquista da Etiópia. Ninguém fez nada sobre a agressão da Rússia contra a Finlândia. Não, eles não têm condições de fazer do Tratado de Versalhes um exemplo. Até os banqueiros americanos nos emprestaram dinheiro que eu não queria, só para ganhar suas comissões e manter uma ficção que não poderia perdurar. ―Admitirei que fui tolo o bastante para acreditar nas intenções de paz de Hitler no início. Apoiei o rearmamento só até o ponto de garantir a segurança da Alemanha. Porém, me tornei cada vez mais desconfiado quando ele tentou investir todos os recursos financeiros do país em armamentos. O momento decisivo chegou quando ele demitiu o chefe do Estado Maior, general von Fritsch, que nunca desejou uma guerra agressiva, e nomeou seu lacaio, o Keitel. Então, eu recusei dar fundos para mais armamentos e, como resultado, fui demitido. Quanto mais agressivo Hitler se tornava, mais derrotista eu ficava. Finalmente, ele me jogou num campo de concentração, em 1944. ―Quanto ao anti-semitismo, fiz um acordo com o Führer em 1934 para não haver discriminação na área industrial, e enquanto estive no cargo não houve qualquer discriminação naquele setor. De qualquer modo, a razão verdadeira não era racial ─ é um grande absurdo. Foi apenas uma questão de reduzir o excesso de presença de judeus nas profissões. A primeira vez que ouvi falar sobre as atrocidades foi quando estava internado em Flossenburg. Podia ouvir as pessoas sendo forçadas a se despir e a marchar para a morte e os tiros no bosque. Era bestial. Ficava aterrorizado ao pensar que aquele era um campo do qual ninguém saía vivo. A única razão que posso imaginar para eles me conservarem vivo era para ser usado como possível refém ou negociador.‖ FRANK Nem todos os réus partilhavam do cinismo de Goering ou da inocência ofendida de Schacht. Dois ou três deles aparentavam mostrar alguns sinais de remorso. Um desses era Hans Frank, ex-governador-geral da Polônia, que havia se convertido recentemente ao catolicismo. Ele ficava sentado em sua cela lendo a Bíblia ou livros da literatura alemã, passando as páginas com o dedo mindinho da mão esquerda, pois tinha cortado os pulsos em uma tentativa de suicídio ao ser capturado. Ele não tinha os movimentos livres dos dedos e às vezes cobria a mão esquerda com uma luva. Uma cicatriz também era visível em sua garganta, resultado da mesma tentativa de suicídio. Os inquiridores o descreveram como mal humorado e evasivo nas respostas, e certa feita ele saiu da sala de interrogatório praguejando: ―Porco!‖ Para mim, portanto, foi a maior surpresa que em todas as conversas em sua cela ele se mostrasse amável e frágil, cheio de remorso desprezível, embora praguejasse contra Hitler com uma veemência espantosa e desembaraço de linguagem. 7 de novembro (cela de Frank) ―Sim, muita coisa se tornou clara para mim na solidão desta cela. O julgamento não é importante, mas que espetáculo de ironia do destino e de justiça divina! Você sabe, há uma punição divina que é mais devastadora em sua ironia do que qualquer punição que o homem tenha inventado! Hitler


14 representava o espírito do mal na Terra e não reconhecia poder maior que o seu próprio. Deus observava esse bando de bárbaros encher-se de soberba com seus poderes insignificantes, e então simplesmente ignorou-os entre desdenhoso e divertido.‖ Frank fez um gesto de desdém com a mão enluvada. ―Eu lhe digo, o riso desdenhoso de Deus é mais terrível do que qualquer desejo de vingança do homem. Quando vejo Goering, despojado de seu uniforme e de suas condecorações, humildemente fazendo sua caminhada de dez minutos sob os olhares curiosos e divertidos dos guardas americanos, lembro-me como ele se mostrava na sua glória como Presidente do Reichstag. É grotesco! Aqui estão os pretensos soberanos da Alemanha, cada um em sua cela igual a essa, com quatro paredes e um vaso sanitário, aguardando julgamento como criminosos comuns. Não é uma prova de diversão de Deus a busca sacrílega de homens por poder?‖ Seu sorriso foi congelando gradualmente e os olhos, estreitando-se. ―Mas, estarão essas pessoas agradecidas por terem essas poucas últimas semanas para expiar seus pecados de egoísmo e indiferença, e reconhecer que estavam associadas ao diabo em carne e osso? Será que eles se ajoelham e rezam a Deus, pedindo perdão? Não, eles se preocupam com seus próprios pescoços e imaginam todo o tipo de pequenas desculpas que os absolvam de suas culpas! Será que eles não podem ver que isso é uma terrível tragédia na história da humanidade, e nós somos os símbolos de um mal que Deus está ignorando?‖ Sua voz se elevou raivosamente e pediu desculpas quando o guarda, curioso, deu uma olhada para dentro da cela. Ele continuou numa raiva fria e calma: ―Se apenas um de nós tivesse tido a coragem de matá-lo! Essa é uma coisa da qual me censuro, quanta miséria, morte e destruição poderia ter sido evitada! Comecei a perceber as coisas em 1942 e vi que o mal estava incorporado nele. Quando protestei em público contra as medidas de terror naquela época, ele me destituiu da patente militar e do poder político, mas me manteve como testa-de-ferro Governador-Geral da Polônia para ficar na história como símbolo dos crimes naquele país miserável. Era o mal satânico dentro dele. E aqui estou eu sentado, e isso me é útil; no começo eu estive ligado ao demônio. Nos últimos anos percebi o psicopata de sangue-frio, duro e insensível que ele realmente era. Aquele suposto olhar fascinante não era outra coisa senão o olhar de um psicopata insensível! Ele era movido por puro egoísmo primitivo e obstinado, sem se inibir por formalidades ou convenções. Essa é a razão dele odiar todas as instituições legais, diplomáticas e religiosas, todos os valores sociais que representavam restrições à impulsiva expressão do seu ego. Ele era um amante da arte e da música, mas não tinha concepção de arte. Gostava de Wagner, naturalmente, porque podia se ver brincando de Deus com um dramático esplendor. E sua adoração pelo nu... Pode-se apreciar o nu na arte como síntese da beleza, da forma e do sentimento humanos, mas Hitler era incapaz de apreciar essas coisas. Para ele, o nu representava meramente um protesto contra as convenções, o que ele era capaz de entender. ―Não, a aversão psicopática a formalidades e convenções era a tônica da poersonalidade de Hitler. Essa era a razão porque ele mantinha somente ‗homens de ação‘ diabólicos, como Himmler e Bormann, como confidentes. Bormann era seu Sekretär Wurm(*), um puxa-saco desprezível e um intrigante brutal, aliás, um claro reflexo do caráter de Hitler. Estou convencido de que todas aquelas atrocidades eram planejadas secretamente por esses três, que


15 partilhavam do desprezo comum por todos os padrões de humanidade e honra...‖. Discutimos a atitude do povo alemão em relação a Hitler. Frank levantou o dedo em advertência: ―Cuidado com os fazedores de lendas, Herr Doktor! Himmler não teria ousado executar seu programa de assassinatos em massa se Hitler não tivesse diretamente aprovado ou ordenado.‖

(*) O secretário intrigante na peça de Schiller, Kabale und Liebe (NA.)

15 de novembro (cela de Frank) Frank me disse que agora se sentia liberado espiritualmente como nunca o fora em sua vida. Seus sonhos o transportavam especialmente para longe do confinamento de sua cela, eles lhe mostravam paisagens imensas, de um mar infinito a altas montanhas e o céu, e ele acordava com um sentimento extraordinário de alívio espiritual e físico. Recentemente, ele sonhou com Hitler e isso o fez resolver tanto a adotar uma atitude honesta quanto a admitir a simples culpa publicamente. É tudo. muito realístico. Às vezes ele tem poluções noturnas. Em um sonho recente, ele estava de pé na praia observando as ondas, e então uma garota apareceu ─ ele acha que era sua filha ─ e montanhas, gritos melodiosos e imensas vastidões. Ele acordou com um sentimento incrível de alívio emocional. Isso sugere que era um dos sonhos sexuais. Continuou a falar sobre como se podia ser independente das restrições do ambiente se se tem coragem interior. VON SCHIRACH Menos histérico em seu remorso, mas igualmente resignado com a morte, estava o bonito Baldur von Schirach, o ex-líder da Juventude Hitlerista. Ele estava sério e trêmulo quando o entrevistei em sua cela, mas demonstrou suas inclinações estéticas ao escrever um poema À Morte. Consciente de sua herança na nobreza e cultura germânicas, ele disse aos seus advogados no primeiro encontro: ―Enquanto puder manter a minha cabeça, eu a deixarei bem erguida‖. Nossa primeira e longa entrevista, uma semana após ele ter sido indiciado, possibilitou uma boa compreensão da sua experiência e de seu sentimento de culpa. 27 de outubro (cela de von Schirach) Após ele terminar o teste de manchas de tinta(*), nós discutimos as acusações e a questão de sua culpa. Uma vez que o problema do antissemitismo foi mencionado nas especificações contra ele, von Schirach se ofereceu para explicar como se tornara antissemita: ―Em minha juventude, eu frequentava círculos aristocráticos e nunca tive contatos com judeus. Eu não tinha razão para ser antissemita, mas verifiquei que havia um preconceito secreto e disfarçado contra os judeus ―nos melhores círculos‖. Entretanto, isso não me impressionou, até que alguém me fez ler o livro americano O judeu internacional‘(**), quando eu estava na idade impressionável de 17 anos. Você não faz ideia da grande influência que esse livro teve no pensamento dos jovens alemães, que não tinham maturidade para


16 pensar por si próprios. Por essa mesma época, eu caí na influência de Julius Streicher, que tinha a habilidade de vestir o antissemitismo com trajes pseudocientíficos. Se muitas das pessoas mais velhas, em reuniões sociais, enveredavam por esse rumo, era natural para um rapaz aceitar suas opiniões como autorizadas. Então, aos 18 anos encontrei Adolf Hitler. Devo admitir que fui inspirado por ele, fui estudar em Munique porque ele estava lá e me tornei um dos seus mais fiéis colaboradores. Desde então, tornei-me um antissemita convicto até que a recente e amarga tragédia me mostrou a completa falsidade dessa crença. Mas, por que os mais velhos nos traíram? Por que ninguém nos contou que Ford havia repudiado O judeu internacional e que os Protocolos do Sião foram forjados? Por que tantas mentiras históricas e científicas para criar aversão nas mentes jovens impressionáveis? Não negarei minha culpa. Errei ao aprovar a evacuação de Viena e estou preparado para morrer por isso. Mas, a juventude alemã não deve nunca ser punida pela traição dos mais velhos. Os jovens alemães podem e devem ser reeducados. Não acho que haverá outra vez antissemitismo no mundo, após esse horrível exemplo. Mas, as pessoas devem lutar contra o estigma social encoberto, que foi terreno fértil para essa doença‖.

(*) Teste de Rorschach, no qual o indivíduo revela certos traços da personalidade usando sua imaginação em ―ver coisas‖ em uma série de gravuras com borrões de tinta. (NA) (**) Livro escrito em 1920 por Henry Ford, o industrial automobilista norteamericano, que lhe causou, no seio do judaísmo mundial, sérios embaraços e problemas financeiros e jurídicos. Depois, retratou-se em carta a organizações judaicas (NT). Raciocinando mais adiante sobre seu relacionamento com o Führer, von Schirach disse ter percebido uma mudança acentuada em Hitler ao longo dos anos. ―Antes de 1934, ele era menschlich (humano); de 1934 a 1938, übermenschlich (sobre-humano); a partir de 1938, ele se tornou unmenschlich (inumano). Acredito que o poder lhe subiu à cabeça em 1934 quando Hindenburg morreu e ele se tornou o Reich Führer. Enlouqueceu quando aboliu os procedimentos legais e judiciários e se tornou um ditador com planos de dominar o mundo. Meu primeiro desapontamento com ele foi quando quebrou o Pacto de Munique, porque achei que a reputação alemã no mundo tinha sido prejudicada. Mas, ainda aí ele conseguiu me convencer de que tudo ia terminar bem. Por volta de 1942, acho, comecei a verificar que ele estava se tornando ligeiramente insano. Seu olhar de repente poderia ficar no vazio no meio de uma conversa, vagando no espaço, ou você poderia olhar para trás para ver se ele estaria olhando para mais alguém. Ou, também, ele parecia fechar os ouvidos para algo que não queria ouvir. Em 1943, tivemos uma briga séria. Minha mulher tinha presenciado judeus sendo arrastados de suas casas e, por ser uma idealista sincera, perguntou ao Führer se ele tinha conhecimento de tais ações vergonhosas. Ele ficou calado. Eu insisti com uma questão sobre o tratamento que estava sendo dado aos judeus deportados. Ele voou para cima de mim com uma raiva tal que eu pensei que certamente seria preso. A partir daí, cai em desgraça.‖


17 O lusco-fusco do entardecer que entrava pela janela da cela havia desaparecido e muito mal podíamos nos ver à luz fraca do corredor que se insinuava pelo buraco na porta. Mas, na semi-obscuridade, eu podia perceber em sua voz um início de emoção. ―Quando todas as atrocidades vieram à luz no fim da guerra, meus piores receios se concretizaram e então soube que tinha de morrer por isso. Mas, não iria cometer suicídio como um covarde. Não evitei ser preso. Inclusive, propus às autoridades americanas que todos os líderes da Juventude Hitlerista fossem reunidos em Buchenwald para um programa de reeducação, e então eu me entregaria como refém para assumir as consequências dos nossos erros cegos anteriores. Esperava, dessa maneira, fazer algo de bom pelo que tinha feito de mal...‖ Sua voz sufocou e o silêncio desceu na cela. SPEER Alto e de sobrancelhas espessas, o ministro do Armamento da máquina de guerra de Hitler despertou pouca atenção no início, mas aparentava a mais sincera e menos manifesta concepção de culpa do nazismo entre os demais réus. 23 de outubro (cela de Speer) Speer parece ser o mais realista de todos. Ele disse não ter tido antes ilusões sobre o seu destino, de sorte que o indiciamento não foi um choque para ele. Entende que a história exige tal julgamento em vista da enormidade dos crimes cometidos e o considera, em geral, uma boa coisa. Não acha que haja algum pormenor que mereça alardear em favor de seu destino, embora tenha dúvidas, mais que qualquer outro, sobre sua própria culpa. Alegou não ter ideia de todos os crimes citados no libelo de acusação, pois foi nomeado chefe da Produção Bélica em 1942, sem qualquer experiência prévia. Ele não sabia sobre os campos de concentração mais do que qualquer outro ministro sabia sobre a bomba V-2. Em março, ele disse a Hitler que tudo estava perdido e que eles deveriam salvar a Alemanha da destruição total sem considerar as consequências pessoais. Hitler respondeu que, se a Alemanha não pudesse vencer a guerra, ela não merecia sobreviver. A percepção de que Hitler era um maníaco destrutivo e não um patriota, inclinado a reconstruir a Alemanha às custas dos outros, tinha destroçado completamente as ilusões do arquiteto Speer. Ao reexaminar, em sua cela, pela primeira vez desde a ascensão do Terceiro Reich, a liderança e o sistema de valores nazistas, ele chegou à conclusão tardia de que tudo era podre na essência. Ao reconhecer a validade da acusação em insistir em uma responsabilidade comum da liderança nazista ―por tais crimes hediondos‖ e na inadmissibilidade de considerar a obediência a ordens como desculpa, ele demonstrou estar no início da ruptura entre seus princípios básicos e os fundamentos da casta militar. Embora tivesse muito pouco a dizer antes do início do julgamento, ocasionalmente ele dava passagem a seus sentimentos sobre os líderes militares alemães. Certa feita, observou com tranquila mordacidade: ―Sim, eu sei. Eles pronunciavam discursos heróicos sobre lutar e morrer pela pátria sem que arriscassem seus próprios pescoços. E agora, quando suas próprias vidas estão no cadafalso, eles tremem e procuram todos os tipos de desculpas. Este é o tipo de herói que levou a Alemanha à destruição!‖


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KEITEL Os comentários de Speer foram, na maioria, dirigidos ao bombástico Goering, mas também se referiam ao ―subserviente‖ representante-chefe do militarismo prussiano na prisão, marechal-de-campo Wilhelm Keitel. Embora criado na tradição militar prussiana, o comportamento de Keitel era obsequioso quando entrevistado em sua cela. O chefe do Estado Maior do Alto Comando da Wehrmacht, que havia ocupado quase toda a Europa e requerera uma coalizão mundial para combatê-la, curvava-se e humilhava-se ante qualquer tenente que fosse vê-lo, e exclamava quão pequeno e insignificante ele realmente era. Mesmo despojado de sua insígnia militar, ele ainda parecia muito como um oficial prussiano da velha escola, porém sem seu posto e seu poder não tinha mais espinha dorsal que uma água-viva. A ideia de que um marechal-de-campo poderia ser criminalmente responsável por ordens que deu ou executou era aparentemente algo que não se havia tornado evidente para ele. Essas atitudes tinham-se revelado em algumas de nossas primeiras entrevistas. 26 de outubro (cela de Keitel) Questionei Keitel sobre a sua reação às acusações, agora que tivera a oportunidade de analisá-las. Ele sublinhara a declaração no libelo que considerava todos os membros da conspiração responsáveis pelos atos de cada um individualmente e descartava a desculpa de ―terem seguido ordens‖. ―Em nome dos céus, como eles podem me acusar de conspirar para empreender uma guerra de agressão quando fui apenas um porta-voz para a realização dos desejos do Führer? Como chefe do Estado Maior, eu não tinha nenhuma autoridade, nenhuma função de comando, nada. Tudo o que eu podia fazer era transmitir ordens ao staff e verificar se eram realizadas. Eu não tinha ideia do seu plano geral e ele deixou claro que eu teria de cuidar estritamente dos assuntos militares. Agora posso ver que ele provavelmente fez com que todos os seus ministros e chefes de Estado Maior cuidassem dos seus próprios assuntos para que ninguém tivesse uma ideia clara de quais seriam os seus planos. ―Posso entender um monte de coisas agora já que antes eu era estúpido bastante para não compreender. A questão de um novo comandante-em-chefe das forças armadas em 1940, por exemplo. Quando o general von Blomberg desgraçou-se com aquele caso (por favor, me poupe de repetir os detalhes), Hitler me pediu para recomendar um sucessor. Sugeri Goering, mas ele disse que Goering não era talhado para o comando. Então, ele decidiu que ele próprio assumiria. Na ocasião, não pude entender o porquê, pensava que ele tinha muito a fazer com os assuntos de Estado. Mas agora eu percebo que ele tinha seus próprios planos e não queria confiá-los a mais ninguém. ―As acusações do indiciamento são terríveis e, acredite-me, passei por um momento terrível quando vi como as coisas se desenvolviam. Mas, o que poderia fazer? Havia apenas três possibilidades: a) recusar a seguir as ordens, o que, é claro, significaria morte; b) renunciar ao meu posto ou c) cometer suicídio. Estive a ponto de renunciar por três vezes, mas Hitler deixou claro que considerava renúncia em tempo de guerra o mesmo que deserção. O que eu podia fazer?


19 ―Quanto à perseguição aos judeus, tudo o que pude fazer foi defender o Exército contra as medidas antissemitas. Quando as Leis de Nuremberg começaram a tirar dos judeus as suas posses e privilégios, consegui convencer o Führer a não dispensar e desqualificar os veteranos condecorados da Primeira Guerra Mundial, em consideração à moral do Exército. Ele concordou. Mas, fora do Exército não era assunto meu. Para ser sincero, ouvi dizer mais tarde que mesmo veteranos condecorados da Primeira Guerra Mundial tinham sofrido maus tratos, mas o que eu podia fazer?‖ 17 de novembro (cela de Keitel) Keitel disse que estava ―afinado como um violino‖ esta manhã. Antes de fazer o teste de QI, ele limpou a mesa, arrumou a cela, fez algumas observações sobre o interrogatório por que havia passado. ―Foi uma hipótese idiota que eles colocaram para mim: ‗Você teria se oposto naquela reunião do Estado Maior se soubesse que significava guerra?‘ Claro que não havia tal coisa como objeção. Como pode um oficial se opor? Obviamente, tive de dizer não à pergunta. Um oficial não pode se perfilar ante o Führer, seu Comandante-em-chefe, e objetar! Podemos só receber ordens e obedecer. Sei que isso não interessa a você porque não está encarregado do interrogatório, mas pensei que poderia interessá-lo psicologicamente. É difícil para os americanos entender o código prussiano de disciplina.‖ Ao dizer-se pronto, iniciamos o teste. Ele estava cooperativo e receptivo às garantias de que estava indo bem. Nos testes de performance, ele desempenhou a tarefa de maneira profissional. No teste de desenhos em bloco, por exemplo, ele guardava os cartões usados em uma pilha ordenada ao lado, removia os blocos da área de trabalho após cada item e embaralhava para a próxima vez. Ficou bastante impressionado com a objetividade do teste e observou o quanto era melhor que o ―absurdo idiota‖ que os psicólogos alemães utilizavam nos quartéis da Wehrmacht. ―Ora, eles chegaram a reprovar meu filho num exame de candidatos a oficial por causa de alguma atividade estúpida em um quarto escuro, e um exercício de discurso onde sua voz não foi bastante alta para a platéia que não estava lá. Eu simplesmente joguei aquele material fora.‖ Após o teste, ele voltou ao tema ‗oficiais e política‘. ―Na minha opinião, os oficiais navais são mais espertos politicamente que os do Exército, porque eles viajam bastante. Estiveram na Inglaterra, em Valparaíso etc., e conhecem o temperamento dos estrangeiros, enquanto nós, não. Foi um grande erro de nossa parte restringir nossos oficiais do Exército à vida limitada da caserna no nosso próprio território. JODL Muito mais prussiano no comportamento do que Keitel era o bávaro general Jodl. No início, mostrou-se bastante formal e pouco comunicativo, mas, com a necessidade de se expressar no processo, logo mudou de atitude. 1º de novembro (cela de Jodl) ―A acusação me chocou. Primeiro, eu não tinha ideia de 90% das acusações ali formuladas. Os crimes são horríveis, além do que se pode crer se foram verdadeiros. Em segundo lugar, não vejo como eles não possam reconhecer a obrigação do soldado em obedecer ordens. É o código sob o qual


20 tenho vivido por toda a minha vida. Em terceiro, a culpa pelas atrocidades no Leste de repente foi invertida. Como podem os russos tomar assento no tribunal para nos julgar por medidas bárbaras contra populações do Leste europeu? E dizem que nós enriquecemos saqueando nossas vítimas. Isso realmente me desconcertou. Acusem-me de ordenar as campanhas contra a Holanda, a Bélgica, Noruega, Polônia, se quiserem, mas não me acusem de lucrar um níquel sequer com qualquer dessas ações. De fato, fiquei espantado quando ouvi como funcionários do Partido enriqueceram ao tirar vantagem de nossas vitórias em proveito próprio. Eu era um general, acima de tudo.‖ Quando a conversa voltou ao assunto das atrocidades, ele sacudiu as mãos. ―Essas coisas horríveis são completamente incompreensíveis para mim. É impossível entender que tipos de bestas puderam estar encarregados daqueles campos e fazerem aquelas coisas.‖ ―Alemães, é claro; obedecendo ordens, sem dúvida‖, insinuei. ―Alemães sim, mas... Diga-me de homem para homem, você imaginava que os alemães eram tão sedentos de sangue e tão brutais? Não posso entender. Não é uma característica germânica. É uma característica asiática.‖ ―O povo alemão tolerou o antissemitismo ativo com as Leis de Nuremberg e o Der Stürmer de Streicher‖, repliquei. ―Asseguro-lhe que ninguém sonhou que tais medidas fossem pretendidas. E muita gente ficou nauseada com aquele jornalista marrom pornográfico, o Streicher. Como você sabe, Goering finalmente o pôs na geladeira. Não, a única coisa para que o povo conscientemente se inclinou foi a identificação do judaísmo com o comunismo, o que em parte tinha bases verdadeiras em nossa revolução de 1918. Mas, quem teria sonhado com tais consequências? É absolutamente horrível!‖ VON PAPEN Von Papen era o sumo da educação e Cortesia, exceto quando algum ligeiro aborrecimento revelava a irritabilidade dos seus 70 anos. Em nossas entrevistas, ele demonstrou saber perfeitamente bem que Hitler era um mentiroso e um traidor. Entretanto, não pôde explicar adequadamente o porquê dele, von Papen, ter participado do seu governo. 30 de outubro (cela de von Papen) Após o seu teste, conversamos sobre Hitler. ―Ele era um mentiroso patológico, isso é óbvio‖, disse Papen. ―Eu não posso descrevê-lo exatamente. Penso que, no início, ele queria o melhor para a Alemanha, mas se tornou uma força irracional do mal, adulado por seus seguidores ─ Himmler, Goering, Ribbentrop etc. ―Tentei convencê-lo muitas vezes de que estava errado em sua política antissemita. A princípio, ele parecia ouvir, porém mais tarde eu não tive mais influência sobre ele.‖ Von Papen continuou a descrever como ele havia argumentado com Hitler no sentido de vetar o boicote de Goebbels ao Festival de Salzburgo durante os seus quatro anos na Áustria, de 1934 a 1938. Goebbels quis boicotar o festival por causa do seu diretor judeu, Reinhardt. Voltando ao seu próprio papel na política nazista, ele afirmou: ―Claro que eu sabia que Hitler era culpado de má fé ao romper o Pacto de Munique. Mas, o que eu poderia fazer? Deixar o país? Pensei que poderia fazer algo de bom ficando aqui... Tenho sido retratado como um demônio intrigante, como no livro


21 Devil in top hat (Demônio de cartola). Mas, posso provar que sempre trabalhei pela paz. Confio na Justiça americana, e fico feliz pela verdade ser trazida à luz neste tribunal. Não importa o que eles possam fazer comigo. Estou no fim da vida. Mas esta Corte tem a elevada missão de estabelecer a Justiça internacional.

Os testes psicológicos O programa de testes psicológicos foi praticamente completado antes do início do julgamento, enquanto os prisioneiros estiveram em confinamento solitário, de sorte que a validade dos resultados foi salvaguardada. Dos diversos testes aplicados (de Inteligência, de Rorschach e os de Personalidade e Percepção Temática), o mais simples de se descrever, embora não seja o mais significativo, é o de Inteligência. Usei minha própria versão em alemão do Teste de Inteligência para Adultos de Wechsler-Bellevue, americano, eliminando e compensando as partes referentes a diferenças culturais, como vocabulário e informações gerais. A bateria de testes consistia de: A. Testes verbais de memória e uso de conceitos 1. Capacidade de memória para séries numéricas de extensão crescente; 2. Aritmética simples com dificuldades crescentes; 3. Questões de bom senso; 4. Formação de conceitos através de semelhanças verbais. B. Testes de desempenho de observação e coordenação sensorial-motora 5. Teste codificado de substituição (de dígitos por símbolos); 6. Montagem de objetos (como quebra-cabeça); 7. Conversão de desenhos em blocos coloridos; 8. Reconhecimento de partes faltantes de gravuras. Esses testes são padronizados para adultos, permitindo uma boa amostra das habilidades normalmente associadas à inteligência acadêmica. Os QIs foram calculados de acordo com o método Wechsler-Bellevue que, ao contrário do Stanford-Binet, permite o desconto pela deterioração da inteligência média dos mais idosos, em vez de manter um nível constante durante toda a idade madura. Isso possibilitou uma comparação mais justa do QI de homens de idades tão divergentes. Deve-se ter em mente, entretanto, que a inteligência efetiva de homens mais velhos como von Papen, Raeder, Schacht e Streicher era 15 a 20 pontos abaixo dos QIs indicados aqui, mas a posição relativa em seus respectivos grupos de idade está corretamente indicada. Nome Hjalmar Schacht Seyss-Inquart Hermann Goering Karl Doenitz Franz von Papen Eric Raeder Dr. Hans Frank Hans Fritzsche

QI 143 141 138 138 134 134 130 130

Nome Albert Speer Alfred Jodl Alfred Rosenberg Constantin von Neurath Walther Funk Wilhelm Frick Rudolf Hess (estimativa)* Fritz Sauckel

QI 128 127 127 125 124 124 120 118


22 Baldur von Schirach J. von Ribbentrop Wilhelm Keitel

130 129 129

Ernst Kaltenbrunner Julius Streicher

113 106

* Com base no re-teste após sua recuperação. À exceção de Streicher, os QIs mostram que os líderes nazistas estavam acima da inteligência média (de 90 a 110), confirmando apenas o fato de que os homens de maior sucesso em qualquer esfera da atividade humana, seja política, indústria, área militar ou crime, têm tendência a estar acima da inteligência média. Deve-se notar que o QI indica nada mais que a eficiência mecânica da mente e nada ter a ver com caráter ou moral, nem com diversas outras considerações que entram na avaliação da personalidade. Acima de tudo, o senso individual dos valores e as expressões de sua motivação básica são o que realmente revelam seu caráter. Os testes de projeção, como os de manchas de tinta, dão alguns indícios sobre padrão de reação, mas um estudo real do caráter e da personalidade requer uma observação rigorosa prolongada para revelar os valores e causas. Entretanto, um movimento social de grande alcance e catastrófico como o nazismo não pode ser analisado adequadamente e compreendido simplesmente em termos dos traços característicos individuais dos seus líderes. Uma abordagem psicológica realista requer um mergulho nas personalidades completas (totais) em interação em seus respectivos cenários sociais e históricos. O julgamento de Nuremberg proporcionou uma oportunidade ideal para tal estudo. O registro do dia-a-dia das conversas e das reações dos líderes nazistas durante o ano, quando os seus antecedentes estiveram legalmente em julgamento, e todo o sistema de valores esteve psicologicamente em julgamento perante o mundo, provou revelar muito mais do que o total de todos os testes poderiam possibilitar. Portanto, recorremos à combinação dos registros históricos e psicológicos que constituem este Diário.

O DIÁRIO DO JULGAMENTO ─ 1945/1946 1. A Promotoria Inicia 20 de novembro A leitura do libelo Sessão da manhã: A sinistra relação dos crimes nazistas contida no libelo de acusação foi lida oficialmente. Acusação 1: O Plano Comum ou Conspiração:... A conquista do controle totalitário na Alemanha... A utilização do controle nazista para a agressão externa... Acusação 2: Crimes Contra a Paz... violação dos tratados, acordos e garantias internacionais...‖ (*) No banco dos réus, a tensão relaxou quando eles começaram a perceber que a sessão de abertura consistia simplesmente da leitura do libelo de acusação, que eles já tinham conhecimento. Os réus permaneceram em silêncio, prestando pouca atenção, alguns trocando os fones para diferentes traduções, outros observando o salão da Corte para avaliar os juízes, a promotoria, os repórteres e a audiência.


23 Hora do almoço: Houve um alívio geral quando os réus se reuniram, apertando-se as mãos e conversando pela primeira vez desde que foram capturados, alguns pela primeira vez em suas vidas. Almoçaram na própria sala da Corte após esta ter sido evacuada, em conversas relaxadas sobre todo o tipo de coisas, desde política de poder até necessidades físicas. Ribbentrop questionava Hess, mas não chegava a lugar algum, pois Hess não tinha lembrança dos acontecimentos mundiais relatados no indiciamento. Então, Ribbentrop me falou: ―Por que todo esse barulho por causa da violação de tratados? Você já leu sobre a história do Império Britânico? Ora, ela é cheia de violações de tratados, opressões a minorias, assassinatos em massa, guerras de agressão e tudo o mais‖. Perguntei a ele se os crimes da história deveriam ser aceitos como padrão para o direito internacional. ―Bem, não, mas eu penso que, desde que a bomba atômica tornou a guerra perigosa demais para as nações recorrerem a ela, os países no futuro vão mesmo resolver suas questões pacificamente.‖ A essa altura da conversa, Hess levantou as orelhas. ―Bomba atômica? O que é isso?‖ ―É uma bomba de colisão de átomos‖, Ribbentrop tentou explicar. ―O que isso significa?‖ Ribbentrop lançou-se numa descrição da bomba atômica e perguntou a Hess se ele realmente não se lembrava das coisas sobre o que se falou durante o dia. Eu observa os outros almoçarem, e vários deles disseram que a comida estava melhorando. ―Acho que teremos bife no dia em que eles nos enforcarem‖, von Schirach disse, rindo.

(*) As evidências e anotações processuais estão citadas entre aspas ou resumidas em itálico; tudo o mais é extra-oficial (NA). Streicher sentava-se sozinho, ainda desprezado pelos outros. Quando passei junto, ele se levantou para atrair a minha atenção. ―Sabe, Herr Doktor‖, disse ele, tentando iniciar uma conversa inteligente, ―eu já fui sentenciado anteriormente nesta mesma sala.‖ ―Foi mesmo? Quantas vezes você já foi julgado em sua vida?‖ ―Oh, umas 12 ou 13 vezes. Já tive um monte de julgamentos. É coisa antiga.‖ Pouco depois, Ribbentrop me segurou outra vez. ―Você vai ver. Daqui a poucos anos advogados de todo o mundo condenarão este julgamento. Não se pode ter um julgamento sem leis. Além disso, não é bom deixar alemães denúnciarem alemães, como será feito neste tribunal. Não deixará impressão muito dignificante, marque as minhas palavras.‖ O coronel fez-me sinal para ordenar a volta dos réus aos seus lugares. Quando von Schirach passou por mim, disse: ―Este é um mau dia, não para vocês, mas para nós‖. Sessão da tarde: A leitura do libelo continuou: ―Acusação 3: Crimes de Guerra... Assassinato e maus tratos a populações civis... e a prisioneiros de guerra... Deportação para trabalho escravo... Assassinato de reféns...


24 Acusação 4: Crimes Contra a Humanidade... Assassinato, extermínio, escravidão... Perseguição política e social...‖ As acusações individuais contra os réus e contra as organizações foram lidas após as constantes da acusação 4.. [Ribbentrop sofreu um ataque de vertigem e tremedeira e teve que ser levado para fora da sala da Corte. Mais tarde, Goering me disse que agora tinha certeza da loucura de Hess, porque ele lhe havia dito durante a sessão: ―Você vai ver, essa assombração vai desaparecer e você será o Führer da Alemanha dentro de um mês.‖]

21 de novembro A fala de abertura do Promotor Jackson Sessão da manhã: Todos os réus alegaram inocência‖, alguns acrescentando a frase ―— no sentido do libelo de acusação.‖ O promotor Jackson então iniciou a fala de abertura da promotoria. Descreveu a ascensão do Partido Nazista ao poder com o apoio dos desordeiros das tropas de assalto (SA), que ―aterrorizaram e silenciaram a oposição democrática, e por fim foram capazes de se associar a oportunistas políticos, militaristas, industriais, monarquistas e reacionários políticos.‖ Um mês após a ascensão de Hitler ao poder, o incêndio do Reichstag (Parlamento) foi usado como pretexto para conseguir de von Hindenburg a suspensão da maioria das garantias vitais da Constituição de Weimar, e dando poderes ditatoriais a Hitler. Em poucos meses, os sindicatos trabalhistas foram abolidos e Robert Ley se tornou o ditador incontestável do trabalhismo alemão. Os nazistas colocaram em prática a sua ideologia anticristã, perseguindo as várias igrejas, especialmente a Católica, apesar da Concordata assinada com a Santa Sé. O pastor Niemoeller foi jogado num campo de concentração como uma maneira de destroçar a oposição da Igreja Luterana. Hora do almoço: Os crimes nazistas contra o Cristianismo foram os assuntos principais das conversas entre os réus durante o almoço. ―Crimes contra o Cristianismo!‖, observou Resenberg cinicamente. ―Vocês já deram alguma atenção aos crimes dos russos contra o Cristianismo?‖ Perguntei a Ribbentrop se sua declaração admitindo conhecimento e impotência com respeito à perseguição nazista à Igreja foi como estava transcrita. ―Sim‖, respondeu, ―eu disse a eles que conferia. Houve diversos protestos por parte do Vaticano, mas Hitler os ignorou. Não havia nada que se pudesse fazer sobre isso.‖ ―Mas era o nosso direito‖, Goering enfureceu-se, com a boca cheia de comida. ―Éramos um Estado soberano e aquele era um assunto estritamente nosso.‖ Mais tarde, ele foi ouvido dizendo a Funk: ―Não se preocupe, você só estava obedecendo minhas ordens. Eu assumirei total responsabilidade pelo Plano Quadrienal.‖ Funk sorriu acanhado, em agradecimento. Sessão da tarde: O promotor Jackson descreveu os crimes contra os judeus: ―Os mais selvagens e numerosos crimes planejados e cometidos pelos nazistas... O gueto foi o laboratório para testar medidas repressivas. A


25 propriedade dos judeus foi a primeira a ser expropriada, mas o costume se alastrou e incluiu medidas similares contra alemães antinazistas, poloneses, tchecos, franceses e belgas. O extermínio dos judeus proporcionou experiência aos nazistas para adotar iguais medidas contra poloneses, sérvios e gregos. O infortúnio dos judeus era usado como uma ameaça constante aos opositores e descontentes, entre outros elementos da população da Europa ─ pacifistas, conservadores, comunistas, católicos, protestantes, socialistas. Na verdade, era uma ameaça a toda opinião dissidente e à toda vida não-nazista‖. Como resultados da política de discriminação, vieram os guetos, os campos de concentração e o extermínio em massa. Sessenta por cento dos judeus na Europa dominada pelos nazistas foram assassinados, ou cerca de 5,7 milhões de indivíduos. ―A História não registra um crime perpetrado contra tantas vítimas ou mesmo realizado com tal calculada crueldade.‖ Jackson citou Streicher, que se queixava de que os ensinamentos cristãos atrapalhavam o caminho da solução radical para a questão judia na Europa, e apoiava o programa de extermínio de Hitler. Hans Frank fez declarações similares em seu diário e em suas falas. Jackson continuou a descrever as ações específicas adotadas nesse programa de extermínio: as infames Leis de Nuremberg, de 1935; a bem planejada revolta ―espontânea‖ em 9 e 10 de novembro de 1938; pogroms (*) incitados e as execuções em massa no Leste Europeu a partir de 1941; a crueldade sádica, a tortura, a fome e o assassinato em massa nos campos de concentração, para não mencionar coisas mais leves como ―experimentos científicos‖, a exemplo do congelamento de vítimas masculinas quase até a morte, aquecendo-as de volta em intercursos sexuais com o ―calor animal‖ de ciganas nuas. ―Aqui, a degenerescência nazista alcançou o seu nadir, o ponto mais baixo. Detesto sobrecarregar seus registros com essas histórias mórbidas, mas estamos na cruel tarefa de julgar homens como criminosos... Nossas provas serão repugnantes e vocês dirão que tirei o seu sono. Mas essas são as coisas que reviraram do mundo inteiro e ergueram toda mão civilizada contra a Alemanha nazista.‖ Durante o intervalo, eu ouvi von Schirach perguntar a Goering quem tinha dado as ordens para se arrasar brutalmente o gueto de Varsóvia. ―Himmler, suponho‖, Goering respondeu inconfortavelmente. Schirach sacudiu a cabeça e murmurou: ―Terrível!‖, e sentou-se, carrancudo. ―Certamente, essas coisas são terríveis‖, eu disse a Goering quando ele se virou para mim. ―Sim, eu sei‖, replicou ele, olhando nervosamente em volta da sala da Corte. ―E posso ver que o povo alemão será condenado para sempre por causa dessas brutalidades. Mas, essas atrocidades eram tão incríveis, mesmo em menor número conforme tínhamos ouvido, que era fácil nós nos assegurarmos que todas essas histórias seriam mera propaganda. Himmler tinha seus psicopatas escolhidos para realizar essas coisas, e isso foi mantido em segredo para o resto de nós. Mas eu nunca teria suspeitado isso dele. Ele não parecia ser do tipo assassino. Você é um psicólogo, você deve saber. Eu não posso explicar.‖

(*) Perseguição, assassinato e saque aos judeus em várias cidades (NT).


26 O promotor Jackson continuou citando os crimes na condução da guerra: o assassínio de prisioneiros de guerra e de reféns; o saque dos tesouros artísticos nos países ocupados; o emprego do trabalho escravo e a forme; a guerra contra populações civis baseada na ideologia de ―raça superior‖. Finalmente, resumindo os aspectos morais e legais do julgamento, ele declarou: ―A verdadeira parte queixosa neste tribunal é a Civilização. Em todos os nossos países, o assunto ainda é conflitante e imperfeito. Não se demanda aos Estados Unidos, ou a qualquer outro país, não ter culpa das condições que tornaram o povo alemão vítima fácil das bajulações e intimidações dos conspiradores nazistas. Mas aponta para a terrível sequência de agressões e crimes que já citei, aponta para o uso da luxúria, para o esgotamento dos recursos e para a destruição de tudo que era belo ou útil em todo o mundo, e para as grandes possibilidades de destruição em dias vindouros. O refúgio dos réus pode ser só sua esperança de que o direito internacional se arraste bem atrás do sentido moral da humanidade que leve a que o que é crime no sentido moral deve ser visto como inocência na lei. Desafiamos essa proposição.

À noite na prisão Cela de Fritzsche: Ao fim da sessão da tarde, Fritzsche estava tão pálido que o coronel Andrus o questionou sobre sua saúde. Ele disse que estava bem. À noite, eu o encontrei andando de um lado para o outro em sua cela, claramente pálido de raiva. ―Estou furioso!‖, exclamou. ―É o intolerável abismo entre Scylla e Charybdis (*). A questão da guerra de agressão, de um lado, e as vergonhosas atrocidades, de outro. Como ousam eles nos acusar de uma conspiração com malícia pré-concebida e de dizer ‗Alemanha, desperta! Judeus , morram!‘ Creia-me, não estou questionando por minha vida, não dou nada por ela. Mas não usem esse aparato legal gigante apenas para propaganda. Advogo inocência para as acusações formuladas. Porém, reconheço que fiz asneiras, que fui logrado e enganado pela máquina assassina de Himmler, mesmo quando tentei averiguar... Não dou nada por minha vida, mas isso é uma desgraça, uma terrível desgraça!‖ ―O que você quer dizer é que está preparado para morrer pelos erros da Alemanha, mas não como um criminoso que astutamente planejou e cometeu assassínio em massa?‖ ―Exatamente. É exatamente isso. E isso vale para todo o povo alemão, concentrado em minha insignificante pessoa como um dos seus símbolos. É claro, alguém tem que responder por isso. Mas, deixem-nos explicar a nossa posição ao mundo, pois pelo menos não morrerremos sob esse terrível peso da vergonha.‖ Assegurei-lhe que ele teria bastante tempo para declarar a sua posição. Ele ficou bastante surpreso e aliviado quando soube que provavelmente as sessões de acusação e defesa seriam estendidas e que cada réu teria uma oportunidade justa para se defender. Ele tinha a impressão de que seriam empregadas táticas de pressão para lhes jogar em cima todas as acusações, e então simplesmente colocá-los frente ao pelotão de fuzilamento sem qualquer defesa.


27 (*) Monstros mitológicos, citados na Odisséia de Homero, que se punham em lados opostos no Estreito de Messina ameaçando os navegantes com seus terríveis poderes (NT). Respondi que os povos aliados não aceitariam tais táticas, e que nem os juízes nem a promotoria tinham a intenção de enfrentar o público e a História com tal registro. Ele ficou realmente aliviado. Pensava que seriam executados no Natal. Cela de Streicher: Perguntei a Streicher, de ―homem para homem‖, se ele não ficou receoso de ter preparado o caminho para a perseguição e o assassínio em massa com a Hetzpropaganda (incitamento das massas), assunto tratado na sessão da tarde. ―Eu não preparei o caminho para essas coisas‖, protestou ele. ―Por que não houve assassinatos entre 1919 e 1934, se esse fosse o caso? Tudo foi feito por Himmler. Desaprovo o assassinato. Por isso que eu não pude matar minha mulher e me suicidar quando estávamos no Tirol ao fim da guerra. Decidi que teria de carregar a minha cruz‖. ―Mas por que você publicou todas aquelas obscenidades sexuais sobre os judeus?‖, perguntei. ―Eu, obscenidades?‖, respondeu, com os olhos brilhando. ―Porque está tudo no Talmud. Os judeus são uma raça de circuncidados. José não cometeu Rassenschande (poluição racial) com a filha do Faraó? E quanto a Lot e suas filhas? O Talmud está repleto dessas coisas. Eles agora estão me crucificando‖, disse, confidencialmente. ―Posso até dizer: três dos juízes são judeus.‖ ―Como você pode dizer isso?‖ ―Posso reconhecer o sangue. Três deles ficam desconfortáveis quando eu olho para eles. Eu posso dizer. Estudei raças durante vinte anos. A estrutura do corpo mostra o caráter. Sou uma autoridade no assunto. Himmler pensava que ele é que era, mas ele não sabia nada sobre isso. Ele tinha sangue de negro.‖ ―É verdade?‖ ―Oh, sim‖, ele riu, triunfante. ―Eu poderia dizer isso pelo formato de sua cabeça e pelos cabelos. Posso reconhecer o sangue.‖ Embora seu discernimento e sentido de orientação estivessem aparentemente normais, ele me deu a impressão, pela primeira vez, de que sua intolerância fanática beirava a paranóia. 23 de novembro Sessão da manhã: O major Wallis descreveu como Hitler e Goebbels, após usarem com sucesso a propaganda para ―conquistar as massas‖, utilizaram sua máquina de propaganda para ―preparar psicologicamente o terreno para a ação política e agressão militar‖. Todas as atividades educacionais, de informação e culturais foram concentradas sob o controle de Hitler. Goebbels foi incumbido da propaganda oficial e a do Partido. Rosenberg especializou-se em promover as políticas raciais e ideológicas, enquanto von Schirach inculcava as doutrinas nazistas na juventude alemã. Hora do almoço: Frank dizia a alguns companheiros que sua esposa lhe havia escrito, contando que tinha mandado as crianças pedir pão nas ruas. De


28 repente, ele virou-se para Rosenberg: ―Diga-me, Rosenberg, toda essa destruição e miséria foram necessárias? Qual foi o real sentido dessa política racial?‖ Rosenberg ficou em silêncio, enquanto Frank, Fritzsche e von Schirac expressavam seu desespero pela ruína da nação alemã, insinuando que a responsabilidade era da política racial. Finalmente, Rosenberg disse: ―Claro que não esperávamos que isso levasse a coisas terríveis como o assassínio em massa e guerra. Eu só estava procurando uma solução pacífica para o problema racial‖.

26 de novembro Planos para a guerra de agressão Sessão da manhã: Mr. Alderman leu o fatídico ―Memorando Hoszbach‖ com a transcrição de um pronunciamento secreto de Hitler, definindo seus planos agressivos para Goering, von Blomberg, von Fritzsche, Raeder e von Neurath, em 5 de novembro de 1937. Ao discorrer sobre as várias possibilidades em suas agressões planejadas, Hitler afirmou em um trecho, conforme registrado (em memorando) pelo seu ajudante Hoszbach: ―A política alemã deve considerar em parte dois odiosos inimigos, a Inglaterra e a França, para quem um colosso alemão forte no centro da Europa seria intolerável... ―Para o progresso da nossa posição político-militar, conquistar simultaneamente a Tchecoslováquia e a Áustria deve ser nosso primeiro objetivo, em caso de nos emaranharmos em uma guerra, a fim de afastar qualquer ameaça nos flancos em um possível avanço para Oeste... Uma vez conquistada a Tchecoslováquia, e obtida uma fronteira recíproca alemãhúngara, então podemos contar mais facilmente com a atitude neutra da Polônia em um conflito entre a Alemanha e a França. Nossos acordos com a Polônia são válidos somente enquanto o poder da Alemanha não for ameaçado... O Führer acredita pessoalmente que, com toda a probabilidade, a Inglaterra e talvez a França intimamente já deram a Tchecoslováquia como perdida... Naturalmente, devemos em qualquer caso proteger nossas fronteiras durante as operações de ataque contra a Tchecoslováquia e a Áustria... Se a Alemanha se beneficiar dessa guerra resolvendo as questões da Tchecoslováquia e da Áustria, deve-se adotar a probabilidade da Inglaterra, em guerra contra a Itália, decidir não iniciar as operações contra a Alemanha... Em vista da informação dada pelo Führer, o Generaloberts Goering considerou imperativo pensar na redução ou abandono do nosso empreendimento militar na Espanha.‖ Hora do almoço: Vários réus expressaram estupefação com esse documento revelando a concepção de Hitler sobre a política de poder. Jodl disse que não teve conhecimento disso à época. Uma das coisas que o impressionaram no documento foi se superestimar a importância da Itália. Seyss-Inquart também disse que nunca pôde entender a avaliação de Hitler quanto à Itália. Ele sempre chamava os italianos de ―peixinhos‖. Com relação ao Memorando Hoszbach, disse: ―Se eu soubesse em 1937 que ele (Hitler) havia feito tal declaração, certamente eu teria pensado duas vezes antes de prosseguir.‖


29 Von Schirach achou que o documento era um ―amontoado de loucura política‖. Frank disse: ―Esperem até os alemães lerem e verem o tipo de diletantismo com o qual o Führer selou seus destinos!‖. Goering não estava gostando da conversa e cortou; ―Ora, bobagens! O que dizer dos americanos terem roubado a Califórnia e o Texas? Aquilo também foi uma verdadeira guerra de agressão para expansão territorial!‖. Ribbentrop, com a aparência quase que desgrenhada, sacudiu tristemente a cabeça quando lhe perguntei se ele tinha conhecimento daquela declaração política. ―Não, ele nunca me contou sobre isso. Mais uma vez eu lhe digo, Herr Doktor, se os aliados nos tivessem dado uma chance no Tratado de Versalhes, vocês nunca teriam ouvido falar de Hitler.‖ Fritzsche admitiu que o documento jogou uma luz diferente no caso. ―Agora posso ver que há uma questão de conspiração, e eu terei que modificar a minha posição em relação à acusação.‖ Sessão da tarde: Mr. Alderman descreveu o passo seguinte na planejada agressão nazista, após a Áustria e a Tchecoslováquia terem sido tomadas. Um documento de um ajudante de Hitler, Schmundt, registrava outra decisão direta de Hitler sobre a guerra de agressão em outra reunião secreta, em 23 de maio de 1939, com as presenças de Goering, Keitel e Raeder. Após falar de Lebensraum (espaço vital), o documento continua citando Hitler: ―A unidade política nacional dos alemães foi alcançada, fora pequenas exceções.‖ (Neste ponto, Mr. Alderman intercalou: ―Suponho que estas estivessem nos campos de concentração.‖) ―Sucessos posteriores não podem ser obtidos sem o derramamento de sangue... Não há dúvidas, portanto, quanto a poupar a Polônia, e temos uma decisão: atacar a Polônia na primeira oportunidade... Se houvesse uma aliança entre a França, Inglaterra e Rússia contra a Alemanha, Itália e Japão, eu seria obrigado a atacar a Inglaterra e a França com alguns golpes aniquilantes... Embora sob protestos, Bélgica e Holanda render-se-ão à pressão...‖. Tendo feito as preparações para a guerra, Hitler reuniu seus líderes militares em 22 de agosto de 1939 em Berchtesgaden e explicou-lhes que a guerra estava chegando e que ele estava agora pronto para atacar, como um outro documento mostrava: ―Eu darei uma causa propagandística para começar a guerra, não importa se for plausível ou não. O vencedor não deverá ser questionado, mais tarde, quer contemos a verdade ou não. Deflagrada a guerra, nenhum direito importa, a não ser a vitória.‖ Lá para o fim do dia, Frank me passou uma anotação, descrevendo uma ―visão apocalíptica‖ que havia tido no banco dos réus enquanto ouvia a leitura do último documento. Estava intitulado ―Hitler em 22 de agosto de 1939‖ e dizia: ―Sentamos em lugar oposto à Corte. E silenciosamente o trem da morte segue sem parar. Está intacto. Pálida e exangue, sem som, na luz sombria amarelo-cinza da eternidade, essa corrente de miséria flui. Tudo, tudo se move sem pausa, encoberto por uma névoa sombria, açoitada pelas chamas da agonia da humanidade ─ aqui ─ ali ─ acolá ─ sem parar, e não há fim à vista... Os seres humanos arrancados da vida nesta guerra são a pilhagem mais horrenda da Morte, enfurecendo-se com ódio e destruição ─ jovens e velhos, crescimento e existência, orgulho e humildade... Lá vão eles, poloneses, judeus, alemães, russos, americanos, italianos, todas as nacionalidades,


30 sangrando e se despedaçando por aí. E uma voz grita: ‗Esta guerra deve vir, pois ela virá enquanto eu viver‘ Ah! O que Tu tens sofrido com o que tem ocorrido, Deus Todo-Poderoso!‖

29 de novembro Exibição do Filme das Atrocidades Sessão da tarde: Goering, Ribbentrop e Hess riram quando foi lida a transcrição da conversa por telefone entre Goering e Ribbentrop, no dia da triunfal entrada de Hitler em Viena, descrevendo a coisa toda como uma farra, com pássaros cantando etc. Mas, a hilaridade no banco dos réus cessou repentinamente quando o Comandante Donovan anunciou a exibição de um filme-documentário sobre os campos de concentração nazistas como eles foram encontrados pelas tropas americanas. (Kelley e eu nos colocamos em ambas as extremidades do cercado onde os réus estavam e observamos os prisioneiros durante o desenrolar do filme. Abaixo, seguem as anotações que fiz rapidamente durante a exibição, a intervalos de um a dois minutos.) Schacht se recusou a ver o filme quando eu pedi para que se virasse; cadeiras viradas, braços cruzados, olhos na galeria... (O filme começa). Frank balança a cabeça, reconhecendo a autenticidade já na introdução... Fritzsche (que ainda não havia assistido a nenhuma parte antes) mostra-se pálido e fica espantado quando começam as cenas de prisioneiros queimados vivos em um galpão... Keitel enxuga a testa e tira os fones do ouvido... Hess olha espantado para a tela, parecendo um vampiro de olhos fundos sobre a um abajur de pé... Keitel coloca os fones no ouvido, olha para a tela pelo canto do olho... Von Neurath mantém a cabeça curvada, não olha... Funk cobre os olhos, parece em agonia, balança a cabeça... Ribbentrop fecha os olhos, parece estar longe... Sauckel esfrega a testa... Frank engole em seco, pisca os olhos, tentando segurar as lágrimas... Fritzsche observa intensamente com a testa franzida, grampeado na ponta da cadeira, evidentemente em agonia... Goering se debruça na grade, não olhando na maior parte do tempo, parecendo desalentado... Funk resmunga alguma coisa... Streicher observa, imóvel, às vezes de soslaio... Funk agora chora, assoa o nariz, enxuga os olhos, olha para o chão... Frick balança a cabeça ao ser mostrada uma ―morte violenta‖... Frank murmura: ―Horrível!‖... Rosenberg se agita, olha a tela, curva a cabeça, olha para ver como os outros estão reagindo... Seyss-Inquart permanece impertubável... Speer observa triste, engole em seco... Os advogados de defesa conversam baixo: ―Pelo amor de Deus ─ terrível!‖... Raeder assiste sem se mexer... Von Papen põe a mão na testa, olhando para o chão, ainda não se virou para a tela... Hess continua parecendo desnorteado... Pilhas de cadáveres são mostradas em um campo de trabalho escravo... Von Schirach assiste atentamente, respira com dificuldade, sussurra alguma para Sauckel... Funk chora agora... Goering parece triste, apoiado nos cotovelos... Doenitz está de cabeça arriada, não assiste mais... Sauckel estremece numa cena do forno crematório de Buchenwald... Quando é mostrado um abajur feito com pele humana, Streicher diz: ―Não acredito nisso!‖... Goering tosse... Os advogados ofegam... Agora, Dachau... Schacht ainda não assiste... Frank balança a cabeça amargamente e diz: ―Horrível!‖... Rosenberg, ainda impaciente, apóia-se à frente, olha ao redor, chega para trás, abaixa a


31 cabeça... Fritzsche, pálido, mordendo os lábios, parece realmente estar em agonia... Doenitz tem a cabeça enterrada nas mãos... Keitel agora abaixa a cabeça... Ribbentrop olha para a tela quando um oficial britânico começa a falar, contando que tinha enterrado 17 mil corpos... Frank rói as unhas... Frick balança a cabeça, incrédulo, quando uma médica descreve os tratamentos e experiências feitos em prisioneiros em Belsen... Quando Kramer(*) aparece, Funk diz com a voz abafada: ―O porco sujo!‖... Ribbentrop aperta os lábios e pisca os olhos, não olhando para a tela... Funk chora copiosamente, põe a mão sobre a boca quando os corpos despidos de mulheres são jogados no fosso... Keitel e Ribbentrop levantam os olhos quando é mencionado um trator empurrando corpos, observam, depois pendem as cabeças... Streicher apresenta sinais de perturbação pela primeira vez... O filme acaba. Após a exibição, Hess observou: ―Eu não acredito nisso!‖ Goering diz para ele ficar quieto, já completamente despido de sua afetação. Streicher diz algo como ―talvez, nos últimos dias.‖ Fritzsche devolve, com desdém: ―Milhões? Nos últimos dias? Não!‖ Faz-se um melancólico silêncio quando os prisioneiros saem da sala da Corte em fila. À noite na prisão Imediatamente, descemos ao bloco das celas para conversar com os réus individualmente. O primeiro foi Fritzsche. Logo que a porta foi fechada e começamos a conversar, ele caiu em prantos, soluçando amargamente. ―Nenhum poder no Céu ou na Terra apagará essa vergonha do meu país! ─ não o fará em gerações, nem em séculos.‖ Ele se sacudia com os soluços, apertando os pulsos na testa, suspendendo a respiração só o bastante para dizer: ―Desculpe-me por perder o controle ─ mas eu tive de sentar lá e me segurar por toda uma hora!‖ Perguntamos se ele necessitava de algumas pílulas para dormir e ele respondeu: ―Não, para que? Seria apenas covardia drogar essa coisa na minha consciência.‖ Von Schirach parecia bem composto, mas disse: ―Não sei como alemães puderam fazer tais coisas.‖ Frick ensaiou algumas tentativas frágeis de argumentação: ―Suponho que o desmantelamento das comunicações nos últimos meses ─ o bombardeio e a confusão ─ eu não sei.‖ Então, ele mudou de assunto e perguntou se não iria dar sua caminhada diária. Funk estava depressivo e chorou logo que perguntamos como ele havia sido afetado pelo filme. ―Horrível, horrível!‖, repetia, com a voz embargada. Quando perguntamos se precisaria de pílulas para dormir, ele soluçou: ―Para quê? Para quê?‖ Streicher admitiu, sem aparentar qualquer sentimento, que o filme foi terrível, e então perguntou se os guardas não poderiam ficar mais quietos à noite para ele poder dormir. Speer não demonstrou efeitos emocionais exteriores, mas disse que estava mais que resolvido a admitir a responsabilidade coletiva da liderança do Partido e absolver da culpa o povo alemão.

(*) Josef Kramer, comandante do campo de Bergen-Belsen (NT)


32 Frank estava extremamente deprimido e agitado. Logo que mencionamos o filme, ele começou a chorar de vergonha e raiva. ―Pensar que vivemos como reis e acreditamos naquela besta! Não deixem ninguém lhe dizer que não tinha conhecimento! Todo mundo sentia que havia algo horrivelmente errado com esse sistema, mesmo sem saber de todos os detalhes. Eles não queriam saber! Era confortável demais viver no sistema, manter nossas famílias no regime de realeza e acreditar que estava tudo correto. Vocês nos tratam muito bem‖, disse ele, apontando para a comida na mesa, que não tinha sido tocada. ―Seus prisioneiros e o nosso próprio povo morreram de fome em nossos campos. Que Deus tenha misericórdia de nossas almas. Sim, Herr Doktor, o que eu lhe disse era absolutamente correto. Este julgamento foi o desejo de Deus. Eu estava tentando ser compreensivo para com os outros quando juntos viemos para cá, mas acabou, eu sei o que tenho a fazer...‖ Ele ficou mais solene com a última frase. Perguntamos se ele precisava de algo para dormir. Balançou a cabeça e disse: ―Não, obrigado. Se não puder dormir, vou rezar...‖. Não havia dúvidas sobre sua sinceridade. Seyss-Inquart admitiu: ―Isso atinge a gente. Mas eu posso me segurar‖. Ainda tremendo de emoção, Doenitz disse, parte em inglês, parte em alemão: ―Como eles podem me acusar de ter conhecimento de tais coisas? Eles me questionaram por que não fui a Himmler para checar os campos de concentração. Que absurdo! Ele teria me expulsado, assim como eu o teria feito se ele viesse investigar a Marinha! Em nome de Deus, o que tive a ver com essas coisas? Foi só por sorte que ascendi a tão alto cargo, e eu não tinha nada a ver com o Partido.‖(*) Perguntamos a von Papen por que ele não assistiu ao filme. ―Eu não quis ver a vergonha alemã‖, admitiu Sauckel estava completamente nervoso. Com a face contorcida, ele tremia da cabeça aos pés. Estirou os dedos das mãos e gritou, com o olhar selvagem: ―Eu me enforcaria com essas mãos se eu achasse que tinha qualquer coisa a ver com aqueles assassinatos. É uma vergonha! É uma desgraça para nós e para nossos filhos ─ e para os filhos dos nossos filhos!‖ Schacht estava fervendo de indignação. ―Como eles ousam me obrigar a sentar lá com aqueles criminosos e me fazer ver um filme sobre as atrocidades nos campos de concentração? Eles sabem que eu fui um inimigo de Hitler e acabei eu mesmo num campo de concentração! É imperdoável!‖ Von Neurath estava um tanto confuso, não tinha muito a dizer. Apenas falou que não estava no poder quando tudo aquilo aconteceu. Raeder disse que ouvira muito pouco se falar antes sobre campos de concentração. Apenas soube de três deles quando se empenhou para tirar alguns amigos de lá. Jodl estava calmo, mas evidentemente comovido. ―É chocante. Acreditemme, a vergonha de tudo isso é que a maioria dos jovens alistou-se no partido por motivos idealísticos.‖

(*) Doenitz não foi indiciado na Acusação 4 (NA). Keitel estava jantando logo após ter voltado de uma reunião com seu advogado. Parecia ter esquecido o filme, até que o mencionamos. Ele parou de comer e disse com a boca meio cheia: ―É terrível. Quando vejo essas coisas,


33 me envergonho de ser alemão! Foram aqueles porcos imundos das SS! Se eu tivesse sabido disso teria dito a meu filho: ‗Prefiro matá-lo a deixá-lo entrar para as SS.‘ Mas eu não sabia. Nunca mais vou ser capaz de encarar as pessoas de novo.‖ Hess parecia confuso, resmungando: ―Não compreendo, não compreendo‖. Ribbentrop tremia visivelmente as mãos, completamente perturbado. ―Hitler mesmo não poderia assistir a este filme. Eu não compreendo. Não acho também que Himmler tivesse ordenado aquelas coisas. Eu não entendo...‖ Rosenberg estava mais nervoso do que o habitual. ―É horrível, mesmo se os russos fizeram a mesma coisa ─ terrível, terrível, terrível.‖ Eu frisei a sua responsabilidade ao formular a Rassenpolitik (política racial) nazista. ―Oh, não se pode explicar isso com base na Rassenpolitik‖, respondeu defensivamente, ―porque muitos alemães também foram mortos. Isso apenas enfraquece toda a nossa defesa.‖ Quanto a Goering, estava aparentemente perturbardo porque haviam estragado o seu show. ―Foi uma ótima tarde, até que exibiram aquele filme. Eles estavam lendo a transcrição das minhas conversas ao telefone sobre o caso da Áustria, e todos estavam rindo comigo. E então, eles exibiram aquele filme terrível, e estragaram tudo.‖

30 de novembro O testemunho de Lahousen e a memória de Hess Sessão da manhã: O general Lahousen, membro sobrevivente das fileiras da Abwehr (contra-inteligência), depôs hoje, fazendo Ribbentrop, Keitel, Jodl e muitos outros se retorcerem. Sua presença e seu testemunho foram um choque para todos os réus, que souberam pela primeira vez do movimento de resistência da Abwehr e ouviram um dos seus próprios generais denúnciar a guerra de agressão de Hitler. Interrogado diretamente pelo coronel Amen, o general Lahousen descreveu como ele havia participado de um movimento subterrâneo na Abwehr, liderado por seu chefe, o almirante Canaris. O objetivo era impedir os planos de Hitler para uma guerra de agressão, se possível, e, se isso falhasse, frustrar possíveis resultados favoráveis ou se livrar de Hitler. Adiante, descreveu os papéis de Goering, Keitel e Jodl no planejamento, junto com Hitler, do bombardeio de Varsóvia e da eliminação da intelligentzia, da nobreza, do clero e dos judeus da Polônia. Para criar um ―incidente‖ e provocar o ataque planejado à Polônia, Himmler conseguiu uniformes poloneses e os vestiu em internos de campos de concentração, que foram fuzilados quando ―atacavam‖ a estação de rádio de Gleiwitz, fazendo parecer assim uma ―agressão‖ polonesa. Hora do almoço: Goering estava colérico. ―Aquele traidor! É um dos que esquecemos no 20 de julho(*). Hitler estava certo, a Abwehr era uma organização traidora! Como vocês gostaram disso! Não admira que nós tenhamos perdido a guerra. Nosso próprio Serviço de Inteligência estava vendido ao inimigo!‖ Ele falava bastante alto, meio virado para mim, mas obviamente anunciando a ―linha do Partido‖ quanto ao testemunho de Lahousen. (*) Durante o expurgo que se seguiu à tentativa de assassinato de Hitler, em 20 de junho de 1944 (NA).


34 ―Bem, as opiniões podem diferir‖, disse eu, ―mas parece só uma questão do testemunho ser ou não verdadeiro.‖ ―Como pode ser bom o testemunho de um traidor? Ele deveria ter se ocupado em me fornecer relatórios precisos sobre os resultados de nossas missões de bombardeio em vez de sabotar os nossos esforços de guerra. Agora eu sei o porquê de eu nunca poder depender dele para informes precisos. Espere apenas eu fazer a ele uma pergunta: ‗Por que você não renunciou ao cargo se estava convencido de que a vitória alemã seria uma tragédia?‘ Espere até eu ter uma chance com ele.‖ Jodl assumiu uma posição mais filosófica: ―Se ele estava convencido disso, tudo bem, mas ele deveria ter dito alguma coisa e não trair sua honra de oficial. Eles estão sempre me perguntando sobre o que eu faria se soubesse dos planos de Hitler. Eu teria dito alguma coisa, mas não teria agido desonrosamente.‖ ―Bem, me parece que houve uma disputa entre consciência e dever, e esse homem seguiu a consciência‖, disse eu. ―Ora, mas não se pode fazer essas coisas. Um oficial deve seguir ordens ou se demitir.‖ Keitel estava de acordo, embora claramente perturbado pela evidência danosa. ―Aquele homem estava lendo um texto preparado! Vou falar com meu advogado.‖ Eu lhe disse que não achava que fosse um texto preparado e, de qualquer maneira, era uma questão de veracidade do testemunho. Ele voltou ao argumento da ―honra de oficial‖, sem muito sentido. Conversei com Lahousen mais tarde e ele observou: ―Agora, eles falam de honra, após milhões terem sido assassinados! Sem dúvida, é desagradável para eles terem alguém que possa se levantar e jogar em seus rostos essas verdades desconfortáveis. Eu tive de falar por aqueles a quem eles mataram. Eu fui o único que sobrou.‖ Sessão da tarde: Lahousen respondeu a todas as questões com um vigor dramático. Ele descreveu como as ordens para o assassínio em massa de comunistas e judeus foram dadas e executadas na guerra contra a Rússia. Isso envolveu tanto o fuzilamento de prisioneiros de guerra (POW) como de civis pelas SS, Gestapo e por grupos de ação especial. Os maus tratos a prisioneiros resultavam em epidemia, inanição e canibalismo. Foram feitas queixas a Keitel sobre as condições nos campos de prisioneiros de guerra, mas as execuções estavam sob a jurisdição da RSHA(*) de Himmler, da qual Kaltenbrunner era o chefe. Um outro pequeno incidente envolveu uma ordem de Keitel para prender e matar o fugitivo general Giraud, por desejo de Hitler. Lahousen e Canaris sabotaram essa ordem, através de um ardil inteligente, aproveitando a morte de Heydrich. (No recesso do meio da tarde, Ribbentrop passou a seu advogado algumas questões, mas este último disse: ―Não vamos fazer tantas perguntas, ele vai devolvê-las em nossa cara com mais informações prejudiciais.‖ ―Bem, deixe de fora o que você pensa que seja prejudicial‖, respondeu Ribbentrop, nervoso.)

(*) Quartéis-Generais de Segurança, que incluíam a Gestapo e escritórios a ela ligados (NA).


35 No início da tarde, a Corte foi suspensa para a realização de uma sessão especial fechada para se decidir se Hess teria ou não capacidade para se defender. Quando os outros réus saíram da sala, fui conversar com Hess. Disse-lhe que provavelmente ele seria considerado incapaz para se defender e que era provável que ele não viesse mais à sala da Corte. Entretanto, disse-lhe que eu desceria de vez em quando para vê-lo em sua cela. Ele pareceu perturbado com isso e respondeu que era capaz de fazer sua defesa. O advogado de defesa de Hess, o Dr. Rorscheidt, argumentou com o Tribunal que Hess não estava capacitado para se defender em razão de sua amnésia. De repente, Hess escreveu um bilhete e passou-o ao guarda para que fosse entregue ao seu advogado, porém este o ignorou. A promotoria argumentou que Hess era capaz de se defender, uma vez que os psiquiatras não o tinham considerado insano. Após cerca de uma hora e meia de discussão, Hess jogou uma bomba na sala da Corte ao declarar: ―Minha memória está em ordem. As razões por que simulei a perda da memória foram táticas. Na verdade, somente a minha capacidade de concentração é que está levemente afetada... Até agora, nas conversas com o meu advogado, eu mantive a minha perda de memória. Portanto, ele agiu de boa fé quando afirmou que eu havia perdido a memória.‖ A sessão foi suspensa em meio a um pandemônio. Quando encontrei mais tarde o Dr. Rorscheidt no hall, ele estava completamente perplexo, sem saber se seu cliente blefara antes ou durante o julgamento. Quando Kelley e eu fomos ver Hess depois em sua cela, sua memória estava perfeitamente em ordem e ele pôde responder a questões sobre sua prisão, seu voo à Inglaterra, seu papel no partido e até mesmo sobre a sua juventude. 1º de dezembro Antes do início da sessão, Kelley e eu visitamos alguns réus no bloco de celas para contar-lhes sobre o repentino restabelecimento da memória de Hess. A princípio, Goering ficou incrédulo, mas depois riu deliciado pelo que ele tomou como sendo uma piada de Hess para com a Corte e os psiquiatras. Ele não estava certo se a volta da memória era genuína, mas desejou ter estado lá para gozar a cena e ver a cara dos juízes e promotores. Von Schirac recebeu a notícia com o olhar espantado: ―Bem, é o fim da psicologia científica.‖ Dissemos a ele para esperar e ver, não se poderia dizer que surpresas a história de Hess provocaria mais tarde. Ribbentrop ficou completamente aturdido: ―Você fala de Rudolf Hess, o nosso Hess? É incrível!‖ Já no banco dos réus, Goering perguntou a Hess se ele realmente havia fingido e se se lembrava de todos os detalhes do seu voo para a Inglaterra. Hess contou os detalhes com prazer, vangloriando-se de sua habilidade da decolagem, saltando cercas, voando por instrumentos e descendo de paraquedas. ―Sim, sim, eu voo por instrumentos também‖, disse Goering. ―De que altura você pulou?‖ Hess jactou-se de que foi um tanto baixa, cerca de 200 metros. Aos poucos, Goering parou de apreciar a pilhéria da ―falsa amnésia‖ ao verificar que agora o centro das atenções era Hess, que, de sua parte, estava gostando imensamente.


36 1º e 2 de dezembro Fim de semana na prisão Cela de Hess: Hess mostrava-se alegre, muito satisfeito consigo mesmo por ―ter feito todos de bobo‖. Ele disse que teria feito melhor os testes psicológicos se tivesse se esforçado mais. Pelo menos o faria um pouco mais rápido. A repetição dos testes de QI mostrou um aumento genuíno na capacidade de memória e uma ligeira melhora nas outras partes, aparentemente atribuível à melhor atenção e ao esforço, além do efeito prático da repetição. Entretanto, ainda insistiu em alguns mesmos erros e deu as mesmas respostas imperfeitas anteriores, de sorte que seu protesto de que poderia ter se saído muito melhor não vingou. Durante o exame, mencionei o que Hitler dissera quando ele voou para a Inglaterra, para verificar a sua reação à declaração do Führer de que ele, Hess, estava louco. Hess se irritou: ―Não sei o que ele disse e não quero saber! Não me interessa!‖ Então, riu como que se desculpando pela resposta brusca à questão. Continuamos os testes, e mais tarde comentei casualmente que em algumas ruas o seu nome havia sido mudado. ―Sim, os nomes foram mudados, até mesmo o hospital, que teve o nome alterado.‖ Perguntei-lhe como ele sabia disso e ele, rapidamente, tentou disfarçar: ―Oh, eu não sei com certeza, eu suponho, teria sido lógico em vista das circunstâncias.‖ Mais tarde, eu o lembrei do que eu tinha dito antes da audiência, que ele poderia não mais voltar à Corte. ―Sim, por isso decidi que era hora de acabar com o jogo.‖ Este relato dá uma pista para a sua reação histérica a uma ideia que seria catastrófica ao seu ego: rejeitado como louco pelo Führer, ele procura refúgio na amnésia; e, então, sai dela para evitar a mesma rejeição por parte de seus antigos amigos. Perguntei-lhe como se sentia quanto à destruição de cidades alemães. Ele pareceu não saber dos detalhes, mas teve uma típica reação de racionalização-rejeição: ―Ora, aqueles velhos prédios... há muito tempo que eles já estavam destruídos; de qualquer maneira, eles teriam caído em pouco tempo.‖ Cela de Fritzsche: Fritzsche disse que tinha se recuperado em parte do estado de choque em que o filme o havia lançado. Na sexta-feira e no sábado, ele havia ficado desorientado demais para dar qualquer opinião em sua defesa. Confidenciou que aqueles foram os primeiros dias em sua vida em que não pôde rezar. Ainda parecia bastante deprimido, e balançava tristemente a cabeça quando se referia ao filme: ―Foi além da minha mais fantástica imaginação.‖ Ele mostrou interesse na ordem dos QIs e eu lhe contei quem eram os primeiros seis ou oito da relação, e descrevi a curva de crescimento e declínio mentais. Discutimos a resistência à ―frente de Goering‖. Ele disse que nem mesmo Ribbentrop estava certo em apoiar, como Goering poderia imaginar. Von Schirach ainda se mostrava vacilante, mas tinha certeza de que o filme teve um efeito devastador nos cínicos. ―Gostaria de saber qual é o jogo de Goering agora, o que ele pode dizer sobre isso‖, questionou Fritzsche. ―Aparentemente, o filme arruinou a sua representação por um dia‖, respondi, ―mas ele tinha declarado que ainda apoiava o Führer, e parece que ainda está fazendo o jogo de mártir e cínico.‖ Fritzsche apenas sacudiu a cabeça.


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Cela de Keitel: Keitel estava evidentemente perplexo após o testemunho nocivo de Lahousen. Ele parecia muito acanhado quando gaguejou sua reação sem que eu tivesse mencionado o assunto. ―Não sei o que dizer... sobre o caso Giraud. Bem, eu sabia que viria à tona, mas o que posso dizer? Sei como um oficial e cavalheiro como você deve estar pensando — (macht sich Gedanken) —, são coisas que agridem minha própria honra como oficial. Não me importo se me acusam de iniciar a guerra, estava apenas cumprindo o meu dever e seguindo ordens. Mas, essas histórias de assassinato... não sei como fui me envolver com isso...‖ (Ele não negou a história, porém evidentemente referia-se mais às conspirações para assassinar dois membros da ―honorável profissão militar‖ como prejudiciais aos valores do seu ego do que à sua participação na condução de uma guerra mundial.) Cela de Frank: Frank estava em profunda meditação, mas recebeu bem a nossa visita. Mencionou a ―visão‖ que havia anotado no papel e me passado outro dia na sala da Corte. ―E você sabe o que aconteceu depois?‖, perguntou numa espécie de êxtase místico. ―Foi terrível demais para ser descrito! Porque então Hitler apareceu na visão, justamente lá no tribunal, e disse: ‗Você jurou fidelidade a mim até a morte. Venha!‘. Não é fantástico?‖ Ele descreveu com um fervor tão dramático e em reservada confiança que eu quase suspeitei de alucinação. ―Quer dizer que você estava pensando nisso no tribunal?‖, testei. ―Sim, foi a imagem que me veio à mente naquele dia, e foi tão forte que escrevi no papel. Achei que interessaria a você, psicologicamente.‖ Sua maneira de responder dispersou quaisquer dúvidas sobre sua orientação normal. Continuamos a conversar sobre a reação geral ao julgamento. ―Você sabe‖, ele disse, ―eles ainda não veem o que está acontecendo. Veja Goering, por exemplo. Outro dia estávamos fazendo a caminhada juntos. Ele parou e olhou para mim, esperando que eu desse a volta por trás dele e ocupasse meu lugar apropriado, à sua esquerda, porque ele é oficial superior. Imagine se, mesmo agora na prisão, eu me incomodaria com ele?‖ Cela de Speer: Speer estava calmo, concentrado e completamente resignado a sofrer a pena de morte por culpa coletiva. Não parecia deprimido, mas, antes, desdenhoso dos esforços que os líderes militares faziam para salvar os seus pescoços, enquanto tudo o mais o convencia de que a culpa era partilhada.

6 de dezembro Os Apelos para Impedir a Guerra Sessão da noite: Mr Griffith-Jones, da delegação britânica, descreveu inicialmente como Hitler e Ribbentrop falavam de paz enquanto planejavam a guerra. Então, ele leu os apelos de última hora feitos pela França e Inglaterra em 1939, implorando e advertindo Hitler para não atacar a Polônia. Em 22 de agosto de 1939, enquanto Hitler concluía seu Pacto de NãoAgressão com a Rússia e secretamente ordenava seus líderes militares a atacar a Polônia, Chamberlain escreveu: ―Qualquer que seja a natureza do Acordo Alemão-Soviético, não pode alterar a obrigação da Grã-Bretanha para


38 com a Polônia, que o governo de Sua Majestade já declarou pública e claramente, e que está disposto a cumprir. Alega-se que, se o governo de Sua Majestade tivesse deixado clara a sua posição em 1914, a grande catástrofe teria sido evitada. Se há ou não alguma força nessa alegação, o governo de Sua Majestade está resolvido a que nesta ocasião não deve haver tão trágico equívoco. Se o problema acontecer, ele (o governo) está resolvido e preparado para empregar, sem demora, todas as forças sob seu comando, e é impossível se prever o fim das hostilidades uma vez deflagradas.‖ Chamberlain mais uma vez se ofereceu para negociar as diferenças entre a Polônia e a Alemanha para evitar a guerra. A resposta de Hitler foi mais um retinir de sabres cruzados. Em 26 de agosto de 1939, o primeiro-ministro francês Daladier escreveu a Hitler: ―...Numa hora tão séria, creio sinceramente que nenhum ser humano de mente superior entenderia se uma guerra de destruição fosse iniciada sem uma última tentativa para alcançar um acordo de paz entre a Alemanha e a Polônia... Eu, que desejo a harmonia entre os povos francês e alemão, e que por outro lado estou ligado à Polônia por laços de amizade e por uma promessa, estou preparado, como chefe do governo francês, a fazer tudo o que um homem correto pode fazer para levar essa tentativa a uma conclusão bem sucedida.‖ Ele também se ofereceu para mediar, e acrescentou: ―Você e eu estivemos nas trincheiras na última guerra. Você conhece, como eu, o horror e a condenação que as devastações daquela guerra deixaram na consciência dos povos... Se o sangue francês e alemão tiver que correr outra vez, como há 25 anos, em uma guerra ainda mais longa e assassina, então cada uma das duas nações lutará acreditando em suas respectivas vitórias. Porém, os vitoriosos mais certos serão a destruição e a barbárie.‖ Hora do almoço: Quando os réus subiram para almoçar, Frank me disse em voz abafada: ―Houve duas cartas!‖ Durante o almoço, Goering não demonstrou sinais de ter sido afetado pela evidência prejudicial da determinação de Hitler em deflagrar a guerra, apesar das advertências. Ele ainda insistia que a defesa estava fraquejando, e acrescentou: ―Espere e veja, eles não nos deixarão apresentar nossa contestação final.‖ Doenitz me perguntou por que o general Donovan tinha saído da equipe do promotor Jackson. ―Sim, por quê?‖, interrompeu Goering, piscando com malícia. Eu disse que não sabia. Doenitz começou a falar algo sobre o que ele lera no jornal, mas Goering o fez parar. Era óbvio que estavam se referindo ao comentário do Stars & Stripes sobre o artigo do Army & Navy Journal, atacando Jackson por acusar a ―honrada profissão militar‖ e dando isso como razão para a saída do general Donovan. Já lá em baixo, Goering continuou sua cínica campanha de críticas aos costumes sociais americanos. Comentou sobre os oficiais negros que havia visto na platéia e especulou se eles comandariam tropas de brancos, e quis saber se lhes era permitido andar nos trens com civis brancos. Sessão da tarde: Mr. Griffith-Jones leu um telegrama do presidente Roosevelt a Hitler, de 24 de agosto de 1939, onde mais uma vez se oferecia para negociar a não deflagração da guerra: ―Quanto à mensagem que lhe enviei em abril passado, não recebi resposta, mas em razão da minha crença segura de que a causa da paz mundial ─ que é a causa da própria humanidade ─ paira


39 acima de todas as outras considerações, dirijo-me mais uma vez a você com a esperança de que a guerra que está iminente e o consequente desastre para todos os povos podem ser ainda evitados.‖ Mais uma vez, pedia urgência nas negociações. E mais uma vez não recebeu resposta de Hitler. Em 25 de agosto de 1939, o presidente Roosevelt escreveu de novo: ―Em resposta à minha mensagem, o Presidente da Polônia deixou claro que o governo polonês deseja, de acordo com os fundamentos mencionados na minha mensagem, aceitar resolver a controvérsia que surgiu entre a República da Polônia e o Reich Alemão através da negociação direta ou por processo de conciliação. Incontáveis vidas humanas podem ainda ser salvas e espero que ainda possa ser restabelecido que as nações do mundo moderno possam, agora, construir os alicerces de uma relação pacífica e mais feliz, se você e o governo do Reich Alemão concordarem com os meios pacíficos de entendimento aceitos pelo governo da Polônia. Todo o mundo reza para que a Alemanha aceite, também.‖ Mr. Griffith-Jones continuou a se dirigir à Corte: ―Mas, meu Deus, os alemães não aceitaram, como não aceitariam os apelos do Papa, que aparecem nos documentos seguintes.‖ Em 31 de agosto, o papa escreveu: ―O Papa reluta em abandonar a esperança de que as negociações pendentes possam levar a uma solução justa e pacífica, pela qual o mundo inteiro continua a rezar.‖ Mas, os apelos foram inúteis e Hitler tinha decidido que a guerra teria que acontecer durante a sua existência. Enquanto Hitler, Ribbentrop e Goering mantinham a farsa de pretender negociar, a Wehrmacht atacava. À Noite na Prisão Cela de Jodl: No almoço, eu havia observado que Jodl não mais sentava junto a Keitel, então resolvi visitar Jodl em sua cela, à noite. Coversamos sobre as provas apresentadas no dia. Ele estava calmo, mas parecia profundamente desiludido. ―Constatar como fomos traídos é pior que a derrota. Lutei na guerra na crença de que era inevitável e de que eu estava defendo o meu país. Pensar que Hitler realmente a planejou e rejeitou as ofertas de paz...! Não sei o que eu teria feito se tivesse sabido disso à época ─ é fácil falar após o fato ─ mas teria sido um conflito terrível entre a consciência e o dever. Talvez tenha sido melhor eu não saber. Pelo menos, lutei com convicção e honra. Há certas coisas que não se pode conciliar com a honra de um oficial.‖ ―Como assassinato‖, observei. Ele hesitou por um instante, então respondeu muito calmo: ―Claro, isso não se pode conciliar com a honra de um oficial. Keitel havia me dito que Giraud estava sob vigilância, e que o caso tinha sido transferido para a RSHA ─ mas nem uma palavra sobre assassinato. Não, aquilo não foi honroso. Oh, essas coisas aconteceram na história militar. Nós ordenamos que o rei da Bulgária fosse envenenado, você sabe. Mas, nunca pensei em um dos nossos generais...‖. Abaixou os olhos. ―Percebi que você não está mais almoçando na ‗mesa do comando‘‖, disse eu, casualmente. ―Você sabe, a mesa de Goering e Keitel, que eu chamo a ‗mesa do comando‘‖. ―Oh, você notou?‖ Mais uma vez, uma olhadela evasiva. ―Só me ocorreu hoje‖, respondi.


40 ―Bem, eu não gosto de pisar na cabeça de um homem quando ele está caído, especialmente quando estamos no mesmo barco. Eu não faria isso nem mesmo com Streicher.‖ A conversa não deixou dúvidas de que Keitel ficara desmoralizado na roda dos militares, e que Jodl se afastara tranquilamente. 8 e 9 de dezembro Fim da Semana na Prisão Cela de Goering: Goering perguntou sobre os antecedentes do general McNarney, novo Comandante-Geral das USFET (United States Forces in the European Theater - NT), obviamente interessado em estudar os ―ângulos‖, uma vez que sentiu ter perdido uma boa chance com o general Donovan, especialmente após a deturpada defesa da ―honrada profissão militar‖ feita pelo Army & Navy Journal com a saída de Donovan. Eu disse não saber nada sobre o general McNarney. Goering disse: ―O general McNarney errou enormemente ao falar que todos os nazistas e seus simpatizantes deveriam ser reduzidos a trabalhadores comuns. Seria levar o país ao comunismo‖. Eu lhe disse não saber nada sobre isso, mas que tínhamos de erradicar a filosofia nazista, que levou a destruição à Alemanha e à toda Europa, e tentar ensinar o povo alemão a viver em união, pacificamente, sob princípios democráticos. ―Mas, a democracia não vai funcionar com o povo alemão!‖, disse ele, enfaticamente. ―Eles agora estão se matando uns aos outros com ódio ─ os hipócritas. Estou contente por não ter que viver mais lá fora, cada um tentando livrar a cara e o pescoço, denúnciando o Partido, agora que nós perdemos. Tomo como exemplo aquele fotógrafo, o Hoffmann(*). Eu vi seu retrato no jornal escolhendo fotografias para serem usadas como provas contra nós. Quando me lembro do dinheiro que aquele homem ganhou com meus retratos... Não vou exagerar, pelo menos um milhão de marcos, a cinco pfennings (centavos) de lucro por foto. E agora ele escolhe fotos para me incriminar! Não, a democracia não vai funcionar na Alemanha. O povo é egoísta demais e cheio de ódio, eles não podem concordar. Como se pode ter uma democracia funcionando com 75 partidos?‖ Depois, Goering observou: ―Veja, Hess não está normal. Ele pode ter recuperado a memória, tudo bem, mas ainda está sofrendo de complexo de perseguição. Por exemplo, ele fala de uma máquina que teria sido colocada embaixo sua cela para deixá-lo louco com o barulho do motor. Eu lhe disse que ouvia o mesmo motor sob minha cela. Ele ainda fala sobre esse tipo de coisas. Não posso me lembrar de tudo, mas pode-se esperar coisas como: se o café está muito quente, estão tentando queimá-lo; se está muito frio, estão tentando aborrecê-lo. Não é exatamente o que ele diz, mas é o tipo de coisas com que ele se sai.‖ ―Você está tendo muito trabalho para manter seu grupo unido, não?‖, sugeri casualmente. ―Sim, pelo menos tenho que evitar que se ataquem uns aos outros‖, respondeu. ―As provas são bastante prejudiciais, não acha?‖ (*) Heinrich Hoffmann, fotógrafo particular e oficial de Hitler. Mais tarde, foi condenado a quatro anos de prisão por ter se beneficiado dos lucros dos nazistas (NT).


41 Ele evitou uma resposta direta: ―Claro, não é trabalho da promotoria procurar justificativas para o nosso lado. A tarefa é nossa. Mas, há certas coisas que eles relevam deliberadamente, como a maneira pela qual uma ordem é alterada ao percorrer a cadeia de comando. Por exemplo, como chefe do Plano Quadrienal, devo dizer que os trabalhadores estrangeiros serão pagos nas mesmas bases que os trabalhadores alemães, mas eles devem pagar impostos mais altos. Então, o ministro das Finanças baixa uma diretiva, que segue para o Ministério do Trabalho, e finalmente se transforma em que, em alguns casos, os operários estrangeiros pagam 4/5 de seus salários em impostos. Não significa que eu tenha dito que os operários estrangeiros deveriam passar fome.‖ Fiquei em silêncio, e ele percebeu que havia fugido da minha pergunta e que eu aguardava uma resposta. Então, ele disse: ―Ainda não concatenei todas essas coisas. Você supõe que eu acreditaria se alguém viesse a mim e contasse que estavam fazendo experiências de congelamento com cobaias humanas, ou que as pessoas eram forçadas a cavar suas próprias sepulturas e ceifadas aos milhares? Simplesmente eu teria dito: ‗Vão para o inferno com esse absurdo fantástico!‘‖ Goering dramatizava o hipotético diálogo com tal convicção que eu fiquei pensando se isso realmente não teria acontecido. ―Foi tudo muito fantástico para se acreditar! Bem, se alguns zeros fossem tirados dos números divulgados pelas rádios, eu poderia achar que era concebível, mas, meu Deus!, aquela coisa detestável, aquilo não parecia possível. Descartei como propaganda do inimigo.‖ Nesse ponto, Goering foi chamado para ver o seu advogado de defesa. À tarde, o capelão Gerecke me contou que Goering lhe dissera que compareceria aos serviços religiosos para lhe fazer um favor. ―Porque, como o homem mais graduado do grupo, se ele comparecer, os demais o seguirão‖, explicou o capelão. Cela de Frank: Alguns outros monólogos de Frank: ―Ah, sim, como somos velhos, como a Europa é velha, como a Alemanha é velha ─ teve sua glória, Você sabe, a barbárie deve ser uma forte característica racial alemã. De que outra maneira poderia Himmler conseguir homens para executar suas ordens de assassínio? Às vezes fico aterrorizado ao pensar que Hitler é apenas o primeiro estágio de um novo tipo de ser inumano em evolução, que acabará por destruir-se a si próprio. A Europa está acabada. E Hitler disse: ‗A guerra tem que chegar enquanto eu viver.‘ Um homem fica louco e um milhão de pessoas morrem. A morte é a forma mais suave da vida. Estou completamente resignado.‖ Depois, ele voltou a abordar as provas apresentadas nos últimos dois dias que mostravam como Chamberlain, Daladier, Roosevelt e o Papa imploraram e advertiram Hitler para não invadir a Polônia. ―Aqueles apelos teriam atingido qualquer ser humano nas profundezas de sua alma. Como se pode explicar psicologicamente aquela insensibilidade? Pode-se dizer que esse homem tem sentimentos? Que pena para a Alemanha! Que pena para o mundo todo! E chamavam-no uma alma artística ─ podridão! Uma alma artística teria se derretido com aquelas súplicas de partir corações. Oswald Spengler me contou em 1933: ‗Vai durar 10 anos, teremos as mesmas fileiras contra nós, e então a Alemanha, que liderou a ascensão do Ocidente, será a causa do seu declínio.‘‖ Frank continuou contando que Oswald Spengler, Richard Strauss, Max Weber


42 e outros intelectuais alemães foram bons amigos seus. ―Levarei suas lembranças para o túmulo.‖ Seu comentário final, voltando à questão de sua própria culpa, foi: ―A ambição nos guiou, a todos nós, inclusive eu. Não diga aos outros que eu disse. Eu falarei sobre isso de uma maneira diferente no tribunal.‖ Cela de Ribbentrop: Ele voltou ao assunto que predominava em sua mente: as evidências prejudiciais a ele durante as duas últimas semanas. Estava preocupado com o depoimento de Lahousen sobre suas declarações brutalmente antissemitas em apoio à política de Hitler. ―Quanto à questão dos judeus, eu nunca poderia ter dito o que ele disse que eu disse, porque eu mesmo apresentei judeus estrangeiros a Hitler nos primeiros anos. Eu sempre pensei na política antissemita como uma loucura. Naturalmente que em público eu tinha que apoiar Hitler de qualquer maneira. Mas declarações como aquela ─ ausgeschlossen! (estão fora). Claro, eu era um dos seus mais leais seguidores. Isso é algo difícil para você compreender. O Führer tinha uma personalidade terrivelmente magnética. Só pode entender quem passou pela experiência. Você sabe, mesmo agora, seis meses após a sua morte, eu não posso me livrar completamente de sua influência. Todos eram fascinados por ele. Mesmo se grandes intelectos estivessem conversando, em poucos minutos eles deixavam de existir e o brilho da personalidade de Hitler ofuscava a todos. Ora, mesmo nas negociações do Pacto de Munique, Daladier e Chamberlain foram simplesmente envolvidos pelo seu charme.‖ ―Verdade?‖, questionei. ―Ora, claro! Eu mesmo tive essa experiência.‖ Ribbentrop continuou dizendo que Himmler e Goebbels devem ter influenciado Hitler a adotar medidas anti-semitas cada vez mais drásticas. ―E nos últimos anos simplesmente não se discutia o assunto com Hitler. Eu lhe contei como o questionei sobre o caso Maidanek em 1944, e ele disse que o assunto não era da minha alçada, era apenas entre ele e Himmler‖ ―Isso não foi prova bastante de que ele era um assassino determinado?‖ Ribbentrop sacudiu a cabeça e moveu as mãos num gesto débil de desalento e confusão. Após pensar por alguns segundos, ele resmungou algo sobre ―todos estavam sofrendo uma psicose coletiva. Meu advogado me disse.‖

10 de dezembro A Agressão Contra a Rússia Sessão matutina: Mr Alderman apresentou provas de que a guerra de agressão contra a Rússia tinha sido planejada por Hitler ainda em 18 de dezembro de 1940, sob o código de ―Operação Barba Ruiva‖. A diretiva de Hitler estabelecia: ―As Forças Armadas alemães devem estar preparadas para esmagar a Rússia Soviética em uma campanha rápida antes do fim da guerra contra a Inglaterra... Os preparativos que necessitarem mais tempo para serem iniciados, se ainda não o foram, devem começar agora e serão completados até 15 de maio de 1941... Deve-se tomar muito cuidado para que a intenção de ataque não seja dada a conhecer.‖ A diretiva estava assinada por Hitler e rubricada por Keitel e Jodl. Outros documentos mostravam como Raeder e Goering se envolveram no planejamento da guerra nos meses seguintes. Até o filósofo Rosenberg descobriu uma chance de colocar sua filosofia em prática,


43 com um plano de utilizar o território russo conquistado para Lebensraum (espaço vital), e conseguiu ser nomeado comissário para o Controle Central do Território Oriental dois meses antes do ataque. Hora do almoço: Quando os réus subiam para o almoço, Rosenberg me disse: ―Espere só! Em 20 anos vocês terão que fazer a mesma coisa. Vocês não podem escapar desses problemas.‖ Ao entrar na fila, Fritzsche referiu-se à remoção de populações no Leste: ―É suficiente para fazer seus cabelos ficarem de pé a maneira infantil que esses diletantes filósofos usaram para o problema das populações, como se eles estivessem jogando damas.‖ Já no andar superior, logo que acabou de comer Rosenberg se aproximou de mim e disse que queria continuar a discussão. Mal havíamos iniciado, Goering, ansioso para manter a conversa sob o seu controle agressivo, gritou para nós através da sala: ―Claro que queríamos destruir o colosso russo! Agora vocês é que terão que fazê-lo‖. Nos aproximamos e eu falei: ―Talvez tenha sido onde vocês erraram‖. Quando Fritzsche e alguns outros demonstraram que não viam as coisas do mesmo modo que Goering, este voltou a utilizar o seu recurso usual, o cinismo humorístico: ―Muito bem, vocês terão os russos em suas mãos um dia desses, e eu me divertirei vendo como vocês irão manejá-los. Claro, é indiferente para mim se estarei observando do céu ou de qualquer outro lugar ─ o que seja mais interessante.‖ E deu sua risada habitual. Alguns de sua claque também riram, mas sem muito entusiasmo. Mais tarde, Fritzsche disse: ―Eu sempre falei que a nossa culpa na guerra contra o Ocidente era de 50%, porque o Tratado de Versalhes teve muito a ver com isso. Mas, nossa culpa na guerra contra o Leste foi de 100%. Foi temerária e desnecessária‖. Após se reunirem outra vez no banco dos réus, Kelley trouxe Kaltenbrunner pela primeira vez. Uma frieza varreu o banco como se uma rajada de vento gelado tivesse entrado pela porta. Aparentemente, Kaltenbrunner pensava que teria uma recepção de rei, e passou a cumprimentar seus companheiros, forçando mais ou menos Jodl, que se sentava mais perto da porta, a apertar sua mão. Todos os outros olharam para o outro lado. Eu lhe disse que sentasse na fila da frente, entre Keitel e Rosenberg. Ambos pareceram aflitos e preocupados. Kaltenbrunner tentou conversar com os vizinhos, mas eles pareciam não ouvir. Keitel curvou-se e me pediu para transmitir seus cumprimentos ao major Kelley, obviamente apenas para evitar ter que falar com Kaltenbrunner. Frank continuou a ler seu livro, rangendo os dentes. A certa altura, quando me encontrava em pé junto dele, acenou em direção a Kaltenbrunner e disse: ―Olhe aquela cabeça. Interessante, não é?‖ Após alguns minutos dessa fria recepção, Kaltenbrunner começou a engolir em seco e esfregar o dedo nos olhos. Quando seu advogado retornou do almoço, ele estirou a mão para cumprimentá-lo, mas o advogado já havia cruzado as mãos nas costas. Ele lhe falou educadamente, mas sem apertar sua mão. Goering observava tudo isso um tanto descontente, vendo todos os fotógrafos e repórteres dirigindo a atenção para Kaltenbrunner. O homem-show sentiu a mudança dos refletores do seu cinismo jovial para o assunto mais desconfortável, o das atrocidades nos campos de concentração. ―Por que eles o trouxeram hoje?‖, perguntou.


44 ―Foi o primeiro dia que ele pôde vir depois do seu ataque‖, respondi. ―Os médicos consideraram aquele homem são?‖ ―Saudável bastante para permanecer no tribunal‖, disse eu. ―Se ele está são, eu sou Atlas. Não vejo o porquê deles o terem trazido para cá.‖ Goering observava os fotógrafos tirando fotos do recém-chegado e olhava ao redor da sala da Corte para verificar os efeitos na platéia. Sessão da tarde: Mr. Alderman continuou a expor como Ribbentrop instou seus parceiros do Eixo a levarem adiante a ―Nova Ordem‖, atacando os Aliados. A Itália ―apunhalando‖ as costas da França e o Japão, as dos Estados Unidos, em seguida. Ribbentrop quis forçar o Japão a atacar a Rússia, mas parece que os japoneses pensaram melhor sobre o assunto. 11 de dezembro Exibição de Filmes Nazistas Sessão matutina: A exibição de filmes dos nazistas quando de sua ascensão ao poder ressuscitou antigas reações emocionais nos prisioneiros em relação aos seus velhos símbolos: discursos de Hitler, Goebbels, Hess, Rosenberg; cenas da crescente Wehrmacht; solução de problemas do desemprego; paradas militares a passo-de-ganso; Sieg Heil! etc. Até Schacht ficou com os olhos humidos ao rever cenas da reconstrução da Alemanha após a ascensão de Hitler ao poder. Mais tarde, ele me disse: ―Você vê algo de errado em solucionar o desemprego?‖ Fritzsche falou: ‖Pelo menos me dá a satisfação de saber que houve certa vez uma Alemanha trabalhando dignamente... até 1938.‖ Frank estava bastante comovido, porém de um modo torturante. No intervalo, ele tentou dizer algo sem deixar os outros escutarem. ―A gargalhada de Deus?‖, perguntei. ―Ja, ja. E aquele é o homem que o povo alemão erigiu como um deus de lata.‖ O filme continuou, mostrando como Hitler construiu sua máquina de guerra. Os vários grupos de trabalho arregimentados para o ―time da casa‖. Quando os primeiros aviões apareceram, Doenitz riu: ―Ora, aviadores!‖ Goering virou-se e sussurrou: ―Psiu! Fique quieto‖. Depois, quando marinheiros foram mostrados marchando em parada, Doenitz disse: ―Qualquer um pode ver que eles formam o melhor contingente‖. ―Nada mal, nada mal‖, admitiu Goering. Na continuação do filme, o Reichstag (Parlamento) foi mostrado às risadas enquanto Hitler lia a carta de Roosevelt pedindo a paz. No banco dos réus, Goering riu também. Hora do almoço: Ribbentrop estava completamente subjugado pela voz e pela figura do Führer. Chorava como uma criança, como se seu falecido pai tivesse ressuscitado. ―Você não pode sentir a força terrível da sua personalidade? Não pode ver como ele arrastava multidões a seus pés? Não sei se você pode, mas nós podemos sentir isso. É erschütternd! (comovente - NT). Observei a Hess que, nos velhos tempos, ele parecia influenciado, assim como todo o povo. ―É verdade, não há o que negar‖, respondeu, sorrindo. ―As coisas agora mudaram, não?‖, provoquei. ―Ora, é uma fase passageira, espere só 20 anos‖. (Goering havia dito anteriormente a Hess que estava convencido de que o povo alemão iria se soerguer, não se podia deixá-lo caído).


45 Goering fez algumas de suas observações pretensiosas. Disse que o filme era tão sugestivo que ele tinha certeza de que agora até o Juiz Jackson gostaria de entrar para o Partido. Eu lhe disse que a reação desdenhosa e zombeteira do Reichstag ao pedido de Roosevelt para se declarar intenções de paz foi uma risada bastante cara, pois resultou na destruição da Alemanha. ―Oh, mas foi tão divertido...‖, respondeu Goering. ―Que interesse nós temos de conquistar a Palestina?(*) Eu mesmo tive de rir.‖ Ele então usou a tática habitual de mudar a conversa para a agressão das potências vitoriosas. ―Depois que os Estados Unidos engoliram a Califórnia e metade do México, e que nós ficamos reduzidos a retalhos, a expansão territorial de repente se tornou um crime. Isso tem acontecido há séculos, e vai continuar. As armas mudam, mas não a natureza humana. Na Idade da Pedra, eles quebravam as cabeças uns dos outros com porretes, e então os sobreviventes comiam os mortos. Isto simplificou o problema de suprimentos. Sem munição, sem provisões, sem nada.‖ Riu bastante e acrescentou: ―Acho que eu comeria por dois, hem?‖ Sessão da tarde: A exibição do filme nazista continuou. A guerra e as primeiras vitórias foram mostradas. (Os réus generais e almirantes exultaram ao se verem na época de glória. Quando apareceram cenas do tribunal que julgou os conspiradores que tomaram parte na tentativa de assassinato de Hitler, em 20 de julho de 1944, Goering e Ribbentrop sussurraram para Hess prestar atenção especial: aqueles eram os traidores que planejaram matar o Führer) À Noite na Prisão Cela de Goering: Goering ainda estava bem disposto quando Kelley e eu o visitamos à noite em sua cela. ―Eu poderia evitar um monte de problemas para a promotoria‖, disse. ―Eles não precisam mostrar filmes e ler documentos para provar que nós nos rearmamos para a guerra. Claro que nós o fizemos! Ora, eu rearmei a Alemanha até ficarmos eriçados! Só lamento não termos nos rearmado ainda mais. Claro, eu considerei seus tratados (aqui entre nós!) como papel higiênico. Claro, eu queria tornar a Alemanha grandiosa! Se isso pudesse ser feito pacificamente, tanto melhor; se não, também estava bem. Ora, meus planos contra a Grã-Bretanha eram maiores do que eles ainda hoje suspeitam. Esperem até eu me levantar e contar a eles, quero ver só as caras. Eu não desejava a guerra contra a Rússia em 1939, mas certamente eu estava ansioso para atacar eles antes deles nos atacarem, o que teria acontecido de qualquer maneira em 1943 ou 1944.‖ Ele falava livre e expansivamente, deleitando-se bastante. ―Quando eles me disseram que eu estava brincando de guerra ao reconstruir a Luftwaffe, respondi que, por certo, eu não estava dirigindo uma escola para garotas. Eu havia me aliado ao partido porque ele era revolucionário, não por causa da sua ideologia. Outros partidos promoveram revoluções, então eu calculei que poderia realizar uma também. E o que me satisfazia era o fato de que o Partido Nazista era o único que tinha a coragem de dizer: ‗(O Tratado de) Versalhes que vá para o inferno!‘, enquanto os outros rastejavam e botavam panos quentes. Foi o que me cativou. Naturalmente, Hitler ficou feliz por eu estar ao seu lado porque eu tinha uma grande reputação entre os jovens oficiais da Primeira Guerra Mundial. Afinal, eu fui o último


46 comandante do Circo Voador e um cartão de visita completo para o Partido. Claro, eu contarei a eles que queria ir à guerra para restaurar o poder da Alemanha. Mas, só quero me defender em um ponto em que minha honra está envolvida: eu nunca dei nenhuma ordem para execução daquelas atrocidades.‖ (*) O presidente Roosevelt apresentou uma lista de países a Hitler, pedindo uma declaração sua de que não atacaria qualquer um deles. A Palestina fazia parte da relação (NA). Cela de Ribbentrop: Ainda em lágrimas, Ribbentrop me perguntou se eu não senti o terrível poder da personalidade de Hitler emanando da tela. Confessei que não. Ele falava como se ainda estivesse hipnotizado pela figura do Führer. ―Sabe, mesmo com tudo o que sei, se ele viesse a mim agora nesta cela e dissesse: ‗Faça isso!‘, eu o faria. Não é espantoso? Você não consegue sentir o terrível magnetismo de sua personalidade?‖ 14 de dezembro Extermínio na Polônia A emoção momentânea causada pela influência nazista que explodiu após os filmes do Partido foi sufocada completamente pelas provas devastadoras de planejados assassinatos em massa, apresentadas nas sessões de ontem e hoje. Antes da sessão começar, hoje pela manhã, Baldur von Schirach ainda se esforçava em se apegar ao que restava do cinismo e ceticismo inspirados por Goering, com relação ao julgamento. ―Duvido muito que uma mulher alemã tenha possuído conscientemente um abajur de pele humana‖, disse ele. ―Foi confeccionado por um homem alemão e aceito por ela, naturalmente‖, repliquei. ―Que diferença isso faz?‖ Schirach sentou-se, o olhar desanimado. Keitel olhou para mim e sussurrou: ―Furchtbar! Furchtbar!‖ (Terrível!). Virou os olhos e sacudiu as mãos para indicar que repudiava tudo aquilo com horror. Sessão matutina: O major Walsh leu alguns trechos das provas da miséria e da matança de judeus na Polônia. Do diário de Frank: ―O fato de que sentenciamos 1.200.000 judeus a morrer de fome deveria ser considerado apenas em parte. É lógico que, se os judeus não morressem de fome, poderia resultar, esperamos, no apressamento das medidas antissemitas‖. Do relatório do general Stroop, das SS, sobre a destruição do gueto de Varsóvia: ―...portanto, decidi destruir toda a área residencial dos judeus, incendiando cada quarteirão... Muitas vezes os judeus permaneciam nos prédios em fogo até que, com o calor e o medo de serem queimados vivos, preferiam jogar-se dos andares mais altos... Com os ossos quebrados, ainda tentavam se arrastar pelas ruas até os quarteirões não atingidos pelo fogo ou parcialmente incendiados... Sua presença nos esgotos também deixou de ser agradável após a primeira semana... Um grande número de judeus, que não pôde ser calculado, foi exterminado ao explodirmos esgotos e trincheiras... Somente através do trabalho continuado e incansável de todos os envolvidos é que tivemos sucesso ao prendermos um total de 56.065 judeus, cujo extermínio pode ser comprovado. A esses deve ser acrescido o número de judeus que perderam suas vidas em explosões ou incêndios.‖


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No intervalo, Jodl gritou bem alto e veementemente: ―O sujo e arrogante porco das SS! Imagine só, escrever um relatório presunçoso de 75 páginas sobre uma pequena expedição de assassinato, enquanto uma campanha bem maior, onde soldados combatiam um inimigo bem armado, ganha apenas umas poucas páginas!‖ Conversei com Frank sobre aquelas frias declarações, onde ele falava em deixar um milhão de judeus passar fome com as rações permitidas. Ele admitiu ter feito tais declarações nos seus dias de cego fanatismo nazista, mas que havia entregue seus diários e suas anotações ao Governo Militar Americano ao ser capturado para que toda a verdade sobre o repugnante episódio pudesse finalmente se tornar conhecida, caísse o machado onde caísse. O major Walsh continuou a ler a comprovação documentada do extermínio dos judeus em Treblinka e Auschwitz. Um documento polonês afirmava: ―Todas as vítimas tinham de se despojar de suas roupas e sapatos, que eram coletados mais tarde, e então todos, mulheres e crianças primeiro, eram levados para as câmaras da morte... As criancinhas simplesmente eram jogadas lá dentro.‖ Enquanto isso acontecia, o governador Frank escrevia um diário. Em 16 de dezembro de 1941, ele registrou: ―Os judeus também representam para nós uns comilões extraordinariamente malignos. Temos aproximadamente dois milhões e meio deles na área do Governo Geral.‖ Em janeiro de 1944, ele anotou: ―Até agora ainda temos na área do Governo Geral talvez uns cem mil judeus.‖ Hora do almoço: Hitler foi o assunto das conversas na mesa de Frank e na de Goering. Na primeira, Hess e Ribbentrop levantaram a questão sobre se Hitler tinha conhecimento daquilo tudo. Frank replicou com desprezo que teria sido impossível de outra maneira. Ele insistiu que tudo esteve sob o comando direto de Hitler. Enquanto isso, na mesa de Goering, Keitel questionava se o Führer não deveria ter ficado ao lado dos seus colaboradores, assumindo a responsabilidade pelas suas ordens. ―Ora, pense na posição dele‖, disse Goering, tentando desesperadamente conter a franca defecção nas fileiras. ―Claro, a posição de principal criminoso de guerra‖, disse eu, em pé entre as duas mesas. ―Seja o que for, ele era o nosso soberano. Seria intolerável para mim vê-lo de pé ante um tribunal estrangeiro. Vocês conheceram o Führer. Ele seria o primeiro a se levantar e dizer: ‗Eu dei as ordens e eu assumo total responsabilidade‘. Mas eu preferia morrer dez vezes a ter o soberano alemão sujeito a tal humilhação.‖ Os outros réus não pareceram muito impressionados com essa dramática lealdade de Goering. Frank retrucou de seu lugar: ―Outros soberanos compareceram antes a tribunais!‖, lançando um aberto desafio a Goering pela primeira vez desde que o julgamento começou. Seu rosto estava vermelho de raiva. ―Ele nos botou nisso e tudo o que se tem a fazer é dizer a verdade!‖ Keitel, Doenitz, Funk e Schirach levantaram-se subitamente e deixaram a mesa de Goering, quebrando o costume. E Goering de repente viu-se sentado sozinho. Para contornar, ele se levantou e veio andando como se tivesse a


48 intenção de continuar a conversa comigo. Com ar confidencial, ele disse: ―Sabe, não é meu propósito exagerar meu amor ao Führer, porque você sabe como ele me tratou no fim. Mas, não sei o que dizer, penso que talvez no último ano e meio ele tenha deixado as coisas para Himmler.‖ ―Mas, eles devem ter tido um entendimento definitivo; de outro modo, teria sido impossível ocorrer os horrores que ocorreram em tão larga escala‖, ponderei. ―Suponho que Himmler deva ter comunicado que tantas mortes foram inevitáveis ou qualquer coisa desse tipo, e na guerra, com tantas mortes por todos os lados... eu não sei‖, disse Goering. Eu me afastei. Schirach havia se reunido a Fritzsche, Speer e Seyss-Inquart. Após trocar alguns gracejos comigo sobre a Juventude Hitlerista estar mais velha, mais grisalha e mais sábia, ele me disse, sério: ―Mas nós não vamos viver o bastante para usar nossa sabedoria recém-descoberta. Depois de hoje, está tudo acabado. Não censuraria a Corte se os juízes ordenassem: ‗Cortem todas as suas cabeças!‘ Mesmo se houver alguns inocentes entre os 20 réus, isso não fará a menor diferença em meio aos milhões que foram assassinados.‖ ―Sei que eles leram ontem o seu discurso de Viena‖, disse eu. ―Sim, foi o que discutimos em nossa primeira longa conversa.‖ Encolheu os ombros num gesto de desânimo. ―Agora é tarde demais.‖ A conversa voltou a Hitler. ―Eu lhe disse que tive a impressão de que ele ficara louco em 1943‖, disse Schirach a Fritzsche. ―Eu tive essa impressão em 42‖, replicou Fritzsche. Era hora de voltar à sala do tribunal. Lá em baixo, Frank pregava abertamente aos outros a necessidade de se contar toda a verdade para que o povo alemão e o mundo ficassem sabendo. Rosenberg tentava refutar com a velha tática das agressões aliadas e de como a América enfrentava o mesmo problema racial. Olhou para Speer pedindo seu apoio moral, mas Speer riu com um sarcástico balançar de mãos. Sessão da tarde: O capitão Harris leu outros excertos do diário de Frank: ―A Polônia deve ser tratada como uma colônia; os poloneses devem ser escravos do Grande Império Universal Alemão.‖ ―Devemos aniquilar os judeus onde os encontrarmos e onde for possível.‖

15 e 16 de dezembro Fim de semana na prisão Mais uma vez percorri todas as celas, captando as reações dos prisioneiros sobre o acúmulo das provas e sobre Hitler e o Partido, tendo em vista as revelações recentes. Cela de Rosenberg: Rosenberg estava perplexo como sempre, quando Kelley e eu lhe perguntamos se tinha algo a dizer. ―Claro, é terrível! O caso todo é incompreensível. Jamais sonharia que tivesse chegado a tal ponto. Não sei. Terrível! Nessas proporções, Hitler deve ter dado as ordens, ou Himmler fez isso com a aprovação do Führer.‖ ―O que você pensa de Hitler agora?‖, perguntamos. ―Como você se sente quanto ao programa do partido, agora que os resultados são conhecidos?‖ Rosenberg ficou calado por um minuto. Torceu as mãos, olhou para o chão e


49 encolheu os ombros. Finalmente, respondeu: ―Não sei. Penso que ele se descontrolou. Não tencionávamos matar ninguém no início, posso lhe assegurar. Sempre advoguei uma solução pacífica. Fiz um discurso para 10 mil pessoas, que depois foi impresso e amplamente distribuído, defendendo uma solução pacífica. Apenas tirando os judeus de suas posições influentes, isso é tudo. Como em vez de 90% de médicos judeus em Berlim, reduzi-los para 30%, ou algo ao redor disso, que mesmo assim teria sido uma quota liberal. Eu não poderia imaginar que isso levaria a coisas horríveis, como assassinato em massa. Só queríamos resolver o problema judeu pacificamente. Deixamos até 50 mil intelectuais judeus passarem a fronteira. Da mesma maneira que eu queria o Lebensraum (espaço vital) para a Alemanha, eu pensava que os judeus deveriam ter um para eles próprios ─ fora da Alemanha. Não havia como tentar enviá-los para a Palestina porque significava remover 800 mil árabes para fora do território com a ajuda das baionetas inglesas.‖ ―Onde você pensava que eles poderiam ter o seu Lebensraum?‖ ―Bem, eu sabia que eles estavam sendo transportados para o Leste, e entendia que seriam colocados em campos sob sua própria administração, e mais tarde assentados em algum lugar do Leste. Não sei. Eu não tinha ideia de que isso levaria ao extermínio, no sentido literal da palavra. Apenas queríamos tirá-los da vida política alemã. Muitos judeus esperavam drásticas medidas desde o início, mas quando viram que nada estava sendo feito nesse sentido, alguns que haviam emigrado retornaram. Eles pensavam: ‗Bem, mesmo se tivermos de ficar de fora da política ainda poderemos sobreviver.‘ O Partido não tomou nenhuma medida drástica no início. Porém, surgiram situações que tiraram o problema das minhas mãos. A imprensa democrática judia estrangeira começou a martelar o Partido, forçando a questão. E então houve o assassinato de von Rath (*). Claro que você pode dizer: ‗Por que não trataram o fato como um simples crime pessoal?‘ Não sei. Talvez fosse. Parecia ser uma resposta dos judeus ao tratamento que a Alemanha dava ao problema. Foi quando as represálias começaram... Eu não tive nada a ver com as Leis de Nuremberg. Apenas as li quando foram propostas no Reichstag e naturalmente eu não poderia me levantar no plenário e dizer: ‗Eu sou contra!‘ Isso estava fora de questão.‖ (*) Ernst von Rath, terceiro secretário da Embaixada da Alemanha em Paris, foi morto a tiros por um jovem polonês de 17 anos, Herschel Grynszpan, em 7 de novembro de 1938 (NA).

Cela de Streicher: Ainda fanático determinado como sempre, Streicher não parecia afetado com o acúmulo de provas que tinha causado vergonha ou, pelo menos, constrangimento e reações defensivas a todos os outros réus. ―Bem, você sabe, eu tenho de dizer o que acredito‖, insistiu ele quando perguntado se teria mudado de direção se tivesse previsto as consequências. ―No fim das contas, o próprio Talmud dizia aos judeus para preservar sua pureza racial. Theodore Herzl, o líder sionista, disse que onde houvesse judeus haveria antissemitismo. Os judeus vão errar se me fizerem de mártir, você vai ver. Eu não criei o problema; ele existe há centenas de anos. Eu vi como os judeus entravam em todas as esferas da vida alemã, e eu disse que eles deveriam ser expulsos delas. Afinal, se você ler o Talmud, você vai ver...‖


50 E assim continuou como se persistisse numa neurose obsessivocompulsiva ou psicose orgânica. Não havia nem sadismo nem vergonha em sua atitude. Apenas um frio e apático caráter obsessivo. Cela de Speer: Speer mantinha-se calmo e racional como sempre. Quando perguntado sobre o que pensava de Hitler agora, respondeu: ―O mesmo que eu pensava nos últimos meses da guerra, com um acréscimo: uma força destrutiva egoísta que não teve consideração com o povo alemão. Como eu lhe contei, eu havia brigado com ele quando ordenou a destruição de toda a propriedade alemã, dizendo que o povo alemão não merecia sobreviver se não pudesse vencer a guerra. Mas houve algumas coisas que me espantaram no julgamento. Primeiro, seu discurso em 1937, quando disse que ‗a guerra deveria acontecer em meu tempo‘. Segundo, a prova de que os ‗incidentes‘ poloneses foram realmente provocados pelas SS, como Lahousen afirmou. Terceiro, a extensão e o sigilo do sistema de assassinato de Himmler.‖ Nós então discutimos sobre os armamentos alemães, e ele nos apresentou números do tremendo crescimento da produção após ter assumido o ministério. Ele mencionou que tinha alertado à Vigilância de Bombardeio Estratégico dos Estados Unidos sobre os gargalos japonesas após a derrota da Alemanha. Ele admitiu que o bombardeio estratégico dos EUA havia preocupado seu ministério durante a guerra, especialmente a precisão do bombardeio durante o dia pelos americanos. Sobre a bomba atômica, Speer disse que sabia que nós estávamos trabalhando nela porque tínhamos alguns dos seus especialistas em física nuclear, além de material específico, mas não sabia nada sobre nossos progressos. Eles, os alemães, trabalhavam nisso também, ―mas ainda estávamos a anos do objetivo‖. Eu lhe disse que Goering havia contado que estavam apenas a poucos meses atrás de nós. ―Ora, o Goering, ele não sabe nada sobre ciência. Só gosta de falar muito. Mal havíamos discutido o primeiro modelo experimental de avião a jato quando correu para contar a Hitler que poderia ter 500 unidades prontas em três meses ─ uma completa asneira.‖ Ele admitiu que essa fanfarronice deve ter ajudado a manter a crença de Hitler no milagre de poder vencer a guerra. Cela de Funk: Funk estava deprimido e lastimava-se como sempre. ―É duro suportar. A Alemanha está em desgraça para sempre. Acredite-me, isso é pior que qualquer consequência do julgamento (soluços). Você pensa que eu tinha a mais leve noção sobre os vagões de gás e outros horrores? Juro que ouvi sobre essas coisas pela primeira vez em Mondorf. Só fiz o que pude para impedir atos ilegais. Impedi o sequestro para a Alemanha do ouro da Bélgica, em custódia na França, porque a sua propriedade não estava clara. Impedi também a desvalorização do franco durante a ocupação. Por causa desse único ato economizei para a França mais dinheiro que o valor de todas as propriedades confiscadas. ―A única acusação que me faço, como já lhe disse, é que eu deveria ter me demitido em 1938, quando vi como eles roubavam e esfacelavam a propriedade dos judeus. Mas, mesmo então, eu entendia que os judeus teriam que ter prejuízos, de acordo com a lei, através da destruição de suas propriedades.‖


51 Cela de Schacht: Ainda confiante, Schacht disse: ―Creio que os outros começam a ver o que está guardado para eles. Não tenho nada com que me preocupar. Só espero que eles (a Corte) se apressem e acabem logo com isso.‖ Cela de Sauckel: Sauckel tremia como se eu estivesse chegando para torturálo. Imediatamente, começou a se defender, com a voz trêmula e torcendo as mãos: ―Quero lhe dizer que não sei absolutamente nada sobre essas coisas, e certamente não tive nada a ver com isso! Foi justamente o oposto: eu quis criar condições tão boas quanto possíveis para os trabalhadores estrangeiros.‖ ―O que você pensa de Hitler agora?‖, perguntei. ―Bem, é duro dizer. Nós temos opiniões diferentes sobre se Hitler sabia dessas coisas. Eu não sei. Mas, não há dúvidas de que Himmler fez aquelas coisas e que não podem ser justificadas. Eu só quero entender como elas foram possíveis. Sobre a má utilização dos trabalhadores estrangeiros, não sou mesmo responsável por isso. Eu era como uma agência de marinheiros. Se eu consigo tripulação para um navio, não sou responsável por qualquer crueldade que possa acontecer a bordo do navio sem o meu conhecimento. Eu apenas fornecia operários para as fábricas de Krupp, por ordem de Hitler. Não posso ter culpa se eles foram maltratados mais tarde. Não entende o meu ponto de vista? Aquelas coisas são terríveis, eu admito, é claro.‖ Cela de von Neurath: ―Certamente que Hitler era um mentiroso, o que ficou cada vez mais evidente; ele simplesmente não tinha respeito pela verdade. Mas ninguém reconheceu isso no início. Ele era ─ como você diria? ─ um demagogo fascinante. Sim, ele enganou um monte de gente. Ele deve ter feito suas conspirações, com seu pequeno grupo de sectários, na calada da noite. Mas eu não podia ficar acordado até tão tarde. Às vezes, ele telefonava a uma, duas, três horas da madrugada. Provavelmente era quando aconteciam essas reuniões secretas com Himmler e Bormann.‖ Cela de Keitel: Keitel disse que espiritualmente estava em péssimo estado. ―Estou morrendo de vergonha. É uma desgraça... terrível! Pelo menos, eu contava com os antecedentes honrosos da Wehrmacht, mas agora ela também está desonrada. Havia ligações demais com as organizações do Partido. Como aquele caso horrível do gueto de Varsóvia. Imagine Stroop informando: ‗Os engenheiros da Wehrmacht, numa verdadeira camaradagem entre as Armas, prestaram leal apoio às SS nesse empreendimento etc.‘ Ora, eu poderia jurar que o comandante de Exército que lhe enviou aqueles engenheiros não tinha a menor ideia do negócio sujo a que eles estavam destinados. Gostaria de ter passado mais tempo no campo de operações. Fiquei muito tempo nos quartéisgenerais de Hitler, e quando saía consultava os generais. Eu deveria ter visto o que se fazia nos escalões inferiores. Mas, o que adianta? Agora é tarde demais.‖ ―O que você pensa de Hitler agora? Você duvida que ele soubesse ou tivesse ordenado aquelas atrocidades?‖, questionei. ―Ele deve ter feito isso. Não há dúvidas! Está claro para mim agora. Ora, ele sempre me disse para eu me manter longe dos assuntos políticos. Se algo acontecia, ele dizia: ‗Não é problema seu, você é um soldado!‘ Claro, eu não sabia que ele estava planejando essas coisas horríveis e que homens da


52 Wehrmacht estavam envolvidos. Se eu tivesse sabido, teria dito: ‗Meu Führer, aqui eu traço a linha! Recuso-me a fazer essas coisas. Por favor, exonere-me do posto, Se não, não irá me encontrar vivo amanhã.‘ Mas, eu nunca fui de sua confiança... Não, ele tinha três linguagens completamente diferentes: uma para a Wehrmacht, uma para os líderes do Partido, quando discutia seus verdadeiros planos, e uma para o Reichstag, que ele utilizava para se dirigir ao público. ―Havia três pontos principais no seu programa que levaram à ruína final e à desgraça da Alemanha: a supressão da Igreja sob o axioma hipócrita de que ‗todo homem deve encontrar salvação à sua própria maneira‘; a implacável perseguição aos judeus; e o poder sem limites da Gestapo. Essas coisas estão claras agora...‖ Keitel fez um gesto como se afastasse um véu dos olhos e encolheu os ombros, desconsolado. ―Mas agora é tarde demais.‖ Quando me despedi, ele se aprumou como sempre, mas disse num tom de lamento: ―Deixe eu conversar com você de vez em quando, já que eu não sou ainda um criminoso sentenciado. Não me despreze. Venha de vez em quando; falar com alguém me dá um pouco de apoio moral para aguentar esta provação.‖ Cela de Goering: Tive uma conversa de duas horas e meia com Goering sobre vários assuntos, desde casos pessoais até o expurgo sangrento de Roehm, em 1934. A necessidade de Goering se expressar durante seu confinamento no fim de semana era muito grande. Ele queria me mostrar algo para justificar o que havia dito sobre seus esforços para impedir a guerra com a Inglaterra até o último minuto. ―Veja, Ribbentrop vai arrebentar uma artéria quando souber como eu me movimentava pelos canais diplomáticos.‖ Ele me mostrou um livro escrito por seu intermediário sueco, Dahlerus(*), descrevendo em detalhes os esforços secretos de negociação entre ele e os britânicos. Disse que apresentaria no tribunal. Continuou a se estender sobre a política de poder da Alemanha em relação à Grã-Bretanha, contando que não era interesse da Alemanha fortalecer o Japão às custas da Grã-Bretanha. ―De fato, não ficamos muito felizes com os japoneses tomando Cingapura, uma vez que sabíamos que mais cedo ou mais tarde haveria um acerto de contas entre a potência européia e a asiática. Não morríamos de amor pelos japoneses, é claro. Mas em tempo de guerra você tem que conseguir aliados onde puder encontrá-los. De cavalo dado não se olha os dentes.‖ Pouco depois, voltando a discutir o efeito das evidências apresentadas na última semana. ―Sim, eu sei. Está ficando cada vez pior e vai continuar assim até que contemos o nosso lado da história. Mas, você sabe o que mais me atingiu, mais até que o filme do campo de concentração ─ existe coisa pior? ─, foi aquela cena curta do julgamento no Volksgericht (Tribunal do Povo) dos envolvidos no 20 de Julho (a trama para assassinar Hitler em 1944), com aquele espalhafatoso Freisler presidindo a sessão. Eu lhe digo, quase morri de vergonha! Ouvi dizer que o Volksgericht foi um negócio sujo, mas na verdade me revolveu as entranhas a maneira como aquele juiz gritava com os réus, que, no fim das contas, eram generais alemães ainda sem culpa provada.‖ (*) Birger Dahlerus, empresário sueco, amigo de Goering e de muitos industriais ingleses (NT).


53 Parecia estar mais frustrado com esse filme do que preocupado com seu amor pelo decoro militar, ou com sua possível identificação com a posição de réu em um tribunal. Desejando conhecer seus possíveis sentimentos de culpa com relação à conspiração de assassinato, levantei a questão de sua atitude para com Hitler nesse assunto. ―Após todas as evidências de culpa por destruição e assassinatos empilhadas na cabeça da Alemanha pelo Führer, não vejo porque você ainda queira apóia-lo. Penso que o povo não iria apreciar isso.‖ ―Ah! Então você não entende o povo como eu. Se eu voltasse atrás agora, depois da maneira que eu o apoiei, eles só teriam desprezo por mim. Quem sabe como as coisas se desenvolverão em 50 ou 100 anos?‖ ―Provavelmente ele será lembrado como o mais cruel e abominável monstro do século 20‖, respondi. ―Sim, ele pode ter sido cruel e abominável, mas de outra maneira. Eu não posso admitir que ele realmente tenha feito essas coisas. Ele foi cruel e abominável para mim nos últimos dois anos, como eu já lhe contei. Ele vociferava sobre a ineficiência e inutilidade da Luftwaffe com tal desprezo e maldade que eu ruborizava e me chocava e preferia ir para o ‗front‘ para evitar aquelas cenas. Não havia muito que eu pudesse fazer desde quando vocês ganharam a supremacia aérea. Mas ele ordenava a minha presença nas reuniões do staff no seu quartel-general, como se dissesse: ‗Fique e participe, dane-se você ou não!‘. Com aquela malevolência toda!‖ Goering descrevia com tal veemência que não havia dúvidas sobre o efeito devastador que isso teve em seu orgulho, e minha desconfiança quanto à sua lealdade ao Führer cresceu. ―Então, você sabe, ele ordenou a minha prisão e minha morte‖, disse, com a cara zangada. ―Talvez ele suspeitasse de sua participação na conspiração do 20 de Julho‖, sugeri. ―Talvez Bormann tenha dito algo...‖ Ele me olhou de maneira peculiar, como se estivesse evitando responder rápido à minha observação. ―Sim, estou certo de que ele foi convencido disso. Mas eu ainda não posso perceber como ele foi capaz de ordenar aqueles assassinatos em massa. Fico pensando, é um mistério sobre a coisa toda.‖ Passou a andar pela cela, pressionando os pulsos na testa, como se tentasse enfiar algo na cabeça ─ um tanto dramático demais, pensei. ―Mas, obviamente ele foi capaz de crueldades desumanas, como o expurgo sangrento de Roehm (*), em 1934‖, respondi. Ao ouvir a menção a Roehm, Goering perdeu a calma. ―Roehm! Não me fale sobre aquele porco sujo homossexual! Pertencia à claque de pervertidos revolucionários sangrentos! Eles foram os primeiros a fazer com que o Partido parecesse uma malta de arruaceiros, com suas orgias selvagens e espancamentos de judeus nas ruas, quebrando vitrinas! Eles fizeram logo no início o que aconteceu mais tarde sob a pressão da guerra. Eles devem ter dado a vocês uma demonstração real de uma revolução sangrenta! Estavam determinados a liquidar grupos inteiros de generais, toda a liderança do Partido, naturalmente todos os judeus, tudo, enfim, em um grande banho de sangue. Que gangue de bandidos pervertidos eram os SA! Foi uma ótima providência eu os ter liquidado, ou ele nos teriam eliminado.‖ O lado cruel de gângster da personalidade de Goering ficou claramente revelada ao cair sua máscara jovial, enquanto dava largas passadas para cima e para baixo na cela, de calções, camiseta e chinelos, gesticulando ferozmente, a raiva faiscando nos olhos.


54 (*) Ernst Roehm, chefe dos SA (Sturmabteilung, ou Camisas Pardas, grupo inicial de apoio a Hitler), executado por ordem de Hitler após a queda de braço com a Gestapo, na época dirigida por Goering, no episódio conhecido por ―A noite das facas longas‖, em 30 de junho de 1934 (NT). ―Não hesitei. Fui ao capitão dos SA e disse: ‗Vocês têm armas?‘ ‗Claro que não, Her Polizeichef‘, o porco me respondeu, ‗nenhuma, exceto a pistola para a qual você me deu permissão‘. Então, encontrei um arsenal no porão, maior que todo o armamento da força policial prussiana. Eu disse aos meus homens que levassem o bastardo para fora e o matassem. Era uma gangue de traidores cortadores de gargantas! Você acha que o bom e velho Hindenburg me mandaria uma mensagem de congratulações no dia seguinte se ele não tivesse percebido logo que eu tinha evitado uma catástrofe?‖ ―Engraçado que Hitler tivesse montado sua organização apoiada nesses delinquentes, se ele realmente queria a lei e a ordem‖, disse eu. ―Bem, creio que ele não percebeu, então. Tivemos de nos livrar deles para erguermos o partido e o Estado.‖ Nesse ponto, o guarda pediu a Goering que pegasse a bandeja para botar a sopa. Preparei-me para sair. ―Bem, teremos muito tempo para conversar sobre muita coisa antes do veredicto‖, eu disse. ―A sentença de morte, você quer dizer‖, respondeu ele, voltando à bravata cínica. ―Ela não significa nada para mim, mas minha reputação na história significa muito.‖ Ele deu um sorriso maroto. ―Esta é a razão por eu estar feliz com o fato de Doenitz ter se comprometido ao assinar a rendição. Eu não gostaria de ter meu nome relacionado a esse fato na história futura. Um país nunca faz bom juízo de líderes seus que aceitam a derrota. Quanto à morte, que vá para o inferno! Não tenho medo da morte desde quando eu tinha 12 ou 14 anos.‖ Cela de Hess: Hess não quis aproveitar a oportunidade para dar sua caminhada à tarde, preferindo ―ficar deitado e pensar‖. Entretanto, ele recebeu bem a minha visita. Primeiro, pediu para refazer o teste de dígitos ─ fez 8 para frente, 7 para trás, demonstrando uma habilidade de concentração melhor do que havia apresentado logo após a sua recuperação. ―Agora você pode acompanhar melhor o julgamento?‖, perguntei. ―Sim. Posso acompanhar tudo claramente. Não estava tão claro no começo, quando minha memória voltou, mas está claro agora.‖ Não havia esforço aparente de sua parte em manter a versão original de ―enganar o tempo todo‖. Parecia aceitar o ponto de vista de que não teria sido totalmente simulação, pois obviamente esquivava-se de qualquer sugestão de distúrbio mental. Perguntado sobre o que pensava das provas acumuladas, ele disse: ―É simplesmente incompreensível como todas aquelas coisas aconteceram.‖ ―O que você pensa de Hitler agora?‖ ―Não sei, acho que todo gênio tem um demônio dentro dele. Não se pode censurá-lo, simplesmente está dentro dele.‖ Continuou a ponderar sobre essa ideia, mas aparentemente não queria se estender no assunto, exceto para dizer: ―É tudo muito trágico. Mas, pelo menos, tenho a satisfação de saber que tentei fazer algo para acabar com a guerra. Ele expressou seu interesse na forma de governo americano. Descrevi brevemente o sistema de eleição, funcionamento e equilíbrio entre o Legislativo,


55 o Judiciário e o Executivo. Ele perguntou se o presidente poderia dissolver o Congresso a qualquer tempo. Eu lhe disse que isso era impossível. O Congresso está sujeito a controle constante por parte do eleitorado através das eleições e pesquisas de opinião, e é fundamentalmente responsável pelo povo, a quem ele representa. ―O Nacional Socialismo tinha uma boa proposta sobre isso também‖, disse Hess, ―abolindo as diferenças de classe e mantendo o povo unido.‖ ―Essa pode ter sido a ideia proposta, mas então vocês simplesmente a substituíram por um sistema cruel de discriminação racial, o que foi muito pior.‖ Ele concordou, sugestionado, respondendo com a ideia do momento: ―Sim, é verdade. Funcionou na direção oposta.‖ Então, passamos a uma discussão sobre psicologia racial, quando mostrei que psicólogos e antropólogos americanos investigaram extensivamente o problema das diferenças raciais, encontrando evidências consideráveis de que as chamadas diferenças psicológicas raciais eram na verdade ambientais, e que a teoria de uma raça superior era simplesmente ridícula. Ele concordou que os nazistas provavelmente tenham ―errado‖ em suas políticas raciais. Essa era a crença de Hess naquele domingo, 16 de dezembro. Na hora de ir à capela, Hess recusou-se mais uma vez, dizendo que nunca fora religioso e que não iria frequentar agora só porque sua vida dependia da Corte.

17 de dezembro Sessão vespertina: O coronel Storey descreveu os esforços do Partido Nazista para acabar com o cristianismo. O sucessor de Hess, Bormann, apresentou aos gauleiters, em um decreto secreto, a linha do Partido quanto ao Cristianismo, estabelecendo que: ―O Nacional Socialismo e os conceitos cristãos são irreconciliáveis. Nossa ideologia nacional socialista é de longe mais elevada que os conceitos do Cristianismo, os quais, em seus pontos essenciais, foram adquiridos do Judaísmo... Todas as influências que possam enfraquecer ou prejudicar a liderança do povo exercida pelo Führer, com a ajuda do NSDAP (Partido Nazista), devem ser eliminadas...‖ Todas as seitas da Igreja foram atacadas; milhares de sacerdotes e ministros foram jogados em campos de concentração. Em 1937, o papa Pio XI denunciou o nazismo pela sua essência: ―A apostasia arrogante a Jesus Cristo, a negação de Sua doutrina e de Seu trabalho de redenção, o culto à violência, a idolatria da raça e do sangue, a ruína da liberdade e da dignidade humanas.‖

2. Recesso de Natal na Prisão 22 de dezembro O remorso de Frank Cela de Frank: Frank fumava calmamente seu cachimbo e sorriu amável quando entrei em sua cela. ―Tive uma discussão com Ribbentrop. Não tem jeito, esse pessoal não entende mesmo o significado deste julgamento. Ele tenta me convencer de que a guerra foi necessária e inevitável. Você pode imaginar isso, depois das


56 evidências de que Hitler insistiu em promovê-la? E aquele gordo (Goering) está melindrado com o fato de eu ter entregue aqueles diários — os 40 volumes. ‗Qual o problema? Por que você não os queimou?‘, ele me perguntou. O que ele sabe sobre verdade e valores elevados? Eu me lembro o quanto refletia sobre isso quando o inimigo se aproximava. Eles me pediram para queimar os volumes antes que eu fosse capturado. Eu ouvia música enquanto pensava. Era o Oratório de Bach ‗A Paixão de São Mateus‘. Quando ouvi a voz de Cristo, algo parecia me dizer: ‗O que? Enfrentar o inimigo com a cara falsa? Você não pode esconder a verdade de Deus!‘ Não, a verdade deve aparecer, de uma vez por todas. Você sabe, tive uma discussão com aquele gordo (Goering) outro dia no almoço sobre se Hitler deveria ter sido julgado por suas ações (ver 14 de dezembro). Ninguém parece entender que não há solução a não ser contar a verdade — exceto Seyss-Inquart.‖ ―E Fritzsche e Speer?‖, perguntei. ―É, Fritzsche e Speer também. É uma tortura sentar no tribunal. Aquelas coisas terríveis colocadas friamente ante nós e ante o mundo, coisas que conhecíamos, coisas que não conhecíamos; coisas que não queríamos saber. E nos afundamos em vergonha.‖ Olhei direto nos seus olhos, questionando-o, e o sentimento da vergonha se tornou mais claro quando ele continuou: ―Oh, Já! — a vergonha é devastadora. Homens refinados, aqueles juízes e promotores, nobres figuras — ingleses, americanos — especialmente aquele inglês alto e educado. Eles se sentam do lado de lá e eu sento aqui entre caráteres repulsivos, como Streicher, Goering, Ribbentrop. Ah! Bem‖, suspirou, ―não há nada que possa ser feito sobre isso... estou feliz que você e o Padre Sixtus, pelo menos, ainda venham conversar comigo. Você sabe, o padre Sixtus é um homem maravilhoso. Se você pudesse considerar um homem ‗virgem‘, esse homem seria ele — tão delicado, tão simpático, tão puro. Você sabe o que quero dizer. E a religião é um conforto, meu único conforto agora. Encaro o Natal agora como uma criancinha. Sabe, mesmo que eu às vezes deseje, no meu subconsciente mais profundo, que essa crença na vida depois da morte seja na verdade só uma utopia, que a vida não termina essencialmente em um túmulo frio, e pronto! Finis! Então, ainda é bom se apegar a essa ilusão até o fim. Quem sabe?‖ (Essa foi a primeira vez em dois meses que ele demonstrou um insight dentro da dinâmica de sua conversão religiosa que teve toda a aparência de arrependimento e remorso completamente sinceros em seu isolamento antes do julgamento.) ―Tive alguns sonhos vívidos‖, continuou ele. ―Às vezes ouço música. Numa noite dessas sonhei com uma seleção do Concerto para Violino, de Bach. Tão claro e tão real! Foi maravilhoso!‖ ―Você ainda tem sonhos eróticos?‖, perguntei. ―Não, desde aquele que lhe contei, com a montanha e o mar. Acho que a impossibilidade de realização fez pará-los.‖ Voltei à questão da culpa. ―Eu queria saber como você pode ter feito aquelas declarações e escrito aquelas coisas em seu diário quando sabia que aquilo estava errado.‖ ―Não sei, é difícil entender a mim mesmo. Deve existir algum mal primário em mim — em todos os homens. Mas tarde, terei condições de descrever isso melhor para você. Deixe o tempo passar um pouico. Vou escrever alguma coisa para você entender... Hipnose coletiva, que mal explica o problema.


57 Ehrgeiz (ambição), que tinha muito a ver. Imagine só, eu era ministro nos anos 30, andava de limusine, tinha criados. Acho que eu queria competir com os líderes das SS. Mas Hitler cultivava esse mal no homem. Sim, ele era um fenômeno. Quando o vi naquele filme na sala da Corte, o crescimento do partido, por um momento mais uma vez me senti arrebatado, a contragosto. Sou um indivíduo suscetível. Engraçado: senta-se na Corte sob a pressão da culpa e da vergonha. Tortura-se o cérebro e procura-se explicações, agarrando-se a qualquer ninharia. Então, Hitler aparece na tela. Você estende a mão.‖ Aqui, ele estendeu a mão e fechou os olhos, ofegando como um afogado que se agarra a uma palha. ―Por um momento, você se intoxica e pensa — talvez. Mas isso passa, você abre a mão... e ela está vazia, completamente vazia! A violenta realidade da vergonha se agiganta à sua frente dia após dia na sala fria do tribunal. Deus, que idiota nós somos! ―E isso é o que acontece com todos nós. Agora, podemos ver quão artificial era a velha inspiração, em oposição à fria experiência da razão e dos padrões morais mundiais. Mas, na época, não podíamos ver isso. Estava por toda a parte. E tão logo uma fonte de inspiração se esgotava, outro fato, ou discurso, ou vitória reforçava a ilusão. Bem, é tarde demais. Estou vivendo agora um tempo emprestado. Posso usá-lo para me purificar perante Deus. Aquela polonesa que me perguntou o que eu faria se não fosse sentenciado à morte — eu queria dizer a ela, mas vou dizer a você, vou acabar com a minha própria vida. Isso não pode continuar. Eu lhe contei que uma cigana previu em 1934 que eu não viveria até os 50 anos? Vê essa linha em minha mão? Termina abruptamente, não é? Sim, ela disse que era algo ligado a um grande julgamento, o que não parecia estranho, pois eu era um advogado. E então ela disse que eu não viveria até os 50. Notável, não?‖ ―A propósito, por que você tentou se suicidar quando foi capturado?‖ ―Ora, aquilo! Eu me cortei aqui e ali, veja. Eles me trataram muito mal no início, e então toda a catástrofe, Hitler abandonando o seu povo, tudo ficando em pedaços... eu não podia aguentar.‖ 23 de dezembro Política de poder Cela de Goering: Goering estava filosófico e especulava sobre o futuro da Alemanha e da Europa. Ele reiterou seu ponto de vista de que havia uma inevitável e eterna disputa de interesses conflitantes na política internacional, que a América não tinha interesse na Europa e por isso se retrairia, deixando o continente objeto de disputa entre a Grã-Bretanha e a Rússia. ―Por que é necessário haver esse interminável e odioso conflito?‖, questionei. ―Não acha que as nações e os povos podem aprender a cooperar entre si, além do puro interesse na sobrevivência da humanidade?‖ ―Não, há gente demais no mundo‖, foi sua resposta pronta. Então, acrescentou em tom de gracejo: ―Ou talvez a ciência desenvolva um meio de alimentar a população do mundo com pílulas nutricionais ou algo parecido.‖ Ficou sério de novo e continuou: ―O fato inevitável é que a Inglaterra tem que manter o equilíbrio de poder no continente ou dominá-lo diretamente. Ela tem somente uma população de 45 milhões de pessoas para dominar um império de 500 milhões. Ela tem que manter sua segurança ao longo do Mediterrâneo e prevenir-se contra outra potência que se fortaleça o bastante para ameaçá-la. Eu quis convencer a Inglaterra que seria do seu interesse deixar-nos tornar a


58 potência dominante no continente, e garantiríamos a ela livre ação em seu império. Era do nosso interesse também deixá-la administrar a ameaça dos russos e dos japoneses. Eu já lhe contei que nós não estávamos satisfeitos com a tomada de Cingapura pelos japoneses. Mas, de qualquer modo, a Inglaterra não queria que nós controlássemos o continente. Agora, eles terão de enfrentar o colosso russo. Eu estou receoso de que a Grã-Bretanha esteja inferiorizada e a Rússia, iniciando a realização do sonho de um império eurasiano. A Inglaterra depende de uma tênue linha de comunicações apoiada por um poderio naval que já está enfraquecendo, enquanto a Rússia depende só de uma reserva de poderio humano sempre crescente. Esse poderio decisivo não está mais no mar, porém no ar. Você pensa que a Rússia se importa se a Marinha britânica bombardear uns poucos portos aqui e ali? Isso não irá impedir a Rússia de dominar um império eurasiano, da França à China. Pense nisso, uma população total de quase um bilhão de pessoas — cerca de metade da população do globo. ―Ela (a Rússia) não precisa mais fomentar revoluções para ter o controle. A Alemanha está agora tão empobrecida que o socialismo é uma consequência lógica. Stalin foi um elemento de atraso para a revolução comunista. Até o Führer percebia isso. Mas, como ele dizia, quem sabe que tipo de radical pode chegar ao poder se Stalin morrer de repente? Não sei, isso pode evoluir pacificamente. Já existe uma alta casta de candidatos lógicos com poder e influência. Molotov e todos aqueles camaradas. Sabe?‖, ele sorriu, ―sempre haverá uma casta superior não importa a forma de governo que se tenha, comunista ou qualquer outra. Os mais inteligentes e mais fortes estão prontos para assumir o poder — não se pode dizer que não.‖ Obviamente, ele referiase a si próprio, e se deleitava com a ideia. Fiz um comentário sobre a conveniência de se chegar a um entendimento com a Rússia. Goering pensou, mas não conseguiu imaginar esse entendimento. ―Não se esqueça de que a Rússia ainda é uma ditadura, como a Alemanha era, aí você tem o eterno problema da política de poder. Não se pode escapar disso.‖ ―Talvez se possa contornar se governantes sensatos tentarem resolver as coisas pacificamente em vez de forçar os problemas da maneira que Hitler fez. Você verá os resultados‖, rebati. ―Mas era absolutamente impossível convencer o Führer uma vez que ele se decidia. Poder-se-ia ter a prova mais infalível, qualquer coisa; ele não cederia. Foi assim com a questão russa. Uma vez que ele decidia atacar, não se podia dissuadi-lo... ―Perguntaram-me por que não me voltei contra ele, se eu não podia persuadi-lo a trilhar um caminho mais racional. Ora, naturalmente que eu seria executado no ato. E além disso tudo, o povo alemão não me perdoaria nunca. Como eu já lhe disse, não é uma questão de morte, mas da minha reputação na história. E se tiver de morrer, prefiro morrer como um mártir, não como um traidor. Ninguém respeita um homem que se rebela contra seu próprio soberano. Você acha que os russos tinham algum respeito por von Paulus(*)? Você acha que eu tinha algum respeito pelos generais russos que cooperaram conosco? Não, a história vê as coisas diferentemente. Não se esqueça que os grandes conquistadores da história não são vistos como assassinos — Gêngis Khan; Pedro, o Grande; Frederico, o Grande. Não se preocupe, chegará o tempo em que o mundo pensará diferente sobre tudo isso, e o povo alemão


59 verá as coisas diferentemente também. Eles estão se dilacerando uns aos outros agora, é claro. Eles devem mesmo estar nos denúnciando, em seu desespero. (*) Friedrich Wilhelm Paulus, general alemão que se rendeu, com mais 200 mil homens, ao Exército russo ao fim da Batalha de Stalingrado, em janeiro de 1943. Serviu como testemunha de acusação nesse julgamento (NT). ―Mas tudo isso vai mudar. Deixem eles experimentarem uma dose do seu governo militar um pouco mais. Maus tratos, pobreza, pilhagem, desemprego. Finalmente, eles verão quem são seus inimigos reais. Lembre-se do que eu disse sobre daqui a cinco anos. Eles se unirão em ódio contra vocês, e será algo para se apreciar. Isso lhes dará força para o seu retorno. ―Sabe, os americanos são amadores nesse jogo. Eles são tão arrogantes e ingênuos. Nós os alemães caímos no mesmo erro. Os ingleses são mais hábeis nesses assuntos. Há um provérbio: ‗O alemão tem um coração mole e uma mão dura. O inglês tem um coração duro e uma mão mole.‘ É assim que eles conseguem manter o poder. Eles venceram os bôers (*), usaram mão mole e os tiveram lutando a seu lado 10 anos depois. Estão fazendo o mesmo agora. Eles dizem: ‗Claro, deixem os americanos serem os carcereiros e promotores. Nós apenas participamos do caso; temos um juiz presidente que é imparcial e que às vezes defende os direitos dos réus. Deixem os americanos assumirem a parte agressiva e ganhar o ódio dos alemães‘.‖ ―Deduzo que você não pensaria em ser um inglês, se pudesse viver sua vida outra vez.‖ ―Além do meu próprio povo, sinto grande simpatia pelos ingleses. Há algo neles que falta aos americanos. Por exemplo, eles respeitam o posto de um homem. Eles nunca chamariam um general ou marechal de ‗Senhor Fulano de Tal‘, da maneira que seu povo faz. Um general é um general, um título é um título. Vocês americanos não entendem essas coisas. Os ingleses entendem. Outra coisa, eles nunca se precipitariam sobre um país que eles conquistaram e tentariam impor uma democracia da noite para o dia. Eles diriam: ‗Bem, neste país isto funcionaria, naquele outro, não.‘ Mas, vocês só têm uma ideia. Caímos no mesmo erro, tentando vender o Nacional Socialismo da noite para o dia nos territórios que conquistamos. ―De qualquer modo, uma coisa está clara: a Alemanha deve soerguer-se com os ingleses ou com os russos, e os russos parecem ser mais poderosos. Eles também são inteligentes. Fritzsche me contou que eles sempre perguntam sobre mim. Eu não sabia que eles tinham tanto interesse em mim. Talvez eu estivesse em melhor situação nas mãos deles.‖ ―Você pensa assim mesmo?‖ ―Quem sabe? É cara ou coroa. Eles teriam me liquidado na hora. Por outro lado, eu não poderia admitir o comunismo. Venho lutando contra ele há muito tempo. Penso que dependeria de chegarmos a um acordo.‖

(*) Comunidade de descendentes de holandeses, alemães e franceses, na grande maioria fazendeiros habitantes da África do Sul, que foram à guerra contra o colonialismo inglês no fim do século 19. (NT)


60 Cela de Ribbentrop: Ribbentrop estava nervoso, trabalhando em uma pilha de papéis sobre a mesa. Logo que entrei, ele desfiou uma torrente de justificativas, falando rápido como se estivesse lutando contra o tempo para interceder por sua vida. ―Você pensa que eu planejei a guerra de agressão, Herr Doktor? A promotoria apresenta apenas um lado da questão. Há tantos documentos! Estou certo que a própria promotoria tem documentos suficientes para provar o oposto do que ela sustenta. Eles disseram que eu avisei Hitler que a Inglaterra não lutaria. Agora eles dizem justamente o oposto. Há muitos ângulos nisso. Sabe, eu realmente contive a marcha sobre a Polônia quando a Inglaterra garantiu sua soberania. Essa acusação de antissemitismo é totalmente contra a minha natureza. Não se pode acreditar no que aquele homem, o Lahousen, disse. Pode-se conseguir qualquer declaração que se queira neste estado de psicose e ódio mundiais. Vocês detêm o poder e nós não podemos fazer nada sobre isso, mas é muita insensatez nos julgar em meio a uma psicose de guerra.Também não é prudente os judeus expressarem assim o seu ódio. Eu não os censuro nem um pouco, você entende, mas isso é muito insensato...‖ ―Como os judeus participam deste julgamento?‖ ―Ora, sei que eles têm um certo poder e influência. Há tantos judeus banqueiros em Nova York. Nunca ouviu falar em Kuhn-Loeb e Felix Warburg? Mas eu não sou antissemita, nem um pouco. Vocês não devem dar atenção a Lahousen. Eu sempre fiz negócios com empresários judeus, todo o tempo. Imagine apenas um homem que trabalhou por seis anos — estou falando de Lahousen —, manteve seu emprego por seis anos dizendo que lutava contra o nazismo todo o tempo, quando ele poderia ter caído fora de algum modo, se ele realmente pensasse dessa maneira, e agora dá um testemunho verbal inverídico em meio a toda essa psicose de guerra. Você é psicólogo. Sei que você conhece as experiências de Lombroso sobre confiabilidade de testemunhos. Sobre um acidente, ele conseguiu 12 diferentes versões de 12 diferentes pessoas.‖ O seu tom mudou para um lamento em voz baixa. ―Por que os vitoriosos não aceitam isso como uma tragédia histórica que era inevitável, e tentar trabalhar em prol de uma solução pacífica?‖, disse em tom de súplica. ―Não há utilidade em empilhar ódio sobre ódio. Isso irá atingi-los no fim, asseguro a você.‖ ―Por que você e Hitler não pensaram nisso antes? Só Deus sabe que os Aliados não queriam a guerra. Hitler acirrou todos os ódios e agressões latentes do povo, rompendo tratados, violando neutralidades, rejeitando e traindo todas as tentativas de estabelecer a paz‖, questionei. ―Você sabe que ele nunca me informava sobre todas as circunstâncias? Realmente. Muitas daquelas coisas a que você se refere eu estou descobrindo pela primeira vez neste julgamento. E eu não estou tão certo de que o documento de 1937(*) seja autêntico. Eu não sei. De qualquer maneira, eu não estava lá. Von Neurath e von Fritsch estavam. Mas, toda a perseguição e as atrocidades são revoltantes para todos nós, eu lhe asseguro. Isso não é a Alemanha. Você pode me conceber matando alguém? Agora, você é um psicólogo. Diga-me francamente, algum de nós parece assassino? Não posso conceber Hitler ordenando tais coisas. Não acredito que ele soubesse disso. Ele tinha um lado duro, eu sei, mas acreditava nele com todo o meu coração.


61 (*) O Memorando Hoszbach. Ver anotação do julgamento de 26 de novembro (NA). ―Hitler podia ser muito sensível. Eu faria qualquer coisa por ele. Himmler deve ter ordenado aquelas coisas. Mas eu duvido que ele fosse um alemão autêntico. Ele tinha um rosto peculiar. Nós não nos dávamos bem.‖ ―Você acha concebível Himmler ter feito tudo sem o conhecimento e a aprovação de Hitler, se não sob seu comando direto?‖ ―Não sei. Realmente, não sei. Mas não esqueça que estávamos em uma situação desesperada após a última guerra. Tanta miséria e desemprego. Os alemães precisavam de Lebensraum. Se vocês nos tivessem dado uma simples colônia, jamais teriam ouvido falar de Hitler.‖ Depois, a conversa mudou para a bomba atômica e a conferência para discutir o seu controle, que estava sendo realizada em Moscou. Discorri sobre o efeito devastador da bomba, suas potencialidades industriais e suas possibilidades de destruição ou liberalização da civilização. ―Céus‖, disse ele excitado, ―isso significa uma completa revolução da civilização, não é? Uma completa revolução em todos os nossos conceitos?‖ ―Sim, isso descarta todos os velhos conceitos de indústria, economia internacional e política do poder. Imagine apenas se Hitler não tivesse sido tão impaciente, a energia atômica industrial teria sido desenvolvida gradualmente sem se usá-la primeiro como uma terrível arma destruidora. A Alemanha a teria tão cedo quanto qualquer outro país. Com essas possibilidades, o Lebesraum deixaria de ser um problema crucial‖, expliquei. ―Você pensa assim? Meu Deus!... é um pensamento terrível! Está além da concepção. É uma coisa espantosa o que você está dizendo, Herr Doktor! É tão espantoso que eu não sei se poderei dormir hoje.‖ 24 de dezembro Cela de Streicher: O Natal não encontrou Streicher mais inspirado pelos ensinamentos cristãos que antes. ―O capelão deixou aqui alguns folhetos para eu ler, mas eu não dou um tostão por essas tolices. Eu sou um filósofo, você sabe. Sempre pensei nesse negócio de Deus ter criado o universo. Sempre me pergunto: se Deus fez tudo, quem fez Deus? Você vê, pode-se ficar maluco pensando sobre isso. E toda essa tolice sobre Cristo — o judeu filho de Deus —, eu não sei. Soa mais como propaganda.‖ Ele quis saber sobre as últimas notícias mundiais, e eu lhe contei sobre a conferência, em Moscou, das três potências (EUA, URSS e Inglaterra) para o controle da bomba atômica. Contei como a energia atômica poderia trazer uma revolução de longo alcance na indústria, na política e até na filosofia, tornando fora de moda as políticas nacionalistas e toda a questão de Lebensraum. ―Não diga!‖, repetia ele, com os olhos esbugalhados de espanto. ―E como vocês fazem esses átomos?‖ Expliquei que não se fazem átomos, é um simples processo de aproveitar a energia atômica, que é universal. Mas isso obviamente estava acima da sua capacidade de entendimento. Ele me pediu para conseguir alguns livros sobre o assunto, com fotografias.


62 25 de dezembro Retrospecto da agressão Cela de Goering: O espírito do Natal ainda estava bem longe da mente de Goering. Ele insistia que a única realidade era o interesse próprio entre os indivíduos e entre as nações. Voltamos então a discutir o Pacto de Munique. ―Na verdade, a coisa toda se resumia a um já preparado ‗affair‘‖, começou ele. ―Chamberlain e Daladier não estavam nem um pouco interessados em sacrificar alguma coisa ou a pôr em risco para salvar a Tchecolosváquia. Estava claro como o dia para mim. O destino da Tchecoslováquia foi essencialmente selado em três horas. Então, eles passaram mais quatro horas discutindo sobre a palavra ‗garantia‘. Chamberlain fazia rodeios. Daladier pouco prestava atenção. Ele estava sentado lá assim.‖ Goering espichou as pernas, recostou-se na cama, arriou a cabeça com uma expressão entediada. ―Tudo o que ele fazia era um sinal de aprovação de vez em quando. Nem a menor objeção a nada. Eu estava espantado como Hitler administrava facilmente a situação. Afinal, eles sabiam que a Skoda e outras indústrias tinham fábricas de munição nos Sudetos, e que a Tchecoslováquia estaria à nossa mercê. Quando ele insinuou que certos armamentos que estavam na fronteira dos Sudetos seriam levados para aquele território assim que tomássemos posse, pensei que iria haver uma explosão. Mas não — nem um pio. Conseguimos tudo o que queríamos, assim !‖ (ele estalou os dedos). ―Eles nem insistiram em consultar os tchecos, apenas formalmente — nada. No fim, o delegado francês para a Tchecoslováquia disse: ‗Bem, agora terei de comunicar o veredicto ao condenado.‘ Isso foi tudo. Quanto à questão da garantia, decidiu-se deixar para Hitler garantir o resto da Tchecoslováquia. Eles sabiam perfeitamente bem o que aquilo significava.‖ Cela de Keitel: Keitel ficou grato pela visita de Natal e logo abriu seu coração em confidências. ―Por favor, não conte a ninguém até que tudo isso acabe, mas eu estou convencido de que a decisão de Hitler de atacar a Rússia foi uma confissão de fraqueza, e que a guerra com a Polônia era desnecessária.‖ ―Verdade?‖ ―Absoluta! Agora estou firmemente convicto, e nem Goering nem Ribbentrop podem me dissuadir. Mas, não diga isso aos outros ou manterei a boca fechada. Quando não podemos atravessar para a Inglaterra — o que era impossível porque não tínhamos bastante navios —, tínhamos que fazer alguma coisa. O que poderíamos fazer? Tomar Gibraltar? Nós queríamos, mas Franco estava com medo de arriscar. Ficar sentados? Impossível. Era tudo o que a Inglaterra precisava para nos matar de fome, mais cedo ou mais tarde. E todo o tempo o sangue vital da nossa Wehrmacht vinha dos campos petrolíferos da Romênia. Lembre-se disso, professor. Petróleo! Era a chave vital para toda a situação. Sem o petróleo romeno não duraríamos uma semana. E havia a Rússia; eles poderiam nos cortar os suprimentos a qualquer tempo. Penso que Hitler deve ter visto que nós estávamos numa posição desesperada. Recebíamos cerca de 150 mil toneladas de petróleo por mês da Romênia. Precisávamos de um mínimo absoluto de 300 mil a 350 mil toneladas/mês para continuarmos a guerra. As 100 mil toneladas que conseguíamos na produção doméstica, incluindo óleo sintético, eram apenas uma gota num balde. A Luftwaffe sozinha precisava de 100 mil toneladas/mês. Se perdêssemos os campos petrolíferos romenos estaríamos acabados. Hitler


63 sabia que não podíamos sentar e esperar. Quando o assunto era estratégia, ele era mais inteligente do que Goering ou Ribbentrop, e, é claro, eu nem conto. Na verdade, o ataque à Rússia foi um ato de desespero porque ele viu que nossa vitória era só temporária, e a pequena expedição de ataque de Rommel no Norte da África não teria maiores consequências. Ele falava, é claro, como se a campanha russa fosse uma coisa segura, nosso destino manifesto e nossa solene obrigação. Mas agora, quando olho para trás, estou certo de que foi um jogo desesperado.‖ ―Você realmente pensa assim?‖, perguntei. Keitel pôs o dedo na testa e piscou o olho. ―Ja! Eu não acho que ele estivesse tão seguro de si, no seu íntimo, embora parecesse bastante convencido. Foi um ato de desespero. Ninguém pode me dizer o contrário. Nem Goering, nem Ribbentrop. Mas, por favor, não conte a eles que eu disse isso. A ofensiva na Rússia foi loucura e o ataque à Polônia foi provocado por nosso lado.‖ ―Sim, em me lembro, o testemunho sobre os uniformes poloneses e a estação de rádio de Gleiwitz‖, respondi. Isso tocou em uma ferida sensível, e Keitel se eriçou. ―Mas, eu disse a Canaris: ‗Deixem suas mãos afastadas disso!‘ Eu disse a ele que a Wehrmacht não tinha que se misturar com aquele tipo de negócio. Ele disse que não tinha nenhum uniforme polonês. Acredite-me, Herr Professor, eu não tinha então ideia do que eles estavam planejando exatamente. E não tinha absolutamente ideia das tentativas de Chamberlain e de Roosevelt para evitar a guerra em 1939. Eu não tinha ideia, absolutamente! Hitler não deu o menor sinal de que a guerra seria inevitável. ―Bem, é o destino de cada um — eu queria ser um proprietário rural. Mas, devo lhe dizer uma coisa, Herr Professor, um americano não pode entender nosso desespero após o Tratado de Versalhes. Pense só nisso: desemprego, desgraça nacional. Deixe-me dizer francamente, o Tratado de Versalhes foi uma vergonha imunda! Isso foi o que cada alemão decente sentiu. Imagine rasgar o coração da Prússia para dar à Polônia um corredor para o mar! Não pense que foi fácil vender ao povo a ideia de que a Polônia estava sendo inflexível e egoísta ao negar-nos Danzig. Cada alemão decente tinha de dizer: ‗Abaixo o Tratado de Versalhes, por qualquer meio, lícito ou ilícito!‖ ―Acho que os Aliados desejavam fazer concessões razoáveis. Se Hitler não estivesse tão empenhado em promover a guerra...‖, comentei. ―Sim, eu sei. Bem, agora está tudo acabado.‖ Suspirou tristemente. ―Todos nós acreditamos tanto nele, e agora levamos toda a culpa e a vergonha! Ele nos deu as ordens. Dizia que era de sua inteira responsabilidade. Para se fazer justiça, ele deveria ter ficado para levar a culpa também. Mas, por favor, não diga nada aos outros o que eu lhe contei. Uma vez eu mencionei isso a Goering e ele explodiu, lembra?‖ ―Certamente, Hitler era um demônio destruidor‖, disse eu, para testar a extensão de sua renegação. ―Sim, e afortunado no início. Teria sido melhor se Hitler não tivesse tido tanto sucesso. Imagine, nós recuperamos o Ruhr com três batalhões, apenas três batalhões! Eu disse a Blomberg: ‗Como podemos fazer isso com apenas três batalhões? Suponha que a França resista?‘ E Blomberg respondeu: ‗Oh! Não se preocupe. Nós temos de arriscar.‘ E ele conseguiu!‖


64 ―Creio que um regimento das tropas francesas teria repelido vocês‖, disse eu, casualmente, levantando-me para sair. ―Ora, eles poderiam ter nos afugentado desta maneira‖ — com seu dedo médio, Keitel deu um piparote como se afastasse uma mosca incômoda —, ―e eu não ficaria nem um pouco surpreso se eles soubessem quão fácil seria. E então houve o Anschluss (anexação) de toda a Áustria sem se disparar um tiro. Foi assim que uma coisa levou à outra. Bem, agradeço-lhe do fundo do meu coração a visita de Natal. Você é a única pessoa com quem posso conversar. Um Feliz Natal para você!‖ Fez uma reverência, curvando-se na cintura. 26 de dezembro O estado mental de Hess Cela de Hess: Hess trabalhava em sua defesa e pediu para que o reteste de Rorschach fosse adiado até o reinício do julgamento. Ele estava cordato em tudo. Tentei conseguir detalhes adicionais sobre a volta de sua memória a partir de conversas anteriores. ―A propósito, sua memória voltou logo depois que seu advogado lhe disse que esperava que você fosse considerado incapaz de se defender? Como você se sentiu na manhã seguinte? Você acordou e percebeu que sua mente clareava e então decidiu dizer a eles que sua memória estava em ordem?‖ ―Não, tudo aconteceu muito rápido, logo antes do início da sessão especial sobre o meu caso.‖ ―Então, foi mais o efeito de eu ter lhe contado que você deveria ser considerado nicht verhandlungs-fähig (incapaz de permanecer no tribunal) logo antes da sessão?‖ ―Sim, sem dúvidas... A propósito, há algo — talvez ainda seja uma ideia fixa — mas eu tive dor de cabeça de novo depois de comer bolachas creamcrackers ontem.‖ Ele pegou uma pequena embalagem de celofane com bolachas e me ofereceu uma. ―Você poderia fazer o favor de comer isso e me dizer se lhe dá dor de cabeça? E isso também.‖ Pegou também um pacote de ração-K de bolachas e me deu uma. Comi as duas e ele se sentiu um pouco tolo. ―Claro, deve ter sido acidental por causa das minhas contínuas cólicas de estômago. Eu não teria dado importância, mas isso aconteceu duas vezes.‖ ―Você está progredindo em sua defesa? Pode se concentrar bem?‖ ―Sim, mas ainda me sinto um pouco cansado. Não posso me concentrar de todo; Tenho sempre que descansar um pouco, me deitando ou parando de trabalhar por um minuto. É porque tenho que conservar minha energia durante este recesso para trabalhar na minha defesa.‖ 27 de dezembro Cela de Hess: Hess estava deitado na cama, descansando. Disse-lhe que as bolachas não me haviam dado dor de cabeça ou me feito ficar doente. Ele afastou o assunto, dizendo: ―Bem, então creio que deve ter sido outra coisa.‖ Conversamos um pouco sobre o julgamento. Ele admitiu que estava desiludido sobre uma porção de coisas que vieram à luz no tribunal que ele não tomara conhecimento durante o tempo em que esteve preso na Inglaterra. Insinuei que ele deve ter ficado bastante perturbado pela reviravolta da guerra após a entrada dos Estados Unidos. ―Sim, foi um choque. Quando eu voei para a Inglaterra eu estava certo de que poderíamos ganhar‖, considerou ele, sem qualquer emoção.


65 ―Mas, Hitler deve ter considerado a possibilidade da América se aliar antes mesmo do ataque à Polônia.‖ ―Por que? Ir à guerra por causa de Danzig?‖, rebateu. ―Não, como um passo necessário para cessar a agressão. Afinal, o mundo não poderia permanecer inerte vendo Hitler engolir um país após o outro. Tentamos tratados, tudo para impedir a guerra. Ele deveria saber que não podia continuar sempre com aquilo tão facilmente quanto foi com a Áustria e com a Tchecoslováquia. Você diz que você queria a paz. Você não tentou dissuadi-lo?‖ Hess pensou um pouco, e então respondeu devagar: ―Bem, eu não gostaria de responder agora.‖ Logo após, ele teve outro acesso de cólicas. Gemeu de dor por um momento e se acalmou. Depois, me perguntou mais uma vez se eu tinha lido notícias na imprensa sobre suas respostas às questões relativas à sua viagem à Inglaterra, que ele havia fornecido ao seu advogado. Respondi que não, mas que eu lhe contaria se lesse. Cela de Schacht: Ainda bem disposto, ele considerava sua prisão como algo que teria de tolerar com bom humor, como se o julgamento não se referisse a ele. ―Eu pelo menos tentei parar Hitler depois que descobri o que ele estava para fazer... eu considerava Goering um criminoso nato. Mal posso olhar para ele. Sabe, roubar é muito pior que matar, mostra o caráter do homem. Pode-se conceber um crime passional, mas roubar é tão baixo!‖ Fez uma expressão de desprezo. ―Pilhar os tesouros dos países ocupados! Arre! Isso é tão desprezível! Nunca pude me dar bem com ele, sempre tivemos nossas diferenças. Eu sei o tipo de homem que ele é. Streicher é um estúpido. Não vale nem a pena se falar sobre ele. Keitel era um puxa-saco. Está dentro dele. Tome um homem como von Fritsch. Ele foi um homem. Evidentemente, enfrentou Hitler no problema da guerra de agressão. Você pode verificar isso agora pelo fato de ter sido removido do seu posto três meses após aquela reunião de 5 de novembro de 1937.‖(*) ―Você acha que a morte dele em combate foi arranjada?‖ ―Não posso chegar a outra conclusão‖, replicou Schacht. Continuamos a discutir sobre comércio e o Tratado de Versalhes. ―Não se esqueça de que o que nós tentamos fazer no início não era tão mal. Tínhamos que ter alguma base para subsistirmos. Os empréstimos não eram solução para a nossa economia. Eles só proporcionavam ganhos para os seus banqueiros. Mesmo o Anschluss da Áustria foi mais um passivo que um ativo. Eles não tinham riqueza nacional. Com a Tchecoslováquia e a Noruega foi diferente. Mas eu queria um acordo de comércio, só isso. Só isso era necessário. Trocamos nossos excedentes e todos ganham mais. Acusaram-me de retroceder ao sistema primitivo de escambo. O que no mundo eles poderiam esperar? A América tem todo o ouro, estocado em algum subterrâneo do Kentucky. Isso não tem nenhum sentido. Não é útil para ninguém, e mesmo o governo perde juros com isso.‖ ―Acho que deve haver algum objetivo em estocar o ouro‖, disse eu. (*) Ver anotação do julgamento em 26 de novembro (NA).


66 ―Em tempo de guerra, talvez. Mas se eles acumulam em tempo de paz, não faz nenhum sentido. De qualquer modo, nós não estávamos em posição de comerciar com base em ouro. E os empréstimos que conseguimos obviamente não podiam ser reembolsados, quanto mais os empréstimos que vocês estão fazendo agora. J. P. Morgan ganhou suas comissões com eles. Piores ainda foram os empréstimos entre Dawes e Young Plans. Foi o que Baker, Dillon Read, Lee Higginson e alguns outros banqueiros de Nova York nos deram. Eram maus empréstimos, que não queríamos e não poderíamos pagar. Eles só proporcionaram comissões aos banqueiros, e ao nossos políticos algo com que jogar.‖ Ele mostrou ansiedade quanto ao seu futuro após a esperada absolvição, porque seus bens foram saqueados por alemães logo que foi preso como criminoso de guerra, e ele duvidava se a Alemanha teria utilidade para banqueiros. ―De qualquer forma‖, acrescentou, bem-humorado, ―eu só tenho 12 anos pela frente. Devo morrer com 81.‖ ―Por que?‖, perguntei, curioso, não acreditando que ele pudesse ser supersticioso. ―Porque somos uma família em degeneração. Meu avô morreu aos 85, meu pai, aos 83, e eu devo morrer aos 81 e meu filho, aos 79 anos.‖

28 de dezembro O Fuhrerprinzip Cela de Rosenberg: Ao discutir o Führerprinzip (*), ele lançou outra típica peça rosenbergueana de racionalização histórica. O Führerprinzip simplesmente tinha sido exorbitado, como aconteceu com outras grandes ideias na história. ―A Revolução Francesa foi dedicada à ideia da fraternidade, mas, ao realizarem, eles chegaram a um banho de sangue... e ninguém mais pensa nisso agora; a Igreja Católica pregava a doutrina de paz na terra e boa vontade entre os homens, mas veja os assassinatos em massa na Inquisição; Lutero queria uma Reforma iluminada, mas veja a sangrenta Guerra dos Trinta Anos com os protestantes e católicos matando-se uns aos outros em nome de Deus. Vocês considerariam Lutero responsável por aquela guerra? Vocês não podem nos considerar responsáveis pelas atrocidades acontecidas. Não foi a ideia original. Ora, eu admito que temos uma certa responsabilidade em montar um partido que não funcionava bem e deveria ser extinto. Mas a culpa quanto a atos puníveis — conspiração e tudo o mais — foi, quando muito, de Hitler, Himmler, Bormann e talvez Goebbels. Mas eles estão mortos. Não somos culpados. Himmler é o verdadeiro culpado. Ele se aproveitou de atos de guerra para exercitar seu poder de vida e morte por razões de segurança, e então se excedeu.‖ ―Como Himmler entrou no problema social?‖ ―Oh, experiência, história e algum misticismo também, eu acho. Duvido que ele realmente entendesse o problema. Foi o nosso grande erro: dar tanto poder ao chefe de polícia. Foi onde o Führerprinzip foi destorcido. Ele foi planejado para talvez 200 mil líderes políticos, não para toda uma nação de 80 milhões. O povo idolatrava Hitler e lhe dedicava pessoalmente lealdade cega. Não era a ideia original. Eu mesmo dizia nos meus discursos que essa concentração de poder era necessária apenas em tempo de guerra. Mas não significava que o Führerprinzip fosse errado.‖


67 Quando o major Kelley voltou para a América, Rosenberg deu-lhe uma anotação explicando porque a América teria de enfrentar os mesmos problemas. (*) Führerprinzip ou ―Princípio de Comando‖, pelo qual a palavra do líder era lei, e os civis e militares eram responsáveis somente até os seus superiores imediatos, e assim por diante até chegar ao Führer, a quem todos deviam obediência inquestionável (NA).

29 a 31 de dezembro Os Criminosos de Guerra de Dachau Visitei a prisão de Landsberg, perto de Munique, onde os primeiros 38 criminosos sentenciados à morte nos julgamentos dos crimes de guerra de Dachau aguardavam a execução. A prisão onde Adolf Hitler escrevera Mein Kampf (Minha luta) agora era usada como corredor da morte para aqueles assassinos. Embora a construção fosse muito parecida com a prisão de Nuremberg, o bloco de celas apresentava uma estranha visão com duas fileiras de cabeças dos criminosos saindo das portinholas das celas, conversando e rindo uns com os outros ao longo do corredor, fazendo parecer que estavam sendo expostos no pelourinho antes da execução, e gostando disso. GIs entendiados montavam guarda por ali, brincando com suas carabinas, comparando entre eles os respectivos pontos para sua desmobilização. Entrevistei brevemente cerca de metade dos criminosos e apliquei testes em dez deles. Representavam quase toda a gama de inteligência, desde brutos estúpidos, como Viktor Kirsch, até doutores brilhantes, como o velho Klaus Schilling, que matou centenas de internos de Dachau em experiências com a malária. O Dr. Schilling alegava que estivera procurando um soro antimalária, mas não estava certo de ter conseguido porque não podia obter relatórios acurados sobre as causas das mortes. Himmler incentivou seus experimentos porque, segundo o médico, ―estava também impressionado com a possibilidade de a reputação das SS crescer se eu tivesse êxito. Eu não percebia então que aquilo era apenas seu jogo barato com vidas humanas para aumentar a sua reputação, a fim de que ele pudesse mostrar que não era só um assassino, mas um benfeitor da ciência‖. O Dr. Schilling lembrou-se de ter visto ciganas nuas deitadas sob cobertores, esperando serem colocadas junto a corpos de homens congelados ao ponto de morte, para revivê-los, ―esquentando-os com o ‗calor animal‘ das mulheres — apenas sadismo sexual!‖ Suas próprias experiências eram mais científicas. Os criminosos menos científicos alegavam que a matança em Dachau foi estritamente promovida por ordens superiores, e estavam indignados com que pudessem ser pessoalmente responsabilizados por isso. A morte por inanição também era assunto administrativo, fora de seus controles. Eis alguns exemplos de explicação: Josef Seuss, assistente administrativo: ―Sim, eu vi homens mortos que tinham sido parcialmente comidos no transporte de 1942... O que eu podia fazer? Um soldado deve somente cumprir suas ordens... Não sabíamos que Himmler era tão filho da puta assim, ir embora e nos deixar aqui‖ (soluços de auto-piedade).


68 Walter Langleist, comandante de batalhão, com lábios finos, face austera, excessivamente polido, tentando pateticamente mostrar sua dignidade oficial em seus andrajos e sua barba: ―O que é que eu podia fazer? Eu era apenas arraia miúda. Eu não tinha muito o que fazer sobre isso. Aquelas coisas eram feitas com ordens dos chefões (Bozen)... Estou muito desapontado com o veredito.‖ (Ao sair, olhou para uma baga de cigarro, mas não pegou). Anton Endress, supervisor, psicopata sádico com um rosto ossudo repulsivo e cruel, olhos cinzas e expressão insensíveis: ―Himmler deu as ordens, e se nós não o obedecêssemos, morreríamos. Agora, aqueles chefões em Nuremberg não querem saber de nada sobre isso. Eles dizem que não ordenaram os assassinatos. Que subordinados ousariam fazer algo sem ordens? Eles dizem que tudo foi feito por trás de suas costas. Será uma vergonha indecente deixar os chefões que deram as ordens escaparem.‖ Frank Trenkle, supervisor e carrasco, agindo de maneira muito patética, subserviente, indefeso, com a expressão desolada: ―Eu apenas fuzilei sob o comando do Gauleiter Giessler. Não podia impedir as atrocidades. Eu só podia executar as ordens ou seria colocado no paredão. O Führer (Hitler) e o ReichsFührer SS (Himmler) — eles provocaram isso tudo e agora estão mortos. Gluecks recebeu as ordens de Kaltenbrunner e, por fim, eu as cumpri, fuzilando. Todos eles podem passar a responsabilidade para mim porque eu era somente um pequeno HauptscharFührer (sargento nas SS), e não podia passá-la adiante, linha abaixo, e agora eles dizem que eu sou um assassino... espero que nenhum daqueles filhos-da-puta em Nuremberg escape. Seria uma terrível injustiça. Foram eles que deram as ordens, sabiam de tudo e podiam impedir. Desejaria estar em Nuremberg — gostaria de dizer algo a eles.‖ (Soluçou e pegou uma baga de cigarro pisada quando saiu com o guarda). Parecia haver algo radicalmente errado com o Führerprinzip de Rosenberg.

3. Concluída a Acusação Anglo-Americana 3 de janeiro de 1946 Speer rompe a frente unida de Goering Sessão da manhã: O coronel Amen convocou Ohlendorf, ex-chefe da SD, para depor. Ohlendorf descreveu como as ordens para o assassinato em massa eram dadas e executadas e como ele ordenara o extermínio de 90 mil judeus por um grupo de ação. Deu detalhes repulsivos do fuzilamento em massa de homens e do extermínio em vagões de gás de mulheres e crianças. Tudo diretamente ordenado por Himmler em nome do Führer, e ele teve que obedecer. (O efeito nos réus foi deprimente, uma vez que a realidade e a vergonha inescapáveis do assassinato em massa estavam sendo expostas pela inquestionável e fidedigno depoimento de um oficial alemão que admitia ter participado dos crimes). Hora do almoço: Ao fim da sessão, Goering tentou imediatamente depreciar a testemunha: ―Ach, lá vai outro vendendo sua alma ao inimigo! O que aquele suíno espera ganhar com isso? Ele vai ser enforcado de qualquer maneira.‖ Funk tentou uma fraca defesa de Ohlendorf, dizendo que sabia ser ele um funcionário honesto e sincero nas suas obrigações e que não havia dúvidas de que ele estava fazendo uma confissão clara com o propósito de estabelecer a verdade. Muitos outros também disseram não haver questionamento sobre a


69 integridade do seu testemunho, e até Frank expressou sua admiração por um homem que assinava sua própria sentença de morte para servir à verdade. Ele virou-se para mim e disse: ―Não acho que se possa chamá-lo de um mau alemão por isso; você conhece a minha posição.‖ Na mesa do almoço no andar superior, Fritzsche estava tão deprimido que quase não pôde comer. Frick, entretanto, observou como seria bom se pudesse esquiar com esse bom tempo. Fritzsche parou de comer, olhou para mim em desespero e então encarou Frick. Quando eles desciam em fila para a sessão da tarde, Fritzsche sussurrou ao passar por mim: ―Vamos esquiar, doutor?‖ Estava pálido de raiva. Sessão da tarde: Durante a inquirição de Ohlendorf, Speer jogou uma bomba através do seu advogado, ao perguntar se a testemunha sabia que ele, Speer, havia tentado assassinar Hitler em fevereiro e planejado entregar Himmler ao inimigo para responder por seus crimes. (Isso causou sensação entre os réus, que olhavam uns para os outros desnorteados, enquanto Goering se agitava e vociferava ofensas do seu canto no banco dos réus). Durante o intervalo, Goering atacou Speer, questionando raivoso como ele ousava admitir a traição em plena Corte e destruir toda a frente unida deles! Seguiu-se uma discussão acalorada, com Speer virtualmente mandando Goering para o inferno. Espantado, Goering ficou sem saber o que dizer. Na procura de algum tipo de apoio, ele inclinou-se para Funk e disse: ―A propósito, você está certo sobre Ohlendorf.‖ Voltou para seu lugar e sussurrou aos vizinhos mais solidários, Hess, Ribbentrop e Keitel, sua condenação à ―traição‖ de Speer. Mais tarde, o coronel Brookart convocou Wisliceny, homem da Gestapo, que testemunhou como ele vira a ordem de Himmler para a ―solução final‖ do problema dos judeus, implicando definitivamente Hitler como fonte original da ordem. Eichmann, chefe da seção da Gestapo encarregada dos ―Problemas da Igreja e dos Judeus‖, havia explicado a ele que ―o conceito de solução final significava a destruição biológica planejada da raça judia nos Territórios Orientais... Eu disse a Eichmann: ‗Deus nos livre dos nossos inimigos terem a oportunidade de fazer o mesmo com o povo alemão‘, e Eichmann disse que eu não devia me tornar sentimental, que era uma ordem do Führer e que deveria ser executada.‖ Esse programa começou com Heydrich e continuou com Kaltenbrunner. À noite na prisão Cela de Goering: Nessa noite, Goering parecia cansado e deprimido. ―Foi um péssimo dia‖, disse ele. ―Dane-se aquele estúpido idiota, o Speer! Viu como ele se desgraçou na Corte hoje? Gott im Himmel! Donnerwetter nochmal! (Deus do céu! Raios! - N.do T.). Como ele pôde se humilhar tanto, fazendo uma coisa tão podre para salvar seu miserável pescoço! Eu quase morri de vergonha! Pensar que alemães podem ser tão podres para prolongar essa vida imunda — falando francamente, para mijar na frente e cagar por trás por um pouco mais de tempo. Meu Deus! Você acha que eu dou mais que um tostão por essa vida miserável?‖ Ele me olhou firmemente com os olhos brilhando. ―Por mim, não me importo se eu for executado, ou me afogar, ou morrer em acidente de avião, ou beber até morrer! Mas ainda há honra nessa vida miserável! Tentativa de


70 assassinar Hitler! — Ugh! Gott im Himmel! Eu queria me afundar no chão! E você acha que eu teria entregue Himmler ao inimigo, culpado como ele era? Que nada, eu teria liquidado pessoalmente o filho da puta! Ou, se tivesse que ter algum julgamento, uma Corte alemã o teria sentenciado! Os americanos entregariam seus criminosos para nós os sentenciarmos?‖ Ele foi chamado para ver o seu advogado de defesa, e assim que deixamos a cela ele retomou a sua pose usual espirituosa para impressionar os guardas e alguns prisioneiros que pudessem estar atentos. Cela de Speer: Quando entrei na cela de Speer, ele riu nervosamente. ―Bem, a bomba explodiu hoje. Fico satisfeito por você me visitar; vai ser um pouco penoso para mim agora. Foi uma decisão dura de tomar. Isto é, eu tinha decidido fazer isso há muito tempo, mas foi duro para mim chegar a esse ponto.‖ Continuou explicando que a única coisa que lastimava era não ter podido ao mesmo tempo fazer a alegação de partilha da culpa coletiva da liderança do partido por apoiar Hitler. ―Aqui, deixe-me mostrá-lo, tenho um rascunho dela, mas tivemos de nos declarar culpados ou inocentes, e eu me declarei inocente das acusações apresentadas.‖ Remexeu os papéis. ―Claro que estou um pouco nervoso. Goering voou para cima de mim porque eu arrasei sua frente unida. Até Doenitz me cortou, e você sabe que éramos bem amigos. Eis a segunda página, pelo menos.‖ Ele leu a declaração que havia preparado, admitindo a responsabilidade da liderança pela catástrofe. Depois, explicava em detalhes como tinha planejado o rapto de dez líderes do partido, incluindo Hitler, Himmler, Goebbels, Bormann, Keitel, Goering, que seriam levados de avião para a Inglaterra, mas os demais conspiradores desistiram no último minuto. ―É claro que todos estão furiosos comigo agora‖, disse ele. ―Isso mostra que alguém tentou fazer alguma coisa em vez de obedecer àquele maníaco destrutivo até o fim. Só tenho medo que algum maluco tente fazer algo à minha família agora. Você conhecia minha posição desde o início. Não tenho ilusões sobre minha própria vida. Mas é com o povo alemão e com a minha própria família que me preocupo agora.‖ Assegurei-lhe que o povo alemão também estava desiludido quanto à aventura nazista e não faria mal à sua família. 4 de janeiro Sessão matutina: Foi apresentada a causa contra o Estado Maior e o OKW (Comando Supremo da Wehrmacht). Durante o intervalo, Jodl, vermelho de raiva pela primeira vez, foi ouvido dizendo a seu advogado: ―Aqueles generais que estão guinchando contra nós como testemunhas para salvar seus pescoços têm que ver que eles são tão criminosos como nós somos e também sujeitos à forca! Eles não pensem que podem se vender testemunhando contra nós e dizendo que eram só funcionários menores!‖ Hora do almoço: Goering parou no meio de uma conversa casual e bateu zangado na mesa: ―Danem-se! Não me importo com que o inimigo tente nos fazer, mas o que me faz ficar doente é ver alemães enganarem-se uns aos outros!‖ Von Schirach levantou-se e acenou para Goering, como se passasse um recado para ele. ―Vá e converse com aquele idiota!‖, disse Goering


71 Fora da sala, pude ver Schirach andando para um lado e para o outro, argumentando com Speer. Tudo o que pude ouvir quando passei foi Speer dizendo: ―Então ele foi mais que um covarde.‖ À noite na prisão Cela de Speer: Ele me contou a sua conversa com von Schirach: ―Ele tentou me dizer que eu estava desgraçando a mim mesmo e o meu bom nome na Alemanha, e que Goering estava furioso e tudo mais. Eu lhe disse que Goering deveria ter se enfurecido quando Hitler levava toda a nação direto para a destruição! Como segundo homem do Reich, ele tinha a responsabilidade de fazer algo sobre isso, mas então ele foi mais que um covarde! Em vez disso, dopou-se com morfina e saqueou tesouros artísticos por toda a Europa. Falei bruscamente sem meias palavras. Acho que estão todos loucos e mostrei que eles não tinham que continuar mentindo. Você sabe, Goering ainda pensa que é o maioral e dá o seu show mesmo como criminoso de guerra. Ele mesmo me disse ontem: ‗Você não me contou que iria dizer aquilo!‘ O que você acha disso?‖ Ele deu um sorriso de alívio. 5 e 6 de Janeiro Fim de semana na prisão Cela de Schacht: Schacht dedicava-se a seu eterno jogo de paciência, sentado à mesa e usando o casaco de pele, porque fazia frio na cela. Perguntei-lhe o que achava dos últimos acontecimentos. Ele sorriu: ―Acho que Kaltenbrunner está frito. Sabe, nunca pensei realmente que ele fosse capaz de fazer tais coisas. O mesmo para Ohlendorf. Você já viu um homem que parecesse mais correto, mais direito, de caráter honesto? E ele era principalmente um homem de negócios, e de repente se vê acusado de agir em grupo com ordens de assassinar 90 mil pessoas! Como uma pessoa decente pode chegar a tal ponto? Eu mesmo tenho imaginado no que eu faria sob as mesmas circunstâncias. Suponha que eles viessem a mim com aquelas ordens. Ora, eu diria: ‗Na verdade [Schacht engoliu a seco e gaguejou, como faz fora de cena], estou completamente arrasado. Eu... eu... não esperava ter que fazer uma coisa dessa!‘ E então eu pensaria nisso por algumas horas e finalmente diria que aquilo eu não poderia fazer, e eles poderiam me fuzilar ou me prender ou me enviar para o front, ou qualquer coisa que eles quisessem. Mas aquilo eu não faria.‖ ―Speer também recusou-se no fim a cooperar com Hitler e tentou assassinálo, segundo ele expôs aqui na quinta-feira. Isso mostra que vocês não têm com o que se preocupar. O que você acha?‖ ―Speer fez aquilo porque Hitler estava prolongando desnecessariamente a guerra. Mas fui eu quem por primeiro o reconheci como criminoso. Fiz minha primeira tentativa de afastá-lo em 1938.‖ Schacht parecia não querer deixar todo o crédito para Speer de querer assassinar Hitler. ―Pude ver que ele não tinha nenhuma honra e enveredava por uma política que terminaria claramente em catástrofe. Eu contei isso a Hess em nossa caminhada esta manhã. A propósito, Hess está louco. Está tramando alguma desculpa mística sobre a coisa toda. Eu mencionei que poderia até entender assassinatos sob certas circunstâncias, porém roubo e corrupção requerem basicamente um caráter desprezível. Sabe, aquilo que lhe contei sobre Goering. Eu também disse a Hess que apoiara o Führer até 1938, e então descobri que ele era um


72 criminoso; que pus em prática minha primeira tentativa de nos livrarmos dele depois do caso von Fritsche. — Eis como conversamos sobre tudo. — Então, de repente, Hess me disse misteriosamente: ‗É, eu posso explicar tudo isso‘. Imagine você, ele nunca tinha ouvido sobre essas coisas antes. Ele simplesmente diz: ‗Sim, eu posso explicar todas essas coisas — o enriquecimento de Goering, o caso Witzleben(*), tudo — espere e veja!‘ Você pode imaginar isso? Que espetáculo será sua defesa final!‖ Cela de Goering: Deliberadamente, Goering ainda não reconhece a evidência de assassinato em massa e de guerra de agressão e limita-se a pinçar aspectos legais do julgamento. ―O caso contra o Estado Maior é terrivelmente fraco‖, disse ele. ―Eu queria ver o que o ‗Army & Navy Journal‘ de vocês tem a dizer sobre isso. A ideia toda de conspiração é absurda. Nós tínhamos um Führerstaat. Em última análise, tínhamos ordens de obedecer ao Chefe de Estado. Não éramos um bando de criminosos nos encontrando nas matas na calada da noite para planejar assassinatos em massa, como em novelas baratas... Afinal, os quatro reais conspiradores estão ausentes aqui: o Führer, Himmler, Bormann e Goebbels — e Heydrich, também. Aquele Wisliceny(**) é apenas um porquinho que quer parecer grande porque Eichmann não está aqui...‖ Ele pensou um pouco e continuou: ―Aquele Himmler! Eu gostaria de estar com ele por apenas uma hora e questioná-lo sobre algumas coisas. Eu conto isso só para pessoas mais chegadas: se eu tivesse assumido (o poder) eu me livraria de Bormann e Himmler; Bormann em cico minutos, porém com Himmler levaria mais tempo, poucas semanas talvez. Eu tinha dois caminhos em mente: ou o convidava e a toda a sua gangue para um jantar e teria um regimento meu pronto para livrar-se deles; ou apenas o apeava do poder retalhando a sua máquina e colocando-o em disponibilidade por aí com um monte de títulos, mas nenhum poder. A primeira coisa que eu faria seria separar a polícia das SS. Veja, Bormann era um joão-ninguém sustentado pelo Führer e por ninguém mais. Porém, Himmler era poderoso demais para eu me livrar logo dele.‖ Perguntei-lhe mais uma vez sobre o que ele achou do testemunho que mostrou que o próprio Hitler tinha ordenado os assassinatos em massa. Sua resposta foi uma revelação interessante de sua atitude perante todo o julgamento: ―Ach! Aqueles assassinatos! É uma vergonha detestável tudo aquilo. Eu preferia não falar sobre isso, ou mesmo pensar sobre isso. Mas aquela acusação de conspiração... Espere até eu começar a falar sobre isso. Você assistirá a uma verdadeira pirotecnia.‖ Cela de Ribbentrop: Ele pôs de lado sua papelada e disse que não terminaria nunca aquilo, então não se importava de ser interrompido. Sobre as evidências mostradas até agora, ele disse: ―Quanto às atrocidades e perseguições aos judeus, nossa culpa como alemães é tão enorme que deixa qualquer um sem palavras — não há defesa, não há explicação. Mas, se deixar isso de lado, na verdade todos os outros países compartilham da culpa de causar a guerra. Eu dizia a todos os meus amigos ingleses e franceses: ‗Deem uma chanche à Alemanha e vocês não terão Hitler.‘ Foi antes dele assumir o poder, é claro.‖ (*) Erwin Von Witzleben, general, executado pelos nazistas como um dos participantes do complô contra Hitler em 1944 (NT).


73 (**) Wislisceny, oficial das SS, executor de judeus, testemunhou contra os líderes nazistas (NT). ―Quem eram seus amigos ingleses e franceses?‖ ―Eram Cornwall-Evans, Daladier, Baldwin, Lord Rothermere…‖ ―Antes de Hitler assumir o poder?‖ ―Bem, não, acho que foi depois. Deixe-me ver, havia Sir Alexander Walker, Ernest Tennant, Lord Lothian, Lady Asquith. Havia o marquês de Polignac, o conde de Castiglione, de Brinon — isso foi quando eu negociava na Inglaterra e na França. Mas, o Tratado de Versalhes tornou-se mais e mais insuportável. O povo todo se juntou sob um líder forte como ovelhas na tormenta. Eu era um observador em assuntos econômicos, como expert em importações e exportações de bebidas alcoólicas em acordos comerciais, e eu sabia como a Alemanha estava sendo estrangulada pelo Tratado de Versalhes... Como Hitler pôde ter feito todas aquelas coisas mais tarde? Eu não sei, simplesmente não sei.‖ ―Alguns dos outros dizem que têm certeza de que ele já estava louco nos últimos anos. Penso que, sem dúvida, ele era bastante neurótico durante toda a sua vida.‖ ―Oh, não, você não pode dizer isso.‖ ―Acho que é quase certo. É fácil para um neurótico agir normalmente quando tem tudo sob controle e convencer outras pessoas quando está obsecado por suas próprias ideias. Mas ele não pôde agüentar a sua frustração, e foi quando a sua personalidade neurótica explodiu e revelou o monstro demoníaco dentro dele.‖ Esperei para ver o efeito dessa opinião no mais ardente adepto de Hitler. ―Bem, é verdade que ele não aceitava contradição. Você sabe que desde que eu o contestei em 1940 nunca mais tive uma conversa tranquila com ele. Não acho que alguém tenha tido uma conversa íntima com ele, homem a homem. Ninguém. Perguntei a um monte de gente. Não penso que ele tenha aberto seu coração para alguém. Não sei, é realmente duro de dizer. E ele me recolocou como ministro do Exterior por desejo próprio. Não posso entender. Tudo isso é um fenômeno incompreensível.‖ Cela de Keitel: Keitel voltou a argumentar sobre ―ordens são ordens‖. ―Você não percebe? Se Hitler ordenava isso ou aquilo, era bom o bastante para mim. Afinal, eu era só o seu oficial-chefe. Esta é a parte podre da coisa.‖ Ele se inflamou: ―Eu não tinha função de comando, absolutamente! Até Goering me contou que um pedaço de papel que eu mandasse para ele — aqui pra nós — ele usaria só para um único propósito. Eu só podia retransmitir ordens do Führer. Manter um homem com responsabilidades mas sem qualquer função de comando é a mais terrível injustiça que possa haver no mundo! Aquele esquema que apresentaram no julgamento dá uma falsa ideia. Eu não era o segundo em comando. Olhe aqui, eu preparei um quadro funcional que dá o verdadeiro retrato da coisa.‖ Ele me apresentou um diagrama a lápis que mostrava Hitler no comando e ele mesmo como chefe do Estado Maior alinhado com outros comandantes superiores abaixo de Hitler, mas não sob ele. Eu lhe disse que foi um erro fatal acreditar em Hitler, e ele concordou. Então, perguntei o que ele pensava de Speer ter tentado assassinar o Führer. Ele hesitou.


74 ―Não, não se pode fazer isso desse jeito. Não é a maneira certa, pelo menos como eu vejo. Há certas coisas que um oficial não pode fazer.‖ Ele parou e pensou um pouco. ―Só posso dizer que fui educado na tradição dos oficiais prussianos de obedecer as ordens com honra e lealdade. Deus sabe o quão honrado, imaculado e incorruptível era o Corpo de Oficiais Prussianos! Um código de honra que era o orgulho da nação já desde Bismarck, e tinha uma excelente tradição que remontava a Frederico, o Grande. Se um oficial não pagava uma dívida de 25 marcos, ele era preso e desgraçado. Ora, nunca me ocorreu que Hitler tivesse outro código. A primeira coisa que você via no escritório dele era uma estatueta de mármore de Frederico, o Grande, e quadros de Bismarck e Hindenburg.‖ ―Certamente, ele lhe enganou‖, repliquei. ―Sei de informações de fonte confiável que ele pretendia se livrar dos ‗velhos generais da Idade do Gelo que falam demais sobre o código de honra de seus oficiais e ainda não têm a menor percepção dos meus princípios revolucionários‘, como ele falou. Ele iria se livrar desse pessoal após a vitória e, em seu lugar, colocar a sua gangue de degoladores das SS.‖ Eu não lhe contei que a minha ―fonte confiável‖ era o general Lahousen, chefe da Abwehr, que havia denúnciado seu paradeiro poucas semanas antes. ―Foi mesmo? Bem, eu não sei. Ele falou isso, falou? Eu nunca acreditaria, mas depois de tudo o que ouvi e percebi mais tarde, eu acredito em tudo... Só posso dizer que obedeci a ele em boa fé, e agora que vejo onde isso me levou, só posso dizer que minha lealdade e fé foram traídas.‖ Ele bateu o punho no joelho, repetindo a última palavra com ódio. ―Traído, é tudo o que posso dizer.‖ Então, ele se conteve e pediu: ―Não conte aos outros. Tenho que guardar isso comigo. Ao ser julgado junto com os outros por uma Corte estrangeira, há coisas que não posso dizer. Coisas que não posso contar a ninguém. Pouco falo com os outros. Creia-me, tem sido um inferno nestes últimos anos, e agora ter que passar por tempos duros sozinho nesta cela, brigando com o meu desespero. Goering disse que reconhece os tempos difíceis que passei durante a guerra, e eu lhe disse que ele não me facilitou. Então, ele respondeu: ‗Não se preocupe, eu vou lhe apoiar agora.‘ O único deles que me compreende é Jodl. Mas você é o único com quem posso me abrir porque você está acima disso tudo e não está ligado a nada. E eu posso dizer que sofro mais dor de consciência e auto-recriminação nesta cela do que qualquer outro. Acreditei nele cegamente. Se alguém ousasse chegar para mim e contar o que sei agora, eu diria: ‗Você é um traidor louco. Terei que lhe matar!‘ Foi assim que ele se aproveitou da lealdade do Estado Maior. Ele não poderia usar os gangsteres de Roehm porque acabariam trapaceando entre eles mesmos. Então, ele nos usou. E agora estamos aqui sentados como criminosos!‖ Quando me levantei para sair, como sempre ele se empertigou e se curvou. Cela de Hess: Após completar o reteste, Hess falou casualmente sobre sua ―concentração‖ — termo usado por nós dois para seu estado mental e da memória. Mencionou que, ocasionalmente, sonhava sobre sua juventude no Egito, mas não pôde dar nenhum exemplo específico. Seus pais, entretanto, entravam nos sonhos. ―Creio que acontece com a idade‖, comentou. ―O tratamento aqui está satisfatório?‖, perguntei. ―Oh, às vezes é irritante, mas já estou me acostumando.‖


75 Ele estava loquaz e discutimos seu voo para a Inglaterra. Ele negou ter voado para ver o rei ou trazê-lo para a Alemanha. Disse que apenas queria ver o Duque de Hamilton, que poderia comunicar suas propostas ao rei. Admitiu a tentativa de suicídio e a suspeita de estar sendo envenenado. ―Deve ter sido uma ideia fixa, mas é impressionante como uma ideia pode ser tão fixa que mesmo agora às vezes me ocorre, talvez tenha sido verdade, afinal. É claro que a razão me diz que não poderia ter sido.‖ Perguntei-lhe sobre sua ―concentração‖ durante seu confinamento em Londres e como ele reagiu com a viravolta da guerra. Imediatamente, ele começou a falar com franqueza sobre a sua perda de memória: ―A primeira fase foi verdadeira. Acho que foi devido ao isolamento continuado, e a desilusão teve seu papel também. Mas quanto ao segundo período, eu exagerei um pouco. Não foi completamente uma amnésia.‖ Não deu indicações de como esses ―períodos‖ corresponderam aos dados clínicos, e, para manter o bom relacionamento, tive de evitar evidenciar que o estava examinando. ―E continuou até você chegar aqui?‖, perguntei. ―Sim.‖ ―Lembra-se dos médicos que o examinaram?‖ ―Não muito bem.‖ ―Estávamos sentados aqui no catre, lembra-se? Eu fazia a tradução para três médicos americanos que estavam ali em pé, um coronel e dois civis.‖ ―Foi? Recordo muito vagamente.‖ ―Eles ficaram surpresos quando a sua memória voltou.‖ Hess se animou: ―Foi mesmo? Eles discutiram depois?‖ ―Claro, todos estávamos surpresos.‖ ―Bem, se eu não tivesse tido um período real de amnésia antes eu não teria sido capaz de exagerar tão bem. Não teria sabido como fazer; não teria havido um ponto de referência.‖ ―Entendo. Pode-se ter um tipo de auto-sugestão até que haja uma perda real de memória que não requeira praticamente um esforço voluntário.‖ ―Sim, é isso‖, assentiu Hess, com uma confiança que caracterizava discernimento e não uma resposta a uma sugestão. ―Às vezes, não se sabe se é exagero ou não. Simplesmente a gente não lembra.‖ ―E também o confinamento solitário não levava à estimulação mental‖, sugeri. ―Também é verdade. Creio que o contato com os outros no tribunal e em nossas caminhadas começou a me estimular depois que o julgamento começou.‖ ―Você reconheceu Goering e os demais ao seu redor mesmo antes daquela sessão especial?‖ ―Sim, um pouco, mas tudo clareou de vez naquela tarde depois que você conversou comigo. Mas ainda me sinto cansado em pensar tanto. Até mesmo agora, por exemplo, o teste e esta conversa me cansam, então tenho que deitar.‖ Eu lhe disse que poderia deitar, e terminei a entrevista assegurando-lhe que ele poderia me chamar se necessitasse de algo.


76 7 de Janeiro Guerra aos partisans Sessão da manhã: O coronel Taylor descreveu as medidas adotadas para eliminar todos os comandos e guerrilheiros partisans nos territórios conquistados. Mostrou como ―as atividades da Wehrmacht contra os partisans e outros elementos da população se tornaram veículo para desenvolver as diretrizes políticas e raciais nazistas, e instrumentos para o massacre de judeus e numerosos segmentos da população eslava considerados pelos nazistas como indesejáveis‖. Uma ordem de Hitler, assinada por Keitel em 16 de outubro de 1941, estabelecia: ―... deve ser lembrado que a vida humana em países em convulsão normalmente não vale nada, e um efeito impeditivo só pode ser obtido com severidade incomum. A pena de morte para 50-100 comunistas deve ser observada nesses casos como expiação adequada para cada vida de soldado alemão.‖ Uma recente declaração do general nazista Heusinger dizia: ―Sempre fui de opinião que o tratamento à população civil e os métodos de guerra antipartisan em áreas operacionais proporcionaram aos altos líderes políticos e militares uma benvinda oportunidade de executar os seus planos, isto é, o extermínio dos eslavos e dos judeus. Independente disso, sempre considerei esses métodos cruéis como uma loucura militar porque só ajudavam os combates contra o inimigo a serem desnecessariamente mais difíceis.‖ Hora do almoço: Goering tornava-se cada vez mais irritado com os depoimentos e declarações de testemunhas nazistas que, gradualmente, apertavam a corda no pescoço dos réus. ―Fico doente ao ver alemães vendendo suas almas ao inimigo‖, disse ele no almoço. Tentando livrar a cara ao desacreditar a testemunha, que obviamente era confiável, ele declarou pomposamente: ―Detesto tudo o que é indigno! Ora, não fiz nenhum juramento nos interrogatórios, então eles não podem colocar nenhuma de minhas declarações como prova.‖ Começou a rir de sua esperteza. ―Nenhuma sequer! Hahá! Você não tem que jurar nada, a não ser que deponha na Corte sob juramento. Hess fez isso melhor, ele simplesmente ‗não pôde lembrar‘. Hahá, essa é boa! Ele não pôde lembrar até ficar bom e preparado!‖ Os que estavam na mesa começaram a sorrir, mas não acharam muito divertido, pois sabiam que todos tinha suas dúvidas sobre a volta de Hess à normalidade, e muitos deles já haviam expressado para mim essas dúvidas. ―Então eles vão trazer à baila Bach-Zelewski(*) esta tarde‖, observou Goering, com sarcasmo. Funk disse que Bach era desprezível. ―Pelo menos, a inquirição deverá ser interessante‖, eu falei. ―Você não verá eu me incomodando em questionar essa excrecência‖, respondeu Goering. Ele se virou para os demais e disse bem alto, batendo o punho na mesa: ―Ele que se dane! Queria que todos pudéssemos ter a coragem de limitar nossa defesa em três simples palavras: ‗Vão tomar no cu!‘ Götz(**) foi o primeiro a dizer isso e eu serei o último!‖ (*) General das SS, comandante das tropas que sufocaram o Levante de Varsóvia, de agosto a outubro de 1944, e destruíram a cidade, quando foram assassinadas mais de 200 mil pessoas. Em troca do seu testemunho contra os líderes nazistas no julgamento, não foi indiciado por crimes de guerra (NT).


77 (**) Götz von Berlichingen, guerreiro do século XVI, herói da peça homônima de Goethe (NA). Repetiu a proposta de defesa com grande satisfação, contando como Götz disse isso, como um outro general disse isso e como ele diria. Rosenberg e os outros começaram a gostar da piada e até os serventes alemães começaram a rir. Então, eu observei: ―Ah, sim, a guerra seria uma grande piada se tanta gente não morresse.‖ ―Quem se importa com isso?‖, respondeu Goering, ignorando a observação e ainda rindo. Os serventes, entretanto, pararam subitamente de rir. Sessão da tarde: Interrogado diretamente pelo coronel Taylor, o general-SS Bach-Zelewski, chefe das forças antipartisans no Leste, descreveu em detalhes como os bandos assassinos das SS de Himmler acabaram com a resistência dos partisans por meio da execução em massa e outros métodos de terror. Himmler havia explicado o propósito da campanha russa, que era dizimar trinta por cento da população eslava, e para que isso se concretizasse uma tropa de gente de baixo caráter seria formada.‖ Mesmo na inquirição, Bach-Zelewski admitiu que o assassinato em massa foi resultado direto da ideologia nazista: ―Sou da opinião que, quando por anos, por décadas, a doutrina rezava que a raça eslava era inferior e que os judeus não eram nem mesmo humanos, tal explosão era inevitável.‖ No intervalo, Goering ficou tão furioso e enraivecido que parecia não conterse em seu lugar no banco. ―Que suíno sujo, sanguinário, traidor! Aquele gambá fedorento! Deus o amaldiçoe! Raios! Capacho filho da puta!!! Foi o assassino mais sanguinário de toda a organização! Schweinehund(*) sujo, traidor, vendendo a alma para salvar o pescoço fedorento!‖ Muitos dos réus pediram a seus advogados que reinquirissem BachZelewski com questões que demonstrassem que suíno sanguinário era ele mesmo. Jodl estava roxo de raiva. ―Pergunte-lhe se sabia que Hitler o apoiava como um modelo de combatente de partisans‖, disparou ele para o seu advogado. ―Pergunte só isso ao porco sujo!‖ Ribbentrop estava sentado em silêncio, triste. Então, ele me olhou e comentou desalentado: ―Vê o que eu quero dizer?‖ Fez um gesto com as mãos, batendo uma na outra, querendo indicar o espetáculo digno de pena de alemães denúnciando alemães.

8 de Janeiro De ―Mein Kampf‖ a Auschwitz Sessão da manhã: O coronel Wheeler descreveu detalhes da perseguição religiosa aos cristãos e outras seitas; a prisão e a morte de padres e ministros; o fechamento de organizações da Igreja, de escolas e de publicações. Rosenberg foi mencionado como o sacerdote maior do paganismo. Elwin Jones iniciou o sumário de culpa dos réus citando Mein Kampf porque, ―a partir do livro, os caminhos levaram diretamente aos fornos de Auschwitz e às câmaras de gás de Maidaneck‖.


78 Escreveu Hitler: ―A Alemanha se tornará uma potência mundial ou não continuará a existir. Mas, para se tornar uma potência mundial ela precisa de uma magnitude territorial que lhe permita a necessária importância hoje e assegure a existência de seus cidadãos.‖ Para atingir esse objetivo, ele defendeu o jugo de raças inferiores para se realizar a supremacia ariana e desprezou o ―balançar dos galhos das oliveiras e a triste miséria das velhas pacíficas.‖ E Jones concluiu: ―Os fatos têm mostrado, no sangue e na miséria de milhões de homens, mulheres e crianças, que Mein Kampf não foi um simples exercício literário para ser tratado com indiferença, como infelizmente o foi antes da guerra por aqueles que estavam em perigo, mas, sim, foi a expressão da fé fanática na força e na fraude como meios para a dominação nazista de toda a Europa, quiçá do mundo inteiro.‖ Hora do almoço: Antes da sessão da tarde, Rosenberg tagarelou mais uma vez quanto aos russos e à Igreja. ―Os russos têm coragem de participar desse julgamento, com 30 milhões de vidas em suas consciências! Falam sobre a perseguição à Igreja. Ora, nisso eles são os maiores experts do mundo. Mataram sacerdotes aos milhares em suas revoluções. Jogavam água fria neles e deixavam-nos congelar, toda a sorte de coisas. Eles cortavam a pele das pernas dos generais czaristas para imitar suas listras vermelhas. A perseguiçãoà Igreja é um grande problema que remonta a centenas de anos e há vários aspectos. Só Deus sabe quanto sangue já foi derramado e por causa da Igreja. Por que estão tão excitados por causa de umas poucas cartas que algumas senhoras escreveram e foram apresentadas como provas? Só por que um jornal da Igreja foi fechado ou alguma propriedade da Igreja destruída. Centenas de jornais e editoras foram bombardeadas e arruinadas. As riquezas de meia Europa podem ser destruídas, milhões de pessoas podem morrer, mas a velha querida Igreja... Oh, céus!... é sagrada. Isso vem acontecendo há milhares de anos. Quantas intrigas a Igreja Católica não teria feito com reis e cardeais e papas e guerras, milhões de pessoas massacradas, mas a Igreja mantém-se santa e poderosa e não paga qualquer imposto! Eis como eles mantêm seu poder. Eles podem subfaturar seus produtos porque não pagam impostos, e os lucros eles podem supervalorizar, comprando mais bens porque não pagam impostos; assim, eles adquirem cada vez mais bens e cada vez mais poder.‖ Continuou Rosenberg: ―Eu não censuro os russos por tentarem frear o domínio do monstro clerical. Eu sempre fui anticatólico. Mas onde eles conseguem coragem para estar neste tribunal como promotores da Igreja? É tudo o que digo. Por que todo esse rebuliço sobre algo que vem acontecendo há séculos por toda a Europa? Se o partido nazista exagerou, está certo, acabou. Extingam-no. Mas por que nos tomar como criminosos? Isto é o que penso.‖ 10 de janeiro Frank e Streicher Cela de Frank: O advogado de Frank surpreendeu a todos os que conheciam seu cliente ao questionar se o Vaticano estava colaborando com a promotoria e ao dizer que, neste caso, Frank teria que deixar a Igreja. Antes da sessão da manhã, perguntei a Frank o que significava aquilo. Ele explicou que seu


79 advogado o havia entendido mal. Ele apenas queria saber se a Igreja Católica, que deveria estar acima dos assuntos mundanos, ajudava na acusação, mas ele não havia dito que abandonaria a Igreja. Disse que isso poderia pôr os católicos alemães em uma posição difícil. ―Foi uma das vezes em que me surpreendi. É interessante se observar a própria reação. É como se eu fosse duas pessoas: eu próprio, Frank, aqui, e o outro Frank, o líder nazista. E às vezes eu gostaria de saber como aquele Frank pôde fazer aquelas coisas. Este Frank olha para o outro Frank e diz: ‗Hum, você é um inseto, Frank! Como pôde fazer tais coisas? Certamente você deixou as emoções fluirem, não foi?‘ Não é interessante? Não é interessante? Estou certo de que, como psicólogo, você achou muito interessante. Como se eu fosse duas pessoas diferentes. Eu mesmo estou aqui e aquele outro Frank dos grandes discursos nazistas está lá no tribunal. Fascinante, não? (Muito fascinante, de uma maneira esquizofrênica.) Sessão da manhã: O coronel Baldwin sumarizou as provas das acusações contra Frank como governador geral da Polônia, lendo excertos de seus próprios diários: ―Em vez do povo alemão padecer de fome, os territórios ocupados e seus povos devem se expor a ela... Todo este território é o butim do Reich alemão.‖ — ―Não tenho hesitado em declarar que, quando um alemão for morto, mais de 100 poloneses devem ser mortos também.‖ — ―Fico satisfeito em lhe reportar oficialmente, companheiro de partido Sauckel, que fornecemos mais de 800 mil trabalhadores para o Reich.‖ Griffth-Jones citou os discursos e escritos de Streicher como evidências de sua culpa moral ao incitar o assassinato em massa (de um discurso em 1926): ―Por milhares de anos os judeus destruíram nações. Vamos iniciar uma nova era agora aniquilando os judeus.‖ Pornografia pseudo-científica: ―O esperma masculino na coabitação é parcial ou completamente absorvido pela fêmea e assim entra em seu fluxo sanguíneo Uma única coabitação de um judeu com uma ariana é suficiente para envenenar o seu sangue para sempre. Junto com a albumina alienígena, ela absorve a alma alienígena. Nunca mais poderá parir uma criança ariana pura, mesmo se casar com um ariano... Agora, sabemos por quê os judeus usam todos os artifícios de sedução para estuprar garotas alemães ainda muito jovens; por quê o médico judeu estupra suas pacientes quando estão sob o efeito de anestesia. Ele quer que as meninas e mulheres alemães absorvam o esperma alienígeno dos judeus.‖ Histórias fantásticas também constavam no ―Stürmer‖. Hora do almoço: Frank estava sorridente. ―Foi maravilhoso como o juiz mostrou que uma citação foi tomada fora de contexto — maravilhoso! Foi justo e honesto! Isso devolve minha fé na natureza humana. Uma coisa dessas me anima. Você sabe como eu consigo essas inspirações emocionais repentinas.‖ Então, ele imitou como ofegou de surpresa quando viu a imagem do Führer e quando da menção ao Vaticano. Parecia sugerir um mixto de medo e admiração, a ambivalência de sedução ante a figura autoritária paterna. ―Ainda gostaria de saber como eu falei e fiz as coisas que fiz. Eu era muito impetuoso, acho. De qualquer maneira, não é engraçado como funcionou a mania dos alemães de registrar tudo? Agora vocês têm bastante material para usar no julgamento. Hahahá!‖ ―Você se arrepende agora de ter entregue os seus diários?‖, perguntei?


80 ―Não, absolutamente! Deus sabe o que fiz, assim a humanidade poderá conhecer bem toda a verdade — de tudo — o que houve de bom e de mau. Não tenho ilusões sobre o meu destino, como já lhe falei. Agora, só restará a verdade.‖ A conversa então mudou para Streicher, que estava sendo evitado como uma praga, uma vez que a pornografia revoltante e a estupidez de suas citações ainda estavam frescas na memória de todos. Algumas observações foram feitas quanto ao fato de que ele nunca poderia sobreviver mesmo como editor se não fosse apoiado por Hitler, e até Rosenberg ridicularizava a sua abordagem pseudo-científica sobre o antissemitismo racial. Depois, Streicher me contou: ―Um médico escreveu um trabalho sobre a criação da raça alemã, e criadores de animais me disseram a mesma coisa. Eu não quis insultar ninguém!‖ Sessão da tarde: Griffith-Jones mostrou que, além de publicar um jornal cheio de pornografia, assassinatos ritualísticos, histórias de estupros e outros incitamentos sensacionalísticos à perseguição dos judeus, Streicher encontrou um lucrativo antissemitismo como gauleiter da Francônia. Muitos dos ganhos obtidos com a arianização das propriedades dos judeus não chegaram aos cofres do Reich. Que houve razão ostensiva para a sua remoção do cargo em 1940, mas o Stürmer continuou a servir aos seus propósitos. No intervalo, Goering disse a Hess: ―Bem, pelo menos fizemos uma boa coisa: botar aquele idiota para fora do posto.‖ Hess assentiu, dizendo que foi difícil convencer os gauleiters a aceitar. ‖Mas o pior foi conseguir que o Führer concordasse,‖ disse Goering. ―Você me devia um agradecimento por isso.‖ (Entretanto, ele não mencionou o real motivo da demissão de Streicher: uma indignação pessoal pela disseminação do boato de que a filha de Goering pode ter sido gerada por inseminação artificial porque ele mesmo não teria como fazê-lo. Benno Martin, chefe de polícia de Nuremberg, e o general Bodenschartz me contaram toda a história, e o próprio Streicher confirmou.) 12 e 13 de janeiro Fim de semana na prisão Cela de von Papen: (O vistoso lenço branco no bolso do casaco de von Papen sempre parece não combinar com a camisa e as calças incomuns que ele usa nos fins de semana.) Ele me perguntou sobre a conferência das Nações Unidas, mas tive de admitir que pouco sabia a respeito. A conversa mudou para Hitler. ―No início, era-nos possível insistir em fazer as coisas à nossa maneira‖, contou ele. ―Schacht e eu conversávamos sobre isso. Não tínhamos a impressão de que lidávamos com um louco... Eu dizia que mais tarde não se teria razão por nada com ele. Tome como exemplo a nossa saída da Liga das Nações. Von Neurath e eu tentamos aconselhá-lo sobre isso. Não pensávamos que ele já havia se convencido, então segui-o até seu apartamento em Munique e argumentei por horas e horas. Pensei que o tinha persuadido. Mas, na manhã seguinte, ele me falou, como se inspirado por uma visão: ‗Não! Pensei sobre isso à noite e agora estou absolutamente convencido de que a Alemanha deve serguir o seu caminho sozinha.‘ E então não houve possibilidade de argumentar com ele, que se tornou mais e mais daquele jeito.


81 Contudo, ele parecia querer realizar tudo sem derramar uma gota de sangue. Ora, até mesmo Churchill havia escrito em 1937: ‗Se nós perdêssemos uma guerra, eu esperaria encontrar um líder que fizesse tudo para reconstruir nosso país.‘ Você esperaria menos de um alemão do que o próprio Churchill reconhecia em Hitler?‖ ―Mas, você não puderam percerber em Mein Kampf quais eram as suas intenções? O antissemitismo, a agressão, as sementes do ódio, estava tudo lá.‖ ―Ora, quem levava Mein Kampf a sério, caro professor? As pessoas escrevem tantas coisas por motivos políticos. Eu tinha as minhas diferenças com ele, mas nunca pensei que ele desejasse a guerra, até quebrar o Pacto de Munique. Ele me retirou do posto na Áustria cinco semanas antes da Anschluss porque ele não queria continuar com a minha política desenvolvimentista. Mas, os austríacos pareciam satisfeitos com ela.‖ ―Então, por que você não rompeu com a política nazista se sabia das intenções agressivas de Hitler após a quebra do Pacto de Munique?‖ ―Essa é uma questão interessante. O que eu poderia fazer? Deixar o país e viver como estrangeiro? Eu não queria isso. Ir para o front como oficial? Eu estava muito velho e, de qualquer maneira, atirar não era meu metier. Denúnciar Hitler significaria ser levado ao paredão e fuzilado, e não alteraria nada. O caminho a ser tomado foi este. Eu estava fora da vida pública há um ano após a anexação da Áustria. Então, Ribbentrop me chamou e disse: ‗Herr von Papen, você assumirá o posto na Turquia‘.Fui a Berlim e Ribbentrop disse que a Alemanha estava ameaçada de cerco, o que levaria à guerra, a não ser que a Turquia permanecesse neutra etc. etc. etc. Bem, eu pensei que poderia pelo menos manter aquele canto da Europa em paz, e foi o que consegui. Quando a guerra estourou, o que eu poderia fazer?‖ Cela de Rosenberg: Eu lhe disse que tinha vindo ver como ele estava em seu aniversário, e tivemos outra discussão sobre sua filosofia. ―O Nacional Socialismo não era baseado em preconceito racial. Nós queríamos manter nossa própria raça e a unidade nacional. Eu nunca disse que os judeus são inferiores. Eu mesmo nunca sustentei que eles são uma raça. Apenas vi que a mistura de diferentes culturas não funcionava, eis por que Roma e a Grécia se partiram em pedaços. Os judeus queriam manter sua identidade como um povo, e eu digo: mais poder para eles e para nós também. Veja como os judeus eram obrigados a se batizar em séculos passados. Aquilo é que foi o verdadeiro preconceito racial e uma incrível pretensão por parte da Igreja. O mesmo acontece com essas missões da Igreja de hoje. O modo como esta seita envia uma missão à China, outra para o Sião, e ainda outra para o Timbuktu ou Suazilândia. É de uma arrogância maldita e mostra um desprezo real pelo direito dos diferentes grupos de manter suas próprias culturas. Então, o que acontece? Os pobres chinas ouvem educadamente‖ — [aqui ele mete as mãos nas mangas opostas do seu casaco, imitando um coolie chinês se curvando] — ―eles são budistas e confucionistas até, mas pensam: ‗Que diabos! Um pouco de Cristianismo não vai doer.‘ Então, mergulham naquilo também, de boa fé. Você chama isso de democracia?‖ ―E sobre aquela Porta Aberta para a China?‖ continuou. ―Foi democracia forçar uma guerra com ela para que a Inglaterra pudesse corromper trinta milhões de chineses com o ópio? Você já entrou em antros de ópio? São piores


82 do que campos de concentração. Foi assim que milhões de chineses foram mortos espiritualmente para que a Porta Aberta ao comércio exterior pudesse ser mantida, e as várias seitas pudessem enviar suas missões. Isso é o que chamo de preconceito racial com vingança!‖ ―Mas, quanto ao princípio democrático de que os povos precisam aprender a viver juntos e assimilar ou viver em respeito mútuo? Novas culturas sempre se desenvolvem através da união com as antigas, e uma barreira artificial para mantê-las separadas é impossível na moderna civilização.‖ ―Talvez funcione desse jeito na América, eu duvido. É natural para os membros de um grupo manter um vínculo comum e proteger a si mesmos e suas identidades.‖ Cela de Speer: Ele contou com prazer como os outros estavam se aproximando agora, aceitando o fato de que ele atentara contra a vida de Hitler. ―É típico da hipocrisia de todo o nosso sistema. Todo mundo tinha que fingir ser amigo de todo mundo, mesmo se estivessem apunhalando pelas costas. Eu era igual aos outros nesse respeito. Visitava Goering em seus aniversários, mesmo quando eu trabalhava furiosamente contra ele por causa de suas políticas imprudentes e negligentes. Aqui todos fingem ser fiéis ao Führer e agiram raivosos quando admiti a participação; agora, eles de novo agem amistosamente, mesmo os que odiaram o que fiz. Eles não têm coragem de se levantar e contar a verdade. Têm que fingir ser leal aos outros no tribunal, mesmo que vários deles não se tolerem. Seria muito bom se eles deixassem cair a máscara e permitirem a Alemanha ver a podridão de todo o sistema.‖ ―Eu sei‖, respondi. ―Goering usa a sua influência para manter uma aparência de interesse comum em sua defesa.‖ ―É verdade. Sabe, não é uma boa ideia deixar os réus almoçarem e caminharem juntos. É assim que Goering os fustiga para mantê-los na linha. Seria melhor se eles não tivessem intimidade para poderem dizer o que sentem, então o povo se livraria de uma vez por todas dos últimos resquícios podres de suas ilusões sobre o Nacional Socialismo. Há alemães que foram para a América e se tornaram bons democratas; por que não aqui? Claro, isso levará um bom tempo.‖ ―Isso levará a vida inteira se eles ainda se agarrarem à ilusão de que Hitler significava o bem para o povo.‖ ―Exatamente. Eles acharão que todos os problemas se devererão aos conquistadores, e que as coisas eram melhores com Hitler. Isso é o que Goering gostaria que eles sentissem, e por isso deveria ser considerado um herói. Mas, eu quero mostrar ao povo o que o seu presente precisa e que toda a destruição insensata deveu-se diretamente a Hitler. É por isso que quero mostrar o fato de que informei oficialmente a Hitler, em janeiro de 1945, que a guerra estava irremediavelmente perdida e que qualquer resistência a partir de então seria um crime contra o povo.‖ Ele mostrou um rascunho que tinha feito das perguntas que queria fazer ao general Guderian para confirmar esse fato. ―Era minha opinião que o melhor que a população poderia esperar era uma existência modesta para os próximos dez anos sob um vencedor generoso. É isso que o povo precisa entender.‖ ―Você ainda concorda com uma responsabilidade comum dos líderes do partido?‖, perguntei.


83 ―Completamente! Eu direi isso em minha defesa final. Fritzsche e eu combinamos em comparar nossas anotações para que não haja diversidade. Porém, alguém mais também terá que depor para convencer o povo. Alguém que a população respeite. Eles me respeitam porque diziam: ‗Ele vive modestamente.‘ Isso também é reflexo de nosso sistema. Era um milagre um membro líder do governo viver modestamente.‖ ―Quanto a Frank‖, continuou, ―ele é um bobo idiota. Faz seus discursos místicos grandiloquentes com a recente conversão ao Catolicismo. Ele sempre foi emocional. De qualquer maneira, sua reputação não é muito boa. Fritzsche mesmo não tinha boa reputação no meio da ‗inteligentzia‘ por causa da sua propaganda, embora seja um bom companheiro, e eu sei que suas mentiras não eram deliberadas.‖

5. A acusação francesa 17 de janeiro Exposição inicial Cela de Streicher: François de Menthon, promotor-chefe francês(*), abriu a acusação francesa com uma veemente denúncia da agressão nazista que feriu o orgulho nacional francês como também a sua população e seus recursos materiais: ―A França, que foi sistematicamente pilhada e arruinada; a França, cujos muitos de seus filhos foram torturados e assassinados nas prisões da Gestapo e em seus campos de concentração; a França, que foi submetida pelas garras ainda mais horríveis da desmoralização e retorno ao barbarismo diabolicamente impostos pela Alemanha nazista, ela pede a vocês, principalmente em nome dos mártires heróicos da Resistência, que estão entre os maiores heróis da nossa história, que a justiça seja feita.‖ Considerando que o promotor Jackson havia esboçado o plano e o desenvolvimento da conspiração nazista e Sir Hartley Shawcross enumerara as várias quebras de tratados, de Menthon continuou: ―Pretendo hoje provar a vocês que a origem desta vasta criminalidade organizada, a qual me permito chamar de crime contra o espírito, isto é, uma doutrina que, ao negar todos os valores espirituais, racionais e morais daquelas nações que tentaram, por milhares de anos, desenvolver condições humanas, visava mergulhar a humanidade de volta à barbárie, conscientemente e utilizando para os seus fins todos os meios materiais colocados à disposição do gênero humano pela ciência contemporânea. Pecado contra o espírito, este é o pecado original do Nacional Socialismo do qual todos os crimes se originam. ―Esta doutrina monstruosa é a do racismo: ―A raça alemã, composta na teoria por arianos, pretende ser um conceito fundamental e natural. Os alemães como indivíduos não existem e não podem justificar sua existência a não ser que pertençam à raça, ou Volkstum, à massa da população que representa e une todos os alemães... (*) M. De Menthon deixou a função logo após sua exposição para assumir um cargo político em Paris. Foi substituído por M. Champetier de Ribes (NA). As ideias e os símbolos físicos do racismo são parte integrante de seu sistema político; isto é o que se chama de biologia autoritária ou ditatorial. O


84 termo ―sangue‖, que aparece tão frequentemente nos escritos dos teóricos nazistas, indica a corrente de vida real, a seiva vermelha que flui pelo sistema circulatório de todas as raças e de todas as culturas genuínas a percorrer o corpo humano. Ser ariano é sentir essa corrente passando através de si, essa corrente que galvaniza e vivifica toda a nação. Deixem o indivíduo voltar-se para si mesmo e ele receberá por revelação direta os ‗preceitos do sangue‘... ―Lê-se no ‗Nacional Socialismo Mensal‘ (editado por Rosenberg) de setembro de 1938: ‗Diz-se que o corpo pertence ao Estado e a alma à Igreja. Não é assim. O indivíduo como um todo, corpo e alma, pertence à nação alemã e ao Estado alemão.‘ ―...Verdade, essa pseudoreligião não repudia o uso da razão e da atividade tecnológica, mas as subordina rigorosamente, conduzindo-as infalivelmente ao mito racial... Qualquer pessoa cujas opiniões diferem da doutrina oficial é antissocial e doente. É doente porque na doutrina nazista nação é equivalente a raça. As características da raça são fixadas. Qualquer desvio do molde espiritual e moral constitui uma má formação, como o pé chato e o lábio leporino... ―Fomos levados, como se pode ver, às ideias mais primitivas da tribo selvagem. Todos os valores da civilização acumulados no curso de séculos são rejeitados, todas as ideias tradicionais de moralidade, justiça e leis deram lugar à primazia da raça, seus instintos, suas necessidades e seus interesses. O indivíduo, sua liberdade, seus direitos e aspirações não mais possuem qualquer existência real própria... ―Entre a comunidade alemã e a população degenerada de uma variedade inferior de homens não há mais qualquer distinção. A irmandade humana é rejeitada, mais do que todos os outros valores morais tradicionais... O judaísmo sacerdotal e o cristianismo, em todas as suas formas, são condenados como religiões de honra e irmandade planejadas para matar as virtudes da força bruta no homem. Levanta-se um clamor contra o idealismo democrático da era moderna e então contra todas as nações... Essa doutrina levou inevitavelmente a Alemanha à guerra de agressão e ao uso sistemático da criminalidade no desenrolar da guerra...‖ [No banco dos réus, Frank apreciava o libelo com um ar de satisfação. ―Ah! É muito estimulante! É mais do que a mentalidade européia. Será um prazer argumentar com aquele homem! Mas, você sabe, e isso é irônico, foi um francês, o Gobineau, quem começou a ideologia racial.‖] 19 e 20 de janeiro Fim de semana na prisão Cela de Streicher: Fui sondar sobre qualquer mudança sua de atitude desde que a apresentação de seu caso pelos ingleses e a denúncia de racismo pelos franceses produziram resultados negativos. Ele ainda está obcecado pelo antissemitismo, como sempre, embora tenha perdido um pouco de sua pose, agora que o desprezo por parte dos outros réus tenha se tornado óbvio. ―É claro que os judeus ainda são uma potência mundial... Até a Igreja Católica é apenas um instrumento do Judaísmo internacional.‖ Explicou como o Cristianismo foi enganado pelo Judaísmo, e que Cristo não era judeu, ele tinha plena certeza disso. Então, deu um exemplo revelador de como sua própria indigência vulgar era projetada aos judeus:


85 ―Você sabe o que o Talmud diz sobre Cristo? Diz que ele nasceu num monte de estrume — sim — e diz que era filho de uma prostituta.‖ Seu rosto feio abriu-se em um sorriso lascivo: ―Claro, está certo, ela não era casada, e aquela história dela ter concebido o filho de Deus. Agora, você sabe, vamos ser perfeitamente honestos sobre isso, é verdade que, de acordo com aquela história, ela deve ter sido uma prostituta.‖ O olhar astuto transformou-se em um sorriso de satisfação consigo mesmo e continuou: ―Eu pessoalmente concordo com isso, mas é claro que, quando eu usava isso na propaganda, eu não dizia assim. Eu dizia: ‗Vejam, cristãos, o que os judeus dizem sobre a Imaculada Conceição!‘‖. Streicher riu da própria esperteza. Inevitavelmente, repetiu o assunto da circuncisão. ―A circuncisão foi o mais incrível golpe de gênio da história! Pense. Não era apenas por razões de saúde ou coisa assim. Era para preservar a consciência racial. Tu deves sempre lembrar que tu és um judeu e que deves ter crianças judias com uma mulher judia! Sabe o que Heine (poeta alemão) falou da circuncisão? Ele disse que se pode esconder o batismo mas não se pode esconder a circuncisão. Diabólico, não?‖ Um quarto de hora com essa mente pervertida é o máximo que se pode aguentar, e a linha é a mesma: o Judaismo mundial e a circuncisão servem como canal para ele dirigir seus pensamentos lascivos e agressões para o antissemitismo pornográfico que só poderia ter guarida na Alemanha hitlerista. Cela de Frank: Pouco a pouco, Frank vai diminuindo a sua violenta renúncia ao nazismo, mostrando a mesma fraqueza de caráter em sua ―reação de culpa‖ que mostrava ao seguir a liderança nazista. ―Gostaria de saber agora o que eu deveria fazer. Me opor aos líderes nazistas? Ou renunciar a eles? É difícil dizer.‖, monologava ele depois que a sua disposição para comunicação foi restabelecida. Mostrei-me surpreendido com essa dúvida em vista da sua violenta condenação a Hitler e a toda organização nazista e sua vergonha daquilo tudo que ele vinha frequentemente expressando. Lembrei-lhe do que ele havia falado quando assistiu ao filme sobre as atrocidades. ―Oh! Eu não esqueci‖, apressou-se a me assegurar. ―Acredite-me, aquilo me deixou profundamente impressionado. Jamais vou esquecer. Mas, deve-se retroceder de alguma maneira. Posso abandonar completamente meus companheiros? Não sei. Na verdade, eu sou uma pessoa impressionável, responsável pelo meu ambiente.‖ Acho que ele queria saber o que eu estava pensando e aduziu: ―Vejo que você não mais argumenta conosco, apenas nos observa, isso é muito bom. Você pode tirar suas próprias conclusões.‖ A falta de integridade de Frank se evidencia mais e mais. Primeiro, ele revela que a sua conversão religiosa é essencialmente um sintoma de conversão histérica da reação de culpa, então sua renúncia ao nazismo se transforma em uma postura que tem que ser poderada pelo valor do ego. Perguntei-lhe se a descoberta de sua ancestralidade parcial de judeu teve algo a ver com a sua animosidade contra Hitler. Ele já se tornava vago sobre o assunto e respondeu evasivamente. Cela de Hess: O teste mostra a mesma dificuldade cognitiva e afetiva extrema que ele apresentava durante o período de amnésia. Além disso, a deficiência em se lembrar continuamente dos cartões que lhe foram mostrados hoje, assim


86 como um decréscimo na diferença de pontuação, indica uma provável recaída da memória e da concentração. Isso é sustentado pela sua observação introspectiva de que sua ―habilidade para se concentrar‖ deteriorou-se nos últimos dias. Foi notado em conversas casuais que sérias lacunas estavam presentes na sua lembrança sobre eventos recentes no julgamento. Ele pôde se lembrar que Bach-Zelewski havia testemunhado, mas não Ohlendorf ou Schellenberg; todos eles tinham testemunhado quase ao mesmo tempo e estavam frescos na memória de todos os demais réus. Ele lembrara-se de Bach por causa dos impropérios de Goering, que tornaram o acontecimento mais animado. Ele também se lembrara do filme sobre as atrocidades, que foi mostrado pouco antes de ter recuperado a memória e que tinha aparentemente deixado nele uma profunda impressão. Eis a flutuação em suas pontuações, por data: 1º de novembro — 5 para frente; 4 para trás 1º de dezembro — 8 ― ;4 ― 16 de dezembro — 8 ― ;7 ― 20 de janeiro — 5 ― ;4 ―

Total: 9 12 15 9

Perto do fim da sessão de hoje, eu lhe contei que já tinha lhe mostrado esses cartões antes. Ele pareceu chocado e caiu surpreso sentado no catre, apoiado nos cotovelos. ―Não diga! É verdade?‖, sussurrou. Apressei-me a lhe assegurar que eu não esperava que ele se lembrasse dos cartões, uma vez que eu os mostrei quando ele estava de amnésia, e que esses pequenos incidentes não retornariam necessariamente à sua memória tão rápido como os fatos de sua história de vida. Ele aceitou ansiosamente a explicação e comentou: ―Realmente, hoje é um mau dia, não consigo me concentrar, e até nem estou trabalhando em minha defesa. Espero que passe logo.‖ ―É compreensível que a fadiga dessas semanas de julgamento prejudique sua concentração. Não precisa se preocupar com isso. Mas, você não deve exagerar nisso, nem mesmo por vontade própria.‖ ―Não, não quero fazer isso. Se acontecesse, ninguém mais acreditaria em mim depois que eu contei que havia simulado a amnésia. Espero que não fique desse jeito.‖ Então, ele se recolheu à sua introspecção característica, embora aparentemente aceitando a minha garantia de que poderia ajudá-lo na continuação de nossas entrevistas e exercícios. 22 de janeiro Hora do almoço: ‗A propaganda e o poder da imprensa‘ foi, mais uma vez, o assunto da discussão no grupo de Goering. Ele e Rosenberg concordaram que todos os americanos tremeram ante o poder da imprensa. Rosenberg condoeuse: ―Pobre Hearst! Só porque publicou alguns artigos meus e tirou fotos comigo, a sua organização jornalística foi quase ameaçada de falência, com boicotes e tudo o mais.‖ Eu salientei que isso mostrava como a opinião pública podia controlar a imprensa na América, e vice-versa; que isso também mostrava como era repugnante qualquer infiltração de influência nazista para o público americano. Goering passou a atacar os jornais marrons sensacionalistas na América, mas eu retruquei que eles nunca chegaram às profundezas do Stürmer. Goering não me respondeu, pois, certamente, não queria defender Streicher.


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Sessão da tarde: Gerthofer apresentou uma longa e detalhada lista de queixas contra a Alemanha pela exploração econômica da França durante a ocupação, o que levou à fome e à ruína financeira da nação francesa. Segundo Gerthofer, isto se deve ―à aplicação das teorias formuladas em ―Mein Kampf‖, que tinham como corolários a escravidão e depois o extermínio das populações dos países conquistados‖. Goering comentou: ―Se a fome for inevitável, isso nunca acontecerá na Alemanha.‖ 26 e 27 de janeiro Fim de semana na prisão Cela de von Papen: ―Rosenberg caminhou comigo hoje no pátio de exercícios. Normalmente, não converso com ele porque não temos nada em comum, mas aconteceu de sairmos ao mesmo tempo. Falamos sobre as provas apresentadas ontem pelos franceses — as torturas e outras atrocidades. E ele me disse inocentemente: ‗Não entendo como alemães chegaram a praticar tais coisas.‘ Sabe o que eu respondi? ‗Posso entender muito bem! Você e sua filosofia nazista, seu paganismo, os ataques à Igreja e à moralidade simplesmente destruíram todos os padrões morais!‘ Não é de admirar que essa barbaridade tenha resultado disso.‖ Cela de Ribbentrop: Apresentei o major Goldensohn, o novo psiquiatra da prisão. Ribbentrop começou revendo a sua carreira e terminou com a habitual ambivalência confusa sobre Hitler. Ele relatou como voltou do Canadá, no porão de um navio carvoeiro, quando estourou a I Guerra Mundial, serviu como oficial e casou com a herdeira de uma vinícola de champanhe após a guerra. Contou com algum prazer como ele se misturou ao ―circuito internacional‖ que encontrou em Paris na primavera, passava o inverno em St. Moritz, o verão na Riviera, Biarritz etc. Não entrou na política até 1932, quando o desemprego e a inflação arrasaram os negócios. Além de sua própria vaidade e ambição em ascender socialmente, ele contou seus motivos, dizendo que Hitler lhe permitiu continuar mantendo o negócio de bebidas, descrevendo o Führer como um homem que ―só queria um capitalismo racional‖. A última vez que viu Hitler foi em 23 de abril de 1945. Quando eu lhe preguntei se, naquela época, ele teve alguma indicação de que Hitler pretendia se suicidar, ele respondeu que tinha toda a certeza de que o Führer pretendia morrer em Berlim. ―Claro que ele não disse isso, mas era óbvio. Foi a primeira vez que ele mencionou uma derrota iminente. De fato, apenas seis semanas antes ele havia dito que iríamos ainda ‗ganhar por um focinho‘. Ele nunca disse antes uma palavra sobre perder a guerra. Não se podia ousar em sugerir isso. Mas àquela época pude questioná-lo sobre o que ele queria que eu fizesse se chegássemos ao ponto de rendição. Ele respondeu que eu deveria tentar chegar a bom termo com os ingleses. Ele sempre quis isso, sabe?‖ Hitler ainda é um enigma para Ribbentrop e ele expressa sua confusão (a perplexidade de um oportunista frustrado que nem racionaliza sua posição nem admite a sua culpa) da maneira mais idiota: ―Não posso entendê-lo. Ele era vegetariano, você sabe. Não admitia comer um animal morto e nos chamava de Leichenfresser (comedores de cadáveres). Eu até ia caçar às escondidas


88 porque ele desaprovava. Como um homem daquele pôde ordenar o assassinato em massa?‖ De acordo com Ribbentrop, Hitler só se tornou inflexível e fixado em suas ideias já perto do fim. Um olho apresentava-se turvo e estrábico desde o atentado que sofreu. Suas mãos e seu rosto, nos últimos anos, estavam tão pálidos que davam a impressão de não haver sangue nas veias. Ele quase não dormia e praticamente vivia das injeções do Dr. Morel. Ao explicar por que ele não ousava argumentar com Hitler, Ribbentrop contou um incidente em 1940, quando provocou no Führer um ataque de raiva. ―Você sabe que eu tive uma terrível experiência quando discuti com Hitler em 1940,e eu nunca mais pude ter uma discussão com ele desde então. Foi sobre uma coisa trivial, esqueci qual foi. Eu discordei dele violentamente e ameacei renunciar. Ele ficou vermelho, gritou e teve uma espécie de ataque. Ele caiu sentado em sua cadeira e disse: ‗Veja o que você está fazendo comigo! Você está distraindo a minha atenção. Agora tive um zumbido em meus ouvidos e estou doente. Suponha que eu tenha um derrame. Você quer arruinar a Alemanha? Sou a única pessoa que pode liderar a Alemanha nestes tempos perigosos e você quer arruiná-la me abrrecendo desta maneira!‘ Então, prometi nunca renunciar nem me opor a ele.‖ Cela de Hess: Ainda apático, recolhido, reservado. Sobre o julgamento, ele não acompanhava muito atentamente, me explicou, porque o francês fala tanto e muita coisa é repetição. Ele admitiu que não se lembrava de tudo o que se passara antes, mas os outros haviam dito que era tudo repetição. Ele ainda não podia entender as causas que provocaram as atrocidades. De sua atitude depreendi que a apatia atual e o início de uma falência real e ostensiva da memória eram parte de um padrão negativista de reação à destruição da ideologia que havia sustentado o seu ego e, agora o obriga a uma escolha intolerável entre aceitar o compartilhamento da culpa pelo nazista ou rejeitar o Führer. Provavelmente, ele vai terminar mais uma vez rejeitando histericamente a realidade e convertendo isso em algum distúrbio funcional imprevisto, ou amnésia ou paranóia, ou uma mistura desses e outros intomas e comportamentos.

2 de fevereiro Goering e os ―comunistas‖ Cela de Goering: No começo da tarde, eu o visitei com Goldensohn. Ele falou com o seu estilo expansivo e desinibido usual. Agora que os franceses estavam encerrando a sua participação, Goering antecipava as acusações russas dirigidas a ele. Sentia que os russos seriam especialmente duros com ele porque foi o mais violento opositor ao bolchevismo. ―Olhe, eu penso que Rosenberg disputaria o título com você‖, repliquei. Mas Goering insistiu que ele merecia o título de anticomunista-chefe porque expressara sua oposição em ações, não somente em palavras, e sabia que havia muitas coisas das quais os russos nunca o perdoariam. Passou a relatar com satisfação como ele havia perseguido os comunistas logo que Hitler assumiu o poder. ―Ora, como chefe de Polícia da Prússia, eu prendi milhares de comunistas. Por isso, construi os campos de concentração


89 em primeiro lugar, para manter os comunistas sob controle. Depois, interceptei fundos que eles mandavam para os legalistas espanhóis, depois houve o embarque de armamentos e munições para Barcelona – hahá! Eles nunca me perdoarão por isso!‖ Ele riu maliciosamente como se fosse um garotinho que tivesse posto um chiclete na cadeira da professora. ―Eles tinham pago a um país neutro por um carregamento de armas destinado à Espanha legalista, mas eu tinha meus homens entre os estivadores que carregavam o navio, e eu enviei um carregamento de tijolos de construção com apenas uma camada de munição em cima. Hahá! Eles nunca me perdoarão por isso!‖ A risada farta de Goering ressoou na cela. Eu não disse nada, e era hora de comparecer ao serviço religioso na capela. Quando saímos, eu lhe disse que não queria interferir em suas orações porque Deus sabia que ele, Goering, precisava delas. Ele riu outra vez e respondeu sarcasticamente: ―Orações! Ao inferno com elas! É apenas uma chance de sair desta maldita cela por meia-hora.‖ Após o serviço religioso, eu vi o capelão Gerecke na cela de Goering tentando ainda incutir nele algum sentimento de arrependimento. (Ele me contou mais tarde que Goering havia dito que não aceitaria ensinamentos religiosos, e que esperava que sua esposa tivesse a coragem de matar a si e seus filhos em vez de viver como viviam.) 7 de fevereiro Ideologia e pilhagem e a missão de Hess Sessão da manhã: Mounier, da delegação da França, iniciou o encerramento do libelo francês com um resumo do papel de Rosenberg na conspiração nazista. Ele atacou o ―obscurantismo anticientífico que mistura tratados psicológicos do homem com o conceito de nações; o neopaganismo, que visa abolir o que vinte séculos de Cristianismo trouxeram ao mundo quanto a regras morais de justiça e de caridade; este mito de que o sangue tende a justificar a discriminação racial, com suas consequências de escravidão, massacre, pilhagem e a mutilação de seres humanos. Não devo me estender... sobre o que consideramos uma miscelânea, com pretensões filosóficas...‖ porque a Weltanschauung (visão de mundo) de Rosenberg estava largamente expressa em fatos, incluindo a pilhagem de tesouros de arte dos Rothschilds na França. Mournier continuou descrevendo as participações de Sauckel e de Speer no recrutamento do trabalho escravo na França; a pilhagem de Goering de tesouros de arte franceses e a omissão em impedir o fuzilamento de pilotos aliados capturados, enquanto permitia à Luftwaffe experimentos com cérebros humanos. Hora do almoço: Fritzsche e Speer explicaram que o roubo de objetos de arte por parte de Goering foi realmente uma acusação prejudicial aos olhos dos alemães. ―Eles nem mencionaram a pior parte de tudo‖, salientou Fritzsche, ―que foi ele mesmo ter vendido o material que roubou. Mas aquele francês que apresentou o caso fez um bom trabalho, muito mais eficaz do que dizer o nome, e inteligentemente deixou a palavra à competência da Corte deduzir.‖ ―Veja, como se pode falar em frente unida entre os réus quando aquele homem desgraçou-se tanto assim?‖, acrescentou Speer. Após o almoço, Goering se aproximou quando eu lia o jornal para alguns outros réus, e olhou por cima do meu ombro. Iniciou um gracejo sobre ter inveja de médicos de cabeça. Os outros se afastaram para evitar o pretexto de


90 participar da brincadeira, e então Goering expressou grande interesse pelas notícias do dia. Sessão da tarde: Mr.Griffith-Jones (inglês) apresentou o caso contra Hess. Foi a ele que Hitler ditou ‗Mein Kampf‘ quando estava preso na fortaleza de Landsberg em 1924. Mais tarde, como representante do Führer, ele assumiu uma das posições mais influentes na Alemanha. Assinou decretos perseguindo os judeus e igrejas; apoiou o rearmamento; ajudou a organizar a quinta-coluna no exterior com as Ausland Organization (organização de alemães no estrangeiro); participou do planejamento para a agressão à Tchecoslováquia e à Polônia. Finalmente, voou para a Inglaterra em 10 de maio de 1941 para oferecer a paz nos termos nazistas. ―Ele apresentou suas razões... que estava horrorizado em pensar numa longa guerra. A Inglaterra poderia não vencer e, portanto, seria melhor ela fazer a paz na época. Ele disse que o Führer não cogitava nenhum projeto contra a Inglaterra. Ele não pensava em dominar o mundo, e que sentia muito pesar pelo colapso do Império Britânico.‖ Hess desejava preservar os ingleses se eles ajudassem a Alemanha na Europa e contra a Rússia, mas, é claro, eles teriam que se livrar de Churchill. [Uma parte dos outros réus se divertiu, a outra parte se envergonhou com o gesto ingênuo e presunçoso de Hess em oferecer a paz aos ingleses nesses termos. Durante a apresentação, Goering virava-se repetidamente para Hess e lhe perguntava se ele havia realmente dito aquilo. Hess acenava que sim.] No fim da sessão, com dificuldade para controlar seu desprezo pela tentativa de Hess de se intrometer na diplomacia, Goering deu-lhe uma palmada nas costas, fingindo congratular-se e encorajá-lo pela boa tentativa. Depois que desceram pelo elevador, os outros se manifestaram. Von Papen, von Neurath, Fritzsche, Schacht e Funk balançaram as mãos com expressões de desgosto e desespero com ―tal estupidez... tal ingenuidade infantil... aquele era o que Hitler chamava de um líder político...‖ Todos, com exceção de Schacht, acreditavam que Hitler não o havia mandado naquela missão, e que foi um gesto dramático irresponsável. Fritzsche contou que (Ernst) Udet, o ás da aviação, havia atestado na época que um aparelho ME-110 não poderia alcançar a Inglaterra naquelas aquelas condições e que Hess provavelmente teria amerissado no Canal da Mancha. Funk comentou, acidamente: ―Sim, todos os loucos, bêbados e ingênuos são protegidos por Deus.‖ Ele não especificou sob que carimbo ele classificava Hess. ―Mas, falando sério, não é engraçado, é vergonhoso, mostra que pessoas irresponsáveis dirigiam a Alemanha. Há um ponto em que as coisas deixam de ser engraçadas para serem vergonhosas.‖ À noite na prisão Cela de von Papen: Ele reiterou sua opinião sobre a estupidez da missão de Hess à Inglaterra e ridicularizou sua tentativa ingênua de se imiscuir na diplomacia. Como Goering, ele disse que ele próprio poderia ter contatado os ingleses a qualquer momento através de um país neutro, se houvesse alguma negociação real a fazer. Geralmente, seu entendimento era de que os tolos se metem onde os anjos temem pisar, e isso incluía logicamente o idiota do Ribbentrop.


91 5. A acusação russa 8 de fevereiro Discurso de abertura Goering pareceu ficar um tanto deprimido quando o informei que a sala do tribunal estava lotada, pela primeira vez em semanas, para ouvir o promotorchefe russo, general Rudenko, fazer o seu discurso de abertura. ―É, eles querem ver o show‖, respondeu com desprezo. ―Você vai ver, este julgamento se tornará uma vergonha em 15 anos.‖ Sessão da manhã: O general Rudenko começou o libelo de acusação da parte da delegação russa com uma condenação apaixonada dos invasores fascistas. ―Os réus sabiam que escarnecer cinicamente das leis e costumes de guerra constituía um crime gravíssimo. Eles sabiam disso, mas esperavam que a guerra total, se fossem vitoriosos, também lhes asseguraria a impunidade. Mas a vitória não veio a reboque de seus crimes. Ao contrário, aconteceu a rendição completa e incondicional da Alemanha e com ela chegou a hora da severa prestação de contas por todos os ultrajes que eles cometeram... ―Quando regiões inteiras de campos prósperos foram transformadas em deserto, e o solo foi irrigado com o sangue dos executados, isso foi obra deles, de suas organizações, por sua instigação, sob sua liderança. E porque a massa do povo alemão foi levada a participar desses ultrajes... porque. os réus envenenaram durante anos a consciência e a mente de uma geração inteira de alemães ao desenvolver nela o conceito de ―escolhido‖, a moral de canibais e a ganância de ladrões, pode-se dizer que a culpa dos conspiradores hitleristas pode ser menor ou maior? ―A conspiração criminal objetivava estabelecer uma ‗nova ordem‘ na Europa. Esta ‗nova ordem‘ foi um regime de terror, pelo qual, nos países dominados pelos hitleristas, todas as instituições democráticas foram abolidas e os direitos civis da população foram anulados e os próprios países foram saqueados e explorados de modo rapace. As populações desses países, principalmente os eslavos, foram submetidas a perseguições impiedosas e ao extermínio em massa. Os russos, ucranianos, bielorrussos, poloneses, tchecos, sérvios, eslovenos sofreram mais do que os outros. Os conspiradores falharam em realizar seus objetivos. A brava luta dos povos dos países democráticos, liderada pela coalizão das três grandes potências — a União Soviética, os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha —, resultou na libertação dos países europeus da opressão hitlerista. A vitória dos exércitos soviéticos e aliados destruiu os planos criminosos dos conspiradores hitleristas e libertou o povo da Europa da terrível ameaça da dominação hitlerista.‖ Hora do almoço: (Durante o discurso dos russos, Goering e Hess tiraram os fones dos ouvidos num gesto de que o que se estava falando não era importante para se ouvir.) Quando perguntei a Goering por que ele não estava escutando, ele respondeu que sabia por antecedência o que os russos iriam dizer, mas que ficara pasmo ao ouvir os russos falarem sobre a Polônia — ele captara a palavra quando o general Rudenkop mencionou a agressão contra vários países. ―Nunca pensei que eles seriam tão cínicos ao mencionarem a Polônia‖, respondeu. ―Por que você considera isso cinismo?‖, questionei.


92 ―Porque eles atacaram o país ao mesmo tempo que nós. Foi um ato précombinado.‖ Hess disse que não tinha que ouvir estrangeiros caluniando seu país. (Uma repetição significativa de sua declaração com relação à sua amnésia no segundo dia do julgamento.) Eu argumentei que, mesmo que o desagradasse, era necessário ouvir o que eles tinham a dizer a fim de que pudesse preparar sua própria defesa. ―Isso é um assunto que só compete a mim‖, cortou ele. Após o almoço, Goering voltou ao tema da falta de vergonha dos russos em mencionar a violação de direitos humanos. ―Gostaria de saber se eles terão coragem de mencionar o assunto nos jornais deles‖, disse ele a Fritzsche. ―Não, não é o tipo de assunto que gostam de publicar nos jornais russos.‖ Von Schirac riu: ―Ora, quando eles falaram sobre a Polônia eu pensei que ia morrer.‖ Quando entrei na conversa, Fritzsche disse que uma das coisas que os russos haviam mencionado ele não tinha conhecimento, que foi o campo de extermínio atrás das linhas alemães, onde mulheres e crianças russas foram mortas em uma mina, sem prédios para marcar o local. Goering replicou dizendo que todas as atrocidades que os russos estiveram citando foram atrocidades russas das quais agora estavam culpando os alemães. ―Será muito difícil você provar que os russos assassinaram seus próprios cidadãos para culpar vocês pelas atrocidades‖, disse eu. ―Como você sabe o que eu posso provar?‖, respondeu ele com raiva. Fritzsche também o questionou sobre o que ele queria dizer com aquilo. ―Eu li os relatórios oficiais e vi as fotografias‖, vociferou Goering. ―Onde estão eles?‖, Fritzsche perguntou. ―Em Genebra!‖ Goering rugiu, tornando-se cada vez mais furioso com as alfinetadas que estava recebendo. ―Mas aquele relatório de Genebra trata de assunto inteiramente diferente‖, explicou Fritzsche, como se Goering não soubesse disso. Este continuou a espalhar fumaça e xingamentos para todos os lados. Nesse ponto, Rosenberg veio em apoio a Goering: ―Tudo o que eles dizem sobre atrocidades nazistas você pode dizer sobre os comunistas.‖ Goering acalmou-se bastante para mudar o rumo: ―Tudo bem. É como eu digo, o mundo é redondo e sempre dá voltas, algum dia as posições se trocam.‖ Eu expressei a opinião de que os dias de ascenção da Alemanhã haviam passado, e que agora a questão era preservar a paz e reconstruir o que Hitler tinha destruído, mas sem qualquer sonho de império. ―O que você quer dizer com isso?‖, perguntou Goering. ―Quero dizer que o dia de potência mundial e de agressão da Alemanha já é passado.‖ ―Espero que você não tenha que ver esse dia‖, retrucou ele, ameaçador. Fritzsche contestou: ―Não, concordo que os dias de poder da Alemanha já é passado, e sou contra encorajar o povo a arriscar de novo!‖ Von Schirac concordou, timidamente. ―Mas acontece que eu sou um patriota nacionalista!‖, disse Goering, desafiador. ―Acho que também sou patriota e, além disso, tenho simpatia pelo povo alemão‖, replicou Fritzsche. ―É por isso que eu não quero ver meu povo ser levado a uma aventura insana de novo.‖ Von Schirac concordou.


93 ―Ora, vocês são menininhos de coração mole. O que sabem sobre patriotismo? Corações moles, isso é o que vocês são! Fiiiiu!‖ Goering lançou mais algumas zombarias, e então chegou a hora de descer para o salão da Corte. Ao passar por mim, Goering deu sua palavra final: ―Creio que o povo alemão se erguerá de novo!‖ Sessão da tarde: [Os russos continuavam com as provas das agressões e atrocidades alemães e Goering insistia em se mostrar enfadado.] O general Rudenko continuou: ―Juntamente com os promotores-chefes dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e da França, eu acuso os réus de terem preparado e realizado um ataque pérfido aos povos do meu país e de todas as nações amantes da liberdade. ―Acuso-os do fato de que, tendo iniciado uma guerra mundial, em violação às regras fundamentais das leis internacionais e dos tratados que eles foram signatários, eles transformaram a guerra num instrumento de extermínio de cidadãos pacíficos; num instrumento de saques, violências e pilhagens... ―Agora, como resultado da luta do Exército Vermelho e das Forças Aliadas, quando a Alemanha hitlerista está derrotada e subjugada, não temos o direito de esquecer as vítimas sofredoras. Não temos o direito de deixar impunes aqueles que organizaram e que foram culpados por crimes monstruosos. ―Em nome da memória sagrada de milhões de vítimas inocentes do terror fascista, pelo interesse da consolidação da paz ao redor do mundo, pelo interesse da segurança futura das nações, estamos apresentando aos réus uma justa e completa conta que deve ser paga. É uma conta em favor de toda a humanidade, uma conta baseada no desejo e na consciência de todas as nações amantes da liberdade. Que a justiça seja feita.‖ À noite na prisão Cela de Fritzsche: Fui visitar Fritzsche à noite. No curso de nossa conversa, mencionei a acusação de Goering de que Roosevelt tinha forçado a guerra na Alemanha. Para minha surpresa, Fritzsche disse que tinha discutido isso com Goering e Ribbentrop. Perguntei o que havia motivado a discussão. ―Eu só estava explicando porque eu tinha dito isso em meus discursos radiofônicos. Na verdade, naquela época eu não sabia nada sobre os planos de guerra de agressão de Hitler. Eu só sabia que os embaixadores Bullit e Biddle estavam assegurando a outros países que a América poderia apoiá-los.‖ ―Você quer dizer, a América não ficaria de braços cruzados vendo Hitler conquistar toda a Europa. Se Roosevelt fez aquilo pode ter certeza que foi uma tentativa desesperada de impedir a guerra, não de precipitá-la. Só Deus sabe como ele tentou tudo o que foi possível — pedindo, concedendo, ameaçando. Obviamente Hitler não se satisfez, e Roosevelt percebeu que a única linguagem que ele, Hitler, poderia entender era a ameaça de força. Estava clara a intenção de Hitler de assinar e quebrar tratados, e atacar as grandes potências.‖ ―É isso que eu percebo agora, mas na época, não. Pensei que Roosevelt ameaçava a Alemanha. Mas Goering deve ter me entendido mal. Vou esclarecer isso com ele.‖


94 9 e 10 de fevereiro Fim de semana na prisão Cela de von Schirac: (A atitude de remorso de von Schirac ante o tribunal desapareceu completamente desde que voltou a ficar sobre a influência de Goering nas primeiras semanas do julgamento. A fraqueza moral peculiar deste narcisista tem sido demonstrada bem claramente na maneira com que tem abrandado sua indignação à ―traição‖ da juventude alemã por parte de Hitler, sob a influência do cinismo agressivo, nacionalismo e pose de heroi romântico de Goering. Tentativas de sondá-lo sobre suas reações às provas do tribunal durante os dois últimos meses só produziram evasivas e meias respostas. Fracassou em sua intenção original de escrever uma denúncia da ―traição de Hitler‖ para deixar para mim após sua execução, apesar dos esforços do major Kelly e meus em encorajá-lo a fazer. Ele tem agido como mensageiro de Goering para impor a ―linha do Partido‖ a réus recalcitrantes como Speer, e não tem tido a coragem de se manifestar nas discussões na sala de almoço na presença de Goering. A prisão de sua família causou-lhe uma mágoa a mais para focar sua atenção nos maus tratos e ―culpa‖ por parte dos aliados — uma substituta benvinda para a sua própria culpa, persistentemente cultivada por Goering. Após a discussão de ontem quando Goering, impacientemente, atacou tanto Fritzsche quanto von Schirac como ―jovens frágeis‖ enquanto ele se saía como o mais nacionalista heróico, eu decidi que já era hora de fazer outra tentativa de me aproximar de von Schirac.) Como de costume, ele me ofereceu seu ―assento macio‖ que tinha armado com o cobertor no catre assim que entrei na cela, e imediatamente puxei o assunto da prisão de sua família. Ele me mostrou a carta que o general Truscott escreveu ao tribunal, ao que tudo indica como resultado de um pedido meu, explicando porque a família de von Schirac havia sido detida. Ele tentou ridicularizar as ―justificativas‖ pela prisão e criticar os maus tratos de alemães pelas forças de ocupação aliadas. Eu lhe disse, após ler a carta, que parecia a mim estar tudo em ordem, que tais medidas de segurança eram razoáveis e necessárias logo após a guerra, especialmente durante o julgamento, e que ele sabia muito bem que sua família não estava sendo maltratada, não seria exterminada, como a Gestapo faria. O tom incisivo de minha resposta o assustou e ele colocou-se em defensiva de desculpas. Ele não queria criticar os americanos tanto quanto os russos (eu lhe disse que prestasse atenção na Corte para descobrir porque os russos estavam tão ―sem consideração‖ agora) Ele, é claro, não aprovou a guerra contra a Rússia, e nem mesmo concorda com Goering de que a guerra com a Rússia era inevitável. Simplesmente suspeita de que houve conspiração no ataque à Polônia. Criticou Ribbentrop por sua política ambígua, que primeiro levou a um entendimento e depois à guerra com a Rússia. A conversa então mudou para Ribbentrop. ―Eu disse a ele outro dia‖, continuou von Schirach, ―que eu não quero discutir com ele agora, mas que sempre me opus, e ainda o faço, à sua política externa. ‗Se você era a favor de um entendimento com a Rússia, como pôde participar de uma política agressiva contra ela?‘, eu perguntei a ele e ele me respondeu dizendo que Hitler temia que a Rússia nos atacasse.‖ ―Acho que Ribbentrop era um grande oportunista que fazia o que Hitler queria que ele fizesse.‖


95 ―Bem, ele não agia então dessa maneira. Ele circulava com extrema arrogância, falando sobre a sua política externa, sua posição de hábil estadista, seu mérito (e de Hitler) em levar a Alemanha à grandeza. Agora ele diz que não foi responsável por tudo aquilo, apenas cumpriu ordens de Hitler. Suponho que, provavelmente, ele recebia as ordens de Hitler privadamente e então passava a se pavonear por aí, tagarelando sobre suas brilhantes decisões em política externa. Eu nunca o considerei muito, mas desejei saber se eu estava errado quando ele teve sucesso ao assinar o Pacto de Não-Agressão com a Rússia. É engraçado como ele entrou na diplomacia para a função principal. Ninguém havia ouvido falar dele e, de repente, ele se torna um homem importante no Ministério de Negócios Estrangeiros — da noite para o dia, praticamente. Quando ele de repente começou a aparecer nas negociações diplomáticas, eu perguntei às pessoas quem ele era e eles diziam: ‗Aquele é von Ribbentrop, um homem muito importante.‘ Mas, que Ribbentrop? Qual era o seu background? De onde vinha a sua influência? Tudo era um mistério. Tudo que pude saber foi que ele havia colocado sua casa em Munique à disposição de delegações estrangeiras para negociações, e de repente ele se tornou chefe da diplomacia.‖ ―Ele não pertencia realmente à nobreza, não é?‖ perguntei. ―Creio que há algo de falso no von Ribbentrop.‖ Von Schirac sorriu maliciosamente: ―Não, ele não pertencia, e nós sempre rimos disso.‖ Eu insisti nesse assunto, mencionando que sempre achei que havia algo de impostura pela maneira com que ele se gabava constantemente de suas ligações com ricos e aristocratas titulados da Europa Ocidental. O sorriso de von Schirac se expandiu em grande satisfação. ―Então você percebeu que Ribbentrop era um impostor, não? Ele é um impostor, você sabe. Ele se nomeou legalmente adotado por algum ramo de uma remota família von Ribbentrop – o mesmo nome dele — após a I Guerra Mundial, mas seu pai era apenas o tenente-coronel Ribbentrop. Um dia, alguém chamou seu pai de von Ribbentrop, e ele respondeu deliberadamente: ‗Meu nome é Ribbentrop.‘ Ele não apoiava a pose de seu filho como um falso nobre. Por isso eu quis saber quem ele era e de que família ele veio, porque todos nós nos conhecíamos, sabíamos os regimentos de nossos pais etc. Eu descobri a história verdadeira, mas é claro que não ousávamos discutir abertamente porque era perfeitamente legal e ele era apoiado por Hitler, embora soubéssemos que na verdade não pertencia à nobreza. Não é de conhecimento geral. Mas você pode reconhecer a diferença, não pode? Isto é o mais interessante.‖ Foi mais interessante também como uma reflexão sobre o senso de valores de von Schirac. Evidentemente ele sempre se opôs a Ribbentrop mais como um impostor arrivista do que pela sua perigosa política externa. Apesar de seu fingimento ao querer abolir as diferenças de classe no seio da juventude alemã, ele ainda se sentia identificado com aqueles que nasciam para liderar. Porém, seu caráter passivo requeria um líder forte com quem se identificasse. Hitler supriu essa necessidade, mas Goering a complementou ao adotar a pose de oficial-cavaleiro, que ajudava a atrair os que tinham inclinação pela aristocracia, como von Schirac. Embora as provas incriminatórias apresentadas no julgamento o fizessem sentir que Hitler o havia traído, é evidente que seu desejo de renegar Hitler dependerá da força das personalidades que o influenciam agora, mais do que o seu prório sentimento de indignação moral.


96 Levantei para sair. Como é do seu feitio, ele me pediu para não contar a ninguém o que falou sobre Ribbentrop. Cela de Speer: Mostrei a Speer um exemplar de um livro sobre ele como arquiteto-chefe do Führer. Isso instigou uma discussão sobre os projetos e o gosto de Hitler pela construção arquitetônica, e a sua realização até a completa destruição. Ele confirmou que Dr. Brandt, médico de Hitler, havia dito que os seus planos para construções grandiosas se originaram nos tempos do ‗putsch da cervejaria‘. Ele comparou o gosto de Hitler ao de Napoleão. O deste último seguia por vários estágios: jacobino, diretório, império, atingindo o apogeu na ornamentação e pretenciosidade no período império, logo quando ele entrou em colapso. O estilo preferido de Hitler foi sempre o do período de império de Napoleão, porém Speer conseguiu contê-lo nos primeiros anos, preferindo linhas clássicas simples. Mas o gosto pretencioso e grandioso de Hitler tornouse cada vez mais insistente quando seu poder ascendeu à dominação e ao desastre. Isto ficou evidente quando ele ordenou a retomada das construções após a vitória sobre a França. Eu sugeri que, se o estilo pretencioso e ornamental representava ambição destrutiva, Hitler deve tê-la adquirido desde o início porque seu próprio gosto permaneceu essencialmente imutável dos primeiros dias em diante. Speer concordou. Ele mostrou nas páginas fotografias da Chancelaria do Reich e boulevards em Berlim; os projetos para um tremendo superanfiteatro para eclipsar o de Atenas; pontes da Autobahn (autoestrada); o estádio de Nuremberg e outros trabalhos construídos e destruídos, ou nunca terminados, e suspirou com autêntico pesar: ―É uma pena que muita coisa disso teve que ser destruída.‖ Concordei com ele. ―Atrás da simulação de Hitler de uma paixão pelos projetos de construção escondia-se uma mania destrutiva que se revelava em destruir tudo o que havia construído.‖ ―E isso não é tudo‖, Speer controlou sua amargura. ―Ele acabou destruindo não só tudo o que havia construído mas também muito do que a Alemanha construíra com extremo esmero nos últimos 800 anos!‖ ―Quando você percebeu por primeiro que estava lidando com um demônio destrutivo?‖ ―Quando a ofensiva de Rundstedt falhou, e eu lhe disse que era hora dele sair. Veja, eu vinha lutando contra minhas dúvidas por algum tempo e fazendo o meu melhor para ajudar o esforço de guerra com produção. Por fim, me contaram que a ofensiva de Rundstedt era a nossa última tentativa para mudar a maré. Duvidei que haveria sucesso, mas eu pensei: ‗Bem, pelo menos vou espremer toda a produção que puder para ajudar e, se isso falhar, então pelo menos acabaremos com tudo. Mas, quando falhou e eu lhe disse em janeiro que não tinha mais jeito, ele respondeu que iríamos continuar de qualquer maneira. Então, eu soube que ele pretendia a total destruição da nação alemã em vez de perder o seu poder. O resto da história você conhece.‖ Mostrei-lhe algumas fotografias minhas que tirei de lindos campos alemães perto de Garmisch-Partenkirchen, e outros locais, a Alemanha como era antes de Hitler; e então, para contrastar, mostrei outras fotos de filas de prisioneiros alemães (mão de obra destruída), as ruínas de Munique (cidades destruídas), uma ponte dinamitada (arquitetura destruída), e prisioneiros assassinados em Dachau (cultura e reputação nacional destruídas). Ele foi ficando cada vez mais enraivecido ao olhar as fotos.


97 Por fim, deu um soco no catre e exclamou, em uma de suas raras explosões emocionais: ―Algum dia eu gostaria de falar e transmitir boa parte do que sei, sem esconder nada! Gostaria de sentar e escrever, detonando de vez toda essa maldita confusão nazista, mencionando nomes, detalhes, deixando o povo alemão saber de uma vez por todas a corrupção podre, a hipocrisia e loucura nas quais todo o sistema estava assentado! Eu não pouparia ninguém, nem a mim mesmo. Somos todos culpados. Eu ignorei a nua verdade, também!‖ Perguntei se ele não poderia escrever um pequeno sumário. Ele respondeu que se sentiria livre para fazê-lo após o fim do julgamento. Cela de Frank: Ainda flutuando, Frank expressou sua ambivalência em relação a Goering: ―Não sei o que pensar de Goering. Às vezes ele é tão charmoso ― é mesmo! Mas como ele pôde roubar aqueles tesouros para si durante a guerra, com o povo naquelas condições desesperadoras? Isso é o que não entendo.‖ Passamos a discutir sobre a ambição inescrupulosa e ambivalência de muitos dos líderes nazistas. Citei Fausto, de Goethe: ―Zwei Seelen wohnen, ach!, in meiner Brust.‖ (―Duas almas moram, ai de mim!, em meu peito‖). Ele encerrou a citação e passou para o tema preferido de dupla personalidade em um dos seus entusiasmados monólogos introspectivos: ―Sim nós temos o mal em nós, mas não esqueça que há sempre um Mefistófeles para trazê-lo à tona. Ele diz: ‗Olhe bem! O mundo é grande e cheio de tentações. Repare! Vou lhe mostrar o mundo! Há uma pequena futilidade rondando sua alma’...‖. Frank tornou-se cada vez mais expansivo, dramatizando a sua fala com todos os gestos adequados, balançando os braços para abarcar o mundo, e esfregando os dedos como um mendigo pedindo uma simples e vulgar alma em pagamento. ―E assim aconteceu. Hitler era o diabo. Ele nos seduziu dessa maneira.‖ A metáfora de sedução deve ter mexido em algo profundamente latente dentro dele porque insistiu e voltou a ela depois que a conversa havia mudado o curso. ―Sabe, o povo (Volk) é na verdade feminino. Em sua totalidade é fêmea. Não se deveria dizer o povo (neutro), e sim a povo (feminino). Ele é tão emocional, tão volúvel, tão dependente em disposição e em ambiente, tão sugestionável — idolatra tanto a virilidade. É isso.‖ Era interessante ele usar os mesmos termos ao descrever o Volk que usara anteriormente para descrever a si próprio. ―E ele está sempre pronto para obedecer‖, acrescentei, obviamente me referindo ao povo alemão. ―Claro, mas não uma simples obediência, é uma entrega (Hingabe), como uma mulher. Vê? Não é de pasmar?‖ Caiu na risada, como se projetado em uma piada indecente. A identificação era inequívoca .‖E este foi o segredo de Hitler. Ele se aprumava, erguia o punho e gritava: ‗Eu sou o homem!‘ — e bradava sobre sua força e determinação, e então o público se rendia a ele com um entusiasmo histérico. Não se pode dizer que Hitler violou o povo alemão, ele o seduziu! Eles o seguiam com louco regozijo, da maneira que nunca se viu na vida! Infelizmente, você não testemunhou aqueles tempos febris, Herr Doktor, você teria tido um melhor conceito sobre o que aconteceu conosco. Foi uma loucura, uma embriaguês.‖ Mais tarde, ele voltou ao assunto de seus diários, após discutir o ―demoníaco Frank‖. ―Entreguei aqueles diários para que eu pudesse me livrar de uma vez por todas do outro Frank. Aqueles três dias após o suicídio de Hitler foram


98 decisivos — a virada em minha vida. Depois de nos ter liderado e de ter movimentado o mundo, ele simplesmente desapareceu, desertou, e nos deixou para assumirmos a culpa de tudo o que aconteceu. Pode-se simplesmente desaparecer depois de tudo e limpar suas pegadas na areia, sem deixar traços? Percebe-se num momento quão insignificante se é ― ‗bacilos planetários‘, como Hitler costumava chamar a humanidade.‖ Esta foi a conversa mais relevante que tive até então com Frank. Ele revelou espontaneamente sua homossexualidade latente, a qual, ao lado da ambição implacável e falta de escrúpulos, levou-o a seguir e se identificar com o Führer com um entusiasmo apaixonado que lhe ofuscou a razão e os conceitos legais e humanitários dos direitos humanos. Quando o gênio do mal que justificava sua existência desapareceu numa orgia de sangue, destruição e vergonha, ele se dissociou desse intolerável retrato de seu ego, caiu em êxtase religioso, renunciou ao mundo e ao seu próprio demônio como à figura demoníaca que o havia seduzido; mas deixou seus diários para trás porque a completa extinção era intolerável para o seu ego e a prova de sua culpa também servia a uma necessidade masoquista.

11 de fevereiro General von Paulus depõe Hora do almoço: Eu mostrei os jornais no almoço. Jodl enfureceu-se com a manchete de um jornal de Nuremberg: ―HESS VOOU PARA A INGLATERRA POR ORDEM DE HITLER‖. ―Isso é uma mentira imunda! Nunca em minha vida eu presenciei um homem com a raiva de Hitler quando ele soube que Hess havia voado para a Inglaterra. Ele ficou enfurecidíssimo!‖ ―Por que?‖, peguntei. ―Porque ele temia que os italianos pudessem pensar que ele estaria negociando a paz por trás de suas costas e os abandonando. Ele ficou doido!‖ Jodl e Keitel então falaram sobre a expectativa do depoimento de von Paulus na parte da tarde. ―É claro que esses generais estão falando agora para preservar suas próprias vidas‖, assegurou-me Jodl. ―Você quer dizer que eles foram forçados a depor sob pressão?‖ ―Não, mas eles perceberam que nunca voltariam à Alemanha não importando se a Alemanha vencesse ou não a campanha, e já tinham decidido fazer a paz com a Rússia. ―Mas von Paulus não poderia ter decidido que Hitler estava destruindo a Alemanha em uma aventura temerária e se considerado absolvido de seu juramento de lealdade para com Hitler?‖ Aqui Keitel explodiu: ―Então, ele que tomasse essa posição antes que fosse capturado! Ele não deveria ter aceito sua Cruz de Ferro, suas promoções a coronel-general e a marechal-de-campo, sua espada e outras condecorações, e não continuar mandando mensagens de lealdade ao Führer, este é o meu ponto de vista. Eu sempre o elogiei junto ao Führer. É uma vergonha para ele estar depondo contra nós.‖ ―Ele jurou lealdade ao Führer até o último minuto‖, disse Jodl, ―mesmo depois que sua posição estava insustentável.‖


99 De repente, Doenitz se intrometeu na conversa: ―Eles nos custaram a vida de milhares de mulheres e crianças alemãs ao causarem deserções nas fileiras.‖ Eu não poderia apoiar o argumento de Doenitz: ―Penso que foi o prolongamento desnecessário da guerra que causou a desnecessária perda de vidas.‖ ―Não, foi o enfraquecimento do moral da tropa pela propaganda desagregadora deles. Se tivéssemos capitulado em janeiro, teria havido ainda mais perda de vidas. Pelo menos, eu fiz uma paz ordenada.‖ Era um non sequitur (argumento sem lógica - NT) óbvio, e Speer olhou para mim, sabendo que eu sabia de sua visão sobre a carnificina e destruição desnecessárias desde janeiro de 1945. Entretanto, ele não quis refutar seu amigo Doenitz à vista de todos. Fritsche pegou o ângulo da propaganda e demostrou sua amizade a von Paulus: ―De qualquer maneira, não foi von Paulus que empreendeu aquela campanha de propaganda.‖ ―Eu não estou falando de von Paulus, estou falando do grupo de Seydlitz (*). Eles pregavam a mais aberta traição‖, insistiu Doenitz. Sessão da tarde: Von Paulus testemunhou que a Alemanha havia preparado seu ―ataque criminoso‖ à Rússia desde 3 de setembro de 1940, de acordo com seu próprio conhecimento, violando assim o Pacto de Não-Agressão com aquele país. Ele também denunciou as ―políticas irresponsáveis‖ de Hitler e implicou Keitel, Jodl e Goering nos planos para a guerra de agressão e o sacrifício insensato de vidas alemães. Durante o intervalo da tarde, a seção militar explodiu em grande alvoroço, e eles argumentavam com injúrias pesadas com os seus advogados e com eles mesmos. ―Pergunte àquele porco sujo se ele sabe que é um traidor! Perguntelhe se ele adquiriu cidadania russa!‖, gritou Goering para seu advogado. Raeder me viu observando e gritou para Goering:‖ Cuidado! O inimigo está ouvindo!‖ Goering continuou a gritar para seu advogado, e um verdadeiro pandemônio se instalou no banco dos réus. ―Temos que desgraçar aquele traidor!‖, berrou ele. Keitel ainda argumentava com seu advogado e Raeder lhe passou um bilhete com a mesma advertência. Do outro lado do banco dos réus, a atitude era mais de simpatia para com von Paulus. ―Veja‖, disse Fritzsche, ―é a tragédia do povo alemão logo ali. Ele estava entre a cruz e a espada.‖ Von Neurath, Seyss-Inquart e Schacht também fizeram observações simpáticas sobre von Paulus. ―Os militares parecem achar que ele é um traidor‖, eu disse. ―Nada a ver com o tipo,‖ disse Funk, tristemente, ―é uma tragédia humana.‖

(*) Walther von Seydlitz-Kurzbach, general que, quando prisioneiro de guerra dos russos após a Batalha de Stalingrado (1943), liderou organizações antinazistas. Por isso, foi condenado a morte ―à revelia‖ por Hitler (NT).


100 12 de fevereiro O ataque à Rússia Antes da abertura da sessão da manhã para inquirição de von Paulus, instalou-se um ambiente de expectativa tensa no banco dos réus. Hess me deu um sorriso para mostrar que não havia ressentimentos sobre o desentendimento de ontem. Os réus aparentavam uma sombria expectativa. De repente, Keitel riu. Ao notar meu olhar interrogativo, ele me disse: ―Um pensamento me passou pela cabeça agora. Se aquele plano tivesse se materializado, von Paulus teria tomado o lugar de Jodl e ele estaria sentado aqui agora..‖ Sessão da manhã: A inquirição se deu com o salão da Corte lotado pela primeira vez em semanas. [Como eu esperava, as questões destinadas a mostrar que Hitler era o comandante-em-chefe vieram do advogado de Keitel. Foi surpresa, entretanto, que as questões atacando a honra pessoal de von Paulus vieram do dr. Sauter, advogado de von Schirach e Funk, uma vez que esses dois se mostraram preocupados com a campanha na Rússia. Aparentemente, Goering tinha levado a melhor fazendo com que seus dois companheiros de mesa liderassem a difamação ao general alemão em vez de ele próprio ter que fazê-lo.] Von Paulus teve de admitir que ajudou no plano de ataque à Rússia, apesar do Pacto de Não-Agressão. Jodl, entretanto, tentou armar-lhe uma cilada e fazê-lo admitir ter preparado os planos pessoalmente, já que ele conhecia a capacidade (alegada) da concentração da tropa russa na fronteira com a Alemanha. Von Paulus respondeu dizendo que não se lembrava dos detalhes. Durante o intervalo da manhã, Goering zombou alto: ―Ele não se lembra! Hess, você sabe que tem um concorrente? [Grita para Jodl] Senhor general, você ouviu isso? Hess tem um concorrente. A testemunha não se lembra. Hahá! Fazendo-se de ignorante. Ele quer pular fora. Ora, ele que era o especialista sobre a capacidade das tropas russas.‖ ―Claro, ele era,‖ concordou Jodl. ―Ele era o especialista em delinear os planos. Mas ele não caiu em minha cilada. Ele não poderia dizer que as forças russas eram fracas se não eu o confrontaria com seus próprios relatórios. Ele não poderia dizer que eram fortes porque embaraçaria os russos. Ele apenas disse que não sabia. Mas eu sei. Espere até eu levantar e contar toda a história.‖ Ribbentrop, que estava sentado em silêncio e depressivo com tudo isso, disse depois a Goering e a Jodl: ―Aquele homem, von Paulus, está acabado. Ele desgraçou a si próprio.‖ ―Claro! Ele está arruinado, mas eu não o culpo muito. Ele tem que salvar o próprio pescoço.‖ É um tanto irônico ouvir criminosos de guerra nazistas derrotados e desonrados, frente à morte, criticando von Paulus como se estivessem decidindo que não iriam contratar um homem daquela espécie para a próxima guerra. Hora do almoço: Na discussão durante o almoço, Speer, Fritzsche e von Schirach demonstraram simpatia por von Paulus, embora von Schirach repetisse alguns dos argumentos de Goering sobre a própria participação de


101 von Paulus no planejamento do ataque à Rússia e avaliação da capacidade russa. Fritzsche contou como havia testemunhado a batalha desesperada de von Paulus frente a um dilema: ou usava suas frágeis reservas para apoiar as tropas super pressionadas no norte ou segurá-las para usar no cerco que planejava no sul. ―Eu vi o terrível desespero por que ele passou naquela época. E imaginem a sua posição de angústia, assumir a tarefa de levar 200 mil almas alemães direto para as mandíbulas do inferno e ao mesmo tempo inquirir-se sobre o propósito daquilo tudo.‖ À noite na prisão Cela de Ribbentrop: À noite, visitei von Ribbentrop para conseguir alguma declaração sobre a invasão da Rússia. Coloquei para ele as questões após comentar que von Paulus tinha impressionado bastante ao rotular a campanha russa como um ―ataque criminoso‖. Ribbentrop resmungou, resmungou, mas por fim deixou escapar: ―Bem, talvez a história vá mostrar que Hitler estava certo e eu, errado.‖ ―O que você quer dizer com isso?‖ ―Eu sempre fui a favor de uma reaproximação com a Rússia. Hitler pensava que seríamos atacados mais cedo ou mais tarde. Talvez ele estivesse certo.‖ ―Mas, vocês tinham um Pacto de Não-Agressão. O ataque não foi na verdade uma quebra de confiança da parte de vocês, para não dizer um jogo insensato com vidas humanas?‖ ―Bem, o problema é muito difícil... muito difícil. A história terá que decidir. Deve-se observar essas coisas com a adequada prespectiva. Não é muito fácil de entender. Eu queria chegar a um entedimento pacífico com os rusos. Sabe o que planejei? Eu queria incluí-los no nosso pacto de três potências e torná-lo de quatro.‖ ―Um Pacto Anti-Comintern de quatro potências incluindo a Rússia?‖, perguntei. ―Bem, bem, não. O Pacto Anti-Comintern deixaria de existir logo que fizéssemos o acordo com a Rússia. Mas eu queria estar livre para negociar com a Inglaterra em qualquer emergência.‖ ―Para tocar a guerra?‖ ―Não, nós queríamos uma solução pacífica, um contrapeso para contrabalançar o poder da Inglaterra. Ela estava sempre nos oprimindo. Imagine ir-se à guerra por causa de Danzig, uma catástrofe mundial só para impedir a Alemanha de ficar com um pedaço de território que pertencia a ela, porque a Grã-Bretanha temia que a Alemanha se tornasse forte demais.‖ ―Ora, espere aí, você sabe perfeitamente que não foi por causa de um pequeno pedaço de território. Foi a gota d‘água de uma série de agressões e quebras de acordo que já tinham violado a paz da Europa e a soberania de nações pacíficas. Se vocês queriam a paz, por que quebraram o Pacto de Munique? Com certeza a Inglaterra concedeu mais do que o bastante para satisfazer as demandas da Alemanha. Hitler tinha a intenção de romper o pacto enquanto o estava assinando? Ou ele decidiu quebrar a palavra depois disso?‖ ―Oh! Hitler não quebrou o Pacto de Munique.!‖ Olhei para ele incrédulo. Ele não parecia estar brincando. ―Como você pode pensar assim? Vocês engoliram toda a Tchecoslováquia mesmo depois que


102 tomaram os Sudetos e tornaram claro para todo o mundo que a palavra de Hitler não valia nada e que a agressão alemã não tinha limites.‖ ―Mas a Tchecoslováquia era um estado que havia simplesmente sido criado pelo Tratado de Versalhes. De qualquer maneira, Hitler criou um Protetorado fora da Tchecoslováquia. Admito que ele exerceu alguma pressão sobre Hacha(*)... Legalmente, não quebramos o Pacto de Munique.‖ A cara-de-pau e total hipocrisia deste homem são inacreditáveis! (*) Emil Hacha, presidente da Tchecoslováquia ( NT).

15 de fevereiro Sessão da manhã: Os russos continuaram a mencionar as atrocidades dos alemães e citaram excertos do diário de Frank e outras declarações que mostravam que ele esteve diretamente ligado às atrocidades na Polônia. Hora do almoço: Após a refeição, Fritzsche disse que estava doente quando lhe perguntei porque estava depressivo, sozinho na mesa, enquanto os outros conversavam e andavam, como usualmente faziam. Claramente ele quis dizer que aquilo era ―psicosomático‖, em reação à declaração atribuída a Frank de que Hitler estaria satisfeito em saber que outros 150 mil poloneses estavam morrendo! ―E o povo acreditava sinceramente nessa causa, se autossacrificando altruísticamente, com patriotismo e disciplina. E no topo tínhamos esses egoístas, brutos ambiciosos, esses...‖. No banco dos réus, lá embaixo, depois do almoço, Goering dizia insistir em que fosse lido na Corte todo o documento que haviam apresentado como prova. ―O que? O documento todo?‖, perguntou Raeder. Parecia ser bem volumoso. ―Claro, porque não?‖ Havia uma sugestão de embuste no ar. ―Temos tempo bastante. Desde que não nos defendamos — quanto a mim, tudo bem, eles se desgraçarão por si mesmos.‖ Hess interrompeu a leitura de seu livro e disse: ―Está vendo? Você chegou ao ponto que tenho sempre dito.‖ ―Ah!‖, sorriu Goering. ―Hess é um homem de princípios. Ele não dirá uma palavra! Nem mesmo para nós. A propósito, Hess, quando é que você vai nos revelar seu grande segredo?‖ Doenitz e Raeder riam. Eles não se preocupavam por eu estar escutando já que a piada era com Hess. ―Sim, Hess, e quanto ao segredo?‖ Ribbentrop brincou. ―Você não vai nos contar durante o recesso?‖ Goering continuou, caçoando. ―Proponho que Hess nos conte seu grande segredo durante o recesso. O que acha disso, Hess?‖ ―Uh-uh! Estou encantado com tudo isso‖, Hess resmungou, enfiando o nariz de novo no livro. Era óbvio que ele não tinha nenhuma intenção em abandonar sua postura reservada. Mencionei que os russos estariam mostrando um filme sobre atrocidades na segunda-feira. ―Ach! Que show os russos vão promover!‖ zombou Goering, inquieto. Prontamente, Ribbentrop tagarelou na mesma linha de ataque de Rosenberg: ―Vocês nunca ouviram sobre como os americanos acabaram com os índios? Eles eram uma raça inferior também. Vocês sabem quem por


103 primeiro instalou campos de concentração? Os ingleses. E vocês sabem por quê? Para forçar os bôers a entregar as armas.‖ ―Filmes de atrocidades!‖, continuou Goering. ―Qualquer um pode fazer um filme de atrocidades tirando cadáveres de suas sepulturas e então mostrar um trator empurrando-os de volta.‖ ―Você não pode descartar isso tão facilmente‖, repliquei. ―Nós, na verdade, encontramos seus campos de concentração abarrotados de cadáveres e de sepulturas coletivas. Eu mesmo presenciei em Dachau! E em Hadamar!‖ ―Oh, mas não empilhados aos milhares como mostraram.‖ ―Não me diga o que eu não vi! Eu vi cadáveres às carradas em vagões.‖ ―Ora... só aquele trem.‖ ―E empilhados como achas de lenha no crematório; e prisioneiros famintos e mutilados, que me contaram como o matadouro funcionou por vários anos; e Dachau não era o pior deles! Não se pode ficar indiferente a seis milhões de assassinados!‖ ―Duvido que foram seis milhões‖, disse ele desanimado, parecendo lamentar ter iniciado a argumentação, ―mas, como sempre disse, é suficiente se forem somente 5%.‖ Seguiu-se um silêncio lúgubre. À noite, antes de voltarem para suas celas, eu li para eles uma nova determinação proibindo a comunicação entre eles na prisão e restaurando o confinamento solitário, exceto na sala da Corte. Eles ouviram aquilo em silêncio e com raiva. 16 e 17 de fevereiro Fim de semana na prisão Cela de Schacht: Ele estava furioso por causa da nova regra. Na verdade, vociferou freneticamente contra o tratamento que recebia na prisão: ―É uma desgraça! Miséria! O coronel pode fazer conosco o que quiser, mas não invejo o seu poder! Isto demonstra um tratamento por pessoas sem tradição e sem cultura — isso é desprezível!‖ Essa referência desdenhosa aos americanos era da linha de Goering, provavelmente transmitida por Raeder, seu companheiro de mesa. Sua fúria revelou uma boa dose de sentimentos escondidos sob uma concha de inocência ferida. ―Asseguro-lhe que não quero mais conversar com a maioria daquele pessoal! Criminosos como Goering, Rosenberg, Ribbentrop, Keitel, Streicher, Frank. Mas há alguns poucos cavalheiros com quem eu gostaria de falar: gente decente como von Papen, von Neurath. Mas como ousam eles nos tratar de maneira tão arbitrária! Não se esqueça de que éramos um povo civilizado. O que Hitler fez foi um crime contra a nossa cultura! Mas não se esqueça das grandes dificuldades para onde os aliados nos conduziu. Eles nos cercaram por todos os lados, na verdade nos estrangularam! Tente imaginar um povo civilizado como o alemão ser levado à decadência por um demagogo como Hitler. Tente imaginar: um povo que esteve à frente da cultura na Europa desde a Época das Trevas (Idade Média), com grandes figuras como Goethe, Schiller, Kant, Beethoven, as mais proeminentes figuras em todos os campos: música, literatura, arte, filosofia...‖ ―Os franceses também não tinham uma cultura respeitável?‖, provoquei. ―Oh, os franceses!‖, replicou ele, com um tom de chauvinismo mordaz. ―Em pequenos círculos, talvez; mas, mesmo assim, com influências alemães. Imagine um povo cultural como o nosso ser arrastado a este desespero. E pense em um demônio que se aproveitou dos apuros do povo alemão para


104 abusar de sua fé de modo criminoso. — Não se preocupe, eu tenho muita coisa a dizer sobre isso. — E o povo alemão desejava tanto fazer algo pela paz. Éramos muito modestos em nossas demandas. Tudo o que queríamos era alguma possibilidade de exportar, de negociar, de viver de alguma maneira.‖ ―Você quer dizer durante a República de Weimar?‖ ―Sim claro. E a cada pequena proposta os aliados diziam NÃO! Pedimos uma colônia ou duas, algo com possibilidades de mercado — fora de questão! Pedimos um acordo de comércio com a Áustria e a Tchecoslováquia, e eles disseram NÃO! Argumentamos que 90% da Áustria havia votado pela união com a Alemanha. — Eles disseram nada feito! — Mas quando um gangster como Hitler chega ao poder — oh! tomem toda a Áustria; remilitarizem o Vale do Reno; ocupem os Sudetos, toda a Tchecoslováquia, tomem tudo, nós não diremos uma palavra. Ora, antes do Pacto de Munique Hitler não ousava sonhar em incorporar os Sudetos ao Reich. Tudo o que ele pensava era poder conseguir uma medida de autonomia para os Sudetos. E então aqueles idiotas Daladier e Chamberlain jogam tudo no colo dele. Por que eles não deram à República de Weimar um décimo disso? Eles não nos dariam uma mísera migalha. E porque eu tentei construir alguma segurança econômica sem o Tratado de Versalhes para evitar uma catástrofe, sabotar os planos de guerra e finalmente tentar matar aquele maníaco, eles me jogaram na cadeia como um CRIMINOSO!‖ Ele gritou de tal maneira que toda a prisão deve ter ouvido. ―Com o mais desonrado, indigno, VERGONHOSO tratamento! Mesmo no campo de concentração eu não tinha que limpar minha própria cela nem fui forçado a fazer coisas que me impedissem de dormir!‖ Ele se sentou mordendo os lábios e tremendo de emoção, com o rosto afogueado. Após um instante, ele se desculpou: ―Sinto muito, mas se você quer conhecer minha reação, é esta. Não tenho mais nada a ver com qualquer instituição americana. Nem mesmo vou frequentar mais a capela.‖ Cela de Goering: Abatido e trêmulo como uma criança rejeitada, ele me perguntou por quê eles estavam sendo punidos daquela maneira. Ele supôs corretamente que seu comportamento ridicularizante e dominador teve alguma coisa a ver com aquilo. ―Você não percebe? Todas essas piadas e brincadeiras são apenas para descontrair. Você pensa que eu gosto de sentar aqui e ouvir as acusações jogadas de todos os lados em cima da gente? Temos que liberar a pressão de alguma maneira. Se eu não os estimulasse, muitos deles teriam simplesmente desmoronado.‖ Mostrava uma atitude de submissão e desculpa. Eu lhe disse que sabia que ele sentia que tinha que agir diferentemente ante os demais do que fazia em sua cela. Eu tinha certeza de que ele provavelmente escondia um monte de vergonha por traz de suas bravatas. Ele não contestou nada disso, mostrando-se muito mais humilde do que em outras conversas nossas, embora parte disso indubitavelmente fosse calculada. ―Claro, um psicólogo entende essas coisas‖, admitiu. ―Mas o coronel (Andrus) não é psicólogo. Você sabe que eu me censuro bastante, na solidão desta cela, desejando ter tomado outro rumo e ter vivido minha vida diferentemente, em vez de terminar aqui assim?‖ Isso soava muito igual ao sentimento que expressara em carta à sua esposa em 28 de outubro. Entretanto, era um lamento antigo de sua autoconfiança presunçosa e lealdade heróica ao Führer que ele havia expressado em todas as outras ocasiões, especialmente frente à imprensa.


105 Eu lhe contei que provavelmente eles seriam separados durante o almoço. Ele me implorou para que eu intercedesse junto ao coronel para deixá-los conversar pelo menos durante o almoço, e não disfaçou sua inquietação por estar sendo impedido por completo de impor a sua autoridade sobre os demais réus. Cela de Speer: Speer erxpressou satisfação com a nova regra que separou os réus na prisão durante os exercícios físicos. ―Isso chega em um período crítico, pois alguns deles começam a se tornar inquietos com ditadura de Goering, e ele começa a pressioná-los. Ele pegou Funk outro dia no pátio de exercícios e disse-lhe que se resignasse com o fato de sua vida estar perdida, e a única questão agora era permanecer ao lado dele e morrer como um mártir, e que ele não precisava se preocupar porque algum dia, mesmo que levasse 50 anos, o povo alemão se levantaria outra vez e os reconheceria como heróis, e então levariam seus ossos em mausoléo de mármore para um santuário nacional.‖ Ambos rimos. ―Não creio que um mausoléo de mármore seja um incentivo ao pobrezinho do Funk‖, disse eu. ―Não, ele não é do tipo mártir. Então, Goering de aproximou de von Schirac e disse a mesma coisa, alto o bastante para eu ouvir. — Um mausoléo de mármore, você pode imaginar? Agora, todos nós brincamos sobre o mausoléo de mármore.‖ (Fritzsche havia descrito o mesmo incidente com os mesmos comentários, e tinha dito que dissera a Goering que a paz da Europa era mais importante que um caixão de mármore.) ―O pobre Funk está preocupadíssimo com isso. Mesmo Von Schirac não está muito interessado neste martírio quando alguém trata deste assunto. Mas Goering sabe que seu futuro está traçado e precisa da companhia de pelo menos vinte heróis menores para a sua grande entrada no Valhalla (panteão de Odin, deus escandinavo — NT).‖ ―Você quer dizer que na verdade ele não quer que ninguém que saiba que ele foi um ladrão e aventureiro criminoso sobreviva a ele e que estrague as chances de se erigir ao seu redor uma lenda de herói?‖, perguntei. ―Sem dúvida. Ele sabe o que a maioria de nós pensa dele, embora a maioria tenha medo de falar. É assustadora a tirania que ele exerce sobre o resto. Outro dia, von Papen pediu a seu advogado que dissesse algo que denegrisse Hitler. Goering voou para cima dele: ‗Como você ousa?‘ e por aí foi, do jeito que fez comigo, e o pobre velho von Papen tremeu. É uma boa coisa sermos separados agora. Para dizer a verdade, até eu terei menos relutância em dizer o que tenho a dizer.‖ Voltando depois ao mausoléo de mármore, Speer aduziu: ―Sabe, esta linha de mártir (de Goering) é na verdade uma tapeação da sua própria linha original. Antes ele dizia aos outros que não se preocupassem porque provavelmente só seriam enviados para o exílio em alguma ilha. Aí, ele ficou com medo de que eles falassem demais para salvar seus próprios pescoços e que aparecesse a sua culpa em liderar os nazistas, e então ele mudou para a linha do mausoléo de mármore para fazê-los pensar que não tinham nada a ganhar se contarem toda a história — especialmente sobre ele mesmo.‖ Cela de Frank: Frank disse que as novas regras não o aborreciam. Na verdade, ele estava alegre por ter um pouco de paz de espírito em vez das constantes besteiras que se falavam no refeitório e durante o período de exercícios. Seu comportamente estava mais sóbrio e podia-se sentir uma lenta


106 volta à contemplação e expiação de sua culpa à sua maneira. As citações prejudiciais retiradas de seus diários ainda estavam frescas em sua memória, e sem dúvida ele preferia a solidão forçada à necessidade de ficar explicando por que entregou os diários, embora não tenha sido provavelmente muito questionado sobre o porquê que disse aquelas coisas. Ele recaiu em sua introspecção com a ambivalência de sempre: ―Ah, eu sou um espécimen único, um tipo peculiar de indivíduo. Háh!‖ Caiu na risada ―Você já conheceu um tipo como eu? Extraordinário, não sou? Para dizer essas coisas. Ah, mas nós os alemães somos todos ladrões. Não se esqueça de que a literatura alemã começou com Die Räuber (Os ladrões), de Schiller. Já lhe ocorreu isto?‖ Como estava monologando, ele não esperou uma resposta minha e continuou observando como a maldade humana era fundamental. Pedi-lhe que me dissesse com franqueza o que tinha em mente quando escreveu que Hitler o tinha felicitado quando lhe contou ter matado 150 mil poloneses. Ele disse que tal declaração fora uma reflexão sobre Hitler. ―Imagine um homem que lhe diz ‗bom trabalho!‘ quando você lhe conta que assassinou 150 mil pessoas. Naturalmente, isso não que dizer que o tenha feito. Você deve acreditar em mim, Doktor, isso é como se fosse uma confissão no leito de morte, eu estou frente a frente com a morte, e eu digo isso só para você e para o padre: eu nunca dei ordens para assassínios em massa nem para o fuzilamento de reféns. Mesmo a promotoria não me vinculou a nenhum ato de assassinato. Mas aquelas coisas eu falei! É o bastante. Estou contente por ter me livrado de meus diários porque mostra como um homem sob a diabólica influência de Hitler vem dizer tais coisas inteiramente em desacordo com seu caráter. Horrível! Repulsivo!‖ Ele passou a fazer algumas observações sobre a sua vida infeliz de casado, referindo-se à sua esposa como uma mulher velha demais para ele, física e espiritualmente, mas não quis se estender no assunto. Cela de von Schirac: Ele expressou perplexidade a certas passagens do diário de Frank, que tinha sido um brilhante orador e advogado, havia defendido Hitler brilhantemente nos casos do Völkischer Beobachter (Observador do Povo, jornal oficial do Partido Nazista — NT) e possuía surpreendente conhecimento de música, de arte e literatura. Era simplesmente espantoso que tal homem pudesse fazer tais declarações de total concordância com o assassinato em massa. Quanto às novas restrições, von Schirach logo aceitou a explicação de que fora culpa de Goering, e eu mencionei que ele e Doenitz adotavam um padrão de comportamento indigno na Corte. Ele sentiu-se impelido a se desculpar por Goering. ―Não se pode mudá-lo. Você sabe quão expansivos e impulsivos são os aviadores. E ele é mais que isso, tinha uma grande reputação. Ele próprio reconhece que é uma grande personalidade histórica e que sua grandeza depende do fato de que tem que desempenhar seu papel até o fim.‖ Mas as pilhagens de Goering, bem, este era um ―capítulo em si mesmo.‖ Ao longo da conversa, ele contou que gradualmente chegara à conclusão de que o expurgo de Roehm havia sido tramado entre Himmler e Hitler para tirá-lo do caminho e manter Hitler no poder. Na época, ele aceitara a explicação de que Roehm fomentava uma revolução, mas agora, com o conhecimento que tem dos caráteres maldosos de Hitler e Himmler, ele, von Schirac, estava convencido de ter havido uma desavença entre gângsteres e um obscuro


107 segredo entre eles que motivou Himmler a apoiar Hitler. A execução de Roehm foi um evidente assassinato de um rival político. O problema da homossexualidade foi uma desculpa esfarrapada porque todo mundo sabia disso antes e não havia necessidade de tanto furor sobre isso naquela ocasião. E então, o número de execuções anunciadas passou de sessenta para cerca de duzentos. Goering perde sua platéia O coronel Andrus me pediu para reorganizar os lugares dos réus no refeitório, separando-os em cinco salas, com quatro deles em cada, e Goering sozinho em outra sala. Eu delineei a seguinte arrumação, de acordo com o comportamento, predominância e submissão dos vários réus com a intenção de frustrar a tentativa de Goering de obstruir a justiça aterrorizando os seus companheiros para que eles apoiassem Hitler e o mito nazista e promovendo o apelo de mártir ao ―perseguido povo alemão‖: 1. (Refeitório dos mais jovens) SPEER, FRITZSCHE, VON SCHIRACH e FUNK (o objetivo era deixar que Speer e Fritzsche afastassem os outros dois da influência de Goering e dar uma oportunidade a von Schirac de declarar que Hitler traíra a juventude alemã e que a política racial fora uma catástrofe para a Alemanha). 2. (Refeitório dos mais velhos) VON PAPEN, VON NEURATH, SCHACHT e DOENITZ (o objetivo era dar aos velhos conservadores a chance de denúnciar Hitler e Ribbentrop, com o encorajamento de Schacht, e deixar Doenitz conseguir alguma influência para não se conflitar com a Offiziersehre (honra de oficiais — NT). 3. FRANK, SEYSS-INQUART, KEITEL, SAUCKEL (o objetivo era separar Keitel de Goering e deixá-lo obter um exemplo da denúncia apaixonada de Hitler, revelação de culpa e confissão por parte de Frank ). 4. RAEDER, STREICHER, HESS e RIBBENTROP (os nazistas intratáveis, incapazes de conversar uns com os outros, mesmo se fosse permitido, por causa da presença de Streicher, da introspecção de Hess, da consciência de segurança de Raeder e da frustração de Ribbentrop, o que os manteriam neutralizados). 5. JODL, FRICK, KALTENBRUNNER e ROSENBERG. 6. GOERING. 18 de fevereiro Hora do almoço: Havia sinais de descontentamento quando eles foram encaminhados às várias salas que lhes foram destinadas. Goering estava furioso por ser posto sozinho em uma saleta, queixava-se da falta de aquecimento e da luz do dia, mas era óbvio que a sua raiva na verdade deviase à frustração de perder sua platéia. Frank se disse satisfeito com a arrumação. Schacht ainda estava indignado, mas enfatizou que não guardava rancor para comigo pessoalmente. Speer parecia satisfeito. Os outros em sua sala não pareciam se incomodar. Ribbentrop e Raeder olharam-se ofendidos, sentindo-se humilhados ao serem forçados a comer na mesma sala com Streicher. Hess deleitava-se com a ―perseguição‖, pavoneando-se de um lado para o outro em sua sala com o porte que parecia o do passo-de-ganso. A maioria dos outros parecia satisfeita com a explicação de que a culpa era de Goering.


108 Quando desceram em fileira para a sala da Corte, Goering ficou parado na porta tentando captar seus olhos ao passarem para com eles desdenhar do tratamento dado pelos americanos. Mas todos eles evitaram seu olhar, à exceção de Raeder e Hess. Ao ser levado ao banco de réus por último, ele ainda tentou atrair compaixão pela ―perseguição‖, mas os outros não estavam com humor para compaixões. Sessão da tarde: [Quando a promotoria russa procedeu a citação dos detalhes do assassinato e mutilação de mulheres e crianças, Goeing, arriado em sua cadeira, parecia derrotado, embora não prestasse muita atenção.] À noite na prisão À noite visitei vários réus para captar suas reações à ―nova ordem‖, já que haviam experimentado as mudanças. Cela de Speer: ―Eu vi você colocar Funk e von Schirac comigo e com Fritzsche‖, Speer sorriu. ―Obviamente nós dois, mais cedo ou mais tarde, dobraremos aqueles outros dois para que deponham com sinceridade contra Hitler.‖ ―Desde que me coube estabelecer os lugares‖, respondi, ―eu decidi fazê-lo de uma maneira que sirva para trazer a verdade à tona e vencer as tentativas de Goering de obstruir a justiça aterrorizando os mais fracos.‖ ―É verdade. Goering exercia uma espécie de terror moral entre os réus. Ele estava até barganhando com testemunhos. Eu já lhe contei, ele foi a Schacht no início do julgamento e disse que poderia testemunhar favoravelmente que Hitler estava insatisfeito com a sua cooperação no rearmamento. Mas, depois que disseram no julgamento que Schacht falou que Goering era um tolo em economia e que ele não tinha projetos em andamento no Plano Quadrienal, ele negou a Schacht aquele testemunho. E é assim que ele barganha com todo mundo.‖ ―Penso que von Schirac e Funk podem fazer suas defesas despreocupadamente, agora que eles estão com você e Fritzsche em vez de estarem juntos a Goering‖, disse eu. ―Eu ia colocar Doenitz com vocês também.‖ ―Não, é melhor desta maneira porque ainda sinto um pouco de inibição quando Doenitz está por perto.‖ Cela de Frank: Ele se disse contente porque o absurdo barulhento das reuniões de almoço e de exercícios acabara, e agora poderia ter a sua paz. ―Não se pode enfrentar o seu destino e tentar manter camaradagem. No início, eu estava feliz em encontrar algumas dessas pessoas porque eu não as conhecia. Mas, numa situação desta um homem precisa de paz e meditação. Agora pelo menos eu posso caminhar sozinho e pensar, rezar e meditar. Eles falavam do eterno absurdo todo o tempo — defesa, defesa — nem uma palavra sobre a nossa culpa! Nenhuma percepção de tragédia da humanidade. Você leu a pregação recente do pastor Niemoeller? As pessoas estão perturbadas porque, diz ele, elas falam demais sobre suas privações e não falam o bastante sobre as suas culpas. Ele está certo. Alguns dos réus podem se queixar da nova restrição na prisão, mas eu acho uma benção. Eu pratiquei tanto a vida


109 franciscana que realmente acho isso uma benção. O almoço sossegado hoje, o passeio em paz pelo pátio, meditando, tudo foi maravilhoso.‖ 19 de fevereiro O filme russo sobre atrocidades Hora do almoço: A maioria dos réus logo se acostumou com a arrumação solitária para o almoço, mas Goering ainda está enraivecido, principalmente porque pode sentir a indiferença e rejeição de muitos dos réus em vez de compaixão pelo seu isolamento. A tirania de Goering parece estar no fim, e ele não está gostando nada disso. Continua a se queixar da frieza e da luz artificial em sua saleta. Sessão da tarde: Os russos apresentaram seu filme sobre atrocidades, um documentário horrível sobre assassinato em massa, mais terrível do que o apresentado pelos americanos. [Fiquei ao lado de Goering no banco dos réus e observei os prisioneiros na semi-obscuridade durante o desenrolar do filme.] [Goering ri quando o filme começa errado e tem de ser reiniciado; ele cobre a risada com a mão, mas olha ao redor para ver se a audiência está rindo também. O filme reinicia.]... Mostra grandes áreas com cadáveres de prisioneiros de guerra assassinados ou deixados para morrer à míngua nos campos onde tinham sido capturados; instrumentos de tortura, corpos mutilados, guilhotinas e cestas com cabeças; corpos enforcados em postes de luz, encontrados após a retomada de cidades onde a Gestapo esteve em atividade; as ruínas de Lídice; mulheres chorando sobre seus mortos, enterros coletivos; mulheres estupradas e mortas, crianças com cabeças esmagadas; crematórios e câmaras de gás; pilhas de roupas, fardos de cabelos femininos em Auschwitz e Maidanek... [Goering continua fingindo ler um livro durante o filme, bocejando com enfado, às vezes fazendo uma observação sarcástica para Hess e Ribbentrop.] À noite na prisão Cela de Goering: Desci ao bloco de celas com o major Goldensohn para sentir uma mostra das reações. Goering apressou-se em dar suas ―razões‖ por que não considerava o filme russo sobre as atrocidades digno de ser assistido: ―Primeiro, um filme que eles fizeram não é prova, considerando do ponto de vista legal. Eles poderiam facilmente ter matado algumas centenas de prisioneiros de guerra alemães e os vestido com uniformes russos para fotografarem, vocês não conhecem os russos como eu conheço. Em segundo lugar, muitas daquelas cenas provavelmente foram tomadas durante a sua própria revolução, como as das cestas com cabeças. Ora, tais cenas são fáceis de conseguir em qualquer tempo da guerra. Eu mesmo já vi milhares de corpos. E onde eles conseguiram cadáveres frescos para fotografar? Eles não poderiam estar prontos para tirar as fotos. Eles mesmos devem ter atirado naquelas pessoas.‖ Goering estava ansioso para parecer satisfeito em desacreditar toda a coisa com essa linha de propaganda ridícula e a jogou contra a nossa sensibilidade moral. ―É claro, como eu sempre lhe disse, seria bastante se somente cinco por cento de todas essas histórias de atrocidades fossem verdadeiras, de tudo o que já foi apresentado antes, mas eu não dou um centavo pelo que os russos trouxeram. Eles estão pondo em nós a culpa de suas próprias atrocidades.‖


110 Mais interessado na restrição de conversar com os outros durante o almoço e os exercícios, ele logo mudou de assunto: ―Só por que sou o nazista número um do grupo não significa que eu seja o mais perigoso. De qualquer maneira, o coronel deve ter em mente que está lidando com figuras históricas aqui. Certos ou errados, somos personalidades históricas e ele não é ninguém.‖ Ele repetiu aqui sua referência ao carcereiro de Napoleão, que teve de escrever dois volumes justificando seu tratamento ao imperador enquanto estava na prisão, e os ingleses o condenaram por isso. Cela de Frank: Frank ainda jogava a sua culpa em Hitler e em toda raça humana. ―Você pode imaginar um homem de sangue frio planejando aquilo tudo? Em algum momento Hitler e Himmler devem ter se reunido e Hitler lhe dado ordens para acabar com raças inteiras e grupos de pessoas. Eu tento visualizar a cena, mas não posso. Foi um ponto de virada na história humana. É o começo de uma terrível fase final da evolução humana, ou será o fim? Isso é horrível. O que eles deveriam estar pensando?‖ Eu lhe perguntei o que ele deveria estar pensando de si mesmo quando permitiu o transporte em massa de judeus para os campos de concentração. Ele respondeu que não pensou em nada, não pensou nas consequências. Cela de Schacht: Ele contou que estava jogando paciência para aquietar os nervos. Tinha recusado a assistir ao filme sobre os campos de concentração alemães, mas este foi sobre atrocidades no Leste. Eu não pude perceber a distinção. Ele disse que foi uma desgraça não só para os alemães como para toda a humanidade aquelas atrocidades terem acontecido. Ele nos relembrou que ele próprio havia sido jogado em um dos campos. ―Depois que este julgamento acabar, seria mais inteligente se vocês deixassem nós alemães perseguirmos e condenarmos as partes culpadas. Eu lhe asseguro que o julgamento seria muito mais severo do que o de vocês. Isto é uma desgraça contra a Alemanha. Vocês podem sentenciar os líderes culpados. Mas somente os alemães poderiam perseguir cada assassino que deu as ordens ou as executou.‖ 21 de fevereiro Fritzsche desmorona Hora do almoço: Fritzsche sentava-se depressivo no canto do refeitório dos ―jovens‖, à parte da discussão que os outros mantinham, usando a minha presença como desculpa para acatar a ordem de não comunicação. Depois que os prisioneiros voltaram para o banco, eu vi Fritzsche lutando para não chorar, colocando os óculos escuros para esconder os olhos, embora as luzes brilhantes não tenham sido acesas. Eu me aproximei para dizer alguma coisa, mas ele balançou a cabeça dando a entender que não queria conversar. Eu o observei outra vez durante o intervalo da tarde, e ele estava ainda sufocado pelas lágrimas. Eu lhe enviei um bilhete dizendo que se ele não estivesse se sentindo bem eu poderia levá-lo de volta à cela. Ele escreveu a resposta: ―Só atrairá mais atenção. Mas eu estou no meu limite. Tenho que ficar firme hoje.‖ À noite na prisão Cela de Fritzsche: Após a apresentação do filme sobre a destruição de cidades e monumentos culturais russos, eu desci para encontrar Fritzsche em


111 sua cela. Ele estava pálido e miserável, seus músculos faciais tensos pelo esforço de evitar o choro. Sua fala era hesitante, sufocando em cada frase. ―Eu tenho... o sentimento... de me afogar na sujeira... deles ou nossa..., é irrelevante..., eu estou me afogando nela.‖ Eu perguntei se foi o filme russo que o tinha afetado daquela maneira. Eu podia sentir o catre balançar enquanto ele chorava silenciosamente. ―Sim..., foi a gota d‘água. Eu vinha tendo a sensação... de estar sendo enterrado em uma pilha crescente de imundices... que crescia semana após semana... até o meu pescoço..., e agora... eu estou enterrado nela.‖ Eu lhe falei como Goering estava levando a coisa facilmente e descartando a prova dos russos sobre as atrocidades com slogans de propaganda barata. Ele xingou Goering como um ―rinoceronte de pele fina‖ que desgraçava o povo alemão. ―Não posso continuar. É como uma execução a cada dia.‖ Eu lhe disse que iria pedir ao médico alemão que lhe desse uma pílula para dormir e que iria ver o major Goldensohn para que o dispensasse de comparecer ao tribunal no dia seguinte. 22 de fevereiro Resistência a Goering endurece Hora do almoço: No refeitório dos mais velhos, eu iniciei outra discussão sobre os pecados da guerra de agressão e a culpa dos líderes nazistas para ver como a separação estava afetando as atitudes de von Neurath, von Papen, Schacht e Doenitz em relação a Hitler e a Goering (uma vez que eles próprios não se identificavam como ―líderes nazistas‖). Schacht manifestou-se agressivamente, como era esperado. ―Eles eram gângsteres! Eu percebi desde 1937. O único líder estadista que viu o perigo desde cedo foi Roosevelt!‖. Goering passeava pelo hall lá fora, fazendo sua caminhada de oito minutos, parando como não quer nada para se espichar, mas de ouvido atento à porta. Schacht percebeu, assim como os outros, mas continuou em tom de regozijo vingativo: ―E provocando uma confusão na economia da Europa, destruindo a economia pacífica que tentei construir, lançando-se deliberadamente na guerra — saques, corrupção, destruição temerária — este foi o tipo de liderança que nosso país teve, meu querido Dr. Gilbert.‖ Esta pré-estréia da defesa de Schacht foi interessante porque era uma revolta aberta contra a liderança de Goering e de Hitler. Doenitz engoliu aquilo tudo, observando Goering se posicionar no vão da porta, tentando fazer sua presença sentida. Von Papen e von Neurath tomaram bastante coragem para culpar Goering por seus respectivos indiciamentos, não alto o bastante alto para ele ouvir mas bastante alto para Doenitz escutar. ―Você sabe que a Anschluss forçada foi culpa dele também‖, disse von Papen. Von Neurath sorriu. ―A mesma coisa com o caso da Tchecoslováquia. O gordo foi responsável por aquilo também, foi tudo por sua culpa.‖ Os três idosos riram com satisfação com a concordância aberta de pôr a culpa ―onde ela pertence‖ e por não estarem sob pressão moral de Goering para apoiar Hitler e culpar os aliados por tudo.


112 23 e 24 de fevereiro Fim de semana na prisão Cela de Speer: Ele repetiu que a nova regra o fez se sentir mais livre para planejar sua defesa, conforme era sua intenção original. Está evidente que a consciência do isolamento de Goering e a quebra da ―frente unida‖ removeram o único obstáculo para o seu desejo de denúnciar Hitler e todo o Estado nazista pela fraude que eram. Ele disse que esperava que os alemães pudessem perceber que foi Hitler, e não os aliados, o culpado pela atual penúria do povo. ―Ao lembrar como as coisas me pareceram ficar pretas em março e abril passados, percebi que a Alemanha teria sorte se pudesse sobreviver em um nível modesto de subsistência nos próximos dez anos. E agora as coisas estão comparativamente tranquilas, não há fome, pontes estão sendo construídas. Tudo o que eu esperava era que o povo alemão não morresse de fome. Eu até disse a Doenitz, após o armistício, quando ele queria se opor a um governo militar aliado, que tínhamos de nos dar por satisfeitos por não termos a responsabilidade de orientar a Alemanha nas terríveis limitações que ela tinha sido deixada pelo prolongamento da guerra.‖ ―Goering quer dizer ao povo que os líderes nazistas tentaram salvar a Alemanha, mas seus inimigos insistem em liquidá-la. Penso que esse último gesto heróico será para plantar a semente para outra catástrofe final.‖ ―É por isso que eu disse a von Schirac que, se Goering quisesse bancar o herói, ele deveria ter feito isso antes em vez de drogar-se e promover pilhagens. Quanto aos líderes nazistas, eles devem ficar satisfeitos por os Aliados estarem salvando a Alemanha da fome total e da ruína a que Hitler forçou o país. Sabe como se poderia desacreditar o nazismo de uma vez para sempre? Era só deixar a nossa administração permanecer e dirigir a Alemanha. Tudo o que vocês tinham a dizer era: ―Vão em frente, tentem governar a si mesmos; vocês fizeram a cama, agora deitem nela. Não interferiremos, mas não é nossa responsabilidade alimentá-los. Vocês começaram, agora acabem.‖ Ora, os alemães passariam fome aos milhões.‖ ―Você pode dizer isso tudo no tribunal‖, sugeri. ―Eu direi, e como especialista em produção eu posso mostrar isso bem claramente, e eu penso que o povo respeita as minhas opiniões.‖ Ele comentou que as indicações da linha de defesa de Goering dadas pelo seu advogado não soava como heroísmo, e ele achava que mesmo a pose vai fracassar. As testemunhas propostas como ex-aliados de Goering no Ministério do Ar, Milch e Bodenschatz, o conheciam muito bem para terem muito a dizer em apoio a Goering. Comentei que uma característica comum na defesa dos militares era uma insistência cega pelo princípio de que ordens são ordens, e que eles não estavam muito preocupados com assuntos fora de sua cadeia de comando. ―Não sei o que você pensa sobre isso‖, eu disse, ―mas eu estou convencido de que para que haja paz na Europa o militarismo alemão deve ser eliminado.‖ Speer concordou. Ele parece sincero em suas atuais convicções antimilitaristas e antihitleristas, embora essas convicções possam ser tardias e materialistas. ―Como você pôde conviver tanto tempo com um monstro como Hitler?‖, questionei. ―Devo admitir que foi fraqueza de minha parte‖, respondeu Speer. ―Eu não quero me fazer mais pretencioso do que sou. Eu deveria perceber, e na


113 verdade percebi isso bem cedo, mas continuei nesse jogo hipócrita até que foi tarde demais — bem, porque foi fácil. Eu sei, por exemplo, que eu poderia e deveria me colocar em oposição pelo menos desde 20 de julho de 1944. Mas, ainda que eu estivesse na lista de ministros pós-assassinato, eu realmente não tomei parte naquele atentado. De qualquer maneira, após o atentado falhar e meu nome ser revelado como constante da lista, pelo menos eu deveria ter dito: ―Penso que estamos perseguindo uma política temerária!‘ e eu deveria ter insistido em uma confrontação, ou algo parecido, ou tentado realizar uma outra conspiração, o que fiz mais tarde. Mas eu me esquivei e disse que não poderia ajudar, já que os assassinos haviam indicado meu nome para o seu gabinete e eu ainda apoiava Hitler. Esse foi o tipo de fraqueza e hipocrisia de que eu me acuso porque eu começara a perceber então que Hitler estava destruindo vidas e recursos alemães; coloquei, porém, a ideia de lado. Era muito perigoso. É fácil racionalizar coisas, patriotismo na guerra e tudo mais. Essa é a minha culpa, e não posso negá-la.‖ Ao longo da conversa, ele mencionou que Goering havia tentado se apoderar do governo em abril. Perguntei se foi na ocasião em que Goering foi convidado a assumir o governo. Não parecíamos nos entender, até que se tornou claro que Goering mentira para mim ao dizer que havia sido requisitado a assumir o governo. Speer estava presente com Hitler e Bormann quando o telegrama de Goering chegou, e ele se lembrava perfeitamente de que não havia indicação de qualquer telegrama anterior sendo enviado a Goering autorizando-o a assumir. Hitler enraiveceu-se com a abordagem despropositada da parte de Goering. Ele agira com base na teoria de que Hitler estava sem condições de exercer sua autoridade e queria tornar-se chefe. ―Então, Hitler tinha razão em suspeitar que Goering tentava lhe passar a perna‖, sugeri. ―Naturalmente, inclusive eu o acusei disso em Mondorf porque eu não queria levantar a mão sendo eu um quase assassino de Hitler. Mais tarde ele se ofendeu por eu tê-lo acusado de traição já que eu havia conspirado contra Hitler.‖ A parte mais interessante para mim dessa revelação é a maneira convincente como Goering pode mentir e distorcer os fatos para os americanos, que não conhecem a história por dentro, e tenta impor sua autoridade sobre os réus para evitar que a verdade venha à tona. Cela de Ribbentrop: Entrei na cela de Ribbentrop e começamos a conversa com uma observação sobre o difícil trabalho que ele estava tendo na sua defesa. ―É muito difícil preparar uma defesa sob essas circunstâncias‖, respondeu ele. ―Muito difícil, mesmo. Veja, eles até nos negaram o recesso de três semanas que pedimos. É muito difícil. Há tantos documentos...‖ ―A propósito, como foi que o Pacto de Não-Agressão com a Rússia surgiu? Foi uma inspiração repentina ou foi estudado por longo tempo? É difícil imaginar que demorou muito para se chegar a um entendimento com a Rússia quando você tinha o Pacto Anti-Comintern.‖ ―Bem, foi uma coisa repentina, comparativamente; tudo aconteceu em poucos meses. Foi ideia minha, você sabe. Eu sempre fui a favor da cooperação entre a Alemanha e a Rússia.‖ Ele logo ignorou a inconsistência dessas duas afirmações. ―Você sabe, eu não era um fanático idealista como


114 Rosenberg ou Streicher ou Goebbels. Eu era um homem de negócios internacional que simplesmente queria ver os problemas industriais resolvidos, e a riqueza nacional convenientemente preservada e utilizada. Se os comunistas pudessem fazer isso, tudo bem; se o nacional-socialismo pudesse fazer isso, tudo bem, também.‖ Seu oportunismo materialista é muito pouco velado, para dizer o mínimo. Ele mantém a pose de liberalismo social e estadista, mas há virtualmente uma hipocrisia implícita em cada frase. ―São esses problemas sociais e industriais que trazem as guerras, não foi uma simples querela sobre Danzig (cf. 12 de fevereiro). Mas, na verdade, a Inglaterra poderia ter impedido a guerra com uma simples palavra.‖ ―Que palavra?‖ ―Façam. Só isso. Se eles tivessem dito aos poloneses para fazer isso, a guerra teria sido evitada. Nossas demandas eram tão razoáveis... Não era necessário se ir à guerra por isso.‖ De novo a velha linha. Eu lhe perguntei se o Pacto de Não-Agressão com a Rússia não foi realizado somente para ter liberdade de ir à guerra contra a Polônia. ‖Não, você não pode dizer que foi tão simples assim. Queríamos uma solução pacífica com a Polônia. Você deve se lembrar que em diplomacia as coisas não são tão simples. É tudo muito complexo — muito, muito difícil.‖ ―Sem dúvida. De qualquer maneira, por que pelo menos vocês não mantiveram seu Pacto de Não-Agressão com a Rússia? Parece-me que foi o seu último erro fatal, além do problema moral.‖ ―Eu era a favor de manter a paz com a Rússia todo o tempo. Afinal, o pacto tinha a minha assinatura. Sim, eu era muito a favor da paz com a Rússia... até março de 1941. Sentia que podíamos fazer negócios com a Rússia. Quando eu fui pela primeira vez ao Palácio de Inverno (em Leningrado), eu vi um quadro do czar Nicolau com seus camponeses — o que mostrava que até os próprios comunistas reverenciavam um czar que trabalhou para o bem do povo —, e eu falei com Hitler sobre isso, dizendo que a revolução comunista estava em estágio de evolução razoável e que poderíamos chegar a um entendimento com eles.‖ ―Então, porque vocês os atacaram?‖ Nós já estivemos nesse carroussel antes, mas eu quis dar outra tacada. ―Bem, a culpa da guerra não cabe inteiramente a um lado. Creio que Hitler temia o que estava na verdade acontecendo.‖ Ele parecia ter tido uma ideia brilhante. ―E que foi ?‖, peguntei. ―A destruição da Alemanha‖, Ribbentrop sorriu radiante, como se tivesse provado seu ponto de vista com um reductio ad absurdum (raciocínio por absurdo - NT). ―Não era aquela maior razão para evitar a guerra em vez de precipitá-la?‖ Ele avaliou o argumento em silêncio confuso por um momento, querendo ver onde estava a falha. Finalmente, suspirou: ―Bem, a história terá que decidir isso.‖ ―A história vai decidir que Hitler foi o mais terrível maníaco destrutivo dos tempos modernos.‖ ―Oh, ele era duro, talvez, mas não cruel. Himmler era o cruel. Ele deve ter ficado louco nos últimos anos. Acredito que ele tenha levado Hitler a isso.‖ ―O que você quer dizer?‖


115 ―Bem, Himmler tinha a crueldade de um mestre-escola, um homem que decide pretenciosamente e não se deixa influenciar por qualquer consideração humana.‖ ―Isso é o que a maioria das pessoas pensa agora de Hitler. Os dois devem ter se entendido muito bem.‖ Ribbentrop ficou bastante aliviado quando o guarda veio dizer que era hora do serviço religioso na capela. Cela de Sauckel: Ainda com tremores e ansiedade; sua linha de defesa essencialmente não mudou: ele apenas cumprira seu dever por patriotismo em tempo de guerra. Ele achava que o mundo bolchevista-judeu-capitalista estrangeiro tinha forçado a guerra contra a Alemanha, mas, claro, percebia agora que tudo era propaganda. Contou o quanto idolatrava o trabalho honesto, quão terrível foram a inflação e o desemprego, quão decentemente tentou tratar os trabalhadores estrangeiros na Alemanha, quão era um bom cristão etc. ―Só ainda não consigo entender como você pode conciliar o fato de ter arrastado de suas casas milhões de cidadãos estrageiros para trabalhar na Alemanha com os seus princípios cristãos ou com algum padrão de moralidade e direitos humanos.‖ Sauckel respondeu gaguejando nervosamente: ―Bem, você deve entender que era guerra, nós já tínhamos gasto um bocado e me deram essa obrigação que eu não podia recusar. Além disso, eu fiz todo o possível para tratar bem a todos. Aqui tenho os livros que mostram qual era a minha política: (lê) ‗Um trabalhador bem alimentado é um bom trabalhador‘ etc. Aquelas coisas terríveis que aconteceram nos campos de concentração, eu não tenho absolutamente nada a ver com elas...‖ Cela de Goering: Um tanto frustrado em seu cinismo agressivo e dominação do ambiente, ele agora pousava de humanitário afável incompreendido. Raspava com pão seu prato de comida e implorava entre os bocados: ―Realmente, professor, há algo que você tem que entender. Eu não sou um monstro insensível que não se preocupa com a vida humana. Não é que as atrocidades não tenham me impressionado. Mas eu já presenciei tanta coisa... milhares de corpos mutilados e meio carbonizados na I Guerra Mundial... a fome. E nessa guerra, mulheres e crianças ardendo até a morte nos ataques aéreos. Está certo que Fritzsche entre em colapso ao ver os filmes a ponto de ficar fora da Corte, mas tudo o que ele tinha a fazer na guerra era anunciar no rádio que Berlim ou Dresden havia sofrido ataque terrorista e que tantas e tantas pessoas morreram. Mas eu estive lá e vi os cadáveres às vezes ainda queimando, porque eu era Luftfahrtminister (ministro do Ar). Eu não preciso ver um filme para ficar horrorizado.‖ ―Devo achar que você já estava de barriga cheia de tanta guerra e destruição da I Guerra Mundial e não teria mais apetite para a repetição de tais horrores.‖ ―Ora, claro, mas não se esqueça que isso não dependia de mim. Fiz tudo que pude para impedir. Eu lhe contei como negociei por trás de Hitler. E estou certo de que Hitler teria desejado conseguir o que queria sem guerra, se ele pudesse conseguir a custo baixo, vamos dizer.‖


116 ―Mas você fez tudo o que pôde? Você se revoltou? Você o assassinou? Você renunciou, até? Qualquer coisa teria sido justificável se você realmente quisesse evitar a catástrofe.‖ ―Bem, agora vamos supor que eu tenha renunciado, algo que era, claro, completamente incompatível com a honra de um oficial e com o patriotismo. Mas vamos supor que eu o tenha feito. Você acha que teria mudado alguma coisa? Nem um pedacinho. Kesselring ou Milch ou Bodenschatz ou qualquer outro teria se tornado chefe da Luftwaffe, e as coisas se dariam do mesmo jeito. Ou digamos que ele daria uma ordem e eu, uma contra-ordem. Pensa que alguém prestaria atenção em mim? Ora, Hitler nem se preocuparia em me fuzilar. Ele simplesmente diria: ―Pobre Goering, não lhe deem atenção, ele está um tanto maluco.‘ Não vê? De tais coisas nem se ouviria falar.‖ Eu lhe disse que achava que estava tudo bem ele tomar a posição que quisesse na Corte, mas os outros tinham o mesmo direito de se defender como quisessem. Ele assumiu muito francamente o papel de ator heróico: ―Ah, mas você não deve estimar demasiadamente a vida, meu caro professor. Todos têm que morrer mais dia, menos dia. E se posso ter a chance de morrer como um mártir, tanto melhor. Você acha que todos têm essa chance? Se eu puder ter meus ossos colocados em um mausoléo de mármore, isso é muito mais do que a maioria das pessoas conseguem, afinal. Claro, podem não ser até meus próprios ossos. Isso se deu com Napoleão e com Frederico, o Grande — os franceses devem ter roubado suas sepulturas uma dúzia de vezes — ou como os pedaços de madeira da Cruz Verdadeira. Eu sempre dizia que se se pusesse todos os pedaços da Cruz Verdadeira juntos se poderia construir uma floresta — hahaha! Não, podem não ser meus próprios ossos, mas é a ideia por trás.‖ Cela de Hess: Ele se queixou aos guardas de contínuas cãimbras no estômago e distúrbios de sono. Ele não sabia se era distúrbio intencional (ele gaguejou na palavra intencional, como se temesse revelar suas desilusões de referência e perseguição). Ele não estava certo se só o coronel estava por trás disso ou tinha alguém mais alto. As cãimbras de estômago e os distúrbios de sono estavam interferindo em sua concentração. Ele não se importava muito com a sua defesa, mas estava preparando a sua réplica final, e ele precisava se concentrar nela. Perguntei se ele considerava isso uma interferência em sua defesa. ―Bem, talvez a oposição considere esse distúrbio necessário para diminuir a minha habilidade de concentração. Não posso imaginar qualquer outro propósito.‖ Disse isso com a sua seriedade apática usual, com gestos de desprezo e encolher de ombros para permitir uma dúvida razoável, de forma que não se pensasse que ele estava paranóico, como não estava de fato. Esta é a extensão da sua prova de realidade. Entretanto, isso não o impede de se divertir seriamente com essas ideias. Perguntei-lhe sobre Ohlendorf, Bach-Zelewski, Lahousen, testemunhas das quais cada réu se lembrava muito bem, pois haviam testemunhado sobre o programa de assassinato em massa dos nazistas. Hess tentou se lembrar deles, mas seus nomes apenas lhe pareciam vagamente familiares, e ele parecia confuso sobre aquilo tudo. Ele se lembrava do filme russo sobre as atrocidades, mostrado três dias atrás, mas foi vago quanto ao filme dos americanos, apresentado três meses antes. Ele se lembrava razoavelmente


117 bem de que von Paulus havia testemunhado duas semanas antes. Chequei com ele outra vez sobre a duração do julgamento, e ele ainda pensava que já durava seis meses. Eu lhe disse que havia começado em 20 de novembro e então ele calculou em quatro meses (na verdade, três meses). Em suma, eis o presente estado de sua memória: memória razoavelmente boa para os eventos da última semana ou duas, mas bastante vaga mesmo para fatos significativos dos últimos meses ou até mais cedo. Antes da entrevista terminar, ele se queixou mais uma vez das cãimbras estomacais e dos contínuos distúrbios noturnos. ―Eu ainda não posso entender qual o sentido do barulho da noite, a não ser se for para interferir em minha concentração. De outro modo, não faz sentido.‖ Eu lhe disse que iria ver isso.

27 de fevereiro Sobreviventes testemunham sobre o extermínio Sessão da manhã: Um judeu sebrevivente morador de Vilna contou como cerca de 600 dos 80 mil judeus daquela cidade foram exterminados por comandos especiais, e bebês, inclusive o seu, foram mortos logo ao nascer. O coronel Smirnov continuou a descrição, tirada de documentos, das experiências em internos de campos de concentração, o assassinato indiscriminado de doentes nos hospitais etc. Então, uma prisioneira de Auschwitz, Severina Shmaglevskaya, descreveu como lá eram tratadas mulheres e crianças. Bebês nascidos no campo eram tomados imediatamente e não mais vistos. Ela questiou com contida amargura: ―Em nome de todas as mulheres da Europa que se tornaram mães em campos de concentração, eu gostaria de perguntar às mães alemãs: ‗Onde estão nossos filhos agora?‘‖ [Vários dos advogados de defesa morderam seus lábios. Quando ela continuou a descrever como as crianças judias foram jogadas vivas nos fornos crematórios durante a ―temporada do rush‖ de 1944, a maioria dos réus abaixou a cabeça. Funk virou as costas para Streicher e inclinou-se no encosto do assento. Frank corou. Rosenberg ficou agitado. Goering resolveu o problema como sempre, retirando os fones dos ouvidos. Hess nem estava ouvindo.] Hora do almoço: No fim da sessão, antes de ir almoçar, o advogado naval de Doenitz, dr. Kranzbuhler, lhe perguntou: ―Ninguém sabia nada sobre essas coisas?‖ Doenitz balançou a cabeça e encolheu os ombros, tristemente. Goering virou-se para ele: ―Claro que não! Você sabe como isso se dá num batalhão: o seu comandante não sabe nada do que se passa em suas fileiras. Quanto mais alto você estiver menos você presencia o que se passa abaixo.‖ Eu jamais poderia pensar em um argumento pior contra a hierarquia militar, mas Goering, com a sua perversão militarista, achou que tinha dado uma explicação razoável. Após os réus subirem para almoçar, Goering voltou a se queixar que se sentava de novo na sala fria. Eu fiz de tudo para me conter. ―Por que você não fica atento às provas mostradas?‖, perguntei. ―Porque eu não tenho que ouvir a mesma coisa milhares de vezes‖, resmungou, nervoso. Em cada uma das outras cinco salas de refeitório, todos almoçavam tranquilamente, e ao me verem, não mostraram desejo de conversar. Fui a Jodl


118 e lhe perguntei se ele achava ser possível que ninguém soubesse de nada dos fatos mencionados hoje. Kaltenbrunner estava sentado em outro canto. ―Claro que alguém sabia disso‖, disse Jodl. ―Havia toda uma cadeia de comando a partir do chefe da RSHA até as pessoas que executaram as ordens.‖ Então, me dirigi a Kaltenbrunner: ―Suponho que você não sabia nada sobre essas coisas.‖ ―Claro que não‖, sussurrou ele. ―As pessoas que sabiam estão todas mortas — Hitler, Himmler, Bormann, Heydrich, Eichmann (*).‖ ―Só essas poucas pessoas tinham conhecimento e responsabilidade pelo assasinato de milhares de pessoas e pela cremação de crianças vivas?‖ ―Bem, não, as pessoas que realmente fizeram isso sabiam, Mas eu não tive nada a ver com isso.‖ ―Mesmo como chefe da RSHA?‖ ―Campos de concentração não eram da minha responsabilidade. Eu nunca detectei nada disso.‖ No refeitório dos mais velhos, os idosos balançavam a cabeça. Doenitz enterrou fundo o nariz em seus papéis. Só Schacht teve a coragem, após alguns minutos de silêncio desconfortável, de voltar a se referir ao tema de como ele havia tentado deter as táticas radicais dos nazistas no início do regime. Disse que protestara contra os métodos da Gestapo, a perseguição aos judeus etc., sempre dando como justificativa que seriam um ―mal para os negócios‖ porque Hitler não ouvia qualquer outra razão. O embaixador americano o havia informado da proposta de Roosevelt de os armamentos serem limitados aos que um homem poderia carregar nas costas. Ele havia instado com Hitler para apoiar a proposta, mas o Führer tinha dito a ele que isso era impraticável e, de qualquer jeito, iria fazer à sua maneira. No refeitório dos mais jovens, fiz outras observações sobre ninguém saber de nada sobre nada e sobre os propagandistas que prazerosamente defenderam livrar-se dos judeus e agora dizem que não tinham nada a ver com a perseguição e, depois, com o extermínio. Fritzsche tentou explicar que a linha de propaganda como ele conhecia era simplesmente separar os judeus. Eu argumentei que esse fora o primeiro passo para o assassinato em massa. Ele corou e mostrou sinais de estar desmoronando outra vez. Sessão da tarde: Um ex-prisioneiro do campo de extermínio de Treblinka descreveu como eram feitos a separação e o extermínio das vítimas: 10 minutos após a chegada, para os homens; 15 minutos, para as mulheres, porque seus cabelos tinham que ser cortados antes. Uma falsa estação de trem foi montada para que os que chegavam pensassem que fosse apenas uma escala em sua viagem de relocação.

(*) Eichmann foi descoberto por caçadores de nazistas nos anos 60, morando na Argentina, de onde foi levado para ser julgado e enforcado em Israel (NT).


119 28 de fevereiro Hora do almoço: No refeitório dos mais velhos, Doenitz advertiu que os alemães devem ter o sentimento de que eles serão tratados corretamente se forem chamados para cooperar com os aliados. ―Não esqueçam que os próprios alemães são os primeiros a se ressentirem da traição de seus líderes.‖ É interessante notar que Doenitz finalmente abordou o tema traição em discussão aberta, demonstrando o efeito da separação de Goering. ―Devo dizer que, no início, fiquei furioso com a ideia de ser levado a julgamento porque eu não sabia nada sobre as atrocidades. Mas agora, depois de conhecer todas essas evidências — a dupla conduta, os negócios sujos no Leste —, estou convencido de que houve um bom motivo para se tentar atingir o fundo de tudo isso.‖ Certamente, aquilo soou muito diferente do Doenitz que se pronunciara no início sobre o indiciamento: ―Típico humor americano.‖ Eles então passaram a disputar entre si explicações defensivas de desculpas sobre suas atitudes anteriores frente à Corte. Isto se deu em parte a meu favor como oficial americano cuja opinião podia ter alguma consequência, mas teve o efeito de autossugestão e sugestão social ao trazer à tona a resistência latente anti-Hitler e anti-Goering. ―Não tenho objeções aos julgamentos‖, declarou Schacht. ―Só a meu tratamento como prisioneiro. Não tenho objeção a esses julgamentos. Acho que a liderança nazista deveria ser evidenciada.‖ ―Estou disposto a aceitar meu ano de prisão como um sacrifício à causa de expor o regime de Hitler ao povo alemão‖, von Papen contribuiu à discussão. ―O povo deve saber como foi traído e deve ajudar a varrer os últimos resquícios do nazismo.‖ ―Devemos também dizer isso no tribunal‖, insistiu Schacht. ―Sim, claro‖, os outros três concordaram. ―E a vingança dos alemães decentes deverá ser mais acurada e mais completa do que qualquer coisa que os aliados possam fazer‖, continuou Schacht. ―Mas devo dizer que Roosevelt foi o único a perceber desde o início o governo de Hitler como era realmente, e foi o único a nunca enviar um representante a qualquer reunião do partido — nem um sequer.‖ Doenitz tirou um papel de sua carteira com uma citação de Roosevelt em conversa a portas fechadas, em 17 de abril de 1938. ―Olhem aqui, até Roosevelt sabia que os alemães abandonaram a democracia só por causa de seu estado de desespero.‖ Ele leu a declaração, citando Roosevelt ao dizer que algumas nações haviam deixado a democracia por causa de suas complicações, dificuldades desesperadas e ausência de liderança. ―Sim, Roosevelt foi o único a ver realmente para onde estávamos nos dirigindo‖, repetiu Schacht. Eu mencionei uma observação que Goering fez em sentido oposto. ―Ach! O que aquele gordo fala não se pode dar atenção!‖, exclamou Schacht. ―Aquele saco de vento é capaz de culpar qualquer um, menos a si próprio.‖ ―Sim‖, von Papen concordou, ―ele fala demais, porém isso não o ajudará.‖ ―Ele é bom mesmo para quebrar vidraças‖, acrescentou von Neurath, com um sorriso de desprezo.


120 2 e 3 de março Fim de semana na prisão Cela de Ribbentrop: Como de costume, ele estava trabalhando nos papéis de sua defesa. Parecia desgrenhado e confuso, e eu retomei nossa discussão sobre o pacto russo e o ataque. Eu disse que algumas pessoas especulavam sobre a teoria de que os russos e os alemães tinham previamente combinado a partilha da Polônia na época da assinatura do Pacto de Não-Agressão. ―Não, não foi assim‖, disse Ribbentrop com a sua costumeira falta de convicção. ―Você sabe, a diplomacia não é tão simples quanto às vezes parece. É claro que a possibilidade de uma guerra com a Polônia era conhecida e discutida à época. Mas o pacto foi assinado com absoluta boa fé por Hitler e por mim. Há, é claro, aqueles que alegam que os russos entraram no pacto para servirem aos seus objetivos agressivos. Eu não sei sobre isso, mas há pessoas que falam.‖ ―Mas eu pensei que o pacto foi ideia sua.‖ É, foi‖, deu uma baforada no cachimbo, tentando racionalizar uma inconsistência. ―Mas os russos fizeram o primeiro movimento, isso é certeza.‖ Deu outras baforadas. ―É, eles têm o seu jeito de fazer essas coisas, isso é certeza.‖ (Pode-se quase contar as expressões de hipocrisia pelo número de vezes que Ribbentrop diz ―isso é certeza‖.) ―Por que as pessoas deveriam pensar que foi um assunto pré-combinado?‖, perrguntou ele. ―Porque elas acham suspeito que a Rússia e a Alemanha tenham partilhado a Polônia sem um sério desentedimento sobre o assunto.‖ ―Ora, mas a Rússia abocanhou o seu pedaço da Polônia depois que a guerra estava ganha, isso é certeza‖. Continuou a fumar o cachimbo e não fez mais nenhuma tentativa de mostrar como isso justificava a sua negativa. Comecei a ter o sentimento claro de que ele ficara desmoralizado ao ponto de não se importar com o modo canhestro que mentia ou que sentimento suas declarações provocaram. Ele continuou a examinar o grande poder dos russos. Tito (Iugoslávia) é um homem do Comintern; Franco está em dificuldades na Espanha, o que significa que Juan Negrin chegará ao poder — outro homem de Moscou. ―A Rússia certamente vai dominar a Europa e a Ásia. Mas talvez seja para melhor, não digo que tudo está errado. Tal mudança chegará, isto é certeza. Eles são uma potência tremenda. Não sei como a Inglaterra se protegerá desse poder. Os americanos também.‖ Cela de von Papen: Ele estava lendo uma tradução de um artigo sobre militarismo do Saturday Evening Post, publicado em um jornal alemão. Ele ficou desapontado por eu não lhe levar nenhum jornal porque, se ele for solto, estará informado sobre os assuntos correntes. ―Sim, especialmente se você quiser esclarecer o povo sobre os pecados da liderança nazista‖, observei. ―Exatamente. Este é o ponto principal. Como diz este artigo, o militarismo destrói a independência do indivíduo. Viola os ensinamentos cristãos da dignidade do homem.‖ ―E mantém ilusões de heroísmo e um código hipócrita de honra e justiça, como a ordem de assassinato por Keitel, a pilhagem e o grande roubo por


121 Goering; um código completamente amoral que não reconhece leis mas apenas ‗ordens são ordens‘‖. ―Você está absolutamente certo, Herr Doktor‖, disse von Papen, enfaticamente. ―E você não acha que será mais eficiente se um alemão contar para o seu povo?‖ Von Papen passou a elocubrar freneticamente sobre os militaristas, seu rosto assumindo expressões mefistofélicas como sempre acontece quando abre os dentes e sacode os ombros. ―Esta nociva supressão da liberdade individual de pensamento, esse desprezo por tudo que não esteja de acordo com o conceito militar de atenção rígida perante os oficiais superiores! Essa degradação da dignidade humana! A perversão da juventude! O povo deve ser reeducado, completamente reeducado! Acho que os propagandistas que espalharam e encorajaram a veneração ao militarismo são mais culpados do que quaisquer outros! Goebbels disse: ‗Devemos usar as táticas da Igreja Católica para martelar a nossa ideologia na juventude alemã‘. Mas como, em nome dos céus, podemos comparar essa ideologia maléfica com os preceitos morais da religião cristã? Ora, a ideologia nazista era a verdadeira antítese de tudo o que era moral e merecedor da dignidade do homem!‖ Continuamos discutindo assuntos mais abrangentes, como resolver os problemas econômicos de alguns tipos de controle social sem restringir a liberdade do indivíduo como a ditadura fez, ao contrário, com a finalidade de libertar o indivíduo para gozar a vida de acordo com as suas tendências e capacidades. Ele disse querer expressar algumas dessas ideias no julgamento, mas tinha receio de que a Corte pudesse limitá-lo a só responder questões sobre as acusações contra ele. Mais tarde, eu lhe trouxe jornais do dia anterior, e lhe mostrei um artigo que citava o Pravda que dizia que o Vaticano era pró-nazista e mencionava a Concordata de von Papen com o papa como o início da política. ―Ora, claro, os russos devem manter sua política anti-Igreja — mas, na verdade, o papa não apoiava Hitler. Eu tinha decidido que, desde que os radicais haviam assumido o poder, era tempo de legalizar a questão dos direitos da Igreja. O papa concordou comigo. Simplesmente combinamos um entendimento sobre questões de educação da juventude, propriedades da Igreja etc. Eu favoreci um entendimento similar também com os protestantes, mas na verdade a resistência principal aos nazistas veio dos católicos. Os protestantes estavam muito divididos, eles não tinham controle sobre seu pessoal e não estavam em posição de se unirem contra os nazistas, exceto o pastor Niemoeller e outros poucos. Não estou dizendo que eles não ofereceram resistência, mas a Igreja Católica certamente não foi pró-Hitler.‖ ―Não, estou certo que eles não se gostavam. Himmler, Hitler e Bormann certamente demonstraram seu ódio, e acho que eles planejavam acabar com a hierarquia da Igreja depois da vitória.‖ (Eu estava usando informações que consegui de Lahousen.) Von Papen aquiesceu. ―Eu também fiquei desapontado com Goering. Pensei que, desde que ele veio de um círculo diferente — seu pai era um alto oficial da Corte do Kaiser —, ele teria um certo cabedal de escrúpulos morais e se oporia às políticas radicais de Hitler. Mas, em vez disso, eu vi como ele elevava Hitler aos céus em seus discursos no Reichstag e não protestava contra quaisquer excessos.‖ Aparentemente, Goering estava certo em dizer que Hitler se satisfazia em usá-lo por causa de seus seguidores entre os oficiais aviadores.


122 ―Fiz o que pude‖, continuou von Papen. ―Eu até disse ao rei da Suécia que ele deveria usar a sua influência para convencer Hitler dos erros da sua política antissemita. Eu solicitei que um questionário fosse submetido a ele para confirmar isso que eu disse.‖ Cela de von Neurath: Ele fumava o segundo dos dois charutos que eu tinha dado em seu aniversário e me desejou boas vindas à sua cela. Antecipando a sua defesa, ele relembrou seu desagrado com Hitler quanto à Conferência Hoszbach e passou a descrever sua participação nas negociações entre Munique e a Tchecoslováquia. Quando Chamberlain se ofereceu para vir discutir a questão dos Sudetos para evitar a guerra, ele, von Neurath, instou com Hitler para aceitar a oferta, mesmo já não sendo mais ministro do Exterior. Ele virtualmente forçou a barra para estar com Hitler e teve sucesso em induzilo só graças à sua grarantia de que Mussolini era a favor de tal pacto. Então, Hitler disse: ―Está certo, se Mussolini é a favor, eu quero ouvir isso dele.‖ Von Neurath ligou para Mussolini e chegaram a um entendimento. Quando Chamberlain e Daladier chegaram, ele os recebeu e então perguntou a Daladier se eles não deveriam consultar os tchecos sobre o problema dos Sudetos. (Eu lhe perguntei por que aquilo não tinha sido feito.) ―Sabe o que Daladier me respondeu? — Isto não deve ser repetido em voz alta. — Ele disse: ‗Os tchecos terão de aceitar o que nós decidirmos.‘ Foi como se passou. Mas depois do pacto ter sido assinado, Daladier ficou um tanto preocupado sobre isso e me disse: ‗Acho que serei apedrejado quando eu voltar para casa.‘ Eu lhe disse que certamente ele seria cumprimentado com júbilo quando retornasse por ter evitado a guerra. E foi isso o que se deu. Ambos, Daladier e Chamberlain, foram recebidos com regozijo porque todo mundo acreditava que a paz na Europa havia sido salva.‖ Cela de Hess: Ele se queixou outra vez que as fortes cãimbras estomacais e a perturbação do sono pelos guardas reduziam o seu poder de concentração. ―Os outros têm o mesmo problema?‖, ele perguntou. Eu disse que Ribbentrop e alguns dos demais estavam passando um pouco por isso. Era digno de notar que ele bloqueava palavras simples e tinha dificuldade de se expressar, desistindo às vezes totalmente de uma ideia porque não podia encontrar as palavras certas. Às vezes eu tinha que lhe lembrar um termo. As palavras que ele bloqueava não tinham necessariamente um tom emocional e não eram difíceis. Ele contou que estava tendo dificuldades de acompanhar o julgamento em razão de que os argumentos legais abstratos (sobre a culpa das organizações partidárias) eram muito difíceis de seguir. Às vezes, ele sente a mente divagar e então percebe que não está prestando atenção. Testei a sua memória sobre os depoimentos mais importantes e descobri que não só esqueceu as testemunhas de uma semana atrás como também havia esquecido von Paulus, demonstrando uma amnésia parcial progressiva sobre fatos acontecidos há duas semanas. Quando eu mencionei von Paulus, ele perguntou se não tinha surgido como uma testemunha porque seu nome soava vagamente familiar. ―Não pode se lembrar nada sobre ele?‖, perguntei. ―Não sei — parece-me que esse nome tem algo de familiar com relação a ser uma testemunha‖. ―Não se lembra do que ele falou?‖ ―Não, não posso dizer que me lembro.‖


123 ―Você lembra do seu voo para a Inglaterra e de todas as circunstâncias relativas a ele?‖ ―Eu lembro do porquê que eu fui, mas não dos detalhes. Eu já tinha me lembrado disso antes?‖ ―Já. Sua memória estava bem clara duas semanas depois que você a recuperou. Agora, olhe aqui, Herr Hess,‖ adotei o tom profissional, ―eu tenho que ajudá-lo a refrescar sua memória. Quero que você anote tudo o que se lembra sobre seu voo à Inglaterra. Então, poderemos comparar com a entrevista escrita que você deu à imprensa. Lembra-se disso?‖ Ele não lembrava. ―Depois de refrescar sua memória sobre o voo para a Inglaterra, vou fazê-lo sobre as testemunhas. Você não vai querer subir no estrado e dizer que não se lembra quando for questionado sobre o testemunho, não é? Especialmente depois que você disse que tinha simulado a amnésia.‖ ―Não, não.‖ Eu lhe disse que voltaria mais tarde. Depois que eu saí da cela, ele prontamente começou a escrever o que lembrava do voo. Soube que às vezes ele deitava para pensar e então voltava a escrever. Voltei à sua cela três horas depois, e ele já havia acabado uma descrição de 300 palavras sobre o voo e suas circunstâncias, mas falhou em mencionar alguns dos detalhes que havia se lembrado antes. Eu lhe disse que voltaria uma outra hora com uma lista de questões para ver se se lembrava de algo mais e que eu o visitaria toda semana para manter fresca a sua memória. ―Claro que os outros não têm que saber disso‖, acrescentei. A ideia lhe agradou.

6 de março A fala de Churchill Quando os réus entraram em fila na sala da Corte naquela manhã, o incêndio do Reichstag ainda era o assunto predileto entre eles. (No fim de semana, foi publicada na imprensa uma história atribuindo o incêndio a Goebbels e a Goering.) Ribbentrop perguntou a alguns dos companheiros se eles tinham ouvido algo sobre isso, e todos começaram a falar sobre o assunto, já que Goering ainda não havia chegado ao banco dos réus. Schacht disse mais uma vez que ele sempre soube disso. Fritzsche disse que tinha sabido na época que foram os comunistas que haviam feito aquilo, e nunca questionou. Jodl sorriu, de forma alguma avesso a ver o chefe da Luftwaffe abertamente desacreditado, e von Papen balançou a cabeça tristemente. Frick foi o único a se recusar em acreditar na história, ou pelo menos cogitar na possibilidade, e alegou que o partido não necessitava de um incêndio no Reichstag como motivo de propaganda porque eles sempre tinham a maioria, então a ideia toda era idiota. A discussão terminou quando Goering chegou, mas ele pareceu sentir que havia uma fria tensão no ar. Hora do almoço: Se Goering precisava de uma mudança de assunto para ocupar sua atenção, foi suprido com a manchete do dia: ―UNI-VOS PARA PARAR OS RUSSOS, CHURCHILL ALERTA FULTON‖. ―É claro, eu disse a vocês,‖ falou Goering ao ir para o refeitório. ―Esse sempre foi o caminho. Vocês verão, eu estava certo. É o velho equilíbrio de poder de novo.‖ Ele continuou quando fui lhe fazer uma visita: ―É o que eles conseguem ao tentar nos desequilibrar em relação ao Leste. (Eles nunca


124 puderam decidir se nos desequilibraríamos em relação ao Leste ou ao Ocidente. Agora a Rússia está bastante forte para eles, e eles têm que contrabalançar isso.‖) Eu perguntei se ele achava que a Inglaterra tinha assinado o Pacto de Munique como um convite para expandir em direção ao Leste até a Rússia, através da Tchecoslováquia. ―Naturalmente‖, disse ele, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. ―Mas então eles ficaram com medo de a Alemanha se tornar forte demais. Agora, eles têm a Rússia para se preocupar.‖ Ele parecia sentir que isso servira para Churchill não permitir a Alemanha se expandir em direção ao Leste sem o obstáculo da Inglaterra. No refeitório dos mais velhos, von Papen leu a manchete e comentou: ―Donnerwetter, nochmal! Ele está sendo sincero, não está?‖ Os outros se achegaram e von Papen começou a ler o artigo em voz alta. ―Olhem! Agora ele retorna à sua velha linha‖, declarou Doenitz com alguma satisfação. ―É claro, ele acolheu a ajuda da Rússia quando precisava‖, observou von Neurath, ―mas ainda é o Império Britânico em primeiro e último lugar. Ele não deveria ter concedido tanto aos russos em Teerã e em Casablanca.‖ ―Yalta! Yalta!‖, corrigiu Doenitz. ―Era a época. Ele não tinha que dar tanto aos russos quando já era certo que a Alemanha de qualquer jeito iria perder a guerra. Agora, eles pegaram os russos em Thüringen. ― Foi o que escrevi para Eisenhower quando eu ainda estava vivo. ― Se eles queriam manter uma política pró-russos, tudo bem, mas se não queriam, eles teriam que fazer certas mudanças.‖ ―Claro que são apenas palavras agora‖, observou von Papen. ―Provavelmente apenas um alerta.‖ ―Sim, suponho que o Partido Trabalhista inglês não pode falar essas coisas, mas dizem a Churchill para fazê-lo‖, sugeriu Schacht, após ouvir o argumento. Os outros acharam que provavelmente foi a explicação, sugerindo aquele descuido do partido, o império deve ser preservado, e o Partido Trabalhista queria apenas alertar a Rússia para não forçar uma confrontação com a política britânica para o Leste.

6. A defesa de Goering 8 de março A primeira testemunha de defesa Nesta manhã, Goering foi trazido mais cedo para tirarem a sua fotografia. Nervoso obviamente, ele não se sentiu satisfeito em ser fotografado formalmente. Quando a sala da Corte começou a lotar, observei que ele iria no mínimo encenar para uma casa cheia. Ele olhou ao redor, mas estava nervoso demais para se agradar com o fato de ser o centro das atenções mais uma vez, já que, pela minha observação, não significava uma audiência de admiradores. Hess lhe contou que tinha ouvido que a secretária dele, Goering, havia se recusado a comparecer e testemunhar. ―Naturalmente! Por que uma mulher iria querer vir para um ambiente hostil como esse? Eu nunca sujeitaria uma mulher a isso‖, replicou Goering. Sessão da manhã: [Quando o Dr. Stahmer iniciou sua tese de defesa, Goering sentava-se inquieto e muito nervoso, as mãos tremendo ao tentar escrever algumas anotações; mas por fim desistiu de escrever e cruzou os braços na


125 cintura, mudando de posição a cada minuto. Podia-se sentir nele uma tensão insuportável ao ser forçado a enfrentar a fria realidade dos fatos perante um mundo amargurado demais pela guerra e por assassinatos para apreciar bravatas e fanfarronices.] A primeira testemunha, Bodenschatz, ajudante de Goering, depôs sobre a indisponibilidade da Luftwaffe para a guerra em 1939 e as tentativas de Goering de negociar com a Inglaterra pelas costas de Hitler e de Ribbentrop com o objetivo de evitar à época a guerra com a Inglaterra. Ele também testemunhou o fato de que Goering havia retirado muitos amigos de campos de concentração. Ele tentou mostrar de várias maneiras que seu chefe era um homem amante da paz. Na inquirição, o promotor Jackson demoliu esse depoimento, revelando que os motivos de Goering não mereciam crédito como foram alegados, enfatizando seu conhecimento de prisões injustificáveis em campos de concentração, seu conhecimento dos planos para uma guerra de agressão e encurralando a testemunha em um labirinto de incertezas e contradições. Hora do almoço: Quando o salão se esvaziou ao fim da sessão da manhã, o advogado de Seyss-Inquart me disse: ―Seus advogados americanos têm uma grande experiência em reinquirições, e é óbvio que Mr. Jackson é um dos melhores.‖ No almoço, muitos dos réus expressaram uma satisfação maldosa pela maneira com que Mr. Jackson arrasou a primeira testemunha de Goering. Jodl, que não morria de amores pelo código de conduta de Goering, demonstrou sincera satisfação com os acontecimentos da manhã. ―Foi um bom show‖, disse ele, rindo. ―Aquele Bodenschatz nunca foi mesmo um bom cérebro e não ajudou em nada o caso de Goering. Seu homem, o Jackson, é um promotor esperto. Eu pessoalmente gostaria de medir forças com ele.‖ No refeitório dos mais velhos, Schacht transbordava de alegria com o embaraço de Goering. ―O gordo está tomando uma surra daquelas‖, disse, divertido. ―Seu promotor Jackson certamente é um brilhante inquiridor. Mesmo quando não tem certeza do que irá encontrar, ele bate em cada moita para ver se algum coelho pula de lá — e às vezes acerta.‖ (Mais tarde, Fritzsche reclamou a autoria desta metáfora.) ―Será um prazer esgrimir ideias com ele.‖ E anunciou o escore: um a zero a favor da promotoria. O efeito generalizado nos mais velhos, entretanto, foi torná-los mais preocupados com as inquirições. Von Papen, Doenitz e Schacht concordaram que a melhor técnica ao se ser interrogado é falar sem ler anotações e responder as questões espontaneamente, contando apenas a verdade, porque o promotor pode aniquilar qualquer um que tente camuflar a verdade. Hess ainda relamava de suas cólicas estomacais e Ribbentrop se queixava de que ainda não estava pronto para sua defesa. Goering não estava muito feliz. ―Bem, agora, realmente aquele infeliz está acabado. Eu não estava bem certo se deveria usá-lo como testemunha, mas ele é tão leal, ele queria dizer algo de bom do seu chefe. Mas, esperem até Jackson começar a me inquirir. Ele não terá nenhum Bodenschatz nervoso com quem lidar. De qualquer maneira, estou lisonjeado. O próprio chefe da promotoria teve de inquirir a minha testemunha.‖ Nervoso, ele raspou o prato com um pedaço de pão, obviamente nem satisfeito nem lisonjeado. Eu peguei um cigarro e lhe ofereci, sabendo que ele raramente fumava cigarros. ―Sim,


126 acho que hoje eu vou fumar um‖, disse ele, pegando com os dedos trêmulos. Continuou a protestar contra a injustiça de jogarem contra ele declarações que fizera ―no calor da batalha‖, e citou afirmações igualmente irresponsáveis feitas pelo general Doolittle e por Lord Fisher. 9 e 10 de março Fim de semana na prisão Cela de Goering: Ele estava deitado completamente vestido, esperando seu advogado chamá-lo. Eu lhe disse que tinha conseguido que ele fosse mais cedo para o salão da Corte, durante os dias de sua defesa, para que pudesse conversar com seu advogado, como ele havia solicitado, a fim de que sua defesa deslanchasse. Eu estava curioso em ouvir o que os réus teriam a dizer sobre seus crimes. Ele se ergueu na cama sobre um cotovelo e falou tranquilo e sério: ―Há uma coisa que quero que você saiba: você pode acreditar ou não, mas devo dizer honestamente: grausam bin ich nie gewensen! [eu nunca fui cruel]. Admito que fui duro, não nego que fui omisso no fuzilamento de cerca de mil homens por represálias, ou reféns, ou o que lhe convier, mas cruel, torturar mulheres e crianças, du lieber Gott! (‗amado Deus!‘ - NT). Isto está longe de minha natureza. Talvez você ache que isso seja patológico em mim, mas ainda não posso ver como Hitler pôde ter sabido de todas essas coisas medonhas. Agora que eu sei o que sei, eu desejaria ter Himmler aqui por 10 minutos para questioná-lo sobre o que ele pensava que estava fazendo. Se somente alguns dos generais das SS tivessem protestado...‖ ―Então, como você pode condenar um homem como Lahousen, que sabia o que se passava e fez tudo que podia para sabotar essa tirania?‖ Mais uma vez o nacionalista dentro dele falou mais alto do que o humanitarismo alegado: ―Oh, é diferente — traição em favor do inimigo — não, isso não! Pode-se começar uma revolução, até tentar um assassinato, qualquer coisa, naturalmente, correndo o risco de se ter a própria cabeça cortada. É privilégio de qualquer um. Eu mesmo passei por esse risco em 1923 em nosso putsch. Eu poderia facilmente ser morto em vez de ferido. Não se esqueça de que há uma diferença entre Landesverrat e Hochverrat.‖ Pedi-lhe para explicar a diferença. ―Landesverrat é traição à pátria em favor de um país estrangeiro, não há nada mais vergonhoso do que isso. Hochverrat é só traição contra ao Chefe do Estado. São questões diferentes.‖ ―Considerando que sua pequena revolução — ou o Putsch da Cervejaria, como chamamos — foi realmente uma traição, fico surpreso que você e Hitler tenham se saído tão facilmente.‖ Aqui ele riu como uma raposa velha. ―Ah! Naturalmente! Não se esqueça que foi um tribunal da Baviera e os bávaros eram ligados a nós porque eles queriam se separar do Norte da Alemanha e uma espécie de aliança católica com a Áustria, mas os patriotas da Grande Alemanha queriam justamente o oposto. Então nós os enganamos com a ideia de primeiro se livrar do governo de então e deixar nós assumirmos, mas naturalmente não pensávamos em dividir a Alemanha com a sua aliança católica. De qualquer maneira, eles não podiam se permitir a ser muito duros conosco porque eles também queriam ver a República de Weimar derrubada.‖ A merenda da tarde foi servida pelo guarda. Goering sentou-se na cama, molhando o pão na xícara de café e engolindo ruidosamente. ―Você teve uma vida interessante‖, observei.


127 ―Sim, foi muito interessante. Acho que se eu tivesse tudo de novo certamente evitaria certos erros. Mas, que diferença faz? Não temos muito a dizer sobre nosso destino. As forças da história e o poder político e econômico são muito grandes para se dirigir. É claro que a Inglaterra queria com todo o seu coração que a Alemanha lutasse contra a Rússia a fim de manter seu poder e seu império, e também é óbvio que, por isso, os russos não se importaram que lutássemos contra as potências ocidentais.‖ Sorriu astutamente. ―Você sabe, se eu pudesse ter o bom (promotor britânico) Sir David MaxwellFyfe com um copo de uísque na mão qualquer noite dessa e conversar com ele de coração aberto, aposto que ele admitiria que os ingleses desejavam de todo o coração que nós lutássemos contra a Rússia. Bem, é assim que é — as forças da história, a superpopulação e tudo o mais determinam o curso dos acontecimentos. Não importa quem esteja no poder, é uma inevitável cadeia de acontecimentos.‖ Este fatalismo histórico parece ser um artifício de autoproteção, subordinando convenientemente os problemas morais às forças geopolíticas. Por outro lado, eventos sociais são essencialmente o desdobramento de uma tragédia grega, e ele pode pelo menos ter satisfação em ser um dos principais atores, em vez de um componente do coro. Cela de Frank: Ele está se tornando tão absorto em suas próprias abstrações que nem mesmo tem reagido ao julgamento com interesse normal. Quando lhe perguntei o que pensava da defesa de Goering, ele achou que as coisas corriam normalmente. ―Mas a Corte não é a ideal‖, afirmou ele, embora a mudança fosse mais objetiva do que subjetiva. ―Se eu tivesse que lhe dar a minha opinião novamente eu não diria que é uma Corte ideal. Os russos não têm nada a fazer aqui. Ora, como eles ousam participar do julgamento?‖ Ele voltou a seu livro. ―Tenho lido sobre a Guerra dos 30 Anos, quando católicos e protestantes se massacraram e toda a Europa se envolveu no extermínio da população alemã. E por fim os protestantes e católicos decidiram que não havia razão de ambos os lados não pregarem o nome de Deus.‖ Mais uma vez lançou-se em sua risada histérica. ―E agora a Alemanha mergulhou em outro banho de sangue com um novo tipo de fanatismo‖, observei. ―Você não acha que o povo algum dia vai aprender?‖ ―Ah, não‖, ele suspirou profundamente, ―há uma maldição no gênero humano. A cobiça pelo poder e pela agressão é forte demais.‖ Foi mesmo uma opinião de especialista. Cela de Ribbentrop: Ainda cansado e confuso, Ribbentrop não tinha nada a dizer sobre o caso de Goering. Eu lhe perguntei o que ele achava sobre a declaração de Goering de que ele tinha negociado pelas suas costas para chegar a um entendimento com a Inglaterra. Ele encolheu os ombros. ―Houve muitas coisas que eu não soube.‖ Cansado, queixou-se que nunca teria a sua defesa pronta a tempo. Cela de von Papen: Ele zombou da defesa de Goering. ―Ach!, ele pode se defender até o fim dos tempos, mas nunca poderá explicar tudo o que fez. A Corte deveria parar de perder tempo e anunciar: ‗Próximo caso!‘‖


128 Cela de Hess: Deitado no catre para um cochilo esta tarde, Hess primeiramente não sabia do que eu estava falando quando eu disse que tinha vindo rever o assunto sobre o qual ele escrevera na semana passada. Foi só depois que o lembrei que ele recordou ter anotado alguns detalhes sobre seu voo à Inglaterra. Questionado sobre o que escreveu, ele só pôde se lembrar que tinha realizado o voo para chegar a um entendimento com a Inglaterra para evitar um banho de sangue, e que ele tinha machucado a perna na aterrissagem. Ao ser estimulado, ele pôde lembrar que conversou com Sir John Simon. Isso foi tudo. Então, eu lhe perguntei se não se lembrava ter quebrado a perna em outra ocasião. Ele não se lembrava. Descrevi o incidente do salto suicida, mas evidentemente não se lembrava também. Perguntei-lhe se se lembrava de algo sobre dificuldades com sua alimentação. Ele não se lembrava. Pacotes lacrados? Não. Teria ele agora alguma suspeita sobre sua comida? Sim, às vezes ele achava haver algo que causava suas cólicas estomacais. Não se lembrava de qualquer suspeita sobre a comida na Inglaterra. Teve ele algum problema de memória naquela época? Não pôde se lembrar. Então continuei testando suas lembranças sobre as principais testemunhas no julgamento, discutindo o assunto casualmente para evitar parecer ser um exame real. Os resultados foram os seguintes: General Lahousen, Ohlendorf e Schellenberg — nenhuma lembrança. General von Paulus — o nome vagamente associado com o julgamento. General Bodenschatz — lembrou como sendo uma testemunha de Goering que apareceu ―nesses últimos dias‖ e disse que tinha queimado as mãos e perdido parte da audição durante o atentado contra Hitler; não se lembrava de nenhum depoimento e ficou chocado quando eu contei que só ontem Bodenschatz havia aparecido. Cela de von Schirach: Ele se sentiu embaraçado com o fiasco produzido por Bodenschatz e queria saber o que ele pretendia provar com aquilo. Perguntou se Goering seria questionado sobre seus saques e outros assuntos desconfortáveis. Respondi que não sabia. De repente, ele me perguntou: ―A propósito, qual o problema com Hess?‖ ―Por que você pergunta?‖ ―Bem, devo lhe contar uma coisa. Cerca de duas semanas atrás eu discuti duas questões que ele teria que me responder quando fosse testemunhar. No dia seguinte, ele me disse que tinha as respostas, que sabia tudo sobre o assunto e até se lembrava da data em questão. Então, anteontem eu o questionei de novo sobre os dois assuntos e ele disse que não sabia do que eu estava falando. Olhei para ele e disse: ‗Mas Herr Hess, nos discutimos isso só oito dias atrás e você até se lembrava da data!‘ ‗Sinto terrivelmente‘, respondeu ele, ‗mas não posso me lembrar. Tento como posso, mas simplesmente não consigo manter minha memória intacta.‘ E agora, o que você acha disso?‖ Respondi que sabia que alguma coisa como essa estaria acontecendo com Hess. ―Bem, então é melhor eu não lhe perguntar mais nada. Certamente, pareceria engraçado se eu o questionasse no tribunal como minha testemunha e ele dissesse que não se lembrava.‖


129 12 de março Sessão da manhã: O ajudante de Goering, o jovem von Brauchitsch, Paul Koerner, seu secretário de Estado na Prússia, e o marechal-de-campo Kesselring testemunharam. [De maior interesse pela manhã e durante as discussões no almoço foi, entretanto, a manchete: ―MOSCOU CHAMA CHURCHILL DE ‗PROVOCADOR DE GUERRA‘ E DIZ QUE ELE PROCURA SABOTAR A ONU‖. Goering riu ironicamente: ―Os únicos aliados que ainda se mantêm aliados são os promotores e eles só estão aliados contra os 20 réus.‖ Esfregou as mãos, rindo zombateiramente com satisfação. ―Está certo‖, disse Doenitz. ―Churchill sempre foi antirrusso. É o que tenho dito sempre.‖ ―Claro, eu sempre soube disso‖, repetiu Goering. Ribbentrop saiu de sua letargia depressiva e confusa pelo tempo bastante para dizer: ―Sim, é como eu disse, não é?‖ Hora do almoço: Ribbentrop pediu para ver o jornal de novo. Depois de ler o artigo sobre Churchill, ele comentou: ―Veja, é como eu sempre tenho lhe dito. Os russos são um forte poder, muito forte. Agora a Inglaterra está preocupada, e a América perderá o interesse e abandonará a Europa. Você não percebe? Vocês deixarão a Alemanha à mercê dos russos. Por que vocês entraram na guerra?‖ ―Por que vocês começaram ela?‖, questionei. ―Se vocês tinham medo da Rússia, por que não mantiveram o Pacto de Não-Agressão com ela? Por que não mantiveram o Pacto de Munique? Por que Hitler era um mentiroso?‖ Nesse ponto, Hess pulou de repente de seu canto, segurou na cintura as calças sem cinto e se dirigiu a mim a passos largos. ―Herr Doktor, um oficial americano poderia aguentar um alemão chamar seu falecido chefe de Estado de mentiroso?‖ ―Claro que não, porque ele não era um mentiroso.‖ ―Então, devo pedir-lhe que se abstenha de dizer isso do nosso chefe de Estado‖, disparou. ―Estou citando seus próprios diplomatas‖, repliquei. Hess voltou para o seu canto e se sentou. Raeder parou seu passeio pela sala o tempo necessário para bater no ombro de Hess e dizer: ―Você está perfeitamente certo. Eu não ouvi isso, mas você está certo.‖ No refeitório dos mais velhos, a discussão em torno da controvérsia sobre Churchill tomou outro rumo. Von Papen assumiu um tom conciliatório sobre o assunto. ―Oh, isso vai esfriar. Mas é bom que alguém alerte os russos para que não façam o que lhes dê na telha.‖ Quando eu sugeri que o erro principal de Hitler foi atacar a Rússia, Schacht me corrigiu: ―Não, o erro capital foi atacar a Polônia em primeiro lugar.‖ Doenitz concordou: ―Sim, a culpa está em começar a guerra. Uma vez que a guerra se inicia, um oficial não tem escolha a não ser cumprir a sua obrigação.‖ (Doenitz finalmente encontrou uma posição de reconciliação entre sua própria honra e sua obediência a Hitler, apesar de sua culpa.) ―Falando em erros capitais‖, continuou Schacht, ―declarar guerra à América foi a loucura mais catastrófica que um estadista poderia fazer. Eu o alertei sobre o potencial de produção americano.‖


130 ―O ‗estadista‘ na outra sala não parece saber que a Alemanha declarou guerra contra nós. Ele ainda me pergunta por que nós entramos na guerra‖, observei. ―Estadista! Ora, aquele cabeça-de-vento idiota!‖ zombou Schacht. ―É a prova da ignorância de Hitler em assuntos estrangeiros.‖ ―Estadista!‖, repetiu von Papen. ―Imbecil!‖ A conversa então mudou para o problema de resolver os problemas econômicos mundiais sem a guerra. Schacht refutou o socialismo de Estado porque priva o indivíduo de liberdade, iniciativa e competição. Ele não refutou o socialismo como tal. O que pude perceber é que ele era a favor do socialismo capitalista. 13 de março Goering depõe Desci para ver Goering em sua cela antes dele subir para a sala da Corte, sendo hoje o dia em que ele vai depor. Havia sinais de tensão nervosa nos leves tremores das mãos e no abobalhamento em suas expressões faciais. Ele começou a ensaiar seu papel como um nobre mártir antes de entrar no palco para o último ato: ―Ainda não reconheço a autoridade da Corte. Posso dizer, como Mary Stuart, que só posso ser julgado por uma Corte de meus pares,‖ disse, sorrindo levemente. Eu falei: ―Bem, pode ter sido muito bom nos dias de soberania real, mas os problemas aqui em jogo atingem as raízes da existência civilizada.‖ ―Todavia, alguma coisa que tenha acontecido em nosso país não diz respeito a vocês, no mínimo. Se cinco milhões de alemães foram mortos, é um assunto para os alemães resolverem; e nossas políticas de Estado são assuntos particulares nossos.‖ ―Se o estado de guerra agressivo e o assassinato em massa não são assuntos de ninguém e não são ofensas dignas de punição, então nós bem que devemos aceitar o extermínio da civilização agora mesmo!‖ Goering encolheu os ombros. ―De qualquer maneira, levar os chefes de um Estado soberano perante uma Corte estrangeira é de uma arrogância única na história.‖ Sessão da tarde: À tarde, Goering iniciou sua defesa pessoal no estrado das testemunhas. Começou com uma descrição factual de suas experiências e suas condecorações, seu encontro com Hitler, seu papel e seus motivos ao ajudar a construir o Partido Nazista. Contou como assumiu as SA (tropas de assalto) e as colocou na linha, como ele participou do ‗Putsch da Cervejaria‘. Ele se tornou membro nazista do Reichstag em 1928, presidente do Reichstag em 1933 e ajudou Hitler a se tornar chanceler do Reich em 1933. Ele também construiu campos de concentração na Prússia para internar comunistas. À noite na prisão Cela de Goering: Ele havia devolvido intacta a sua sopa e estava sentado no catre, fumando seu grande cachimbo bávaro. Admitiu estar muito excitado para comer de noite. ―Você deve entender que, após estar na prisão por quase um ano e sentado neste tribunal por cinco meses sem dizer uma palavra à Corte, foi realmente uma tensão para mim, especialmente nos primeiros dez minutos.


131 A única coisa que me chateou, maldição! é que não consegui manter minha mão sem tremer.‖ Ele segurou a mão. ―Veja, ela está firme agora.‖ Seu humor estava um tanto sério, procurando alguma consolação em suas considerações cínicas e fatalistas. Ele dizia que o homem era o maior Raubtier (predador) de todos porque tem o intelecto voltado para a destruição em larga escala, enquanto outros animais de rapina matam somente para comer, quando estão com fome. Ele tinha certeza de que as guerras se tornariam cada vez mais destrutivas — era tudo destino. Havia algo de Götterdämmerung (crepúsculo dos deuses - NT) no ambiente doentio da obscuridade da cela. (Ele pedira ao guarda para não acender a luz). Quase que se podia fantasiar ele dizendo a sua fala ao som da música de Wagner. Cela de Speer: Fui visitar Speer e, bastante interessante, ele disse que, apesar de tudo, havia sido tocado pelo depoimento de Goering porque foi obviamente o seu canto do cisne, e simbolizava a tragédia do povo alemão. ―Vê-lo tão sério e despojado de seus diamantes e condecorações, fazendo sua defesa final perante um tribunal, após todo o poderio, pompa e estravagância, foi realmente erschütternd! (comovente). Nota: Durante o dia, o advogado de Ribbentrop me chamou de lado e perguntou se eu tinha notado recentemente algo de estranho em seu comportamento. Eu respondi que achava que ele se aproximava lentamente de um colapso nervoso. Ele me confidenciou que havia notado, nas últimas semanas, Ribbentrop insinuando estar em situações em que nunca esteve e garantindo que jamais participara de reuniões a que realmente compareceu, de modo que metade de sua proposição de defesa estava invalidada pelas investigações do advogado. Havia também feito coisas irracionais, como enviar uma carta ao tribunal se oferecendo para ser torturado até a morte por ter consentido inconscientemente tais atrocidades abomináveis. Eu disse que achava que era tudo fruto de fraqueza, ambição frustrada de um caráter sugestionável e dor de consciência. Ele observou que tinha certeza que Ribbentrop foi um instrumento ingênuo, mas não estava certo qual o mais ambicioso, se ele ou sua mulher. Ele disse que me daria maiores detalhes de interesse psicológico assim que terminasse a defesa. Obviamente, ele estava pescando algo sobre a possibilidade de apelar pela insanidade, embora admitisse que não questionava a responsabilidade de Ribbentrop pelas suas ações. 14 de março Goering se pavoneia enquanto Hess e Ribbentrop esmorecem Antes do início da sessão da manhã, eu contei ao pessoal que von Blomberg havia morrido durante a noite. Keitel balançou a cabeça tristemente. Goering, que conversava com seu advogado, virou-se rapidamente, no meio de uma frase, e disse para Keitel: ―Todos estamos convencidos de que um homem de honra morreu‖, e então continuou o que dizia a seu advogado. Este foi o elogio oficial de cinco segundos ao marechal-de-campo von Blomberg, excomandante-em-chefe da Wehrmacht. Contei a Hess que von Blomberg tinha morrido. Não houve surpresa. ―E daí?‖ Eu perguntei se ele sabia quem era o marechal-de-campo von Blomberg. ―Um dos nossos generais‖, respondeu vagamente. Então contei que Haushofer


132 e sua esposa tinham se suicidado. Ele disse que se lembrava que um homem com o nome de Haushofer iria testemunhar a favor dele, mas que não sabia mais nada sobre ele. Nem por palavras nem por expressões ele deu indicação de ter alguma lembrança do famoso geopolítico que se supunha ter sido o mentor de seu voo para a Inglaterra. Von Schirac sentava-se atrás dele, e inclinou-se intencionalmente para frente enquanto eu questionava Hess. Ele me passava olhares enigmáticos quando se tornou claro que a memória de Hess para eventos passados sumiu, virtualmente. Após um instante, Hess fez uma de suas raras declarações expontâneas: ―Espero que nenhuma outra de minhas testemunhas me abandone, preferindo a morte.‖ Então ele olhou ao redor do salão do tribunal e observou que estava quase cheio. Eu disse que provavelmente estaria tão cheio quanto quando ele testemunhou. Ele me perguntou por que. ―Porque você criou a maior sensação no início do julgamento‖, disse eu. Ele parece não ter lembrado. ―Verdade? Como?‖ ―Não se lembra de nada sobre a questão de sua memória ter voltado no início do julgamento?‖ Ele balançou a cabeça. Já havia esquecido que tinha esquecido para esquecer. Ribbentrop veio para a Corte hoje sem sua gravata e com o colarinho desabotoado, as pálpebras arriadas, a face esquerda se contorcendo, uma expressão mais perplexa no rosto do que a de sempre: era um quadro de confusão e depressão. Houve muita surpresa quando eu chamei a atenção do ex-ministro do Exterior alemão para o fato de que ele tinha vindo sem uma gravata. Ele replicou, cansado, que seu colarinho estava muito apertado. Eu mandei buscar uma gravata e disse a ele que poderia usá-la sem abotoar o colarinho. A impropriedade certamente não foi devida à ignorância de formalidades da parte do outrora orgulhoso emissário à Corte de St. James. Talvez fosse um sentimento inconsciente de que o nó apertava seu pescoço e ele não estava pronto para vir ao tribunal, agora que tinha realmente visto o primeiro réu nazista prestar seu depoimento. Sessão da manhã: Goering subiu ao estrado outra vez e continuou contando como havia ajudado o Partido Nazista a construir seu poder político e militar, incluindo sua versão sobre o expurgo sangrento de Roehm e as providências para manter a Igreja fora da vida política e militar — embora alguns clérigos, infelizmente, tivessem de ser mandados para campos de concentração durante o processo. [Ao tentar justificar as leis antissemitas com base na hostilidade que os judeus mostraram contra o regime nazista, muitos dos réus abaixaram suas cabeças. Funk cobriu os olhos e chorou. Com exceção disso, os réus ouviam atentamente e com muitos sinais de aprovação.] Goering continuou seu recital, contando como o partido resolveu o desemprego, rearmou e anexou a Áustria, e de tudo isso ele aceitava o compartilhamento maior dos créditos e responsabilidades. Hora do almoço: No almoço, Goering me interpelou, ansioso e orgulhoso: ―Como é que eu fui? Você não pode dizer que fui covarde, pode?‖ ―Não, não posso dizer isso. Você assumiu a responsabilidade por certas coisas que deveria assumir. Mas, é só o começo. E quanto à guerra de agressão?‖ ―Eu terei muita coisa s falar sobre isso também.‖


133 ―E as atrocidades?‖ Ele baixou os olhos. ―Só na medida em que eu não considerei os rumores sérios bastante para investigá-las...‖. As últimas palavras foram engolidas. Eu li algumas das manchetes de jornais do dia e então o enviei para ver seu advogado lá embaixo, conforme combinado. Nos outros refeitórios, a atitude foi de aprovação. Até Shcacht disse que tudo que Goering falou foi certo, exceto sua tentativa de mostrar que as medidas antissemitas foram de alguma maneira justificadas. Doenitz expressou surpresa por Goering ter demonstrado um sóbrio autocontrole. ―Este é o Goering dos primeiros tempos‖, disse von Papen, ―de quando ele ainda era racional. Mas ele disse: ‗Exceto por sua personalidade charmosa, von Papen não contribuiu em nada para o partido.‘ Devo dizer à Corte que não só não contribui como tentei me afastar.‖ Fritzsche disse que Goering descreveu os primeiros tempos do partido exatamente como foram, e que ele poderia referir-se a isso em sua própria defesa. Von Schirac admitiu que ficou com o coração na boca ao ouvir Goering falar. Eu lhe contei que tinha observado que ele engolia em seco e arrotava, pela tensão nervosa gástrica. Hess disse que podia entender o que Goering estava expondo, mas foi difícil acompanhar porque exigia esforço de concentração demais e ele não se lembrava dos antecedentes. Rosenberg e Jodl disseram que concordavam no geral, mas haveria diferenças na explicação. Rosenberg iniciou uma arega sobre raça, cultura e Lebensraum, citando inclusive o desejo dos chineses de ocupar a Austrália. Após o almoço, já no banco dos réus, Doenitz disse: ―Biddle está mesmo prestando atenção. Pode-se ver que ele quer ouvir o outro lado da história. Eu gostaria de encontrá-lo após o julgamento.‖ Sessão da tarde: Goering depôs sobre o seu papel no caso da Tchecoslováquia e nas campanhas da Polônia e Noruega. No curso do depoimento, ele comentou que a independência de opinião entre os líderes militares era impensável. ―Talvez esta seja a maneira de se evitar guerras no futuro, perguntar-se a cada general, a cada soldado, se ele quer voltar para casa ou não; não somente nas lideranças deste Estado mas em qualquer outro onde a fórmula militarista está claramente definida.‖ No intervalo da sessão da tarde, Doenitz o encorajou a ―envergonhar a promotoria, dando um exemplo de decência e honra‖ com o seu jeito de testemunhar. Goering virou-se e disse: ―É, eu fiquei satisfeito por ter esclarecido de uma vez por todas sobre aquela palavra de honra dada à Tchecoslováquia.‖(*) Doenitz repetiu o que havia dito, para se fazer claro: ―envergonhar a promotoria com decência e honra‖. ―E com boa memória, também‖, acrescentou Goering, com ares de desdém para Hess ao se levantar para voltar ao estrado para testemunhar. Alguém perguntou a Hess se ele de fato tinha problema em se lembrar das coisas. Ele respondeu que sim. Eles disseram que ele tinha que se lembrar. ―Eu gostaria de saber como‖, suspirou Hess, debilmente.


134 (*) Sua garantia à Tchecoslováquia de que ela não seria atacada na época da Anschluss que, explicou ele, aplicou-se somente para aquela ocasião (NA). À tarde, na prisão Cela de Goering: À tarde, Goering relaxava, fumando seu cachimbo bávaro. ―É muita tensão‖, admitiu, ―e está tudo esquecido. Você se surpreenderia se visse quantas palavras-chave eu anotei para me guiar. Quanto a Hess, devo admitir que você me pegou. A memória dele definitivamente apagou, e não mais acredito que ele tenha fingido antes. Ele até admitiu, algumas semanas atrás, que realmente havia sofrido de amnésia na Inglaterra, e que aqui também não foi tudo fingimento, como aliás você sempre disse. Quanto a mim, estou totalmente convencido. Deus, que cena vai ser quando ele se levantar para depor!‖ 15 de Março Hora do almoço: Goering desceu cedo para conversar com o seu advogado, Dr. Stahmer, e o papo foi ouvido pelo guarda(*). Dr. Stahmer queria saber se ele deveria abordar o assunto de um certo encontro ou contato com Himmler. Goering logo rejeitou: ―Não, não, agradeço a Deus isso ainda não ter sido ventilado. Não quero ouvir nada sobre isso.‖ Contou ter havido um pequeno desentendimento com Rosenberg porque este último queria que ele, Goering, falasse mais sobre o problema do antissemitismo e do confisco de tesouros de arte. ―Eu lhe disse que ele teria que fazê-lo por si mesmo, eu tinha que pensar em mim numa hora desta.‖ Comentando sobre os juízes, ele achava que o juiz Lawrence estava ficando cansado e que queria voltar para seu uísque em Londres. Sobre o juiz Parker, ele achava que era um gentleman íntegro, e que lhe havia olhado com simpatia ao deixar a Corte pela manhã. Ao avaliar a política de Hitler, ele repetiu que o Führer tentara realizar o máximo depressa demais; e que ele tentara forçar em dez anos o que deveria ser conseguido em cem anos porque temia que alguém que viesse depois dele não possuísse energia e persistência para continuar. Goering achava, por exemplo, que o problema do Corredor de Danzig poderia ter sido resolvido pacificamente, com um pouco mais de paciência. Sessão da tarde: Goering tentou ―explicar‖ o ataque à Iugoslávia, o bombardeio de Varsóvia, Rotterdam e Conventry. Admitiu ter discutido o plano de atacar a Rússia desde o outono de 1940, mas que tinha alertado Hitler para que o adiasse até que tivessem atacado Gibraltar e que tentassem jogar a Rússia contra a Inglaterra.

(*) A partir deste ponto passei a ter sempre dois ou três membros da guarda que entendiam alemão que me relatavam o que eles escutavam das conversas. O termo overheard (ouvido) daqui para frente se referirá a tais relatórios. Desejo expressar meus agradecimentos aos praças Beyer e Conrad, ao cabo Albrecht e aos sargentos Ohler e Gruener (NA).


135 16 e 17 de março Fim de semana na prisão Cela de Frank: Frank estava em uma fase positiva de sua ambivalência em relação a Goering. ―A única coisa que me agrada em Goering é que ele assumiu a responsabilidade pelo que ele fez. Claro que ele evita falar do problema daqueles quadros — Hahaha! Está fazendo rodeios sobre isso. Eu não lhe mandei nenhuma peça da Polônia... Vai ser interessante quando Jackson for inquiri-lo. Hahaha! O representante da democracia ocidental e Goering, a ―figura da Renascença‖. Mas, devo dizer que gosto da maneira com que ele está se conduzindo. Se ele só fosse daquele jeito... Eu brinquei hoje com ele: ‗Pena você não ter ido para a cadeia por um ano algum tempo atrás.‘ Hahaha!‖ Suas frases eram intercaladas por risadas mordazes, histéricas, que começavam a caracterizar cada vez mais o seu discurso. ―Hahaha! — Goering agora está finalmente realizando o seu desejo: apresentar-se como o portavoz número um do regime nacional-socialista... que deu nisso! Hahaha! — hahaha!‖ Cela de von Schirac: Ele se mostrava muito satisfeito com o seu herói. Achava que seria uma loucura política sentenciá-lo porque ele era muito popular, até mesmo na América. ―E agora você pode ver porque ele era tão popular.‖ Von Schirac achava que Ribbentrop era muito mais culpado pela guerra. Ele alegou que Goering tinha testemunhado que não estava em Berlim quando o Pacto de Munique foi quebrado, e isso deixou claro que Ribbentrop fora quem influenciara Hitler naquela época, ou pelo menos acedera. Cela de von Neurath: Von Neurath estava positivamente surpreso com a linha de defesa de Goering, especialmente por assumir a responsabilidade de muitas de suas ações. Aquele era o Goering dos primeiros tempos, antes de inchar com a vaidade e a ambição, a corrupção ,a vida licenciosa etc. Seus pensamentos também se voltaram para Ribbentrop como passível de comparação, e a razão era óbvia. Ribbentrop era um blefador, não um nobre de verdade. Tudo o que von Neurath sabia sobre sua ―nobreza‖ era o fato de um advogado tê-lo interpelado sobre como podia angariar a soma que havia prometido pagar para adotar seu título. Von Neurath sentia que Ribbentrop também era um mentiroso patológico, como o seu mestre, Hitler. Ele tinha ouvido de um diretor de sanatório de Dresden que Ribbentrop havia sido seu paciente em 1934. O médico lhe contou que teve que dispensar Ribbentrop porque o considerava um psicopata, um mentiroso, irresponsável no comportamento, e até suspeito de práticas sexuais anormais. Era um puxasaco de Hitler.‖ Cela de Speer: Speer admitiu que Goering estava tendo uma boa impressão junto à maioria dos réus e advogados de defesa, mas sugeriu que Jackson deveria tê-lo desmascarado no início da inquirição. Ele estava ansioso para ver a pose heróica de lealdade e integridade de Goering transmudar-se em sua realidade corrupta. ―Ora, quando eu vi Hitler pela última vez e a questão da sucessão de Goering surgiu com aquele telegrama, Hitler disse com desprezo que sempre soube que Goering era corrupto e desleal. Imagine, sempre soube disso — e continuou com a hipocrisia de mantê-lo como seu verdadeiro e leal apoiador! E agora, um covarde corrupto como Goering — eu poderia lhe contar sobre seus abrigos antiaéreos e a vida mansa que viveu enquanto a Alemanha


136 estava agonizante — um covarde como ele agora quer posar de herói. Isso é o que me mata!‖ Entretanto, Speer estava satisfeito com a liberdade que era dada a Goering para se defender, de forma que os alemães nunca poderiam dizer que ele foi coagido e entenderiam que o que foi revelado no julgamento não era um só lado da história. Cela de Funk: Funk concordou que Goering e Schacht eram personalidades fortes, ―mas o resto de nós, eu lhe garanto que não tenho estofo para heroísmo. Nunca tive e não tenho agora. Talvez esse seja o problema. Mas gostaria de saber o que teria feito se eu soubesse dessas coisas antes. Não acho que conviveria com isso.‖ Então, começou a chorar. ―Mas aquelas atrocidades... deixam uma vergonha permanente. Não importa o que Goering ou outro qualquer diga, não importa qual sentença seja pronunciada. Desses sistemáticos assassinatos em massa dos judeus resta uma desgraça para o povo alemão que não será superada em gerações!‖ Cela de Goering: Ele estava bastante cansado pela tensão dos depoimentos dos últimos três dias. Sua defesa ia chegando ao fim e ele, taciturno, já refletia sobre seu destino e especulava acerca de seu papel na história. Humanitarismo tinha se tornado um espinho para seu lado e ele o rejeitava cinicamente como uma ameaça à sua grandeza futura. O império de Gêngis Khan, o Império Romano e mesmo o Império Britânico não foram construídos observando-se os princípios de humanidade, argumentava ele com amargura, mas chegaram à grandeza à sua época e ganharam um lugar de respeito na história. Retruquei dizendo que o mundo ficou um pouco mais sofisticado no século 20 para aceitar a guerra e o assassinato como sinais de grandeza. Ele contornou, desdenhou e rejeitou a ideia como um idealismo sentimental de um americano que poderia se dar ao luxo de se iludir após a America ter aberto seu caminho para um rico Lebensraum pela revolução, massacre e guerra. Claramente, ele não toleraria nenhum sentimentalismo piegas para atrapalhar sua entrada no Valhalla. Cela de Rosenberg: Rosenberg estava impressionado com a defesa de Goering, mas disse que muito ainda teria que ser explicado sobre os saques aos tesouros, bibliotecas etc. O pensamento do dia de Rosenberg: os russos estão jogando todas as raças de cor contra a raça branca, e é por isso que Churchill está preocupado com o Império Britânico.

19 de março ―Testemunha estrela‖ de Goering Sessão da manhã: O engenheiro sueco Dahlerus, principal testemunha de Goering, iniciou seu depoimento sobre como havia mediado esforços de Goering para um entendimento com a Inglaterra a fim de ―impedir‖ a guerra contra a Polônia. O Dr. Stahmer tentou mostrar que era apenas uma questão de entendimento sobre Danzig e o Corredor. Logo ficou claro que o depoimento apenas mostrou quanto Hitler queria a guerra e a grande questão obscura surgiu quanto aos procedimentos: se a Alemanha queria realmente tentar impedir a guerra, porque o ministro do Exterior não negociou?


137 Hora do almoço: Os mais velhos mantinham uma atitude de desprezo. Schacht retomou a sua hostilidade em relação a Goering após me dizer que o escore estava igualado. Von Neurath classificou essa diplomacia amadora de ―diletantismo sem paralelo‖. Von Papen concordou enfaticamente: ―Diletantismo, está absolutamente correto! Mas este foi o caminho que a diplomacia alemã tomou sob o governo de Hitler. Um empresário sueco! Veja quanta influência nós, os mais antigos diplomatas, tínhamos naquele regime!‖ Como sempre, Schacht revelou que seu próprio egoísmo estava na base de sua indignação: ―Eu tinha chegado da Índia. Me ofereci para negociar, mas tudo o que consegui de Ribbentrop foi: ‗Obrigado pela sua carta‘. Então, lá estava eu, um homem experiente e de conhecimentos — afinal, eu conhecia a situação — nada podendo fazer sobre o caso, mas um insignificante empresário estrangeiro é incumbido de negociar com a Grã-Bretanha em vez de um estadista experiente.‖ Seyss-Inquart resumiu toda a situação da seguinte maneira: ―É um milagre os ingleses o terem levado a sério. Veja, após estabelecer contato, eles disseram: ‗Tudo bem, contato estabelecido, agora deixem-nos conhecer o representante do governo alemão‘. E quando viram que nada aconteceria, perceberam que não havia séria intenção da parte da chefia do governo alemão. Sim, seria milagre se Lord Halifax levasse isso a sério.‖ Ribbentrop sentava-se desanimado no canto da outra sala de almoço. Quando lhe perguntei o que pensava do depoimento de Dahlerus, tudo o que pôde dizer foi: ―Bem, havia um monte de coisas que eu não sabia.‖ Ao voltarem todos para a sala da Corte, após o almoço, Fritzsche me disse: ―Você vai ver, essa testemunha de defesa se tornará testemunha de acusação.‖ Sessão da tarde: (Fritzsche estava certo) Sob hábil inquirição de Sir David Maxwell-Fyfe, todo o poder de defesa do depoimento de Dahlerus desmoronou, e a testemunha na realidade acabou denúnciando a hipocrisia do seu gesto. Durante a inquirição, Dahlerus testemunhou como Goering o alertara sobre a tentativa de Ribbentrop de sabotar as negociações, até planejando um acidente com o seu avião. (Nessa hora, Ribbentrop explodiu no banco dos réus. Goering havia predito que Ribbentrop racharia os intestinos com o testemunho, mas não antecipou a revelação de sua intriga mordaz.) A acusação seguiu citando um trecho tirado do livro de Dahlerus (o único que Goering havia lido em sua cela), que mostrava como Hitler estava frenético para construir ―U-Boats! (submarinos) U-Boats! U-Boats!... e eu construirei aviões! aviões! aviões!... e eu exterminarei meus inimigos!‖ — bem no meio da suposta negociação de paz, enquanto Goering não mexia uma palha. (Goering irritou-se no banco dos réus, puxando o fio do fone de ouvido até quase parti-lo, e o oficial da guarda teve que tirar o fio de suas mãos, alertando-o para se comportar.) Ficou claro que Dahlerus teve a impressão de que o Führer era anormal, que Goering estava em louco estado de intoxicação e Ribbentrop era um pretenso assassino... e que todo o governo alemão, inclusive Goering, aparentemente não tinha intenções sérias de evitar a guerra, mas apenas obter a aquiescência britânica para o estupro da Polônia. Ele até identificou o mapa que Goering lhe dera, mostrando as partes da Polônia que os nazistas queriam como preço da paz. Finalmente, Dahlerus testemunhou, a


138 despeito dos protestos de objeção dos advogados de defesa, que ―se eu soubesse o que sei hoje, eu teria compreendido que meus esforços possivelmente não teriam êxito.‖ A sessão da Corte foi suspensa, e houve um sentimento geral entre os réus de que Goering estava liquidado. Alguns dos comentários ouvidos: Frick: ―Ele foi estúpido em trazer essa testemunha; ele deveria saber que a acusação lançaria mão desse livro.‖ Speer: (sorrindo) ―A sorte de Goering está augespielt — acabada, acabada.‖ Funk: ―Que vergonha! Que vergonha.‖ Ribbentrop (para Kaltenbrunner): ―Agora, não sei em quem mais confiar.‖ Quando fui contar a Fritzsche que ele estava certo, Speer dizia que esse tribunal serviria de Livro Branco para os futuros governos alemães mostrarem quão criminosa fora a administração nazista. Von Neurath desdenhava do gordo que batia no peito dizendo-se um líder e se inclinava até o chão na presença do Führer. Schacht anunciava o último escore: 2 a 1 a favor da acusação. 20 de março A inquirição de Goering Sessão da manhã: Acirrado duelo de palavras entre Goering e o promotor Jackson. Apesar das táticas evasivas de Goering, ficou patente que ele era responsável por apoiar os decretos antissemitas. Apesar de alegar ter sido uma força moderada na questão dos judeus, ele teve de admitir sua participação na usurpação de empresas e propriedades dos judeus como diretor do Plano Quadrienal, ao proclamar as Leis de Nuremberg como presidente do Reichstag, cobrando taxas de um bilhão de marcos da população judia, ordenando Himmler e Heydrich a promover a eliminação dos judeus da vida econômica alemã. Após os distúrbios de 9 e 10 de novembro de 1938, ele declarou a Heydrich: ―Espero que você tenha matado 200 judeus e não tenha destruído tal valiosa propriedade.‖ Ele então aproveitou a destruição da propriedade judia em benefício das companhias de seguros e do governo. Hora do almoço: Durante o almoço, Fritzsche se disse surpreso agora por Goering ter intercedido em favor de Goebbels quando este caíra em desgraça perante Hitler por seus casos de infidelidade conjugal e estava para ser demitido. O incidente da briga e aparente oposição de Goering a Goebbels havia ocorrido somente oito semanas antes de Goering interceder em favor de Goebbels. Com sua típica ingenuidade, Fritzsche concluiu que Goering deve ter feito um gesto de cavalheirismo ao oponente. Não lhe ocorreu a mais plausível explicação, a de que Goering não queria realmente se livrar de um forte antissemita que apoiou o programa nazista de saques à propriedade judia. Funk tentou explicar a necessidade de colocar a arianização da propriedade judia em bases legais após os temerários excessos dos desordeiros que estilhaçaram milhares de vidraças de lojas de judeus no levante ―espontâneo‖ instigado por Goebbels. ―É uma vergonha legalizar o roubo e dar-lhe sanção oficial,‖ comentei. ―Oh, eu não estou justificando nada, toda a política estava errada. Não estou dizendo isso, foi inteiramente injustificável.‖


139 Sessão da tarde: A preocupação de Funk pela legalidade de organizar a propriedade dos judeus tornou-se compreensível quando o promotor Jackson continuou a apresentar provas documentais de que Funk e Heydrich estiveram envolvidos no plano de Goering para expulsar os judeus da vida pública e econômica e segregá-los em guetos. Então, veio o saque de Goering aos tesouros artísticos nos países ocupados em trens de carga. Goering insistiu que só estava formando uma coleção de arte para futuros interesses culturais do Estado. Igual desculpa ele apresentou para o uso de prisioneiros de guerra e trabalho escravo, confisco de alimentos e de propriedades nos territórios ocupados. Durante o intervalo, houve concordância geral de que não foi um espetáculo dignificante ver um dos seus estadistas tentar explicar como enriqueceu em 50 milhões de marcos com objetos de arte enquanto os alemães eram induzidos a se submeter a sacrifícios por seus ―ideais‖ Entretanto, ao fim do dia, Goering aparentava estar orgulhoso de sua performance e contou aos demais: ―Se vocês se conduzirem só a metade do que eu me conduzi, farão muito bem. Vocês têm que ser cuidadosos, qualquer palavra pode ser distorcida.‖ Depois que descemos, Speer observou com desprezo para Seyss-Inquart: ―Até Hermann teve seus escorregões; ele não precisava ficar tão satisfeito consigo mesmo.‖ ―Toda aquela conversa não vai torná-lo melhor‖, respondeu friamente Seyss-Inquart. ―Eles têm tudo preto no branco.‖ 21 de março Sessão matutina: Sir David Maxwell-Fyfe fez Goering suar com o assassinato dos oficiais da Força Aérea britânica que escaparam do campo Sagon de prisioneiros de guerra e a entrega de russos à Gestapo. Goering objetou e negou responsabilidade. (Fritzsche disse, durante o intervalo, que a parte mais prejudicial do testemunho foi o fato de Goering ter entregue a administração a terceiros após o incidente de Sagon em vez de insistir na mudança do sistema.) Goering foi advertido várias vezes pela Corte para parar de dar respostas evasivas às perguntas. Sir David continuou a fazer Goering se contorcer com a intriga hipócrita em relação à tentativa de ―impedir a guerra‖, ao negociar pelas costas de Hitler enquanto consentia com os planos agressivos do Führer. Sessão da tarde: No começo da sessão, Sir David perguntou a Goering se ele ainda mantinha lealdade ao Führer em face de todos aqueles assassinatos. Goering respondeu que não aprovava os homicídios, mas mantinha a sua lealdade em tempos difíceis tanto quanto o fez nos bons tempos. Pressionado sobre as atrocidades, ele manteve debilmente a versão de que achava que o Führer não soubesse da sua extensão, e ele próprio certamente não sabia. Apenas tinha sabido de alguns casos de extermínio e de ―certos preparativos‖. 22 de março Egoísmo, lealdade e intolerância Sessão matutina: A defesa de Goering acabou com uma nota de anticlímax quando o general Rudenko concluiu sua breve inquirição e o promotor francês disse não ter mais nada a acrescentar. Na inquirição, a Corte estabelecera que


140 não havia interesse em declarações adicionais, e o conselho de defesa então encerrou abruptamente a sua participação. À noite na prisão Cela de Goering: Ao visitar Goering em sua cela, para ver se tinha algo mais a declarar em sua defesa, ele fez uma tentativa direta de reconhecimento à sua performance. ―Até que não fui mal, não?‖, perguntou por três vezes. ―Não, não posso dizer que foi.‖ ―Não esqueça que tive contra mim juntos os melhores cérebros legais da Inglaterra, América, Rússia e França, com todo o seu aparato legal, e lá estava eu, sozinho!‖ E fez uma pausa para admirar-se. Então, expressou satisfação com a decisão da Corte de não permitir aos outros se manifestarem mais uma vez sobre a história e o programa do Partido Nazista, sendo-lhe permitido reinar livre sobre o assunto definitivamente. Sim, ele estava muito satisfeito com sua imagem na história. ―Ora, aposto que até os promotores tiveram de admitir que eu me fui bem, não foi? Você ouviu alguma coisa?‖ O teste de seu heroísmo medieval era a admiração por parte do inimigo. Eu encolhi os ombros. Então ele começou a relembrar os dois dias de defesa em detalhes. Ter sido impedido no fim de fazer mais declarações foi muito frustrante. Disse que queria contar à Corte que aceitava a responsabilidade formal pelas leis antissemitas, ainda que não soubesse que elas levariam a tais horríveis excessos. Eu lhe falei que ele poderia dizer isso na sua declaração final, mas que o mais importante era se ele considerava correta aquela política. ―Nein, um Gotteswillen! (Não, pelo amor de Deus! — NT) — Depois do que eu sei agora? Pelo amor de Deus! Você pensa que eu teria apoiado isso se eu tivesse a menor ideia de que poderia levar a assassinatos em massa? Asseguro-lhe que nunca, nem por um momento, tivemos isso em mente. Apenas pensei que pudéssemos retirar os judeus de posições nos grandes negócios e no governo, e isso é tudo. Mas, não se esqueça de que eles desenvolveram uma terrível campanha contra nós em todo o mundo.‖ ―Você os culpa? Era lógico que eles não iriam aceitar quietos essa perseguição.‖ ―Esse é o problema. Foi o nosso erro‖, admitiu. Concordou que teria sido melhor que toda a perseguição não tivesse começado. Ele nunca havia considerado isso importante, de uma maneira ou de outra. Voltou a um assunto mais agradável, o do seu duelo com os promotores. ―Aquele sujeito, o Rudenko, estava mais nervoso do que eu, com certeza. Hoho! Ele cometeu um erro quando eu falei que os russos transportaram 1.680.000 poloneses e ucranianos para a Rússia. Em vez de dizer: ‗Não estamos interessados em suas acusações‘, ele disse: ‗Você não tem que mencionar ações soviéticas.‘... ‗Ações‖, ele disse. Hoho! Aposto que vai tomar um belo carão do velho Joe (Joseph Stalin — N.T.) por causa disso. Ele caiu nessa! Também lhe dei uma bela cutucada quando ele me perguntou por que eu não me recusara a obedecer às ordens de Hitler. Eu respondi: ‗Então, eu certamente não estaria preocupado com a minha saúde.‘ Essa é a terminologia técnica em ditaduras para liquidação. Ele me entendeu muito bem.‖ Então, abordei de novo o assunto da lealdade, para conseguir mais uma revelação sobre isso em seu sistema de valores. ―A propósito, vi que você deu


141 a Sir David a mesma resposta que havia dado a mim sobre sua lealdade ao Führer. Claro que você não respondeu diretamente a sua pergunta.‖ ―Eu sei, era uma pergunta muito perigosa. Qualquer outro poderia cair na armadilha. Ele me perguntou: ‗Você ainda procura justificar e glorificar Hitler agora que você sabe que ele era um assassino?‘ Foi dura, muito perigosa. Eu lhe disse que não o justificava, mas mantinha meu juramento, nos tempos difíceis e nos bons tempos.‖ ―É, e então eu lembro o que você tinha dito sobre ficar impressionado com figuras da história que mantinham sua lealdade, mesmo em tempos difíceis. Lembra-se de algum exemplo?‖ ―Claro, isso me impressionou desde quando eu era pequeno. Você conhece a história dos Nibelungos e como Hagen matou Siegfried porque Günther assim desejava. E então Krimhilde exigiu vingança aos seus três irmãos. Mas eles disseram a Hagen: ‗Não, ainda que sejas nosso inimigo, devemos nos curvar à tua lealdade ao teu rei.‘ Posso ver isso agora, como eles seguraram os escudos à frente de Hagen e disseram que iriam protegê-lo contra qualquer ataque pelo que ele fez por lealdade a seu rei.‖ Eu não captei a analogia à sua lealdade ao Führer, a menos que ele estivesse tentando transmitir que mesmo os inimigos de Goering deveriam respeitar a sua lealdade, como se isso justificasse crime. Então, ele lançou uma tirada sobre a homossexualidade no clero católico, para mostrar que seu anticatolicismo também tinha alguma base. ―Você já conheceu um desses seminários? Há garotos de 14, 15, 16 e 17 anos de todas as partes do mundo, e você pode ver em dez passos que eles são pederastas escolhidos. Isso é irracional. Não se pode ir contra a natureza humana. Quando prendemos padres por homossexualismo, eles clamavam que nós estávamos perseguindo a Igreja. Que perseguição! Tínhamos que pagar a eles perto de um bilhão de marcos por ano em taxas. Mas aquele clero católico! Imagine o que sei do que se passa atrás das cortinas fechadas daqueles confessionários, ou entre padres e freiras. Elas são ‗noivas de Cristo‘, você sabe. Que organização!‖ Havia nisso tudo um óbvio alinhamento com a intolerância indecente de Streicher que ainda não tinha sido revelado. Isso foi interessante, em vista da sua fingida simpatia para com a Igreja Católica quando o capelão veio vê-lo ontem na hora do almoço. De repente, ele disse não pensar que a América pudesse escapar tão facilmente do seu problema com os negros. Isso parece que foi recentemente emprestado de Rosenberg, revelando o medo dos nazistas de morrer sem deixar atrás alguma herança de ódio racial em algum lugar para provar, de maneira macabra, que eles estavam certos. Cela de Speer: (Fui testar o efeito na oposição.) Speer sentia que a promotoria tinha tido êxito ao perfurar a armadura heróica de Goering. ―Tudo bem para ele ao alegar lealdade ao Führer em termos grandiloquentes, mas quando eles o obrigam a assumir a culpa por crimes específicos, o que ele faz? Diz que conspirou contra Hitler, que não sabia sobre os crimes, que discordava das ações. Eu tenho que rir. Ele alegou ter se oposto a Hitler quase tanto que eu, depois de me esculachar por isso. Ele ainda mantém a pose de servidor leal até o fim. Isso é um monte de besteiras. Ele sabe perfeitamente que eles não podem enforcá-lo por se declarar leal, mas se esquiva como pode da responsabilidade quando eles o amarram aos fatos. E quando ele não pode se


142 esquivar, arroja-se bravamente e diz: ‗Sim, eu assumo toda a responsabilidade.‘‖ ―Quando Jackson interroga Goering‖, continuou Speer, ―você pode ver que eles representam dois mundos inteiramente opostos — eles não se entendem. Jackson pergunta se ele não participou do planejamento da invasão da Holanda e Bélgica e da Noruega, esperando que Goering se defenda contra a acusação criminal. Mas, em vez disso, Goering diz: ‗sim, claro, se passou assim e assado‘, como se fosse a coisa mais natural do mundo invadir um país neutro se isso fizer parte de sua estratégia. ―De qualquer maneira, é notável ver como ele se segura sob pressão. A disciplina de vocês na prisão tem lhe provocado um efeito de sensatez. Você deveria tê-lo visto nos velhos tempos. Preguiçoso, egoísta, corrupto, toxicômano irresponsável. Agora, está uma figura elegante, e o povo admira sua energia. Ouvi do meu advogado que estão dizendo dele : ‗Esse Goering está parecendo realmente um homem [Mordskerl]‘. Mas você devia tê-lo visto antes. Todos eles eram covardes corruptos nas horas de crise do país. Por que você supõe que Goering não estava em Berlim, ao lado do seu bem-amado Führer? Porque Berlim ficou muito perigosa quando os russos se aproximaram. O mesmo aconteceu com Himmler. Nenhum deles teve qualquer pensamento em aliviar o povo dessa loucura. Eu fico furioso cada vez que penso nisso. Não, nenhum deles deverá passar para a história com um mínimo de respeito. Deixem o maldito sistema nazista e todos os que dele participaram, inclusive eu, caírem na ignomínia e na desgraça que merecem! E deixem o povo esquecer e começar a construir uma nova vida em bases democráticas sensatas.‖

23 de março Senhora Goering Visitei a Frau Emmy Goering na casa do bosque de Sackdilling, perto de Neuhaus, para onde ela se retirou com a filha e a sobrinha após ter sido libertada da custódia. Estavam vivendo em circunstâncias quase primitivas (sem água quente encanada nem aquecimento). Ela é uma bonita mulher, de 45 anos, de maneiras equilibradas, embora emocional, especialmente nas presentes circunstâncias. Dei chocolate à pequena Edda e a Frau. Goering mandou-a brincar lá fora para conversarmos. Quando a criança saiu, ela disse: ―Você pode imaginar aquele louco mandando matar esta criança?‖ Ela contou com amargura como eles foram presos por ordem de Hitler, e como eles seriam fuzilados por Hitler ter suspeitado da deslealdade de Goering. Ela ficara furiosa por essa colossal injustiça. ―Minhas sete semanas de detenção foram desconfortáveis, claro, mas lhe asseguro que o que suportei nos últimos meses não foi nada comparado com o que passamos quando Hitler ordenou a prisão e a morte de Hermann e sua família. Meu marido ficou furioso, fora de si, ao pensar que Hitler poderia suspeitar dele por deslealdade. Enfureceu-se e se enraiveceu tanto, acusando Hitler de ingratidão em linguagem de baixo calão, que fiquei receosa de que o guarda o matasse na hora. Pedi-lhe que esquecesse o que tinha ouvido. O guarda disse que iria esquecer, mas achava que meu marido estava certo. Desleal! Só Deus sabe o que meu marido se sacrificou por lealdade ao Führer! Ele perdeu sua saúde, sua riqueza e a sua primeira mulher como resultado do putsch de 1923. Apoiou


143 Hitler em tudo. Ajudou-o a conquistar o poder. E, em gratidão, tudo o que conseguiu foi uma ordem de prisão e de assassinato. E para minha filha também! Quando ouvimos que Hitler tinha se suicidado, Hermann disse amargamente que o mais insuportável era que ele nunca mais poderia dizer, cara a cara, que Hitler havia se enganado com ele.‖ ―Para mim, é surpreendente‖, disse eu, ―que ele persistisse em manter sua lealdade, mesmo agora, em vista de tudo o que aconteceu e em vista do fato de que agora todo mundo sabe que Hitler era um assassino. Tudo isso não o libera de seu juramento de lealdade?‖ ―Claro! Claro!‖, torceu as mãos. ―Oh, se eu pudesse falar com ele só por cinco minutos! Só cinco minutos!‖ ―A única coisa que posso imaginar‖, sugeri, ―é que ele diga isso só por rancor frente a uma Corte estrangeira.‖ ―É isso! É exatamente isso! Eu sei exatamente como ele se sente sobre isso — que Deus me ajude! — um homem pelo menos se levantará e dirá: ‗Sim, eu apoiei o Führer, aqui estou eu, faça comigo o que quiserem!‘ É tão vergonhoso para nós ver como muitos alemães estão dizendo que nunca apoiaram Hitler, que foram forçados a entrar no partido; há tanta hipocrisia, isso é doentio! E ele quer mostrar que pelo menos ele não é um vira-casaca covarde.‖ (Sua sobrinha veio servir o chá.) ―Mas isso o coloca em posição desfavorável. Na verdade, até agora ele está desculpando a política de Hitler. Não há um limite para essa Nibelungentreue (lealdade dos Nibelungos)? Ele faz isso para purgar a si e ao povo alemão da culpa.‖ ―Claro! O povo alemão precisa saber!‖, as duas mulheres responderam enfaticamente. Os olhos de Frau Goering lacrimejaram de novo. ―Oh, Deus! Se eu pudesse vê-lo outra vez! Só por dez minutos!‖ Havia desespero em sua voz e um sentimento pela inutilidade do gesto ―heróico‖ de Goering, mas compreensível do ponto de vista dele. ―Posso ver agora a cara que ele fez ao ver tantos alemães negando sua fidelidade ao Führer e demonstrando medo frente ao conquistador. Ele odiou Hitler pelo que ele fez. Mas é muito fanático quanto à lealdade. Essa é uma das coisas com que eu não concordo. Um homem que teria assassinado minha filha?‖ Ela engasgou, e o ódio brilhou em seus olhos. ―Hitler era um louco!‖, disparou Frau Goering. ―Você falou com o Dr. Morel? Ele deve saber. Ele o atendia diariamente.‖ ―Falei com ele. Ele pareceu preocupado pela acusação de que suas injeções faziam um mau efeito em Hitler. Mas ele não era psiquiatra, me pareceu um charlatão. De qualquer modo, ele próprio parecia um louco.‖ ―Eu pensaria que ele era! Um médico que atendia a Hitler todos os dias deveria ser capaz de ver que havia alguma coisa errada com o homem. Ele mesmo veria. Ele não era normal.‖ ―Se um psiquiatra declarasse Hitler anormal, acho que ele seria fuzilado‖, sugeri. ―Oh, mas então meu marido teria tomado uma providência. E então ele ficaria liberto desse juramento de lealdade. Ele não teria confiado o destino do povo alemão a tal homem. Mas a sua lealdade... lealdade...‖. Aqui ela escandiu a palavra. ―Deus, que diferença teria sido para os alemães se ele (Goering) tivesse se tornado Führer antes da guerra. Não teria havido guerra, não teria havido perseguições. Você conhece meu marido. Ele não é obsessivo por ódio.


144 Gostava apenas de apreciar a vida e deixar os outros apreciarem. Hitler era outro tipo de caráter. Apenas a rígida determinação de seguir adiante com a sua meta, sem descanso nem compromisso. Ele não era desse jeito no início. Deve ter enlouquecido já perto do fim. O Dr. Morel deve saber. Será que não haveria algo de errado com um homem que nunca descansava, nunca ria e ia a qualquer lugar portando sua arma?― Ela dobrou o braço direito como se o estivesse segurando em uma tipóia, imitando um defeito funcional que o Dr. Brandt tinha me descrito como um muito provável sintoma histérico. Continuando o assunto de atrocidades após o chá, enquanto Edda não estava presente, Frau Goering me contou como tinha pedido a Himmler para deixá-la visitar o campo de concentração de Auschwitz, porque ela havia recebido muitas cartas dizendo que as coisas não eram bem como deveriam ser. Como primeira-dama do país, ela queria estar convencida de que tudo estava em ordem. Himmler respondeu em uma carta educada, mas dizendo que ela não se metesse em assuntos que não eram de sua alçada. Ela me contou que, de todos os milhares de cartas que recebeu pedindo favores, nenhuma falava em assassinatos em massa nos campos de concentração. Ela só podia supor que a Gestapo censurava a sua correspondência. Falando de Goering outra vez: ―É uma pena que eu não possa fazer nada por ele. Ele sempre foi muito bom para mim. E agora não posso ajudar. Eu mesmo não sei cuidar das coisas que precisamos para viver. Ele sempre me protegeu de tudo.‖ Eu chamei meu ajudante-de-ordens para auxiliá-la a desempacotar as roupas que tinham sido guardadas quando ela estava na custódia. Fui embora com a impressão de que a formosa dama protegida de Goering estava completamente enamorada por seu elegante cavaleiro, e que tinha sido guardada em uma torre de marfim para melhor admirar as proezas e o excelente caráter do seu herói. O duro despertar para o fato de seu herói ter servido a um senhor assassino não destruiu suas ilusões sobre seu marido. Na viagem de volta a Nuremberg, estudei as possibilidades de confrontar Goering com o apelo emocional de sua esposa para que abandonasse a sua equívoca lealdade e testar o impacto dos instintos maternais e humanitários dela sobre o senso de valores e vaidade dele.

24 de março Cavalheirismo Cela de Goering: Levei a Goering a carta de sua esposa e um cartão-postal de sua filha. Ele não os quis ler em minha frente, mas me perguntou como elas iam. Descrevi as suas condições e a conversa que tive com ela. ―Conversamos bastante sobre a sua lealdade a Hitler e como ele ordenou sua prisão e assassinato, além da pequena Edda‖, contei-lhe. ―Oh, eu não acredito que Hitler pessoalmente tenha dado tal ordem. Isso foi trabalho daquele porco sujo, o Bormann.‖ De repente, seu rosto ficou cinzento. ―Eu lhe digo, Herr Doktor, se eu pudesse ter aquele porco sozinho comigo nesta cela por apenas cinco minutos, com a porta fechada, não haveria necessidade de levarem-no a julgamento, eu lhe asseguro.‖ Seus dentes e punhos estavam cerrados. ―Eu estrangularia o filho da puta com as minhas próprias mãos! E não só pelo que ele me fez, mas por aquela suja e enganosa convivência com o Führer!‖ Livrou-se da fúria momentânea, mas eu percebi


145 que seu punho direito continuou crispado por mais uns cinco minutos enquanto falava, sem que ele percebesse. ―Sir David me questionou sobre isso‖, continuou ele. ―Foi uma pergunta perigosa, a mais perigosa de todo o julgamento.‖ Ele repetiu a pergunta sobre manter a lealdade a um assassino e a resposta que deu. ―Veja, eu não o glorifiqei e não o condenei. Apenas resguardei minha opinião naquela situação, você me entende.‖ ―Foi o que eu pensei ― você não quis dizer o que realmente pensava ante uma Corte estrangeira.‖ ―Naturalmente, e além disso eu queria mostrar a meu povo um exemplo de que a lealdade não está morta.‖ Nesse ponto, eu coloquei para ele: ―Sua mulher está desesperada com a sua lealdade cega ao Führer, após toda a aflição e as ordens para assassinálos. Ela disse: ‗Oh, se eu pudesse estar com ele só por cinco minutos!‘‖ Ele observou a minha dramatização e captou o significado. Sua reação foi um sorriso indulgente: ―Ah, sim, eu sei. Ela pode me influenciar em um monte de coisas, mas, no que concerne aos meus princípios, nada pode me mudar. Ela pode ter a sua maneira de viver como mãe de família, me proporcionando um monte de coisas, mas quanto aos princípios básicos na vida de um homem, isso não é assunto da mulher.‖ Essa era a resposta à minha questão. O senso de valores egoístico medieval de Goering se resumia à atitude ―cavalheiresca‖ em relação às mulheres, que oculta o objetivo narcisístico por trás da fachada da indulgência protetora condescendente e não permite que os valores humanitários femininos interfiram naquele objetivo. Goering inclinou-se sobre o cotovelo na outra ponta do catre, pensativo, quase que murmurando para si: ―Não, meu povo foi humilhado antes. A lealdade e o ódio o unirão agora, mais uma vez. Quem sabe se neste mesmo momento não esteja nascendo o homem que irá unir o meu povo, nascido de nossa carne e nossos ossos, para vingar a humilhação que estamos sofrendo agora?‖

7. A Defesa de Hess 24 de março (Cont.) Hess decide não depor Cela de Hess: Hess disse que estava decidido a não depor em sua própria defesa porque não queria se submeter ao embaraço de não ser capaz de responder às questões que a promotoria iria lhe fazer. Insistiu que era por decisão própria, mas eu sabia que Goering e o Dr. Seidl o desaconselharam a testemunhar. Continuamos o mesmo assunto da semana passada em conversa casual. Ele não tinha uma vívida lembrança da subida do partido ao poder, de seu voo para a Inglaterra, do exame psiquiátrico, dos filmes sobre as atrocidades ou de testemunhas importantes, como o general Lahousem, Ohlendorf, general von Paulus. Ele lembrava que Goering tinha ―testemunhado interminavelmente, mas eu não poderia dizer a você, no momento, sobre o que, mesmo que você me bata.‖


146 Numa tentativa de conseguir sua reação à ideia de simulação, eu disse: ―Suponha que alguém diga: ‗Como sabermos se você não está simulando sua perda de memória?‘, o que você diria?‖ ―Simulando? Bem, eu diria: ‗Por que eu simularia?‘ E então, como posso provar isso?‖ Questões adicionais sobre esse tema não fizeram surgir a menor sugestão de familiaridade ou de defesa sobre esse assunto, seja por palavra, gesto ou expressão. Intervalo entre algarismos (teste):.4 para frente, 3 para trás.

25 de março Testemunhas de Hess Antes de começar a sessão da manhã, quando soube que Hess não iria depor e que Ribbentrop se achava doente, Goering declarou, presunçoso: ―Bem, eu não posso promover a defesa de todo mundo, só posso conduzir a minha. Não posso dar minha energia nem meus intestinos a todo mundo, ou mesmo dar um chute na bunda para acordá-los — háháhá!‖ O Dr. Sauter, ex-advogado de Ribbentrop, disse com sarcasmo a von Schirach: ―Isso agora não é estranho? Ribbentrop ficar doente no dia em que sua defesa iria começar(*) Que coincidência infeliz! Isso não é péssimo? É à cara de Ribbentrop! Ele me deixou maluco com a sua dubiedade! Primeiro, ele tinha que ter esse gauleiter como uma testemunha absolutamente indispensável. Então, ele decidiu, depois de todo o trabalho para se conseguir, que seria melhor não tê-lo. Primeiro, ele dizia que havia falado isso e aquilo em uma reunião, e então ele dizia que não esteve presente. Estou feliz por ter lavado as minhas mãos de tudo isso. Sessão da manhã: A primeira testemunha de Hess foi Ernst Bohle, que tentou mostrar que a sua Auslands Organization (para ligas de alemães em países estrangeiros) não era quinta-coluna. O promotor britânico Griffith-Jones reduziu a pó o argumento ao forçá-lo a admitir que os alemães em países estrangeiros enviavam relatórios de inteligência sobre atividades no estrangeiro durante a paz, e ajudavam os invasores quando estes entravam em território conquistado. Hora do almoço: Schacht deu sua opinião sobre Bohle: ―Este era o político cujos empregados de armazém e engraxates se tornavam landsleiter (líderes das ligas alemães em países estrangeiros) especialistas em assuntos estrangeiros. E um homem como eu foi ignorado para assuntos indianos ou britânicos! Eu estudei a situação; mas não, algum açougueiro desclassificado era o único que, com Bohle, admitia-se produzir relatório sobre a Índia.‖ A promotoria deveria me perguntar. Eu poderia contar a eles como Bohle usava sua organização para dar a Hitler falsas informações sobre a situação no exterior!‖

(*) Esperava-se que, desde que Hess não iria depor, sua defesa fosse finalizada em poucas horas, e Ribbentrop então subiria ao estrado para depor à tarde. O Dr. Sauter originalmente tinha assumido a defesa de Ribbentrop, mas pedira para ser liberado desse compromisso no início do julgamento (NA).


147 Von Papen também se queixou de Bohle: ―Este foi o homem que fez minha vida miserável. Ele fez tudo o que pôde para me tirar do caminho.‖ Goering se gabou: ―Eu saberia lidar com aquele inglês. Eu lhe teria dito: ‗Claro que tínhamos espiões nos outros países, e como!‘ De qualquer maneira, contei a Hess que eles não tiveram a mesma cortesia para com a sua testemunha como tiveram com a minha. Eles estão usando promotores de segunda linha, não os chefões, para interrogar a sua testemunha.‖ Na sala de almoço dos mais jovens, havia consenso geral de que a testemunha de Hess não o estava ajudando muito. Sessão da tarde: O interrogatório de Bohle havia terminado e a única outra testemunha, Stroelin, também foi interrogado. Houve pouca relevância no testemunho à tarde. À noite na prisão Cela de Ribbentrop: Ribbentrop ainda estava deprimido, queixando-se de seu entorpecimento e Willenslähmung (desânimo). Ele podia falar mais facilmente, porém gaguejava como um homem em frente à forca, os sentidos anestesiados pela ansiedade prolongada. ―Sim, eu sei, ninguém está mesmo interessado nos julgamentos. Se eles nos fuzilarem ou nos exilarem, ninguém na América se importará, ninguém na Inglaterra ou na França se importará, só talvez alguns alemães se importem um pouco. Eu não queria que eles suspendessem o julgamento. Eu pedi para eles não suspenderem o julgamento. Eu mesmo escrevi a Jackson dizendo que me submeteria ao veredicto de uma Corte americana, que eu e alguns outros assumiríamos toda a responsabilidade, em vez de ter um julgamento como esse — alemães denúnciando alemães. Não é muito bonito, creia-me, Herr Doktor, não é muito bonito...‖ 26 de março Sessão matutina: A defesa de Hess continuou a leitura de documentos. A Corte adiou a decisão sobre a relevância de opiniões sobre o Tratado de Versalhes. Hora do almoço: Havia uma discussão generalizada sobre o tratado quando entrei em cada refeitório. Schacht e von Papen disseram que a América nunca ratificara o Tratado de Versalhes porque este traía os 14 pontos de (Woodrow) Wilson. Doenitz mais uma vez elogiou Biddle: ―Ele compreende isso muito bem, ele é arguto. Percebe as coisas rapidamente.‖ Schacht repetiu que nunca teria havido um Hitler se não tivesse havido o Tratado de Versalhes. Jodl expressou o mesmo sentimento quando eu fui conversar com ele: ―Foi o único motivo para o sucesso da Wehrmacht e do Partido Nazista. De outra maneira, estariam sempre agarrados uma na garganta do outro.‖ Rosenberg pulou de seu canto; Kaltenbrunner também. ―Claro, eles não querem discutir sobre Versalhes‖, disse Rosenberg. ―Até os americanos se recusaram a assinar aquela coisa, porque ela fedia. Wilson rascunhou seus 14 pontos tão cuidadosamente, e então quando chegou a hora do tratado de paz, a França colocou na mesa seus tratados secretos com a Polônia e tudo o mais, e que era o que eles queriam, e os 14 pontos foram jogados na lata de lixo.‖


148 ―E naquilo tudo havia algo que justificasse a guerra de agressão e os crimes contra a humanidade?‖, perguntei. ―Oh, não, só explica como a coisa toda surgiu.‖ ―Não teria nunca havido um Hitler se não fosse o Tratado de Versalhes‖, repetiu Kaltenbrunner, e Rosenberg concordou. Sessão da tarde: A Corte decidiu que o debate sobre o Tratado de Versalhes era irrelevante e o Dr. Seidt encerrou a defesa de Hess com a declaração de que, em razão de sua atitude em relação à Corte (não reconhecer a sua autoridade), Hess não testemunharia. (Não se sabia que Hess pretendia depor até poucos dias atrás, mas se amedrontou por causa da perda da memória. Hoje eu verifiquei que tudo o que ele podia se lembrar dos acontecimentos de ontem era que Bohle tinha testemunhado, mas que já esquecera de Stroelin.)

8. A defesa de Ribbentrop 26 de março (Cont.) O Ministério das Relações Exteriores Sessão da tarde: A primeira testemunha de Ribbentrop foi o Dr. Steengracht, seu secretário de Relações Exteriores. Em defesa de Ribbentrop, ele afirmou que havia cerca de trinta escritórios e organizações cujas atividades se misturavam e em superposição às do Gabinete de Relações Exteriores; que qualquer pessoa que tenha tido um agradável café da manhã em um país estrangeiro se considerava um expert em assuntos exteriores e era aceito como tal por Hitler; que havia brigas constantes sobre autoridade, o que requeria de Ribbentrop gastar 60% de seu tempo em disputas jurisdicionais burocráticas; que Hitler não era suscetível a influências de especialistas e de homens racionais; que os funcionários mais altos do governo sempre estavam em desacordo uns com os outros, e que, no geral, todo o governo era uma bagunça podre. No fim do dia, escárnio e desprezo por Ribbentrop e sua defesa foram manifestados de uma ponta à outra do banco dos réus. Goering quis saber de Dr. Horn se ele tinha mais perguntas a fazer àquela estúpida testemunha. O Dr. Horn disse que a testemunha não estaria respondendo da maneira que se esperava dela. Ribbentrop disse não ter pedido ao Dr. Steengracht para falar todas aquelas coisas inúteis sobre Hitler e o governo. Na outra ponta do banco, o desprezo era total. Von Papen e Schacht ergueram as mãos: ―Agora você vê! Isso era o Ministério das Relações Exteriores.‖ Fritsche disse: ―Agora, imagine soldados alemães indo para a guerra, confiantes de que havia um ministro das Relações Exteriores competente e uma administração responsável que não os mandariam para a guerra a não ser que fosse necessário.‖ Funk balbuciava:‖ Que vergonha, tudo isso! Que vergonha!‖ 27 de março Sessão da manhã: O coronel Amen apertou o Dr. Steengracht e a testemunha acabou protagonizando um espetáculo lamentável para si mesmo, para seu chefe e todo o governo nazista.


149 À noite na prisão Cela de Schacht: Apareci à noite na cela de Schacht para ouvir a sua opinião. Ele a deu bruscamente: ―Ugh! Aquele puxa-saco como ministro do Exterior! E olhe a gente que trabalhava com ele! Imprestáveis, imbecis estúpidos! Ora, Hitler e Goering eram criminosos brutais — certo, isso é alguma coisa. Mas Ribbentrop não serviria nem para engraxate! Ele quer mostrar que não era um típico nazista. Não, claro que não, ele só fazia o que Hitler queria, mas não era um nazista. Ugh! Me faz ter vergonha de ser alemão o tipo de gente que conduzia o governo. Que tipo de caráter tem Frank, Rosenberg, Streicher, Keitel?‖ Ele como que cuspia cada um dos nomes com desprezo. ―Você pode ver a diferença entre Keitel e Jodl. Mas os generais são os mais culpados. Eu não posso entender a mentalidade militarista. Hitler diz: ‗Vamos à guerra!‘, e todos eles batem os calcanhares e dizem: ‗Guerra? Ah, sim, claro, naturalmente, vamos à guerra!‘ Tome o general Halder como exemplo. Ele não tinha nenhuma utilidade para Hitler. Ele ia me ajudar a derrubarr Hitler em 1938. Quando Hitler disse vamos à guerra, de repente deu um estalo e Halder disse: ‗Guerra, oh, sim, ótimo, tudo o que você disser‘. Nunca um pensamento sobre as razões, as alternativas — nada.‖ Cela de Ribbentrop: Ribbentrop parecia um velho cansado esperando a morte. Sua fala era monótona, com ar de vencido. ―Ora, não faz nenhuma diferença. Somos apenas sombras vivas, restos de uma era morta, uma era que morreu com Hitler. Se alguns de nós vão viver dez ou vinte anos, não faz diferença. O que eu faria, mesmo se fosse libertado, o que, claro, não acontecerá? A velha era morreu com Hitler, nós não nos ajustamos mais ao mundo atual. Em 30 de abril eu deveria ter sofrido as consequências. Sim, é uma grande tragédia, uma grande tragédia, certamente. O que se pode fazer agora?‖ Ele achou que não foi agradável o sr. Dodd dizer ontem que ele, Ribbentrop, só estava nervoso. (Foi só uma ―falta de vontade‖, ele havia me dito.)

28 de março O plano secreto Sessão da manhã: A ex-secretária de Ribbentrop, Fraülein Blank, testemunhou a seu favor. A Corte foi suspensa para discutir a admissibilidade de uma questão com respeito a um tratado secreto com a Rússia. Enquanto a Corte deliberava, Goering disse a Ribbentrop; ―Tudo bem, você pode confiar em sua testemunha. Uma mulher é sempre mais corajosa do que um homem.‖ ―Esse sarcasmo é para mim?‖, perguntou Ribbentrop, sorrindo. ―Oh, não, falo de uma maneira geral.‖ Todos comentaram a cláusula secreta que se supunha constar do pacto russo-alemão. Admitia-se comumente que a cláusula secreta era a divisão antecipada da Polônia antes do ataque alemão. Speer, que sempre havia suspeitado, disse: ―História é história, não se pode esconder nada.‖ A maioria ao redor concordou. Jodl sorria maliciosamente como uma raposa: ―Então, agora eles querem esconder o fato de que houve um tratado secreto. Não podem fazer isso. A linha de demarcação de avanço estava nos meus mapas, e planejei a campanha de acordo com ela. Provavelmente, não arriscaríamos ir à guerra se


150 Hitler não tivesse obtido essa concordância com antecedência. Uma vez que a teve, ele disse: ‗Agora, nós podemos arriscar‘, porque a nossa frente oriental estava protegida.‖ Frank e Rosenberg deleitavam-se com o embaraço da Rússia. Frank ria alto: ―Hahaha! Ali está a verdadeira conspiração. Se houve qualquer conspiração foi entre Hitler e os russos. Eles deveriam estar sentados aqui conosco no banco dos réus!‖ Seyss-Inquart declarou: ―Agora, finalmente eu vejo quem tocava o Ministério das Relações Exteriores. Era Fraülein Blank.― Os demais riram. Finalmente, a Corte decidiu permitir a discussão da questão. Hora do almoço: No almoço, Fritsche, bem humorado, deu a versão de um locutor de rádio sobre o incidente: ―O conselho de defesa pergunta se ela sabia sobre algum tratado secreto. Ela sabia de um com a Rússia. — Todo o tribunal levanta as orelhas. — O promotor soviético objeta. — A Corte entra em recesso. — Eles decidem que a pergunta pode ser feita. — Finalmente, o mundo saberá sobre o tratado secreto com a Rússia. — Sim, ela sabia que era um envelope escrito secreto. — Isso é tudo. — Você deveria ver a cara de Biddle despencar. Hoho, que desapontamento para toda a Corte! Impagável!‖ Todo mundo se sentiu desapontado. Doenitz, que observava cada gesto e movimento de Biddle, disse: ―Podia-se ver que Biddle queria que o assunto viesse a público, e ficou desapontado quando não veio... Mas ele tem senso de humor. Você percebeu que, quando Fraülein Blank disse que seu chefe nunca, em dez anos, havia se aproximado dela, ele cutucou Parker?‖ Schacht havia notado: ―Sim, é o velho humor americano.‖ Ribbentrop estava preocupado porque a promotoria não havia interrogado sua testemunha. ―Isso é bom ou mau?‖, ele foi ouvido perguntando a seu advogado. Este lhe assegurou que não havia com que se preocupar. Goering entendeu a atitude muito bem: ―Claro que o propósito da promotoria foi mostrar que não levava o testemunho de sua secretária a sério. Foi inteligente da parte dela, e um gesto cavalheiresco ao mesmo tempo. Eu teria feito a mesma coisa...‖ ―Ribbentrop se aborreceu quando você disse que as mulheres são mais corajosas que os homens‖, disse eu. ―Sim, ele percebeu perfeitamente bem o que eu queria dizer. Ele não teve coragem para levantar o assunto da cláusula secreta que estabelecia por antecipação a linha de demarcação em caso de um ataque à Polônia. Em caso de um ataque, veja bem. Naquela época não era certeza. Eu sei tudo sobre isso. Jodl sabe sobre o mapa, mas Ribbentrop e eu sabemos todos os detalhes. Eu deixei para ele levantar esse assunto. Se lhe falta coragem para fazer, eu o farei nos meus argumentos finais, você pode contar com isso.‖

29 de março Ribbentrop depõe Sessão da manhã: Ribbentrop deu um recital entediante sobre as condições pré-guerra, a ascensão do partido ao poder, as dificuldades do Tratado de Versalhes, a questão do rearmamento, o Pacto Anti-Comintern, o Pacto de Munique etc., contribuindo em nada para as informações já conhecidas por


151 todos. Por várias vezes foi alertado pela Corte para se apressar com a sua história. Hora do almoço: No almoço, Schacht imitou Ribbentrop, curvando os ombros e dizendo numa voz cansativa e sonolenta: ―Então, eu fui a Londres... e o sr. XY me encontrou no trem... e então eu fui e mudei de roupa...‖ Ele se endireitou e disse com desdém: ―E este é o ministro das Relações Exteriores falando!‖ Von Neurath também foi desdenhoso: ―Você pode ver pela maneira de falar que ele não tinha a menor noção sobre assuntos estrangeiros quando assumiu o ministério. E já naquele tempo ele se jactava de ser um grande expert.‖ ―É isso mesmo‖, exclamou von Papen com a cara azeda. ―Nem a mais remota noção! Você pode ver pela maneira que ele fala do Pacto de Munique e do Pacto Anti-Comintern. Simplesmente o homem não sabia o que estava fazendo!‖ O Pacto Anti-Comintern atingiu o ponto sensível de von Neurath. ―Sim, ele não diz por quê foi o único a assinar o pacto(*) porque eu recusei a fazê-lo! Eu sabia que era um negócio perigoso. Mas ele servilmente fazia tudo o que Hitler queria, mesmo metendo o nariz em assuntos que não lhe competiam. Como embaixador na Inglaterra, ele deveria ter cuidado dos seus próprios assuntos. Em vez disso, ele se desviou do caminho para dar uma bofetada deliberada na cara dos ingleses ao assinar o pacto enquanto ainda era embaixador lá. Naturalmente, depois disso os ingleses viram que ele não teria mais utilidade.‖ ―A mais flagrante violação do uso diplomático que você pode imaginar!‖, von Papen disse, zangado. ―E aquele estúpido e perigoso amadorismo. Aquele abjeto servilismo a Hitler, pronto para assinar qualquer coisa a qualquer tempo, no momento em que Hitler quisesse, ou antes, se possível.‖ Ele repetiu o incidente da carta ameaçando a Turquia que Ribbentrop esteve para enviar porque Hitler lhe sugeriu. Ribbentrop tinha dito que não tinha como persuadir Hitler nesse ponto, mas von Papen rapidamente fez Hitler mudar de ideia. Doenitz esteve ouvindo e finalmente disse: ―Não acho que Hitler fosse tão estúpido para não ver uma idiotice desta, mas imagino que propositadamente manteve tal homem como ministro do Exterior para que ele manejasse as coisas pessoalmente.‖ ―Sim, Ribbentrop e suas ‗ligações‘‖, resumiu Schacht. ―Ele assinou o Pacto Anti-Comintern com o Japão porque ele tinha ligações com os japoneses, e ele obteve ligações com os japoneses ao assinar o pacto. Era como aquele enganador fazia as coisas. Sem a mais remota ideia do que estava fazendo.‖ Goering avaliou o desempenho de Ribbentrop no estrado como uma performance: ―Ele está aborrecendo a Corte‖, me disse ele, sem esconder um pouco de diversão malévola às custas de Ribbentrop. ―Eu disse a ele que, se quiser continuar com a lenga-lenga, tem de torná-la mais agradável, como eu fiz. Afinal, os juízes e os repórteres querem algo interessante para ouvir, se não, eles não vão prestar atenção.‖

(*) Von Ribbentrop negociou o Pacto Anti-Comintern com os japoneses em 1936, na qualidade de ministro extraordinário e plenipotenciário. Tornou-se ministro de Assuntos Exteriores somente dois anos depois (NA).


152 Ribbentrop estava perturbado com as repetidas advertências para acelerar seu depoimento: ―Por que o sr. Biddle tenta me apressar? Ele é nervoso?‖, perguntou-me. Eu o enviei mais cedo para conversar com seu advogado. O guarda o escutou repreender Dr. Horn pelos seus acenos e sinais para ele pular os detalhes e adiantar a história. ―Não me interrompa! E não queira me controlar!‖, repetia ele. ―Eu só estou tentando fazer você chegar ao ponto‖, explicou Dr. Horn. ―Veja como a Corte fica impaciente.‖ ―E por que Biddle é tão impaciente?‖ ―Ele está esperando você chegar ao pacto secreto com os russos. É o que eles estão aguardando.‖ Ribbentrop disse que não havia nada de importante na cláusula secreta, e que ele não via o porquê deles ficarem tão excitados com isso. Ele esperava não tocar nesse ponto esta tarde porque estava guardando para o fim de semana. O Dr. Horn respondeu que provavelmente discutiriam o assunto nesta tarde, e o orientou como o apresentar — muito simplesmente, apenas descrevendo o que os russos queriam e o que os alemães queriam. ―Está certo! Está certo! Não me controle!‖, repetia Ribbentrop, impaciente. Como última advertência, Dr. Horn lhe disse para não falar tanto de Hitler e não citar nada de Roosevelt. Ele também o avisou para falar sem olhar para as anotações porque seus papéis não o ajudariam quando a promotoria começasse a interrogá-lo. Sessão da tarde: (Logo que Ribbentrop recomeçou seu depoimento, Goering disse a seus vizinhos que a defesa era um fracasso. Quando Ribbentrop retornou ao banco dos réus por alguns minutos no intervalo, Goering disse-lhe que estava indo bem. Quando Ribbentrop voltou para o estrado das testemunhas, Goering disse: ―Não entendo como Hitler fez dele um SS GruppenFührer (líder de grupo das SS), este fraco!‖) Finalmente, a divisão pré-arranjada da Polônia em cláusula secreta do Pacto de Não-Agressão com a Rússia veio a público. Mas foi um anticlimax. Ribbentrop então descreveu o pequeno intervalo entre o ataque à Polônia e a declaração de garantia dos britânicos aos poloneses; as ―propostas‖ do Führer que tinham sido comunicadas verbalmente a Sir Neville Henderson mas proibidas de serem apresentadas por escrito; o ataque em razão da ―insolência‖ dos poloneses e a disposição do Führer de negociar após a conquista da Polônia. 30 de março Sessão da manhã: Ribbentrop encerrou seu depoimento contando como ele e Hitler não gostavam de guerra, como eles quebraram os pactos com o maior pesar e como ele próprio perdeu noites de sono com a invasão dos Países Baixos, neutros. 30 e 31 de março Fim de semana na prisão Cela de Ribbentrop: Quando o visitei em sua cela pela tarde, ele se queixou que estava física e mentalmente esgotado. ―Há um limite para a resistência de todo homem. Eu atingi meu limite em 1943. Deveria ter me demitido, então. O


153 médico falou isso para Hitler, mas ele não quis ouvir. Eu posso ver agora. O final da guerra me acabou. Foi terrível. Voltei para a minha casa nos arredores de Berlim e vi milhares de veteranos feridos em retirada, e refugiados fugindo aos milhares, um fluxo em direção ao Ocidente antes do avanço dos russos.‖ Ele contou que seus nervos se despedaçaram com o colapso da Alemanha, e na época em que foi internado na prisão de Mondorf, em maio, já sofria de dificuldades de memória. E que é muito penoso se concentrar e clarear as ideias agora. Por que não o deixam falar? Por que sempre o interrompem? Ele tem de mostrar as atitudes que tomou, e que para fazer isso ele tem que explicar os antecedentes históricos, e... Ah, e que eles o deixaram contar apenas 30% do que queria dizer e do que seria adequado. Eu o lembrei de que, em nossa conversa quatro semanas atrás, ele havia negado a cláusula secreta do Pacto de Não-Agressão com a Rússia, dividindo a Polônia. Em vez de responder que tinha reservado o assunto para o seu depoimento por razões diplomáticas, como von Papen teria feito, ou simplesmente me dizer polidamente que o assunto não era de minha conta, como Goering teria feito, ele primeiro negou ter negado, e depois disse que não foi como eu havia dito que fora. ―A Rússia e a Alemanha sentiram-se no direito de recuperar as terras que haviam perdido na última guerra, foi só isso. Era perfeitamente natural. A Rússia é uma potência. Hitler tinha grande admiração por Stalin. Ele só tinha receio de que algum radical pudesse tomar o seu lugar.‖ Ele não entendia o porquê da Promotoria recorrer a calúnias injustas para sujar a sua reputação. ―Por que eles tentam me rotular de antissemita? Eles sabem que eu não teria dito aquelas coisas.‖ Eu o lembrei que Paul Schmidt, o intérprete de Hitler, havia confirmado sua declaração a Horthy, dirigente húngaro, de que as únicas duas soluções para o problema judeu eram o extermínio ou os campos de concentração. ―Ah, não, ele não fez isso, fez? Não me lembro, é tão difícil de me concentrar. Mas eu não poderia ter dito tal coisa. É inteiramente contrário ao meu caráter.‖ Ocorreu-me que talvez ele não lembrasse claramente, em parte porque repetisse os sentimentos de Hitler sem pensar, sem imaginar o que estava dizendo, e agora estava bloqueando e rejeitando esses fatos que lhe são prejudiciais, tornando assim a mentira mais fácil. A promotoria também difamava a sua integridade ao questionar as suas seis casas. ―É crime que um estadista possua dinheiro e bens? Seus estadistas não têm, também? Roosevelt não mora em sua grande Casa Branca? É um símbolo de governo, não é? Dava-se o mesmo comigo. Morava em uma grande casa que Hindenburg havia ocupado, e custava muito mantê-la O Führer queria assim, e o povo também. Eu posso até entender a coleção de arte de Goering. Os líderes de Estado têm de manter um estilo de vida para impressionar os estrangeiros. É compreensível, não?‖ Eu achava que o saque de Goering era compreensível, certo, mas não desculpável. ―Bem, de qualquer modo a Promotoria não deveria enlamear a minha reputação assim. A história terá uma outra visão sobre isso. E o povo alemão não acreditará neles. Eu sei o que meu povo pensa de mim. Eu só tentei ajudá-lo.‖ Cela de von Neurath: Von Neurath tinha uma percepção diferente da reputação de Ribbentrop no seio do povo alemão. ―Você não encontrará outro funcionário graduado que fosse tão mal considerado quanto aquele homem, o Ribbentrop‖, comentou espontaneamente ao parar de lavar o lenço na pia da


154 cela. ―Algumas pessoas no banco dos réus estão surpresas com a extensão de sua estupidez e da frivolidade que tem mostrado na Corte; mas, para mim, isso é uma história antiga. Eu venho aguentando aqueles absurdos há anos... apenas um monte de tagarelices e tolices. E ele ainda mente. Disse que foi meu secretário de Estado antes de se tornar ministro do Exterior. Mas não foi. Nem por um minuto. Hitler queria isso, mas eu recusei. Na verdade, ele causou mais danos do que tem se evidenciado no julgamento, com as suas intromissões estúpidas. Cela de Frank: Frank mostrou-se bastante condescendente com ―aquele pobre peixe, o que você esperava? Ele é tão mal instruído e tão ignorante. Ele mal fala alemão direito quanto mais mostrar algum entendimento sobre assuntos estrangeiros. Eu mesmo tenho dificuldades em seguir sua gramática. Espero que os tradutores estejam conseguindo dar sentido às suas declarações para seu registro. Ora, eu não entendo como ele podia vender champanhe quanto mais o Nacional Socialismo... Hahaha! Realmente, só posso ter pena dele. Não foi culpa do pobre simplório não saber nada sobre assuntos estrangeiros. Mas foi um crime da parte de Hitler fazer este homem ministro do Exterior de uma nação de 70 milhões de pessoas. Isso mostra a real debilidade de uma ditadura. Não tolera críticas. Hitler cercou-se de homens bajuladores e servis ignorantes para lhe proporcionar uma aparência artificial de poder.‖ Cela de Goering: Goering estava calmo, reflexivo, esperando o intervalo antes de sua última entrada no palco, enquanto os atores coadjuvantes pronunciavam as suas falas. Ele não estava satisfeito com o desempenho de Ribbentrop. Balançou a cabeça lentamente e comentou, em tom de desaprovação: ―Que espetáculo deplorável! Se eu tivesse sabido eu teria me intrometido um pouco mais em nossa política externa. Eu tentei muito impedi-lo de se tornar ministro do Exterior, mas, acredite-me, não há prazer em ver como eu estava certo, o povo dizendo ‗Que tipo de ministro do Exterior vocês, nazistas, têm?‘ Faz a nossa política externa parecer estúpida. Ele sempre brigava por questões de autoridade e prestígio. Pouco importava a história, ele tinha que ter a sua autoridade reconhecida. Ele tinha ciúmes e suspeitava de mim, e me perguntou se eu estava tentando ser Ministro do Exterior. Eu respondi: ‗Não, obrigado, ainda prefiro ser o segundo homem no Estado‘. Eu sei que ele arrumou uma tramóia suja que foi provavelmente decisiva para a história.‖ Perguntei-lhe que fato decisivo foi esse. ―Um encontro com Churchill, que eu estava para ter. Ele impediu. Era para acontecer dois ou três dias antes da guerra estourar. Só fui descobrir mais tarde... ―Ele não foi sempre tão estúpido e fraco, mas vejo agora, mais do que nunca, que ele escondia um monte de ignorância por trás da aparência arrogante. Oh, Deus, isto é triste, muito triste! Não me interessa como Kaltenbrunner explica seu papel na RSHA, ou como Rosenberg defende a sua filosofia, mas a nossa política externa... é algo que reflete em toda a administração. Que calamidade!‖ Cela de von Papen: Von Papen estava cheio do seu usual desprezo por Ribbentrop. ―Ach! Não há necessidade em deixar aquele imbecil falar mais, ele já se condenou. Eles deveriam passar para o próximo caso. Imagine a maneira descuidada com que se encarregou de um fato catastrófico como a declaração


155 de guerra aos Estados Unidos! ‗Bem, eles estão atirando em nossos U-Boats, então devemos declarar guerra.‘ Este era o ministro do Exterior de Hitler! Deus, o diletantismo criminoso com o qual aquele homem arriscou todo um Reich!‖ Aparentemente, von Papen se referia a Hitler por procurar os conselhos de um homem estúpido como Ribbentrop, em vez de diplomatas experientes como ele próprio, von Papen. ―Ele pensou que estava sendo inteligente com o Pacto de Não-Agressão com a Rússia e a partilha da Polônia, mas eu acho que ele se jogou nas mãos de Stalin com aquela esperteza. Quando Stalin viu que Hitler pretendia atacar a Polônia para conseguir o que queria, ele pensou: ‗Bem, se essa é a direção do vento, e ninguém quer pará-lo, está certo, eu mesmo tenho que cortar um pedaço do bolo para mim‘. E quanto a Goering? Se, em vez daquele estúpido lance amador com Dahlerus, ele pegasse todo o gabinete e fosse direto a Hitler e dissesse: ‗Olhe aqui, se você insiste em continuar com a guerra, nós nos recusamos a colaborar‘. Então, Hitler teria que voltar atrás. Mas sem uma oposição séria, ele achou que poderia continuar com qualquer coisa...‖ 1º de abril Ribbentrop é interrogado Sessão da manhã: Ribbentrop foi interrogado por Sir David Maxwell-Fyfe. Por meio de subterfúgios, contradições, reinterpretações, argumentos irrelevantes e analogias, ambiguidades, ―linguagem diplomática‖ e uma boa dose de gagueira, Ribbentrop dava sinais de negar ou se desviar da evidência documental prejudicial a ele: que ajudara Hitler a empregar ameaças de força para executar a Anschluss e a tomada da Tchecoslováquia; que ele realizara preparações diplomáticas para o ataque à Polônia sabendo que isso significava guerra com a Inglaterra etc. Até Jodl havia anotado em seu diário que o ministro do Exterior arriscava-se em um jogo perigoso. Hora do almoço: Ao discutir o interrogatório no refeitório dos mais velhos, Schacht, excitado, cortou o ar com a mão, enfatizando o ponto crucial de todo o caso: ―Tudo se resume a isto: ele sabia que haveria guerra depois da Polônia, e ele não fez nada para impedir! Este é o ponto crucial. O resto é bobagem.‖ Von Papen lembrou como Hitler tinha pressionado com ameaças militares o chanceler austríaco Schuschnigg. Em determinado ponto da conferência entre eles em Berchtesgaden, em 12 de fevereiro de 1938, Hitler gritou: ―KEITEL!‖ e pôde ser ouvido por todo o prédio. Keitel veio correndo, ofegante, mas apenas foi mandado sentar em um canto. O gesto foi para intimidar Schuschnigg. Mas von Papen e Schacht foram ambos de opinião de que nenhuma ameaça seria necessária porque Schuschnigg sabia muito bem que 80% dos austríacos estavam a favor da Anschluss. O que Schuschnigg não concordava era a dominação pelos nazistas. Schacht lembrou que achou ele um homem muito tímido quando o encontrou num campo de concentração. Seyss-Inquart divertia-se com a ignorância de Ribbentrop quanto a história. Quando eu caminhava atrás dele na outra sala, ele cochichou, sorrindo marotamente: ―Psiu! Não diga nada agora, mas eu suspeito que o nosso ministro do Exterior não sabe que a questão da Bulgária tem relação com o Tratado de Trianon.‖ Escutou-se o Dr. Horn orientando Ribbentrop para a sessão da tarde: disselhe para atribuir quaisquer questões adicionais sobre o diário de Jodl a Jodl e


156 as ordens assinadas por Keitel a Keitel. Na questão do antissemitismo, ele deveria mostrar que nunca fez uma declaração como a observação cínica de Goering de que teria sido melhor fuzilar mais 200 judeus do que destruir tanta propriedade. Ribbentrop respondeu, assustado, ao advogado que não ousaria dizer nada contra Goering porque ele ainda era um homem poderoso. Sessão da tarde: Ribbentrop continuou a negar intenções agressivas. O interrogatório chegou ao fundo do ridículo quando Ribbentrop negou ter empregado qualquer pressão intolerável sobre Hacha para que a Tchecoslováquia capitulasse, em violação ao Pacto de Munique. ―Que outra pressão você colocaria sobre a cabeça de um país a não ser ameaçá-lo de que o seu exército o invadiria com um poder esmagador, e sua força aérea bombardearia sua capital?‖, quis saber Sir David. ―Guerra, por exemplo‖, respondeu Ribbentrop inocentemente, sob uma risada estrondosa de toda a Corte. Ribbentrop também negou seguir uma política enganosa de relações amigáveis aparentes com a Inglaterra enquanto fomentava a coalizão contra ela, até que Sir David mostrou-lhe um documento, assinado por ele, recomendando precisamente aquela política a Hitler. Ribbentrop manteve-se em rodeios sobre a prova documental de que ele havia dito: ―A Grã-Bretanha vai deixar friamente a Polônia ao desamparo‖ em caso de um ataque; que ele tinha expressado satisfação depois que a guerra começou porque ele achava, também, que o problema deveria ser resolvido enquanto o Führer vivesse; que ele tinha insistido com o Japão para atacar a Inglaterra. Durante o intervalo da tarde, Keitel, Goering e Jodl discutiram a marcha sobre a Polônia. Eles tinham suspendido a marcha em 24 de agosto, declarando adiamento de cinco dias no dia 25, e outro adiamento de 24 horas no dia 30, porque estavam esperando uma resposta de concessão às suas demandas. Então, atacaram no dia 31. Mais tarde, Keitel me disse: ―Veja, ninguém quer acreditar em Ribbentrop quando ele diz que não sabia sobre o progresso dos preparativos militares. Mas foi o que aconteceu. Hitler contou-lhe uma coisa e contou a nós outra coisa. Ele mentiu para cada um de nós.‖ Jodl estava ouvindo e qualquer outro poderia escutá-lo. Esse era o tipo de sentimento que nunca ousaria expressar fora de sua cela enquanto estivesse sob a influência de Goering. 2 de abril Sessão matutina: O promotor francês M. Faure reinquiriu Ribbentrop, tentando pressioná-lo quanto às suas declarações e políticas antissemitas. Ribbentrop esteve aparentemente ativo em advogar a deportação de judeus dos países satélites ocupados para campos de concentração. Ribbentrop protestou, dizendo que não era antissemita, mas apenas obedecia ao Führer. Durante o intervalo da manhã, Hess demonstrou uma rara explosão de reação emocional ao testemunho: ―É vergonhoso e indigno o modo com que eles trataram aquele homem no seu depoimento! Eu nunca teria me submetido a isso!‖ Aparentemente, ele se lembrava de que não foi levado a depor, mas não o porquê. O Dr. Seidl e Goering lhe explicaram que ele não tinha sido chamado a depor porque tinha perdido a memória. De repente, Hess se acalmou e começou a esfregar a testa e a fazer com a mão gestos de incapacidade. ―Oh, foi isso? Não me lembro.‖ O Dr. Seidl lhe assegurou que havia dado a explicação adequada, isto é, que em razão da sua atitude em


157 relação à Corte ele não foi chamado a depor. ―Sim? Que atitude?‖ O Dr. Seidl explicou a Hess que ele havia dito que não reconhecia a Corte. Hess esfregou a testa. ―Oh, eu disse isso?‖ ―Sim, disse‖, acrescentou Goering, impaciente. ―Eu mesmo disse isso no início. E então você disse também.‖ Hess encolheu os ombros. Goering fez sinal com a mão para Raeder, enfastiado, nas costas de Hess. Sessão da tarde: O coronel Amen reinquiriu Ribbentrop brevemente, usando interrogatórios anteriores para apertá-lo e fazê-lo cair em contradição. Questionado pelo general Rudenko, Ribbentrop alegou que os ataques à Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Grécia e Rússia não se constituíram em agressão, exatamente. (Entre os réus, houve um sentimento geral de que Ribbentrop estava acabado. Goering foi visto inclinando-se para Raeder e dizendo: ―Ribbentrop está arruinado.‖ Todavia, com a sua usual hipocrisia, no fim da sessão ele disse a Ribbentrop que ele tinha se saído bem. À noite na prisão Cela de Ribbentrop: Quando entrei em sua cela, ele pareceu mais miserável que o normal. Sua camisa não estava abotoada corretamente nem dobrada para dentro das calças folgadas. Sua cela estava uma bagunça e ele parecia um trapo, sentado, mastigando um pedaço de pão. Ele lançou uma série de questões queixosas, retóricas e de outros tipos. ―Por que o promotor francês tenta me rotular de antissemita? Isso é contrário às minhas concepções, e eles sabem disso. Se eu fosse antissemita em casa, eu não teria medo de dizer.‖ Perguntei a Hess o que tornou Hitler um antissemita tão violento, mas ele não soube dizer. ―Você pode compreender a minha lealdade a Hitler? Acho que algumas pessoas não podem compreender. Diga-me francamente, o que você pensa sobre o meu caso?‖ ―Acho que, como resultado da sua lealdade cega a Hitler, você se meteu numa situação da qual não pode se livrar. Mas, eu mesmo não entendo porque você não renuncia a ele agora, quando todo o mundo sabe que ele foi um assassino.‖ ―Você não pode entender? Não, os americanos não parecem capazes de compreender isso. Nós, alemães, somos um povo peculiar; somos muito leais. As pessoas parecem não ser capazes de entender.‖ ―Não, ninguém pode entender isso‖, reafirmei. ―Bem, não sei. O que eu teria feito se eu tivesse tido conhecimento de todos esses terríveis assassinatos dos judeus...‖ ―Você não sabia, enquanto todo o mundo tinha conhecimento do campo de extermínio de Maidanek.‖ ―Sim, mas então era muito tarde. Gostaria de saber o que eu teria feito se soubesse desde o início. Não sei. Eu não podia me opor a ele. Preferia cometer suicídio. Seria o único caminho. Entende isso?‖ ―Não, certamente eu o teria denúnciado como assassino, e se isso fosse impossível, eu teria quebrado meu juramento, como um último recurso, e o teria matado‖, respondi. ―Oh, não! Eu não poderia pensar nisso. Eu nunca me levaria a fazer isso.‖ ―Por que? Seria como se matasse seu próprio pai?‖ ―Sim, algo assim. E porque ele se tornou para mim o símbolo da Alemanha. Eu já lhe disse, depois que assistimos ao filme dos nazistas, se ele viesse a


158 mim agora eu não poderia repudiá-lo. Eu poderia não segui-lo mais, porém repudiá-lo, não. Não poderia fazer isso. Não sei porque.‖

9. A defesa de Keitel 3 de abril Keitel depõe: (Quando Keitel subiu ao estrado para testemunhar, Jodl mudou de posição no assento e manuseou nervosamente seus papéis. Doenitz dava batidinhas nervosas no resguardo do banco.) Keitel piscava e enxugava os olhos enquanto contava o quanto tentou cumprir seu dever por 44 anos e que estava convencido de que a maioria dos soldados alemães agiu de boa fé e com lealdade. Havia um sentimento de sinceridade em sua voz quando explicou que não tinha função de comando e só transmitia as ordens de Hitler. (Doenitz, Raeder e Jodl saíram de sua imobilidade impassível que mantiveram durante quase todo o julgamento, inclusive quando apresentadas as provas das atrocidades, e mostraram alguns sinais de emoção através de expressões faciais e do uso ocasional de lenços para disfarçadamente assoar os narizes e enxugar os rostos.) Hora do almoço: No refeitório, Jodl admitiu estar comovido, mas hesitou em falar muito sobre isso. ―É com a ideia de ver o chefe do OKW (Alto Comando) depor perante um tribunal militar?‖, perguntei ―É, é isso. Pensar que se chegou a isso. Certamente, nós não merecemos.‖ ―Bem, se não mereceram, pelo menos têm a chance de contar ao mundo de quem foi a culpa‖, disse eu. Ele concordou que era o único consolo. Ele já tinha me dito que não havia nada que desejasse mais ardentemente em toda a sua vida que essa oportunidade de contar ao mundo a verdade sobre a liderança alemã. Doenitz reservou-se de comentar, exceto pela observação: ―Ele (Keitel) é um homem honesto.‖ ―Sim‖, disse von Papen, ―um homem honesto sem a própria mente. Mas, de qualquer maneira, um homem honesto.‖ ―Claro‖, disse Schacht, sarcástico, ―um homem honesto, mas não um homem de verdade.‖ Goering só pensava no fato de que era o único homem importante no banco dos réus. ―Eu já contei à Corte que ele não tinha função de comando, mas suponho que ele próprio tem que dizer. Pobre diabo, ele na verdade não tinha o que dizer. No seu caso, quase posso entendê-lo quando diz: ‗Por que Hitler não está aqui para responder por essas coisas?‘ Muita gente não deveria estar aqui. Eu nunca havia visto Fritsche antes. Onde o pequeno Funk se encaixa nisso? Ele só recebia minhas ordens. Até Kaltenbrunner não deveria estar aqui se Himmler estivesse.‖ ―Mas você pertence ao grupo, não?‖, questionei. ―Claro, consideraria um insulto se eles tivessem me deixado de fora.‖ 4 de abril Sessão da manhã: Keitel continuou o depoimento, relatando sua desaprovação ao ataque à Polônia pela preparação inadequada, sua surpresa com a falta de intervenção do Ocidente e seus receios quanto à invasão da França.


159 Durante o intervalo da manhã, Goering foi ouvido contando aos outros como eles poderiam ter liquidado a França em 14 dias se se tivesse concretizado o plano seu e de Hitler de atacar imediatamente após a conquista da Polônia. O Dr. Horn perguntou por que eles não fizeram. Goering respondeu que o tempo segurou a Luftwaffe no chão. Raeder acrescentou que, se o ataque no inverno tivesse se realizado, eles poderiam ter varrido a Inglaterra na primavera de 1940. Goering disse que teria sido preciso somente cinco divisões aerotransportadas para derrotar a Inglaterra na primavera se a França já tivesse sido toda tomada. No inverno, Hitler havia lhe dito que eles tinham de escolher entre tentar atacar a Inglaterra em seu próprio solo e esperar que os ingleses viessem para o solo francês. Hora do almoço: Quando Keitel retornou ao banco antes do almoço, Goering disse a ele: ―Eu teria ficado satisfeito em confirmar sua Schlappheit (fraqueza) sobre a invasão da França. Por que não me falou que iria dizer isso? Eu teria ficado feliz em confirmar isso com antecedência.‖ ―Eu sei, eu sei‖, respondeu Keitel, não insensível ao sarcasmo dissimulado, apesar de Goering ter batido em seu ombro, congratulando-se com a sua performance. ―Eu estou apenas contando os fatos como eles se deram.‖ No almoço, Keitel me repetiu que apenas contava os fatos como se passaram, deixando os pedaços caírem onde deveriam. Seus companheiros de almoço, Seyss-Inquart e Frank, fizeram observações encorajadoras, mas Sauckel permanecia em silêncio e tímido como um rato — provavelmente recebera ordens de Goering para ser cuidadoso com o que dizia em minha presença. No refeitório dos mais velhos, Schacht tinha mais a dizer sobre a linha de defesa de Keitel de ter seguido as ordens de Hitler e tentado sempre ser um soldado íntegro. ―Parece correto, mas isso não altera a culpa nem um pouco. O que adianta ele ter seguido ordens de Hitler e nada mais? Não há lei no mundo que me faça cometer um assassinato.‖ Schacht então relatou a história que tinha ouvido no campo de concentração. O primo do homem que lhe contou o caso era capitão do Exército alemão e ia evacuar 70 prisioneiros de guerra para a guarnição, mas um oficial superior disse que não queria prisioneiros e que o capitão deveria ―livrar-se deles‖. Ele se opôs e disse que deveria evacuálos de acordo com os procedimentos normais. O general comandante então veio pessoalmente e ordenou que ele se livrasse dos prisioneiros. Quando o capitão recusou, o general disse: ―Você sabe quais são as consequências por desobediência a uma ordem direta de seu oficial comandante?‖ O capitão respondeu: ―Sim, eu sei, e por isso eu me recuso positivamente a obedecer a sua ordem, e eu assumirei as consequências.‖ Então, ele se virou para seu tenente e disse: ―Eu o ordeno evacuar estes prisioneiros em segurança para a guarnição e o autorizo a usar suas armas se alguém tentar impedi-lo, e eu o responsabilizo perante a mim pela chegada deles em segurança.‖ Os prisioneiros foram evacuados, e nada mais se ouviu sobre isso. Nada aconteceu ao capitão. ―Aí está‖, disse Schacht. ―Não há lei que force um homem a cometer assassinato, mas a maioria dos militares não tem coragem para recusar. Eu me recusei. Estabeleci meus limites quanto à guerra. E é isso que vou dizer. Lamento, mas não posso poupar Keitel e os outros de embaraços, mas eu devo mostrar que eles não tinham que obedecer àquele maníaco, o Hitler!‖


160 Von Papen lia os jornais do dia e mostrou satisfação com os entendimentos alcançados pela Rússia e pelo Irã. Ele achava que talvez o discurso de Churchill tenha contribuído afinal para um entendimento, porque mostrou que a Rússia não poderia ir muito longe sem provocar críticas. ―Veja você, às vezes uma conversa franca é a melhor coisa. Imagine o que uma pequena conversa franca teria feito em 1938. Supondo que, após a quebra do Pacto de Munique, Chamberlain tivesse feito pé firme quanto à ajuda às outras democracias e dissesse: ‗Hitler quebrou o seu compromisso solene, e nós por isso cortamos as relações diplomáticas com o governo de Hitler e recusamos a fazer acordos com a Alemanha até que ela tenha um líder honesto!‘ Se eles tivessem feito isso, Hitler teria caído em questão de dias. Teria forçado uma confrontação e o povo simplesmente não ficaria quieto. Como se deu, a coisa toda não foi conversada, e uma coisa levou à outra até que a guerra foi inevitável.‖ Ele continuou a mostrar como muita coisa foi montada no blefe, de acordo com o próprio testemunho de Keitel hoje. À noite na prisão Cela de Speer: Quando encontrei Speer em sua cela esta noite, ele estava bastante deprimido, expressando grande preocupação sobre a reviravolta que o julgamento estava apresentando. Os réus fugiam do assunto com suas poses de lealdade escrupulosa, a Corte impedia a promotoria de levantar questões de interesse político e psicológico. Ele estava perturbado com o fato de Goering e Keitel não terem sido desmascarados por terem falhado em poupar o povo da morte e da miséria desnecessárias, mas lhes estava sendo permitido usar o tribunal como meio de se saírem bem como nacionalistas leais. ―Estão julgando indivíduos e movimentos por seus últimos momentos. Teria sido melhor deixar o nazismo se findar com a marca de colapso e corrupção e de sua podridão fundamental e desgraça, como foi no fim da guerra, em vez de adicionar outro capítulo final que dá a alguns dos líderes a chance de produzir ótimas falas e de ter uma boa aparição para a história, fazendo o povo pensar que havia algo de bom, apesar de tudo.‖ Ele estava preocupado que, nesse passo, a sua própria linha de ataque malograsse. Nunca o vi tão deprimido.

5 de abril Um point d’honneur Cela de Keitel: Fui ver Keitel em sua cela pela manhã, antes dele subir para o salão da Corte. Ele disse que começava a estudar os casos do tratamento dos prisioneiros e da ordem de assassinar Giraud. Mesmo que este último fosse considerado assunto menor em relação a todo o complexo da guerra de agressão e assassinato em massa, constituía-se em ponto de honra, e ele tinha de dar alguma satisfação. Canaris havia descrito mal o fato, e também o fizera Lahousen em seu depoimento. De qualquer modo, pensou ele, Canaris tinha um caráter sombrio. Keitel estava convencido de que foi Canaris quem avisou os holandeses para prender o mensageiro que foi à Holanda comunicar ao embaixador alemão que a Holanda seria invadida. A polícia holandesa esperava por ele na fronteira, impedindo assim a rainha de receber um anúncio formal da invasão pelo embaixador alemão. Outro ponto de honra de oficial que ele achava já estar esclarecido foi quanto à sua lealdade a um homem como


161 Hitler. ―Já contei à Corte que eu tinha sido leal a Hitler, mas ele nunca confiou em mim, e nunca me contava a verdade.‖ Sessão da manhã: Keitel explicou que ele apenas tinha a supervisão geral e direção dos campos de concentração sob sua jurisdição, e que ele havia tido uma desavença séria com Hitler sobre a entrega dos pilotos ingleses fugitivos a Himmler, sabendo perfeitamente bem que isso significava assassinato. Ele então explicou os casos Weygand e Giraud (depois de mencionar brevemente que não teve nada a ver com as expedições de saques de Rosenberg e jamais havia ganhado um ―pfenning‖ (tostão) com saques — uma cutucada sutil em Goering. [A ala militar (dos réus) inclinou-se para frente e observou atentamente quando ele deu seu testemunho sobre o assunto, como se fosse o ponto mais importante de toda a defesa.] Keitel explicou que tinha apenas transmitido uma ordem de vigilância sobre Weygand e de recaptura ou retorno voluntário de Giraud. [Ele omitiu o fato de que Canaris tinha lhe dito que assassinato não estava em sua linha de atuação e que ele deveria entregar o trabalho para Heydrich.] Hora do almoço: A explanação satisfez à claque militar, e Keitel foi recebido de volta ao banco dos réus virtualmente de braços abertos. A honra da Wehrmacht tinha sido preservada. O assassinato dos pilotos britânicos, o ―tratamento especial‖ dos prisioneiros russos, tudo ficou em segundo plano — Keitel não tinha violado o código tentando assassinar um companheiro general. Doenitz bateu em suas costas e disse: ―Grande trabalho!‖ Keitel disse que estava feliz por ter tido a chance de explicar finalmente o caso Giraud. Doenitz lhe assegurou que ele tinha esclarecido perfeitamente. Goering ocultou seu aborrecimento com a referência aos saques e também se congratulou com ele. Lá em cima, no refeitório, Doenitz disse: ―Você vê como um homem pode ser colocado em suspeita inteiramente injustificada em um julgamento como este? Aquele Lahousen era um piolho. Aqueles homens da espionagem são todos iguais. E Keitel tem que esperar quatro meses para poder limpar a sua reputação. Isto é o que me revolta neste julgamento.‖ Goering comentou a técnica de Keitel: ―Ele está usando uma abordagem diferente. Responde a cada acusação diretamente para se antecipar ao interrogatório. Eu simplesmente estabeleci minha linha geral e então parti para o ataque.‖ Eu lhe disse que teria sido melhor enfrentar o problema diretamente e reconhecer o fato de que Hitler era um assassino. Um jornal local publicou uma entrevista com sua mulher e colocou na manchete: ―FRAU GOERING CONSIDERA HERMANN ‗FIEL DEMAIS‘ A HITLER‖. Mostrei a ele e repeti em resumo a história da ordem de Hitler para matar a família, como ela me havia contado. Ele disse: ―Oh, bem. Está certo. Ela é uma mulher, é assim que as mulheres são. O povo entenderá.‖ Continuamos a discutir o assunto, mas nos esbarramos de novo com a morte de mulheres e crianças. Goering disse que até podia conceber o assassinato de prisioneiros russos, judeus, inimigos políticos, mas nunca entrava em sua cabeça que Hitler tivesse deliberadamente ordenado a morte de mulheres e crianças. Foi a única coisa sobre a qual seu ―senso de cavalheirismo‖ lhe permitiu uma real desconfiança. Eu insisti no assunto, sugerindo que, apesar do seu bom julgamento de caráter, ele não entendia de psicopatologia. (Ele aceitou isso desde que a


162 recaída da perda de memória de Hess provou que eu estava certo.) Hitler e Himmler eram psicopatas, sugeri eu, embora pudessem conviver respeitavelmente na sociedade. Ele concordou que esse seria o caso de Himmler, mas se negava a aplicar o conceito a Hitler. Esfregou mais uma vez a testa, como se tentando imaginar como Hitler poderia ter feito tudo isso. Eu sugeri um quadro: obcecado pelo antissemitismo e incapaz de aceitar oposição ou moderação, Hitler diz a Himmler: ―Livre-se deles — Não me importo como. Não quero mais saber disso!‖ Goering pensou por um momento, aparentando visualizar a cena, então declarou que provavelmente foi o que aconteceu. Insisti no assunto de sua atitude perante o colapso do nazismo. Ele se lembrou da decisão de se render aos americanos em vez dos russos ou britânicos, embora todos estivessem quase equidistantes do seu castelo perto de Berchtesgaden, após ter sido resgatado pelo seu regimento de paraquedistas. Ele admitiu estar muito decepcionado com Hitler naquela época e pronto para cooperar com os americanos. ―Vocês teriam ganhado a Alemanha por uma ninharia. A maioria dos líderes estaria feliz por cooperar, e até os julgamentos por crimes de guerra teriam sido melhor arranjados com a nossa cooperação... Mas depois que vocês me fizeram prisioneiro e me levaram ao tribunal como criminoso de guerra, bem...‖ Obviamente, o acordo deveria incluir tratamento cavalheiresco a um senhor da guerra derrotado, e levá-lo a um tribunal como criminoso de guerra foi simplesmente injusto. Ele estaria feliz em cooperar liquidando os assassinos de mulheres e crianças, mas nas atuais circunstâncias manteria sua lealdade ao Führer. 6 de abril Keitel é reinquirido Sessão da manhã: Sir David Maxwell-Fyfe interrogou Keitel. Ele apresentou uma carta que Keitel tinha escrito ao coronel Amen antes do julgamento, explicando que era apenas um soldado e que Hitler foi o responsável pelas medidas terroristas e ilegais. [Quando a carta foi lida, Goering virou-se com desprezo para Doenitz e disse: ―O fracote.‖ Pouco depois, ele disse: ―O cordeirinho inocente não tinha nada a ver com o partido! Ora, se ele não tivesse simpatia ao Nacional Socialismo não teria durado um minuto.] O interrogatório continuou com censuras severas ao assassinato de sabotadores capturados, às represálias contra as famílias dos voluntários aliados, ao fuzilamento de prisioneiros fugitivos e outras violações às leis internacionais. Keitel pôde apenas admitir que essas coisas aconteceram e que tinha assinado tais ordens apesar de seus próprios temores. [Quando ele voltou ao banco dos réus, Goering lhe perguntou, zangado, por que ele não revidou, contando algo sobre o tratamento dos aliados aos sabotadores. Keitel retrucou, contrariado: ―Ainda há tempo para isso.‖ Goering replicou: ―Mas essa era a melhor hora para levantar a questão, e você estragou tudo!!!‖ Keitel sentou-se em silêncio, zangado. Goering, ainda fumegando, continuou: ―Aquele documento não especifica nada sobre fuzilamento de mães! Por que você não leu os documentos que eles lhe entregaram?!‖ Keitel não respondeu nem mesmo o olhou, e continuou sentado em silêncio. Enquanto os advogados continuavam com o trabalho rotineiro de propor testemunhas e documentos, Goering xingava os estúpidos advogados, xingava a fraqueza de Keitel, xingava a Promotoria e tudo o mais ao seu redor.]


163 6 e 7 de abril Fim de semana na prisão Cela de Keitel: Visitei Keitel em sua cela com o major Goldensohn após a sessão daquela manhã. Keitel relembrou o interrogatório, repetindo muitas das perguntas e respostas. Finalmente, observou: ―Só pude dizer a eles como eram as coisas. A única coisa que é absolutamente impossível para mim é sentar lá como um desgraçado e mentir — isso é absolutamente impossível! Eu preferiria dizer: ‗Sim, eu assinei isso‘.‖ Ele ergueu o punho em seu gesto característico, aparentemente reagindo à alfinetada de Goering sobre o seu fracasso em escapar da responsabilidade ou minimizar o crime usando espertos argumentos evasivos. ―Como eu disse no início, se é culpa ou obra do destino é uma coisa que não se pode dizer; mas, de qualquer maneira, é impossível deixar um subordinado assumir a culpa e negar sua própria responsabilidade.‖ Ficou claro que este era seu principal argumento para fazer Hitler assumir a culpa por ele, como ele tinha assumido a culpa por coisas feitas por ordens suas. ―Você então acha que Hitler foi o verdadeiro assassino?‖ ―Sim, é claro!‖, ele concordou enfaticamente, balançando as duas mãos, ―mas não significa que eu também tenha que ser rotulado como um assassino! Só posso dizer que eu repassei as ordens dele. Como Sir David Maxwell-Fyfe me deu a oportunidade de dizer, houve muitas coisas que não aprovei: o fuzilamento de reféns, os maus tratos aos prisioneiros russos, o fuzilamento dos pilotos britânicos fugitivos... mas o que eu poderia fazer? Eu deveria ter me suicidado, mas alguém mais estaria em meu lugar de qualquer modo. Achei que impediria as piores coisas mesmo se eu não impedisse muito do que era mau.‖ Cela de Doenitz: Doenitz achava-se bastante contrariado com a inquirição de Keitel. A honra da Wehrmacht estava sendo desacreditada. ―Eu teria respondido àquelas questões de maneira muito diferente. Ele é muito fraco. Se foi tão longe ao assinar aquelas ordens, ele pelo menos poderia dizer que os russos fizeram isso ou tanto pior.‖ Eu salientei que, desde que Hitler atacou a Rússia e começou a guerra por primeiro, não se poderia culpar os russos por odiar a Alemanha e tomar medidas severas para rechaçar o inimigo em seu solo. Doenitz então voltou ao seu usual argumento: ―Bem, penso que Hitler sentia que a Rússia iria nos atacar mais cedo ou mais tarde.‖ Cela de Ribbentrop: Ribbentrop não estava muito interessado no testemunho de Keitel, mas ainda se mostrava preocupado com a impressão que ele próprio deixara na Corte. Uma coisa que ainda o aborrecia era o fato do Mr. Dodd dizer que ele não estava doente, mas apenas nervoso. ―Nos registros está dito que o Mr. Dodd disse à Corte que eu estava nervoso. Você disse isso a ele? Isso não é justo.‖ Eu lhe respondi que eu não era o oficial médico e que de qualquer maneira uma condição nervosa foi evidenciada. Então ele me perguntou o que as pessoas falavam do seu caso e o que eu pensava sobre isso. ―Eles dizem que é muito ruim para você ter seguido Hitler tão servilmente‖, eu disse. ―Ora, eles podem dizer isso, mas eu gostaria de saber o que eles diriam se Hitler aparecesse pessoalmente no Tribunal. Aposto que todo mundo ficaria maravilhado. Pessoas que parecem tão impressionantes agora se encolheriam,


164 até Sir David Maxwell-Fyfe. Acredite-me, eu vi como isso sempre acontecia, mesmo com Chamberlain, Daladier e o resto deles. As pessoas ficavam terrivelmente impressionadas com ele.‖ Ele também pensava ser injusto que as pessoas o censurassem por usar a ―linguagem diplomática‖. ―Você já jogou pôquer? Você sabe como é, não se pode ganhar uma mão de cem dólares com um tostão; você tem que jogar sempre. Se eu soubesse que Hitler queria travar uma guerra e se fosse minha a tarefa de tentar resolver o problema diplomaticamente, eu não teria dito a Ciano (conde, genro de Mussolini, ministro de Assuntos Exteriores da Itália – NT) que Hitler estava apenas enganando porque então essa informação iria para todas as capitais da Europa e ninguém iria querer negociar, e então haveria uma guerra... Como eu disse, era melhor contar a Hacha que Hitler preferia negociar do que haver guerra.‖ A risada na sala da Corte nessa parte do seu testemunho ainda o deixava arrasado. ―Você quer dizer que é melhor ameaçar do que promover a guerra‖, sugeri, dando uma explicação lógica sobre esse ponto. Ele concordou e eu continuei: ―Mas, quando pagam para ver o seu blefe, você tem a guerra de qualquer maneira, não é? — e ameaçar com guerra é gangsterismo, não é?‖ Ele resmungou algo sobre a diplomacia ser muito difícil para se entender, mas que os diplomatas entendem essas coisas. Cela de Jodl: Jodl lembrou-se que ficou furioso com o assassinato dos pilotos ingleses. ―Um crime proposital completa e absolutamente injustificado! Eu sabia que era uma coisa que nunca poderíamos justificar. Desde então, soube que tipo de homem Hitler era. Opus-me a ele várias vezes quanto a tais assuntos porque sabia que Keitel não era homem de ir contra ele. Mas a ordem de matar os pilotos ingleses fugitivos, não havia nenhuma justificação para aquilo. Um ato de fúria completa e arbitrária de Hitler contra Keitel por não ter impedido os prisioneiros de fugir. Eu sabia que era algo que nunca poderíamos explicar. De fato, quando os britânicos convocaram Keitel após o armistício, eu lhe disse que era por causa daquele fato.‖ ―O assassinato dos 50 prisioneiros fugitivos e a conspiração para matar Giraud parecem perturbar os militares mais do que todo o programa de extermínio de milhões de judeus e outros oponentes ideológicos‖, comentei. ―Sim, claro, isso se refere à nossa honra vitalmente. Não temos nada a ver com a outra coisa. Foi mostrado conclusivamente que não tivemos nada a ver com aquilo.‖ Ele continuou a explicar como Hitler rompeu toda a base do código de honra e de boa conduta dos oficiais na guerra, transmitido através dos séculos. Hitler trouxe com ele um novo e radical desejo caprichoso que não se encaixava no mundo deles — o mundo de Hindenburg, von Neurath etc. Até mesmo Goering entendia o código dos velhos oficiais e sempre discordava de Hitler quanto a isso. ―Como você explica então que Goering ainda mantenha sua posição de lealdade ao Führer?‖, perguntei. Jodl sorriu. ―No caso dele, claro que está metido nisso tão a fundo, como os outros líderes que levaram o partido ao poder e proclamaram bem alto sua lealdade ao Führer durante 20 anos, que deve manter a posição até o fim. Mas o resto do grupo de oficiais mais antigos foi contra o nazismo desde o início. Só continuamos porque Hitler foi legalmente escolhido chanceler do Reich. Mas o


165 engraçado foi que, nos dois ou três últimos anos de guerra, Goering simplesmente desaparecia de vez em quando, indo caçar, vivendo uma vida tranquila em seus vários castelos, colecionando seus tesouros artísticos... não se podia depender dele para nada.‖ Cela de Speer: Speer era de opinião que Keitel tinha sido mais honesto do que Goering. Ele não só disse que assumia a responsabilidade pelas ordens que assinou como admitiu que elas eram criminosas e que ele sabia que teria que sofrer as consequências. Goering, ao contrário, proclamou sua lealdade ao Führer, sabendo perfeitamente que a Corte não poderia enforcá-lo por isso, mas defendendo-se de qualquer jeito das acusações de crimes. Ele recorreu a inúmeros e diversificados meios para esquivar-se e depreciar as questões, confiando em sua habilidade em retórica e argumentação. À acusação de que dissera em 1938 que teria sido melhor matar mais 200 judeus do que destruir tanta propriedade, Goering simplesmente reagiu classificando-a como uma ―declaração temperamental‖. Quanto à questão da morte dos 50 pilotos britânicos, ele enfatizou a sua ausência na época e sua violenta desaprovação ao fato. Quanto ao planejamento da guerra de agressão, quis mostrar haver tentado evitar com negociações através de Dahlerus, mesmo a promotoria mostrando que fora um movimento fingido. Ele até via mérito em coisas banais como recusar a informar o nome do oficial da Luftwaffe que interferira no linchamento dos pilotos aliados. Speer tem ainda algumas dúvidas sobre a maneira com que Goering tem escapado com a pose de patriota leal, mas sente que o tribunal está tendo sucesso ao provar a culpa da liderança nazista. 8 de abril Ordens criminosas Sessão matutina: Sir David Maxwell-Fyfe continuou a interrogar Keitel, pressionando-o nos casos da execução dos 50 pilotos britânicos e dos planos de agressão à Tchecoslováquia e à Polônia. A inquirição foi concluída com a declaração de Keitel de que, se os generais soubessem com antecedência [do que Hitler estava prestes a fazer], eles teriam lutado contra isso. Então, Mr. Dodd levou Keitel a admitir que conscientemente havia transmitido ordens criminosas de Hitler. Na inquirição por seu advogado, Keitel repetiu que eles poderiam acusá-lo de fraqueza e culpa, mas não por deslealdade ou desonestidade. [Ao longo do depoimento, Goering zangou-se, xingando baixo sem parar.] Ao responder ao Juiz Lawrence, Keitel não foi capaz de provar que havia feito por escrito qualquer protesto contra qualquer das políticas de Hitler. Hora do almoço: Quando Keitel voltou ao banco dos réus, mais uma vez Goering foi ouvido repreendendo-o por suas respostas sinceras a tais questões perigosas. ―Você não tem que responder tão diretamente, droga! Você devia ter dito que era um bom soldado e estava obedecendo ordens lealmente! Não tem que responder sobre aqueles negócios criminosos. A questão em si não importa tanto quanto a maneira de você respondê-la. Você pode se esquivar de tais questões perigosas e esperar até que eles apresentem uma para a qual você tenha uma boa resposta, e então você aproveita!‖ ―Mas, eu não posso dizer que branco é preto!‖, replicou Keitel, aborrecido.


166 Goering insistiu: ―Você pode fazer rodeios nessas questões até que eles cheguem aonde você quer. Eles chegarão lá, mais cedo ou mais tarde!‖ Keitel não respondeu. Depois que eles subiram para seus respectivos refeitórios, Keitel me falou: ―Coloquei as coisas como eu lhe disse. Respondi às perguntas honestamente, até àquela que Mr. Dodd me fez. Ele me perguntou se eu admitia ter transmitido ordens criminosas. Eu disse: ‗Sim‘. O que mais poderia ter dito? Eles que julguem como quiserem — foi a verdade. É claro que, se eu quisesse ser técnico, teria dito que o artigo 47 da nossa lei militar especificava que era crime executar ordens dadas com motivação criminosa. Eu não executei tais ordens, eu simplesmente as transmiti. Mas, afinal, isso é apenas uma tecnicidade legal e não adianta tentar evitar o problema com essa argumentação pobre.‖ 9 de abril Coronel Hoess, de Auschwitz Cela de Hoess: Antes da defesa de Kaltenbrunner, eu examinei Rudolf Hoess, 46 anos, comandante do campo de concentração de Auschwitz, recentemente capturado. Após completar seu teste psicológico, conversamos brevemente sobre suas atividades como comandante, de maio de 1940 a dezembro de 1943, do campo de concentração de Auschwitz, o campo central do extermínio dos judeus. Prontamente ele confirmou que aproximadamente dois milhões e meio de judeus foram mortos sob sua direção. As mortes começaram no verão de 1941. Em conformidade ao ceticismo de Goering, eu perguntei a Hoess como foi possível tecnicamente exterminar dois milhões e meio de pessoas. ―Tecnicamente? Não foi tão difícil, e não seria difícil exterminar quantidades maiores.‖ Em resposta às minhas questões ingênuas, tais como quantas pessoas poderiam ser mortas em uma hora etc., ele explicou que deveria se tomar por base uma jornada de 24 horas, e que era possível exterminar até 10 mil pessoas em 24 horas. Explicou também que, na verdade, havia seis câmaras de gás. As duas maiores poderiam acomodar 2.000 pessoas em cada, e as quatro menores, até 1.500, totalizando a capacidade de 10.000 por dia. Tentei imaginar como isso era feito, mas ele me corrigiu: ―Não, você não imaginaria direito. A morte em si tomava o menor tempo. Podia-se dispor de 2.000 cabeças em meia hora, mas era a cremação que levava mais tempo, Matar era fácil; não precisava de guardas para levá-los às câmaras; eles iam para lá esperando tomar banho e, em vez de água, nós abríamos o gás. Tudo era muito rápido.‖ Ele relatou tudo isso em um tom de voz tranquilo, insensível, normal. Eu estava interessado em descobrir como na verdade as ordens eram dadas e como eram as suas reações. Ele relatou o seguinte: ―No verão de 1941, Himmler me chamou e disse: ‗O Führer ordenou a Endlösung (solução final) na questão dos judeus e temos que realizar a tarefa. Por razões de transporte e isolamento, eu peguei Auschwitz para isso. Agora, você tem um trabalho duro à frente.‘ Como razão para isso, ele disse que teria que ser feito logo porque, se não, os judeus exterminariam o povo alemão mais tarde, ou palavras parecidas. Por isso, teríamos que ignorar todas as considerações humanas e observar apenas o cumprimento da tarefa, ou palavras parecidas.‖


167 Eu perguntei se ele havia expressado alguma opinião sobre o assunto ou se mostrara alguma relutância. ―Eu não tinha nada a dizer; eu só podia dizer Jawohl! (Sim, senhor!) Na verdade, foi um fato excepcional ele ter me chamado para me dar explicações. Ele poderia ter me mandado uma ordem e eu teria que executá-la de qualquer maneira. Só poderíamos executar ordens, sem outras considerações. Era assim que funcionava. Ele sempre pedia coisas impossíveis, que não podiam ser feitas sob circunstâncias normais; mas, uma vez dada a ordem, a gente se dedicava à tarefa com toda a energia e sempre fazia coisas que pareciam impossíveis. Por exemplo, a construção da represa do rio Weichsel, em Auschwitz, que estimei precisar de três anos; ele nos deu um ano para terminá-la, e nós fizemos.‖ Eu o pressionei para conseguir outras reações à enormidade da sua incumbência. Ele continuou do mesmo modo impassível: ―Na hora, eu não pude perceber a coisa toda, mas depois tive uma ideia da sua extensão. Porém, só pensava na sua necessidade, conforme a ordem me foi colocada.‖ Perguntei-lhe se ele não podia recusar a obedecer às ordens. ―Não, desde nosso treinamento a ideia de recusar uma ordem não entrava na cabeça de ninguém, qualquer que fosse ela. Acho que vocês não entendem nosso mundo. Naturalmente, eu tinha que obedecer às ordens e agora tenho que assumir as consequências.‖ Que tipos de consequências? ―Ora, as de que eles me julgarão e me enforcarão, naturalmente.‖ Perguntei se ele não havia considerado as consequências na época em que iniciou o serviço. ―Naquela época, não havia consequências a considerar. Não me ocorria que eu poderia ser responsabilizado. Veja, na Alemanha entendia-se que, se algo desse errado, então o homem que dera as ordens era o responsável. Então, eu não achava que poderia ter de responder por mim mesmo.‖ ―Mas, e quanto ao aspecto humano...?‖, comecei a perguntar. ―Não entrava na questão‖, foi a simples resposta antes que eu pudesse terminar de falar. Perguntei-lhe se nunca havia pensado no início que pudesse ser enforcado por assassinato. ―Não, nunca.‖ ―Quando lhe ocorreu pela primeira vez que provavelmente você seria levado a julgamento e enforcado?‖ ―Na época do colapso, quando o Führer morreu.‖ Hora do almoço: Goering tinha dito que queria saber como era tecnicamente possível se matar dois milhões e meio de judeus. Eu contei para ele, durante o almoço, exatamente como Hoess tinha me explicado pela manhã: cada uma das câmaras de gás podia acomodar de 1.500 a 2.000 pessoas; a morte era fácil, mas a cremação dos corpos tomava todo o tempo e toda a mão de obra. Goering sentiu-se bastante desconfortável ao compreender que não mais seria possível negar a extensão do assassinato em massa com base na descrença técnica dos números. Ele quis saber como a ordem foi dada. Eu lhe contei que Himmler tinha passado diretamente a ordem a Hoess como uma Führerbefehl (ordem do Führer). ―Ele é mais um alemão leal ao Führer‖, comentei. ―Oh, mas isso nada tem a ver com lealdade, ele poderia facilmente ter pedido outra ocupação‖, Goering especulou. ―Claro que outra pessoa teria feito isso, de qualquer maneira.‖ ―Que tal matar o homem que ordenou o assassinato em massa?‖, perguntei.


168 ―É fácil dizer, mas não se pode fazer este tipo de coisa. Que tipo de sistema seria se alguém pudesse matar o oficial comandante se não gostasse das ordens? Tem que haver obediência em um sistema militar.‖ ―Se não me engano, milhões de alemães estão cansados dessa obediência e lealdade cega entre seus líderes. Acho que eles teriam preferido um pouco menos de lealdade à essa vergonha permanente que a lealdade ao Führer trouxe para eles. Há um artigo sobre os julgamentos no Nürnberger Nachrichten de ontem com a manchete ‗OBEDIÊNCIA CEGA SEM CONSCIÊNCIA‘. Você devia ler e ver o que o povo pensa de sua obediência cega, a de Ribbentrop e a de Keitel.‖ ―Ora, o que os jornais controlados pelos americanos publicam agora não significam nada.‖ Entretanto, ele parecia perturbado com a ideia de que isso era o que o povo atualmente lia e concordava. 10 de abril Os prisioneiros russos Sessão da mahhã: O general Westhoff foi interrogado sobre o tratamento aos prisioneiros aliados. A sessão terminou com algumas perguntas sobre a autenticidade de um documento. [Quando a Corte foi suspensa, Jodl deu um pulo e gritou para seu advogado, o rosto vermelho de raiva: ―Droga! Por que você não disse a eles para perguntar a alguém que sabe? Por que eles ficam com rodeios, perguntando a um amador sobre questões legalistas? Claro que milhares de prisioneiros russos gelaram até a morte nos transportes! O mesmo se deu com os nossos soldados! Havia trens de carga e campos cheios de soldados famintos e congelados! Por que eles não me perguntam? Eu podia contar a eles e deixá-los entupidos!‖] Hora do almoço: Durante o almoço ele continuou a explicar porque estava tão excitado: ―Como soldado, fico furioso ao ver esses malditos advogados se atendo às tecnicalidades de um documento quando cada soldado que lutou na frente oriental se lembra do horror e do pesadelo que foi o inverno de 1941. Claro que milhares de prisioneiros morreram de fome e de frio! Os russos foram colocados em trincheiras para resistir, apesar do frio e da fome, vivendo de raízes e de carne humana de seus camaradas mortos. Eu poderia lhe mostrar fotografias disso, pedaços de fêmur mordidos — e eles morriam como moscas! Ora, eles já estavam quase mortos quando nós os capturamos; mas os nossos soldados também! Estivemos lutando abaixo de 45°. Até os blocos dos motores de nossos caminhões partiam naquele frio, apesar dos anticongelantes. Trens-hospitais chegavam carregados de soldados congelados, tanto russos como alemães. Era horrível! Horrível! Um pesadelo que jamais vamos esquecer! Lutando num deserto de espaço e neve — o terreno russo está além de qualquer concepção. E agora esses malditos advogados fazem perguntas estúpidas sobre as rubricas em um documento! É o bastante para fazer você explodir! Por que eles não leem sobre a retirada de Napoleão de Moscou? A nossa foi muito pior!‖ Ele continuou por algum tempo descrevendo a tortura da primeira ofensiva de inverno e o subsequente recuo. Kaltenbrunner, Frick e Rosenberg ouviam atentamente de seus lugares. Eu só pude comentar: ―Acho que Hitler não pensou nisso quando quebrou o Pacto de Não-Agressão com a Rússia.‖ Jodl me olhou, mas não disse nada.


169 As referências à campanha na Rússia devem ter deflagrado em Frank outra explosão de denúncias contra Hitler. Ele arengou com seu vizinho no banco depois que eles desceram do almoço: ―Foi a mais criminosa loucura na história do Reich alemão! Ele pensou que podia simplesmente apoderar-se da Rússia com um movimento de mão, como ele fez com a Tchecoslováquia.‖ Ele fez o gesto apropriado com sua mão enluvada. Então, me olhando, acrescentou: ―Imagine jogar o destino de uma nação de 70 milhões de pessoas contra o espaço infindável da Rússia com seus 180 milhões de habitantes! Apenas por causa da vontade férrea de um homem!‖ Goering foi ouvido discutindo a prova com Doenitz e Raeder. Doenitiz queria saber se Keitel realmente sabia de tudo o que se passava com relação ao tratamento dos prisioneiros. Goering inclinou-se e sussurrou: ―Ouçam, crianças. Apenas entre nós, eu acho que ele sabia.‖ Então ele mudou de assunto e se referiu alto às estenografas alemães do Tribunal e quanto inócuo o testemunho pareceu na transcrição, para que Keitel não suspeitasse que ele tinha falado em suas costas. Keitel, sentindo-se atingido com relação ao testemunho de Westhoff sobre a morte dos pilotos britânicos, disse a Jodl: ―Você sabe como foi. Foi tudo arranjado entre Hitler e Himmler.‖

10. A defesa de Kaltenbrunner 11 de abril Kaltenbrunner depõe Cela de Kaltenbrunner: Visitei Kaltenbrunner em sua cela antes que subisse à sala do Tribunal para começar a sua defesa. Ele parecia estar em boas condições, exceto por uma pequena hesitação no falar. Como esperado, ele orientou sua defesa para a linha de evasivas quanto à responsabilidade formal dos campos de concentração. ―Aquele diagrama organizacional da RSHA — eu serei capaz de demoli-lo em poucos minutos.‖ ―Mas, e quanto aos assassinatos em massa?‖ ―É isto. Posso provar que eu não tinha nada a ver com eles. Nem dei ordens nem executei ninguém. Você não tem ideia de como essas coisas eram mantidas em segredo, mesmo de mim.‖ ―Francamente, eu duvido que as pessoas possam acreditar que você, como chefe legítimo da RSHA, nada tivesse a ver com campos de concentração e que nada soubesse sobre todo o programa de assassínio em massa.‖ ―Mas é por causa da propaganda dos jornais. Eu lhe disse que, quando vi a manchete no jornal: ‗CAPTURADO ESPECIALISTA EM CÂMARA DE GÁS‘ e um tenente americano explicou para mim, eu fique estupefato. Como eles podem dizer isso de mim? Eu lhe contei que só fui encarregado do Serviço de Inteligência de 1943 para cá. Os ingleses mesmo admitiram que eles tentaram me assassinar por causa disso e não porque eu tivesse algo a ver com as atrocidades, pode estar certo disto...‖ Perguntei-lhe se ele iria chamar Hoess como sua testemunha. Ele disse que não estava certo, iria depender dos advogados acharem se ajudaria o seu caso e se poderia trazer alguma luz à questão. Ele disse que seu advogado, Dr. Kauffmann, era muito consciencioso e que lhe tinha sabatinado com muito mais rigor do que a Promotoria esperaria fazê-lo. Ele parecia um pouco receoso do interrogatório direto e franco que esperava da parte do seu advogado. Ele


170 contou que o Dr. Kauffmann não entendeu o seu caso muito bem (aparentemente ocultando o fato de que o seu advogado não estava feliz com a sua proposição de defesa evasiva). Sessão da manhã: O Dr. Kauffmann iniciou a defesa de Kaltenbrunner com declarações de Mildner e Hoettl, dois outros oficiais da Gestapo, atestando que Keltenbrunner era um homem amável e que ele não era o braço direito de Himmler, mas simplesmente um adjunto insignificante porque Himmler não queria um rival em seu domínio como Heydrich tinha sido. Kaltenbrunner subiu ao estrado e começou sua própria defesa com uma explanação sobre seus motivos patrióticos como austríaco, sua determinação moral, sua lealdade e seu desconhecimento sobre os campos de concentração. Para ser claro, ele era o segundo-em-comando de Himmler como chefe formal da RSHA, mas só supostamente encarregado do Serviço de Inteligência, e portanto não poderia saber de nada. [Ouviram Goering dizendo a Doenitz: ―Ouça isto — tsk!tsk!‖ Doenitz respondeu: ―Ele deveria ter vergonha de si mesmo.‖] Trabalhadores escravos recalcitrantes eram apenas enviados para ―campos de educação para o trabalho‖. Hora do almoço: Fritzsche comentou: ―Sim, ele está tentando se livrar como alguém que não faria mal a uma mosca; estou surpreso que seu advogado deixe ele usar essa linha. De qualquer maneira, o Dr. Kauffmann tem um inferno nas mãos.‖ Schacht mostrou sua impaciência: ―Eles deveriam lhe fazer apenas uma pergunta: ‗Você era o oficial superior ou não?‘ Para que fazer arrodeios sobre se ele assinou esta ou aquela ordem, ou se um subordinado assinou por ele e lhe mostrou? Era sua responsabilidade saber o que acontecia.‖ Mais tarde, Fritzsche disse com rispidez: ―Ele está mentindo.‖ Observei a Schacht que Kaltenbrunner parecia ser um outro ―alemão leal‖. ―Não faz mal. Eu terei muita coisa a dizer sobre assuntos de lealdade quando eu for depor‖, Schacht retrucou enfaticamente. Speer concordou: ―Sim, pode contar com isso; haverá muita coisa a ser dita sobre isso deste lado do banco.‖ Antes do início da sessão da tarde, Frank me disse, sorrindo: ―Bem, parece que eu sou o único culpado aqui no banco — todos são tão inocentes!‖ Rosenberg começou a dizer algo sobre a Promotoria bloquear questões para a defesa de sua filosofia. Ele disse que simplesmente queria mostrar que não era o criador da ideologia nazista, havendo antecedentes até na filosofia francesa. Eu lhe disse que o julgamento não poderia se degenerar em um debate sobre a história da filosofia e do antissemitismo do século passado. De pronto, Rosenberg retrucou: ―Sim, claro, então isto se torna Inquisição contra uma ideologia, sem argumentos sobre o tema!‖ ―O que você quer dizer com Inquisição?‖, perguntei. ―Estão lhe sendo dadas todas as oportunidades razoáveis para se defender.‖ Frank se eriçou com os dentes cerrados, olhando direto para Rosenberg: ―Ele quer dizer uma Inquisição como a da Igreja Católica Romana, não é, Rosenberg?‖ Frank encarou Rosenberg, que tirou os olhos. Aquilo encerrou abruptamente a discussão, e os dois sentaram em silêncio, olhando ao redor, esperando pelo início da sessão da tarde.


171 Sessão da tarde: O coronel Amen primeiro apresentou contra-declarações dos mesmos Mildner e Hoettl que tinham testemunhado que Kaltenbrunner era uma ótima pessoa, dizendo que ele era, na verdade, responsável por transmitir as ordens de extermínio e de fuzilamento dos comandos anglo-americanos. Kaltenbrunner objetou quanto à cadeia de comando, tentou fugir da questão e finalmente disse que ele tinha protestado a Hitler e a Himmler contra aquelas medidas. Ele negou responsabilidade pelos campos de concentração e por tudo mais de que foi acusado, transferindo a culpa a Himmler, Heydrich, Mueller e Pohl, respectivamente seu superior, antecessor e subordinados na organização da Gestapo. 12 de abril Sessão da manhã: O coronel Amen reinque riu Kaltenbrunner, apresentandolhe documentos, declarações inconsistentes e acusações diretas, levando a uma série constante de negativas vazias, mesmo havendo sua própria assinatura nos documentos. Kaltenbrunner manteve a postura de que, mesmo como chefe do Serviço de Inteligência subordinado a Himmler, não sabia nada sobre atrocidades em sua própria organização. [Sauckel resmungava frequentemente: ―Ach! Seu demônio! Seu porco!‖]. Hora do almoço: Os outros réus expressaram desprezo e ceticismo ao longo de todo o interrogatório, e no almoço Raeder, Doenitz e Seyss-Inquart observaram que era estupidez Kaltenbrunner tentar negar qualquer coisa porque era lógico que ele devia saber do que acontecia quando foi o chefe legítimo da organização. Speer tentou explicar as negativas de Kaltenbrunner como ―psicose de prisão‖. Ele achava que Kaltenbrunner tinha incorporado em si mesmo um juízo falso de seu papel na RSHA e bloqueado muitas coisas que realmente aconteceram. ―Céus, alguém pode acreditar que ele não sabia de nada?‖, protestou Fritzsche. ―E que ele se desentendera seriamente com Himmler desde 1943? Ora, se ele se desentendeu, ele não poderia ter durado até o fim da guerra. Eles o teriam liquidado em um minuto.‖ O advogado de von Schirach perguntou-lhe se poderia fazer algumas perguntas a Kaltenbrunner. ―Esqueça! Se ele não pode se ajudar, como poderia ajudar a outros?‖, cortou von Schirach. À tarde na prisão Cela do Coronel Hoess: Após completar o teste psicológico do dia, Hoess disse: ―Suponho que você quer saber dessa maneira se meus pensamentos e hábitos são normais.‖ ―O que você acha?‖, perguntei ―Eu sou inteiramente normal. Mesmo quando eu fazia o trabalho de extermínio, eu levava uma vida familiar normal e tudo mais.‖ ―Você tinha uma vida social normal?‖ ―Bem, talvez seja uma peculiaridade minha, mas sempre me senti melhor sozinho. Se eu tinha preocupações, eu tentava resolver por mim mesmo. Isso perturbava muito minha mulher. Eu era muito autossuficiente. Nunca tinha amigos ou uma relação íntima com ninguém, mesmo na juventude. Eu nunca tive um amigo. E quando acompanhado, às vezes estava presente, mas não


172 espiritualmente. Eu ficava feliz quando as pessoas divertiam-se consigo mesmas, mas eu não podia nunca participar com elas.‖ ―Isso lhe aborrecia?‖ ―Não, nunca, mesmo agora, quando estava na fazenda escondido. Eu me sentia melhor quando estava só com os cavalos no campo.‖ ―Escondendo-se, sim. Mas, e antes?‖ ―Sim, eu sempre estava sozinho. Claro, eu amava minha mulher, mas uma união espiritual verdadeira não havia.‖ ―Você tinha percepção disso, e sua mulher também?‖ ―Sim, eu tinha, e minha mulher também. Ela achava que eu não estava satisfeito com ela, mas eu lhe expliquei que era a minha natureza, e ela teve de se resignar.‖ Perguntei-lhe sobre sua vida sexual. ―Bem, era normal, mas depois que minha mulher descobriu o que eu estava fazendo, raramente tivemos desejo de intercurso. As coisas pareciam normais superficialmente, mas eu acho que havia um estremecimento, olhando agora para trás... Não, eu nunca tive qualquer necessidade de ter amigos. Eu nunca tive muita intimidade com meus pais, nem com minhas irmãs. Só me ocorreu depois delas terem casado que eram como estranhas para mim. Sempre brinquei sozinho quando criança. Mesmo minha avó dizia que nunca tive companhias quando menino.‖ Sexo nunca fez grande parte de sua vida. Era pegar ou largar, nunca sentiu o desejo de ter ou continuar um caso de amor, embora tenha tido alguns momentâneos aqui e ali. Na vida de casado também, raramente demonstrou alguma paixão. Diz que nunca sentiu desejo de se masturbar e nunca o havia feito. Perguntei-lhe se ele havia considerado alguma vez se os judeus a quem ele tinha matado eram culpados ou se mereciam, de algum modo, aquele destino. Mais uma vez ele tentou pacientemente explicar que essas questões eram irrealistas porque ele vivia em um mundo inteiramente diferente. ―Você não vê, nós homens das SS não tínhamos que pensar nessas coisas, isso nunca ocorria conosco. Além disso, já era certo que os judeus eram culpados de tudo.‖ Eu o pressionei por alguma explicação sobre isso. ―Bem, não ouvíamos nada diferente. Não era como jornais como o Stürmer, mas era uma coisa que a gente sempre ouvia. Mesmo em nosso treinamento militar e ideológico havia a certeza de que tínhamos de proteger a Alemanha contra os judeus... Só começou a me ocorrer que talvez aquilo não fosse correto depois do colapso, quando eu ouvia o que todos diziam. Mas ninguém dizia isso antes, pelo menos nós nunca ouvimos isso. Agora, eu gostaria de saber se Himmler na verdade acreditava nisso ou apenas me dava uma justificativa para o que ele queria que eu fizesse. De qualquer maneira, não importava. Éramos todos tão treinados a obedecer ordens sem pensar que a ideia de desobedecer uma ordem nunca ocorreria a ninguém e outra pessoa teria feito em meu lugar... Himmler era tão rigoroso nas pequenas coisas e executava homens das SS por pequenas transgressões que, naturalmente, nós tínhamos certeza que ele agia de acordo com um rigoroso código de honra... Pode ter certeza que não havia prazer em ver aqueles montes de corpos e sentir o cheiro da cremação continuada. Mas Himmler tinha ordenado e até explicado a sua necessidade, e eu nunca pensei muito se aquilo era errado. Parecia apenas uma necessidade.‖ Em todas essas discussões, Hoess se apresenta bem simples e indiferente, mostra algum interesse tardio pela enormidade de seu crime, mas dá a


173 impressão de que isso não lhe teria ocorrido se ninguém tivesse perguntado. Há frieza demais para permitir alguma sugestão de remorso, e mesmo a perspectiva de ser enforcado não o aflige. Tem-se a impressão geral de ser um homem intelectualmente normal, mas com uma apatia, insensibilidade e falta de empatia esquizofrênicas que dificilmente poderiam ser mais severas em um verdadeiro psicótico. 13 e 14 de abril Fim de semana na prisão Cela de Kaltenbrunner: Com relação à sua negativa quanto à assinatura em alguns documentos, ele disse que possivelmente poderia tê-los assinado, mas não reconhecia as assinaturas, e que assinava um monte de coisas. A promotoria não tinha lhe dado tempo para estudar aqueles documentos. Eu lhe perguntei quando ele passou a saber sobre os assassínios em massa que ele dizia ignorar desde o início. Ele veio com outra resposta evasiva. ―Esse é uma típica questão americana, querer fazer com que as coisas sejam exatas. Não é tão simples assim. Não posso dizer que descobri isso em uma data determinada; tudo o que posso dizer é que logo que eu tomei conhecimento que as coisas não estavam sendo feitas de acordo com a lei — afinal de contas, sou advogado —, eu protestei junto a Himmler.‖ ―Não poderia ter sido um protesto real‖, comentei. ―Vocês americanos, como o coronel Amen, parecem pensar que a nossa RSHA não era mais que uma gangue organizada de criminosos‖, protestou Kaltenbrunner. ―Devo dizer que essa impressão realmente existe‖. ―Então, como eu posso me defender desse preconceito?‖, ele quis saber. Cela de Speer: Speer chegou à conclusão de que Kaltenbrunner não sofre de ―psicose de prisão‖, ele apenas está mentindo. Provavelmente programou sua mente para negar tudo e então criar a melhor explicação possível. Speer não está mais tão preocupado quanto os outros nazistas em fazer uma impressão boa demais na Corte. Ribbentrop, Keitel e Kaltenbrunner deixaram má impressão como líderes nazistas, e a atitude de Goering agora pode ser vista como uma pose à luz da irresponsabilidade criminosa de todo o sistema. Speer acha que Kaltenbrunner especialmente terá uma péssima imagem entre o povo alemão porque ao dizer que nada sabia ele insinua que seus subordinados são culpados. Os homens das SS ficarão raivosos por isso porque toda a sua tradição era de lealdade aos seus superiores que, supunham, teriam de assumir a responsabilidade por quaisquer ordens dadas. Cela de Rosenberg: Rosenberg achava que ―Kaltenbrunner na verdade não era tão mau como Heydrich. Ele tem um caso dificílimo. Mas, é claro, eu não censuro a Corte se eles não acreditam no que ele diz.‖ Nervoso, ele estava antevendo sua própria defesa e disse que não tentaria entrar no debate sobre sua filosofia porque a Corte não estava interessada nela. Então eu perguntei se, fora todas as considerações legais, ele não tinha dúvidas sobre seu antissemitismo. ―Bem, depende de como você vê. Naturalmente, depois que tudo aconteceu, devo dizer que é horrível a que ponto as coisas chegaram, mas não se poderia prever. Veja, já em 1934 eu fiz um discurso defendendo uma solução


174 cavalheiresca para a questão dos judeus... Eu lhe asseguro que ninguém sonhava que isso pudesse resultar em assassinato em massa.‖ Cela de Schacht: ―Se eu fosse juiz, eu ficaria perplexo. Como um homem pode mentir sob juramento como ele? Não tenho a menor dúvida de que os juízes não acreditam nele. Nem eu, nem ninguém. Agora, ele deveria ter dito: ‗Vejam, senhores, acreditem ou não, eu assinei esses papéis sem prestar atenção, e naturalmente devo assumir as consequências. Quanto ao resto, eu era responsável pelo que se seguiu e era minha obrigação saber. O quanto eu sabia é agora uma questão acadêmica e não vejo com argumentar sobre isto.‘ Alguma coisa nesse sentido seria compreensível. Mas essas negativas inconsistentes e essas mentiras... Ugh! Isso realmente nos torna inconfortáveis porque joga uma sombra sobre todos nós. Você pode ver a diferença entre ele e Keitel. Pelo menos, Keitel contou a verdade.‖ Quanto ao seu próprio caso, ele sentiu que seria uma sensação, e achava que a promotoria deveria retirar a acusação depois que ele e suas testemunhas depusessem. Cela de von Papen: Von Papen me olhou, balançou a cabeça e riu logo que entrei na cela. Depois, disse: ―Bem, suponho que não há dúvidas de que Katenbrunner não era tão mal quanto seu antecessor, Heydrich; mas, afinal, quem pode acreditar que ele não sabia sobre essas coisas? Negando tudo, mesmo com sua própria assinatura nos documentos.‖ Riu de novo. ―E eu vejo que mesmo o chefe da Polícia de Segurança tentava no fim ser ministro do Exterior, negociando com uma potência neutra. Realmente, seria engraçado se não fosse trágico.‖ Cela de Frank: A defesa em perjúrio de Kaltenbrunner levou Frank de volta ao seu entusiasmo pela confissão de culpa e denúncia de Hitler. Logo que entrei em sua cela, ele sacudiu as mãos doídas e gritou: ―Ach! Du lieber Gott! (Querido Deus! – NT)) — Você viu como ele sentou lá e disse que não sabia da nada? Você ouviu aquilo, Herr Doktor? Ele sentou lá e jurou a sangue frio que ele não sabia de nada dessas coisas!‖ Ele enfatizava cada palavra à medida que falava, e então cobriu os olhos, envergonhado. ―Se alguma coisa como aquela acontecesse em minha organização, eu teria acreditado naquele homem? Alguém pode acreditar nele? Eu sei que os juízes não acreditam. Ora, eu mesmo fui a Himmler pedir explicações por todas as atrocidades que o mundo todo estava comentando e então, claro, ele mentiu para mim. Mas Kaltenbrunner certamente sabia sobre isso. Ele parou de alegar traição, você ouviu? Ele diz que negociou com potências neutras porque sabia que a guerra estava perdida e ainda perseguia milhares de alemães por derrotismo; jogou-os em campos de concentração. Eu sei o inferno que passei por causa de oficiais meus, e agora ele mesmo quer se livrar como um derrotista. Se fosse verdade, seria um crime pior porque os líderes fizeram os nossos soldados — ótimos jovens alemães — lutar e morrer no amargo final já sem qualquer esperança. Perguntei a Keitel quantos soldados morreram na guerra. Ele disse que foram dois milhões e meio. Imagine, eles deixaram jorrar o sangue de jovens alemães e agora dizem que não acreditavam na possibilidade de vitória desde 1943. Deus Todo Poderoso! E agora ele negou ser superior de Krüger (chefe de polícia na Polônia) quando eles leram aquele trecho do meu diário. Ele negou


175 olhando para mim, e depois disse que eu deveria negar também. Mas seria perjúrio se eu negasse. Era um fato. Por que ele teve de negar isso? ―Não, Deus proibiu que eu levantasse e protagonizasse aquele espetáculo mentiroso. Não, agora estou mais satisfeito do que nunca por ter entregue meu diário. Os outros me censuraram por isso, mas estou feliz. Milhões de alemães morreram por culpa do sistema e agora, quando seus próprios pescoços estão envolvidos, eles sentam lá e mentem e tentam esconder a verdade. Eu não acho que Goering era tão confiável. Nem Ribbentrop. Um espetáculo de dar pena! Keitel, bem, pelo menos ele contou a verdade. Mas aquele Kaltenbrunner — me diga, alguém acredita nele? Qual a sua opinião?‖ ―Todo mundo parece concordar que ele estava mentindo‖, respondi. ―Claro que estava; foi chocante. Eu não quis acreditar. Digo a você, estou absolutamente resolvido a seguir a linha que escolhi no começo. Hoje é Domingo de Ramos e eu jurei sobre o Crucifixo que contaria a verdade e exporia o pecado como meu último ato sobre a Terra, deixem as coisas se encaixarem onde devem. Mas, eu gostaria de lhe pedir, por favor, que me defenda se os outros me atacarem. Claro, não tem nenhuma importância o que eles pensam. Eu jurei e vou continuar, mesmo se minha convicção religiosa seja só um sonho. Eu preciso dela para me fortalecer, e nada me fará mudar de ideia. Mas, você sabe como os outros ficam quando a gente senta no banco e conversa, e eu quero que você me apóie.‖ ―Vejo que você volta à sua posição original. Achei que você estava fraquejando.‖ ―Você deve compreender como as coisas são. É muito extenuante sentar-se lá durantes meses sob o peso constante da culpa, com os outros ao redor na mesma situação, e um procura escapar e recebe o consolo dos outros, e então eu é que sou uma pessoa fraca.‖ ―Goering só está tentando confundir quanto à questão da culpa, usando a tribuna para parecer um herói alemão e conseguir o apoio de todos‖, observei. ―Eu sei, e ele jamais me apoiou. Ele deveria ter feito alguma coisa para me ajudar quando Hitler me destituiu da minha patente nas SS por criticá-lo, mas não mexeu um dedo. E agora ele quer que eu o apóie e a todo o sistema. Não, eu posso ver que o destino me colocou aqui para expor o mal que está em todos nós. Deus me dá força para fazer isso e não fraquejar de novo. Você tem que me apoiar, Herr Doktor. Farei o que tenho que fazer, mas tudo o que peço é um pequeno apoio moral, e então, antes de tudo acabar, talvez você possa fazer uma visita cordial à minha família para assegurar que eles não sofram pelo que eu tenha feito...‖ 15 de abril O coronel Hoess depõe Sessão matutina: O coronel Hoess testemunhou sobre o assassinato de dois milhões e meio de judeus sob sua direção em Auschwitz. Foi tudo realizado sob as ordens diretas de Himmler como uma Führerbefehl (ordem do Führer) para a solução final do problema judeu. [Ele depôs da mesma maneira banal e apática que havia relatado para mim em sua cela.] Os judeus chegavam em grandes trens de carga de todos os países. Os mais capazes eram enviados para os destacamentos de trabalho, e o resto, incluindo mulheres e todas as crianças menores, era mandado imediatamente para as câmaras de gás. As crianças, escondidas sob as saias das mães para escapar da revista, eram


176 tomadas e enviadas para as câmaras de gás. Dentes e anéis de ouro eram retirados dos corpos e o metal derretido era enviado ao ministro da Economia. Os cabelos das mulheres eram empacotados em fardos para uso comercial. [Os réus ouviam tudo isso em lúgubre silêncio. Frank, apesar do renascer do remorso que havia me confessado ontem, foi ouvido usando um estoque de desculpas defensivas dos nazistas em conversa com Rosenberg, durante o interrogatório de Kaltenbrunner, na sessão da manhã. ―Eles estão tentando atribuir a Kaltenbrunner a morte de dois mil judeus por dia em Auschwitz. Porém, e quanto às 30 mil pessoas que morreram em poucas horas nos bombardeios de Hamburgo? A maioria também era de mulheres e crianças. E quanto aos 80 mil mortos pela bomba atômica no Japão? É justiça também?‖ Rosenberg riu. ―Sim, é claro, pois nós perdemos a guerra.‖] Hora do almoço: No fim da sessão matutina, após o assunto da perseguição à Igreja ter sido levantado no interrogatório de uma testemunha, Neubacher, Frank de repente reincidiu em sua denúncia ao Partido Nazista. Sauckel disse que ele não via a razão da Igreja ter sido envolvida nisso porque ela não foi perseguida, pelo menos em seu distrito. Frank se inflamou: ―É claro que ela foi! Na Baviera ela foi definitivamente perseguida! Eu sei porque os homens das SS retiraram as freiras dos conventos e as levaram para seus alojamentos. Eu sei porque eu mesmo presenciei o fato na Baviera, e provavelmente isso se deu por toda a Alemanha! E o Partido Nazista é o culpado disso tudo! Eles decididamente perseguiram a Igreja!‖ Então, ele encarou Rosenberg e se afastou com os dentes cerrados. No almoço, instalou-se um silêncio desanimado nos refeitórios, e a maioria sentava-se em seus cantos ainda relutantes em aproveitar a minha presença para conversar, como faziam invariavelmente. Só um comentário foi ouvido de Goering e depois de Doenitz. O comentário era virtualmente idêntico e parecia ter sido acordado por eles no banco dos réus: Hoess não era um prussiano, mas obviamente um alemão do sul; um prussiano jamais faria coisas como aquelas(*). Frank me disse, triste: ―Foi o ponto baixo de todo o julgamento: ouvir de um homem, de sua própria boca, que exterminou dois milhões e meio de pessoas a sangue frio. Isso é algo que o povo ainda vai falar por mil anos.‖ Mencionei algo sobre obediência à Führerbefehl e ao Führerprinzip. Keitel se defendeu: ―Veja você, eu revelei muito claramente, no que concerne aos generais, que, se soubéssemos que os atos criminosos de Hitler estavam sendo planejados e executados, como sabemos agora, nós nos oporíamos ao seu desenvolvimento.‖ Rosenberg, cujo depoimento estava marcado para a tarde, comentou nervosamente que foi um truque sujo colocar Hoess bem antes do seu caso, deixando ele, Rosenberg, em uma posição muito difícil para defender sua filosofia. Naturalmente.

(*) Goering nasceu na Baviera, porém identificava-se com o prussianismo quando falava a militares prussianos, pois ele fizera seu treinamento militar na Prússia (NA).


177 11. A defesa de Rosenberg 15 de abril (cont.) Rosenberg depõe Sessão da tarde: Rosenberg começou defendendo a sua filosofia com o usual carrossel de ideias históricas obscuras. Foi interrompido frequentemente pela Corte, pela promotoria e mesmo por seu próprio conselho de defesa para que se restringisse aos fatos. Rosenberg tinha sido sempre a favor de uma solução digna para o problema dos judeus e de ajudar a sua emancipação, deslocandoos para fora da Europa para que desenvolvessem a sua cultura em solo da Ásia. Certamente, 12 mil judeus alemães morreram no front da I Guerra Mundial, mas de qualquer maneira tinha que ter havido ―um entendimento‖. No fim do dia, ele reclamou por seu advogado tê-lo interrompido, e o advogado tentou argumentar dizendo que a Corte não estava interessada na história da filosofia. Rosenberg virou-se para mim e disse: ―Bem, se eles querem fazer disso apenas um julgamento criminal por que a Promotoria não aponta os atos criminosos em vez de atacar a minha ideologia?‖ 16 de abril Propaganda Cela do coronel Hoess: No rastro da fonte do antissemitismo que fez Hoess achar que era correta a explicação de Himler para o extermínio dos judeus, eu lhe perguntei como ele adquiriu suas concepções antissemitas. Ele disse que lia editoriais de Goebbels no jornal Das Reich todas as semanas, durante anos, como também seus livros e discursos; o livro ―O Mito do Século 20‖, de Rosenberg, e alguns de seus discursos; e, é claro, o ―Mein Kampf‖, de Hitler, assim como ouvia e lia a maioria de seus discursos. Além desses autores, havia os panfletos ideológicos e outros materiais educacionais das SS. Ele lia o Stürmer de Streicher só ocasionalmente, pois achava muito superficial. (Ele percebeu que os seus subordinados que tinham o hábito de ler o Stürmer normalmente eram homens de visão limitada.) Goebbels, Rosenberg e Hitler deram-lhe mais o que pensar. Todos esses escritos e discursos sempre exortavam a ideia de que o judaísmo era inimigo da Alemanha. ―Para mim, como velho fanático pelo Nacional Socialismo, era tudo verdade, assim como um católico acreditava nos dogmas da Igreja. Era a verdade, sem questionamento. Eu não tinha dúvidas sobre isso. Estava absolutamente convicto que os judeus se situavam no polo oposto ao do povo alemão, e mais cedo ou mais tarde haveria uma confrontação entre o Nacional Socialismo e o Judaismo mundial, mesmo que seja em tempos de paz. Com base nessas doutrinas, eu me conscientizei que as outras pessoas, cedo ou tarde, seriam convencidas do perigo judaico e também ficariam contra. Todos esses livros, textos e discursos diziam que o povo judeu era minoria em todos os países, mas, por causa do seu poder material ser tão grande, ele influenciava e controlava as pessoas em tal extensão que poderiam manter seu poder. Era mostrado como seu poder sobre a imprensa, o cinema, o rádio e a educação controlava a vida na Alemanha. Nos convencemos que isso se dava em outros países e que eles poderiam ter sucesso em promover uma guerra para eliminar a Alemanha. Todo mundo estava convencido disso; era tudo o que se ouvia e lia. Isso aconteceu até antes da guerra. ―Então, depois que a guerra começou, Hitler comunicou que o mundo judeu havia iniciado um confronto com o Nacional Socialismo ─ foi em um discurso


178 no Reichstag na época da campanha da França ─ e que os judeus deveriam ser exterminados. Claro, ninguém na época tomava isso ao pé da letra. Mas Goebbels verberava cada vez mais contra os judeus. Ele não atacava a Inglaterra, a Holanda ou a França tanto quanto os judeus, como nossos inimigos. E citava Roosevelt, Morgenthau e outras pessoas que queriam na verdade reduzir a Alemanha ao seu primitivo estado, e era sempre salientado que, para a Alemanha sobreviver, o mundo judeu teria que ser exterminado, e nós todos aceitamos isso como verdade. ―Era o quadro que eu tinha em minha cabeça; então, quando Himler me convocou, eu aceitei aquilo como uma realização de algo que eu já tinha aceitado, não só eu, mas todo mundo. Estava tão convencido, ainda que aquela ordem, que poderia abalar a índole mais forte e mais fria, aquela ordem estúpida para exterminar milhares de pessoas (eu não sabia quantas, então), mesmo que tenha me assustado momentaneamente, que se encaixava em tudo o que me havia sido doutrinado durante anos. O problema em si, o extermínio dos judeus, não era novo, mas o fato de que seria eu que faria o serviço me assustou de início. Mas depois de receber a ordem, direta e clara, e até uma explicação sobre ela, não restava nada a fazer senão cumpri-la.‖ ―Então, isso foi o que levou à aceitação da ordem de assassinato em massa?‖ ―Sim. Quando relembro, é difícil imaginar, mas naquela época eu não pensava nisso tudo como propaganda, mas como uma coisa a acreditar.‖ ―Você disse que aceitava essa propaganda como dogma de igreja. Sua educação básica foi fortemente religiosa?‖ ―Sim, eu fui educado no rigor da tradição católica. Meu pai era fanático. Austero e fanático. Soube que ele fez o juramento religioso quando do nascimento de minha irmã menor, consagrando-me a Deus e ao sacerdócio, dedicando-me ao celibato. Ele conduziu toda a minha educação de infância com o objetivo de me tornar sacerdote. Eu tinha de rezar e frequentar a igreja constantemente; fazer penitência pela falta mais leve que cometesse; rezar como punição por qualquer indelicadeza, a menor que fosse, à minha irmã, ou qualquer coisa desse tipo.‖ ―Seu pai lhe batia?‖ ―Não, meu castigo era só rezar, se eu chateasse minha irmã, se eu mentisse ou qualquer bobagem dessas. O que me fez tão refratário e que provavelmente mais tarde me levou a me afastar das pessoas foi a sua maneira de me fazer sentir que eu o tinha ofendido pessoalmente e que, como eu era espiritualmente inferior, ele era responsável perante Deus por meus pecados, e eu deveria só rezar para expiar meus pecados. Meu pai era um tipo de ser superior de quem nunca poderia me aproximar, e então rastejei de volta para dentro de mim, e eu não poderia me expressar para os outros. Sinto que essa criação intolerante foi responsável por me tornar tão arredio. Minha mãe também viveu sob a sombra dessa devoção fanática.‖ Hoess descreveu como se tornou cada vez mais alienado da religião até o seu rompimento com a Igreja em 1922. A partir de então, parece ter substituído a religião pela propaganda nazista. Hora do almoço: Fritzsche iniciou um discurso sobre propaganda, citando alguém que a considerava ―o primeiro passo para o inferno‖. Ele insistia contra a assertiva de Schirach de que Rosenberg era o pai da ideologia nazista.


179 Atribuía o novo antissemitismo alemão ao livro ―Manual da Questão Judáica‖, de Fritsch, um autor pouco conhecido. ―Isso foi até ‗O judeu internacional‘ ser publicado pelo mesmo editor, o que deu um impulso a todo o movimento‖, observou Schirac. ―Sim, e então Rosenberg se tornou o pregador maior da ideologia nazista‖, acrescentou Fritzsche. Ele continuou a dizer que se pode fazer propaganda com todos os tipos de meios: pode-se mesmo simplesmente mentir, pinçando fatos do contexto e escamoteando do povo a noção correta de toda a verdade. Fritzsche continuou sua análise: ―Além do antissemitismo secular, a propaganda nazista baseava-se primeiro em poucos fatos unilaterais, como o antinacionalismo dos judeus e os casos dos judeus comunistas.‖ (Ele sugeria que sua própria propaganda era dessa variedade nacionalista moderada, colocando-se apenas contra o internacionalismo dos judeus.) ―Mas, então, fanáticos como Goebbels, Streicher e Rosenberg transformaram isso numa febre e a espalharam o mais extremo engodo semita em todas as direções.‖ ―Como Rosenberg ao desenterrar a velha falsificação ‗Os Protocolos do Sião‘‖, observei. ―Sim, é a mentira das mentiras. Eu nunca dei a mínima importância a ‗Os Protocolos‘‖. No refeitório dos mais velhos, von Papen dirigiu a discussão ao antissemitismo da liderança nazista e focou sua crítica em Rosenberg por sua filosofia pagã. Doenitz não achava que Rosenberg tivesse muita influência na ideologia nazista porque menos de 1% de seus oficiais navais teriam lido ―O mito do século 20‖. ―Ora, ele tinha, sim‖, retrucou von Papen. ―Não se pode tornar-se ministro da Educação Ideológica, ou o que fosse, e dizer que não tinha influência na ideologia nazista. Tenho certeza de que Rosenberg persuadiu Hitler a deixá-lo propagar sua filosofia pagã. Ele insistiu bastante até que finalmente Hitler consentiu que ele publicasse ‗O Mito‘. Mesmo assim, ninguém leu aquela bobagem até que o cardeal Faulhaber denúnciasse a obra, e então os nazistas se apegaram ao livro e tornaram-no um bestseller, como um símbolo do seu protesto pagão contra a Igreja.‖ Eu insinuei que as Leis de Nuremberg foram uma manifestação inicial dessa pervertida filosofia nazista. Von Neurath concordou e disse que havia alertado Hitler contra a injustiça e as consequências perigosas de tais leis. ―Mas eu alertei Hitler‖, explicou von Neurath, ―independente dos aspectos legais, sobre as repercussões perigosas que tais leis teriam, e tiveram, nos países estrangeiros, além da questão de justiça, que não interessava a ele.‖ ―Então, os nazistas se aborreceram‖, acrescentei, ―quando os judeus de todo o mundo protestaram contra essa estúpida discriminação, como uma minoria a ser compensada por estar sendo perseguida‖. Von Neurath e von Papen concordaram que os nazistas procuraram encrenca e então usaram essa hostilidade em países estrangeiros e entre suas próprias minorias perseguidas para justificar mais e mais medidas cruéis. Ao ficar óbvio que eles deveriam ter pensado nisso à época, von Papen observou, defendendo-se: ―A única coisa que lamento é não ter rompido com o governo em 1938 e recusado a ter algo a ver com isso.‖ Sessão da tarde: Rosenberg defendeu suas atividades como comissário para os Territórios Orientais, tentando mostrar que tinha desaprovado as


180 atrocidades, mas que não pôde fazer muito sobre o assunto. Quanto aos campos de concentração, ele não viu nenhum. Na verdade, ele tinha se recusado a visitar algum. Admitiu ter usado ―palavras muito duras‖ sobre os judeus e falado alguma coisa sobre extermínio, mas toda aquela propaganda não era para ser tomada ao pé da letra. Ele também não pretendia que o Führerprinzip abolisse a liberdade pessoal. As coisas tomaram diferentes caminhos que eram esperados. 17 de Abril Teoria e Prática da Raça Superior Sessão da manhã: Dodd interrogou Rosenberg, que revelou uma boa dose de hipocrisia por trás de uma máscara de inocência, particularmente quanto à sua responsabilidade pela deportação de trabalhadores escravos e pelo reino de terror implantado no Leste. Dodd apresentou vários documentos mostrando que Rosenberg não se contentou com a sua filosofia e cruelmente pôs em prática a ideologia nazista como governador dos Territórios Ocupados do Leste. [Quando leram para Rosenberg um documento que mostrava que a luta na Rússia foi conduzida fora dos princípios humanitários, Goering sussurrou para Raeder: ―Eu queria que os americanos lutassem na Rússia e ver o que eles fariam por lá.‖ Mas, quando ligaram Rosenberg à responsabilidade pelas atrocidades no Leste, Goering disse a Doenitz: ―Esse Dodd é mais esperto do que parece.‖] Correspondência apresentada por Dodd entre Rosenberg e Bormann mostrava substancial concordância quanto à execução da ideologia nazista com respeito às raças eslavas: ―Os eslavos vão trabalhar para nós. Quando não precisarmos mais deles, eles devem morrer... A fertilidade dos eslavos é indesejável. Eles devem usar contraceptivos ou praticar aborto, quanto mais melhor. A educação é perigosa. É bastante que saibam contas até 100... Cada pessoa educada é um futuro inimigo. Religião nós permitimos a eles como um meio de diversão. Quanto à alimentação, eles não têm mais que o necessário. Nós somos os senhores, viemos em primeiro lugar.‖ Rosenberg disse que apenas tentava satisfazer Bormann. Quanto à sua defesa pelo extermínio dos judeus, Rosenberg pôde apenas tergiversar sobre o significado da palavra ―extermínio‖. Hora do almoço: Von Papen comentou, durante o almoço: ―Dodd perguntou a Rosenberg se ele sabia que Hoess, comandante de Auschwitz, havia lido seus trabalhos. Era, é claro, o âmago de tudo. Rosenberg apenas deu uma resposta evasiva.‖ Schacht respondeu: ―Rosenberg escreveu demais.‖ No refeitório dos mais jovens, a questão também foi comentada, e iniciou-se uma vigorosa discussão quanto aos aspectos psicológicos do julgamento. Fritzsche foi bastante enfático ao criticar a falha do Tribunal em reconhecer que o povo alemão deveria também estar representado entre os que estavam sendo julgados, e mais uma vez me afirmou que o julgamento seria mais duro do que o dos estrangeiros, que estavam interessados apenas nos crimes contra suas nações. Houve concordância geral entre os quatro que Hitler tinha traído a Alemanha, mas também houve certa discordância sobre se isso teria sido pensado e se teria havido uma revolução em caso de vitória. Fritzsche achava que milhões de alemães iriam se revoltar ao fim da guerra, mas von


181 Schirac rebateu, dizendo que um país vitorioso jamais se revolta contra seus líderes vitoriosos. Frank foi ouvido preparando a audiência para a sua defesa: ―Não importa o que você admita ou negue no estrado, se eles conseguiram um documento com a sua assinatura, isso será uma evidência contra você. Tudo o que temos a fazer quando estivermos lá é o melhor possível, e deixarmos as coisas correrem como devem correr. Podemos bater nossa cabeça contra a parede, mas isso não vai mudar os fatos. Nossos advogados devem falar por nós, mas não tem utilidade para nós tentar negar o que o mundo todo sabe... Ja! foi um grande Reich enquanto durou.‖ Keitel também recordou: ―Sim, Hitler era responsável por todo o Reich e ele não gostava de um monte de coisas; não gostava dos judeus; não gostava da democracia nem da diplomacia. Quanto à política, vendo como a Inglaterra e a América estavam tratando as coisas, eu não o culpo por tentar ver aonde ele poderia chegar.‖ Frank então leu uma nota que tinha recebido de outro réu e que dizia: ―Bem, nós cumprimos nosso dever e não importa se formos enforcados.‖ Logo que Goering desceu do banco, chamou Rosenberg e disse-lhe que ele estava certo ao argumentar sobre a palavra Ausrottung (extermínio) e que ele deveria ter explicado que ela tem diferentes significados em diferentes dialetos. Então, continuou a aconselhar sobre táticas evasivas ao lidar com a promotoria.. ―Agora, os americanos encerraram, o pior passou. Não tenha medo de Rudenko. Se houver uma questão difícil, interrompa e diga que a tradução foi incorreta, ou qualquer coisa dessas. Você viu como eu lidei com Jackson. Agora tudo o que você tem a fazer é esperar até que eles façam a pergunta certa e então responda.‖ Doenitz riu do ensinamento experiente de Goering e disse: ―Está certo, você o manejou, papai.‖ Goering virou-se e disse, sorrindo: ―Quietos, crianças. Permaneçam em seus U-Boats.‖ Hess contribuiu com uma observação espirituosa: ―Sim, eles não podem dizer que você matou judeus com seus submarinos.‖ Achou que foi muito engraçada e deu uma de suas risadas entredentes. Sessão da tarde: [Seguindo as instruções de Goering, Rosenberg continuou obstruindo a inquirição do general Rudenko, queixando-se das traduções e usando técnicas de obstrução quando as questões lhe eram incômodas.] Foram os subordinados indisciplinados de Rosenberg os responsáveis pelas atrocidades no Leste; Rosenberg tentou alterar as coisas. Tendo executado tão bem a ideologia nazista no Leste, ele tinha pedido para ser ministro do Exterior, mas na verdade não tinha influência junto a Hitler. M. Monneray, da promotoria francesa, então acusou Rosenberg de usar a deportação e o fuzilamento de judeus franceses para saquear os seus bens. À noite na prisão Cela de Doenitz: Visitei Doenitz naquela noite. ―Aquele Rosenberg é um homem que tem a cabeça nas nuvens. Não tenho dúvidas de que é um homem incapaz de ferir uma mosca, mas também não tenho dúvidas que esses propagandistas foram responsáveis por pavimentar o caminho para aqueles terríveis atos antissemitas... É pena Hitler não estar aqui. Ele praticou muito do


182 que se discute aqui.‖ Então, ele desenhou um retângulo e sombreou 90% da área. ―Quando a Kaltenbrunner, bem, mesmo se tudo o que ele diz é verdade — vamos supor que sim, só para efeito de argumento —, como ele pode se esconder por trás da desculpa de que alguém falsificou sua assinatura? Ora, se alguém vai à Corte marcial por falsificação de documentos, eu sou responsável pelo que acontece na minha organização.‖ ―Você acredita que ele não sabia e que seu subordinado falsificou a sua assinatura?‖ ―Provavelmente não.‖ Doenitz então continuou a expor sua tese do perigo da Rússia para a Alemanha, tentando mostrar que não é do interesse da América deixar a Rússia controlar a Europa, e que ele gostaria de conversar sobre isso com algum oficial americano sensato após o julgamento. Cela de Frank: Ele estava sentado fumando calmamente um cachimbo. ―Estamos satisfeitos que tudo foi tranquilo com Rosenberg. Ainda bem que eles abandonaram os argumentos filosóficos. Depois eu perguntei a ele se não estava contente consigo mesmo. Ele disse que sim. Claro que sua objeção à tradução da palavra Ausrottung (extermínio) foi fraca. Sim, ele se confundiu com aquilo, tudo bem, nós todos também. Eu disse aos outros que estivemos ligados ao movimento nazista por 25 anos, mais ou menos, e qual a utilidade de negar agora? Não se pode fugir dos fatos. Eu vou abrir o jogo e dizer algo que chocará os outros réus, como também meu advogado. Mas, o que se pode fazer? O terrível depoimento de Hoess ainda ressoa em meus ouvidos — dois mil assasinatos por dia! — Hitler desgraçou a Alemanha para sempre! Ele traiu e desgraçou o povo que confiou e o amou! — Como o povo o amava! — Serei o primeiro a levantar e dizer que simplesmente não acredito nas SS quando negam as atrocidades. Serei o primeiro a admitir a culpa.‖ ―Mas de que jeito você se sente culpado?‖, perguntei. A resposta foi curta e grossa: ―Porque eu era um nazista ardente e não o matei! (a Hitler). Um de nós deveria tê-lo matado!‖

A defesa de Frank 18 de abril A ―confissão‖ de Frank Sessão da manhã: Frank contou como se formou em 1926, tornou-se consultor legal de Hitler e do Partido Nazista, membro do Reichstag em 1930, presidente da Academia de Direito da Alemanha em 1933, Governador-geral da Polônia em 1939. Então, veio a questão decisiva: ―Você participou da destruição dos judeus?‖ Frank suspirou profundamente e respondeu: ―Sim. Lutamos contra o judaísmo; lutamos contra eles durante anos; e nos permitimos a fazer declarações, e meu próprio diário tornou-se um testemunho contra mim nessa conexão — declarações que são terríveis... Mil anos passarão e a culpa da Alemanha não será apagada.‖ [Goering balançou a cabeça em repúdio pelo fato de um outro réu ousar contar a verdade. Ele sussurou para os vizinhos e passou bilhetes pelo banco. Então, quando Frank astutamente declarou que nunca havia encontrado tempo para colecionar tesouros de arte durante a guerra, Goering e os que o cercavam quedaram-se estudadamente inexpressivos, enquanto os do outro canto do banco sorriram e trocaram olhares.]


183 Frank admitiu a instituição dos guetos na Polônia, a estigmatização dos judeus, a deportação de trabalhadores escravos etc. No recesso da manhã, Frank voltou ao banco por alguns minutos, muito nervoso e autoconsciente, procurando ao redor por algum sinal de aprovação dos outros réus. Von Papen e Seyss-Inquart disseram-lhe algumas palavras de encorajamento. Seu advogado, Dr. Seidl, lhe perguntou: ―Devo lhe perguntar que parte da responsabilidade intelectual...?‖ ―Não, deixe ir como está‖, Frank o interrompeu. Então, virando-se para mim depois que Seidl saiu, ele disse: ―Há! O pequeno Seidl é notável! Goering o chama de Mickey Mouse. Ele quer limitar minha admissão de culpa. Estou feliz por ter admitido e vou continuar assim.‖ No outro canto do banco dos réus, Fritzsche estava ofendido por Frank ter identificado sua culpa com o povo alemão. Schacht, entretanto, disse que Frank havia claramente admitido sua culpa e estava certo em dizer que Hitler desgraçou o povo alemão. Sauckel sussurou para Goering: ―Você ouviu ele dizer que a Alemanha está desgraçada por mil anos?‖ Goering respondeu com desprezo: ―Sim, eu ouvi. Acho que Speer vai dizer a mesma coisa. Aqueles covardes bajuladores!‖ Frank continuou seu depoimento na tribuna, dizendo que compartilhara dos conhecimentos sobre as atrocidades com as SS, porém (com uma estocada em Goering, Ribbentrop, Keitel e Kaltenbrunner), ―ao contrário dos outros que cercavam o Führer que não sabiam nada sobre essas coisas, devo dizer que eu era mais independente, eu ouvia sobre essas coisas e lia sobre elas na imprensa estrangeira.‖ [Goering balançou a cabeça angustiado]. Hora do almoço: Vários deles expressaram franca satisfação com aquelas estocadas em Goering. Este passeava no hall com o ar infeliz vendo-me conversar com os outros que riam dele. No refeitório dos mais jovens e no dos mais velhos, as expressões de satisfação e divertimento indicavam que a resistência contra Goering ainda estava forte. Frank esperava a minha visita. ―Mantive a minha promessa, não foi? Eu disse que, ao contrário de outras pessoas que rodeavam o Führer que pareciam não saber de nada, eu sabia o que se passava. Penso que os juízes estão realmente impressionados por um de nós falar de coração e não tentar se esquivar da responsabilidade. Você não pensa assim? Fiquei gratificado pela maneira como eles se impressionaram com a minha sinceridade.‖ Havia uma concordância geral de que não se pode enganar os juízes. No refeitório dos mais jovens, Speer e Fritzsche não tinham muita disposição em creditar a Frank uma demasiada honestidade natural. ―Gostaria de saber o que ele diria se não tivesse entregue seu diário‖, especulou Speer. ―Naturalmente, ele não tem mais nada a fazer a não ser admitir o que consta em seu diário‖. Fritzsche ainda estava aborrecido com o fato de Frank estar ―tentando identificar sua culpa e traição com o povo alemão. Mas, na verdade, ele é mais culpado do que quaquer de nós. Ele realmente sabe sobre aquelas coisas.‖


184 Cela de Goering: Transpirando bastante pela tarde em sua cela, Goering mostrava-se defensivo e vazio e nada satisfeito com o caminho que o julgamento estava seguindo. Ele disse não ter controle sobre as ações ou a defesa dos demais, que ele próprio nunca havia sido antissemita, que não acreditava nas atrocidades e que vários judeus tinham se oferecido para testemunhar a seu favor. Se Frank sabia das atrocidades em 1943, deveria ter ido a ele e ele teria tentado fazer algo a respeito. Ele pode não ter tido bastante poder para mudar as coisas em 1943, mas se alguém o procurasse em 1941 ou 1942 ele teria denúnciado. (Eu não queria ainda contar a ele o que Ohlendorf havia dito sobre isso: que Goering era considerado como de influência ―moderada‖ por causa de seu vício pelas drogas e pela corrupção.) Eu lhe disse que, com suas ―declarações bombásticas‖, como a de preferir a morte de 200 judeus à destruição de propriedades, ele dificilmente poderia ser considerado um campeão dos direitos das minorias. Goering reclamou de que muita importância estava sendo dada a essas declarações. Além do mais, ele tinha deixado claro que não estava defendendo nem glorificando Hitler. Voltamos ao tema da guerra e eu disse a ele que, contrário à sua postura, achava que o povo simples não é muito grato a líderes que lhe tragam guerra e destruição. ―É claro que o povo não quer a guerra‖, respondeu com indiferença. ―Por que um pobre caipira em sua fazenda desejaria arriscar sua vida na guerra quando o melhor para ele é voltar para a sua fazenda intacta? Naturalmente, o povo comum não quer a guerra; nem na Rússia nem na Inglaterra nem na América, quanto mais na Alemanha. Isso é compreensível. Mas, afinal, são os líderes do país que determinam a política e é sempre muito simples arrebanhar o povo, seja numa democracia ou numa ditadura, num regime parlamentar ou numa ditadura comunista.‖ ―Há uma diferença‖, argumentei. ―Em uma democracia o povo tem a palavra sobre o assunto através de seus representantes eleitos, e nos Estados Unidos somente o Congresso pode declarar guerra.‖ ―Está tudo muito bem, mas, tendo ou não tendo voz, o povo deve sempre ser levado a obedecer os seus líderes. É fácil. Tudo o que se tem a fazer é dizer a eles que estão sendo atacados e denúnciar os pacifistas por falta de patriotismo e exposição do país ao perigo. Isso funciona da mesma maneira em qualquer país. 19 a 22 de abril Recesso de Páscoa na prisão Cela de Frank: Frank fumava calmamente o cachimbo, mas logo passou a monologar sobre sua reação à própria defesa, balançando os braços dramaticamente. ―Hoje é Sexta-Feira Santa, e eu estou em paz porque mantive a minha fé. Ontem, eu estava em frente a portões negros e agora eu atravessei para o outro lado. Estive frente aos portões negros descalço e com vestes de pano, segurando uma vela como um pecador penitente — ou uma virgem vestal — e mais uma vez falei com Deus e com o mundo. Agora, paguei meus pecados, atravessei os portões negros e não mais pertenço a este mundo. Deus é o Anfitrião mais generoso. Ele permite você acumular despesas a seu prazer. Ele deixa você dispor do que quiser, um quarto, um castelo, vinho, mulheres, poder, qualquer coisa que você queira, mas Ele exige pagamento integral no final! Ele


185 não permite qualquer negligência no pagamento!... Hahaha! Ele é o Anfitrião mais generoso, mas exige pagamento integral!‖ Frank fez uma pausa, ao exaurir as possibilidades de suas metáforas, e então passou a revisar sua defesa. ―Eu fui o primeiro a dizer o quanto fomos culpados. Mas Goering deveria ter dito isso logo no começo em vez de manter a pose. O mundo estava clamando para ouvir um de nós, frente à morte, dizer que nosso sistema era perverso e que tínhamos pecado! Mas Goering não disse isso — e Ribbentrop — bem, ele tem o caráter fraco — e Kaltenbrunner mentiu. Por que Goering não abriu o jogo e contou a verdade? Você pode entender isso, Herr Doktor?‖ ―Obviamente porque ele queria manter a pose até o fim‖, respondi. ―Mas ele poderia ter dito que tínhamos certos ideais no início e que Hitler nos traiu e nos desgraçou, e que somos culpados por causa de nossa ambição e que o mal estava em nós.‖ ―Ele é presunçoso demais para admitir qualquer erro. Destruiria a sua pose. De qualquer maneira, você deu uma cotucadas nele.‖ Frank riu. ―Sim, o advogado dele pintou os diabos com o meu porque eu fiz aquilo. Mas, deixe ele arder! Ele arregalou os olhos para mim mas não disse nada. Eu tinha boas razões para ser mau com ele. Ele deveria ter feito alguma coisa para deter aqueles crimes horríveis; ele era muito ligado ao Führer. Estou satisfeito por Mr. Dodd me dar a chance de revelar mais claramente que Goering estava enriquecendo enquanto a Europa agonizava. Mas, esse pessoal não entende essas coisas. Eles pensam que é apenas um legítimo jogo de inteligência em vez de um ponto decisivo num fatídico desenvolvimento histórico. Rosenberg me disse que eu estou acabado. Ora, o que ele está pensando? Que ele está salvo? Ele queria que eu contasse como os judeus haviam ameaçado nosso Estado para justificar o nosso antissemitismo. Mas eu tinha que confessar o meu pecado para poder estar em paz com Deus e talvez elevar um pouco meus olhos para Ele. ―Você sabe qual foi a última coisa que me fez decidir expiar a minha culpa? Dias atrás eu li num jornal que o Dr. Jacoby, um advogado de Munique, que era um dos melhores amigos de meu pai, havia sido morto em Auschwitz. Então, quando Hoess depôs sobre como ele exterminou dois milhões e meio de judeus, percebi que ele foi o homem que tinha matado friamente o melhor amigo de meu pai, um homem velho, fino, honesto, gentil, e milhões de pessoas inocentes como ele, e eu não fiz nada para impedir. Verdade, eu mesmo não matei ninguém, mas as coisas que eu disse e as coisas que Rosenberg disse tornaram aquilo possível! ―Aquele depoimento de Hoess — uma ordem para assassinar toda uma raça! — eu jamais vou tirar de minha cabeça. É a danação final de todo o sistema e não podemos fugir disso! Hitler falou sobre o extermínio da raça judia e todos nós sabíamos disso, e Rosenberg ainda tem o atrevimento de questionar a tradução da palavra extermínio!‖ ―Todos vocês tiveram participação ao falarem essas coisas.‖ Ele balançou a cabeça gravemente. ―Sim, Deus sabe que fizemos. Não podemos negar. Mas Hitler deu a ordem a sangue frio; Hoess nos contou como ele recebeu a ordem e como executou. Herr Doktor, será que a história vai se recuperar dessa degradação da civilização humana a que Hitler nos levou? Não há dúvidas de que aquele demônio Hitler nos levou a isso. Se Himmler tivesse tentado fazer isso por sua própria conta e Hitler tivesse descoberto e o


186 enforcado, seria diferente. Mas, não, Hitler deu a ordem pessoalmente. Ele deixou isso claro em seu ‗Último Testamento‘(*). E aquele homem usava a máscara de ser humano! — o chefe de Estado!... Vou escrever para você o ensaio sobre Hitler que lhe prometi, mas, sabe que é realmente repulsivo para mim? Agora que ele foi desmascarado eu vejo de quão repulsiva figura eu fui seguidor. Estou enojado.‖ Ele apoiou os cotovelos na mesa, segurando o rosto com as mãos, os olhos cerrados como se estivesse em transe. ―É como se a Morte se transmudasse em um ser humano encantador, seduzindo trabalhadores, advogados, cientistas, mulheres e crianças — tudo — e levando-os à destruição! E agora vemos a face real, sem máscara, uma caveira! Herr Doktor, isso é terrível! É repulsivo!‖ Cela de Rosenberg: Rosenberg não estava muito surpreso com a confissão de Frank no julgamento. ―... Sim, Frank é um orador impressionante, eu já lhe disse. Ele se empolga com as palavras e cinco minutos depois ele se acalma. Nessa hora, ele fala para os réus e não para os juízes ou promotores. Mas ele é sensível e musical, e essas pessoas musicais são todas grandiloquentes! Nunca se pode prever o que ele vai dizer. ‗A Alemanha está em desgraça por mil anos!‘ E por aí vai.!‖ ―Mas você não acha que é hora de alguém admitir a sua culpa e chamar espada de espada?‖, questionei. ―Esses assassinatos em massa são as coisas mais terríveis que aconteceram na história da humanidade!‖ Rosenberg interrompeu seu passeio pela cela para considerar a questão, e então valeu-se de seu usual raciocínio histórico defensivo: ―Bem, sim — suponho que sim. Mas, quanto ao assassinato de três mil chineses na Guerra do Ópio e a degradação de talvez três milhões de chineses pelos ingleses através do seu tráfico de ópio? E quanto aos cerca de 300 mil exterminados por uma bomba atômica no Japão? E quanto aos ataques aéreos a nossas cidades? Tudo isso é assassinato em massa, não é?‖ ―Toda a guerra foi assassinato em massa desnecessário, e você pode agradecer ao seu Führer por começar deliberadamente a ação quando nenhum povo no mundo queria a guerra, nem mesmo o seu povo. Até Goering admite isso. Você deve compartilhar a culpa pelo seu Führerprinzip e por sua própria propaganda que instigava constantemente o ódio em vez de tentar alguma conciliação. Rosenberg se encrespou e protestou, contra-argumentou e contra-atacou. Certamente, não foi sua culpa da guerra ter começado e das coisas chegarem a tais extremos. Foi culpa do Tratado de Versalhes, dos corruptos e vingativos franceses, dos britânicos imperialistas e da ameaça da revolução comunista mundial etc. etc. etc.

(*) Acusando o Judaismo Internacional pela Segunda Guerra Mundial, o chamado Testamento Político de Hitler dizia: ―Não tenho a menor dúvida agora... os reais culpados terão que pagar por suas culpas, ainda que por meios mais humanos que a guerra (NA).


187 Cela de von Papen: Ele concordou que todos os réus que se pronunciaram até agora demonstraram sua culpa e estavam perdidos, possivelmente com a exceção de Hess, cuja responsabilidade mental estava em questão. ―... Achei Ribbentrop o mais lamentável de todos‖, disse ele. ―Que desculpa para um ministro do Exterior! Você pôde ver o quão inescrupulosa e irresponsavelmente ele fez acordos e os quebrou sem se importar com a honra nacional, a paz mundial ou qualquer outra coisa.‖ ―O que você pensa de Kaltenbrunner? Os outros acham que ele fez a pior apresentação.‖ ―Ora, Kaltenbrunner — um policial estúpido! Eu não conto ele. Eu sempre disse que há dois tipos de serviço para caráteres obscuros: um é a ContraInteligência e o outro é a Polícia de Segurança.‖ Ele pediu notícias frescas no front internacional, e eu citei uma manchete de jornal dizendo que a Inglaterra havia sugerido que Franco renunciasse. Diplomaticamente, von Papen absteve-se de demonstrar aprovação ou desaprovação com a notícia, embora já houvesse expressado seu apoio a Franco como um homem religioso, em contraste com Hitler. Entretanto, ele concordou com a minha opinião de que se deveria se ver livre de estadistas que haviam se ligado a Hitler. Von Papen estava seguro de que se poderia encontrar algum outro líder espanhol íntegro que não fosse nem fascista nem comunista. Cela de Ribbentrop: Ele lia uma transcrição de sua inquirição. Fez algumas observações bobas sobre as questões da Promotoria serem muito medíocres. Parecia ter sofrido uma recaída na condição de afasia com depressão. ―Não posso nem achar... palavras... nem fazer frases... Tenho... pensamentos... mas não posso... controlar... Você entende? É preciso muito esforço... é engraçado. Tanto posso falar devagar... ou as palavras me vêm rápidas e incontroláveis..., é engraçado. Tenho problemas ao escrever também, e dificilmente consigo levar o lápis pelo papel... Tive o mesmo... problema no Tribunal...‖ Sobre Frank: ―Ele não devia ter dito que a Alemanha estava desgraçada por mil anos.‖ Perguntei-lhe se não achava que era verdade. ―Bem, um alemão jamais deve dizer isso... Me conte, eu não estava na Corte na segunda-feira. Hoess realmente disse... que Hitler havia ordenado o assassinato em massa?‖ ―Ele disse que Himmler lhe entregou uma Führerbefehl (ordem do Führer) direta para exterminar os judeus em 1941.‖ ―Em 1941?... Ele disse isso?... em 41?... em 41?... ele disse isso mesmo?‖ ―Claro que ele disse‖, respondi. ―Você deve ter sabido. Toda a liderança do partido discutia sobre a resolução do problema judeu, um problema que eles mesmos tornaram crítico.‖ ―Mas Hitler só falou em transportá-los para o Leste ou para Madagascar.‖ ―Mesmo assim, como você justifica os maus-tratos colossais a uma massa de um povo inocente?‖, insisti. ―Hitler realmente ordenou o extermínio?... em 41?... em 41?‖ ―Eu já lhe contei que Hoess disse que isso começou em Auschwitz em 1941 e que já estava sendo realizado em outros campos desde 1940.‖ Ribbentrop segurou a cabeça com as mãos e repetiu em sussurro descendente: ―... 41... 41... Meu Deus!...Hoess disse em 41?‖


188 ―Sim, os transportes começaram logo depois dele ter recebido a Führerbefehl. Por toda a Europa ocupada, homens, mulheres e crianças viviam uma perfeita e pacífica vida familiar. Eles eram despidos, levados às câmaras de gás e mortos aos milhares. Então, os anéis e dentes de ouro eram retirados de seus corpos, os cabelos das mulheres eram cortados e os cadáveres eram queimados nos crematórios.‖ ―Pare! Pare! Herr Doktor... Eu não posso aguentar isso!... Todos esses anos... um homem a quem as crianças vinham tão confiantes e amorosas. Deve ter sido uma loucura fanática... não há dúvidas agora de que Hitler ordenou isso? Eu pensava até agora que talvez Himmler, no fim da guerra, sob algum pretexto.... Mas em 1941, ele disse? Meu Deus! Meu Deus!‖ ―O que você esperava? Todos vocês faziam cruéis declarações sobre resolver o problema dos judeus. Não há limite racional para o ódio humano quando se instiga a fúria a tal ponto como vocês líderes nazistas fizeram.‖ ―Porém, nunca sequer sonhamos que isso terminaria assim. Só achávamos que eles (os judeus) tinham influência demais, que podíamos resolver o problema com um sistema de quotas ou que os transportaríamos para o Leste ou para Madagascar. Eu não sabia nada sobre o extermínio... até que o caso de Maidanek surgiu em 1944. Meu Deus!...‖ Cela de Frick: Ele estava menos frio e despreocupado do que o usual, preparando notas de última hora para a sua defesa. Disse que não iria depor pessoalmente, mas teria uma testemunha, Gisevius, antigo oficial da Gestapo, que também testemunharia a favor de Schacht. Ele disse achar que não havia muito a dizer exceto que não tinha estado com o Führer desde 1937 e que nunca aprovou as atrocidades. Perguntei se ele não tinha percebido que as Leis de Nuremberg eram o começo de uma discriminação racial e de ódio patrocinada pelo Estado, cujos resultados seriam bastante previsíveis. Ele encolheu os ombros e disse: ―Bem, toda raça tem o direito de se proteger, como a raça judia tem feito há milhares de anos.‖ ―Você não acha que foi loucura tentar reviver esse conceito de rivalidade clãracial da Era das Trevas quando as pessoas não podem se esquivar de viverem juntas na sociedade moderna? Você pode justificar isso como advogado?‖ ―Vocês têm o mesmo problema na América. Os brancos não querem se casar com negros. Os assassinatos em massa não foram pensados como uma consequência das Leis de Nuremberg... Pode ter parecido dessa maneira, mas isso não foi pensado como tal.‖ Cela de Streicher: Aos poucos ele tem se tornado mais abatido pelos meses de desprezo e indiferença por parte de todos os outros réus e pela vergonha crescente do seu antissemitismo. Ele não despejou suas tiradas antissemitas usuais quando o visitei em sua cela para ver como estava cuidando de sua defesa. Ele disse que provavelmente iria necessitar somente de um dia, e não parecia ter muito a dizer. Ele achava Rosenberg um filósofo muito profundo e que tinha conduzido bem sua defesa. Ainda estava convicto de que o Judaismo mundial e o bolchevismo eram idênticos e que um dia iriam governar o mundo, mas pareceu que ele realmente não esperava que ninguém mais acreditasse nisso. O que Hitler fez, disse ele, foi muito embaraçoso para sua própria inclinação sionística, mas sua esposa e seu ex-secretário poderiam


189 testemunhar que ele estava completamente afastado dos acontecimentos após 1940, exceto continuando a publicar o seu Stürmer. Cela de von Schirac: O efeito da separação da influência de Goering começa a agir na forma de um retorno à sua atitude anterior de arrependimento, e a confissão de Frank parece ter mudado a maré. Ele disse que a confissão de Frank levou o julgamento a uma nova e crítica fase. Iria tomar uma posição mais sincera na admissão de sua culpa quanto ao antissemitismo. Discutiu as questões que iria ter, que seu advogado disse para ele revelar como ele se tornara antissemita, como fora iludido por Julius Streicher, por Hitler e por toda a liderança nazista sobre o assunto; e iria admitir que a política racial foi um erro trágico da Alemanha. Um elemento de exibicionismo revelou-se nisso tudo ao ver a chance de compensar a expiação heróica que lhe foi negada no fim da guerra em Buchenwald. ―Você sabe, a exposição das atrocidades não porá um fim ao antissemitismo e ao preconceito racial. Nem a punição nem a vingança o fará, pois isso repercutirá por anos. O único que pode pôr um fim ao antissemitismo é um antissemita. Talvez seja a única missão histórica que eu ainda possa realizar. Se eu me erguer como o líder da juventude alemã e proclamar perante todo o mundo que a nossa política racial foi um erro, porá um fim a isso de uma vez por todas. Cela de Seyss-Inquart: Iniciamos uma discussão sobre antissemitismo, como resultado do recente depoimento. Não discutimos sobre Streicher porque seu terrível fanatismo era inaceitável como discussão para o intelectual SeyssInquart. Quanto ao seu próprio antissemitismo, era agora uma questão acadêmica, mas ele ainda achava que seu ―conceito quantitativo do problema judaico‖ tinha de fato algum fundamento. Ele tinha achado que havia judeus demais na Alemanha e que algum tipo de ajuste era necessário. ―O que você pensa sobre a noção americana de tolerância e convivência pacífica como um meio de lidar com o problema das minorias?‖, perguntei. Segundo ele, é claro que era lógico para a America porque os vários povos não tinham aparecido durante séculos como entidades nacionais, mas como correntes de imigrantes que se amalgamaram em um novo tipo de sociedade cosmopolita. Esse novo social, em vez de conceito genético, foi um desenvolvimento natural para a América, e talvez para o futuro em geral; mas não foi assim que se deu na Alemanha. Sempre houve diferenças nacionalisticas demais. Falando de diferenças nacionalísticas e sub-nacionalísticas, eu contei que Doenitz e Goering haviam dito que Hoess era um alemão sulista, e que um prussiano jamais faria as coisas que ele fez. Seyss-Inquart não deu atenção a isso, embora eu tivesse mencionado a noção popular de que bávaros e austríacos eram consanguíneos. Seyss analisou o fanatismo alemão da seguinte maneira: ―Como eu lhe disse, o alemão sulista tem a imaginação e a emotividade para abraçar uma ideologia fanática, mas ele é geralmente inibido para excessos por seu humanismo natural. O prussiano, por outro lado, não tem a imaginação para conceber em termos de teorias abstratas raciais e políticas, mas se é mandado fazer alguma coisa, ele faz. Quando recebe uma ordem, ele não tem que pensar. É o imperativo categórico, ordens são ordens. Você tem em Hoess


190 um exemplo de como o nazismo combinava os dois tipos. Hitler jamais conseguiria nada se permanecesse na Baviera porque ainda que o povo o tivesse seguido fanaticamente nunca teriam chegado a tais excessos. Mas o sistema apossou-se também da tradição prussiana e juntou o antissemitismo emocional sulista com a obediência cega prussiana. Aliás, o autoritarismo católico consegue o mesmo efeito que o militarismo prussiano, basta você ver os jesuitas como um exemplo disso. Quando a ideologia fanática se combina com o autoritarismo, não há limites para os excessos a que se pode chegar, como na Inquisição.‖ Quanto a Frank, Seyss-Inquart disse que naturalmente ele não tinha escolha a não ser tomar uma posição que conciliasse com seu diário. Fora isso, SeyssInquart estava muito cauteloso em fazer observações sobre qualquer dos réus. Cela de Schacht: Schacht estava bastante satisfeito porque os crimes dos outros réus estavam aparecendo mais claramente e não disfarçou seu prazer quanto às estocadas que Frank deu em Goering. ―Eu disse a Frank que confessar era a melhor coisa para ele. Afinal, estava tudo no diário. Que mais ele poderia dizer a não ser admitir a culpa? Kaltenbrunner se desgraçou por ter mentido. Ribbentrop, bem, ele é um espetáculo digno de pena. Keitel mostrou que era honesto e obediente, mas ele não tem caráter. Goering, pelo menos, manteve uma boa pose.‖ ―Mas a frente unida de lealdade e desafio ao redor dele parece ter desmoronado, e provavelmente vai ficar pior. Imagino que você vai se sair bem ao depor.‖ ―Espero que sim. Eu perco a paciência facilmente se alguém me faz perguntas estúpidas.‖ Ele deu uma explicação disfarçada de como poucas pessoas eram inteligentes o bastante para manter uma conversação em seu nível e me elogiou dizendo que ele podia ter uma conversa inteligente comigo... O problema com o governo alemão, continuou ele, é que eles eram um bando de oportunistas ignorantes, incluindo Hitler. ―A propósito, isso será interessante para você em termos psicológicos: Goering me contou que desde 1933 — imagine você, 1933 — ele se referia a Hitler como ‗aquele vagabundo-de-café vienense!‘ É claro que ele então tinha que jurar lealdade ao Führer e tem que fazê-lo agora porque Hitler acobertou e tolerou sua corrupção, isto é líquido e certo... E que tipo de pessoas você acha que está tocando o governo civil alemão agora? Um bando de escroques vira-casacas sem caráter e radicais sem educação, sem experiência e sem posição na sociedade alemã... ―Gostaria de saber quem irá me inquirir‖, continuou ele. ―Aqueles jovens que estiveram estudando o meu caso, o que eles sabem? Quem são eles? Estudantes de direito, suponho.‖ Eu lhe contei que tinha ouvido que, em reconhecimento à sua inteligência, o próprio chefão provavelmente cuidará dele. Schacht ficou meio lisonjeado, meio apreensivo. ―Mesmo? Bem, estou certo que ele perceberá que estou pronto para dar uma resposta honesta a uma questão justa... vamos deixar as coisas acontecerem... Vou me declarar contra todo o sistema, não como era originalmente, mas como foi pervertido por Goering, por Hitler e por seus generais. Não posso poupá-los, especialmente se eu for questionado sob juramento e a Corte exigir que eu responda. Há quatro pessoas que eu considero especialmente culpadas: Goering, Ribbentrop, Keitel e Raeder. Pode ser desagradável, mas não posso


191 ajudar. Não posso livrá-los. Meu povo precisa saber como os líderes nazistas o lançaram em uma guerra desnecessária.‖ De repente, ele ficou indignado. ―Como ousam lançar um país numa guerra sem ao menos consultar o povo! Depois do discurso de Hitler em 1937, conforme as notas de Hoszbach,1937, os líderes tinham o dever solene de dizer a ele que estava levando o país à guerra! E eles deveriam ter reclamado da necessidade do avanço na Polônia! Mas aqueles malditos militares só sabiam bater os calcanhares e dizer ‗Jawohl, nós providenciaremos uma guerra para você a qualquer tempo!‖... Eu não posso livrá-los agora... Juntamente com Streicher, Goering é o caráter mais repulsivo no banco dos réus, um ladrão vulgar e corrupto! Ugh!‖ Cela de Jodl: Jodl riu da confissão de Frank. ―Eu queria saber o quanto de genuíno tinha ali. Nos velhos tempos ele parecia um reizinho construindo seu próprio império na Polônia. Eu tinha um monte de problemas com ele. Ele queria as ferrovias e tudo mais sob seu controle.‖ Quando mencionei a estocada de Frank sobre os saques de Goering, Jodl mostrou sua satisfação com um largo sorriso. Ele então me perguntou se foi em 1941 que Hoess tinha recebido a Führerbefehl para iniciar o extermínio dos judeus em Auschwitz, isto é, antes que a situação militar ficasse séria. Eu confirmei, lembrando também que o extermínio já havia começado em Treblinka em 1940, mas que Hoess tinha aperfeiçoado os métodos. Jodl baixou a cabeça e eu me aventurei a ler seus pensamentos: ―... E aquele homem sentou-se com você no Quartel General e falou em proteger a pátria e preservar a honra alemã...―, sugeri. Jodl assentiu com a cabeça solenemente. ―Sim, é verdade. Mas ele não tinha nenhuma concepção de honra e nenhum sentimento pelos seres humanos a não ser como massa de manobra e peões nos seus esquemas ambiciosos. Isso ficou claro para mim naquela época. Ele julgava as pessoas apenas por sua utilidade para ele. Ele não estava nem um pouco interessado em qualquer consideração humana. Eu penso nisso cada vez mais. Agora eu mesmo duvido, eu não acredito que a campanha russa fosse necessária como ele insistia que era, ou que todas as possibilidades diplomáticas foram esgotadas. Estou quase inclinado a acreditar que ele decidiu que queria atacar a Rússia... e achou que era hora de tentar. Acreditamos então que só era uma necessidade como um último recurso e que de outra maneira ele nunca teria insistido nisso. Mas certamente estávamos no escuro quanto aos desenvolvimentos políticos.‖ ―E sobre o ataque à Polônia?‖, perguntei. ―O mesmo se aplica lá. Está claro agora que a guerra não era necessária. Acreditamos que todas as possibilidades diplomáticas foram esgotadas, mas obviamente não foram.‖ Ele comentou a responsabilidade de Hitler e dos propagandistas de manter o povo e a Wehrmacht na ignorância sobre os verdadeiros objetivos do Führer, e mais uma vez expressou a opinião de que Hitler havia traído a fé e o patriotismo da juventude alemã. Identificando-se como um traído, acrescentou: ―... Ele apelou às pessoas inteligentes de uma maneira especialmente esperta. Não apelou apenas aos desempregados desesperados e à emoção das mulheres. Apelou à compreensão dos homens inteligentes também. O movimento não teria ganho esse ímpeto se homens de reputação não fossem


192 atraídos ao longo do processo, o que deu ao movimento algum prestígio junto ao povo alemão. Foi onde a propaganda agiu terrivelmente.‖ Eu lhe perguntei o que teria acontecido se soldados e generais soubessem claramente, já em 1942, que estavam lutando numa guerra que ninguém queria e por um governo que já havia instituído assassinatos em massa a sangue frio como um instrumento de política internacional. Jodl pensou por um momento. ―Teria havido uma reação terrível por toda a Wehrmacht. Não sei o que teria acontecido. Os soldados alemães não são bestas. Eles acreditavam na honra da causa e os oficiais reprimiam qualquer intolerância religiosa. A percepção do objetivo para o qual eles estavam lutando teria sido terrível.‖ ―Poderia ter havido uma revolução?‖ ―Bem, é difícil dizer. Na guerra, a pressão moral pela obediência e o estigma da alta traição são difíceis de serem contornados.‖ Cela de Doenitz: ―Foi certo Frank falar daquela maneira, mas ele deveria ter falado também dele mesmo. Ele foi um dos mais selvagens e não deveria ter dado a impressão de que todo o povo alemão também o era. De qualquer maneira, a minha posição como soldado foi inteiramente diferente. Então, ele antecipou a defesa de Schacht: ―Os políticos não precisam se vangloriar. Afinal de contas, não foram os soldados e marinheiros, mas os eleitores e políticos que puseram Hitler no poder, e se ele se tornou mau não foi nossa culpa. Não tínhamos o que dizer sobre declarar guerra, só tínhamos que lutar.‖ 13. A defesa de Frick 23 de abril Hora do almoço: Vários réus expressaram desapontamento pelo fato de que Frick não iria fazer a sua defesa pessoalmente. Fritzsche argumentou que, como chefe dos funcionários do governo, ele poderia eslarecer um monte de coisas. Funk disse que queria perguntá-lo sobre algumas questões. Comentei que eu tinha a impressão de que, como Frick não poderia salvar seu pescoço, não estava mais interessado no julgamento. Speer concordou. Frick mostrava-se indiferente a tudo e a todos e disse que sua testemunha iria apenas esclarecer suas relações com o sistema policial, mas fora disso não havia mais nada a dizer. No banco dos réus, Goering sentia-se mal pelo desenvolvimento do julgamento e pela frieza demonstrada por vários deles. Quis iniciar uma conversa, mas ninguém lhe prestou atenção. Finalmente, o nervosinho Sauckel se aproximou e lhe perguntou se ele achava que era verdade que dois milhões e meio de judeus tinham sido exterminados em Auschwitz. ―Não, claro que não‖, respondeu Goering imediatamente. ―Acho isso tecnicamente impossível. ―Você ouviu o depoimento de Hoess‖, eu o lembrei, ―e você sabe que Hoess descreveu para mim em detalhes todo o processo. Foi um verdadeiro sistema de produção em massa.‖ ―Você esteve lá?‖, perguntou Goering. ―E você, esteve?‖, retruquei. ―Agora, você declara que não foi verdade, mas teria sido melhor se você tivesse impedido de ser verdade!‖ Goering se perturbou e tentou mudar de assunto. Prossegui dizendo a Sauckel o que Hoess tinha me contado: o asfixiamento com gás era fácil, a


193 queima dos corpos é que era trabalhosa e requeria um turno de 24 horas por homem nos fornos. Ele tinha trabalhando lá com ele três mil alemães, todos leais ao Führer e a Himmler. A turma de Goering não aguentou ouvir a exposição. Goering foi para o seu canto no cercado, contentando-se em sussurrar um comentário às minhas costas. 24 de abril Givesius desmascara Goering Antes do início da sessão, Streicher foi ouvido perguntando a Frick se aquela testemunha, Givesius, iria aparecer realmente. Frick lhe assegurou que sim. Streicher perguntou se ele iria contar todas aquelas coisas repugnantes sobre Goering que as pessoas diziam que ele tinha escrito em seu livro. Frick respondeu que achava que sim. Respondendo à questão de Streicher se seria mau para Goering, Frick disse: ―Eu me preocuparia. Só me importa permanecer vivo.‖ Hora do almoço: No refeitório dos mais velhos, von Papen e von Neurath condenavam ―aquele gordo‖ por precipitar a Anschluss forçada da Áustria em vez de deixar os austríacos votarem pela anexação. Von Papen ficou irritado e apontou o dedo para o corredor onde Goering passeava para cima e para baixo: ―Aquele foi o culpado! Aquele gordo ali. Foi ele quem recusou a realização da eleição! E até persuadiu Hitler a invadir.‖ Quando os réus voltaram para o banco, começou a reinar uma grande excitação antes do testemunho de Givesius, cujo livro, ―Kampf Bis Zum Letzten‖ (Lutar até o fim), chegou recentemente ao conhecimento deles. Rosenberg foi ouvido censurando Frick por requisitar Givesius como sua testemunha quando ele sabia perfeitamente bem que o livro continha evidências prejudiciais à liderança nazista. ―Por favor, deixe a minha defesa para mim mesmo!‖, retrucou Frick. ―Eu não me meto na de vocês; deixem eu cuidar da minha própria. Se eu não o chamasse, Schacht o teria feito de qualquer maneira.‖ Goering disse a Doenitz que não precisava dar atenção ao depoimento de Givesius porque ele admite, no início do livro, que cometeu alta traição. Doenitz perguntou a Goering o que achava da defesa de Frick. Goering respondeu: ―Frick e um homem difícil de entender. Não sei se se pode confiar nele.‖ Sessão da tarde: Givesius iniciou seu testemunho. [Goering percebeu que o juiz Parker, que o observava, entregou um bilhete ao juiz Biddle e então ambos passaram a olhá-lo. Goering então começou a representar, balançando a cabeça para o depoente, sussurando e gesticulando negativamente para Doenitz e Hess. Então, quando Givesius denunciou Goering por sua participação na constituição da Gestapo e nos escândalos dos nazistas, expressões de atenção, hostilidade e divertimento surgiram no banco dos réus conforme as respectivas atitudes em relação a Goering.] A testemunha contou que o expurgo de Roehm na verdade foi um golpe de Goering e Himmler para manter o controle do governo. Isso finalizou a inquirição pelo advogado de Frick. Então, o inferno pareceu ter desabado sobre a Corte quando o advogado de Schacht revelou que Goering havia tentado intimidar a testemunha através do Dr. Stahmer. Goering havia usado o escândalo do casamento de von Blomberg como desculpa para conseguir que o Dr. Stahmer pedisse ao


194 advogado de Schacht não fazer qualquer pergunta sobre o general von Blomberg. Ele ameaçou ―se vingar‖ de Schacht se ele o fizesse. A testemunha explicou que Goering escondia-se sob o manto do cavalheirismo para ocultar seu próprio papel naquele escândalo sórdido. No recesso da tarde, as emoções contidas dos réus explodiram em meio a um tumulto. Jodl saltou em pé, vermelho de fúria, e gritou no meio da discussão sobre o expurgo sangrento de Rohem: ―...então um chiqueiro era pior do que o outro! É uma vergonha para o povo decente, que entrou direto e de boa fé nesta Schweinerei (imundície)!‖ Jodl estava excitadíssimo, com lágrimas nos olhos e não podia se conter. Fick comentou calmamente: ―É possível, mas estou convencido de que não foi um golpe planejado, foi apenas uma gangue liquidando a outra.‖ Jodl continuou, com raiva: ―O que você está dizendo? Não houve golpe?! Tivemos que ficar em nossos quartéis com as pistolas sobre o raio da mesa! Eles eram um bando de suínos imundos!... ambos os lados!‖ Fritzsche, Schacht e Speer mal podiam conter a satisfação apesar da sua frustração quanto às revelações assombrosas. ―O que foi que eu lhe falei?‖, disse Schacht para mim, sorrindo. ―Agora, todos os negócios podres estão aparecendo. A Promotoria foi tão estúpida em me indiciar... Eu sou a melhor testemunha deles... O que você acha daquela sujeira da intimidação da testemunha? Mostra que tipo de caráter trapaceiro ele é.‖ Do outro lado do banco Goering nos viu conversando e nos encarou. Então ele tentou quebrar a tensão ao seu redor dizendo que a testemunha era um traidor e que nunca o havia visto antes. E foi ouvido repetindo: ―Nunca ouvi falar dessa pessoa em minha vida... ele está mentindo. Frick tenta me culpar por coisas que ele mesmo fez...‖ A testemunha continuou com outras denúncias contra Goering e as trapaças nos bastidores, enquanto supunha-se Schacht tentando reunir alguma oposição contra Hitler. Ao fim da sessão, Goering tentou discutir com os réus e com os advogados e resistiu voltar para a prisão, como lhe foi ordenado. Foi virtualmente empurrado para entrar no elevador. Então, Schirach comentou: ―A testemunha de Frick não o está ajudando muito, mas está prejudicando Goering bastante... mas Schacht foi um membro do partido como qualquer outro.‖ À noite na prisão Cela de Schacht: Schacht estava tenso e excitado quando em entrei em sua cela. ―O que é que eu lhe falei? Aquilo acaba com a lenda de Goering ou não? Devo dizer que estou feliz... após todos esses anos ver aquele criminoso, que governou e aterrorizou alemães decentes, revelado como o gângster que ele é! Finalmente, graças a Deus, ele está desmascarado! Foi estupidez o Tribunal me indiciar. Eu poderia ser sua melhor testemunha. Foi excelente que aquele escândalo com o seu advogado tenha vindo à tona. Foi a coisa mais vergonhosa que aconteceu no julgamento. Agora, o povo vai saber que tipo de homem ele é.‖


195 Cela de Speer: Speer estava contente pelas mesmas razões. ―Viu como a podridão desses homens aparecem quando se lhes dão corda? Penso que não há mais perigo do povo render-se à pose de Goering com alemão honesto e patriota.‖ Cela de von Schirach: Ele mal podia esconder sua inquietação sobre a desmoralização de seu herói. Aproveitei a ocasião para mostrar a hipocrisia da pose heróica de Goering e como ele aparecia para mundo exterior, agora que esses fatos adicionais estavam sendo revelados. Eu lembrei a sua própria conclusão de que tanto Hitler como Himmler tinham ―tido algo‖ com o expurgo de Roehm, e portanto estavam ambos envolvidos em conspiração criminosa. Agora que a implicação de Goering no caso havia se tornado clara, eu também era da opinião de que todos os três estavam intimamente ligados em uma aliança criminosa. Von Schirach ficou na defensiva e explicou que ele era apenas um jovem garoto quando Goering já era um grande herói da I Guerra Mundial. Mas que não tinha nada a fazer com sua própria defesa e com suas próprias convicções políticas. Ele nunca havia mudado sua convicção, desde o colapso, que a ideologia racial da Alemanha foi a sua infelicidade. Cela de Frick: Frick sabia perfeitamente que a sua testemunha estava liquidando com Goering e não parecia nem um pouco preocupado. Ele disse que a testemunha contava a verdade como ela sabia, e que os antecedentes da ascenção de Himmler ao poder agora estavam sendo revelados. ―Eu poderia ter acabado com Himmler pessoalmente, mas Hitler sempre o apoiou. Além disso, Hitler não queria fazer as coisas a meu modo. Eu queria que as coisas fossem feitas legalmente. Afinal, eu sou um advogado.‖ A atitude de Frick traía claramente uma satisfação maliciosa de vingar-se de Goering por ajudar Himmler a chegar ao poder preterindo Frick, como Goering tinha suposto. Entretanto, foi irônico ver o patrono das Leis de Nuremberg se esconder sob o manto virtuoso da legalidade enquanto difamava os gângsteres que o haviam derrotado em seu próprio jogo oportunista. 25 de abril Conspirações nazistas e escândalos Quando os réus se enfileiravam para entrar no salão da Corte esta manhã, começaram imediatamente a discutir sobre o escândalo da intimidação da testemunha por parte de Goering. Schacht, Speer e outros ao redor fizeram observações cínicas sobre o comportamento vergonhoso do ―patriota alemão‖ Goering perante um tribunal internacional. Doenitz disse a Raeder e a von Schirach que foi estupidez de Goering ter mandado seu advogado fazer tal coisa. Keitel virou-se e disse: ―Goering deveria saber que a tampa iria explodir se ele tentasse forçar alguma coisa parecida.‖ Então, Goering entrou e eles fizeram cara de jogador de pôquer. Doenitz perguntou-lhe se ele havia estado com o Dr. Stahmer na noite passada. Gooering deu uma explicação vaga, que aquilo não foi o que parecia realmente ter sido, e que a sua conversa com seu advogado tinha sido particular. Ainda tentando ficar de bem com os almirantes, logo que Gisevius retornou ao estrado para continuar seu depoimento, Goering voltou-se para eles e disse: ―Olhem o traidor! Ora, ele era apenas um oficial insignificante. Aonde ele quer ir


196 falando como se soubesse de alguma coisa? Olhem ele lá sentado como um traidor. Não se preocupem, em dez ou doze anos a história terá uma visão inteiramente diferente desses traidores.‖ Sessão da manhã: Givesius testemunhou sobre a cumplicidade de Goering no escândalo do casamento de von Blomberg, e ficou claro porque ele queria intimidar a testemunha no seu depoimento sobre o fato. Com o conhecimento e ajuda de Goering, o marechal-de-campo von Blomberg havia casado com uma ―mulher de má reputação‖. Então, Goering usou o escândalo para fazer Hitler remover von Blomberg do posto de comandante-em-chefe da Wehrmacht. A cumplicidade de Goering no escândalo de von Fritsch também foi revelado, mostrando como ele fora acusado injustamente de homossexualismo e removido do posto de comandante-em-chefe do Exército. Schacht, Canaris e outros iniciaram então uma conspiração contra Hitler. Goering tentou rir daquilo tudo. ―Ach! Ele é apenas um sensacionalista revivendo todos os rumores que circularam por aí nos últimos dez anos.‖ Doenitz me dise: ―Deixe-o falar. Isso mostra como os políticos se metem em um buraco e então esperam que os generais os tirem de lá.‖ Keitel estava chateado com a revelação do escândalo do casamento de von Blomberg. ―É uma vergonha desencavar este escândalo! Mesmo que não me diga respeito!‖ Goering concordou: ―Não adianta se queixar, marechal-de-campo, aquelas pessoas não têm a nossa formação. Eles não entendem essas coisas. É como eu sempre lhe disse.‖ ―Sim, foi um truque sujo para capitalizar politicamente à época‖, eu disse para Keitel. ―Agora, é inevitável que isso venha a público para revelar a podridão da liderança nazista.‖ ―Não me importa, foi uma coisa indecente revelar isso‖, protestou Keitel. ―Fui um soldado honrado por 44 anos e agora eles estão tentando me humilhar e a toda minha reputação.‖(*) Hora do almoço: Quando eles foram almoçar, von Schirac tinha a aparência abatida com a desmoralização de seu herói, e a maioria dos réus entrou na fila, uns embaraçados, outros em indignado silêncio. Até Schacht estava um pouco nervoso, conforme ele me disse, porque recebeu olhares sórdidos de membros do grupo dos militares e de alguns outros. ―Veja, vários alemães decentes estão contrariados com a noção de patriotismo deles. Seria melhor se Gisevius não tivesse tentado levantar o assunto da traição [Landesverrat], mas simplesmente narrar os fatos. Entretanto, a verdade é a verdade e não há meio de impedi-la de aparecer.‖ Doenitz desfilava pelo refeitório, evitando deliberadamente a nossa conversa pela primeira vez. ―Veja que a mentalidade [militarista] vai além da compreensão e do sentimento humano. Lá estava a ameaça de guerra: significou vidas de milhões de alemães, a destruição e o desespero, tudo isso aconteceu. Mas quando é necessário se manifestar para impedir, algumas pessoas simplesmente não podem esquecer seus limitados sensos de dever.‖


197 (*) O filho de Keitel casara anteriormente com a filha de von Blomberg, e então o escândalo do casamento refletiu também na tradição da família de Keitel (NA). Tentei atrair Doenitz para a conversa, mas ele começou deliberadamente a falar sobre as flores do jardim lá fora. Era óbvio, agora que tinha que se manifestar, que as suas simpatias eram estritamente para os militares a quem a testemunha havia culpado por iniciarem a guerra junto com Hitler. Von Papen finalmente entrou na conversa. ―É pena eu não ter tido pessoalmente um contato mais direto com vocês naquela época. Não houve cooperação unificada bastante entre os que se opunham a Hitler. Até os generais não tiveram apoio.‖ ―Não, os generais só se ocuparam de suas tarefas!‖, insistiu Schacht. ―Se apenas uma dúzia de homens enérgicos se juntassem e não perdessem a coragem quando foi preciso se manifestar.... Era tudo o que se precisava para parar Hitler. E milhões de vidas teriam sido salvas! Mas, quando foi preciso se tomar uma providência, os generais bateram os calcanhares; von Neurath aqui simplesmente renunciou. Não quero dizer que seja nada pessoal, eu entendo, mas havia muito poucas pessoas que desejavam dar um fim a tudo aquilo.‖ Sessão da tarde: Pela tarde, a testemunha revelou detalhes da conspiração fracassada para assassinar Hitler em 20 de julho de 1944, além de outras intrigas e escândalos nos quais Goering e os generais estiveram envolvidos. Até o nome do general Rommel foi citado por sua participação em intriga quando ele viu que a dança havia começado e quis ser um dos homens no topo após a queda. Durante o intervalo da tarde, Schacht me disse que aquilo significava o fim da lenda de Hitler, agora que a podridão de todo o sistema havia sido exposta. Fritzsche, ainda à beira das lágrimas, colocara seus óculos escuros para esconder os olhos. Ele disse: ―Ao contrário, meus amigos, isto significa o início da lenda de Hitler.‖ ―Você quer dizer que a corrupção, a intriga e o escândalo do regime tornaram Hitler mais admirável aos olhos dos alemães?‖, perguntei. Seyss-Inquart interrompeu nesse ponto: ―Não, pois o quadro é muito grave, intrigas demais, complôs de assassinatos demais. Acho que o povo alemão repudiará totalmente.‖ Interrogado pelo promotor Jackson, Givesius revelou a cumplicidade de Goering no complô para incendiar o Reichstag. Hitler havia ordenado uma ―campanha de propaganda em larga escala‖. Goebbels combinou com Goering e com o lider das SA, Carl Ernst, para incendiarem o prédio e botarem a culpa nos comunistas. Goering mais tarde teve a maioria dos homens das SA que participaram desse complô assassinada durante o expurgo de Roehm, além de uma lista preparada de inimigos. À noite na prisão Cela de Schacht: Schacht explicou o argumento da lenda de Hitler. ―O que eles tentavam dizer é que todas essas conspirações contra Hitler podem levar ao surgimento de outra lenda de ‗apunhalado pelas costas‘, igual àquela após a Primeira Guerra Mundial. Mas as coisas que foram reveladas no depoimento


198 são realmente muito prejudiciais à reputação de Hitler. Imagine a cena: o marechal-de-campo von Fritsch vai a Hitler e declara, por sua palavra de honra, que a acusação de homossexualismo contra ele é inverídica. Hitler, o chefe de Estado, então abre pessoalmente a porta para seu pequeno prisioneiro e o confronta com seu acusado. Agora, veja isto: o chefe do Estado Alemão aceita a palavra do prisioneiro homossexual contra a palavra de honra do comandante-em-chefe do Exército Alemão. Não, os alemães jamais perdoarão uma coisa desta!‖ Ele repetiu o que havia dito sobre uma dúzia de homens corajosos durante o almoço: ―... E agora von Papen quer saber por que eu não fui em seu apoio. Ora, como eu poderia, já que ele deixou que os nazistas assassinassem seus próprios subordinados, um após o outro, e ainda concordou com aquilo? Depois da Anschluss, eu pensei que ele pularia fora, mas então ele mais uma vez aceitou uma embaixada. E eu lhe pergunto, parece um homem com quem você conspiraria contra Hitler? Agora ele quer dizer que estava contra Hitler também. Não, não é um que estava contra ele então!‖ 26 de abril Sessão da manhã: Gisevius ainda testemunhou, sob a inquirição do promotor Jackson, que foi a brutalidade dos homens das SA desde o início que pavimentou o caminho para a crueldade que atingiu o ápice nos assassinatos nos campos de concentração. Os detalhes da intimidação de Goering contra a testemunha mais uma vez ficaram claros. [Goering tentou analisar o efeito sobre os juízes e os outros réus pelo canto dos olhos enquanto escondia sua contrariedade com um ar afetado de indiferença.] Durante o intervalo da manhã, o Dr. Stahmer, contrariado com a exposição da intimidação que desacreditava sua própria honra como advogado, se aproximou de Goering e foi ouvido lendo uma explanação que iria fazer à Corte. Ele queria desacreditar a testemunha e solicitar que uma declaração fosse feita por Goering sobre a intimidação da testemunha e sobre as várias intrigas de que supostamente Goering teria participado. Goering estava relutante em continuar com o assunto, obviamente ansioso em deixá-lo esfriar sem atrair mais atenção. Dr. Stahmer disse que ele tinha que tomar uma posição para inclusive se isentar. Goering disse-lhe que deixasse por enquanto até que ele considerasse o assunto. Então, Goering voltou-se para sua claque e mudou o tema, recorrendo a um dos seus preferidos. ―Não se preocupem, a Inglaterra não poderiam nos derrotar; a Inglaterra e a Rússia não poderiam nos derrotar; e foi preciso um inferno de tempo para a Inglaterra, a Rússia e a América nos derrotarem. E se tivéssemos outra oportunidade, eles nunca nos derrotariam.‖ A claque de Goering entre os militares e mais Ribbentrop e o desatento Hess concordaram de coração e deleitaram-se com a tirada heróica. Assim, a atenção deles foi desviada, pelo menos por enquanto, da própria desgraça de Goering. Hora do almoço: Durante o almoço, entretanto, ficou óbvio que Goering sabia que não fazia ninguém de bobo. Emburrou-se no canto de sua sala, nem mesmo saindo para dar sua caminhada e enfrentar os olhares desconfiados dos outros réus. Quando ele desceu para a sala da Corte, disse ao Dr. Stahmer


199 que ele tinha pensado bem e decidido que seria melhor não tocar mais no assunto.

14. A defesa de Streicher 26 de abril (cont.) Streicher depõe Sessão da tarde: Streicher iniciou sua defesa denúnciando seu próprio advogado de defesa por não conduzir seu caso conforme a sua orientação. Isso obrigou o advogado a se defender perante a Corte, pois não desejava defender o antissemitismo de Streicher, e a requerer uma decisão da Corte sobre se deveria continuar a defender seu cliente sob aquelas circunstâncias. A ele foi dito que continuasse. Streicher então continuou com um bombástico discurso, descrevendo-se como um apóstolo do antissemitismo ordenado pelo destino. Descreveu com fervor dramático como ele conheceu e se inspirou em Hitler e pelo halo sobre sua cabeça. [Os juízes ouviam-no com ar de zombaria. Em todo o banco dos réus havia, obviamente, sinais de embaraço. Ostensivamente, Goering enterrou o rosto nas mãos como se estivesse doente. Doenitz sacudiu a cabeça tristemente e fechou os olhos.] No curso do interrogatório, Streicher teve de ser repreendido por chamar Givesius, a testemunha anterior, de traidor. Quando eles se enfileiraram para pegar o elevador, no recesso do julgamento, todos, exceto Frick, mostravam, por palavras ou gestos, sinais de desgosto. Frick achou que Streicher havia falado bem. 27 e 28 de abril Fim de semana na prisão Cela de Jodl: Jodl estava deprimido. Eu lhe disse que compreendia como ele se sentia, referindo-me é claro à sua explosão na Corte três dias atrás. Ele falou com sinceridade: ―É duro, não há prazer em oscilar entre a reação amarga contra essa política suja e o natural sentimento patriótico que ainda tenho. Discutimos os acontecimentos da semana, e Jodl não escondia sua satisfação maliciosa com a desmoralização das táticas de Goering. Ele soube que Goering tinha se livrado do rival amoroso de von Blomberg, e considerou inteiramente provável que Goering havia deliberadamente deixado von Blomberg cair na armadilha porque ele não aceitava tê-lo ou a alguém mais como seu oficial superior. ―Sim, naquela época ele era um covarde desprezível, presunçoso, ambicioso e arrogante. A maneira como ele tirou vantagem do constrangimento de von Blomberg fez nosso sangue ferver. Nós desprezamos ele por sua vaidade rude. Sei que é verdade que ele estava ansioso para se livrar de von Blomberg. Mas o caso de von Fritsch foi pior. Pode ser, como Givesius disse, que tenha o dedo de Goering também naquela caso vergonhoso porque ele não podia suportar von Fritsch, ainda menos do que von Blomberg, como comandante-em-chefe da Wehrmacht. Von Fritsch era um prussiano de mente estreita que não aceitava mutretas. É bastante possível que Goering tenha desenterrado a intriga de homossexualismo para tirá-lo do seu caminho.‖


200 Jodl riu de Streicher ter inciado sua defesa denúnciando seu próprio advogado. Eu contei que o editor do Stürmer, Hiemer, poderia vir a testemunhar. Jodl disse que tanto Streicher como Hiemer tinham sido professores. ―Esses professores estavam sempre procurando uma oportunidade para ganhar algum poder e respeitabilidade.‖ Perguntei-lhe qual o sentido particular por trás disso. ―Você não imagina, mas um professor de gramática era a profissão mais desprestigiada no país, especialmente na Baviera. Nas cidades católicas, os professores eram considerados simples lacaios dos padres, eram obrigados a tocar órgão nas igrejas aos domingos e ensinavam mais ou menos o que os padres os permitiam ensinar.‖ Cela de von Schirach: Von Schirach não queria falar sobre Goering, agora que este tinha sido desmoralizado e desgraçado. Entretanto, ele tinha bastante coisa para dizer sobre Frick. ―Ele é muito bom... teria que surgir agora que ele sempre foi contra o sistema nazista! Ora, quando eu era garoto de escola, Frick era o grande líder da facção nazista no Reichstag. Ele foi um dos que colocaram Hitler no poder. Ele foi o funcionário-chefe de governo como ministro do Interior após o partido assumir o poder, e agora ele tenta pegar carona de Schacht como alguém que tem algo a dizer contra Himmler. Eis porque ele chamou Givesius como testemunha. Ele sabia que Schacht iria se dar bem e provavelmente seria absolvido. Ele não depôs como os outros porque temia se prejudicar, e tudo o que lhe importa agora é seu pescoço. Digo que isso é chocante. Quando lembro de como ele foi um líder importante do partido, quando eu era criança, e agora ele não quer saber de nada sobre isso. Pelo menos eu ainda faço algo para livrar a juventude alemã do peso dessa loucura de antissemitismo, da qual me sinto parcialmente responsável, e para facilitar as coisas para o futruro. Mas, acho que tudo o que importa para Frick é ele próprio. Acho que ficou com medo de depor. Ele sabia que tinha bastante a responder sobre esse assunto sórdido do antissemitismo e ele não queria fazêlo. Falar nisso, o que você achou de Streicher?‖ ―Ele mostrou-se na Corte como o fanático louco que é‖, respondi. ―Bem, você sabe, penso que ele vai continuar com isso e ainda tentar manter seu antissemitismo não obstante a desgraça em que caiu.‖ Fomos mais além. Von Schirach deixou claro sutilmente que, se Streicher continuasse nesse caminho, o assunto não se esgotaria. Segui seu raciocínio, assegurando-lhe que seria necessário que um indivíduo mais respeitável, que houvesse se desiludido com o antissemitismo e tivesse despertado da loucura do preconceito racial, para expor a falsidade dessa doutrina. Isso era o que von Schirach queria que eu dissesse. Ele agora está convencido de que o futuro do antissemitismo na Alemanha jaz em suas mãos e que a juventude alemã aguarda uma palavra de seu exlider. Se ele permanecer calado sobre o assunto, os jovens perceberão isso como uma confirmação tácita de suas antigas convicções; mas se contar a eles como foram iludidos, acabarão com o antissemitismo de uma vez por todas, no que diz respeito à juventude alemã. Então eu lhe disse que a única maneira de compensar, no mínimo, o que ele havia feito era apresentar-se e falar à juventude alemã, de modo firme, que Hitler havia traído a todos. Mostrei que, além disso, a história e o povo alemão não considerariam como patriotas honestos políticos como Goering, mas sim um homem como Speer, que se


201 voltou contra Hitler quando percebeu que ele havia enganado o povo. Tudo isso pareceu impressionar von Schirach profudamente. Cela de Ribbentrop: Ribbentrop disse que ainda estava tendo dificuldades com a fala, mas passou a tagarelar, repetindo muito de seus argumentos e ponderações anteriores: ‗eles caíram no erro de perder a guerra; eles não quebraram o Pacto de Minique; Hitler era uma personalidade fascinante; ele queria que o coronel Amen tivesse tentado interrogar Hitler e ele teria visto até onde chegaria; ele não era um antissemita, alguns de seus melhores amigos eram judeus; ele era membro de um governo antissemita e naturalmente não poderia seguir uma política pró-semita; a promotoria tinha produzido poucos documentos que provassem que ele era culpado de antissemitismo e de guerra de agressão, mas estava certo de que a promotoria poderia ter também produzido documentos para provar justamente o oposto‘. Uma nova linha foi acrescentada: sua afirmação de que a América tinha usado seu Exército para suprimir pela força a oposição 150 vezes nos últimos 150 anos. Ele não disse onde havia obtido tal informação. Ele então quis saber o que as pessoas estavam falando dele desde que seu caso foi encerrado. Eu não pude lhe dar muito ânimo... Ele não achou bom Gisevius ter dito todas aquelas coisas repugnantes sobre outros alemães, e quis saber o que eu diria se um americano dissesse tais coisas sobre outros americanos. Eu lhe disse que se essas coisas fossem verdadeiras, eu naturalmente iria ficar envergonhado delas, mas não acharia que me manter quieto iria mudar a verdade. Eu lhe perguntei o que ele achava da intimidação da testemunha e todo o escândalo que foi revelado. Ele repetiu que não era bom o fato de alemães falarem de alemães daquele jeito. Cela de Schacht: Schacht disse que todo mundo o estava evitando, exceto Speer, mas que ele não se incomodava porque eram todos um bando de criminosos, como ele sempre disse. ―Você precisa assistir àquele verme Streicher no estrado depondo e ver o tipo de homem que Hitler protegeu até o fim!... Ugh! Aquele homem, Hitler, não tinha nenhuma ideia de decência, de honra, de dignidade. Manteve aquela escória no poder e forçou os homens decentes a renunciar, ou liquidou-os um após o outro.‖ 29 de abril ―Der Stürmer‖ Sessão da manhã: Streicher tentou provar que ele destruía sinagogas somente por questões de gosto arquitetônico. Admitiu que as demonstrações antijudeus de 10 de novembro de 1938 não foram espontâneas, mas um pogrom promovido por Goebbels, do qual ele teve conhecimento prévio. Himmler e von Schirach, entre outros, lhe deram apoio por escrito quando o Stürmer esteve sob ameaça de fechar. Como um antissemita, ele não estava interessado em descrever as características positivas e as realizações do povo judeu. Durante o intervalo, ele voltou para o banco dos réus e olhou ao redor em busca de sinais de encorajamento e aprovação, mas todos os demais viraramlhe as costas. Por fim, Ribbentrop disse-lhe que podia falar o que quisesse mas que ele, Ribbentrop, não era um antessemita fanático.


202 Rosenberg então instou para que ele contasse como os escritores judeus atacavam o regime nazista, o que justificava a retaliação pelos escritores nazistas. (Essa é a ideia que Rosenberg vem tentando vender a todos os réus que depuseram até então, sem sucesso, porém Streicher concordou em adotála.) De volta ao estrado, Streicher admitiu a responsabilidade por todas as publicações do ―Stürmer‖, inclusive os números especiais como os dedicados aos pretensos assassínios ritualísticos hebraicos. Ele também aproveitou a ocasião para constranger e insultar o seu próprio advogado, e a Corte teve de alertá-lo de que qualquer outra insolência ao advogado ou à Corte provocaria o fim do exame de seu caso. Hora do almoço: Durante o almoço, houve uma relutância geral até em se discutir Streicher como alguém abaixo de qualquer crítica. Sessão da tarde: Streicher negou ter qualquer conexão ou conhecimento sobre o extermínio dos judeus. A inquirição feita por Mr. Griffith-Jones aos poucos e firmemente estabeleceu a ligação de Streicher com o conhecimento das atrocidades e a persistência em defender o extermínio mesmo depois de noticiado na imprensa estrangeira, que ele admitiu ler. Streicher continuou dizendo que mesmo se ele tivesse lido sobre aquelas coisas ele não teria acreditado. Ele havia falado sobre o extermínio de judeus mas não literalmente. [Isso provocou uma reação de desprezo por parte de Frank, que encarou Streicher no intervalo e sibilou: ―O suíno não sabia nada sobre os assassinatos! Eu sou o único que sabia de tudo! Como ele mente desta maneira sob juramento? Se eu juro por Deus Todo Poderoso, como eu posso mentir?!! Parece que eu sou o único que sabia de tudo!] Streicher continuou a se eximir pelo incitamento ao extermínio com base na liberdade literária, represália por incitamento na imprensa estrangeira etc. Por fim, a esposa de Streicher testemunhou dizendo que seu marido era um bom homem. A Promotoria não se deu ao trabalho de reinquiri-la. À noite na prisão Cela de Fritzsche: Seu comentário sobre Streicher foi breve e direto: ―Eles deveriam no fim ter posto uma corda ao redor do seu pescoço; pelo menos é o que o nosso canto do banco acha.‖ Então, recomeçou a lutar contra as lágrimas ao me contar seu desespero sobre o processo. Ele não se mostrava muito coerente, mas disse que estava desiludido quanto ao caso de Schacht. Se tanta gente sabia de tudo o que Hitler estava fazendo, por que ninguém teve a coragem de arriscar sua própria vida, se aproximar diretamente e atirar nele em vez de plantar bombas, o que não funcionava porque eles não queriam estar presentes na cena da ação? Ele explicou o perigo de outra lenda de ataque traiçoeiro. Mas ele estava doente e cansado de tudo. Cela de Doenitz: A sua atitude foi a de que não queria saber ou dizer alguma coisa sobre as políticas e propagandas sórdidas. Nenhum dos seus oficiais navais jamais tocara no jornal imundo de Streicher, nem com pinças. Ele disse se sentir bastante mal em ter que passar por tudo isso no Tribunal, mas estava


203 satisfeito porque seu caso seria logo analisado e ele estava sendo representado por um exemplo correto de distinto jovem oficial naval alemão, que apresentaria seu caso simples e honestamente. Então, ele disse ter esperança de, algum dia, assim que puder, estar longe dessa confusão de políticas e propagandas.

15. A defesa de Schacht 30 de abril Schacht depõe Sessão da manhã: Schacht iniciou sua defesa com um autorretrato como patriota nacionalista, idealista e democrata. Ele havia se ligado a Hitler porque ele era o líder do maior partido e seu programa não parecia tão radical naquela época. Ele falou com desprezo de Hitler como um político demagogo, descrevendo Mein Kampf como um tratado político escrito em péssimo alemão por um fanático pobremente educado. Schacht sustentou que era justificável ele ser contra o Tratado de Versalhes, visto que até a América recusou ratificar o documento por ser uma traição aos 14 Pontos de (Woodrow) Wilson. No intervalo da manhã, Goering saiu de seu canto e, no meio do banco dos réus, passou a criticar Schacht. Ele reuniu em conferência Sauckel, von Schirach, Frank, Rosenberg e Ribbentrop e descreveu como Schacht tinha cumprimentado efusivamente Hitler com ambas as mãos no Reichstag. Ele acusou Schacht de vira-casaca e hipócrita, a quem o povo alemão repudiaria, um alerta claro para aqueles que ainda iriam depor. Hora do almoço: Durante o almoço, houve uma discussão animada no refeitório dos mais jovens, com Speer tentando puxar von Schirach para a linha de resistência anti-Hitler. Von Schirach expressou a opinião de que, se Hitler era um fanático medianamente educado que não tinha noção dos problemas industriais, ele gostaria de saber por que Schacht o havia apoiado no início. Speer respondeu dizendo que era óbvio que Hitler o tinha enganado, ―assim como enganou todos nós.‖ Von Schirach ainda não achava que Hitler era ignorante como Schacht o estava pintando. Ele pode não ter tido muita educação, mas ele lia bastante e mostrava considerável conhecimento em muitas áreas. ―Este é o problema‖, disse Speer. ―Igual a muita gente que tem um conhecimento superficial em muitas áreas, ele achava que era especialista em todos os campos. Falando de arquitetura e armamento, as duas áreas que eu conheço alguma coisa, ele achava que era um expert nesses campos porque aceitava tudo o que lia como confiável. Esses autodidatas têm um respeito irracional pelo que veem impresso. Ao contrário dos cientistas, eles não entendem que especialistas se reciclam no tempo e no progresso da ciência e que a palavra impressa está longe de ser absoluta. Então, ele considerava sua opinião absolutamente abalizada em todos os assuntos porque ele também tinha lido um livro. Eu contribui com algo sobre o perigo da combinação de conhecimento superficial com uma personalidade obsessiva. Isso levou von Schirach de volta ao caminho anti-Hitler. ―Ele persistiu em sua obsessão antissemita até a morte, e mesmo em seu Testamento ele tentou


204 culpar os judeus pela guerra e justificar o extermínio.‖ Voltando-se para Speer, ele acrescentou: ―Temos que dizer alguma coisa sobre isso em nossas defesas.‖ Speer aproveitou a oportunidade para esclarecer o seu ponto de vista: ―Sim, nós devemos. Como uma vez eu disse a você, Hitler deixou claro que não se importava se o povo alemão perdesse sua última possibilidade de existência porque só os povos inferiores remanescem. Então, você considera a juventude alemã como população inferior que não merece existir?‖ Von Schirach levantou as sobrancelhas. ―E daí? Você tem que me mostrar essa declaração.‖ Speer disse que iria mostrar, e também como Hitler deu realmente ordens para destruir todos os meios de subsistência do povo alemão. Sessão da tarde: [Goering continuou a resmungar para seus vizinhos observações hostis sobre Schacht, e disse que esperava que Jackson o espremesse também. Os almirantes e von Schirac, entretanto, não prestaram mais atenção a ele, que foi forçado a despejar seus resmungos nos ouvidos desatentos de Hess.] Schacht continuou a denúnciar Hitler como um traidor dos idealistas alemães como ele, contando como Hitler jurou defender a Constituição de Weimar, mas violou todas as suas leis; havia prometido direito de minoria aos judeus, mas na verdade os tornou apátridas e desprotegidos; prometeu proteger os cristãos, mas ofendeu e insultou a Igreja; prometeu o comércio pacífico, mas em vez disso o destruiu. Quando ele percebeu que Hitler estava predisposto a ir à guerra, livrando-se de tudo que estivesse em seu caminho, Schacht se voltou contra ele e conspirou para derrubá-lo, como Givesius havia testemunhado. À noite na prisão Cela de Schacht: Schacht jogava paciência, calmo e confiante. ―Você me ouviu hoje à tarde? Eu lhes contei umas coisinhas. Eu contei o que Hitler havia prometido e o que havia realizado. Claro que aqueles nazistas não gostaram nem um pouco. Estavam todos resmungando no banco, exceto os poucos que concordam comigo — Speer, Funk e von Papen. Aquele tampinha, o Streicher, disse que era terrível falar do nosso falecido Führer daquela maneira. Aqueles suínos falam sobre respeito aos mortos depois deles terem assassinado cinco milhões de pessoas inocentes e milhões de alemães decentes que tombaram numa guerra inútil!... Eu só comecei! Espere até eu chegar à irrupção da guerra. Os militares vão ter um ataque. Eles já estão doidos, embora Jodl pelo menos tenha conversado comigo tentando explicar a diferença entre pacifismo e amor à paz. Sei que há uma diferença. Eu expliquei isso na Corte. Se a profissão militar é honrosa é também a mais apagada do mundo porque seu dever é impedir o seu uso.‖ Conversamos sobre militarismo um pouco mais e concordamos que a experiência tem mostrado que, quando o militarismo alemão enfrentou a necessidade de se manifestar entre a paz e a guerra, o treinamento, obediência e ambição dos generais penderam para a decisão em favor da guerra. 1o de maio Sessão da manhã: Schacht esclareceu o quão pouco teve a fazer com os nazistas e quanto desprezou multidão por razões sociais. [Embora Goering nunca tivesse uma audiência muito interessada em seu redor, continuou a


205 fazer suas observações alto o bastante para os outros o ouvirem. ―Agora ele tem coragem para dizer isso! Ouçam como ele mente!‖] Então, Schacht entrou em uma longa argumentação sobre desarmamento e rearmamento e as suas intenções somente de manter a paridade com os vizinhos da Alemanha quando eles recusaram o desarmamento. [Quando Schacht disse que, se tivesse sabido que Hitler iria usar o dinheiro para o rearmamento, ele nunca teria dado, Goering riu alto e Raeder disse: ―Quem vai acreditar nisso!‖] No intervalo da manhã, Goering foi ouvido falando aos advogados sentados à sua frente: ―Ele está mentindo! Ele está mentindo! Ele está mentindo! Eu estava lá pessoalmente quando Hitler disse que precisava de mais dinheiro para armamento e Schacht respondeu: ‗Sim, precisamos de um grande Exército, Marinha e Força Aérea.‘‖ Ribbentrop concordou: ―Sim, eu ouvi também. Foi em 1940.‖ Goering confirmou a época do fato. Hess virou-se e perguntou a von Schirach se ele tinha ouvido também, mas von Schirach ignorava o assunto, e Goering mostrou seu aborrecimento com a sua atitude recalcitrante. Schacht citou ―Missão em Moscou‖, de (Joseph) Davies, que descrevia como ele, Schacht, saudou entusiasticamente a proposta de Roosevelt para limitar o rearmamento às armas que um homem pudesse carregar às costas. Admitiu que, como presidente do Reichsbank, ele usou as chamadas ―Mefo Bills‖(*) para financiar o rearmamento, mas não foi por sua culpa que isso foi mantido em segredo, foi responsabilidade do Ministério das Finanças. Hora do almoço: No refeitório dos mais jovens, Speer fazia a cabeça de von Schirach e de Fritzsche. Ele lhes mostrou a correspondência entre ele e Hitler que documentava a determinação de Hitler de destruir a ―subsistência básica‖ do povo alemão em vez de se render. Von Schirach lia com bastante interesse quando eu me aproximei e, ofegante, disse: ―Horrível! Horrível!‖ ―E aqui estão as ordens que mostram que não só Hitler falou como iniciou a execução!‖, apontou Speer. Fritzsche passeava para cima e para baixo, excitado. ―É isso que vai destruir o mito de Hitler de uma vez por todas! Isso vai afastar o perigo da lenda de traição em relação às conspirações contra Hitler.‖ ―Exatamente! Por causa disso é que pedi a vocês para confirmarem que, antes da Conferência de Yalta, Hitler ordenou a campanha de propaganda com o slogan ‗JAMAIS NOS RENDEREMOS!‘ Ele não queria uma oferta de paz!‖, acrescentou Speer. Von Schirach repetia: ―Terrível! Terrível!‖ Já lá embaixo no banco dos réus, vários deles me fizeram observações furtivas sobre o fato de que Schacht não odiava Hitler, como agora ele diz, quando gozava de popularidade nos anos iniciais. Irritado com qualquer um que tentava se pretender inocente, depois que ele admitiu a sua própria culpa, Frank afirmou: ―Se Hitler tivesse ganho a guerra, Schacht estaria o rodeando com o mais alto ‗Heil Hitler!‘ de todos.‖ Jodl e Doenitz me disseram que tudo era muito interessante e divertido, referindo-se à mesma coisa. (*) Mefos - Letras de câmbio da empresa de fachada Metallurgische Forschungsgesellschaft, criada por Schacht (NT).


206 Sessão da tarde: Continuando a sua defesa, Schacht demostrou sua oposição às medidas ilegais, brutais e antissemitas, e reivindicou ser o ―no-man‖ (homem nenhum) que Goering disse não existir em referência à obediência a Hitler. Por fim, sobre a questão do juramento de lealdade a Hitler, ele disse que fez não a Hitler homem, mas a Hitler chefe-de-Estado. ―Eu nunca mantive o juramento de lealdade a um pérjuro, e Hitler provou ser um centenas de vezes.‖ [Goering, ressentido em sua pose de lealdade, apoiou firmemente o queixo no punho e encarou Schacht.] 2 de maio Schacht é interrogado Antes do início da sessão, pela manhã, houve vários comentários furtivos entre os réus sobre a alegada antipatia de Schacht a Hitler no começo. Os militares desdenhavam da tentativa de Schacht de negar as intenções de rearmamento para a guerra. Até o reservado Raeder me deu, pela primeira vez, sua opinião direta sobre um dos réus, como se não imaginasse ser citado sobre o assunto. ―É um homem terrível, o Schacht. O que ele diz não é verdade.‖ No contexto da conversa, não havia dúvida de que ele se referia ao problema do rearmamento. Quando Goering chegou ao banco dos réus, ficou satisfeito ao ver que expressavam algum sentimento hostil com relação a seu inimigo Schacht. Ribbentrop queixou-se de que Schacht falava demais sobre a política exterior da Alemanha. Goering o confortou com a observação: ―Tudo bem, se você quis condenar tanto a Alemanha deveria ter falado por mais tempo, e eu também.‖ Depois que eu deixei a sala da Corte, Goering disse ao seu advogado que ele iria contrabandear duas cartas para ele. O guarda me informou e eu tomei as precauções necessárias para vigiar a troca de papéis entre os dois. Sessão da manhã: Schacht concluiu sua defesa retratando-se como um exemplo de virtude e enfatizando seu papel de líder nas conspirações para remover Hitler. Ele disse que não pôde obter apoio dos intelectuais alemães e que os militares sempre o abandonavam no último minuto. Hora do almoço: Houve pouca discussão sobre o caso de Schacht no almoço, uma vez que o tema de sua exageradíssima virtude já havia se esgotado. Os comentários ouvidos tanto no banco quanto no refeitório revelaram uma antecipação maliciosa de desmascaramento do Schacht antinazista no interrogatório. Pela primeira vez, todos eles pareciam desejar o sucesso da promotoria. Sessão da tarde: [Quando o interrogatório começou, a panelinha de Goering demonstrou grande prazer quando o promotor Jackson iniciou mostrando que Schacht era muito mais entusiasmado com a ascenção do partido ao poder do que desejava admitir.] Jackson citou alguns trechos do discurso de Schacht em novembro de 1938, sobre os ―Milagres das finanças‖. [Goering, Sauckel, von Schirach e os almirantes trocaram olhares, assentiram e piscaram os olhos. Goering cutucou Hess e disse: ―Coloque os fones nos ouvidos; isso vai ser bom.‖ Os militares e os homens de propaganda divertiram-se com o embaraço de Schacht com a prova de que havia contribuído anualmente com mil marcos (Reichsmark) para o partido após receber o seu distintivo de ouro. Goering


207 balançava-se de rir.] Então, o promotor mudou de assunto para o conhecimento de Schacht sobre o crescimento da Wehrmacht, o que era dificilmente reconciliável com seus objetivos pacíficos. [Goering divertia-se, e disse aos outros: ―Agora, vai aparecer.‖] Com referência ao discurso de Koenigsberg, Jackson argumentou: ―Você parou a citação logo no ponto que me interessava.‖ Schacht sorriu, com um constrangido bom-humor, dizendo que naturalmente deixou as outras partes para a promotoria citar. [Goering zombou: ―Ele ri como uma garotinha inocente ri pela primeira vez!‖ Achou engraçado e repetiu para os rapazes da fila de trás.] Jackson mencionou a parte em que Schacht apoiou Hitler e o programa nazista. Um traço característico revelador surgiu quando Jackson perguntou-lhe como poderia reconciliar seus ardentes tributos prestados a Hitler com a alegada hostilidade a ele; Schacht explicou inocentemente que tinha que manter uma dupla face para seguir seu caminho. À noite na prisão Cela de Doenitz: Doenitz tinha muito a dizer logo que eu entrei em sua cela. ―O que foi que eu lhe disse? Isso é política para você! Agora, eu respeito qualquer um que se apega a sua Arma. Sempre desprezei Goering, mas devo dizer que fiquei impressionado por sua coerência. Eu jamais o convidei à minha casa; isso demonstra o meu baixo conceito sobre ele. Como chefes da Luftwaffe e da Marinha, estávamos sempre em desacordo, mas pelo menos ele se levantava e defendia a sua Arma, e eu mudei a minha maneira de pensar sobre ele. Sou também diametricamente oposto a Rosenberg, mas se ele defende seu ponto de vista, é problema dele. Speer é um dos meus melhores amigos e ele se acha justificado por ter tentado assassinar Hitler em janeiro de 1945. Também é problema dele e acha honestamente que está certo. Mas isso não muda nossa amizade, mesmo que eu possa pensar diferente dele... Mas eu senti um cheiro de rato quando Schacht tentou se mostrar inimigo do regime desde o início. Biddle e Parker também sentiram. Eu pude ver em seus semblantes. Na verdade, Jackson também. Jackson o questionou sobre o porquê de tanto fingimento, e Schacht disse que se você quer influenciar alguém você tem que criar uma falsa fachada. Tudo o que Jackson disse foi: ‗Obrigado pelo aviso.‘ Se um homem se pavoneia por aí com um distintivo de ouro do partido, é hipocrisia dizer que o usa para obter certas benesses no trem ou ao requisitar um carro. Você notou os rostos de Biddle e de Parker? Quase estouraram na risada... Não, eu acredito em se ser íntegro e coerente. Você pode se dar bem com uma pessoa correta, independente do seu ponto de vista... Agradeço a Deus nunca ter lidado com políticos até o fim da guerra. Hoje faz um ano que desempenhei minha primeira missão política, e eu nunca havia lidado com políticos antes disso. É o motivo de eu ter tido uma vida bastante valiosa e limpa.‖ Cela de Speer: Speer achava que obviamente Schacht foi um tanto insincero quanto à sua hostilidade ao Partido Nazista nos primeiros tempos. Ele deveria ter admitido sua cooperação com Hitler no início e então sua desilusão e sua renúncia teriam sido mais convincentes. ―Isso me convence cada vez mais que estou certo na linha que estou seguindo. Vou logo admitir a minha participação na culpa e então explicar por que eu tentei assassinar Hitler.‖ Enfatizou mais


208 uma vez que não estava fazendo isso para salvar seu pescoço, mas para mostrar ao povo alemão o traidor que Hitler foi do seu próprio povo. A conversa então mudou para Goering. ―Ele está tramando alguma coisa. Está espalhando por aí que vai conseguir permissão para falar mais uma vez no encerramento da defesa para se vingar de Schacht e Gisevius, e fará Schacht se arrepender de tê-lo atacado. Claro que seu objetivo é assustar qualquer outro que tenha alguma coisa a dizer contra ele. Não há um nazista no banco dos réus que não tenha algo que ele preferiria que não fosse mencionado, e Goering sabe prefeitamente que estão todos temerosos que ele possa dizer sobre eles. Esses pequenos truques funcionam como um tipo de chantagem moral.‖ ―De qualquer maneira‖, continuou Speer, ―no que se refere ao mausoléo de mármore de Goering, temo que nem eu nem qualquer outro arquiteto será contratado para desenhá-lo. O testemunho de Gisevius praticamente liquidou Goering.‖ 3 de maio As finanças de Schacht e o batom de Goering Sessão da manhã: A caracterização de Goering feita por Schacht como ―um tipo criminoso imoral‖, sua exibição pomposa e seu egocentrismo foram citados no interrogatório feito por Jackson. Leu-se a recepção de oficiais por Goering vestido de toga e sandálias, como Nero, com o rosto maquiado, de batom e unhas pintadas de vermelho, para a diversão de todos na Corte, exceto do próprio Goering, naturalmente. [Goering se remexeu na cadeira e resmungou: ―Esse não é local para se falar sobre isso, mesmo que seja verdade. Isso não pode ajudá-lo. Não sei por que ele está revelando isso.‖ Hess deu sua risada entredentes, mas os demais no canto do banco tiveram suficiente presença de espírito para controlar seu divertimento. Goering continuou com obscuras referências à ameaça de se vingar de Schacht: ―Vocês podem ter certeza de uma coisa — esperem e verão.‖] O interrogatório revelou que Schacht havia, de fato, financiado o rearmamento; que, mesmo desaprovando a Anschluss da Áustria e o estupro da Tchecoslováquia, apossou-se com prazer de seus bancos após esses países terem sido invadidos, e que fez grandes discursos glorificando Hitler. Todavia, Schacht admitiu que as invasões da Polônia, da Noruega, da Holanda, da Bélgica, da França etc. foram agressões absolutas. Durante o intervalo da manhã, vários dos réus comentaram o fato de que o interrogatório estava entrando em nova fase, ao abordar problemas morais acima e além dos fatos. Von Papen disse que, de sua parte, estava contente com isso, embora soubesse que seria questionado por que continuara a apoiar Hitler mesmo sabendo que ele era culpado de guerra agressiva. Ele não disse como iria responder, mas insinuou que isso seria uma questão um pouco injusta. Virando-se para von Schirach, ele disse: ―Por exemplo, eles provavelmente lhe perguntarão: ‗Você aprovou a invasão da Polônia, da Holanda e Bélgica? Não! Então, por que você educou a juventude para invadir a Polônia, a Holanda e a Bélgica?‘‖ Von Schirach condenou Schacht por exigir lealdade dos bancários em uma época em que ele próprio diz que se opunha a Hitler. Rosenberg explodiu: ―Ele os fez jurar lealdade — jurar... Se ele se opunha a Hitler, tudo bem. Então ele


209 devia ter ido a Hitler e atirado nele e assumido as consequências. Esse negócio de incitar outros a fazer uma coisa e ficar em cima do muro, isso não está certo. Na verdade, não acho que ele se opunha a Hitler na época da Anschluss. Ele teve um lampejo de decência ao apoiar o Führer naquela época, mas agora ele está tentando voltar atrás.‖ O interrogatório continuou com Schacht tergiversando, ao afirmar que a Tchecoslováquia havia sido presenteada à Alemanha numa salva de prata e, portanto, não se podia falar em ―estupro da Tchecoslováquia‖. Ele também alegou que, se tivesse tido oportunidade, teria assassinado Hitler pessoalmente. [Nesse ponto, Goering ostensivamente levantou-se da cadeira e encarou Schacht, balançando a cabeça; então escondeu o rosto nas mãos, sacudindo a cabeça como se sentisse uma grande dor por essa admissão de traição.] Hora do almoço: No refeitório dos mais moços todos concordaram que Schacht tinha ido longe demais insistindo em sua inocência e oposição a Hitler. Von Schirach disse que não podia acreditar nele e que não lhe teria mais repeito. Quanto ao fingimento em ser um democrata e não um antissemita, Fritzsche caracterizou a defesa de Schacht como um ―suicídio propagandístico‖. Funk citou Stresemann, dizendo: ―A única coisa limpa em Schacht é o seu colarinho branco.‖ ―Ele fez aqueles discursos inspirados e saudou Hitler entusiasmaticamente mesmo após a agressão começar‖, frisou von Schirach. ―Tudo aquilo significa para mim que ele ficava em cima do muro, sem correr riscos.‖ Speer concordou com tudo, mas defendeu Schacht pelo menos como um homem que tentou pôr um fim na catástrofe, em contraste com Goering, que fez um gesto frágil para adiar a luta, mas então se submeteu muito prontamente à declaração de guerra. No refeitório vizinho, Keitel foi ouvido dizendo aos outros com um suspiro: ―Espero que eles acabem com Schacht também. É uma infelicidade ser um alemão hoje em dia.‖ A isso, Sauckel replicou que tudo começou em 1920 e desde então a pobre Alemanha não descansou. Frank levantou os olhos do seu papel e declarou que era terrível como a Rússia roubava tudo o que a Alemanha tinha. A conversa se voltou para o começo da II Guerra Mundial e Keitel comentou que os homens que lutaram na Espanha foram forçados a ir, não eram voluntários. Vários dos réus comentaram que Jackson estava fazendo um bom trabalho com Schacht. À noite na prisão Cela de Schacht: Ainda convencido de sua inocência, Schacht quis saber se a promotoria não iria libertá-lo. Eu o lembrei que não havia nada no regulamento que estabelecesse tal ação. Na tentativa de ver se ele lamentava ter apoiado Hitler no começo, eu o relembrei que a Promotoria havia demonstrado que ele teve uma grande participação na ascenção do partido ao poder e no rearmamento. ―Mas assim fizeram os outros poderes‖, protestou Schacht. ―Não há crime, e de qualquer maneira eu não fui indiciado por isso. Eles podem atacar meu caráter, minha duplicidade ou outra coisa que quiserem, mas eu sou indiciado por planejar a guerra agressiva. Esta acusação não foi provada... Agora eles


210 vão me manter sentado aqui por outros três meses ouvindo todos esses assuntos que não me dizem respeito?‖ Ele riu do embaraço que causou a Goering e aos outros criminosos, mas manteve-se firme em seu sentimento de auto-integridade. Cela de Goering: Goering estava com dor de cabeça e me pediu para falar com o médico alemão para lhe dar umas pílulas. Estava abatido e depressivo, e era óbvio que tinha sido Schacht que provocara a dor. ―Aquele idiota! Bah! Pensou que talvez pudesse salvar seu pescoço me atacando... veja até onde ele foi. A maneira que eu me comporto em minha casa é assunto meu. Eu pensei que um homem com a sua inteligência não seria tão estúpido para chegar a esta indignidade. De qualquer maneira, eu não usei batom. E ele pode me comparar a Nero ou a outra pessoa que ele queira, mas o que aquilo tinha a ver com a sua defesa? O caso dele é simples. Ele não tinha que chegar àquela baixeza.‖ Deitado no catre, Goering tinha uma aparência ferida e doentia, resmungando para si mesmo, e parecia estar à beira de choramingar como uma criança que tenha levado palmadas. ―Bem, é óbvio que vocês dois não eram amigos‖, comentei, para provocá-lo mais. ―Claro, mas você sabia que foi através dele que eu entrei no ramo industrial? Ele me recomendou para ministro de Matéria Prima e Comécio Exterior; então gradualmente aquilo levou ao Plano Quadrienal. Naturalmente, eu tive de lhe contar que ele teria de obedecer às minhas ordens porque a indústria estava envolvida no Plano. De qualquer maneira, a causa da sua demissão não foram as diferenças que tinha comigo, mas com o Ministro da Agricultura, Darré.‖ Ele fez uma pausa, piscou os olhos, aparentemente magoado, e continuou resmungando em voz baixa: ―O idiota! Quando as pessoas começam a ficar apavoradas tornam-se estúpidas. Ele tinha um caso fácil, não precisava fazer aquilo.‖ Depois de refletir, ele decidiu que os testemunhos de Schacht e Gisevius ofereceram meios excelentes de ligar tanto a guerra quanto a derrota a uma nova lenda de golpe traiçoeiro. ―Agora sei porque os poloneses foram tão insolentes em responder às nossas demandas em 1939. Aqueles traidores falaram para eles criarem fortes objeções, e então haveria uma revolução na Alemanha. Se eles não tivessem sido encorajados a ser tão insolentes provavelmente poderíamos negociar com eles um acordo pacífico e não teria havido nenhuma guerra.‖ Ele olhou zangado, com as narinas abertas, e praticamente roncou seu desprezo pelos planos de Schacht de atacar Hitler e sabotar a guerra: ―...Você acha que eu iria me colocar na posição de deixar um promotor estrangeiro me questionar se eu reivindicava o credito pela derrota de meu pais na guerra? Eu morreria antes!‖ Continuamos a conversar mais um pouco, mas Goering evitou cuidadosamente qualquer referência à sua participação nos escândalos de von Blomberg e von Fritsch ou à sua tentativa de intimidação de testemunha na Corte. Cela de von Schirach: A cabeça de von Schirach já estava feita sobre Schacht. ―Schacht, pelo que sei, está acabado. Eu sei muita coisa sobre ele. Quando ele conta que foi inimigo do Nacional Socialismo só posso rir e lembrar de certas cenas, e sei que alguma coisa não bate. Por exemplo, lembro de uma


211 recepção na Chancelaria do Reich, com minha mulher, a mulher de Schacht e muitos outros convidados. Sabe o que a mulher dele estava usando? Um grande broche de diamante em forma de suástica que Schacht tinha dado para ela usar. Foi um despropósito, ninguém imaginava uma coisa dessa em uma recepção formal. Mesmo os nazistas regulares não fariam suas mulheres usarem esse mau gosto. Todos sorrimos e achamos divertido Schacht querer ser um supernazista na multidão. E então sua mulher aproximou-se de Hitler e lhe pediu um autógrafo. Agora ficou claro que houve uma razão para Schacht mandá-la pedir o autógrafo naquela recepção. Ele queria que ela atraísse a atenção de Hitler para os ‗supernazistas Schachts‘... E aqueles discursos louvando o Führer. Eu sei como aqueles discursos foram feitos. Ele não me diria que estava apenas blefando. Quando penso nessas cenas e vejo o filme de quando ele saudou o Führer na Estação de Anhalter, e então ele diz no Tribunal que nuca foi um grande apoiador de Hitler, sei que alguma coisa não cheira bem.‖ Eu quis saber como Schacht se defenderia se Hitler tivesse ganhado a guerra e Schacht tivesse sido levado a julgamento por traição. Von Schirach descreveu a hipotética defesa com muito prazer. ―Ora, ele teria dito: ‗Como vocês podem dizer que conspirei contra Hitler já que eu sempre fui um dos seus mais entusiásticos apoiadores? Só porque Gisevius disse? Ora, ele mesmo foi um traidor em contato com o inimigo durante a guerra. Vocês não viram no Wochenschau (―Olhar da Semana‖, cinenoticiário — NT) como eu saudei Hitler com toda sinceridade na Anhalter Bahnhof? E não se esqueçam de que fui eu que levantei fundos dos grandes empresários para a eleição em 1933. E quanto às letras de câmbio da Mefo Exchange, que financiaram nosso rearmamento? Vocês pensam que teriam ganho a guerra sem mim? E quanto àqueles contatos com países estrangeiros antes da campanha da Polônia? Ora, foi o pretexto pelo qual eu ajudei a enganá-los. E vocês conhecem meus discursos após a Anschluss e em Praga. Vocês podem duvidar de minha lealdade ao Führer?‘ Isso é o que ele diria.‖ Von Schirach continuou: ―Não, acho que ele agiu com cautela todo o tempo. Penso que ele só tinha uma ambição: se tornar presidente do Reich. Ele não fez isso no governo da República de Weimar; então, ele viu sua chance com Hitler; mas também não funcionou com Hitler, então ele pensou que pudesse conspirar com Goerdeler e conseguir seu objetivo. Eu o vejo agora em seu caráter verdadeiro, um verdadeiro caráter dissimulado e inescrupuloso, embora não se possa lhe atribuir atos criminosos específicos. É como seus acordos de negócios. Sua Mefo Exchange é uma coisa que provavelmente outros financistas poderiam fazer também, mas eles não consideram isso totalmente desonesto. Eu tenho menos respeito por ele agora do que anteriormente, e nem mesmo acho que ele é tão inteligente como eu achava.‖ Von Schirach então mudou de assunto, passando para a sua própria defesa, mostrando que ninguém ainda tinha tido a coragem de admitir que a política antissemita e racial do regime nazista foi um erro trágico. Ele ainda sentia que a juventude alemã esperava que um líder nazista lhe dissesse isto, e que nem mesmo um monte de propaganda dos aliados poderia convencê-los, a não ser que um alemão antissemita o fizesse. Ele sentia que essa era a sua missão. Estava definitiva e irrevogavelmente convencido que Hitler foi um demônio destrutivo que enganou a juventude alemã, após ter lido os documentos que Speer iria usar em sua defesa. Ele achava que a ordem de Hitler para que


212 fossem destruídos os meios básicos de subsistência do povo alemão era algo que teria um terrível efeito no mais ardente nazista. Ele ainda gostaria de ter uma chance de se dirigir aos líderes da juventude alemã mais uma vez antes de sua execução e dizer-lhes que erro terrível ele cometeu, e que estava assumindo a culpa para os eximir dela. Eu lhe disse que o melhor a fazer por seu povo era externar suas opiniões corajosamente, se agradasse ou não a Goering, porque o fanatismo continuado da parte dos nazistas somente poderia prejudicar a Alemanha e a paz mundial a longo prazo. Ele concordou inteiramente. ―Quanto a Goering‖, rematou ele, ―é um grande homem, mas pertence a uma tradição ultrapassada, medieval, e isso é um problema para ele. Mas eu penso no futuro da juventude alemã.‖ 4 e 5 de maio Fim de semana na prisão Cela de Funk: Com relação a Schacht, Funk comentou: ―Eu tinha um grande respeito a Schacht, mas acho que ele se tornou moralmente desacreditado. Ele é responsável pelo rearmamento. Não há a menor dúvida sobre isso. Não se esqueça que ele foi ministro de Armamentos de Guerra. Não, ele vai atrás do seu objetivo inescrupulosamente. Ele sempre foi assim e está sendo agora.‖ Cela de Frank: ―Penso que Schacht exagerou demais... Mas o que ele disse sobre Goering foi muito verdadeiro. É o tipo de homem que ele realmente era, um caráter brutal, corrupto.... Aquele Streicher é um ser inferior. Não teve coragem de admitir que advogou a perseguição aos judeus. Tentou justificar seu antissemitismo e apregoar aquele estúpido nonsense sobre encontrar uma pátria para os judeus. Ugh! É um caráter repulsivo! Veja, eu ainda sou o único culpado.‖ Ele riu do fato de Streicher ter atribuido o título de um dos seus livros antissemitas a Lutero. Frank achava engraçado que algumas pessoas considerassem Lutero como o primeiro nazista. Ele próprio achava que havia algo, ―embora se deva, é claro, tomar isto com certo cuidado.‖ Mas, para mostrar que ele era imparcial em seu desapreço à história da Igreja, ele traçou algumas analogias entre a Igreja Católica e a hierarquia fascista. Disse que ambas tinham o Führerprinzip e a hierarquia autoritária. Ele achava que aquilo também ajudou a preparar a Alemanha ao autoritarismo. (Parece que ele discutiu isso com Seyss-Inquart, que me dera essa opinião várias semanas atrás.) Ele queria que eu entendesse que, afinal, os alemães foram educados como uma nação obediente ao longo de vários séculos. Por isso ele não achava que o ataque de Schacht a Hitler e suas conspirações contra ele seriam apreciados pelo povo alemão. Ele também achava que Schacht estava acabado em relação ao povo alemão. Cela de von Papen: Von Papen diplomaticamente perguntou a minha opinião sobre a defesa de Schacht antes de dar a sua própria. Eu disse que achava que Schacht havia exagerado um pouco. Von Papen então se sentiu livre para dar a sua opinião. Ele lembrou que Schacht, que era, é claro, um homem de negócio procurando um lugar para negociar, veio a ele em 1932 e disse que ele, von Papen, teria que renunciar como chanceler do Reich para dar o lugar a Hitler. Sem dizer isso diretamente, von Papen deu-me a entender que Schacht era um oportunista que havia apostado no cavalo errado. Ele era todo dedicado


213 a Hitler no início, mas von Papen não duvidava que Schacht sinceramente se opusesse a Hitler após 1938. Von Papen disse que parecia que Hitler quisesse realmente resolver pacificamente a crise industrial e política no início. Não foi por causa do programa industrial que o nazismo faliu, foi por causa da ignorância de Hitler sobre as relações exteriores, sua relutância em ouvir seus próprios embaixadores. Eu lhe perguntei sobre a perseguição racial e sua desconsideração pelos direitos humanos. Von Papen concordou que naturalmente fazia parte. Insinuei que todos os membros do governo eram culpados de tolerar uma violação dos direitos humanos nas Leis de Nuremberg contanto que não perturbasse os negócios, e perguntei-lhe como um homem religioso como ele tinha suportado aquilo. Von Papen disse que ele estava na Áustria na época e que realmente não prestou muita atenção naquelas coisas. Foi depois do pogrom de 1938 que o povo passou a perceber o que acontecia, mas era tarde demais para se fazer alguma coisa. A Gestapo já controlava o país. Von Papen não explicou por que continuou a aceitar embaixadas daquele governo. Cela de Jodl: Jodl reagiu às considerações sobre os generais feitas pelo político Schacht. ―Que tipo de caminho é esse? Ir e dizer aos generais que eles têm de assassinar o comandante-em-chefe e cometer traição, e eu fico de lado esperando para me tornar chefe de Estado se a conspiração funcionar. É um negócio infernal, e está pedindo um terrível destino... Sim, há muita coisa a ser dita sobre isso. Minha concepção de lealdade não é algo que possa ser comprada e vendida como ações de um banqueiro. Eu não saudaria um homem [referindo-se ao cinejornal] com ambas as mãos quando ele é vitorioso e começaria a procurar um punhal logo que seu capital parecia se desfazer. Banqueiros podem fazer isso, mas não oficiais.‖ ―Mas não há um problema moral envolvido?‖, questionei. ―Claro, eu posso retirar minha lealdade por questões morais, mas não por causa de tendências do mercado de ações. Naturalmente, eu reconheço certos limites morais na obediência e lealdade.‖ Continuamos a discutir o assunto e ele argumentou que um bávaro era muito mais independente a esse respeito do que um prussiano como Keitel. Repetiu suas brigas violentas que teve com Hitler porque não se submetia facilmente ao desejo do Führer. Na verdade, continuou ele, Hitler apertava mais os parafusos quando via que tinha um material maleável como Keitel, e o obrigava a fazer coisas que ele sabia que Jodl combateria. O assunto da mulher de Streicher iniciou uma discussão sobre a posição das mulheres na Alemanha. Jodl achava ela surpreendentemente charmosa para um gambá como Streicher, ―o que mostra como são estranhos os caminhos do amor.‖ Falando das alemãs em geral, Jodl disse que as mulheres bávaras e austríacas não eram muito independentes, especialmente na Áustria onde a influência católica sobre a lei restringia seus direitos em grande escala. Elas não eram nem autorizadas a ter contas em bancos sem a assinatura de seus maridos, e as várias leis de matrimônio, herança etc. eram prejudiciais a elas. As esposas prussianas, por outro lado, eram mais dominadoras. Elas às vezes ditavam a conduta de outras esposas de oficiais (de acordo com a patente), verificavam as presenças na igreja e influenciavam nas decisões dos maridos em assuntos de promoção etc.


214 Cela de Ribbentrop: Ribbentrop está entrando em um estado de agitação crescente. Passeia pela cela, senta, levanta, passeia de novo, senta, estala os dedos rapidamente, por causa de sua tensão nervosa, seu rosto contraído ao falar depressa com gestos frenéticos, como se estivesse em pânico pelas acusações à liderança nazista feitas por Schacht e Gisevius. ―Tenho pensado muito nas coisas incríveis que aconteceram. O futuro parece negro... para a Europa ...se eu não tivesse filhos ...Stalin é tremendamente poderoso... maior até do que Pedro, o Grande ...eu sei, eu tratei com ele... eu até visitei uma fábrica de aviões com uma produção maior do que toda a produção aeronáutica da Alemanha ...acho que foi por isso que Hitler decidiu atacá-lo. Ele era uma ameaça terrível! Eu queria uma política de conciliação, mas penso que a história mostrará que o Führer estava certo. Os russos são um poder terrível... você verá ...mas os assassinatos dos judeus... aquilo foi terrível. É onde a minha lealdade para, ...é a coisa mais terrível que se possa imaginar, não há dúvida. Mas as questões políticas... há tanta coisa a se dizer sobre elas; se eu pudesse conversar com uns poucos americanos sensatos. Você sabe, eu nunca fui um antissemita. Eu me opus absolutamente a Hitler sobre esse problema, mas você não tem ideia de quanto ele era terrível quanto a esse assunto. ...foi a razão da minha terrível altercação em 1941... não lhe contei?... a época em que ele teve aquele ataque. Eu lhe disse que era um erro incitar o mundo judaico contra nós. Era como se ter um quarto poder mundial contra nós: Inglaterra, França, Rússia e o mundo judaico. Mas ele teve um ataque de raiva. Eu briguei com ele. Só Deus sabe como eu briguei. Era preciso menos coragem para se entrar em dez batalhas contra... contra bombas atômicas e outras coisas do que argumentar com o Führer sobre o problema judeu. Mas eu fui contra a política antissemita. O que ele diz sobre o mundo judaico iniciar a guerra é um absurdo... um absurdo completo. Eu lutei com ele de unhas e dentes sobre isso.‖ ―Por que você não poderia dizer isso na Corte?‖ ―Oh, eu não poderia ficar lá e atacar o Führer... não poderia ser feito. Não sou como certos alemães... não quero dizer nada agora contra qualquer outro réu, mas eu não posso dizer que fui contra ele. Oh, eu devo falar que não acredito que os judeus começaram a guerra, mas não posso revelar que me opus ao Führer nesse assunto.‖ ―Você se opôs mesmo?‖ ―Oh, posso ter feito certas observações concordando com a política, afinal eu trabalhava para um governo antissemita. Mas eu nunca fui antissemita.‖

16. A defesa de Doenitz 8 de maio Doenitz depõe Hora do almoço: Por coincidência, o almirante Doenitz, que negociou a rendição como sucessor de Hitler, iniciou seu depoimento no aniversário do Dia da Vitória. Eu o lembrei disso durante o almoço e ele simplesmente comentou, secamente: ―É por isto que estou sentado aqui... Mas, se tivesse de fazer de novo, eu não sei se faria diferente.‖ ―Mesmo se você soubesse o que sabe agora?‖ ―Oh, desde então eu fiquei mil anos mais sábio. Isto é, sabendo e pensando no que fiz então eu não teria agido diferente.‖


215 Von Papen leu no jornal que DeGaulle recusara participar da celebração oficial da vitória em Paris, e dissera que, em vez disso, estaria visitando o túmulo de Clemenceau. Eu lhe perguntei qual o significado que ele via naquilo. ―Bem, ele está mostrando que não quer ter nada a ver com o atual governo socialista, mas demonstrando seu respeito a Clemenceau, um símbolo do nacionalismo francês.‖ ―Chauvinismo francês‖, corrigiu von Neurath. Isso levou a uma discussão na qual von Papen e von Neurath argumentavam que a América tivera uma grande participação na culpa por causar as condições que produziram Hitler e a II Guerra Mundial porque ela não entrou na Liga das Nações. ―Se vocês tivessem entrado, a Liga não teria degenerado em um clube policial para preservar o Tratado de Versalhes... Hitler não teria acontecido... toda a história pós-guerra teria sido diferente.‖ Eles explicaram que a voz da América teria sido suficiente para revisar o tratado de paz, como Woodrow Wilson queria. Nem o Pacto de Munique nem a quebra dele teria acontecido, e aquele oportunista, Hitler, não teria chegado ao poder. Sessão da tarde: Doenitz subiu ao estrado e começou a sua defesa declarando que, como um oficial, não lhe dizia respeito decidir se a guerra era de agressão ou não, mas tinha que obedecer ordens. As ordens de combate para os U-Boats vinham do almirante Raeder. Ele explicou que a prática de armar navios mercantes forçou-o a emitir ordens de ataque-sem-aviso. Ordens do Almirantado Britânico também foram lidas para justificar o procedimento alemão. Os ingleses, alegou ele, tinham violado as regras de guerra naval tanto quanto eles. À noite na prisão Cela de Jodl: Nessa noite, Jodl me contou como ele tinha assinado a verdadeira rendição com as potências ocidentais em Reims em 7 de maio de 1945. Ele disse que tinha dito ao chefe do Estado Maior de Eisenhower, general Bedell Smith, que ele, Jodl, poderia assinar qualquer coisa que quisesse, mas os soldados no front russo não recusariam a retirada se houvesse a possibilidade deles recuarem até a zona britânica ou a americana. Ele pedia, portanto, um prazo de quatro ou cinco dias entre a assinatura do armistício e a data do seu efeito a fim de que pudesse ordenar que as tropas no front oriental voltassem de maneria organizada. Disse que Eisenhower rejeitou a proposta, mas ele conseguiu 48 horas para fazê-lo. Ele então transmitiu o acordo a Doenitz por uma mensagem codificada e censurada. Um coronel do Estado Maior alemão foi então levado em um tanque americano pela área de batalha na Tchecoslováquia a fim de que as ordens de retirada pudessem ser emitidas para unidades estacionadas no front oriental. ―Desse jeito, eu salvei 700 mil homens de serem capturados pelos russos; se tivéssemos tido os quatro dias eu poderia ter salvado mais.‖ Ele riu e disse que ele achava que os russos não sabiam até hoje como isso tinha acontecido porque quando eles chegaram procurando pelos aviões e tropas que os combatiam, todos já tinham ido embora. Cela de Keitel: Keitel disse que sabia muito bem como foi aquele dia, e se lembrava da assinatura da rendição, mas não com grande prazer. A maior


216 causa do seu desprazer, entretanto, parece ter sido o fato de Hitler não estar lá para assinar e assumir toda a responsabilidade por tudo o que tinha acontecido. ―Como eu disse a Jodl, se Hitler queria ser o comandante-em-chefe, então ele deveria ter permanecido até o fim. Ele nos deu as ordens. Ele disse: ‗Eu assumo a responsabilidade!‘ E então, quando chegou a hora de enfrentar a responsabilidade, fomos deixados para responder por ela... Não é justo. Como soldado, ele deveria ter suportado sua responsabilidade até o fim.‖ De repente, Keitel se exaltou e sacudiu os braços com ênfase. ―Ele nos enganou! Não nos contou a verdade! Tenho a absoluta convicção disso e ninguém pode me dizer o contrário! Se ele não nos enganou com mentiras deliberadas, o fez nos mantendo deliberadamente no escuro e nos deixando lutar sob uma falsa impressão!‖ Abordei mais uma vez o problema da lealdade, mas Keitel ainda sentia que não tinha escolha como oficial a não ser obedecer a seu comandante-em-chefe. Ele não podia ser como certos políticos (referindo-se a Schacht) que expressavam lealdade enquanto conspiravam pelas costas. ―Fui soldado por 40 anos e esse é o único código que conheço.‖ 9 de maio Mais ordens Sessão da manhã: Doenitz descreveu a Alemanha como cercada de inimigos e qualquer tentativa de insurreição em tempo de guerra era uma ameaça ao Estado e (numa estocada em Schacht) qualquer pessoa que a planeje é um traidor. [Goering balançou violentamente a cabeça concordando, dobrou-se para frente e olhou para o lado de Schacht.] Repetidamente Doenitz procurou justificar suas ordens para afundar navios sem aviso prévio e não socorrer os sobreviventes. É preciso compreender as condições da atividade militar. Ele encerrou sua defesa explicando porque não pensava que teria sido mais inteligente render-se antes, o que implicaria que milhões poderiam ter perecido no Leste se eles tivessem capitulado mais cedo. O depoimento de Doenitz levou a oposição a uma atenção aguda. Durante o intervalo, Goering pulou do banco, esfregou as mãos e declarou para os que o rodeavam: ―Ah! Agora eu me sinto grande pela primeira vez em três semanas! Finalmente ouvimos um soldado alemão decente falar. Isso me dá novas forças; agora estou pronto de novo para ouvir algumas outras traições.‖ Frick e Streicher acharam que Doenitz havia falado muito bem. Até Frank disse que ele falou como um excelente oficial porque, afinal de tudo, ordens são ordens. Speer, ressentido pelas referências a traição e impossibilidade de acabar a guerra mais cedo, respondeu rispidamente para Frank, Frick e Streicher: ―Claro, ordens para a destruição da nação alemã são imateriais! Apenas obedeça às ordens, é tudo!‖ Frank virou-se para mim: ―Estou falando como soldado. Devo dizer que Doenitz provocou uma impressão maravilhosa. Eu lhe disse que o povo alemão nunca aprovaria uma traição.‖ ―Eu deveria achar que deslealdade ao povo é um crime pior do que vocês consideram traição‖, disse eu. ―Oh, mas o soldado não pode ajudar. São os políticos que têm abusado da honra do soldado. Soldados podem somente obedecer ordens.‖


217 Frick encurtou o argumento: ―Bem, o que você espera que um homem faça quando ele tem ordens a cumprir?‖ ―Se é uma questão do desejo de um homem contra a vida de milhões de pessoas, eu diria que é obrigação moral matar o ditador em vez de cumprir tais ordens, se esse for o único caminho.‖ ―Uma obrigação moral para matar? É uma obrigação muito peculiar. É um crime contra a convenção social, você sabe.‖ ―Eu sei. Matar um ditador assassino é um crime contra a convenção social, mas a guerra e o extermínio eram totalmente legais na Alemanha nazista.‖ Frick encolheu os ombros. ―Ora, isso é outro assunto.‖ Ao ser interrogado por Sir David Maxwell-Fyfe, Doenitz declarou que não se preocupou se a produção de armas navais era feita por mão de obra escrava estrangeira ou não, se preocupou apenas com a própria produção. Sir David teve grande dificuldade em fazê-lo dar uma resposta direta à questão se ele aprovou a ordem para fuzilar comandos inimigos capturados. Doenitz disse que não a aprovava agora, mas foi vago sobre se pensava assim na época. À noite na prisão Cela de Speer: Speer estava magoado porque seu amigo Doenitz tinha rotulado os planejadores do golpe como traidores, pois ele já sabia que Speer tinha planejado o assassinato de Hitler. Eu disse que soube depois que, quando isso foi revelado, o treinamento e a mentalidade militar de Doenitz afloraram. ―Claro, é isso‖, comentou Speer, rispidamente. ―Não importa quão decentes eles sejam, tudo o que eles entendem é que ordens são ordens... Para o inferno com isso! Estou mais resolvido ainda a seguir adiante na minha direção. Não é muito fácil. É mais fácil para aqueles militares. Tudo o que eles têm a dizer é: ‗Nós só podíamos obedecer ordens‘, e não têm que responder quaisquer questões sobre consciência ou moralidade ou bem-estar do povo. Eles sabem que muita gente, talvez a maioria das pessoas, os respeitará por dizerem que apenas seguiam lealmente as ordens e não podiam pensar em traição. É a única linha que eles podem seguir, e isso se torna fácil para eles. Só espero estar com boa disposição quando chegar a hora. Não se preocupe, eu não estou vacilando como Frank ou von Schirach. Vou seguir nessa direção até o fim, mas espero que não me engasgue e nem fracasse em me fazer claro. Tive de brigar com meu advogado para que ele aceitasse a minha linha de defesa, e ele me alertou que uma confissão justificaria qualquer tipo de sentença; para o inferno com isso! Este é o caminho que escolhi desde janeiro de 1945, e eu não vou voltar atrás para escapar da prisão perpétua e me odiar pelo resto da vida. Eu vi todo o país mergulhado em desespero e milhões de pessoas mortas por causa daquele maníaco e ninguém vai mudar minha maneira de pensar.‖ Cela de Doenitz: Doenitz disse que estava satisfeito porque pôde finalmente resolver aquele assunto de assassinato. Ele sentiu que os oficiais navais aliados presentes no Tribunal entenderam perfeitamente que ele conduziu a guerra naval da maneira como qualquer outro faria. Eu perguntei se ele se referira a Speer quando mencionou os traidores que tentaram assassinar Hitler. Ele respondeu que tinha declarado especificamente


218 que qualquer um que tenha planejado aquilo tinha que estar certo de que era necessário para o bem do povo alemão, e nisso ele deixou uma brecha para Speer. Ele me perguntou o que eu achara de sua defesa e eu disse que é perceptível que os militares ainda recusam dizer alguma coisa contra Hitler mesmo sabendo que ele era um assassino. ―Mas a Corte não me deu uma chance de dizer alguma coisa sobre o lado negro de Hitler‖, protestou Doenitz. ―Eu estava falando algo sobre ele quando me interromperam, e eu não tive a chance de dizer que havia um lado negro dele que eu não via.‖ 10 de Maio Sessão da manhã: Sir David fez Doenitz admitir diversas coisas que ele havia habilmente omitido ou dissumulado em sua exposição inicial: ele requisitara 12 mil trabalhadores de campos de concentração para a produção naval, mas não se preocupou sobre a origem deles ou de como eram tratados. Ele ordenara o afundamento de navios neutros desarmados nas zonas de guerra, mas isso era um assunto ligado à conveniência militar. Ele recusara se retirar da Convenção de Genebra enquanto dizia que a Marinha poderia tomar sempre quaisquer medidas que considerasse ligadas à sua atividade. Hora do almoço: Doenitz me explicou que considerava o afundamento de navios nas zonas de guerra perfeitamente apropriado porque eles tinham sido avisados para se manterem afastados. Até Roosevelt, disse ele, reconheceu que os navios mercantes que navegavam em zonas de guerra com o objetivo de obter lucro não tinham direito a arriscar a vida de seus tripulantes e, por essa razão, ele proibiu as embarcações de passarem por essas áreas. Outros navios mercantes que se arriscaram por motivos de lucro tiveram que assumir as consequências. Tentei discutir o assunto da indiferença moral dos procedimentos militares, mas não fomos longe. Ele estava certo de que todo homem de Marinha, em todo o mundo, apreciava essa posição. A responsabilidade de se iniciar uma guerra é dos políticos. Sessão da tarde: Sir David concluiu o interrogatório, revelando que Doenitz tinha defendido a ocupação da Espanha por causa de seus portos marinhos, e que havia apoiado Hitler em vários outros assuntos para promover a guerra com energia impiedosa.

11 de maio Doenitz faz sondagens Cela de Doenitz: ―Bem, o que você acha agora? Eu mostrei que estava do lado de vocês. Eu transferi toda a nossa frota para águas ocidentais antes do armistício. Essa é a causa dos russos estarem furiosos comigo. Mostrei que sou amigo do Ocidente. Essa é a razão também de eu dizer na Corte que a Alemanha pertence ao Ocidente cristão.‖ Doenitz então me contou que um almirante americano que estava na audiência tinha enviado o ajudante até o seu conselho de defesa para dizer que ele considerava a guerra naval de Doenitz irreprovável. ―Eu disse a Kranzbühler que lhe contasse que os russos estão tentando pegar técnicos que haviam trabalhado em nosso novo submarino, o que pode navegar ao redor do


219 mundo sem vir à superfície.‖ Eu lhe disse que essa manobra provavelmente poderia ser vista como uma tentativa de jogar o Ocidente contra a Rússia e, com isso, ganhar algumas vantagens pessoais enquanto está sendo julgado pelo Tribunal Militar Internacional. Doenitz respondeu que sabia disso, e havia mudado de opinião sobre deixar seu advogado contar aquilo ao ajudante do almirante. ―Mas você tem que contar a ele‖, insistiu. ―É seu dever. Desde o armistício que os russos tentam por todos os meios possíveis pegar aqueles técnicos e especialistas no U-Boat X. E você sabe por quê? Porque ele tem um alcance de cruzeiro ao redor do mundo sem vir à superfície para recarregar as baterias, e é à prova de qualquer arma... até de uma bomba atômica!‖ Ele desenhou um esboço do U-Boat X, mostrando como ele poderia recarregar suas baterias subindo a simples 20 metros abaixo da superfície, enviando um tubo à superfície para receber oxigênio para seus motores diesel que recarregam as baterias. Seu perfil de peixe lhe permite uma velocidade de X mph (milhas por hora), mais rápida do que qualquer velocidade de submarino mesmo na superfície. ―E se Stalin for generoso, como acredito que é nesses assuntos, será muito fácil para ele construir alguns milhares desses submarinos, e então ele controlará os mares da Terra. E o que vocês serão capazes de fazer contra um submarino que nunca sobe à superfície? Até a sua bomba atômica não os ajudará. Agora, eu comuniquei essa informação a você e é seu dever informar àquele almirante porque daqui a seis meses eu direi que eu lhe contei sobre isso, e você não vai querer carregar isso em sua consciência.‖ Para um soldado honesto que condenava políticas sujas, essa era uma manobra bastante esperta. Eu lhe disse que poderia transmitir a informação como assunto de segurança, mas que ele não pensasse que estávamos interessados em ir à guerra contra a Rússia.

17. A defesa de Raeder 15 de maio Dentes de ouro no Reischbank Sessão da manhã: Antes que o caso do almirante Raeder se desenrolasse totalmente, um pequeno tiro pela culatra no caso de Funk teve de ser descartado(*) A testemunha, Puhl, que havia deposto sobre as providências para depositar no Reichsbank o ouro confiscado pelas SS, foi inquirida pelo advogado de Funk para estabelecer a sua ignorância dos detalhes, isto é, dos dentes de ouro, alianças de casamento, armações de óculos etc., das vítimas dos campos de concentração. Então uma outra testemunha, Toms, depôs em seguida sobre como as entregas do ouro e valores confiscados eram realmente realizadas. Ele era apenas um simples funcionário do banco que contou como os dentes de ouro eram derretidos, como ele tinha visto etiquetas dos campos de concentração de Auschwitz e Lublin, como ter contado à testemunha anterior, Puhl, sobre o tipo de material que as SS estavam estocando no banco, porém não achava que o Reichsbank fazia nada de errado. Ele simplesmente pensava que o ouro, o dinheiro e outros valores foram confiscados em locais onde as SS agiam, como Varsóvia, e que ouro confiscado não era nada raro no Reichsbank. De


220 qualquer maneira, seu superior, o vice-presidentew Puhl, sabia disso, e portanto ele não tinha responsabilidade sobre o assunto. Finalmente, Raeder iniciou sua defesa explicando como a Alemanha teve de aperfeiçoar a sua Marinha por causa da ameaça de agressão por parte da Polônia, a despeito do Tratado de Versalhes. Novas belonaves tiveram que ser construídas, navios mercantes foram armados etc. (*) A defesa de Funk (em seguida à de Schacht) foi omitida por questão de economia de espaço. Outras defesas omitidas são de: Saukel, Seyss-Inquart, von Neurath, Fritzsche, assim como as das organizações nazistas indiciadas (NA). À noite na prisão Cela de Jodl: Jodl desclassificou o início da defesa de Raeder por ser trivial, dizendo que não achava que a Corte se importava se esse ou aquele navio mercante portava um canhão. Entretanto, ele achou que os militares mostraram o quanto eram superiores aos políticos desprezíveis, que negociavam com ouro molhado de sangue. Talvez Funk não soubesse dos detalhes dos dentes de ouro no Reichsbank, pois esse era um tipo de trabalho sujo civil. A Wehrmacht, é claro, tinha enviado ao Reichsbank ouro confiscado, mas o confisco era limpo, de acordo com a lei militar. Esse ouro dos campos de concentração, entretanto, era uma Schweinerei (imundície) sórdida, e refletia, claro, a mais abjeta desgraça do governo de Hitler. ―Eu poderia entender isso se alguém odiasse tanto certo povo a ponto de liquidá-lo. Ele deveria estar com raiva e então se satisfazia em se livrar dele. Porém, extrair o ouro a sangue frio de seus cadáveres... isso é algo que não posso entender. Gostaria de saber a quem ocorreu esse pensamento. De alguém, Hitler ou Himmler, deveria ter passado pela cabeça a ideia de que seria uma boa ideia retirar o ouro dos cadáveres.‖ Jodl balançou a cabeça e contemplou o teto com uma expressão séria. Quando, mais uma vez, eu levantei a questão de como alguém poderia ser ainda leal a um homem como aquele, obviamente me referindo a Goering, Jodl enfatizou de novo que Goering estava ligado tão profundamente aos negócios escusos que ele não teve outra escolha senão esconder sua culpa atrás da pose de lealdade. Cela de Fritzsche: Fritzsche estava novamente em desespero, e disse que não conseguiria mais permanecer no Tribunal. Cada dia era uma tortura moral para ele. ―Que virtude há em Funk não ser parcialmente responsabilizado pelo conhecimento desses depósitos de ouro? A Alemanha não o foi. É uma cadeia de responsabilidades parciais que se extende por cada esfera do governo alemão. Não posso ficar aqui mais tempo.‖ Mencionou que nenhum dos réus teve a coragem de falar e colocar a culpa a quem pertence — sobre Hitler. Schacht fez isso, mas sua defesa pareceu exagerada demais para ser sincera. Discutimos políticas raciais. Ele disse que tinha sido deixado claro que advogar intolerância racial era conspiração intelectual para assassinato; alguém que ainda advogava isso foi o pai espiritual da nova onda de assassinato em massa. Argumentei com ele que isso não foi claramente entendido pelo público geral como ele pensava que foi. Ele expressou surpresa em que havia alguém que ainda tivesse alguma dúvida sobre o assunto. Então


221 ele disse que teria que incluir algo sobre isso em sua defesa — se ele ainda tivesse tempo. 16 de maio Testemunho de Raeder Sessão da manhã: Raeder testemunhou que Hitler não queria competir com a Inglaterra no rearmamento naval, e, portanto, assinou o Pacto Naval de 1935 que preservou a proporção de 3 para 1 de tonelagem naval entre Inglaterra e Alemanha. Houve uma violação do Tratado de Versalhes de ambas as partes, claro. Raeder não negou ter quebrado o tratado ao exceder os limites acordados. Ele questionou as implicações agressivas do discurso de Hitler de 1937 (Conferência Hoszbach), mas admitiu que estava presente à reunião e ouviu a fala. 17 de maio Sessão da manhã: Raeder descreveu os planos de ataque à Tchecoslováquia e à Polônia como simples medidas de segurança. Então, admitiu o afundamento do Athenia “por descuido‖, assim como o desmentido oficial ordenado por Hitler, mesmo que lhe tivesse sido comunicado. Ele ficara contrariado ao ler a acusação no Völkischer Beobachter de que Churchill havia supostamente afundado um de seus próprios navios com propósitos de propaganda. Raeder citou Fritzsche como lhe ter dito que o próprio Hitler tinha ordenado o editorial, tendo cloncluido, portanto, que Hitler mentiu sobre isso deliberadamente. Hora do almoço: Quando eles subiram para almoçar, Goering segredou algo a Fritzsche. No refeitório, Fritzsche estava enraivecido: ―Você ouviu o que Goering disse para mim? Ele disse: ‗Como você pôde contar tal coisa a Raeder sobre o Führer?‘ Pena que você estava lá perto, Doctor, porque se não eu teria dado uma curta resposta: ‗Seu lambe-cu!‘. É claro que Hitler mentiu deliberadamente sobre aquilo! Juro que mentiu! E eu ainda berrei essa propaganda no rádio por um mês porque ele me mentiu sobre isso também. Houve outra discussão acirrada sobre as táticas de Goering tentando esconder a verdade sobre a culpa de Hitler porque isso o exporia como cúmplice. Neste momento, ficou claro que Goering preferia deixar Raeder e Fritzsche aparecerem como mentirosos deliberados do que deixar alguma coisa ser dita contra o Führer, a quem Goering ainda mantinha a sua pose de lealdade. Speer e Fritzsche concordaram que deviam pôr um fim a essa podridão para esclarecer o povo alemão. Sessão da tarde: Raeder continuou a defesa com sua justificativa ao ataque à Noruega como uma medida preventiva com a qual eles davam apenas um golpe direto na Inglaterra. Hitler, entretanto, tinha enganado Raeder sobre suas intenções pacifistas. Todavia, ele participara deliberadamente no ludíbrio e violação do Pacto de Versalhes através de deliberados pretextos e formas de logro. No fim da sessão, Schacht resumiu sua reação: ―Ele desaprovava a guerra agressiva e foi enganado por Hitler, mas ele planejou e iniciou a guerra agressiva, dá no mesmo. Este é um militarista pra você.‖


222 18 de maio Sessão da manhã: Raeder testemunhou que ele e Hitler tinham mandado o Japão atacar Cingapura a fim de alertar a América para ficar fora da guerra, mas que Pearl Harbor foi uma completa surpresa para eles. Ele concluiu a sua defesa direta falando sobre os tempos difíceis que ele sofreu com Hitler e como ele finalmente tinha insistido em entregar a sua demissão. Deu a impressão de que, embora administrasse para fazer algumas coisas a seu jeito, ele considerava Hitler irracional e impossível de se conviver. [Do banco dos réus, Doenitz ouvia impassível tudo isso, e então involuntáriamente deu o seu julgamento com uma só palavra: ―Merda!‖]

À noite na prisão Cela de Doenitz: Perguntei a Doenitz o que ele quis dizer com essa sua observação. ―Como eu lhe disse, não posso tolerar as pessoas virarem a casaca porque o vento está soprando do outro lado. Com que diabo as pessoas não podem ser honestas? Eu sei como Raeder falava quando ele era o grande chefe e eu apenas um simples homem na Marinha. Era completamente diferente então, posso lhe afirmar. Me dá uma dor ouvir eles mudarem o tom agora e dizerem que sempre se opuseram a Hitler. A mesma coisa com Schacht. Claro, todos nós sabemos melhor agora, mas não podemos negar que o seguíamos então. Entende o que quero dizer? É por isso que eu não queria atacar Hitler.‖ Cela de Frank: Frank achava que o julgamento se arrastava bastante e que o alto propósito moral estava sendo perdido de vista no labirinto das provas. ―É claro, isso dá coragem aos outros porque ainda tentam salvar seus pescoços, e quanto mais isso se arraste, melhor para eles.‖ Ele afirmou isso de uma maneira que indicava que o ―alto propósito moral‖ tinha também se perdido nele outra vez, e que ele estava satisfeito por estar fora da confusão que o mundo inteiro estava metido. Ele também insistia na ameaça russa e divertia-se com a incumbência da América em resolver os problemas da Europa. Isso levou a uma discussão sobre os deportados da Polônia. ―Eu coheço meus poloneses. Eles são fedorentos e preguiçosos!... Hahaha! (Sua risada fica cada vez mais histérica.) ―Na Alemanha, há 400 mil deles vivendo às custas da UNRRA(*). Eles não querem voltar para a Polônia. Por que deveriam? Eles conseguem alguma coisa para comer e não têm de trabalhar. Eles dizem que foram expulsos de sua pátria pelos nazistas maus. Então, porque eles não estão querendo voltar para casa? Porque é fácil viver às custas dos bondosos americanos! A América é rica, então por que não? Hahaha! Vocês terão que sustentar toda a Europa!... Hahaha! Vocês estão ferrados!... Hahaha!‖ O seu rosto estava vermelho em seu riso histérico, e então eu sai da cela.

(*) Órgão da ONU para a libertação e reabilitação dos deportados pela guerra (NT).


223 20 de maio O código militar de Raeder Sessão da manhã: Sir David Maxwell-Fyfe revelou no interrogatório que a intenção do Pacto Naval entre a Alemanha e a Inglaterra de 1935 foi restringir a produção de submarinos alemães, mas que os nazistas foram mais flagrantes nas violações desse aspecto do pacto. Raeder estava um pouco embaraçado por ser lida, para sua confirmação, a declaração que fez aos russos sobre Goering. Ele havia afirmado que Goering usou o escândalo do casamento de von Blomberg e a tramóia de homossexualismo contra von Fritsch para se livrar de seus rivais da chefia de comando da Wehrmacht. Foi a confirmação do testemunho de Gisevius por uma fonte inesperada. Raeder resmungou, hesitou, mas teve de admitir que era o que ele pensava naquele tempo. Sir David ressaltou o aspecto mais nefasto das tramas, qual seja, aqueles dois comandantes-em-chefe que tinham protestado contra a guerra de agressão foram assim eliminados. Sir David então lembrou a Raeder as várias ocasiões em que ele deve ter percebido as intenções agressivas de Hitler. O discurso de Hitler em 5 de novembro de 1937 (Memorando Hoszbach) já havia sido considerado por Raeder como algo a não ser levado a sério. A intenção expressa de Hitler de esmagar a Tchecoslováquia provocou adiante um comentário de Raeder: ―Bem, nós queríamos esmagar um monte de coisas.‖ O discurso de Hitler em 23 de maio de 1939 (sobre Schmundt)(*) foi apenas uma discussão ―acadêmica‖ cheia de ―exageros‖. E quanto à ordem de marchar contra a Polônia em 27 de agosto de 1939, quis saber o promotor. Raeder se mexeu desconfortável na cadeira, consultou o relógio como que esperando ser salvo pelo gongo e gaguejou algo sobre a habilidade de Hitler em evitar a guerra, e sobre como ele não acreditara que estavam indo à guerra quando Hitler deu a ordem para atacar a Polônia. [Raeder voltou ao banco dos réus um pouco nervoso. Keitel e Ribbentrop fizeram-lhe comentários superficiais de encorajamento. Doenitz ficou quieto. ―Bem, é como foi‖, disse Raeder, nervoso. ―... Sinto ter complicado Goering, mas é verdade também.‖] Hora do almoço: Schacht riu da relutância de Raeder em confirmar o que ele tinha dito sobre a instigação da trama contra o general von Fritsch. ―Por que as pessoas têm medo de perseverar naquilo que sabe que é verdade? Eu cheguei e lhes contei o que eu pensava de Goering. Ele é um trapaceiro!‖ Von Neurath estava mais interessado na versão de Raeder sobre a Conferência Hoszbach: ―Eu tive uma ideia completamento difeferente daquele discurso‖, disse ele. ―Não foi tão ‗acadêmico‘ como Raeder pretende.‖ Von Papen mostrou o que mais o aborreceu na questão da agressão. ―Aquele Pacto de Não-Agressão russo foi a verdadeira traição! Eles o chamaram de Pacto de Não-Agressão e ao mesmo tempo tinham em segredo uma cláusula para repartir a Polônia depois!‖

(*) Rudolf Schmund, general da Wehrmacht, morreu no atentado a bomba contra Hitler de 20 de julho de 1944 (NT).


224 Já lá embaixo no banco dos réus, Sauckel foi ouvido tentando defender Raeder de ser culpado por estar presente no discurso de Hitler (Conferência Hoszbach). Ele disse que Keitel, Ribbentrop e von Schirach estavam todos presentes na reunião de um gauleiter, (Keitel lembrou que isso se deu em 31 de maio), na qual Hitler discutiu o extermínio dos judeus. Ribbentrop lembrouse disso e disse: ―Sim, se tivéssemos objetado teríamos sido tratados pior do que os judeus.‖ Sessão da tarde: Sir David forçou Raeder a admitir que ele tinha considerado um ataque a navios neutros, enquanto ele navegava com bandeiras falsas, como permissível em guerra, embora isso fosse considerado pirataria pelas leis marítimas. Raeder também tinha sugerido um ataque contra submarinos soviéticos mesmo seis dias antes do ataque à Rússia. Ele também tinha defendido o estado de guerra irrestrito contra navios britânicos e todos os navios neutros, e seguido as leis internacionais somente enquanto elas lhe fossem convenientes. Raeder procurou justificar tudo isso como medidas perfeitamente compreensíveis na condução da guerra. O promotor russo, coronel Pokrovsky, então tomou pequenas diferenças de Raeder com Hitler como ponto de partida. Raeder tinha testemunhado que havia oferecido sua renúncia em vez de consentir no casamento de um dos seus oficiais com uma mulher abaixo de seu nível. O promotor russo quis saber se a guerra planejada contra a Rússia, que Raeder disse ter desaprovado, não seria causa mais séria para ameaçar a renunciar. Aparentemente, Raeder não pensava assim porque o problema anterior era uma questão de princípios. A questão da agressão contra a Rússia, entretanto, não era para ele decidir. Uma declaração de Raeder enquanto estava prisioneiro em Moscou foi lida em parte, ao denúnciar Goering em termos fortes e apontando o dedo acusador a várias outras pessoas, incluindo Doenitz e Keitel. O conselho de Raeder objetou a leitura da declaração e a Corte aceitou a objeção, ficando de estudar o assunto e depois decidir. À noite na prisão Cela de Doenitz: Doenitz estava aborrecido com o testemunho do dia e preocupado com o que Raeder teria dito sobre ele em sua declaração em Moscou. De qualquer maneira, o que mais lhe importava era a declaração que viria do almirante Nimitz. Seu jeito parecia ser de quem sabia que os outros iriam ser enforcados, então por que se preocupar com o que eles falam? Cela de Raeder: Raeder ainda estava bem excitado pelo interrogatório, mas aliviado por ter acabado. Então ele se abriu comigo pela primeira vez em seis meses. Explicou que, quando assinou aquela declaração em Moscou, estava sob a impressão de que não seria julgado como criminoso de guerra. Ele achava que os russos eram gente boa, mas eles mentiam como o diabo por razões políticas. Ele disse que fez a declaração livremente, mas que antes de assinar perguntou se seria confrontado com os outros como um criminoso de guerra, tendo os russos assegurado que não. Entretanto, o que foi dito era verdade e era uma pena se causava problemas a outras pessoas. De qualquer maneira, foi realmente loucura atacar a Rússia, e ele sentia que não havia a menor dúvida que podiam manter a paz com os russos. Eles são na verdade pessoas muito amáveis. Naturalmente, eles agora querem a


225 hegemonia na Europa após se sacrificarem tanto, mas isso significa que eles vão querer controlar o Mediterrâneo, e eles não conhecem navegação bastante para isso. (Ocorreu-me que Goering tinha me dito em segredo que os russos não iriam deixar Raeder ser executado, e sugeriu que teriam um melhor uso para ele, Raeder. Doenitz tinha claramente decidido que sua carta trunfo era mostrar aos americanos que eles poderiam ter um melhor uso para ele. Assim, o jogo entre o Leste e o Ocidente continuava atrás das cenas, com os almirantes já escolhendo seus lados para a próxima guerra, antes mesmo que o tratado de paz fosse assinado.) Raeder já estava, todavia, reconciliado com a ideia da sentença de morte: ―Não tenho ilusões sobre este julgamento. Naturalmente, eu serei enforcado ou fuzilado. Prefiro pensar que serei fuzilado; pelo menos vou pedir isso. Não desejo encarar uma sentença de prisão com a minha idade.‖ 21 de maio A declaração de Raeder em Moscou Eu obtive uma cópia da declaração de Raeder assinada em Moscou que está criando tanta consternação entre os militares no banco dos réus por causa do seu valor psicológico. Aparentemente, isso explica por que Raeder tem estado relutante em se comprometer com os outros nazistas durante o julgamento. ―A pessoa Goering teve um efeito desastroso no destino do Reich alemão. Suas principais peculiaridades eram a vaidade inimaginável e a ambição imensurável, correndo atrás de popularidade e exibição, falsidade, impraticabilidade e egoísmo, que não se restringiam à venda do Estado ou do povo. Ele era extraordinário em sua ganância, esbanjamento e conduta maleável imprópria a um soldado. ―De acordo com a minha convicção, Hitler percebeu muito cedo o seu caráter, e se aproveitava dele para servir a seus propósitos, encarregandoo de novas tarefas para evitar ele tornar-se perigoso ao Führer. Goering deu a maior importância em externar aparente particularidade em ser leal ao Führer, mas, a despeito disso, era sempre inacreditavelmente grosseiro e sem modos em seu comportamento perante Hitler, o que era deliberadamente ignorado pelo Führer. ―No início ele pousava como externamente cheio de camaradagem e amizade pela Marinha, mas logo começou a mostrar uma intensa inveja e ambição para imitar o melhor que a Marinha podia oferecer ou que pudesse ser levado a fim de aplicar em sua Luftwaffe, menosprezando e rebaixando a Marinha pelas costas. ―O Führer considerava importante que sua relação comigo devesse aparentar normal e boa. ―Ele sabia que eu era bem conceituado em todos os círculos realmente importantes do povo alemão e que eles geralmente tinham uma grande fé em mim — isto em contraste com Goering, von Ribbentrop, Goebbels, Himmler, Ley... (A respeito de Doenitz) ―Nossas relações eram muito frias, uma vez que sua natureza algo presunçosa e nem sempre diplomática não me atraía. Os erros resultantes de seus pontos de vista pessoais, que eram conhecidos no Corpo de Oficiais, logo se tornaram aparentes, em prejuizo da Marinha. ―Mas Speer elogiava a vaidade de Doenitz, e vice-versa. Então, todos os procedimentos navais testados e provados eram colocados de lado


226 para abrir espaço a novos métodos e novos homens em um momento crucial. As fortes inclinações políticas de Doenitz meteram-no em dificuldades como chefe da Marinha. Seu último discurso para a Juventude Hitlerista, que foi ridicularizado em todos os círculos, rendeu a ele o título de ‗Doenitz, o Garoto de Hitler‘, que, é claro, não ajudou em nada o seu prestígio. Por outro lado, o seu jeito ganhou a confiança do Führer, pois de outra maneira não há explicação para a sua nomeação como chefe administrativo do Norte da Alemanha. Sua aceitação a este posto, enquanto comandante-em-chefe da Marinha, mostra quão pouco ele estava interessado no comando da Marinha, para o qual ele era muito mal qualificado. Ao atrair contínua resistência, ele fez-se um tolo e prejudicou a Marinha. ―Uma personalidade muito diferente deve ser mencionada neste momento, quem, ocupando a mais influente posição, afetou prejudicialmente o destino da Wehrmacht — o chefe da OKW(*), general de Exército Keitel, um homem de fraqueza inimaginável, que deve sua longa permanência nesta posição a essa característica. O Führer podia tratá-lo tão mau quanto desejasse, e ele ficava...‖ (*) Oberkommando der Wehrmacht, Alto Comando das Forças Armadas(NT).

Quando os réus chegaram ao banco pela manhã, ficou óbvio que a declaração de Raeder em Moscou, que eles já tinham lido nesse meio tempo, tinha prejudicado grandemente as relações na panelinha militar. Doenitz estava carrancudo e irritado e não falava com ninguém. (Goering infelizmente ainda estava fora da Corte por causa de sua leve indisposição.) Keitel sentou-se ereto em silêncio e passou para seu advogado um bilhete dizendo para não fazer nenhuma pergunta a Raeder em vista de suas declarações prejudiciais. Von Schirach foi ouvido contando a Raeder que não o culpava por dizer aquelas coisas sobre Goering. ―O marechal do Reich sabia mais sobre as coisas que aconteciam na Alemanha do que qualquer outro aqui presente. Embora ele já tenha admitido grande responsabilidade, na verdade admitiu menos do que qualquer outro de nós aqui.‖ Para um ex-adorador do herói Goering, esta declaração espontânea certamente era uma revelação de sua mudança de atitude, mesmo feita na ausência de Goering. Sessão da manhã: Uma discussão surgiu sobre a questão da leitura completa da declaração de Raeder em Moscou para registro. O conselho de defesa de Raeder objetou a sua leitura, e o coronel Prokovsky insistiu nela. [Durante a argumentação, Jodl e Keitel gritaram excitados para seus advogados. Jodl disse ―Deixe-o!‖ e Keitel disse ―Impeça-o!‖. Doenitz sentou-se em rígido silêncio. Hess riu-se divertido, irônico, pela consternação reinante entre os militares. Ribbentrop inclinou-se sobre o banco e conversou excitado com o Dr. Horn. Os advogados de defesa entraram em confusão e discutiram acaloradamente.] Finalmente, a Corte dedecidiu que era desnecessária a leitura do documento. O Dr. Siehmers imediatamente encerrou o interrogatório de Raeder e bateu em retirada apressadamente. Hora do almoço: Keitel expressou sua irritação sobre o documento e disse que foi muito desagradável Raeder ter dito aquelas coisas sobre ele, mas que


227 os juízes foram muito decentes ao negarem permissão a leitura do documento na Corte. Doenitz tentou dissimular seu aborrecimento e reconheceu que estava ficando mais sábio a cada dia. Agora, sentindo a necessidade de se defender, ele passou a conversar com os ―políticos‖, Schacht, von Neurath e von Papen, pela primeira vez em duas semanas, e explicou que Raeder provavelmente tivera uma falsa impressão em Moscou. Talvez Raeder não tivesse compreendido que ele havia adiado a rendição somente para permitir aos alemães escaparem para o Ocidente e não para prolongar a guerra. Jodl revelou porque não fez objeção à leitura do documento. Ele havia copiado a parte que lhe preocupava e leu para mim, enfatizando que mesmo Raeder reconhecia que ele, Jodl, em contraste com Keitel, era independente em suas atitudes frente a Hitler e sempre tinha sucesso desse modo. Eu mostrei a Jodl o artigo publicado no jornal Stars and Stripes sobre o julgamento em Dachau sobre o fuzilamento de 500 prisioneiros de guerra americanos na Batalha de Bulge, em Malmedy, e em outros lugares. O artigo citava Sepp Dietrich que disse que Hitler tinha ordenado o Sexto Exército Panzer SS a lutar ―sem quaisquer inibições de caráter humano‖. Jodl disse que estava inteiramente fora de questão que Sepp Dietrich tivesse recebido ou dado qualquer ordem para fuzilar os prisioneiros porque na época ele e von Rundstead teriam sabido disso e eles não tolerariam isso em nenhum momento. Na verdade, eles aprisionaram 74 mil (?) soldados anglo-americanos em Bulge e isso provava que tal ordem havia sido emitida. Ele considerava Sepp Dietrich um soldado honrado e um dos que haviam, de fato, ridicularizado a ―superioridade nórdica‖ de Himmler. Kaltenbrunner apressou-se a defender as SS. Jodl e Kaltenbrunner resolveram que a coisa começou com um dos fortes discursos usuais de Hitler no Quartel General defendendo a luta sem perdão e por aí vai, e isso foi passado para a tropa até chegar aos comandantes locais, cada um se excedendo em favor ao Führer, assumindo eles próprios a responsabilidade não fazer prisioneiros. Kaltenbrunner citou o discurso como ele imaginava que Hitler teria falado: Lutem com zelo fanático, não parem por nada, sacrifiquem-se pela Pátria e mostrem sua coragem e firmeza de sangue. Por isso os soldados foram assassinados em Malmedy. À noite na prisão Cela de Doenitz: Doenitz ainda se mantinha bastante triste com a declaração de Raeder. Enquanto ele vestia a roupa da prisão, queixou-se: ―Insisto em lhe dizer a mesma coisa. Não posso entender porque um homem, que seguia Hitler com bandeirolas esvoaçantes, tenta agora mudar toda a sua história. Quanto ao que ele falou de mim, está claro que ele estava sob influência dos russos naquela época. Eu lhe disse esta manhã que ele nunca deveria ter escrito aquelas coisas. Eu me abstive de escrever ou falar qualquer coisa que pudesse ferir alguém do nosso lado... Ele disse que eu ridicularizei a Marinha ao assumir a administração da área Norte. Mas é claro que tinha que fazer aquilo por causa dos portos do Norte, que eram de importância vital para a Marinha... Então, ele se queixou do jeito que eu tratei as negociações para o armistício. Mas tudo foi escrito do ponto de vista dos russos. Provavelmente, ele tentava na época passar uma boa impressão aos russos.‖


228 Tentei conseguir alguma reação sobre as relações pessoais entre ele e Raeder, mas ele cautelosamente se esquivou de se comprometer. Apenas disse que não eram exatamente amigos porque Raeder era 16 anos mais velho. 22 de maio Os almirantes Hora do almoço: Durante o almoço, Doenitz divertia-se com a declaração que tinha recebido do almirante Nimitz em resposta ao seu questionário. ―Você sabe o que ele disse? Que ele próprio conduziu um estado de guerra irrestrito em todo o Oceano Pacífico desde o primeiro dia após Pearl Harbor! — É um documento maravilhoso!‖ Na sala contígua, Ribbentrop e Raeder também gozavam de grande consolo com o documento, que Doenitz tinha mostrado a eles. ―Veja‖, disse Raeder, ―estado de guerra irrestrito! — qualquer coisa é permitida desde que você vença! A única coisa que você não pode fazer é perder!‖ Ribbentrop procurou usar isso para justificar a quebra do Pacto de Munique. ―Veja lá, estado de guerra irrestrito em todo o Oceano Pacífico, que na verdade não pertence à América! E quando criamos um Protetorado da Boêmia e Morávia, que pertenceram à Alemanha por milhares de anos, isso é considerado agressão!‖ ―Mas ainda há uma diferença entre as duas situações‖, argumentei. ―Vocês assinaram um pacto em Munique não para tomar mais que os Sudetos, enquanto nós fomos atacados sem aviso no Pacífico em meio às negociações. Há uma diferença clara entre agressão e defesa.‖ Ribbentrop recusou aceitar esse ponto. No refeitório dos mais jovens, Speer dava a von Schirach seu conselho de última hora sobre contar a verdade em desafio à posição hipócrita de Goering. Só peguei o rabo da conversa, quando von Schirach concordava em afinar a sua explanação com a de Speer. À noite na prisão Cela de Doenitz: Entrei na cela de Doenitz com uma cópia da declaração de Raeder em Moscou. ―Olhe aqui, almirante, não sei se devo mais me relacionar com você! Seu próprio oficial superior não parece pensar muito do seu caráter.‖ Doenitz ficou espantado e abriu a guarda, atacando excitadamente cada frase no documento. ―Mas veja, capitão, tudo aqui está absolutamente errado! Não se esqueça, ele escreveu isso como um velho desiludido em Moscou que havia tentado o suicídio. Esse negócio sobre Speer e mim, você sabe por que ele escreveu isso? Porque ele invejava de nossa produção crescente de submarinos, superior à existente pelos seus métodos tradicionais! É por isso! Eu perguntei a ele esta manhã: ‗Qual o número maior, 44 ou 21? Aperfeiçoando os métodos tradicionais, Speer e eu produzimos 44 submarinos por mês em vez dos miseráveis 21 que ele era capaz de espremer... Esse negócio de ―Garoto de Hitler‖ é uma grande mentira! Nunca fui chamado disso. Raeder é um velho invejoso, ferido porque não só o sucedi como também realizei mais do que ele, e finalmente me tornei chefe de Estado, apesar de já ter sido seu subordinado. Aquela parte sobre minhas ordens para as tropas lutarem até o fim... já expliquei a você. Foi só para salvar dois milhões de alemães de cair nas mãos dos russos, e para isso eu tive o apoio do general Eisenhower e do general Montgomery. Não, eu disse a meu advogado,


229 Kranzbuhler, para não dizer uma palavra sobre esse queixume de um velho invejoso zangado... e Raeder está morto de vergonha dele mesmo. Está tentando há semanas fazer a retirada daquele documento, mas ele não diz nada sobre isso porque pensou que pudesse se livrar dele. Ele não poderia subir ao estrado e dizer que escreveu a declaração sob pressão porque sua família ainda está nas mãos dos russos.‖ ―Bem‖, continuou ele, ―de qualquer maneira, eu tenho de aguentá-lo no banco; não quero que a promotoria me veja batendo na cabeça dele. Tive de conviver com todos os tipos de pessoas no banco, como Schacht e Goering, apenas para citar dois oponentes. Mas você deveria ver os comentários escritos à margem da cópia daquele documento que circulou entre nós: ‗Invejoso‘... ‗Presunçoso‘... ‗Dor-de-cotovelo‘... O que você espera que eu faça com um velho confuso e invejoso como ele?‖ Eu disse que estava satisfeito e rimos daquilo. Ele me lembrou mais uma vez o quanto foi bem considerado pelo almirante americano que enviou o ajudante para dizer-lhe, através de seu advogado, que tinha o maior respeito por ele, Doenitz.

18. A defesa de von Schirach 23 de maio Von Schirach depõe Sessão da tarde: Von Schirach iniciou sua defesa assumindo inteira responsabilidade pela educação da juventude alemã. Incapaz de conter um nascisismo cultural, ele explicou com entusiasmo que fora um propagandista não só do Nacional Socialismo mas de Goethe e da cultura alemã. Ele teve de ser interrompido várias vezes para continuar com a sua história. Descreveu a juventude alemã como mais ou menos uma organização de escoteiros interessada nos esportes e a quem não foi dado treinamento militar. Ele também tinha contido a Juventude Hitlerista de participar do pogrom de 1938. Von Schirach então chegou ao ponto e começou a contar como se tornou um antissemita, mencionando a grande influência que sofreu da leitura do livro americano ―O judeu internacional‖. Durante o dia, Dr. Thoma, o advogado de Rosenberg, me contou que já estava ficando doente com o comportamento odioso de seu cliente. Rosenberg constantemente o atormentava para apresentar evidências de que a perseguição aos judeus era justificável. Ele insistia, por exemplo, em apresentar o documento Pototsky. ―Então, eu lhe disse: ‗Pelo amor de Deus, Rosenberg, você quer que eu faça eles pensarem que você desaprovou o extermínio e que não sabia nada sobre isso, e ainda quer que eu apresente o documento para mostrar que o extermínio era justificável?!‘... Ele me deixa doente!‖ Eu lhe perguntei que documento Pototsky era esse a ser mostrado. Ele disse que era uma declaração do ex-embaixador polonês nos Estados Unidos, afirmando que os judeus que cercavam Roosevelt eram hostis à Alemanha nazista. ―Mas, se você me perguntar‖, disse o Dr. Thoma, ―é um crédito aos judeus por eles reconhecerem esse demônio depravado do hitlerismo que arruinou a Europa e que o queriam aniquilado. Posso lhe contar que muitos cristãos decentes ficaram alegres com a guerra por um único motivo:


230 significava o fim do hitlerismo‖. Ele contou as dificuldades por que estava passando com Rosenberg, a quem descreveu como um pagão arrogante. Rosenberg insiste em pesquisar justificativas históricas para a guerra e a perseguição dos judeus, e culpa o advogado por não defender seu ponto de vista. Ele luta por todos os meios possíveis para justificar sua posição e salvar seu pescoço. ―Ele devia estar contente por eu não apresentar tantos documentos para mostrar que antissemita depravado ele é. Tenho encontrado documentos os mais prejudiciais a ele, e ele tem que ficar contente por eu não apresentá-los!‖ 24 de maio Von Schirach denúncia Hitler Sessão da manhã: Von Schirach explicou sua atitude antissemita; ele e a juventude alemã tinham esperado por uma solução pacífica para o ―problema judeu‖. Ele nada teve a ver com as Leis de Nuremberg, mas pensara que o problema já tinha sido resolvido e as Leis de Nuremberg seriam supérfluas. Entretanto, a juventude alemã tinha que aceitar como política de Estado oficial. [Frank olhou zangado do seu lugar.] Quanto ao ―Stürmer‖ de Streicher, a juventude o tinha rejeitado. [Um sorriso feio de Streicher.] Ele tinha chamado o pogrom de 1938 uma disgraça cultural e um crime. Depois então ele achou que os judeus estariam melhores se fossem assentados no Leste. Ele admitiu ter aprovado o transporte dos judeus de Viena enquanto foi gauleiter lá e ter apoiado a ação com um discurso em 15 de setembro de 1942, em Viena. Quanto a isso, von Schirach podia somente acrescentar: ―Fiz aquela declaração, que agora lamento sinceramente, e, fora de falsa lealdade ao Führer, eu me identifiquei moralmente com aquele ato. Eu fiz e não posso desfazê-lo agora.‖ Descreveu seu rompimento com Hitler em 1943 por problemas culturais e antissemitas. Então, veio a denúncia de Hitler e do antissemitismo. Com referência ao testemunho de Hoess sobre Auschwitz, ele afirmou: ―Foi o maior assassinato demoníaco em massa da história. Mas aquele assassinato não foi cometido por Hoess: ele foi só seu executor. O assassinato foi ordenado por Adolf Hitler. Pode-se ver em seu Último Testamento. Aquele testamento é genuíno. Eu vi uma cópia fotostática. Ele e Himmler juntos cometeram aquele crime que, por todos os tempos, é a mancha mais negra em nossa história. É um crime que envergonha a todos os alemães....‖ [Havia tensão em todo o banco dos réus. Frank, Funk e Raeder enxugaram os olhos em alguns pontos do depoimento.O riso feio de Streicher ficava mais feio.] ―...Foi minha culpa, a qual terei que levar perante Deus e a nação alemã, ter educado a juventude deste povo; levantar essa juventude por um homem a quem, por muitos anos, eu considerei impecável como lider e como chefe de Estado; formar a juventude para ele vendo-o como eu o via. Foi minha culpa educar a juventude alemã para um homem que cometeu assassinatos aos milhões... Mas, se com base nas políticas raciais e no antissemitismo um Auschwitz foi possível, então Auschwitz deve se tornar o fim das políticas raciais e do antissemitismo...‖ Durante o intervalo, Rosenberg disse a seu advogado para não fazer nenhuma pergunta a von Schirach. O advogado argumentou que ele não poderia simplesmente manter a pretensão de que o extermínio dos judeus


231 fosse minimamente justificado, e que von Schirach foi decente ao dizer o que disse, denúnciando o antissemitismo e culpando diretamente Hitler. Fritzsche e Speer estavam muito comovidos e satisfeitos por von Schirach ter tido coragem para se manifestar tão enfaticamente, apesar da pressão de Goering. Eu disse que era péssimo que Goering ainda estivesse fora da Corte. Schacht respondeu: ―Isso não abalaria de maneira nenhuma aquele porco de pele dura!‖ Fritzsche e Speer concordaram, enfáticos. Frank, perturbado por ter sido ultrapassado em sua posição de arrependido, argumentou que von Schirach não tinha o direito de fazer tal julgamento de Hitler. Eu disse que estava surpreso ao ouvir ele dizer isso uma vez que ele tinha várias vezes denúnciado tão violentamente Hitler, e eu desejei saber por que ele não teve coragem de fazê-lo quando depôs. Frank argumentou que aquilo era uma questão puramente legal: quando se depõe como testemunha não se deve assumir o papel de juiz. Hora do almoço: No encerramento da sessão da manhã, uma pergunta feita pelo advogado de Rosenberg revelou que von Schirach nunca foi capaz de ler O mito do século XX. Isso fez Rosenberg ficar furioso e repreender seu advogado por ter feito uma pergunta tão estúpida. Quando os réus formaram fila para sair da sala da Corte e se dirigir ao refeitório, eu perguntei a cada um se tinha mesmo lido o ―Mito‖ de Rosenberg. Nenhum deles leu. A maioria riu do caso, e Streicher pretendeu que era um estudo muito profundo, um pouco ―profundo demais‖ para ele. Eu disse a Rosenberg que ele podia se consolar que nenhum dos réus tenha lido o livro. ―Eu não escrevo livros para ninguém ler! Quem pediu àquele estúpido advogado para fazer aquela pergunta?‖, vociferou Streicher. No refeitório dos mais moços, a confissão de von Schirach foi saudada como uma vitória sobre o cinismo de Goering e um serviço ao povo alemão. Fritzsche, Funk e Speer o cumprimentaram mais efusivamente. Von Schirach estava satisfeito por ter criado uma sensação. ―Bem, penso que isso acaba com o mito de Hitler. Eu disse a eles que o Testamento de Hitler era verdadeiro, que ele próprio admitiu esse terrível crime, que ele realmente odiava o povo de Viena e que a política antissemita foi um crime, e que qualquer pessoa que ainda permanecesse antissemita era um criminoso. Isso não deixará mais dúvidas nas mentes da juventude alemã.‖ Von Schirach estava perfeitamente consciente que desmascarava assim o cinismo heróico de Goering. Speer disse que agora poderia seguir mostrando como Hitler tinha querido a destruição da nação alemã inteira quando não pôde realizar suas ambições, e Fritzsche disse que iria resumir todo o tema de traição quando ele defendeu a propaganda no fim. No refeitório dos mais velhos, von Papen, von Neurath e Schacht concordaram que von Schirach estava absolutamente certo sobre Hitler. ―Sim, ele foi o maior assassino de todos os tempos!‖, exclamou von Papen, exaltado. ―... E ele ainda disse no fim que o resto do povo humilde alemão não merecia existir!‖ Perguntei a Doenitz se ele não concordava com aqueles sentimentos. Ele respondeu abrutamente: ―É claro!‖, e não disse mais nada. Streicher ―não tinha comentários‖ a fazer. Ribbentrop enfiou o rosto no jornal.


232 Sessão da tarde: Na inquirição, o promotor Dodd mostrou que von Schirach tinha boas razões para se arrepender, e revelou umas poucas coisas que ele negligenciou em revelar: durante a primeira parte da guerra ele não fora avesso a se vangloriar por ajudar jovens alemães a serem guerreiros patrióticos. Os inspirara compondo canções provocativas de natureza belicosa e antissemita para a Juventude Hitlerista. Grande número deles foi treinado com armas de pequeno calibre e em pilotagem de planadores. Uma tendência antirreligiosa foi fomentada de diversas formas, afastando a juventude das igrejas. Finalmente, foi mostrado que ele tinha um acordo com Himmler para recrutar membros para as unidades SS Totenkopf (usadas nos campos de concentração) e que seu escritório recebia semanalmente relatórios das atividades de extermínio das SS. No fim da sessão, Frank, que o havia criticado pela manhã por ter denúnciado Hitler, agora o criticava por esconder muitas culpas em questões específicas. Frick observou, com a sua perspectiva oportunista característica: ―Viram? Sua denúncia não o ajudou em nada. De qualquer maneira, a promotoria o pegou.‖ 25 e 26 de maio Fim de semana na prisão Cela de von Schirac: Von Schirach sentia-se satisfeito com a impressão deixada por sua confissão da culpa de antissemitismo e sua denúncia de Hitler como um assassino. Revendo seu rompimento com Hitler, ele enfatizou a ingratidão e a traição do Führer. ―Imagine! Só porque eu levantei o problema das atrocidades... eu, que ergui toda a organização da juventude, fui afastado de tal maneira que temi por minha vida e de toda a minha família. E então eles ainda discutiram com Himmler se eu deveria ser levado perante um tribunal popular. Ao mesmo tempo, ele elogiava as realizações da Juventude Hitlerista enquanto pensava calmamente como me liquidar se eu não me ajustasse a seus propósitos.‖ Ele falou da falta de naturalidade de Hitler com as mulheres. Ele sempre percebeu que Hitler nunca relaxava junto a elas, mas encobria isso com uma rara polidez e demonstração de galanteria. Por exemplo, ele adotava o gesto de beijar a mão de uma senhora, que era costume em círculos da Corte e ainda usado em alguns ambientes pela classe dos oficiais da nobreza. ―Em nosso círculo havia um limite reconhecido de conveniência dos gestos. Eu devo beijar a mão da esposa de um ministro ou oficial, por exemplo, mas nunca a de uma garota solteira. Imagine, às vezes eu me sentia embaraçado ao ver o chefe de Estado beijar a mão de uma moça qualquer que lhe fosse apresentada. Ele não tinha senso de conveniência das coisas em certas situações... um homem que adquiriu uma polidez artificial.‖ Von Schirac me disse que sua esposa tinha lhe dito que tinha certeza de que o relacionamento entre Hitler e Eva Braun não era normal e que ele mesmo havia notado algo de errado sobre isso. Ele não achava que havia uma relação sexual saudável normal entre os dois. Ele achava que talvez Eva Braun fosse mais uma boneca que ele precisasse para fazer as coisas parecerem normais. Discutimos o efeito que a denúncia de von Schirac deverá ter na juventide alemã. Ele estava particularmente ansioso para que a sua declaração se espalhasse entre a Juventude Hitlerista a fim de que pudesse pelo menos ter a satisfação de saber que, de alguma maneira, tinha aliviado o dano que causou.


233 Ele me deu as anotações originais que havia escrito para a denúncia e me pediu para mostrá-las aos líderes da Juventude, Hoepken e Wieshofer, que estavam na ala das testemunhas. Ele sentia que, se esses líderes da Juventude virem a declaração com a sua própria letra, eles se convenceriam que aquela era a palavra do líder e iriam divulgar por entre a juventude alemã. Concordei em fazer isso. Ala das Testemunhas: Levei a declaração denúnciando Hitler e o antissemitismo e a traição da juventude alemã aos dois líderes na ala das testemunhas. Eles leram e aparentemente ficaram impressionados. Disseram que aquilo expressava exatamente os seus sentimentos. Estavam certos de que isso teria uma influência benéfica sobre centenas de milhares de jovens que ainda consideravam von Schirach o único líder que haviam conhecido. Foi particularmente eficaz porque ele admitiu ser um antissemita e seguidor de Hitler por longo tempo, como eles todos foram, mas renunciou à sua crença com a sincera convicção de que as políticas de Hitler levaram ao assassinato. Eles pediram permissão para copiar a declaração para levar com eles e divulgar por todo o mundo no seio da ex-Juventude Hitlerista. Mais tarde eu tive uma longa conversa com Fritz Wieshofer, 31, um dos líderes chefes da juventude austríaca. Ele se disse inspirado ao ler a declaração de von Schirach e podia ver algo de valor na divulgação da palavra de denúncia do nazismo e do antissemitismo. A juventude alemã, disse ele, estava em tal desespero, sem saber o que pensar, que a palavra de seu exlider teria um grande efeito sobre ela. ―Mas, e quanto a seu país?‖, ele perguntou. ―Estou assombrado ao ouvir agora oficiais americanos expressarem sentimentos antissemitas! O mundo não aprendeu nada com o exemplo horrível da Alemanha? Como eles podem ser ainda antissemitas depois de tudo o que aconteceu na Alemanha? Claro, há alguns que podem dizer que nunca perceberam antes a que o preconceito racial pode levar. Mas agora? — Depois de Auschwitz, como von Schirach diz? A Juventude Alemã certamente aprendeu a sua lição. É certíssimo como ele escreveu aqui: ‗O que Hitler fez aos judeus e ao povo alemão‘. Aprendemos na amargura e na miséria a que os preconceitos raciais levam. Mas, o resto do mundo já aprendeu?‖ Cela de von Schirach: Eu voltei e contei a ele como sua declaração foi recebida com completa simpatia pelos dois líderes da juventude. Ele ficou extremamente agradecido e declarou: ―Veja! Eu sabia que eles veriam do meu jeito! Você sabe o que um dos réus me falou quando voltei ao banco? Ele disse que a juventude alemã não acreditaria em mim porque eles acreditavam em Hitler e me tomariam como um traidor. Então eu lhe respondi que eu conheço a minha juventude melhor do que ele e do que todos os demais que fizeram grandes discursos. Eu disse a Rosenberg: ‗Se você pensa que a juventude acreditou em Hitler até o fim, está muito enganado. Não se esqueça que a minha geração foi a que teve que ir para o front lutar, enquanto vocês ficavam fazendo ótimos discursos ideológicos. Os garotos que achavam que Hitler era um grande homem começaram a pensar diferentemente depois que foram lutar no front... 2, 3, 4, 5, 6 anos, viram seus camaradas morrerem, eram feridos e voltavam para casa pelo tempo suficiente para curar seus ferimentos e depois


234 voltavam para o front. Eles foram obedientes até o fim, claro, mas era uma juventude amarga, posso lhe dizer‘‖ Ele sabia que a sua declaração tinha quebrado o último laço moral com Hitler e se os americanos forem inteligentes poderão capitalizar isso ao máximo. ―Pode parecer estranho a um americano que toda uma geração possa ser tão influenciada por um lider, mas o fato é que a juventude alemã foi levada a seguir um lider, e isso pode ser explorado até um fim positivo, em vez de pular isso e falar sobre democracia enquanto eles ainda estão confusos demais para saber o que pensar...‖ Ele ficou excitado: ―Bem, agora eu fiz a minha declaração e a minha vida terminou. Espero que o mundo perceba que eu só tive boas intenções.‖ Eu repliquei que, em vista da sua confissão, eu estava surpreso que ele tenha contestado tanto as evidências que Mr. Dodd apresentou na inquirição. Dei a entender que eu não estava inconsciente do fato de que seu depoimento teve sua parte de ego, embora fosse apresentado com uma boa dose de sinceridade e, em todo caso, foi mais decente do que a pose de lealdade hipócrita de Goering. Von Schirac não questionou isso. ―É claro, eu percebi perfeitamente bem que esse depoimento encontrará resposta simpática entre os jovens e especialmente entre as mães da nação, que dirão: ‗Ele pelo menos fez alguma coisa para mostrar a meu filho o caminho para sair dessa confusão.‘ — Naturalmente, sou político bastante para perceber isso. Pelo menos, estou me despedindo elegantemente.‖ Ele achava que a juventude alemã poderia algum dia querer erigir um monumento ao sacrifício dos judeus pela loucura de Hitler. ―Claro, é só um símbolo, mas a juventude alemã foi levada a pensar em termos de símbolos.‖ Cela de Rosenberg: Rosenberg estava irritado pelo desprezo de von Schirac à sua influência. Ele disse que nunca forçou ninguém a ler o Mito, mas que havia ficado surpreso ao ver quantas pessoas o leram em todas as classes sociais. Eu levantei a questão da condenação de von Schirach ao antissemitismo. Ele argumentou exaltado que está tudo muito bem se dizer isso agora, em vista dos extermínios, mas procurou racionalizar a ideologia racial como algo que acontecera por séculos em muitos países. ―Agora, de repente se tornou um crime só porque os alemães o fizeram!‖ Perguntei-lhe, mais uma vez, não obstante as razões de seu comportamento anterior, se ele não percebia agora que o preconceito racial era uma coisa perigosa para se lidar e se von Schirach não estava certo ao dizer que todo aquele que ainda o cultivasse após aos assassinatos em massa em Auschwitz era um criminoso. Rosenberg recusou reconhecer isso, mas persistiu em se referir a percepções históricas mais adiante. A Igreja Católica também tinha uma ideologia fanática e orientou as políticas polonesas de perseguição da Alemanha por 150 anos. Martinho Lutero pregou uma ideologia anticatólica, que foi justificada na época mas causou um grande banho de sangue com a Guerra dos 30 Anos etc. etc. Não se pode culpar os criadores de ideologia por suas consequências. Finalmente, perguntei-lhe se ele não concordava que todas as ideologias fanáticas eram perigosas, e que o gênero humano deve perceber agora que razão e tolerância seriam necessárias à sobrevivência. Ele achava que havia um sentimento muito bonito na teoria, mas era uma ideia impraticável porque há raças e nacionalidades diferentes no mundo e a luta é inerente à natureza


235 humana. Agora, o povo anglo-americano, ou melhor, o povo americano-inglês detém a liderança do mundo e precisa manter isso ou a Rússia irá dominar o mundo. Ele considerava a ONU somente um veículo para um ou outro forçar sua dominação no mundo. Não há como escapar do Führerprinzip. De qualquer maneira, a América logo estaria às voltas com seus próprios problemas raciais, repetiu esperançoso Rosenberg. Cela de Goering: Goering ainda está emburrado em sua cela, queixando-se de dor no nervo ciático e da traição. O major Goldensohn, que o examinou, percebeu que, além dos sintomas plausíveis, sua ausência na Corte esta semana era parcialmente explicada pelo desejo de evitar o desprazer das declarações de Raeder e de von Schirach. Quando o capelão, o psiquiatra e eu fizemos nossas ronda, ele informou a cada um que soubera com antecedência da declaração de Raeder e da intenção de von Schirach ―se vender‖. Mesmo nos limites de sua cela ele ainda não superara a enraizada tendência de disseminar simpatias e preconceitos em seu próprio benefício. Ele fez observações críticas sobre o psicólogo ao psiqiuiatra, sobre o capelão católico ao capelão protestante, e vice-versa, ao psicólogo sobre os capelões, e aos capelões sobre o psicólogo. O major Goldensohn e eu somos de opinião que, embora ele estivesse privado de drogas, o seu vício está longe de ser curado e ele ainda é basicamente um caráter fraco, recorrendo a outros meios de fugir da frustração e de proteger o ego. O capelão Gerecke já desistiu de lutar inutilmente para incutir um pouco do temor a Deus a esse arrogante pagão. 27 de maio Sessão da manhã: O promotor Dodd forçou von Schirach a admitir que, entre seus interesses culturais, estava a proposta a Bormann de bombardear uma cidade cultural inglesa em represália ao assassinato de Heydrich; outra sugestão foi remover em massa todos os tchecos de Viena. Ele também admitiu ter discutido com Himmler e Frank a evacuação forçada dos 50 mil judeus remanescentes de Viena para a Polônia, ao que o ministro Frank protestou por não haver lugar para eles naquele país. Ele também foi acusado de promessas de guerra à juventude alemã, mas tergiversou sobre a sua responsabilidade quanto a outros assuntos, como a importação de garotos de 10 a 14 anos de outros países para utilizá-los na guerra. Von Schirach negou ter lido os relatórios enviados a ele sobre o extermínio de judeus e de partisans nos territórios do Leste. No intervalo, Frank me disse: ―‗O ministro Frank protestou.‘ Você ouviu aquilo? Sabe o que isso significa? Ele não pareceu inocente e traído como na sexta-feira? Não se esqueça que essas confissões grandiloquentes não significam nada legalmente e não alteram a culpa.‖ Fiz uma obervação sobre o jeito fantástico dos nazistas de propor o deslocamento de populações de um lado para o outro como se lidassem com vagões de gado em vez de seres humanos. Isso provocou uma resposta irritada de Frank e Seyss-Inquart, que começaram a vociferar dizendo que a Russía estava fazendo a mesma coisa agora e que os americanos fechavam os olhos para esse fato.


236 Durante o interrogatório pelo promotor russo, general Alexandrov, von Schirach declarou que sua Juventude Hitlerista estava muito atrás da juventude russa em treinamento militar. [Frank riu até ficar com o rosto vermelho.] À noite na prisão Cela de Frank: À noite, Frank explicou seu comportamento frente à defesa de von Schirach. ―Você queria saber por que eu critiquei von Schirach na sextafeira. Você estava pensando, Frank pensa uma coisa de Hitler um dia e outra coisa no dia seguinte. Não é tão simples assim. Eu conheço a situação e eu sabia que von Schirach estava tentando simplificar demais as coisas com sua grande confissão. Você percebeu como toda a sujeira apareceu na inquirição? Era o que eu esperava. Ele queria que todo mundo pensasse que ele era apenas um garoto inocente mal orientado. Ora, ele mesmo tentou fazer parecer como se Henry Ford fosse o responsável por Auschwitz. Não foi tudo... eu sei de suas relações com Hitler e o que o medo de perder a influência junto a ele significava. Por quê você acha que ele enviou aquele teletipo a Bormann propondo o bombardeio de uma cidade cultural inglesa? Porque ele temia estar perdendo sua influência junto a Hitler e estava sendo desprezado como fraco por Bormann, quem estava sempre soprando nos ouvidos de Hitler. Então ele fez essa brava sugestão de bombardear uma cidade cultural inglesa. É o tipo de coisa que me enraivece. Eu pensei que pelo menos uma acusação moral que nós podíamos fazer contra os aliados era o bombardeio desnecessário de cidades culturais nossas, como Rothenburg. Mas então isso aparece e nós não temos sequer do que nos queixar. Eu pude sentir que havia algo bastante teatral na confissão de von Schirach. Claro, fez uma maravilhosa propaganda e isso é uma grande coisa e tudo mais, porém não esqueça de que ele era parte de todo o sistema, e se realmente quisesse fazer uma confissão, deveria tê-la feito por completo e não esconder uma culpa moral aqui e uma responsabilidade formal ali.‖ Cela de Ribbentrop: Ribbentrop achou que foi terrível a maneira com que von Schirach falou sobre o Führer. Eu lhe perguntei se aquilo não era verdade. ―Bem, eu não sei, mas foi a maneira dele divulgar... Não é uma questão fácil para se determinar a culpa.‖ Ele queria explicar que não se podia dizer que Hitler ou Ribbentrop era culpado de planejar e executar uma guerra de agressão; era muito mais complicado do que isso. Neville Henderson o havia acusado de ser um Talleyrand(*) e de alertar Hitler de que a decadente Inglaterra não iria lutar. De repente, Ribbentrop chegou à conclusão que havia se esforçado bastante para alertar Hitler de que os ingleses iriam à guerra em caso de qualquer transgressão após o rompimento do Pacto de Munique — de fato, por isso ele lutou como o diabo! (Isso depois de me dizer repetidamente que o Pacto de Munique não havia sido quebrado, e que não havia razão para a Inglaterra lutar por uma coisa menor como as demandas razoáveis alemães em relação à Polônia.)

(*) Ministro das Relações Exteriores de Napoleão, tinha grande capacidade de sobrevivência política (NT).


237 Cela de Doenitz: Mostrei a Doenitz a manchete de um jornal alemão dizendo que von Schirach havia denúnciado Hitler como assassino. Ele concordou que aquilo era bastante verdadeiro; mas achava que von Schirach estava tentando ocultar muito mais coisas, especialmente a influência anticristã sobre a juventude alemã. ―É sempre a mesma velha história com esses líderes nazistas. Eles começaram toda essa desordem e nós militares, que não tínhamos nada com isso, a não ser cumprir o nosso dever, é que somos os sofredores. Agora veja essa questão do Cristianismo e da juventude alemã. Eu criei meus filhos como bons cristãos. Eu os confirmei e os batizei. Os dois filhos que eu perdi em batalha eram bons cristãos e bons soldados. Como eu também; como são os almirantes de vocês, somos da mesma espécie. Enfim, os meus filhos eram batizados, embora pertencessem à Juventude Hitlerista, e a Juventude Hitlerista era difinitivamente anticristã. Eu sei que era anticristã! Isso é o que me deixa doido. São esses políticos...‖ ―Agora‖, continuou Doenitz, ―eu não quero culpar von Schirach especificamente, mas veja um homem como Frick. Ele é o nazista mais velho no banco dos réus. Ele ajudou a levar o partido ao poder e jogou a sela por cima, como vocês dizem em inglês. Nós soldados não fizemos nada mais que nosso dever perante o chefe do Estado. Agora ele procura um buraco de rato para rastejar para dentro!‖. Doenitz quase que não podia controlar sua raiva e fez gestos de desprezo como se procurasse um buraco de rato pela cela. ―Ele nem mesmo teve a coragem de se levantar e se defender, e assumir sua parte da responsabilidade, mas tentou dar uma falsa impressão de antinazista com aquela testemunha Gisevius. Mas foram esses políticos que levaram os nazistas ao poder e começaram a guerra! Foram eles que realizaram esses crimes desprezíveis, e agora nós temos de ficar sentados no banco com eles e partilhar a culpa! Há duas classes de pessoas naquele banco: soldados e políticos. Os soldados apenas cumpriram seu dever, e de minha parte nunca recebi um tostão além do meu salário regular e subsídios, mas esses políticos, como von Schirach, Frick etc., obtiveram bens, grandes presentes e não sei mais o que.‖ Eu perguntei se ele considerava Goering um soldado ou um político. Doenitz respondeu com grande desprezo que Goering pertencia à classe política corrupta. Cela de Fritzsche: Fritzsche navegava nas profundezas de outra onda de desespero porque até von Schirach estava muito mais ligado às políticas criminais do que ele suspeitava. O fracasso de von Schirach de ir adiante na questão dos relatórios das SS sobre o assassinato de judeus e partisans no Leste e sua débil negativa da tendência antirreligiosa da Juventude Hitlerista somente aumentou a sua convicção que não havia nada no movimento nazista que não se baseasse na fraude. Mais uma vez ele não sabia se iria resistir até o fim do julgamento. Eu disse que a confissão de von Schirach e a denúncia tiveram algum valor de propaganda construtiva e as revelações de Speer teriam mais, e que ele devia se aproveitar disso para expor a traição através da propaganda. Fritzsche respondeu em desespero que achava que não iria adiantar nada o que ele dissesse. Cela de Speer: Speer ainda se mostrava animado com a denúncia de von Schirach contra Hitler e o completo rompimento da ―frente unida‖ de Goering. Ele disse que von Schirach agora era seu Dutzfreund (isto é, eles agora se


238 correspondem como amigos íntimos usando o familiar Du — tu). ―Já vai longe o tempo em que Goering o enviava para me alertar sobre dizer alguma coisa contra Hitler. Eu o lembrei disso hoje no almoço e de como eu respondi que Goering poderia ir para o inferno com seu heroísmo, e que deveria ter sido mais heróico durante a guerra enfrentando suas responsabilidades em vez de se drogar e deixar a Alemanha ser destruída e degradada. Von Schirach finalmente admitiu que eu estava inteiramente certo sobre isso, e agora somos Dutzfreund... Hah!... Espere até Goering saber disso, ele vai ter um ataque!‖

19. A defesa de Jodl 3 de junho Jodl depõe Sessão da manhã: [Quando Jodl se dirigiu ao estrado das testemunhas, Goering sussurrou para Hess: ―Bem, esta é a minha última esperança.‖] Jodl iniciou sua defesa com uma breve descrição de si como um dos que tinham a profissão de soldado no sangue e não se interessava por partido político. Ele tinha sido bastante cético quanto a Hitler na época do putsch de Munique e ascenção de Hitler ao poder. Quanto a ele, se associava aos judeus que reconheciam sua pátria. Suas desconfianças sobre a ascenção de Hitler foram tranquilizadas pela presença de homens como von Papen, von Neurath e Schwerin-Krosigk no governo. Sessão da tarde: Jodl caracterizou o comportamento de Hitler como ―uma obra prima de segredo e uma obra prima de fraude através de Himmler.‖ [Goering não gostou. Quando Jodl contou como ele teve um rompimento com Hitler em 1942 e desde então mal se relacionaram, Goering resmungou no banco: ―Huh! Não foi tão mau assim!‖ Depois, esperando impacientemente que Jodl dissesse alguma coisa em confirmação às suas próprias afirmações, resmungou de novo: ―Queria que ele falasse mais depressa e seguisse com isso. Ele me deixa nervoso.‖] Zangado, Jodl negou as afirmações da testemunha Gisevius de que ele omitia informações de Hitler. Na verdade, ele informava qualquer coisa imediatamente sobre atrocidades de guerra, como no caso dos fuzilamentos de Malmedy. Ao contrário, ele lamentava sua inabilidade de omitir certos tipos de informação de Hitler porque o Führer conseguiria essa informação de intrometidos, como os fotógrafos, e a aceitaria de preferência à sua própria informação militar profissionalmente abalizada. Então ele denunciou asperamente aqueles que planejavam golpes enquanto os soldados combatiam. [Doenitz, Goering e Ribbentrop concordaram, balançando violentamente as cabeças. Doenitz olhou para o meu lado e acenou com a cabeça indicando: ―Você vê?‖] Jodl descreveu-se como um dos poucos que ousaram a se opor a Hitler, às vezes violentamente. O ataque aos planejadores de golpes mais uma vez revelou as diferenças agudas entre os oficiais e os políticos no banco dos réus. Goering e Doenetiz vibraram com a alusão irônica a Schacht. Frank ainda se identificava como um oficial e declarou com grande respeito, apontando para Jodl: ―Ali fala um oficial alemão! Os alemães são um povo militarista, Her Doktor. Não se pode evitar


239 isso. Eles nunca teriam sido capazes de se manter por milhares de anos se não fossem.‖ Schacht e Speer tinham opinião completamente diferente. Eles achavam que tais declarações só condenavam o povo alemão. A revolução política pode ter estado fora de questão, mas era responsabilidade dos líderes fazer algo sobre o louco do Hitler. Jodl foi interrompido quando começou a caracterizar Hitler. Entretanto, ele mencionou que depois do assassinato dos 50 pilotos britânicos que escaparam de um campo de prisioneiros de guerra, ele soube que Hitler não tinha apreço aos direitos humanos. O próprio Jodl sentiu-se responsável por observar as leis internacionais depois de julho de 1944. (O escritório de Canaris(*) foi colocado sob sua jurisdição após o atentado de morte.) A acusação da promotoria de que os oficiais haviam enriquecido era uma calúnia contra todos os oficiais alemães honestos. [Todos os oficiais no banco, exceto Goering, demonstraram satisfação com essa observação.] À noite na prisão Cela de Jodl: Perguntei a Jodl o que ele ia dizer sobre Hitler quando foi interrompido. Ele ia dizer que seus sentimentos para com Hitler flutuavam entre admiração e ódio. ―As coisas que ele fez que me fizeram odiá-lo foram: seu desprezo para com a classe média (Bürgertum), com a qual eu me identificava; sua suspeição e desprezo para com a nobreza, com a qual eu estava casado; e sua desconfiança e ódio ao Alto Comando, do qual eu era membro.‖ Perguntei a ele por que Hitler odiava esses grupos. Jodl explicou que Hitler odiava a Bürgertum porque a considerava covarde e não simpática às ideias revolucionárias; a nobreza lhe causava desconfiança porque ela abraçava o internacionalismo e adotava um código de comportamento que ele não podia entender; e o Alto Comando sempre era culpado quando alguma coisa dava errado, mesmo que sempre pensasse que sabia mais do que eles quando pedia conselhos. Eu mudei o assunto para o seu comportamento em relação aos conspiradores do golpe. ―Fiquei surpreso por você atacar tão violentamente os que planejaram o golpe. Sabendo o que sabe agora sobre Hitler, você ainda os culpa de tentar fazer alguma coisa para se livrar dele?‖ Isso pareceu pegar Jodl de surpresa enquanto assoava o nariz. Ele pensou sobre a questão por alguns segundos. Finalmente, respondeu: ―Bem, se eles sabiam então o que sabemos agora, é diferente. Mas eu rejeitei a ideia como oficial que desaprovava o Nacional Socialismo desde o início e obedecia o chefe-de-Estado que os políticos escolheram. Então, eles disseram que foi tudo um erro e que a Wehrmacht tinha que afastá-lo. Essa é uma ideia de falsidade que eu desprezo. Eu não acho que eles deviam apertar a mão de Hitler e mandar os oficiais assassiná-lo. Eu detesto esse negócio de apoiar alguém nos tempos bons e rejeitá-lo porque ele falhou.‖ Obviamente, ele falava de Schacht novamente. (*) Almirante Wilhelm Canaris, chefe da Abwehr, agência de espionagem alemã, um dos envolvidos no atentado de 20 de julho de 1944 contra Hitler (NT).


240 ―Você quer dizer que acha que, uma vez escolhido um líder, deve-se seguilo até o fim? Os políticos não poderiam perceber que cometeram um erro e então tentar corrigir o erro?‖ ―Esse é outro assunto, mas então os políticos deveriam assumir as consequências.‖ Ele disse que odiava pensar no que poderia ter feito sobre isso se soubesse na época o que sabe agora, mas em qualquer caso ele teria agido de acordo com um princípio, e não por oportunismo. Ele achava que, no que lhe dizia respeito, tinha agido de acordo com princípios ao estabelecer os limites dos atos criminosos que Hitler havia querido executar, como a ordem para matar todos os comandos capturados. Ele vai entrar em detalhes amanhã. 4 de junho Agressão improvisada e blefe Sessão da manhã: Jodl descreveu como Hitler quis que ele distribuisse uma ordem para que todos os comandos (sabotadores) fossem fuzilados quando capturados. Jodl disse ao ajudante de Hitler, general Schmundt, que se recusava fazê-lo. Hitler então deu a ordem pessoalmente. Depois, Jodl emitiu uma diretiva, sem o conhecimento de Hitler ou de Keitel, dizendo que os comandos deveriam ser considerados prisioneiros de guerra. Jodl jurou que não tinha a menor noção das mortes e do terror nos campos de concentração, ou do programa de Hitler e de Himmler para exterminar os judeus da Europa. Ele soube do transporte de judeus da Dinamarca, por exemplo, mas apenas informou a seus generais que isso não era assunto deles. A única vez que suspeitou das atividades de Himmler, disse ele, foi quando Himmler informou sobre o levante do gueto de Varsóvia, que ele teve de reprimir com violência. Hora do almoço: Uma fotografia mostrando o enforcamento de Karl Hermann Frank, o açougueiro de Lídice, foi publicada hoje no Stars and Stripes. Durante o almoço, von Neurath comentou que foi bem feito para ele, que lhe havia mentido e implantado um reino de terror na Tchecoslováquia. Von Neurath disse que não houve nada que pudesse fazer sobre isso, mas renunciou como protetor porque Frank só se reportava a Himmler. As SS aparentemente são o único ponto com o qual militaristas e políticos concordam mutuamente. Doenitz concordou com a afirmação. ―A polícia das SS era um Estado dentro do Estado‖, explicou Doenitz. ―Era uma questão de quem era mais poderoso, se Hitler ou Himmler. No fim, não se sabia quem ia prender quem. Quando eu ia às reuniões no Quartel General, eles me diziam que eu era doido por circular sem guarda-costas.‖ Doenitz deu a impressão de ser um garoto inocente no meio de um covil de gângsteres e políticos. Sessão da tarde: Na sessão da tarde, Jodl descreveu a Alemanha como completamente desequipada para uma guerra mundial. Ela podia confrontar a Polônia, mas não uma combinação de forças. Foi um mistério para ele o fato de a França e a Inglaterra permanecerem estacionárias na Linha Maginot com 110 divisões contra 23 da Alemanha, enquanto esta se ocupava em destruir a Polônia .


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Durante o intervalo, Keitel me contou que isso foi absolutamente verdade. Ele tinha dito a Hitler em 1939, antes da campanha da Polônia, que só tinham munição para somente seis semanas e que esperava que não houvesse qualquer início de hostilidades porque eles simplesmente teriam que parar em seis semanas. Ele disse que, se as potências estrangeiras não tivessem cedido em Munique, Hitler não teria feito nada disso. Eles não estavam em posição de empreender uma guerra mundial por isso. Doenitz não podia entender como os políticos teriam começado uma guerra sob aquelas condições. Von Schirach disse a Sauckel: ―Nossa política exterior era uma loucura! Loucura!‖ (Ribbentrop ocupava-se em discutir algum assunto irrelevante com seu advogado e não estava ―disponível para comentários.‖) Keitel continuou: ―Veja, foi por isso que nós não acreditamos realmente que Hitler queria a guerra, especialmente após ele ter chegado a um entendimento com a Rússia. Estávamos certos de que tudo era um blefe.‖ Frank afirmou que começar a guerra foi loucura. Eu disse que foi loucura da parte de Hitler porque ninguém queria a guerra, exceto ele. Frank concordou. Mas Rosenberg recusou conceder tal coisa: ―Nem era do interesse da América se a Alemanha queria ou não resolver o problema de Danzig‖, disse ele, com desdém. Do outro lado do banco dos réus, Schacht mais uma vez contava a seu advogado a loucura criminosa que foi ir à guerra sem consultar o gabinete ou mesmo estar preparado para tal. Jodl admitiu que os generais ficaram ―apavorados como jogadores que apostavam toda a sua riqueza‖ no jogo temerário de ocupar a Renânia com três batalhões em 1936. ―Não poderia haver nenhuma menção a intenções agressivas porque o Exército francês sozinho poderia nos eliminar da face da Terra, considerando a situação em que nos encontrávamos.‖ Jodl descreveu a marcha sobre a Áustria como completamente improvisada em poucas horas. Todavia, foi uma entrada triunfal, com a população os saudando com regojizo e flores. Os Sudetos foram um presente do Pacto de Munique, e ninguém se surpreendeu quando eles os invadiram. Mas, ele não esperava outras ações, e para ele a tomada da Tchecoslováquia foi uma surpresa. Da mesma maneira, ele não tinha ideia do iminente ataque à Polônia. 5 de junho ―Necessidade estratégica‖ e culpa de guerra Sessão da manhã: Jodl explicou como a ocupação da Noruega foi realizada para se antecipar à Inglaterra. A Holanda e a Bélgica foram também subjugadas para impedir que a França o fizesse. Ele afirmou cinicamente que a moralidade nada tinha a ver com essas coisas. Ele advogou que o chefe de Estado não aumentaria deste modo o número de seus inimigos a menos que fosse uma necessidade estratégica. Ele defendeu o princípio da obediência militar ao chefe de Estado, dizendo que a promotoria poderia agradecer seus próprios soldados por estarem em posição de acusar. Durante o intervalo, Keitel mais uma vez me assegurou que Hitler nunca lhe contara sobre a garantia da Inglaterra e da França quanto à Polônia. Perguntei


242 a Ribbentrop como o Alto Comando veio a saber da situação política que tornou claro que eles estavam iniciando outra guerra mundial. Ribbentrop virouse para Keitel e disse, cansado: ―Isso foi anunciado em 1º de setembro. Talvez você não tenha percebido.‖ Havia algo incrivelmente falso quanto à maneira do ex-ministro do Exterior e o ex-chefe do Alto Comando da Wehrmacht não parecerem saber o que faziam àquela época. ―Suponho que vocês não consideraram o aspecto político relacionado a vocês‖, eu disse para Keitel. Keitel respondeu que Hitler foi quem decidiu sobre a campanha e mais tarde assumiu o verdadeiro comando do Exército. (Depois de dezembro de 1941, quando von Brauchitsch renunciou.) ―Hitler tinha autoridade sobre nós e ele exercia todo o tempo essa autoridade, e nem mesmo nos dizia o que iria fazer.‖ ―Mas como ele ousou tentar tal estratégia política e militar temerária quando seu próprio exército, como Jodl diz, não estava pronto para uma guerra na Europa?‖ ―Nunca pensamos que a França fosse lutar‖, respondeu Keitel. ―Por que nós deveríamos? Eles nunca fizeram um movimento sequer contra nossas duas divisões na Linha Maginot. Parecia que a França simplesmente não queria brigar. Nem nós. Eu tinha certeza de que era apenas um blefe de ambas as partes e que Hitler poderia conseguir o que queria.‖ Jodl testemunhou sobre o início da conversa de Hitler com ele a respeito das possíveis hostilidades com a Rússia em Julho de 1940, e Hitler lhe perguntara se não estariam preparados para prevenir um ataque da Rússia no outuno. Hitler lhe ordenou que aperfeiçoasse as condições da campanha no Leste. Duas divisões foram enviadas de prontidão para a Polônia para ―proteger os campos de petróleo da Romênia‖. Hitler estava convencido de que os russos pressionariam ou atacariam em futuro próximo, e a Inglaterra os encorajaria. Aumentaram os incidentes na linha de demarcação da Polônia. Foi reportado um aumento de força das tropas russas perto da fronteira. Jodl disse que nunca lhe ocorrera que Hitler atacaria a Rússia a não ser por necessidade, e que Hitler insistira nisso, apesar de todos os conselhos em contrário. Os russos iniciaram o movimento de tropas em fevereiro e Hitler estabeleceu o plano de ataque em 1º de abril. É claro que foi uma ―guerra defensiva‖. Hora do almoço: Doenitz e Goering expressaram completa satisfação com a defesa de Jodl. Doenitz estava particularmente agradecido com o apoio de Jodl ao princípio de que os políticos iniciaram a guerra e os soldados só podiam obedecer. Mas os políticos tinham uma opinião totalmente diferente. Schacht virou-se para mim e falou indignado: ―Dificilmente eles teriam feito uma acusação mais terrível da política exterior e da liderança alemã! Improvisar uma guerra! Você ouviu aquilo? Arriscando-se temerariamente na Renânia, indo à guerra com poucas divisões em outro blefe temerário contra a Polônia! Eu lhe digo, Doktor, é um crime sem paralelo!... não contra vocês mas contra o povo alemão! Nós é que temos que os enforcar, não vocês!‖ Von Papen foi mais diplomático ao expressar sua opinião por causa da presença de Doenitz. Ele balançou a cabeça e disse que houve um monte de blefes, e que ficava espantado com fato de que os aliados tivessem permitido que Hitler blefasse com eles o tempo todo. Comecei a levantar a questão de


243 como os diplomatas alemães permitiram que Hitler blefasse com eles todo o tempo, mas von Papen percebeu e mudou rápido de assunto para as notícias do dia. Sessão da tarde: Durante a sessão da tarde, Jodl repudiou a conspiração, dizendo que não havia nada mais do que o plano de guerra contra a Polônia em 1939. Eles nunca pensaram no princípio em atacar a Noruega ou a Holanda, mas que presumivelmente isso foi levado a efeito por necessidade militar. Depois ele testemunhou que os generais von Rundstedt e Rommel haviam alertado Hitler, já em 1944, de que a guerra estava perdida e que ele devia pedir a paz. A maioria dos oficiais mais graduados partilhou dessa opinião, mas Hitler recusou mudar sua decisão de lutar até o fim. À noite na prisão Cela de Jodl: Jodl discutiu comigo a sua defesa. Ele disse se lamentar por não lhe terem dado oportunidade para expressar sua opinião sobre Hitler como um ―gênio militar‖. Ele era de opinião completamente diferente de Keitel sobre isso, embora se surpreendesse como Hitler tinha pensado certo sobre o sucesso da campanha no Ocidente. Ele repetiu que tinha quase certeza de que Hitler não ousaria entrar em guerra após a Inglaterra ter dado garantias à Polônia. ―Você pode estar certo de que nós, os generais, não queríamos a guerra. Só Deus sabe que nós, veteranos da I Guerra Mundial, estávamos cheios dela. Quando eu soube da garantia da Inglaterra, dei como certo que aquilo encerrava o assunto e que Hitler não ousaria enfrentar uma nova guerra mundial. Asseguro-lhe que, no dia em que ouvimos que a guerra estava sendo declarada realmente, éramos uma penca de generais de queixo caído no Ministério da Guerra.‖ ―Você quer dizer que Hitler e só Hitler queria a guerra e que foi capaz de forçá-la apesar da relutância dos generais em lutar?‖ Jodl parou no meio da sopa e respondeu com convicção e ênfase: ―Não há absolutamente nenhuma dúvida sobre isso! Nesse caso foi a vontade de Hitler que forçou o problema! Eu só posso admitir que ele tinha o pensamento focado nisso e que todas as negociações foram blefes. Eu não sei, mas certamente assim parece. Ninguém realmente sabia o que se passava em sua cabeça.‖ Jodl deu a impressão que tinha sido levado a acreditar que as preparações militares foram blefadas todo o tempo, mas então chegou à conclusão de que as negociações políticas é que eram o blefe verdadeiro, e os generais foram feitos de tolo por Hitler. ―Eu achava que ele era inteligente bastante para dar a aparência de falar sério a fim de conseguir o que queria, mas que nunca iria à guerra realmente. Quando a Ingleterra deixou claro que iria lutar, eu tinha a certeza de que Hitler iria desistir e negociar. Em vez disso, ele deu ordens para marchar, sabendo perfeitamente que aquilo significava pelo menos uma guerra européia, se não mundial, e uma vez dada a ordem nada restava a nós senão odebecer. As guerras são decididas por políticos e não por soldados. Talvez nas decisões de guerras futuras os Altos Comandos sejam consultados. Mas nesta guerra, a culpa absoluta recai sobre um homem, um único homem — Adolf Hitler!‖


244 6 de junho Política, militarismo e honra Sessão da manhã: Mr. Roberts iniciou o interrogatório do general Jodl questionando a sua honra. Jodl ficou vermelho, olhou para o teto, para o banco dos réus e para os juízes, agarrou-se à grade, tentando controlar seu temperamento. Admitiu que havia discutido a questão de se criar um incidente para justificar o ataque à Tchecoslováquia, mas não soube explicar porque isso foi necessário já que considerava o ataque justificado pelos maus tratos aos alemães dos Sudetos. Mr. Roberts mostrou a honestidade das garantias de neutralidade da Holanda, Luxemburgo e Bélgica, dizendo que a invasão desses países era o único meio de atacar a França. Jodl se esquivou do assunto, já que era uma questão política. Hora do almoço: O jornal Stars and Stripes abriu um grande espaço para comemorar o segundo aniversário do Dia D. Mostrei a Jodl durante o almoço. ―Sim, esperávamos o desembarque naquela época‖, disse ele. ―Nunca descobri quantas perdas vocês tiveram.‖ ―Também não sei‖, respondi. Jodl continuou com uma centelha de malícia: ―Suas tropas passaram uma dureza naqueles locais.‖ Ribbentrop, em pé na porta entre os dois refeitórios, entrou na conversa e perguntou, imperturbável: ―Por que vocês entraram na guerra?‖ ―Por que vocês começaram a guerra? Será que o ministro das Relações Exteriores esqueceu que a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos?‖ ―Oh, foi só uma formalidade. Já estávamos praticamente em guerra. Roosevelt era abertamente hostil a nós‖. Rosenberg se juntou a nós com a observação de que a declaração de guerra foi uma formalidade, já que todos eram hostis à pobre Alemanha. ―E isso é alguma surpresa?‖, repliquei. ―Depois que Hitler quebrou sua palavra violando o Pacto de Munique, ficou claro para todo o mundo que nada o satisfazia, e que ele estava absolutamente inclinado a ir à guerra. Vocês assinaram o Pacto de Munique por Hitler e vocês o quebraram.‖ ―Oh, não fomos nós! Não havia nada no pacto sobre garantias. Formalmente, não foi uma transgressão ao tratado quando estabelecemos o Protetorado da Boêmia e Morávia‖, e por aí foi. Rosenberg e Frick riram maliciosamente como se Ribbentrop tivesse conseguido o melhor dos argumentos com a sua explicação legalística. Jodl, entretanto, reservou a sua opinião sobre essa ―política suja‖ para quando eu o fosse visitar à noite. Todos os políticos ficaram confortados com a declaração de Ernest Bevin no Parlamento apoiando o alerta do secretário Byrnes(*) sobre o ―Sistema de (Estados) Satélites da Rússia‖, conforme foi publicado nos jornais de hoje. Ribbentrop mais uma vez acenou para mim com o Fantasma do Comunismo: ―A América não se importa se a Rússia engolir toda a Europa?‖

(*) Ernest Bevin, então ministro inglês das Relações Exteriores, e James Byrnes, secretário de Estado americano, anti-comunista ferrenho (NT).


245 Sessão da tarde: A inquirição de Jodl tornou-se cada vez mais áspera. Com respeito ao bombardeio da indefesa Roterdam, Jodl retrucou que as perdas não foram tão pesadas como as do bombardeio de Leipzig após os aliados saberem que tinham ganhado a guerra. O ataque à Rússia baseou-se na opinião dos ―políticos‖ de que o Pacto de Não-Agressão não estava sendo observado pelos russos. Mr. Roberts perguntou se esses registros de quebra de compromissos não desgraçariam a Alemanha pelos séculos futuros. ―Se ficar provado que a Rússia não tinha a intenção de nos atacar, então sim; se não, não.‖ Ele aprovou a eliminação implacável de combatentes partisans, mas admitiu que a ordem para matar sabotadores capturados era contra suas convicções. Quanto ao fuzilamento dos pilotos britânicos fugitivos, ele tinha de admitir que foi um crime indiscutível. Finalmente, Mr. Roberts lhe perguntou se considerava a quebra de promessas consistente com a honra de um oficial. Jodl respondeu acidamente que não era consistente com a honra de um oficial, mas em política a história é outra. À noite na prisão Cela de Goering: Qualquer que fosse a ―última esperança‖ de Goering, ela foi destroçada com a defesa de Jodl, com suas críticas severas à política suja, às quebras de palavra de honra, a honestidade incorruptível dos verdadeiros oficiais da Wehrmacht etc. etc. Quando ele desceu para o bloco das celas no fim da inquirição de Jodl, Goering tinha a aparência bastante zangada. Quando me viu, entretanto, disse estar deliciado com a maneira com que Jodl se comportou frente ao promotor Roberts, com suas respostas incisivas. Mas não podia dissimular seu desprazer com as referências ponteagudas à moralidade de ―certas pessoas‖. Isso continuou nossa conversa sobre questões morais de onde nós paramos. Ele está mais sincero do que nunca em seu cinismo. ―Que diabo você quer dizer com moralidade? Palavra de honra?‖, Goering bufou. ―Claro, você pode falar em palavra de honra quando você promete entregar mercadorias nos negócios. Mas, quando é questão de interesse da nação? Qual! Aí a moralidade para! É o que a Inglaterra tem feito durante séculos, a América tem feito e a Rússia ainda está fazendo! Por que você supõe que a Rússia não cederá nem um palmo de seu território nos Balcãs? Por causa da moralidade?‖ Movia-se a redor da cela enquanto trocava seu uniforme. ―Herrgott! Quando um Estado tem a chance de melhorar a sua posição por causa da fraqueza de um vizinho, você acha que ele irá parar por qualquer consideração escrupulosa de manter a palavra? É dever do estadista levar vantagem em tal situação para o bem do seu país!‖ ―É justamente isso‖, interrrompi. ―É por isso que esses conflitos de interesses nacionais egoístas continuam sem um fim, levando a guerras. É por isso que estadistas decentes do mundo esperam que a ONU...‖ ―Ach!, mijamos na sua ONU! Você pensa que algum de nós levou isso a sério por um minuto sequer? Ora, você verá que a Rússia não vai ceder, e por que ela deveria? É somente a sua bomba atômica que a mantém em xeque. Espere apenas cinco anos quando eles a tiverem também! A Inglaterra não quer ceder quanto à questão dos Balcãs porque então a Rússia ameaça o Mediterrâneo, e qual a vantagem da Inglaterra sem o Mediterrâneo? Moralidade não tem nada a ver com essas coisas...‖


246 ―Vocês, americanos‖, continuou ele, ―estão errando estupidamente com essa conversa de democracia e moralidade. Vocês pensam que tudo o que têm a fazer é prender todos os nazistas e iniciar a implantação de uma democracia da noite para o dia. Vocês pensam que os alemães ficaram um pouco menos nacionalistas porque os chamados partidos cristãos asseguram agora a maioria dos votos? Claro que não! O Partido Nazista está banido, então o que eles podem fazer? Não podem ser comunistas ou social democratas, então eles se escondem por enquanto atrás das batinas dos padres. Mas não pense que os alemães se tornaram de repente mais cristãos e menos nacionalistas.‖ Goering seguiu com seu argumento: ―Tudo o que esse julgamento está conseguindo é quebrar a vontade de seguir ordens. Não é de admirar se vocês não puderem encontrar alguém com liderança real para assumir a responsabilidade de governar a Alemanha. Sabe por quê? Porque os melhores líderes nacionalistas estão na prisão e o resto imagina que, se eles promoverem a desnazificação das leis agora, quem sabe se, em dez anos — depois da América ir embora, ou uma luta entre o Leste e o Ocidente mudar a situação —, eles não comparecerão ante uma Corte nacional alemã para serem julgados por traição. E então eles não serão capazes de se esconder atrás de desculpas de que estavam seguindo ordens. Então eles avaliam por que devem botar seus pescoços para fora. E o que o povo alemão pensa? Eu já lhe disse: ‗Sempre que as coisas estão ruins, temos democracia!‘ Não caiam nesse erro, o povo sabe que tudo estava melhor quando Hitler estava no poder antes da guerra. O que ele fez foi direito, do ponto de vista nacionalista, exceto os assassinatos em massa, que não têm sentido mesmo do ponto de vista nacionalista.‖ ―Você nem mesmo reconheceu que Hitler estava errado quanto a isso, porém manteve sua lealdade mesmo sabendo que ele era um assassino.‖ ―Gott im Himmel, Donnerwertter nochamal! (Deus do céu! Com mil trovões! NT). Eu não posso ficar lá no estrado como um piolho e chamar o Führer de assassino de milhões de pessoas, como aquele idiota von Schirach fez! Eu denunciei a obra mas não o autor! Não se esqueça de que Hitler foi mais que uma simples pessoa para nós.‖ ―Se a obra foi assassinato, então o autor foi um assassino, não acha?‖ ―Há algo mais novamente. Não cabe a nós dizer. Não se esqueça que até o pequeno von Schirach também viveu nas boas graças dele até o fim! Você não pode virar as costas e denúnciar alguém que lhe deu tanto por 23 anos!‖ ―De qualquer maneira, eu acho que foi bom que ele tenha feito aquela denúncia clara por causa da juventude alemã que também esteve comprometida por esses falsos conceitos de lealdade.‖ Obviamente isso ferroou o conceito de heroísmo nacionalista de Goering. ―Você pensa que a juventude alemã liga a mínima para o que um líder decadente diz de sua cela? E você acha que eles dão a mínima para as atrocidades quando eles mesmos passaram por um monte de problemas? Não, a próxima geração será orientada por seus próprios líderes e eles verão que seus próprios interesses nacionais estão sendo ameaçados, e vocês podem pegar sua moralidade e seu arrependimento e sua democracia e enfiem!‖ Cela de Jodl: Jodl estava em mangas de camisa, sentado, descansando de seu interrogatório extenuante. Ele disse que estava suando, mas achava que havia se desempenhado bem e que os juízes ficaram impressionados com o


247 que ele disse. Ele também achava que tinha feito um bom trabalho ao controlar seu temperamento, exceto por uma ou duas vezes. Ele achou a situação muito parecida com as suas argumentações com Hitler no Quartel General, quando tinha de aprender a controlar seu temperamento, e sempre era cortado no meio de um argumento. Não havia dúvidas de que suas críticas aos políticos foram bem calculadas. ―Eu disse a eles o que eu pensava dessa política dúbia. Mas, é claro, foi fácil para mim porque eu não estive atado ao Partido Nazista desde o início como Goering esteve. E eu quero lhe dizer isso: eu não sou como aqueles políticos que, durante o almoço hoje, tentaram dizer que não houve quebra do Pacto de Munique. Não se importe com o que é dito em muitas palavras; foi uma absoluta quebra de compromisso! O mundo inteiro sabe o que o Pacto de Munique significava, e não importa essas torções legalísticas. Fiquei perplexo na época quando Hitler ordenou a marcha Tchecoslováquia adentro. Até Goering me contou que alertara Hitler contra isso porque teria um efeito terrível na opinião mundial, e que ele podia atingir seu objetivo por meios pacíficos porque o resto da Tchecoslováquia não poderia existir sem nós.‖ Jodl repetiu que não havia dúvidas de que Hitler iniciou a guera por sua própria vontade. Ele se surpreendeu por a promotoria não ter explorado essa questão na inquirição em vez de perder um bocado de tempo atacando a sua honra como soldado e não chegando a lugar nenhum. Referindo-se ao atentado de 20 de julho de 1944, que foi abordado no interrogatório, ele repetiu que certamente não tinha nenhum amor pelos assassinos depois que ele próprio quase foi morto. Ela achava que o conde Stauffenberg e o general Beck agiram provavelmente sem motivos idealistas, mas houve um monte de gente que se aproveitou da popularidade dos assassinos porque o vento estava soprando para o outro lado, e isso o deixava maluco. Alguns dos generais (ele não especificou quem) preparavam-se para ficar no lado certo quando o colapso viesse.

7 de junho Lutar até o fim À tarde na prisão Cela do general von Rundsteadt: Enquanto Jodl passava por um interrogatório um tanto improdutivo pelo coronel Pokrovsky, eu desci até a ala das testemunhas e tive uma conversa com o general von Rundsteadt. Ele confirmou que ele e Rommel tinham dito a Hitler em julho de 1944 que era hora de cair fora. Seu próprio ajudante, general Blumentritt, havia dito que se fosse outro general que tivesse dado o aviso ele teria colocado contra a parede e teria atirado por ―derrotismo‖. Hitler era um homem que se recusava a ouvir a verdade. Ele deveria ter visto que estava derrotado depois de Stalingrado, em 1943, e, certamente, por último, após o bem-sucedido desembarque em 1944 (Dia D). Ele repetiu que a chamada contra-ofensiva de von Rundsteadt era na verdade uma contra-ofensiva de Hitler, e foi uma loucura estratégica. O orgulho soldadesco de von Rundsteadt rebelou-se em aceitar o crédito pela contraofensiva num tempo em que a derrota era certa. ―Se o velho von Moltke(*) soubesse que eu tinha planejado aquela ofensiva ele se reviraria em sua sepultura.‖ Quanto ao desembarque das tropas aliadas no sul da França, não foi uma surpresa para von Rundsteadt, embora a propaganda aliada o tivesse


248 levado a esperar o desembarque na costa norte. A máquina de propaganda dos aliados fez os alemães pensarem que as bombas V eram tão devastadoras que ele achou que nada impediria os ingleses de atingir primeiro os sítios de desembarque na costa norte, apesar da grande extensão da costa. Mesmo assim, como em Stalingrado, Hitler insistiu em dar a ordem para manter o terreno. (*) Helmuth Karl Bernhard, Graf (conde) von Moltke (1800-1891), marechal-deampo prussiano, estrategista militar e autor de livros sobre o assunto (NT). ―‗Defendam o terreno!‘ — era fácil dizer. Eles defenderam até que foram mortos ou capturados. Foi a mesma coisa com a chamada ‗ofensiva de Rundsteadt‘. Um contra-ataque é muito bom, mas você tem que ter recursos. Com a nossa Luftwaffe batida, nós só podíamos nos mover à noite, enquanto Patton fazia rolar seus tanques, movendo-se de dia e de noite por dentro das nossas posições. Nossas tropas estavam também liquidadas. Tudo o que tínhamos eram velhos decrépitos que não podiam lutar e estrangeiros que pegávamos desertando. E Hitler berrando: ‗Defendam o terreno!‘ — Como em Bastogne, só para mencionar um nome. — Foi uma loucura completa! E era o homem que queria ser considerado um grande general-de-campo! Ele não sabia nada de estratégia! Tudo o que ele sabia era blefar.‖ Von Rundsteadt falou com a depressão de um homem que tinha chegado ao fim do caminho e nem mesmo tinha bastante inspiração para expressar sua raiva com veemência suficiente. Eu lhe perguntei se ele considerou a guerra necessária ou inevitável. ―Por causa daquele desprezível Corredor (Danzig)?‖, perguntou, com um sorriso frio. ―Nem por um minuto. Eles poderiam ter decidido aquilo com um acordo a qualquer momento. Os poloneses não estavam preparados para se governarem. Eles poderiam ter dito à Rússia para deixar-nos ficar com o Corredor, e eles podiam fazer o que quisessem com a Polônia. O país teria desmoronado mais cedo ou mais tarde; eles nunca foram capazes de se governar. Mas ir à guerra por uma pequena coisa como aquela? Foi loucura! A guerra toda foi loucura.‖ Ele estava bastante disposto em admitir que a responsabilidade pelo início da guerra foi de Hitler, mas frisou que ele só foi chamado de repente para liderar os exércitos do Ocidente quando a campanha estava para começar. A falha de Hitler em não desistir quando já havia perdido, entretanto, foi a parte mais imperdoável de seu comportamento. Cela de Jodl: Eu tive outra conversa com Jodl após ele descer da sala da Corte e mais uma vez abordei o assunto da inutilidade de prolongar a guerra. Ele deu um sorriso matreiro. ―Naturalmente, tendo Hitler e Goebbels o que tinham em suas consciências, não foi surpresa que eles insistissem em lutar. Agora posso ver tudo claramente. Eles sabiam que seriam enforcados de qualquer jeito, e decidiram cometer suicídio se perdessem. Naquelas condições foi muito fácil insistir em lutar até a total destruição. Vejo isso muito claramente agora.‖ ―Mas milhares de vidas humanas tiveram de ser sacrificadas para mantê-los vivos por muito pouco tempo.‖


249 Jodl admitiu que foi assim, e disse que não sabia o que teria feito se ele soubesse então o que sabe agora. Concordou com o general von Rundsteadt de que a hora de desistir foi realmente o mais tardar após o desembarque bemsucedido dos aliados na França, e que a guerra estava obviamente perdida após o fracasso da tomada de Stalingrado. 8 e 9 de Junho Fim de semana na prisão Cela de von Papen: Von Papen disse que Goering o havia atacado no fim da sessão do julgamento no sábado. Eu perguntei por que. ―Um dos meus documentos mostrava que eu tive alguma conexão com os conspiradores do 20 de Julho. Supunha-se que eu tenha feito negociações. Então, Goering me questionou se eu iria ousar atacar o Führer e justificar a tentativa de assassinato. Você sabe o que eu lhe disse? Eu disse: ‗Goering, eu tinha grande fé em você como antigo oficial e homem de boa família, e eu pensava que, se Hitler fosse muito longe, você o agarraria pelo pescoço e o jogaria para fora. Eu achava que você era um homem de energia e princípios, assim como milhares de outros também achavam.‘ Isso foi o que eu lhe disse.‖ ―Sabe o que ele respondeu?‖, continuou von Papen. ―Ele disse: ‗Bem, eu poderia ter feito alguma coisa, mas precisaria de três psiquiatras para certificar que ele não estava em seu perfeito estado mental‘. Então eu disse: ‗Caro Goering, você precisaria de três médicos para ver que Hitler estava conduzindo a Alemanha para a destruição?‘ Que absurdo! Nós na verdade apostamos bastante em Goering, você sabe. Mas no fim do caminho ele se cobriu de jóias, começou a cobrar grandes subornos à esquerda e à direita, não dava atenção às suas obrigações, enquanto a Alemanha esvaía-se em sangue.‖ Von Papen sacudiu as mãos num gesto de desespero desdenhoso. Sobre a inutilidade do prolongamento da guerra, ele contou como tinha feito, em janeiro de 1945, a proposta dele próprio negociar com as potências ocidentais. Ele propôs ao assistente de Ribbentrop que ele (von Papen) fosse enviado para fazer um acordo com os aliados no sentido de deixá-los avançar rapidamente contra as forças alemães no Ocidente a fim de que ocupassem o país e detessem o avanço russo no Leste. Cela de Ribbentrop: Ribbentrop rabiscava febrilmente algumas notas sobre a questão judaica. Completa e aparentemente desmoralizado, ele distribuiu a mesma velha confusão de racionalizações contraditórias, mentiras, evasivas, argumentos defensivos e retaliatórios. Ele esquecia as versões de incidentes que me havia relatado antes e inventava algumas novas. As propostas que ele disse ter feito a Hitler para uma política conciliatória agora foram feitas em 1943, e ele não as tinha apresentado diretamente, mas através de terceiros, e isso mostrava que ele não era um antissemita, que quis pôr um fim na guerra etc. etc. etc. Ele não era um antissemita, me assegurou ele, mas o Judaísmo internacional está cometendo um terrível erro, e os aliados estão cometendo um terrível erro na maneira com que estão tratando a Alemanha porque a Alemanha era a chave para a paz na Europa etc. etc. etc. Eu lhe perguntei por que ele se queixava do estado deplorável atual no qual a Alemanha e a Europa estavam mergulhadas, depois que a sua própria diplomacia temerária e de Hitler tinha causado esta catástrofe. Ele sorriu amavelmente e me assegurou que eu não entendia essas coisas, o que Hitler


250 realmente significava etc. Eu frisei que ele era o único da ala esquerda na sala da Corte que ainda não admitira a culpa de Hitler em começar a guerra. Não, Ribbentrop insistiu que o erro foi da Inglaterra em não ter falado aos poloneses para eles cederem. E os assassinatos em massa? Bem, Hitler deve ter sido de alguma maneira persuadido a isso, então ele assumiu a responsabilidade em seu Último Testamento, porém ele era um homem de boas intenções, é difícil perceber como essas coisas aconteceram, e tudo isso é muito triste e complicado, e os aliados estão cometendo um terrível erro etc. etc. etc. 13 de junho A lenda de Hitler fracassa Sessão da manhã: Na sessão da manhã, houve consideráveis discussões sobre a proposta da Corte em limitar o tempo para argumentações depois que todas as provas fossem apresentadas. Durante o intervalo, enquanto alguns dos advogados protestavam por precisarem de mais tempo para as argumentações, Goering gritou: ―Está tudo certo, tudo bom! Então o povo verá que este julgamento é uma farsa política e não tem sentido! Deixem eles estabelecerem um limite de tempo; para mim, tudo bem!‖ Goering repetiu isso diversas vezes. ―Esse é um argumento muito barato para a liderança nazista se livrar de sua responsabilidade pela guerra e pelos assassinatos em massa!‖, observei. ―Atrocidades! Atrocidades! Isso é tudo o que você fala! O que você sabe sobre política? Este é um julgamento político feito pelos vitoriosos e será uma boa coisa para os alemães quando eles perceberem isso!‖ ―Nenhuma desculpa no mundo apagará o assassinato em massa a sangue frio de milhões de pessoas. Eu mesmo não acredito que o povo alemão quis isso, ou que esteja agradecido à liderança nazista por levá-lo a uma guerra de destruição!‖ ―Ach! Ninguém aprova assassinatos em massa, mas você está tentando confundir questões políticas com essas coisas!‖ ―Você quer negar que Hitler ordenou os assassinatos quando ele mesmo admitiu isso em seu Último Testamento?‖ ―Não há provas. Acho que ele só encobriu isso no fim. Ele foi enredado nisso por Himmler, e uma vez que ia se suicidar no fim, ele assumiu a responsabilidade.‖ O argumento era tão ridículo que Goering se sentiu um pouco envergonhado em oferecê-lo, mas parece que ele já tinha discutido isso com Ribbentrop como uma maneira de proteger o bom nome do Führer. ―Percebe?‖, disse Ribbentrop, excitado. ―É exatamente o que eu lhe falei outro dia! Isso é o que eu penso.‖ ―Sim, eu percebo. É muito interessante que vocês dois tenham decidido entre si promover a lenda de Hitler. Vocês querem dizer que em seu Führer State, onde o seu Führer tinha o poder absoluto, o que se tornou seu principal argumento de defesa, que ele não tinha conhecimento de nada sobre uma coisa ínfima como o extermínio de uma raça?‖ ―Provavelmente, ele sabia, mas não em toda a extensão‖, respondeu Goering inconfortavelmente, percebendo que alguns dos outros réus olhavam para ele acusadoramente.


251 Hora do almoço: A discussão continuou durante a hora do almoço. Guido Schmidt, ex-ministro do Exterior da Áustria, uma das testemunhas de SeyssInquart, havia declarado sob inquirição do advogado de von Papen, que Schuschnigg tinha proposto enviar um psiquiatra em vez de um diplomata para negociar com Hitler a questão austríaca. Goering aproveitou isso como outro pretexto para tentar intimidar von Papen logo antes do início de sua defesa. Antes que fossem almoçar, Goering voou até von Papen, ferozmente: ―Como você ousa deixar alguém falar de Hitler desta maneira! Não esqueça que ele foi nosso chefe-de-Estado!‖ ―O chefe-de-Estado nazista!‖, retrucou von Papen, zangado. ―Um chefe-deEstado que matou seis milhões de pessoas inocentes!‖ ―Não, você não pode dizer que Hitler ordenou isso‖, respondeu Goering, carrancudo. ―Então, quem foi que ordenou os assassinatos em massa?‖, desafiou von Papen, corando e sacudindo as mãos de indignação. ―Foi você quem ordenou?‖ Goering ficou supreso com a reação e resmungou: ―Não, não — Himmler.‖ Ele pareceu desnorteado, enquanto os outros réus faziam fila atrás para saírem do salão da Corte sem mesmo olharem para ele. No almoço, von Papen queixou-se da ousadia daquele gordo tentando lhe ditar o que deveria dizer e o que não dizer para encobrir a culpa dos nazistas. Speer, Fritzsche e von Schirach começaram a rir de como a hipocrisia de Goering e as suas tentativas de intimidar os réus estavam sendo repelidas até mesmo pelo tímido diplomata von Papen. Von Schirach mencionou que o manda-chuva não estava mais se saindo bem nas discussões no banco dos réus. Fritzsche repetiu, imitando com sarcasmo, o que Goering tinha dito lá embaixo: ―Não, é claro que Hitler não ordenou os assassinatos em massa. Algum sargento deve tê-lo feito.‖ No refeitório contíguo, Keitel e Frank iniciaram uma discussão sobre como Hitler tinha traído a nobre tradição da Wehrmacht. ―Desculpe-me se digo isso, Seyss-Inquart, mas Hitler era austríaco e não compreendia a nobre tradição prussiana.‖ ―Eu diria que ele não compreendia!‖, Keitel concordou veementemente. ―Ele nos enganou a torto e a direito. Para nós era uma questão de absoluta certeza que se podia depender do comandante-em-chefe, sem mentiras! Ele rachou toda a Wehrmacht ao colocar Himmler e suas SS em competição conosco e ao deixá-los se expandir além do que nos havia prometido. Está muito claro para mim agora porque ele fez isso também! As SS realizaram as suas atrocidades e agora estamos todos comprometidos com elas.‖ Mas tarde, Sauckel foi ouvido dizendo a Keitel que era vergonhoso ficar nessas longas discussões porque refletia o descrédito para com a Vaterland (pátria). Goering foi ouvido anunciando de seu canto que era melhor não se conversar mais com ―aquele Gilbert‖; os americanos não têm classe para compreender o ponto de vista alemão.


252 20. A defesa de Von Papen 14 de junho Um gentleman da velha escola Sessão da manhã: Von Papen começou sua defesa descrevendo-se como um homem de tradição conservadora e religiosa, educado em uma propriedade que tinha estado com sua família por 900 anos. Ele estava no México quando estourou a I Guerra Mundial e foi para os Estados Unidos negociar material bélico. Desde então, foi bastante caluniado por falsa propaganda. Von Papen rejeitava furiosamente tais epítetos de propaganda, como ―espião mestre‖. Hora do almoço: Quando eles foram almoçar, Ribbentrop observou, chateado: ―Eles também me caluniaram.‖ Von Papen denunciou veementemente o escândalo Black Tom(*) na nossa discussão no refeitório. Stresemann(**) queria pagar 50 milhões de dolares exigidos pelos Estados Unidos para retomar as boas relações com os americanos. ―Então eu disse a Stresemann: ‗Se você pagar um centavo do que foi pedido eu vou lhe denúnciar no Reichstag‘‖ Ele alegou que o advogado da firma que fez a reclamação tinha conseguido dois milhões de dólares em propinas para explorar o caso. Um comitê de investigação do Senado, entretanto, chegou à conclusão de que não havia substância nas acusações. Sessão da tarde: Na sessão da tarde, von Papen continuou a denúnciar a calúnia e difamação de seu caráter, como no livro ―Demônio de cartola‖. Ele então descreveu como se aliou ao Partido de Centro Católico, trabalhando por uma colaboração conservadora para evitar as extremas diferenças partidárias após a guerra. Ele afirmou que Goering havia falado pelo Partido Nazista, mas von Papen estava falando pela ―outra Alemanha‖. Defendeu a Repúbica de Weimar e prestou homenagens a von Hindenburg, ―o último grande estadista alemão‖. Descreveu como tentou combater o problema do desemprego e da inflação que havia proletarizado a classe média. Na Conferência de Lausanne, em 1932, eles tentaram melhorar a posição da Alemanha e corrigir algumas das injustiças do Tratado de Versalhes, mas não obtiveram resultados. Ele atribuiu o sucesso de Hitler à falha das potências estrangeiras em dar alguma esperança à Alemanha. No Reichstag, Goering o impediu de se manifestar sobre a crise. Finalmente, von Papen foi incapaz de deter a maré crescente do nazismo e Hidenburg foi forçado a indicar Hitler como chanceler. Von Papen permaneceu no gabinete a pedido de Hindenburg. (*) Explosão em 1916 de depósito de munição destinada às forças aliadas na I Guerra, existente na ilhota de Black Tom, Nova Jersey (EUA), por ato de sabotagem no qual von Papen estaria envolvido (NT). (**) Gustav Stresement (1878-1929), empresário, político e ministro alemão, Prêmio Nobel da Paz de 1926 (NT).

15 de junho Ribbentrop estadista Cela de Ribbentrop: Estimulado pelo auto-retrato de von Papen como estadista e homem de cultura, Ribbentrop resolveu me impressionar também


253 esta manhã com as suas qualidades de estadista e de homem de cultura. Iniciou um discurso longo, confuso e obscuro sobre ―dinâmicas políticas‖: A dinâmica da política de partido único da Rússia levou inevitavelmente à propagação do comunismo por toda a Europa, assim como a dinâmica do nacional socialismo naturalmente teve de levar à expansão do nacional socialismo nos territórios conquistados, mas a América, com seu sistema bipartidário, tinha uma dinâmica melhor equilibrada, considerando que a dinâmica do Império Britânico naturalmente levava dinamicamente à política imperialista etc. etc. etc. Por fim, ele me perguntou se eu entendia o que ele estava falando. Para evitar discussão, eu disse que sim. Ribbentrop estava tão excitado que começou a soluçar. Obviamente, nem ele se entendia. Então, ele me perguntou se eu já tinha lido Otto Spengler (é claro que ele queria dizer Oswald(*). Ele disse que, quando pensava em Spengler, odiava pensar nisso porque ele odiava pensar no futuro do Ocidente, do qual a América, é claro, fazia parte, e que nós devíamos pensar sobre isso também. Então, lhe ocorreu que a França tinha que agradecer a ele o fato de Paris não ter sido bombardeada. Eu lhe perguntei se a França não tinha declarado Paris uma cidade aberta. Bem, sim, mas Hitler havia decidido bombardeá-la e ele usou sua influência para fazê-lo mudar de opinião, mesmo antes dela ser declarada cidade aberta. Eu não acho que ele acreditasse que eu acreditaria nele, mas ouvir-se falando como agora é o único prazer que lhe resta na vida... Seu próximo pensamento foi o de que, se a América o tivesse escutado, toda a catástrofe teria sido evitada. Ele havia mandado alguém à América em 1940 para dizer ao pessoal da Standard Oil e aos banqueiros judeus para não deixarem a América entrar na guerra. Se eles não fossem tão hostis em relação à Alemanha... Ele se queixou novamente de dor de cabeça e disse que se poderia escrever a palavra ―judeu‖ à vista em sua testa porque ela, a dor, vinha dos seus esforços enervantes para desviar Hitler de seu curso de antissemitismo em 1941. ―Eu sabia que Hitler era de opinião de que os judeus haviam iniciado a guerra, mas não era verdade, e eu sempre disse a ele que aquilo não era certo.‖ Ele havia acabado de escrever uma longa dissertação para seu advogado sobre a questão dos judeus. Disse que me daria essa dissertação porque se ela não tivesse curso no julgamento ele queria que o mundo soubesse que, na verdade, ele não era antissemita e que não teve nada a ver com as atrocidades. (*) Oswald Spengler, historiador e filósofo alemão, escreveu ―O declínio do Ocidente‖ (NT).

17 de junho Nazismo e fanatismo religioso Sessão da manhã: Von Papen continuou sua defesa explicando que a lei que colocou Hitler no poder foi forçada pela seriedade da situação política, mas supunha-se ter sido baseada em uma solução cristã para os problemas sociais. Ele assinou uma Concordata com o Vaticano, mas Hitler procedeu como se a considerasse um simples pedaço de papel. Sua atitude frente ao problema dos judeus é o que a Igreja Católica espera de todo bom católico. Ele negou ter


254 participado do boicote aos judeus em 1934 e acusou Hitler e Goebbels de tê-lo enganado sobre uma solução pacífica para o problema judeu. Durante o intervalo, os católicos no banco dos réus, assim como o anticatólico Rosenberg, começaram a discutir sobre a atitude da Igreja Católica frente ao antissemitismo. Rosenberg disse que von Papen simplesmente quis dizer que em um país católico não deveria haver influência demais dos judeus. Seyss-Inquart observou que 85 por cento dos advogados em Viena eram judeus. Ele então passou a explicar as ligações entre o sacerdócio e o antissemitismo. Ele disse que, na verdade, a maioria dos padres era basicamente antissemita, especialmente na Polônia. Foi onde os pogroms aconteceram por séculos até os dias de hoje, e foi a imigração de judeus poloneses que provocou uma onda de antissemitismo na Alemanha. Frank concordou, oferecendo um pouco mais de conhecimento histórico: ―É verdade, o sacerdócio tem sido essencialmente antissemita desde a Inquisição... Hahaha! Eles torturavam as pessoas por toda a Europa por intolerância religiosa, e depois começaram a queimar bruxas.‖ Aqui Rosenberg acrescentou, feliz por ter a chance de ver Frank admitir que a Inquisição foi um capítulo vergonhoso na história da Igreja Católica: ―Sim, e isso continuou por quatro ou cinco séculos — não apenas uma explosão de emoções!‖ Frank se acalmou e acrescentou: ―Os predecessores de Auschwitz foram as câmaras de tortura da Inquisição. Foi realmente um período terrível em nossa história!‖ Frick e Rosenberg observaram que, em comparação à Inquisição, Hitler foi um cordeirinho inocente. Frank discordou disso, mas com o mesmo humor pervertido insensível: ―Não, ele não era um cordeirinho inocente, mas foi um período infernal na história... Hahaha! Veja, meu caro professor, a espécie humana sempre esteve em condição terrível. A besta no homem frequentemente volta a aparecer.‖ Rosenberg e Kaltenbrunner acrescentaram mais detalhes das torturas da Inquisição, das aventuras de Torquemada etc. Para esclarecer as coisas, Frank contou que os soberanos protestantes do Norte da Alemanha, para não serem ultrapassados em fanatismo religioso, julgavam e torturavam ―bruxas‖. Esses julgamentos aparentemente tinham interessado a Frank como advogado. ―Eu li alguns dos registros daqueles julgamentos lá dos idos dos séculos 15 e 16. Eles perguntavam a mulheres velhas quantas vezes elas tinham intercurso sexual com o diabo! Está tudo registrado, e eles as torturavam até que conseguissem uma resposta.... Hahaha! É realmente grotesco!‖ Hora do almoço: A discussão sobre a atitude da Igreja Católica frente ao antissemitismo passou para o refeitório dos mais velhos. Von Papen apresentou mais uma concepção sobre o assunto. Ele disse para Schacht e para mim: ―Ora, todo mudo sabe qual a atitude da Igreja Católica. É o princípio de que todos os homens são iguais perante Deus e que diferenças raciais não são indicações de desigualdade.‖ Von Papen disse que sabia que Hitler admitiu isso ao reconhecer a Alemanha como um estado católico, mas isso confirmou que Hitler era um mentiroso, um mentiroso patológico. Schacht disse que agora estava convencido de que Hitler mentiu desde o início, mas, sendo um mentiroso patológico, não era tão fácil se detectar, e


255 assim ele fez todo mundo de tolo. ―Ora, eu estava lá quando ele fez o discurso de aceitação ao se tornar chanceler do Reich. Eu lhe digo, suas declarações de idealismo construtivo soaram tão sinceras e convincentes que era impossível imaginar que não vieram do fundo de sua alma. Eu lhe digo, nós fomos levados à profundeza de nossas almas e sentimos que uma nova era nascia para a Alemanha.‖ Sessão da tarde: Von Papen disse que, quando o governo do Partido Nazista transformou-se em uma ditadura em vez de uma coalizão, ele decidiu se manifestar ao povo com um discurso em Marburg, 1934. Ele denunciou a restrição aos direitos humanos, à liberdade de expressão e de religião, denunciou o materialismo ateu, a rejeição da intelectualidade, a restrição à justiça, o bizantinismo(*), educação materialista, submissão a controles e os vários excessos encobertos pelo pretexto de necessidade revolucionária. [No banco, Doenitz e Goering concordaram que von Papen estava se tornando um traidor.] A publicação do discurso foi proibida por Goebbels. Von Papen foi a Hitler e ofereceu sua renúncia. Hitler disse que era um erro e o manteve. Mas von Papen percebe agora que Hitler mentiu para ele porque Funk conseguiu uma ordem de Hitler para contar a Hindenburg que von Papen estava fora de controle e deveria ser demitido (*) Doutrina pela qual o Estado se sobrepõe à Igreja em questões eclesiásticas (NT). [Então, quando von Papen descreveu em detalhes a sua prisão durante o expurgo de Roehm, as orelhas de Goering ficaram vermelhas e ele permaneceu no banco com a sua indiferença estudada que sempre utilizava em tais ocasiões.] Durante o expurgo, um dos assistentes de von Papen foi morto a tiros e dois outros foram mandados para um campo de concentração. Depois de três dias de prisão de Von Papen, Goering fingiu que tinha havido um mal-entendido. Von Papen foi a Hitler e solicitou que a sua demissão fosse aceita. Durante o intervalo, Schacht observou que até esse ponto a história de von Papen estava inteiramente em ordem, mas que apostaria que a promotoria o questionaria sobre o porquê de voltar ao governo de Hitler após ter sido tratado cruelmente. Funk confirmou que tinha recebido aquela ordem de Hitler e que a levou ao presidente von Hindenburg. O Velho Hindenburg simplesmente respondeu: ―Qualquer um que não observe a disciplina deve sair.‖ Von Schirach falava com o seu advogado e disse que ainda era um mistério porque von Papen voltara ao governo. Achava que provavelmente ele tinha feito isso a mando da Igreja Católica para proteger seus interesses. Von Papen continuou com a sua história. Foi-lhe oferecida a embaixada no Vaticano logo após a sua renúncia, mas recusou. No dia em que Dollfuss foi assassinado, ele foi instado a assumir a embaixada em Viena. Ele insistiu em que chamassem de volta Habicht, o instigador nazista da morte de Dollfuss. [Goering ficou agitado e disse para Hess: ―É uma grande mentira porque Habicht foi removido antes disso.‖] Von Papen continuou a explicar que aceitou


256 o posto por uma questão de consciência e para cumprir seu dever em manter a ordem. [Goering ainda estava contrariado. ―Eu não testemunharei esse absurdo; não é verdade.‖ Continuou insultando von Papen e foi ouvido chamando ele de nomes como ―covarde... coelho medroso... mentiroso.‖] Quando von Papen voltou para o banco no fim da sessão, Frank e vários outros réus congratularam-se com ele por sua performance de estadista. Logo que von Papen deixou o banco para voltar à prisão, Frank disse aos outros, enquanto esperava sua vez: ―Agora, podemos falar... Agora ele se ergue e tenta se fazer um homem bom e famoso. Por que diabos ele não foi para os Estados Unidos depois de 30 de janeiro [de 1933]? Ele poderia ter retornado agora, como um homem famoso, e sentar-se na audiência e rir-se de nós.‖ Frick e Frank continuaram queixando-se de que von Papen estava tentando se livrar do fato de que cooperou com o partido e foi sempre um ardente apoiador de Hitler. À noite na prisão Cela de Frank: À noite, em conversa comigo em sua cela, Frank apresentou uma nova versão de sua atitude com relação a von Papen: ―Ah, o bom e velho von Papen. Ele está que nem uma raposa presa na armadilha. — Hahaha! Ele tentou fazer o melhor como bom nacionalista, mas naturalmente as pessoas dizem: ‗Por que você ficou após a maneira com que Hitler lhe deu um chute?‘ — Hahaha! Ele realmente deve ter estado com Gisevius conspirando contra Hitler na Suiça. Até 1934 ele estava em ordem, depois ele renunciou, mas então ele voltou pensando que poderia fazer algo de bom. Ele escreveu o drama errado. —Hahaha! Ele deveria ter escrito um último ato diferente. Agora tudo termina em tragédia em vez de comédia! — Hahahaahah!!!!‖ Frank ria histericamente, o rosto vermelho, contando como von Papen deveria ter escrito o último ato de sua vida. Então, ele voltou-se para a sua denúncia de Hitler. ―Ele deve ter sabido que estava em perigo de perder a guerra em 1941 e disse: ‗Esses judeus são culpados de tudo e eu vou exterminá-los!‘‖ Frank cerrou os dentes e assoviou entre eles, bateu o punho na frágil mesinha de escrever e repetiu: ―‗Eu vou exterminá-los!‘ — Não acha que foi assim? É um problema psicológico estupendo. Nos séculos vindouros as pessoas arrancarão os cabelos e dirão: ‗Meu Deus, como isso pôde acontecer?‘... É isso. Você não pode chamar isso de crime — crime é uma palavra branda para isso. Roubo é um crime; matar um homem é um crime, mas isso — isso vai além da imaginação humana! Rebaixar assassinato a produção em massa! Dois mil por dia... dentes e alianças de ouro para o Reichsbank; pacotes de cabelos para colchões!... Deus Todo Poderoso!... E tudo ordenado por um demônio que apareceu em forma humana!... Mas, você deveria ter ouvido seus discursos para as mulheres. Você teria pensado que ele próprio era uma deusa. E ele ainda fez essa coisa terrível em plena fúria. Ele não deveria ter feito isso com o povo alemão, que acreditava tanto nele.‖ Frank logo se alcalmou e entrou em fase mística: ―Será que Deus ordenou tudo isso? Será que Deus assentiu com a cabeça seis milhões de vezes e disse Sim a cada judeu que era levado à câmara de gás?‖ Frank balançou a cabeça e ponderou calmo e solenemente: ―É bastante para se desesperar da divina justiça. Não, um autor americano ou inglês — esqueci seu nome —


257 expressou isso muito bem: ‗Não, tenha certeza, nestes tempos Deus está tão ultrajado como toda a humanidade.‘ — Bem colocado. Isso foi na verdade um trabalho do demônio.‖ 18 de junho Von Papen fica constrangido Sessão da manhã: Von Papen descreveu como foi chamado de volta de Viena antes que Hitler ordenasse a marcha sobre a Aústria por instigação de Goering. Seu assistente, Keppler, foi assassinado, e ele foi pedir satisfações a Goering, chefe da Gestapo, mas não teve êxito. [Goering permaneceu resmungando e balançando a cabeça durante todo o tempo, e foi ouvido dizendo a Ribbentrop: ―Esta história toda de Kepler é uma grande mentira! O velho deveria manter a boca fechada sobre isso. De qualquer maneira, eu não era o chefe da Gestapo naquela época e posso provar isso. Eu revelarei isso de uma maneira ou outra.‖] Von Papen explicou que Hitler lhe deu um distintivo de ouro do partido para camuflar suas diferenças. Talvez ele devesse ter recusado, mas tinha medo disso levar a uma outra briga com Hitler. [No banco, Goering continuou resmungando: ―covarde... mentiroso...‖ Ele também ofendeu o advogado de von Papen por perguntar tais questões e lhe enviou um bilhete.] Von Papen continuou a explicar como tinha feito propostas a von Ribbentrop para adiar a guerra, mas Ribbentrop lhe disse que era ele que estava conduzindo a política exterior da Alemanha e não von Papen. [Ribbentrop foi ouvido sussurrando para Goering: ―Ele deveria ter sido fuzilado há muito tempo.‖] Von Papen disse que tinha alertado Ribbentrop do perido de uma guerra mundial. [Nessa hora, para se beneficiar da audiência, Goering olhou interrogativamente para Ribbentrop. Este fez um gesto de amuo e assentiu, confirmando.] Von Papen disse que aceitou a embaixada na Turquia só para impedir um cerco hostil à Alemanha, não para começar uma guerra. Ele, de fato, ficara perplexo quando ouviu que a guerra havia estourado em 1939. ―Provocar essa guerra foi o maior crime e a maior loucura que Hitler cometeu. A Alemanha não pode vencer esta guerra e ficará em ruínas quando ela acabar‖, esta foi a reação que ele disse ter manifestado a amigos diplomatas. Entretando, ele permaneceu na Turquia porque não tinha mais nada a fazer. Ele disse que repetidamente abordou a questão com propostas de paz para terminar a guerra, mas Ribbentrop lhe disse que Hitler não queria ouvir nada sobre paz e que ele não deveria fazer nenhum movimento nessa direção. [Mais uma vez Goering muito ostensivamente se inclinou e olhou para Ribbentrop, então voltou à sua posição com uma expressão de desgosto, para mostrar que ele próprio culpava Ribbentrop.] Von Papen também considerou um crime a promoção da guerra contra a Rússia. Ele descreveu um plano no qual supostamente ele estaria envolvido para cercar o Quartel General e prender Hitler para levá-lo perante um tribunal. Seu advogado então apresentou uma declaração juramentada do neto de Bismarck atestando que von Papen seria o ministro do Exterior escolhido pelos conspiradores do atentado de 20 de julho. [Goering riu e balançou a cabeça. Jodl corou e olhou com indignação.] Hora do almoço: No almoço, Ribbentrop estava nervoso e descontente. ―Tsk! Tsk‖... Lavar a roupa na Corte... Não está certo... realmente, não está certo.


258 Você não pensa assim? Há certas coisas que não deviam ser mencionadas. É claro, ele nunca foi um nacional socialista; esta é a verdade. Mas lavar a roupa suja....‖ Ele não citou o que realmente o aborrecia: a exposição de sua teimosia e adesão cega à catastrófica política exterior de Hitler. Von Papen me disse que ele tinha dado a sua opinião sincera. ―O gordão não gostou disso. Ele me repreendeu e disse que iria mais uma vez testemunhar contra e se vingar.‖ Essa era obviamente a tal da ―chantagem moral‖ a que Speer tinha se referido. Eu assegurei a von Papen que a Goering não era dado nenhum privilégio especial pela Corte, e que nada mais haveria de ser dito a não ser nos argumentos finais, e isso servia para todos. Schacht disse que não havia dúvidas de que Goering sempre foi ligado à Gestapo, mesmo que tenha sido seu chefe por pouco tempo. Doenitz permaneceu em seu canto, isolando-se decisivamente dos políticos. Na sala contígua, Streicher confabulava com Jodl na soleira da porta entre os dois refeitórios, discutindo sobre a impropriedade de atacar personalidades gigantescas como Hitler, causadas por forças sobrenaturais. ―Há forças metafísicas que causam essas grandes figuras na história; não se pode dizer se são certas ou erradas... De qualquer maneira, o Judaismo internacional controla este julgamento. É uma coisa diabólica como o Judaísmo internacional concentrou seu poder para promover este julgamento.‖ Ele se virou para mim: ―Lembra-se do que escrevi em sua cópia do indiciamento no começo do julgamento? — ‗Este tribunal é um triunfo do Judaismo internacional!‖ Está correto. Praticamente, toda a promotoria é formada por judeus.‖ Mais tarde, Jodl virou as costas para Streicher e passou a discutir a defesa de von Papen. ―Com relação à prova de hoje, há uma coisa que você pode estar certo: eles não teriam assassinado três dos meus ajudantes e me encontrado ainda trabalhando com o regime — pode apostar sua vida nisso!‖ Sessão da tarde: Na inquirição, Sir David Maxwell-Fyfe constrangeu von Papen citando antigos discursos seus no qual chamava Hitler de enviado do Céu para tirar o povo alemão de sua miséria. [Goering riu e pôs o polegar no nariz com a mão aberta para von Papen. Doenitz abaixou os óculos e olhou para mim com o mesmo: ―Está vendo?‖, expressão com a qual ele sempre sinaliza para mim ao queixar-se dos políticos hipócritas.] Von Papen gaguejou que naquela época ele tinha a impressão de que Hitler manteria a coalizão. Sir David o confrontou com provas documentais de que ele na verdade havia preparado a coalizão anteriormente. Sir David prosseguiu implacável com o tema da colaboração de von Papen com uma gangue de criminosos. Não sabia ele que milhares de opositores políticos foram jogados nos campos de concentração logo quando os nazistas assumiram o poder? Von Papen se confundiu sobre os números: houve alguns, talvez centenas. [No banco, Goering insistiu na exatidão: ―Não, milhares!‖, resmungou.] Por que ele tinha apelado para os católicos apoiarem Hitler? Von Papen explicou que ele tinha assinado a Concordata (com o Vaticano) e achava que Hitler iria tolerar a religião. Durante o intervalo, Jodl sorriu maliciosamente ao descrever como a embaixada de von Papen em Ancara foi usada pela Abwehr para serviços de espionagem: ―Eles fizeram um bom trabalho também. Certa vez, eles roubaram os arquivos de um agente britânico que mostravam como a Inglaterra estava


259 tentando conseguir que a Turquia colocasse alguns aeródromos à sua disposição.‖ Rosenberg e Frank afirmaram que muitos dos que foram mandados para os campos de concentração mereciam isso por terem desonrado símbolos nacionais, como aquele porco Carl von Ossietzky (pacifista, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1935). Piscator(*) era um dos líderes desse movimento de difamação nacionalista nos palcos, e havia um monte de judeus que participavam desse movimento. Não há dúvida de que a Alemanha só tinha uma escolha‖, assegurou-me Frank. ―Ou comunismo ou nacional socialismo. Até von Papen e Schacht concordam com isso.‖ Sir David passou a demolir uma a uma as desculpas de von Papen de renunciar após o expurgo de Roehm e aceitar outro posto três semanas depois. Ele leu para von Papen sua própria carta reafirmando seu apoio a Hitler e saudando sua magistral consolidação de poder após a ―supressão heróica‖ do expurgo de Roehm. ―Você estava preparado para servir a esses assassinos contanto que sua dignidade fosse mantida!‖, disparou Sir David. Von Papen rejeitou a insinuação [mas Goering zombou: ―É isso mesmo!‖ e Ribbentrop concordou]. ―Você sabia que o seu prestígio, especialmente entre os católicos, era valioso para Hitler numa época em que a opinião mundial se virava contra ele, e você podia ajudar a arruiná-lo se se opusesse a ele‖, continuou Sir David. Von Papen respondeu hesitante que aquilo era correto, mas se ele tivesse se oposto poderia ter desaparecido, como seus colegas. Sir David continuou martelando até chegar a um clímax: apesar do expurgo de Roehm, apesar do assassinato de seus próprios assistentes, apesar do assassinato de Dollfuss, apesar de uma política externa beligerante, von Papen permaneceu no governo — por quê? por quê? Von Papen só respondia debilmente, e depois, com indignação, disse que foi devido a seu senso de dever. À noite na prisão Cela de von Papen: Von Papen estava realmente chateado com aquelas suas cartas com as quais Sir David o confrontou. Ele sorriu constrangido quando eu entrei na cela. ―Sabe, eu tinha esquecido completamente daquelas cartas, e meu secretário esqueceu. É claro que se vê coisas diferentes agora da maneira que se via naquela época após três dias de prisão. — Aquelas perguntas sobre por que eu fiquei no governo. — Agora, eu lhe pergunto mais uma vez: o que eu poderia fazer quando a guerra estourou? Voltar para casa e ir para o front como soldado? Emigrar e escrever um livro? O que eu poderia realmente fazer?‖ Ele abria os braços a cada questão para mostrar a inutilidade de cada alternativa. ―Fiquei surpreso da Corte não querer abordar os meus casos na Turquia. Deve ser porque tenham desistido da ideia de uma conspiração, pois se eles ainda considerassem isso teriam que saber mais sobre minhas atividades naquela época... Claro, é tarefa da diplomacia conseguir apoio de outros países. É para isso que existem os diplomatas.‖ Ele me contou como salvou 10 mil judeus de serem transportados da França para campos de concentração. Eram ex-nacionais turcos, e ele havia dito que o governo turco consideraria isso uma ofensa aos seus interesses nacionais. (*) Erwin Piscator (1893-1966), diretor e produtor de teatro épico alemão, que abordava temas sociopolíticos em seus dramas (NT).


260 Mas ele queria conversar sobre assuntos mais interessantes: o encontro dos Quatro Grandes Ministros do Exterior em Paris, por exemplo. Ele disse que a paz na Europa dependia da Rússia mostrar o desejo de um compromisso. Bevin e Byrnes mostraram uma atitude razoável, mas, e quanto a Molotov? 19 de junho Sessão da manhã: Sir David continuou a mostrar que von Papen tinha prestado ajuda e conforto aos nazistas austríacos enquanto permaneceu embaixador na Áustria; que tinha tinha se oferecido como um Cavalo de Tróia Católico para posteriores interesses nazistas na Áustria. Von Papen respondeu que, como diplomata, ele naturalmente tinha de aceitar qualquer apoio oferecido. Ele disse que nunca negou que tivesse havido pressão sobre Schuschnigg para aceitar a Anschluss (então Sir David mostrou que Ribbentrop havia negado isso). Durante o intervalo, Frank e o grupo ao seu redor se juntaram para defender a Anschluss. ―O que é que eles querem dizer com Cavalo de Tróia Católico?!‖, perguntou Frank. ―Não se pode ir contra uma lei da natureza. Os povos austríaco e alemão simplesmente não poderiam ficar separados. Era como se se tentasse separar uma força irresistível da natureza.‖ Frick comentou: ―Eu não acho que Sir David entenda realmente a situação austríaca.‖ ―Oh, sim, ele entende‖, Rosenberg falou com desdém. ―Deixe isso para aquele inglês; ele entende bastante bem... desde que queira entender. É o máximo de amargura para aquele inglês fazer disso um crime, mesmo se associado aos nacionais socialistas. O que eles esperam? Era a coisa mais natural do mundo para o embaixador alemão conseguir cooperação de nacionais socialistas austríacos.‖ Seyss-Inquart repetiu o que ele havia dito outro dia sobre Dollfuss ser na verdade um ditador apoiado somente por uma pequena minoria clerical, e não representava o desejo do povo. Frank voltou à velha e confiável linha russa: ―Eu gostaria de ver eles discutirem a Anschluss do Azerbaijão pelos russos com o mesmo tipo de argumentos e documentos. — Hahaha!‖ Ele passeou o dedo pela bancada dos juízes. ―Deixem eles abordarem aquelas coisas e nós veremos qual o rosto que não ficará vermelho.‖ Então, continuou com alguns outros argumentos históricos, exclamando como ―nós, bávaros, criamos a Áustria...‖, como os reis déspostas da Idade Média e da Renascença massacravam mutuamente suas populações etc. etc. Sir David quis saber como, dois anos depois da Concordata, em julho de 1935, von Papen pôde ter escrito a Hitler uma declaração chamando sua diplomacia de ―a mão inteligente que elimina o Catolicismo politico sem tocar nas bases cristãs da Alemanha.‖ [Goering ironizou: ―Agora, ele está tentando imaginar uma boa resposta para isso.‖] Von Papen não respondeu. Sir David então citou o papa, descrevendo a perseguição da Igreja pelos nazistas. Von Papen concordou que foi assim, mas tentou explicar que o Catolicismo político e as bases cristãs do Estado eram duas coisas inteiramente diferentes. Depois, ele confirmou a afirmação de que Hitler tratara a Concordata como um pedaço de papel e que perseguira tanto os católicos como os judeus. Ele soube da


261 invasão sacrílega e do saque da igreja do cardeal Innitzer por desordeiros nazistas, mas não estava em posição de fazer qualquer coisa porque era um cidadão particular. Como tiro de misericórdia, Sir David lançou mais uma vez sobre ele o fato de ter permanecido no governo após repetidos assassinatos pelos nazistas de seus próprios assistentes, oponentes políticos, líderes estadistas etc. Von Papen repetiu exaltado que fez isso por patriotismo, e que era algo que teria que responder à sua própria consciência. Hora do almoço: Von Papen, visivelmente chateado, disse: ―Sir David não tem fatos, então ele tenta desacreditar meu caráter. Eu lhe disse que tinha permanecido como um bom patriota alemão, e que foi difícil fazer isso.‖ Schacht o consolou: ―Sim, só eu sei desses conflitos de consciência — confrontando o patriotismo com outras coisas. E como sei! Eu tive o mesmo problema.‖ Von Papen aceitou essa consolação com ansiedade: ―Naturalmente que eu tive os conflitos de consciência mais terríveis‖, exclamou, balançando os braços e mexendo as sobrancelhas mefistofélicas. ―Meu Deus, depois deles terem fuzilado meu próprio assistente!... E ainda tive de dizer a mim mesmo: ‗Você ainda tem o seu dever para com a Pátria!‘ Você pensa que foi fácil? Foi um conflito terrível!‖ Nos outros refeitórios muitos dos réus criticavam várias partes da inquirição, alguns zombando das referências ao ―Catolicismo político‖; os militaristas enfatizavam o ponto de que não teriam deixado ninguém escapar se assassinassem seus ajudantes. Sessão da tarde: O juiz Lawrence, presidente da Corte, abordou a questão mais importante: como podia von Papen reclamar o crédito de ter salvo 10 mil judeus do extermínio a não ser que soubesse sobre o próprio extermínio à época. Von Papen não conseguiu se explicar muito bem. [Quando a testemunha Hans Kroll subiu ao estrado, Goering sussurrou para Hess: ―Aí vai o puxa-saco de von Papen!‖ Doenitz bocejou e disse que estava ficando entediado, e achava que estaria em casa em três meses. Então, ele e Goering passaram a analisar a tradutora loura, dizendo que ela era muito atraente. Goering disse que não se importaria em ter sexo com ela, mas tendo ficado sem isso por tanto tempo, ele não sabia se teria o que era preciso.

21. A defesa de Speer 20 de junho Speer denúncia Hitler Sessão da manhã: Speer descreveu como assumiu a supervisão da produção de guerra alemã, aumentando o seu poder de 1942 a 1944, até chegar a ter uma mão de obra de 14 milhões de pessoas trabalhando para ele. Admitiu usar alguns prisioneiros de guerra, sem que violasse de todo a Convenção de Genebra. Também admitiu usar trabalhadores estrangeiros, embora frequentemente se estranhasse com Sauckel sobre sua utilização e aliciamento. Ele não achava que a mão de obra alemã estivesse completamente exaurida, e não era a favor de trazer trabalhadores para a Alemanha e sim de que eles trabalhassem nos territórios ocupados Também admitiu usar mão de obra


262 oriunda dos campos de concentração, mas esses representavam apenas um por cento dos trabalhadores utilizados na indústria de armamentos. Hora do almoço: No almoço, Keitel foi ouvido contando a Sauckel, Frank e Seyss-Inquart que, se alguém tivesse coragem bastante em 1943 para dizer a Hitler que a guerra estava perdida, eles teriam economizado muita coisa. O único homem que poderia ter feito isso era Speer porque era quem sabia que não poderiam fabricar tanques, aviões e munição em quantidade bastante para ganhar a guerra. Sauckel estava muito irritado com Speer por tê-lo colocado em má posição com respeito à mão de obra escrava. Ele se queixou zangado de que Hitler e Speer sempre estavam exigindo que fosse conseguida toda a mão de obra tanto da Wehrmacht quanto de países estrangeiros para as indústrias bélicas. Ambos Keitel e Sauckel pareciam achar que Speer era o culpado de tudo. Sessão da tarde: Na sessão da tarde, Speer fez sua declaração de responsabilidade comum, ―principalmente desde que Hitler evitou a responsabilidade perante o mundo ao cometer suicídio.‖ [Rosenberg olhou para Goering, e eles trocaram olhares como se dissessem ―Lá vem coisa!‖] Speer declarou que a guerra estava estrategicamente perdida em 1943, mas ele percebeu que na verdade estava completamente perdida, do ponto de vista da produção, no mais tardar em janeiro de 1945. Todavia, Hitler deu ordens para a luta continuar e se destruir as instalações industriais nos territórios ocupados após a retirada. Speer conseguiu impedir a execução dessas ordens em grande escala. A situação era desesperançosa, ―mas Hitler nos enganou a todos.‖ Rumores de ―armas maravilhosas‖ eram difundidos para manter um otimismo irreal entre a população. Discussões diplomáticas falsas eram mencionadas para iluidir todo mundo. O general Guderian contou a Ribbentrop que a guerra estava perdida, mas Ribbentrop voltou com ordens de Hitler de que tais expressões derrotistas seriam tratadas como traição. Hitler ordenou uma campanha de imprensa com o slogan ―Jamais nos renderemos‖ a fim de que nenhuma negociação de paz fosse realizada. Mesmo no discurso aos gauleiters em 1944, Hitler tinha afirmado que o povo alemão não merecia sobreviver se não pudesse ganhar a guerra. Ele culpou o povo alemão pela catástrofe, não a ele mesmo. Insistiu na luta até a vitória ou a destruição total numa época em que já era óbvio para todo mundo que só restaria a destruição. Essa política de ―terra arrasada‖ continuou a ser aplicada mesmo no território alemão enquanto os exércitos recuavam. Ficou claro que, se a guerra fosse perdida, Hitler queria realmente que o povo alemão fosse destruído com ele. Em seu desespero, Speer decidiu que o único caminho era o assassinato do Führer. Speer relutou em contar os detalhes, mas a Corte pediu para ouvir após o intervalo. Durante o intervalo, houve grande tensão e excitação no banco dos réus. Frank expressou sua típica ambivalência violenta em relação ao Führer. Primeiro ele declarou para os outros que era necessário revelar a verdade; então, ele denunciou a tentativa de assassinato do Führer. Rosenberg disse que, já que o atentato de Speeer não obtivera sucesso, ele deveria manter a boca fechada.


263 Goering exerceu uma boa dose de autocontrole para não se expressar abertamente. Speer descreveu seu plano para matar Hitler com gás venenoso a ser jogado nas entradas de ar de seu bunker. Ele disse que naquela época era fácil conseguir homens sensíveis que estavam ansiosos para cooperar com quem quisesse assumir a responsabilidade de tentar parar a guerra e as ordens insanas de destruição. Pois Hitler só insistia em dar ordens desvairadas para a destruição. Speer então citou uma carta sua confirmando uma conversa com Hitler. Hitler dissera: ―Se a guerra vai ser perdida, a nação também sucumbirá. Esta sorte é inevitável. Não há necessidade de se levar em consideração as bases as quais o povo necessitaria para continuar uma existência mais primitiva. Ao contrário, seria mais inteligente nós mesmos destruirmos essas coisas porque então o povo terá provado ser o mais fraco e o futuro pertencerá somente à nação oriental mais forte (Rússia). Além disso, os que sobreviverem à batalha serão os inferiores, pois os melhores terão caido.‖ Hitler deu ordens para continuar a guerra sem consideração à população alemã. Speer tomou sob sua responsalbilidade medidas para proteger a indústria alemã, mesmo usando metralhadoras para defender as instalações da destruição pelos gauleiters nazistas. ―Os sacrifícios feitos por ambos os lados depois de janeiro de 1945 foram insensatos. Os mortos deste período serão os acusadores do homem responsável pela continuação da luta, Adolf Hitler, tanto quanto as cidades destruídas na última fase, que perderam enormes valores culturais e enorme quantidade de residências. Muitas das dificuldades que a nação alemã está sofrendo hoje são devidas à destruição implacável de pontes, infraestrutura de tráfego, caminhões, locomotivas e navios. O povo alemão permaneceu crente em Adolf Hitler até o fim. Ele traiu a todos conscientemente. Ele tentou jogar todos no abismo.‖ Speer defendeu seus atos com base na lealdade ao povo. Ficou claro o dever dos líderes de agir quando Hitler traiu o povo e jogou com seu destino. Ao fim da sessão, houve evidências de profunda reação a favor e contra Speer. Schacht declarou, comovido: ―Foi uma defesa magistral! Esta era a posição que os alemães decentes deveriam adotar!‖ Funk, meio choroso, acrescentou: ―Realmente, é para se ficar envergonhado.‖ Goering retirou-se do banco sem dizer uma palavra. Quando os demais esperavam a vez de voltar à prisão, Rosenberg praguejou contra a denúncia por parte de um líder nazista: ―Ele não teve coragem de matar Hitler pessoalmente, então do que ele está falando? É fácil se vangloriar de algo que se tentou fazer.‖ À noite na prisão Cela de Speer: Já em sua cela, Speer deitava-se no catre bastante cansado, queixando-se de uma dor no estômago. ―Bem, foi uma enorme tensão, mas eu a tirei do peito. O que eu disse foi pura verdade. Eu não teria sido tão mau com Goering se ele não tivesse tentado falsear a história erguendo uma lenda heróica de seus negócios escusos. Ele, especificamente, não tem o direito de fazer-se um herói porque falhou miseravelmente e foi um covarde em nossas horas de crise.‖


264 21 de junho Speer é interrogado Sessão da manhã: Ao ser inquirido pelo promotor Jackson, Speer admitiu a utilização de mão de obra dos campos de concentração e ameaças a preguiçosos de serem mandados para lá. Ele também havia feito um acordo com Himmler para deixá-lo ter cinco por cento da produção de armamentos feita nos campos de trabalho forçado. Admitiu ainda que o esforço de guerra foi definitivamente dificultado pela política antissemita. Também admitiu a utilização da força de trabalho de prisioneiros de guerra e do trabalho escravo de estrangeiros, sem se preocupar com a sua legalidade ou não. Foi então revelado que Hitler tinha planejado o uso de gás na guerra, embora os líderes da Wehrmacht tenham sido contra, sabendo que a Alemanha iria ser derrotada. Ele confirmou que somente um pequeno grupo de fanáticos junto a Hitler manteve a Alemanha na guerra após os generais terem conhecimento de que a guerra estava perdida. Goering contorceu-se quando Speer revelou a opinião de Hitler sobre ele, Goering: alguém que sempre fora um corrupto viciado em drogas. Ele também revelou como Goering proibiu o general Galland de contar a verdade sobre o poder de fogo inimigo. No intervalo, Frank disse: ―Eu prefiriria estar sentado aqui do que perante uma Corte alemã acusado de traição. Não se esqueça de que o próprio Speer ajudou a propagar a confiança na vitória com seus grandes discursos sobre como ele poderia limpar os céus de aeronaves inimigas com seus novos aviões. O que mais você acha que nos manteve vivos em Cracóvia? A confiança na vitória das armas alemães.‖ Jodl disse que, desde que a campanha alemã atolou na Rússia, ele sabia que não tinha mais jeito, mas de qualquer maneira achava que foi indecente da parte de Speer conspirar contra Hitler, pois este mostrava favoritismo por ele e se preocupava com seus filhos. Jodl sugeriu que ele próprio não pensou em assassinar Hitler, mesmo sabendo que a guerra estava perdida, mas Speer mostrou essa inclinação, mesmo ele sendo um dos melhores amigos de Hitler. Frank disse a von Papen que ele teria sido melhor tratado na inquirição se também tivesse atentado contra Hitler. Ele então me fez uma preleção sobre o senso de lealdade do povo alemão e como ele nunca aprovaria o assassinato do comandante-em-chefe. Ele me alertou a nunca ver as coisas por um lado só. Goering rosnava ameaças tenebrosas e xingamentos contra traidores. Doenitz tentou vagamente explicar que Speer tinha que contar a verdade conforme ele presenciou. A isso, Goering respondeu, zangado: ―Mas ele não tinha que dizer aquelas coisas sobre mim! Acho que ele estava querendo se vingar.‖ Hora do almoço: Von Papen afirmou com alguma satisfação: ―Aquilo acaba com o gordo! Imagine dar-se a um oficial uma ordem direta para não contar a verdade!‖ Schacht e von Neurath concordaram que Goering estava liquidado perante o povo alemão. No refeitório dos mais moços, von Schirach, Fritzsche e Speer saudaram o fim da lenda Goering-Hitler, embora von Schirach parecesse não se sentir bem, como se estivesse sentado num barril de dinamite. Goering estava sentado em sua sala, ruminando ideias, calado. Entretanto, logo que todos voltaram para o banco dos réus após o almoço, ele disse para


265 Doenitz e Hess: ―Nunca deveríamos ter confiado nele‖. Então, se dirigiu para o meio do banco e contou a Rosenberg e a Jodl que Speer estava mentindo sobre não ter tido uma chance de atacar Hitler porque suas pastas nunca eram revistadas. Se ele tivesse coragem ele próprio teria atirado em Hitler. Então, ele voltou para seu canto, resmungando: ―Esperem e vejam — isso ainda não acabou.‖ Sessão da tarde: Após a inquirição pelo promotor russo pela tarde, o juiz Biddle perguntou a Speer o que ele queria dizer com responsabilidade comum e pediu para dar exemplos específicos. Speer disse que os membros de um governo eram responsáveis pela política geral como um todo e por ações decisivas, como começar e terminar uma guerra. À noite na prisão Cela de Speer: Speer disse que o que estava criando mais consternação entre os prisioneiros era a sua admissão em partilhar uma responsabilidade comum. Estavam todos zangados por causa disso, exceto Seyss-Inquart, que sempre o apoiou nessa questão contra os receios de seu próprio conselho de defesa. ―Agora estão todos furiosos porque seus pescoços estão em jogo. Mas vocês deveriam ver como eles estariam a reclamar em altos brados a sua participação na responsabilidade comum pela vitória se tivéssemos ganhado a guerra.‖ Ele disse que tinha sido pegado um pouco despreparado ao responder à questão do juiz Biddle, e que gostaria de saber se poderia enviar a ele uma carta dando mais detalhes. Ele achava que os líderes do governo eram responsáveis não só pelo começo e término da guerra, mas também pela política antissemita e pelo estado de ilegalidade. Ao aceitar o cargo de ministro, ele aceitara conscientemente a participação na responsabilidade por um governo que adotou claramente o antissemitismo, a ilegalidade e os campos de concentração como instrumentos da política governamental. Sua culpa recaía em aceitar essas coisas como naturais, ainda que tenha caído em si um pouco tarde demais no jogo. Decidiu elaborar mais sobre isso na sua defesa final. Ele estava bastante ansioso para fazer isso já que Goering o atacava de ser insincero em sua admissão de responsabilidade comum. Goering contava aos outros que era fácil para Speer dizer que os líderes de um governo partilham a responsabilidade por atos tais como começar e terminar uma guerra porque Speer não a havia começado, e no fim ele protagonizou atos de traição um atrás do outro. Quanto a seu ataque a Goering, ele tinha realmente divulgado alguns detalhes extras, como o fato de que fora Goering quem na verdade introduziu a corrupção na Wehrmacht. 22 e 23 de junho Fim de semana na prisão Cela de Goering: Goering tentou se moderar ao reagir às denúncias de Speer. ―Que tragicomédia! Você não acha engraçado? No fim, eu é que fui odiado pelo Führer, que ordenou o meu assassinato! Se há que ter alguma denúncia ao Führer eu sou o primeiro a ter o direito de fazê-la... não esses outros como Speer e von Schirach, que foram favorecidos pelo Führer até o fim! Aonde eles querem chegar fazendo essas denúncias? Eu não fiz isso e sou o único que


266 teria a melhor justificativa. Mas não fiz isso por causa do princípio da coisa!... Você pensa que tenho algum amor pessoal por ele? De maneira nenhuma! Eu lhe asseguro, é o princípio da coisa!‖ (Nota do psiquiatra: substituir princípio por pose.) ―Eu jurei lealdade a ele e não posso faltar com a palavra. Não tem nada a ver com ele como pessoa. São os meus princípios que estão em questão. Você tem que separar essas duas coisas. O mesmo se aplica a von Schirach. Ele não tinha por que chamar Hitler de assassino. Está certo, eu sei o que você vai dizer, é verdade. Mas o que quero dizer é que ele deveria ter dito pelo menos de maneira diferente. ―Mas, quando eu faço um juramento de lealdade‖, continuou Goering, ―não posso quebrá-lo. E eu passei por um período infernal mantendo-o, posso lhe afirmar! Tente ser alguma vez príncipe coroado por 12 anos, sempre leal ao rei, desaprovando muitas de suas políticas e não podendo fazer nada sobre isso, consciente de que a qualquer momento você pode se tornar rei e ter que fazer o melhor da situação. Mas eu não podia conspirar pelas suas costas com gás venenoso ou falsas pastas com bomba sob sua bunda ou outro ardil covarde como esse. A única coisa que eu poderia fazer honrosamente seria provocar um rompimento aberto; declarar abertamente que eu retirava a minha lealdade e decidir brigar....‖ ―Você quer dizer dar-lhe um tapa de luvas no rosto e desafiá-lo para um duelo?‖, o interrompi. ―Jogar minha luva aos seus pés!‖, Goering corrigiu rápido, demonstrando que eu tinha lido corretamente seus pensamentos cavalheirescos, porém tinha mal localizado o século de suas fantasias. ―Então, teria sido uma manifestação aberta. Mas eu não podia fazer isso enquanto estávamos no meio de uma guerra de quatro frentes — dividir nossas forças em uma luta interna. Suponha que eu tivesse tentado após o fracasso da campanha na Rússia. Milhares teriam se juntado a mim. Mas significaria o caos para a Alemanha, e de qualquer maneira ele teria Himmler e as SS por trás dele, não teria sido bom. E se fosse após a campanha vitoriosa na França eu teria de ter sorte se conseguisse umas poucas centenas para se unir a mim, se eu fosse maluco bastante de romper com ele então. E se eu tentasse isso antes da guerra, ora, eles simplesmente pensariam que eu estava doente da cabeça. Teriam me mandado para um asilo. Não, eu lhe asseguro que não havia nada a fazer.‖ ―Mas você não acha que a história e o seu povo teriam pensado melhor de você se tivesse falado no banco das testemunhas que você fez um juramento a Hitler, mas que ele o traiu e ao povo alemão, como von Schirach fez?‖ ―Oh, não, eu entendo a tradição alemã melhor do que você, creia-me. Não tem sido sempre fácil para os heróis alemães, como eu já lhe disse, a não ser manter sua lealdade.‖ ―Você não acha que todos esses conceitos medievais de lealdade e nacionalismo estão fora de moda e que o povo pensará diferente no futuro?‖ ―Bem, então deixe aqueles que pertencem ao futuro pensar diferente. Sou o que tenho sido sempre — ‗a última figura da Renascença‘, com a sua licença.‖ Ele sorriu ao citar a sua caracterização feita pela testemunha Koerner, e eu poderia jurar que ele mandou Koerner dizer aquilo no banco das testemunhas. ―... Você não pode esperar que eu, com a idade de 52, mude meus conceitos de uma hora para outra.‖


267 É evidente que Goering está bastante aborrecido com o fato de que, como as coisas estão agora, ele confirmou sua lealdade a um assassino e está tentando imaginar um novo ângulo para a sua última defesa. Ele disse que vai trazer à tona o caso do massacre de Katyn(*), no fim das defesas individuais, como uma parte incompleta de seu próprio caso. Eu lhe perguntei se aquilo tem alguma coisa a ver com o seu caso. De novo, o sorriso dissimulado. ―Não, mas estou resolvendo meu caso de amor especial pelos russos.‖ (*) Um dos mais nebulosos eventos da segunda guerra, quando milhares de cidadãos poloneses foram fuzilados pelos russos, em 1940, na Floresta de Katyn, Polônia, por ordem de Stalin, que culpou os alemães. Somente em 1990 a Rússia reconheceu oficialmente a sua responsabilidade, por iniciativa do presidente Mikhail Gorbachev (NT). Então, acrescentou, com outro sorriso malicioso: ―Você não pensa que eu teria condição de fazer isso se não tivesse uma ajuda de uma fonte não alemã, não é?‖ Eu perguntei o que ele queria dizer com isso. ―Não posso dizer, mas não se esqueça de que ainda há um governo polonês no exílio na Inglaterra.‖ Goering então retomou sua campanha para me convencer de que ele era realmente um homem de cultura. Ele deve estar lendo o livro Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie. Agora ele tem um grande interesse pela cultura americana, e pediu a seu advogado para conseguir uma cópia em alemão do clássico E o vento levou. Ele sempre foi um homem de cultura e não um radical antissemita como Rosenberg ou Streicher. Para ser sincero, ele tinha se apaixonado por um monte de propaganda antissemita. Todo o partido havia se impregnado dela. ―Foram Goebbels, Ley e um outro certo filósofo entre os réus a quem não vou citar. Era ele quem repisava a ideia de que todos os comunistas eram judeus, e mesmo os comissários russos eram judeus — que descobrimos depois que não eram. Mas, desde que ele veio da Rússia nós pensávamos que ele era uma autoridade no assunto.‖(Referia-se a Rosenberg – NT.) Finalmente, ele declarou ter um grande interesse no campo da psicologia. Queria discutir o teste das manchas de tinta que eu lhe apliquei no início do julgamento e saber mais sobre o progresso da psicologia americana. Cela de Speer: Enquanto Goering se retratava como um sábio homem de cultura, Speer contou a última prova do gangsterismo de Goering no banco dos réus: ―Ele anunciou aos outros, de uma maneira que eu pude ouvir, que, mesmo que eu saia vivo do julgamento, a Feme Kangaroo Court (máfia secular alemã - NT) me assassinaria por traição.‖ Speer riu um pouco nervoso. Ele sabia mais do que eu que a Feme Kangaroo Court tinham aterrorizado os corações dos revolucionários alemães por séculos. Ele deduziu que Goering estava usando essa referência a assassinato como um método de intimidar os demais e a ele mesmo, Speer. ―Você vai ver, à medida em que o julgamento chegar perto do clímax e os nervos deles começarem a sentir a tensão, suas máscaras polidas cairão e você os verá o que eles são.‖ Ele me perguntou se eu tinha percebido como Goering mudava para seu charme bem-humorado e suas bravatas diretas na presença de oficiais americanos e da imprensa. Eu


268 disse que sim. Speer me garantiu que essa ameaça de assassinato estava mais para o verdadeiro caráter de Goering. Speer disse que esperava que Goering se mostrasse desprezível com as suas ameaças e a sua declaração final de defesa para que ele, Speer, tivesse condições de ficar mais livre para mostrar ao mundo o falso covarde e corrupto que Goering realmente era. Repetiu que, em primeiro lugar, nunca o atacaria tanto assim se Goering pelo menos tivesse tido a decência de admitir sua culpa em vez de falsear a história e ocultar a insensibilidade egoista desprezível e a corrupção de todo o regime. ―Ele pensava que tinha intimidado a todos nós para que pudesse fazer uma grande apresentação na tribuna, e todos nós formaríamos atrás, ocultando a verdade sobre seus negócios escusos e o aplaudindo: ‗Bravo, Goering!‘‖ Speer disse que o médico alemão da prisão lhe tinha dito que Goering havia contado que a sexta-feira foi o dia mais negro de sua vida. Goering também contou a seu advogado e a alguns dos outros réus que iria alterar toda a linha de sua defesa na conclusão e exposição final.

22. As conclusões 3 de julho Ciência racial Ao discutir o esboço de suas conclusões com seu advogado, Frick disse a ele que nunca fora um antissemita, nunca odiara os judeus. Ele havia formulado as Leis de Nuremberg por razões científicas para proteger o sangue alemão. Recusou deixar que seu advogado se desculpasse em seu nome pelas Leis de Nuremberg, e disse a ele que tornasse claro que as formulara por princípios científicos e não por ódio. No almoço, iniciou-se outra discussão sobre as Leis de Nuremberg. Frick e Rosenberg insistiram em que elas tiveram como base as leis fundamentais da natureza. O sangue alemão tinha que permanecer puro. Se essas leis funcionavam com animais, por que não deveria funcionar com seres humanos? Eles não pareciam se importar com a ideia de tratar seres humanos como animais nem com os meus argumentos de que sua pseudociência não tinha base na realidade. Quando eu observei que os judeus não poderiam ser considerados uma raça, eles trocaram para a palavra Volk (povo) e continuaram a conversar sobre criação de gado. Eu me referi à recente explicação de Fritzsche de como as Leis de Nuremberg foram, na verdade, empurradas garganta abaixo do povo. Rosenberg e Frick não acharam que tinha sido uma crítica justa em razão do Führerprinzip, onde o Führer e os líderes partidários decidiam o que era bom para o povo. 5 de julho O Dr. Stahmer apresentou a alegação de defesa de Goering esta manhã. No almoço, Speer exclareceu que Goering negava toda a responsabilidade moral e legal por qualquer dos crimes nazistas. Isso era interessante por dois pontos, achava ele: primeiro, mostrava a completa falta de senso moral de Goering, e, em segundo, também que, quando vem a se manifestar, fica ansioso para salvar seu pescoço, como qualquer outro, e que a pose heróica de assumir a culpa era apenas uma farsa.


269 Dr. Stahmer me pediu para prestar atenção à sua conclusão pela tarde porque ele deu uma caracterização de Goering que poderia interessar a um psicólogo. Goering deve ter orientado ele a me dizer isso porque Stahmer nada faz sem a ordem direta de seu cliente. A caracterização de ―interesse psicológico‖ de Goering constituiu-se em um tributo ao seu senso de lealdade medieval e ao seu orgulho nacional. Quando Dr. Stahmer encerrou a fala, ele me perguntou o que eu achara. Eu lhe disse que havia um outro lado do caráter de Goering que ele negligenciara em mencionar. Dr. Stahmer riu e respondeu: ―Claro, mas isso é assunto para a promotoria.‖ 8 de julho Dr. Horn encerrou suas conclusões da defesa de Ribbentrop. Todos asseguraram a Ribbentrop que seu advogado havia apresentado uma boa alegação. No almoço, ele disse que ficou satisfeito por Dr. Horn ter explicado que a política externa na verdade era determinada por Hitler e não por ele, e que a questão da agressão era altamente discutível. Entretanto, não estava satisfeito pelo fato de seu advogado não ter usado qualquer parte de seu grande ensaio sobre o problema antissemita que mostrava que ele, Ribbentrop, não era um antossemita. Todavia, ele me daria o ensaio, ou talvez o reescrevesse em um estilo melhor, porque queria que o povo soubesse que ele não era um antissemita, embora, naturalmente, ele tivesse sido membro de um governo antissemita. Nesse ponto, Streicher se aproximou e assegurou a Ribbentrop que ele não era considerado um antissemita. Ribbentrop ficou muito agradecido e disse para mim: ―Veja, você ouviu isso de uma autoridade.‖ A manchete de hoje no jornal Stars and Stripes, ―GOERING CONSPIROU PARA ESCONDER 50 MILHÕES‖, causou um certo tumulto entre os réus. Von Schirach disse que aquilo era a coisa mais prejudicial a Goering em muito tempo. O povo alemão pode se inflamar com a ideia de que Goering tentou arrumar sua vida na América para se realizar após a Alemanha ser destruída. Speer observou, rindo: ―Vejo que tenho um colega em matéria de traição. A única diferença é que nossos motivos foram inteiramente diferentes.‖ Goering ficou constrangido quando eu lhe contei sobre o artigo do jornal, escrito a partir de um recente interrogatório feito por John Rogge(*). Goering irritou-se e disse que era um truque sujo deixar essas coisas caírem na imprensa, e disse que nunca mais responderia qualquer questão feita por qualquer interrogador. (*) Promotor federal dos EUA que, em 1946, foi à Alemanha investigar ligações entre congressistas americanos e líderes nazistas (NT). À noite na prisão Cela de Funk: Os discursos finais relativos a Goering, Ribbentrop e Keitel provocam em Funk um sentimento de vergonha sobre a irresponsabilidade moral da parte dos líderes políticos e militares do Terceiro Reich. Ele me pediu para vir visitá-lo porque tinha uma coisa afligindo sua cabeça. Quando entrei na sua cela esta noite, ele estava deprimido e me disse que eu era a única pessoa que o fazia se sentir um ser humano.


270 ―Mas o que eu queria lhe contar é que não há um de nós — nem um — que escape da culpa moral nesta questão. Eu já lhe contei como a minha consciência doeu quando eu assinei aquelas leis para a arianização dos bens dos judeus. Se isso me faz legalmente culpado ou não, é uma outra questão. Mas isso me faz moralmente culpado, não há nenhuma dúvida sobre isso. Eu deveria ter ouvido minha mulher naquela época. Ela disse que estaríamos melhor livres da sujeira dos assuntos ministeriais e que devíamos nos mudar para um pequeno apartamento de três quartos em vez de nos envolvermos com aqueles casos vergonhosos. Disse na Corte que eu tinha minhas apreensões sobre aquilo, mas, é claro, eu não contei a eles que a voz da consciência era a minha mulher. Mas eles são todos culpados do mesmo jeito. É claro que von Papen não é tão culpado quanto Goering, e Fritzsche era insignificante. Mas, não esqueça, mesmo ele sabia mais sobre as atrocidades do que eu. Ele conseguiu relatórios específicos e então deixou-se ser enganado também. Este é o problema, todos estávamos cegos. Até Schacht não escapa dessa culpa moral. Ele ainda era presidente do Reichsbank e ministro sem pasta quando essa coisa vergonhosa aconteceu. Mas ele não renunciou aos cargos. Talvez se todos nos reuníssemos e recusássemos seguir adiante poderíamos ter impedido a desgraça final. Cada um de nós tem a sua culpa moral. Eu não vejo como a Corte possa absolver qualquer um de nós.‖ 9 de julho Antropologia cultural Sessão da manhã: O Dr. Nelte encerrou a alegação final por Keitel e o Dr. Kauffmann fez a de Kaltenbrunner. A de Dr. Nelte baseou-se principalmente no Führerprinzip. Keitel passou tempos terríveis com o Führer, mas, como qualquer tolo sabe, um soldado tem que obedecer ordens, não a sua consciência. De qualquer maneira, foram as SS e não a Wehrmacht as responsáveis pelas atrocidades. Dr. Kauffmann fez um sermão sobre a virtude, não querendo fingir que Kaltenbrunner fosse um modelo de virtude, mas um que teve boas intenções, e apesar de milhões de pessoas ― alas! ― serem assassinadas nos campos de concentração, na verdade foi tudo obra de Himmler. Hora do almoço: Quando eles foram almoçar, Kaltenbrunner me disse: ―Eu vi o coronel Amen segurando o riso. Pode dizer a ele que me congratulo com ele por sua vitória sobre mim ao me arranjar esse advogado estúpido.‖ No almoço, eu li para Frank um artigo de jornal sobre o (recente) pogrom de Kielce, na Polônia, e o editorial do Herald-Tribune de Paris denúnciando essa nova explosão de perseguição aos judeus após a terrível catástrofe ocorrida por influência dos nazistas. Frank rejeitou a ideia de que foi resultado de políticas nazistas, e frisou que pogroms têm acontecido na Polônia por vários séculos. Ele os atribuia aos preconceitos inflamados do povo polonês. SeyssInquart tendia a culpar as superstições religiosas remanescentes da Idade Média, usando o velho slogan: ―Salve a fé e mate os judeus.‖ Frank não gostou dessa interpretação, mas aceitou a versão alternativa de Seyss-Inquart de que isso estava ligado aos preconceitos anticomunistas dos poloneses. Entretanto, a explicação preferida de Frank eram as características inatas do povo polonês.


271 Seyss-Inquart concordou quanto a isso, acrescentando uma explicação antropológica: o polonês é uma raça misturada demais. Frank concordou: ―Sim, eles são uma mistura bastarda de sangues tártaro, eslavo, ruteniano e alemão. Os poloneses são um povo muito polêmico. Eles brigam por tudo. Só há três coisas com que eles concordam: eles são unidos na sua Igreja e no ódio aos judeus, aos alemães e aos russos.‖ Eu questionei como o ódio e a religião se conciliavam. ―A religião não tem nada a ver com isso,‖ replicou Frank. ―O povo tira da religião o que lhe convém. Os ensinamentos católicos significam uma coisa para o crente alemão e outra coisa para o crente chinês, isso é óbvio. A maioria dos poloneses é simplesmente um povo apaixonado e preconceituoso. Não se esqueça de que eles mataram um bispo e todos os seus padres no ano passado. A Igreja certamente não tem nada a ver com isso. Frank dramatizava sua história com gestos violentos. Keitel deixou a sala e Seyss-Inquart e Sauckel observavam com expressões divertidas. ―Alguém começa um boato sobre um ritual de assassinato judeu, e... pronto! Toda a população pega em armas clamando pelo sangue dos judeus! E eu aposto que eles estão agora na igreja gritando em suas contrições: ‗Oh, minha pobre alma, que maldade eu pratiquei!‘ E eles confessarão e pedirão perdão e jurarão que vão parar, mas em três meses vão fazer de novo.‖ Frank descreveu isso com os mesmos gestos e entonação que usava para descrever seu próprio remorso histérico, de maneira que a projeção era evidente. Passamos às Leis de Nuremberg, e Frank expressou a sua opinião de que elas não eram necessárias, agora olhando o passado. O abuso de garotas cristãs poderia ter sido tratado por processos normais, legais. Foi um tapa injusto no rosto dos judeus, muitos deles pessoas muito boas e laboriosas, e se se reparar, eles eram laboriosos e bem-sucedidos demais para o seu próprio proveito. Eles provocavam ciúme de outros alemães nos negócios e em profissões em que não eram muito diligentes. Frank achava que a solução era os judeus irem para a França, que tinha manifestado sua necessidade por mais mão de obra. A França poderia usar pessoas trabalhadoras como os judeus porque os franceses são preguiçosos, como os poloneses. Eu questionei Frank sobre que bem adviria se os franceses fossem também hostis e ciumentos para com os judeus laboriosos. Ainda comparando mais com a Polônia do que com a Alemanha, Frank disse que provavelmente não iriam criar dificuldades porque os franceses, ao contrário dos poloneses, eram um Kulturvolk (povo civilizado — NT). 12 de julho Sessão da manhã: O Dr. Marx apresentou a alegação final de Streicher. Para contrariedade de Streicher, ele caracterizou seu cliente como uma pessoa com obsessão pelo antissemitismo, mas que na verdade nunca foi levado muito a sério pelo povo alemão. De fato, ele nunca foi levado muito a sério por Hitler, apesar do Führer apoiar o seu ―Stürmer‖ até o fim. Naturalmente, ele nada teve a ver com o extermínio dos judeus, e não sabia nada sobre isso, apesar de parecer. Hora do almoço: A inocência dos ―cordeirinhos‖ começava a ser um tipo de piada no refeitório dos mais jovens. Aparentemente, ninguém teve nada a ver com coisa nenhuma. O ministro do Exterior era apenas um office boy; o chefe


272 do Estado Maior da Wehrmacht era apenas um gerente de escritório; os antissemitas radicais eram todos a favor de soluções honradas para o problema judeu e não sabiam das atrocidades, incluindo o chefe da Gestapo, Kaltenbrunner; e Goering, é claro, era o mais honrado de todos. As notícias do dia provocaram mais interesse do que as apelações que estavam sendo apresentadas. A objeção de Molotov na divisão da Alemanha em favor da França causou uma pequena sensação. Von Papen arregalou os olhos para a manchete do jornal e disse que aquilo era incrível. Mas, após refletir um pouco, acrescentou, rindo, que sem dúvida aquilo era um plano da Rússia para não fortalecer a França, agora que as eleições viraram mais a favor do MRP democrático-cristão do que dos comunistas e socialistas. No refeitório contíguo, Ribbentrop ficou surpreso por um momento, depois, pareceu preocupado. Ele disse que sem dúvida os russos imaginavam que mais cedo ou mais tarde eles iriam tomar toda a Alemanha, de forma que não a queriam dividida por enquanto. A maioria dos réus era da mesma opinião, creditando a ação dos russos aos seus objetivos de hegemonia na Europa Central mais que qualquer outro motivo em benefício da Alemanha. Entretanto, eles estavam inclinados a aceitar o movimento como uma defesa irônica da integridade territorial da Alemanha. 13 de julho Mais ciência racial Cela de Streicher: Eu tive outra pequena conversa com Streicher como consequência da conclusão de sua defesa. Ele repetiu algumas de suas posições assumidas anteriormente. Não havia dúvidas de que Hitler ordenara o extermínio dos judeus, e na verdade tinha expressado essa intenção antes da guerra. No início, Hitler deve ter percebido que iria morrer e decidiu levar os judeus com ele. Mas, não era a solução porque teria que exterminar todos os judeus, e havia ainda muitos judeus em todos os países que poderiam ainda manter a espécie. Então, a ideia de Hitler de exterminar toda a raça era obviamente impraticável. De qualquer maneira, Hitler errou em matar tantos judeus porque transformou a raça em mártir e vai adiar a solução real do problema judeu por outros 100 anos. A solução deve ser uma solução de Estado porque as pessoas com o mesmo sangue se pertencem. Uma das leis da natureza é a de que pessoas com um mesmo sangue se atraem e não se pode ir contra as leis da natureza. Eu lhe perguntei o que ele queria dizer com sangue racial e leis da natureza. Streicher resmungou alguma coisa sobre 24 cromossomas. Eu lhe disse que sabia tudo sobre isso, mas gostaria de saber se havia características judias particulares, porque se sim a pesquisa moderna falhou em descobrir alguma. Streicher insistiu em que havia características físicas, embora houvesse muitas exceções e que era preciso um verdadeiro especialista como ele para detectálas. Eu perguntei que características físicas eram essas. Ele respondeu que uma das coisas pode-se ver pelos olhos. Os olhos dos judeus são diferentes. Perguntei de que maneira, mas ele respondeu apenas que eram diferentes. Mais significante do que os olhos dos judeus eram as suas nádegas, ele tinha descoberto isso. Eu perguntei qual a característica das nádegas judias. ―Oh, as nádegas dos judeus não são como as dos não-judeus‖, sorriu espertamente, aparentando seriedade e superioridade. ―As nádegas dos judeus são tão femininas — tão delicadas e femininas‖, disse ele, com o rosto


273 afogueado e salivando virtualmente ao delinear uma nádega no ar com as mãos lascivas, indicando sua delicadeza e femininilidade. ―... E você pode dizer que elas bamboleiam quando eles andam. Quando eu estava em Mondorf, fui interrogado por quatro judeus — eu podia reconhecer pelas suas nádegas quando eles deixavam a sala, embora os outros não reconhecessem. E outra coisa é a maneira que eles falam com as mãos. É claro que muitos deles não fazem assim. Mas mesmo que não se possa reconhecê-los pelos traços físicos, seu comportamento sempre os denúncia. Um alemão é tão aberto em suas maneiras — como uma criança — mas um judeu é sempre dissimulado... Eu estudei isso por 25 anos e ninguém entende esse problema tão bem quanto eu. Estudei as pessoas na sala da Corte e posso reconhecer um judeu em poucos minutos, enquanto os outros têm que estudar um homem por dias antes de perceberem que estou certo. A promotoria é composta quase que completamente por judeus.‖ Eu perguntei se ele considerava o promotor Jackson um judeu. Streicher zombou, dizendo que estava claro que o nome real de Jackson era Jacobson e ele era um judeu como todo o resto. (O mesmo argumento ele deu sobre Goldensohn outro dia.) 18 de julho Sessão da manhã: O Dr. Sauter encerrou a defesa de von Schirach enfatizando a sua renúncia ao nazismo e ao antissemitismo. Durante o intervalo e antes do almoço, Goering promoveu uma agitação contra von Schirach, procurando apoio de alguns dos réus em rejeição à renúncia de von Schirach ao nazismo. Estando as relações um tanto frias no seu canto do banco, ele tem deslocado suas operações para o setor do meio, onde sempre consegue atenções simpáticas de Sauckel, Rosenberg e Frank. Desta vez, depois de muita insistência, Frank concordou: ―Sim, eu desaprovo esse servilismo perante a Corte. É como se fazer um apelo por um homem casado com base no fato de que uma vez ele foi solteiro.‖ Hora do almoço: Keitel e Jodl estavam nervosos por causa da notícia de que todos os 73 Waffen-SS assassinos dos prisioneiros de guerra americanos em Malmedy foram condenados, 43 sentenciados à morte e 30 a variados períodos de prisão. Keitel disse que o coronel Peiper, que foi sentenciado à morte, era um bom líder. Eu comentei que ele deve ter sido um oficial bem leal que executou bem suas ordens com inspirada fidelidade. Keitel disse que, não obstante esses assassinatos de prisioneiros — os quais, é claro, ele nunca condenou — , Peiper de qualquer maneira era um bom líder. No outro refeitório, Jodl se disse confortado com o fato do general Sepp Dietrich, comandante da Divisão de Peiper, ter sido condenado somente à prisão perpétua. O que mostrava que um oficial de alta patente deve ser considerado menos culpado do que os subordinados diretamente responsáveis pela execução dos crimes. Ele também estava interessado no fato de que o general Student teve uma sentença mais branda e então foi perdoado em conexão com outra ação, ―porque alguns oficiais americanos testemunharam sobre o seu caráter,‖ acrescentou ele, sugestivamente. No banco dos réus, após o almoço, o irrepreensível Goering mais uma vez lançava mão da tática de angariar simpatia por meio de hostilidade. Ele foi ouvido contando a Doenitz e aos outros protestantes ao redor que o Tribunal


274 estava cheio de judeus e que a Igreja Católica está ensinando bolchevismo puro, mas é difícil para ambos ficarem juntos. Depois, ele voltou para o meio do banco para ter a mesma conversa com Frank, mas omitiu cuidadosamente qualquer referência à Igreja Católica, atacando somente os judeus e comunistas. 23 de julho América e Rússia Hora do almoço: A edição de Paris do Herald Tribune de ontem saiu com a manchete: ―McNARNEY CONVIDA ALIADOS A FAZER DO REICH UMA UNIDADE ECONÔMICA‖, como também publicou a resenha de Lewis Gannet sobre o livro ―The Great Globe Itself‖, do Embaixador na Rússia (William Christian, Jr.) Bullit. No almoço, Schacht leu ambos os artigos para Doenitz, von Papen e von Neurath. Eles se mostraram um tanto satisfeitos com a evidência da tensão crescente entre a Rússia e a América. A resenha do livro de Bullit gerou mais interesse do que a declaração de McNarney, que já era bem conhecida. Schacht leu e os outros ouviram atentamente: (Ele) Esquece poucos milhões de vidas ―O Presidente Roosevelt deveria, Mr. Bullit agora defende, ter fixado um preço de barganha no acordo entre EUA e a Rússia. ―Poucos erros mais desastrosos foram cometidos por um presidente dos Estados Unidos‖, disse Mr. Bullit, acrescentando, irresponsavelmente, que ―aqueles cidadãos dos Estados Unidos que iludiram o Presidente para agir como se Stalin fosse uma cruz entre Abraão Lincoln e Woodrow Wilson merecem um lugar elevado no rol de desonra americano.‖ Em troca do acordo, Mr. Bullit ousa dizer, nós pedimos e não conseguimos ―nada‖. Nada, apenas cinco ou seis milhões de vidas russas, cujas mortes pouparam vários milhões de vidas americanas — nada.‖

Nesse ponto, Schacht explicou: ―É claro que isto é a ironia de um resenhista‖. Os outros suspiraram. Schacht continuou a ler a resenha: ―Na sua interpretação das origens da política soviética, Mr. Bullit omite completamente a possibilidade insensata, porém indiscutivelmente genuína, da Rússia temer que o mundo ocidental deseje destruir a União Soviética. Este temor, como Mr. Bullit uma vez foi alertado, tinha justificativa histórica considerável em 1919; os fatos de 1938 o reviveram; e seu pequeno livro ingenuamente histérico provavelmente fará uma nova contribuição nesse sentido.‖ ―Um programa que significa guerra‖ ―Em prol disso é a política ―construtiva‖ proposta por Mr. Bullit: parar com toda a ajuda aos países controlados pelos soviéticos, criar uma Federação Democrática de Estados anti-soviética, incluindo tantos países quantos forem possíveis para livrá-los do controle soviético; aliar isso a uma ampla ―Liga de Defesa de Estados Democráticos‖, também abertamente dirigida contra a União Soviética.‖

―Ora! Um novo Pacto Anti-Comintern‖, observou von Neurath com um sorriso. A sua atitude era uma sugestão a um ―aqui vamos nós de novo‖.


275 Von Papen disse algo sobre a necessidade de atrair a cooperação da Rússia em vez de ameaçá-la com a guerra, o que foi o grande erro da Alemanha. Schacht continuou a ler: ―É claro que isso significa guerra. A negação de Mr. Bullit é estranhamente ambígua: ―Vamos rejeitar com absoluta determinação a ideia de que deveríamos atacar a União Soviética‖, começa ele. ―Graças à posse da bomba atômica e a uma força aérea de poder opressivo hoje estamos mais fortes do que a União Soviética e podemos destruí-la‖, continua ele... Mr. Bullit parece mais do que um irresponsável um tanto confuso e um pouco perigoso.‖ Doenitz apenas riu e não disse nada. Ele me deu uma daquelas olhadelas sutis e se dirigiu à janela, balançando a cabeça como em profunda reflexão. Não foi difícil para mim imaginar no que ele estaria pensando: por fim, os americanos iriam necessitar dos seus U-Boat X; eles teriam uma melhor utilidade para ele, Doenitz, do que sentenciá-lo por crimes de guerra. Já lá embaixo, no banco dos réus, Goering e Ribbentrop aproveitaram as notícias e iniciaram uma discussão comigo sobre elas. Goering disse que ele sabia que Bullit sempre fora um antirrusso, mas também era antinazista, o que significava uma contradição uma vez que o nazismo era o campeão do antibolchevismo. Este pensamento provocou uma reação na mente vazia de Hess: ―É verdade, isso é uma contradição.‖ Ribbentrop deu sua primeira risada em várias semanas por causa do comentário do resenhista de que Bullit era a favor de se usar a bomba atômica ―para amedrontar a Rússia‖. Quando Ribbentrop traduziu o comentário que a Rússia só esperava desenvolver a sua própria bomba atômica para atacar os Estados Unidos, Goering replicou entusiasmado: ―Ora, é claro que toda criança na rua sabe disso, qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento político... Eu dei a eles um prazo de cinco anos.‖ Eles não conversaram muito sobre isso em minha presença, mas pelos sorrisos de convencimento era fácil perceber que não receberam com pouco prazer este sinal de tensão entre a América e a Rússia. 26 de julho As conclusões da promotoria Sessão da manhã: O promotor Jackson apresentou as alegações finais da delegação da promotoria americana. ―De uma coisa estamos certos: o futuro jamais terá que perguntar com dúvidas:o que os nazistas poderiam ter dito a seu favor? A história saberá que, o que quer que tenha sido dito, a eles foi permitido dizer. A eles foi dado um tipo de julgamento que eles, em seus dias de pompa e poder, nunca deram a homem nenhum... ―Mas, na conclusão, temos ante nós evidências de criminalidade testadas e ouvimos as frágeis desculpas e desprezíveis evasivas dos réus. O julgamento suspenso (amnésia de Hess - NT) com o qual nós abrimos este caso não é mais apropriado. Chegou a hora do julgamento final e se o caso que apresento parece duro e intransigente é porque as evidências o fazem assim... ―A ampla e variada participação de Goering foi de meio militar e meio gangster. Ele enfiou o seu dedo gordo em todas as tortas... Também foi adepto de massacrar os oponentes e de criar escândalos para se livrar de generais


276 teimosos. Ele construiu a Luftwaffe e a arremessou contra seus vizinhos indefesos. Ele estava entre os principais a deportar os judeus para fora do país... ―O fanático Hess, antes de sucumbir à ânsia por viagens, foi o engenheiro que administrou a máquina do partido, transmitindo ordens e propagandas às unidades de liderança, supervisionando cada aspecto das atividades do partido e mantendo a organização como um leal e ágil instrumento de poder. Quando as apreensões em todo o mundo ameaçavam o sucesso do esquema nazista para a conquista, foi o falso Ribbentrop, o vendedor de fraudes, quem foi designado para derramar vinho nas águas turbulentas da suspeita, pregando o evangelho de intenções limitadas e pacíficas. Keitel, fraco e ferramenta determinada, entregou as forças armadas, o instrumento de agressão, ao partido e as dirigiu executando seus planos criminosos. ―Kaltenbrunner, o grande inquisidor, vestiu o manto sanguinário de Heidrich para sufocar a oposição e aterrorizar a obediência, e reforçou o poder do nacional socialismo sobre o alicerce de cadáveres inocentes. Foi Rosenberg, o alto sacerdote intelectual da ‗raça superior‘, quem forneceu a doutrina de ódio que deu o impulso para o aniquilamento do povo judeu, e colocou suas teorias hereges em prática contra os Territórios Orientais Ocupados. A sua vaga filosofia também acrescentou tédio à longa lista das atrocidades nazistas. O fanático Frank, que solidificou o controle nazista ao estabelecer a nova ordem de autoridade sem lei, já que o desejo do partido era o único teste de legalidade, prosseguiu exportando sua ilegalidade para a Polônia, que ele governou com o chicote de César e cuja população ele reduziu a sofridos sobreviventes. Frick, o organizador implacável, ajudou o partido a tomar o poder, supervisionou as agências policiais para assegurar que o partido permanecesse no poder, e acorrentou a economia da Boêmia e da Morávia à máquina de guerra alemã. ―Streicher, o vulgar venenoso, fabricou e distribuiu libelos raciais obscenos que incitaram a população a aceitar e assistir a progressiva operação selvagem de ‗purificação da raça‘. Como ministro da Economia, Funk acelerou o ritmo do rearmamento, e como presidente do Reichsbank bancou para as SS as obturações de ouro dos dentes das vítimas dos campos de concentração — provavelmente a mais detestável garantia financeira na história dos bancos. Foi Schacht, a fachada elegante de respeitabilidade, quem nos primeiros tempos decorou a vitrine, a isca para os hesitantes, e cuja magia tornou possível mais tarde para Hitler o financiamento do programa colossal de rearmamento, e fez isso secretamente. ―Doenitz, o legatário da derrota de Hitler, promoveu o sucesso das agressões nazistas instruindo o bando de submarinos assassinos a conduzir a guerra no mar com a ferocidade ilegal das selvas. Raeder, o almirante político, desenvolveu furtivamente a Marinha alemã em desafio ao Tratado de Versalhes, e então a utilizou em uma série de agressões em cujos planejamentos ele teve grande participação. Von Schirach, corruptor de uma geração, iniciou os jovens alemães na dourtina nazista, treinou-os em legiões para servir às SS e à Wehrmacht e entregou-os ao partido como fanáticos e obedientes executores de sua vontade. ―Sauckel, o maior e mais cruel escravizador desde os faraós do Egito, produziu desesperadamente a mão de obra que necessitavam, arrebanhando povos estrangeiros para uma terra de escravidão em escala jamais conhecida


277 desde os tempos antigos de tirania no reino do Nilo. Jodl, traidor das tradições de sua profissão, levou a Wehrmacht a violar seu próprio código de honra militar para atingir os bárbaros objetivos da política nazista. Von Papen, devoto agente de um regime infiel, segurou o estribo para Hitler saltar sobre a sela, lubrificou a anexação austríaca e devotou no exterior sua esperteza diplomática a serviço dos objetivos nazistas... ―... Se combinarmos apenas as histórias do banco da frente, surge uma ridícula composição pictórica do governo de Hitler. Foi composto por: um nº 2, que não sabia nada dos excessos da Gestapo que ele criou, e que nunca suspeitou do programa de extermínio dos judeus, embora tivesse assinado um grande número de decretos que instituíram as perseguições àquela raça; um nº 3, que era apenas um intermediário inocente, transmitindo as ordens de Hitler sem sequer as ler, como um carteiro ou menino de recado; um ministro do Exterior que pouco conhecia sobre negócios estrangeiros e nada sobre política exterior; um marechal-de-campo que emitia ordens às forças armadas, mas não tinha ideia dos resultados que teriam na prática; um chefe de Segurança que tinha a impressão de que as funções policiais da Gestapo e das SS eram algo como orientar o tráfego; um filósofo do partido interessado na pesquisa histórica, mas não tinha ideia da violência que a sua filosofia incitava em pleno século 20; um governador-geral da Polônia que reinava mas não governava; um gauleiter da Francônia cuja ocupação era espalhar escritos obscenos sobre os judeus, mas não tinha ideia se alguém os lia; um ministro do Interior que nem mesmo sabia o que se passava dentro de seu próprio escritório, muito menos no interior de seu próprio departamento e nada do que se passava no interior da Alemanha; um presidente do Reichsbank que era totalmenter ignorante do que se passava dentro e fora dos cofres de seu banco; e um ministro plenipotenciário para a Economia de Guerra que ―orientava toda a economia para os armamentos, mas não tinha ideia se isso tinha a ver com guerra... ―Se vocês quiserem dizer desses homens que não são culpados seria também verdadeiro dizer que não houve guerra, que não houve assassínio, que não houve crime.‖ Hora do almoço: A reação da maioria dos réus foi de surpresa ofendida por a promotoria ainda os considerar criminosos. Von Papen deixou cair sua máscara de amabilidade em minha presença e criticou o discurso: ―Foi mais um discurso de demagogo do que de um proeminente representante da jurisprudência americana!... Para que tivemos de ficar sentados aqui por oito meses? A promotoria não presta a menor atenção às nossas defesas. Eles ainda insistem em nos chamar de mentirosos e assassinos!‖ Doenitz abandonou suas queixas para com os políticos hipócritas o tempo bastante para concordar francamente com von Papen sobre a questão, já que tambérm tinha sido atacado. Ele e von Papen apoiaram-se mutuamente em sua indignação sobre as acusações de Jackson. Schacht juntou-se à discussão, acrescentando suas próprias reclamações e concordando com os outros dois. ―Suponho que se espera de mim contar a um homem, frente a frente, que eu planejo matá-lo! Aquilo foi um discurso infeliz. Foi de muito baixo niveau (nível).‖ Todos concordaram que a fala foi de muito baixo niveau.


278 Goering reagiu com o sua típica indiferença frente à evidência que feriu seu orgulho, já que o deixou incapaz de fazer qualquer outra coisa sobre isso. ―Eu já esperava isso. Deixe ele me chamar pelos nomes que ele quiser, eu não esperava outra coisa dele.‖ Ele expressou a atitude típica de que ―paus e pedras quebrarão meus ossos, mas nomes não me atingirão‖, sem dizer isso em muitas palavras. Entretanto, ficou malignamente satisfeito com o fato de que seus inimigos também tinham sido agarrados pelo pescoço. ―De qualquer maneira, aqueles que se ajoelharam frente à promotoria e denúnciaram o regime nazista também foram pegos pelo pescoço. Bem feito! Provavelmente pensavam que iria sair barato para eles.‖ Goering insinuou que Speer, von Schirach e Schacht haviam feito um acordo com a promotoria para que as suas sentenças sejam abrandadas em troca de denúnciarem o regime nazista. Eu lhe disse que ele certamente devia saber que aquilo estava fora de questão. ―Bem, se não foi um acordo, então eles pelo menos esperam o abrandamento.‖ Eu lhe disse que estava convencido de que Speer e von Schirach tinham feito suas denúncias em razão da amarga desilusão, e tinham tentado certificar ao povo alemão a culpa de seus líderes. Goering não gostou disso e defendeu sua própria posição em contraste com Schacht: ―Está certo, pelo menos prefiro ser chamado de assassino do que um hipócrita e oportunista como Schacht. Eu me sai melhor do que ele. Agora, o povo dirá dele: ‗De um lado você foi um traidor, e de outro você se mostrou um hipócrita, dá no mesmo‘. Prefiro fazer do meu jeito.‖ Ele continuou resmungando sobre os insultos indignos por parte de Jackson, e disse que a promotoria britânica provavelmente será mais digna. Mas, é claro, todo o julgamento era uma farsa porque a promotoria não tem prestado a mínima atenção às suas defesas. Eu lembrei que a fase de defesa durou seis meses, incluindo as preparações, e que eles ainda teriam a última palavra. Goering riu: ―Infelizmente, não. Os juízes é que terão a última palavra.‖ Então, para antecipar a impressão de que sabia que era culpado, acrescentou apressadamente: ―E os vitoriosos, como eu já lhe disse, têm sempre razão.‖ Streicher também exaltou o fato daqueles que tinham ―ajudado a acusação‖ terem sido pegos também. A caracterização de Jackson de o ―obsceno Streicher‖ etc. não o afetou, e ele começou uma arenga com nova tendência: os recentes tumultos na Palestina o convenceram de que os judeus estavam cheios de espírito guerreiro e coragem, e ele os admirava agora; na verdade, por Deus, ele agora estava pronto a lutar por eles em suas linhas. ―Qualquer um que pode lutar e resistir [balançava os braços, contando no dedos as virtudes dos judeus] e se manter unido, e se manter em seus princípios... para essas pessoas eu só posso ter um grande respeito! Sim, mesmo Hitler, se estivesse vivo agora, admitiria que os judeus são uma raça de coragem. Eu estaria pronto para me juntar a eles e ajudá-los em sua luta! — Não, eu não estou brincando!‖ Jodl e Rosenberg prestavam atenção e olhavam para ele divertidos. ―Absolutamente! Eu não estou brincando! E você sabe por quê? Porque o mundo democrático é muito frágil e não está preparado para existir! Eu alertei sobre eles por 25 anos, mas agora eu vejo que os judeus têm determinação e coragem. Eles ainda vão dominar o mundo, marque as minhas palavras! E eu ficaria feliz em ajudar a levá-los à vitória porque eles são fortes e tenazes, e eu conheço o Judaísmo. Eu tenho coragem também! E posso manter minhas posições! E se os judeus quiserem me aceitar como um deles, eu lutarei por


279 eles porque quando acredito em uma coisa eu sei como lutar!‖. A esta altura, Jodl e Rosenberg morriam de rir. ―Eu estudei eles por tanto tempo que creio que tenha me adaptado às suas características — pelo menos eu poderia liderar um grupo na Palestina. Não estou brincando. Eu lhe dou isso por escrito. Faço uma proposta: deixem-me falar a eles reunidos no Madison Square Garden. Será uma sensação!‖ Eu lhe perguntei como ele achava que os judeus poderiam dominar o mundo quando o regime nazista havia exterminado a maioria dos judeus da Europa. Rosenberg e Jodl pararam de rir. Frick, Kaltenbrunner e Ribbentrop, que estavam escutando a fantástica conversa, de repente desviaram a atenção. ―Ora, eu não acho que tenhamos exterminado tantos quanto se diz‖, respondeu Streicher. ―Eu não acho que foram seis milhões. Imagino que tenham sido talvez quatro milhões. E de acordo com os meus números havia 16 milhões de judeus no mundo — é claro que incluindo os de sangue misturado — mas eles estão espalhados em importantes posições por todo o mundo e estão destinados a governar o mundo, e se eu conhecesse seus planos eu bem que poderia ajudá-los. É claro que terão que me dar uma dispensa após a sentença.‖ Sessão da tarde: Sir Hartley Shawcross iniciou as conclusões pela delegação inglesa. ―Que esses réus participaram e são moralmente culpados de crimes tão aterradores que dá tonturas só de imaginar e se cambaleia à sua contemplação não há a menor dúvida... Grandes cidades, de Coventry a Stalingrado, reduzidas a escombros, os campos destruídos e agora as consequências inevitáveis de uma guerra tão combatida... a fome e as doenças assolando por todo o mundo... milhões de pessoas sem teto, mutiladas, enlutadas. E em suas sepulturas, clamando, não por vingança mas para que não aconteça de novo, dez milhões que poderiam estar vivendo em paz e felizes nesta hora, soldados, marinheiros, pilotos e civis mortos em batalhas que nunca deveriam ter acontecido... Dois terços dos judeus da Europa exterminados... E está o mundo negligenciando o renascimento da escravidão numa escala que envolveu sete milhões de homens, mulheres e crianças tiradas de suas casas, tratadas como bestas, esfomeadas, espancadas e assassinadas?...‖ Sir Hartley fez uma retrospectiva da consolidação do poder pelos nazistas, a agressão, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e denunciou os réus como ―criminosos comuns‖. No fim da sessão, Goering disse para Ribbentrop: ―Veja, é como se nós não tivéssemos feito qualquer defesa.‖ ―Sim, foi uma perda de tempo‖, concordou Ribbentrop. Keitel, de cara fechada, dirigiu-se logo para a porta do elevador para ser o primeiro a descer e sair de vista o mais rápido possível. Cela de Ribbentrop: A cela de Ribbentrop estava mais desarrumada do que o normal. Suas roupas estavam espalhadas por sobre o catre; sua mesa coberta de papéis nos quais rabiscava outra vez suas anotações; livros, roupas e papéis se empilhavam no canto da cela; ele mesmo estava mais desarrumado do que o normal.


280 ―Tsk! tsk! tsk!...Você ouviu Sir Hartley Shawcross?‖, me perguntou depois de algum tempo, como se estivesse com dificudades para tomar uma atitude. ―Comparado a ele, Jackson até que pareceu um camarada encantador esta manhã. Eles dizem coisas tão repugnantes sobre nós... isso não é muito dignificante. Você acha que é dignificante? Eu anotei aqui algumas coisas....‖ Ele pescou entre seus papéis e me leu algumas anotações que havia feito sobre o discurso de Jackson. ―Aqui em algum lugar ele diz que eu fiz uma observação antissemita ao ministro Bonnet. Ora, eu nunca fiz tal coisa porque eu sempre achei que Bonnet era judeu, então obviamente isto estava fora de questão... Aqui ele diz que eu intimidei Schuschnigg. Ora, eu só falei com ele por duas horas naquela vez. Como pode alguém dizer que eu exerci pressão sobre ele?‖ ―Bem, von Papen testemunhou que foi assim que se deu, quando Sir David o reinquiriu, não se lembra?‖ ―Ele fez isso? Bem, talvez Hitler tenha feito. Creio que ele falou muito diretamente a Schuschnigg, mas eu não fiz. Quer dizer, eu só assumo que Hitler o fez. Eu não sei.‖ Ele continuou com seus usuais retalhos de argumentações confusas para se livrar da culpa pela guerra e pela agressão, explicando como os poloneses tinham sido tão insolentes sobre a questão do Corredor Polonês etc. etc. Eu lembrei a ele que tinha ficado provado na Corte que Hitler havia planejado a guerra com antecedência e forjado o incidente da estação de rádio de Gleiwitz para provocar a guerra que tinha planejado contra a Polônia. Ribbentrop me assegurou que não sabia sobre o fato naquela época, e que tinha até citado o incidente de Gleiwitz em seu Livro Branco porque acreditara que fora provocação dos poloneses para a guerra. Quanto à perseguição aos judeus: ―Ninguém usou tanto suas energias tentando dissuadir Hitler para mudar o curso. Eu tive quatro ou cinco confrontos sérios com Hitler sobre essa questão, como eu já lhe disse, não? Mas não havia nada que se pudesse fazer. No início até que se podia, mas já para o fim da guerra nem sequer se podia falar nisso.‖ O grande confronto de Ribbentrop com Hitler sobre alguma coisa trivial em 1940 tinha se desenvolvido, com o passar do tempo, em um grande confronto sobre os judeus, e finalmente se transformou em quatro ou cinco confrontos. Em sua própria fantasia, Ribbentrop está se tornando gradualmente o principal defensor dos judeus no Terceiro Reich, enquanto tendo que trabalhar com um regime que era reconhecidamente antissemita a ponto de chegar ao assassínio em massa. Cela de Goering: Goering me chamou quando em passei por sua cela. ―Eu retiro tudo o que disse no almoço hoje. Comparado a Shawcross, Jackson foi um perfeito cavalheiro.‖ (Isto explica de onde Ribbentrop tirou a ideia.) ―Claro que ele não nos elogia. Você percebeu uma hora em que eu fiquei realmente nervoso? Bem, na hora eu tive de demonstrar isso. — Aquela história sobre os 50 pilotos ingleses. — Provei que eu não estava mesmo lá. Mas em outras vezes que eu não senti firmeza eu não respondi. Você sabe que alguns dos outros estavam contabilizando quantas vezes nós fomos citados no discurso de Jackson? Eu fiquei na frente com 42 citações, e Schacht ficou em um pobre segundo lugar. Mas eu acho que eu me saí melhor do que ele, como eu lhe disse no almoço. Eu já li o resto do discurso de Sir Hartley e com certeza ele


281 vai fazer um inferno com o resto dos outros amanhã pela manhã. Em comparação a eles, eu também vou me sair bem. Ouça amanhã de manhã. ―Você sabe‖, continuou ele, ―quando Jackson perguntou o que teria acontecido se Hitler tivesse que ele próprio se defender aqui, eu deveria ter dito a eles ‗tudo bem‘. Primeiro que tudo, Hitler assumiria toda a responsabilidade porque esse era o jeito dele. Em segundo lugar, eu posso lhe assegurar que uns poucos réus não seriam tão vaidosos se ele estivesse aqui. Eles não poderiam escapar das consequências de sempre estar contra ele. Mas com Himmler o assunto seria diferente. Ele teria sabido que estava acabado e ficaria feliz em levar alguns generais da Wehrmacht para a forca com ele. Ele teria dito: fulano sabia disso, sicrano participou desta atrocidade, e por aí vai.‖ ―Creio que ele teria feito algumas declarações prejudiciais a você também‖, sugeri. Goering sentiu o perigo sobre esta questão e habilmente se esquivou. ―Não sei. Ele nunca teve nada contra mim pessoalmente. Era apenas rivalidade política.‖ Goering riu. ―Mas aqui no banco ele teria ficado satisfeito em me conceder o primeiro lugar. Eu sempre disse, por exemplo, que as primeiras 48 horas após a morte de Hitler seriam as mais perigosas para mim porque Himmler teria tentado me tirar do caminho — um ‗acidente pessoal‘ ou um ‗ataque do coração por causa da morte do querido Führer‘ ou qualquer outra coisa. Ele era bom nessas coisas. Mas, uma vez que a Wehrmacht jurasse se aliar a mim eu estaria salvo — e Himmler teria saído do caminho.‖ Cela de Schacht: Schacht achava que tanto Jackson quanto Shawcross fizeram discursos desprezíveis, tão preconceituosos e injustos. Eles não deram atenção à sua defesa, quando ele provou conclusivamente que era inocente. Eu lhe perguntei se a promotoria não tinha razões em acusá-lo de financiar secretamente o rearmamento. ―Mas eu disse àquele pessoal, não fui eu que fiz. Eu era só presidente do Reichsbank. Se o ministro das Finanças não anunciou isso, foi falha dele. E se ele falhou em pagar as contas quando devidas, foi um crime absoluto! Mas eu nunca fiz nada que pudesse ser considerado imoral!‖ Ele levou a mão inocentemente ao coração. ―Esta é a diferença entre eu e von Papen e von Neurath. Pode-se questioná-los porque permaneceram no regime de Hitler depois que viram o tipo de homem que ele era. Mas não a mim! Eu não aceitei nem um simples posto depois de 1939. Eu lhe afirmo, será uma desgraça eterna para este tribunal e para a justiça internacional se eu não for inocentado!‖ ―Mas você cooperou com Hitler com entusiamo no início.‖ ―Com entusiasmo? De jeito nenhum! Eu lhe disse que só tinha esperança em refreá-lo... Eles podem me acusar de um monte de coisas. Podem até dizer que o brilhante Schacht foi tolo bastante para deixar Hitler enganá-lo. Mas não podem dizer que eu quis a guerra! É uma calúnia dizer que eu me liguei ao partido quando ele estava em ascenção e que o abandonei quando começou a cair. Ora, eu saí quando ele estava nas alturas do sucesso e do poder...‖ ―... porque você soube que eles estavam direcionados para a guerra‖, completei. ―Não, naquela época, janeiro de 1939, eu não tinha razões para pensar em guerra, mas saí por razões morais.‖ ―Que razões morais, se não foi a guerra?‖


282 ―Porque Hitler queria financiar o rearmamento com medidas inflacionárias. Ele queria se apropriar do dinheiro e me fazer imprimi-lo. Isso é absolutamente imoral e eu recusei!‖ Cela de Speer: Speer disse que estava encantado com o libelo, depois de ouvir todos aqueles absurdos estúpidos dos advogados de defesa, cada um tentando fazer seu cliente parecer um coitado desamparado e inocente, e ajudando-o a fugir da responsabilidade perante o povo alemão. Ele sabe que Goering está furioso, dizendo que se não fosse Speer a promotoria não estaria tentando insistir na acusação de conspiração. ―Seu raciocínio é claro. Ele já conseguiu seu bode expiatório para a sentença de morte que ele sabe que merece mais do que os outros. Ele dirá: ‗Olhe, nós podemos culpar Speer por isso‘... qualquer coisa para acobertar sua própria culpa.‖ Ele estava feliz por Jackson ter registrado corretamente a hipocrisia de Goering. Achava que a fala da acusação foi brilhantemente formulada, pondo a culpa exatamente em quem pertence — todos eles. ―Naturalmente, todos eles brigam para salvar os seus pescoços, mas mesmo aqueles advogados idiotas não parecem perceber que eles também têm uma responsabilidade perante o povo alemão. Imagine o advogado de Sauckel tentando justificar o trabalho escravo para salvar o pescoço do seu cliente. Se a Corte concordar com ele, então os aliados estariam justificados em fazer de mão de obra escrava milhões de alemães. Se eles consideram isso um crime, então estão moralmente obrigados a observar esse princípio.‖ 27 de julho Sessão da manhã: Sir Hartley Shawcross continuou a sua fala, voltando aos horrores do extermínio dos judeus, citando Streicher, Frank, von Schirach e Hess. ―O assassínio em massa tornou-se uma indústria com subprodutos...‖ observou Sir Hartley. [Manifestações de intranquilidade e hostilidade surgiram no banco dos réus à medida que os ataques frios, porém impiedosos, de Sir Hartley eram desferidos. Von Papen cobriu o rosto quando Sir Hatley relembrou os fardos de cabelos de mulheres assassinadas; o envio de alianças e obturações de ouro para o Reichsbank. Frank, Goering, Streicher e Rosenberg ocupavam-se em ler a transcrição.] Sir Hartley continuou a ler a descrição de uma testemunha da execução em massa por um dos ‗Comandos de Ação‘ de Himmler. ―Sem gritos nem lágrimas essas pessoas, nuas, reuniram-se em grupos familiares, beijaram-se, deram-se adeus e aguardaram por um sinal de outro guarda SS, que ficou perto do buraco também com um chicote na mão. Durante os quinze minutos que fiquei por perto não ouvi queixas ou súplicas por compaixão. Observei uma família de cerca de oito pessoas, um homem e uma mulher, ambos ao redor dos 50 anos, com seus filhos, entre 8 e 24 anos. Uma senhora de cabelos brancos segurava uma criança de um ano nos braços, cantava para ela e lhe fazia cócegas. A criança arrulhava com prazer. Um casal olhava com lágimas nos olhos. O pai segurava a mão de um menino de cerca de 10 anos e lhe falava suavemente; o garoto lutava com suas lágrimas. O pai apontou o céu, tocou sua cabeça e lhe explicou alguma coisa. Nesse momento, o homem das SS no buraco gritou alguma coisa para seu companheiro. Este último separou vinte pessoas e instruiu-as a irem para detrás de um monte de terra. Entre eles estava a família que eu mencionei acima. Lembro bem de uma


283 garota, magra e de cabelos pretos, que, ao passar perto de mim, apontou-se e disse ‗23‘. Eu andei ao redor do monte e me defrontei com uma enorme cova. As pessoas estavam empilhadas umas sobre as outras e somente as cabeças aparecia. O sangue das cabeças escorria para seus ombros. Algumas ainda se mexiam. Algumas levantavam os braços e viravam a cabeça para mostrar que ainda estavam vivas. A cova já estava dois terços cheia. Estimei que ali já estivessem uma mil pessoas. Eu olhei para o homem que fazia os disparos. Era um guarda das SS, sentado na beira do buraco, seus pés balançando para dentro. Ele segurava uma ‗tommy gun‘ (metralhadora Thompson – NT) nos joelhos e fumava um cigarro. As pessoas, completamente nuas, desciam alguns degraus cortados na parede de barro e trepavam sobre as cabeças dos outros que lá jaziam, indo para o lugar indicado pelo homem das SS. Deitavamse em frente aos mortos e feridos; alguns cuidavam dos que ainda estavam vivos e falavam com eles em voz baixa. Então eu ouvi uma série de tiros. Olhei para dentro do buraco e vi que alguns corpos ainda se agitavam ou cabeças imóveis arriadas por cima dos corpos que caíram antes deles. O sangue escorria de seus pescoços.‖ [Kaltenbrunner permanecia inexpressivo. Sauckel esfregava a testa. Fritzsche, pálido, mordia os lábios. Goering segurava a cabeça com as mãos, parecia cansado, e então se mexeu com dificuldade no banco e mudou de posição. Von Schirach cerrava as sobrancelhas sem se mexer. Frank e Rosenberg liam a transcrição. Frick estava de cara fechada até seu nome ser mencionado com relação aos assassinatos por eutanásia de doentes, velhos e loucos; ele corou e abaixou a cabeça.] ―Que especial dispensa da Providência manteve estes homens ignorantes dessas coisas?‖, questionou Sir Hartley. Ele citou Goethe ao dizer que algum dia o Destino se abateria sobre o povo alemão porque ―eles se submetem ingenuamente a qualquer canalha louco que apela para seus mais baixos instintos, que os apóia em seus vícios e os ensina a conceber nacionalismo como isolamento e brutalidade.‖ ―Com que voz de profecia ele falou,‖ acrescentou Sir Hartley, ―sobre estes canalhas loucos que fizerem essas coisas!‖ [Frank praguejou em voz alta contra ―aquele maldito inglês.‖ Rosenberg resmungava e Frick também preguejava em voz baixa.] ―Que importa isso se alguns foram privados de suas vidas só um milhar de vezes enquanto outros mereceram um milhão de mortes?... A própria Humanidade, lutando agora para restabelecer em todos os países do mundo as coisas simples mais comuns — liberdade, amor, compreensão —, vem a esta Corte e brada: ‗Estas são as nossas leis, deixem-nas prevalecer!‘... Vocês se lembrarão, quando forem dar a sua decisão, da história [da execução em massa] e não da vingança, numa determinação de que essas coisas não venham a ocorrer de novo. O pai — vocês se lembram — apontou para o céu e pareceu dizer algo a seu filho.‖

Fim do diário do julgamento


284 EPÍLOGO Apêndices Epilogo — Os condenados O julgamento continuou por mais um mês enquanto representantes das organizações nazistas indiciadas(*) culpavam umas às outras pelas atrocidades e pelos crimes de guerra. Então, em 31 de agosto de 1946, o último dia do tribunal, os vinte e um réus fizeram suas alegações finais. Goering renunciou a Hitler e fez um grandioso protesto sobre sua própria inocência, invocando Deus e o povo alemão como testemunhas para o fato de que tinha agido por puro patriotismo. Essa hipocrisia enfureceu tanto von Papen que, durante o almoço, ele se aproximou de Goering e o atacou, questionando-o furiosamente: ―Quem no mundo é responsável por toda essa destruição se não você! Você era o segundo homem no Estado! Ninguém é responsável por nada disso?‖, disse ele, agitando os braços em direção às ruínas de Nuremberg visíveis pelas janelas do refeitório. Goering segurou os braços de von Papen e deu um sorriso forçado junto ao seu rosto: ―Por que você então não assume a responsabilidade? Você era vicechanceler!‖ ―Eu estou assumindo a minha parte da responsabilidade!‖, gruniu von Papen, com o rosto vermelho. ―E quanto a você? Você não admite a menor responsabilidade por nada! Tudo o que faz são discursos bombásticos! Isso é uma vergonha!‖ Goering riu da fúria do ancião. A maioria dos outros réus reconhecia que tinham sido cometidos crimes terríveis, mas alegaram que tinha agido de boa fé de acordo com os parâmetros de suas respectivas posições e profissões. Os generais só tinham seguido ordens; os almirantes não fizeram nada mais do que outros almirantes; os políticos tinham só trabalhado para a pátria; os financistas só cuidaram dos negócios. Rosenberg reconheceu que genocídio (extermínio racial e cultural) era crime, mas protestou dizendo que nunca sonhara com as consequências de sua filosofia de segregação forçada. Frank admitiu que os nazistas nunca perceberam as consequências funestas de se virar contra Deus. Speer deixou de lado sua defesa para alertar o mundo sobre a destruição que poderemos esperar com uma futura guerra: foguetes com rádio-controle, aviões voando em velocidades supersônicas e bombas atômicas destruindo tudo o que atinge; armas químicas e bacteriológicas, extinguido toda a vida que restar. Hess subitamente recobrou sua memória através de uma névoa de perambulações paranóicas em sua fala final (a terceira recuperação) e então isolou-se em constrangido silêncio em sua cela. Enquanto os réus aguardavam os vereditos, uma tensa depressão caiu sobre a prisão, a despeito de se relaxar as regras para permitir visitas de suas esposas e entre eles mesmos.


285 (*) Um julgamento declaratório tinha sido solicitado para declarar sete organizações nazistas como criminosas por natureza: Gestapo, SD, SS, Gabinete do Reich, Corpo das Lideranças Políticas, Estado Maior e OKW (Wehrmacht) e Tropas de Assalto. Dessas, as três primeiras foram declaradas criminosas, assim nenhum membro pode ser punido sem passar por julgamento (NA). Goering reconheceu a derrota no front psicológico: ―Vocês não precisam mais se preocupar com a lenda de Hitler,‖ disse ele, desanimado. ―Quando o povo tomar conhecimento de tudo o que foi revelado nesse julgamento não será necessário condená-lo; ele condenou a si próprio.‖ Com o dia da sentença se aproximando, ele se tornava cada vez mais nervoso e lhe era mais difícil sorrir. Keitel estava deprimido e sabia perfeitamente de sua desgraça. Recusou ver sua mulher ―porque eu não poderia encará-la.‖ Sauckel, Rosenberg, Fritzsche e Funk vagueavam por suas celas ou quedavam-se deitados nos catres com os olhos fixos no teto. Raeder repetia que não tinha ilusões de se sair dessa com menos do que a sentença de morte, e até a preferia à prisão perpétua. Schacht, o único confiante, era interrogado por informações sobre industriais alemães a serem indiciados no próximo julgamento. Ele zombava por isso: ―Se vocês quiserem indiciar industriais que ajudaram a rearmar a Alemanha, terão que indiciar os seus próprios também. A fábrica Opel, por exemplo, que não fazia nada além da produção de guerra, era de propriedade da General Motors. — Não, esse não é o jeito de se tratar isso. Vocês não podem indiciar industriais.‖ Ribbentrop estava quase patético em sua repetição confusa de velhas argumentações e mentiras, e o pálido medo da morte já lhe descia sobre o rosto emaciado. No dia anterior ao do veredito, ele sugeriu que iria escrever um livro, talvez até uma série de volumes, sobre os erros do regime nazista, se nós lhe dermos tempo bastante. Ele foi tão longe que até me sugeriu que eu poderia fazer um gesto histórico intercedendo para pedir clemência para os réus, e então ele poderia escrever suas memórias. Finalmente, em 30 de setembro e 1º de outubro, o Tribunal anunciou o seu veredito e leu o seu julgamento para cada um dos 21 réus: Schacht, von Papen e Fritzsche foram considerados inocentes. Todos os outros foram considerados culpados de uma ou mais acusações constantes do indiciamento (Ver julgamento). As últimas notas do Diário são as que seguem: 1º de outubro de 1946 (À tarde na prisão) Enquanto os culpados se preparavam para ser chamados a ouvir suas sentenças individuais, conversei com os réus absolvidos, Schacht, von Papen e Fritzsche, quando estavam arrumando suas coisas e se mudando para celas na terceira ala. Fritzsche estava muito nervoso e conformado, pareceu perder o equilíbrio e quase caiu como se estivesse tendo uma vertigem: ―Estou completamente estupefato‖, sussurou ele, ―por ser libertado logo aqui e não ser enviado de volta para a Rússia. É mais do que eu esperava.‖ Ele estava feliz por a Corte ter percebido que, ao contrário de Streicher, ele não tinha incitado o ódio.


286 Von Papen estava exaltado e obviamente muito surpreso: ―Eu tinha esperanças disso, mas na verdade não esperava.‖ Então, com um gesto de compaixão para com von Neurath, ele pegou de seu bolso uma laranja que havia sobrado do almoço e me pediu para entregar a ele. Fritzsche me pediu para entregar a dele para von Schirach. Schacht chupou a dele. Então, os condenados desceram, um a um, após ouvirem as suas sentenças. Era meu dever encontrá-los em suas celas quando retornassem. Perguntei a cada um qual fora a sua sentença. Goering chegou primeiro e caminhou apressadamente pela cela, com a face pálida e fechada, os olhos esgazeados. ―Morte!‖, disse caindo no catre e pegando um livro. Suas mãos tremiam apesar da tentativa de parecer indiferente. Os olhos estavam úmidos e ele ofegava, lutando contra um colapso emocional. Com a voz insegura, pediu-me para lhe deixar sozinho por um tempo. Hess pavoneou-se, rindo nervosamente, e disse que não estava ouvindo, então não sabia qual fora a sua sentença — e que não estava interessado. Quando o guarda abriu suas algemas, ele perguntou por que fora algemado e Goering não. Eu respondi que provavelmente fora um equívoco por Goering ter sido o primeiro. Hess riu de novo e disse enigmaticamente que sabia por quê. (Um guarda me contou que Hess tinha pegado prisão perpétua.) Ribbentrop vagava, perplexo, e começou a andar ao redor da cela, aturdido, sussurando: ―Morte! — Morte! Agora não posso escrever minhas memórias. Tsk. tsk... tanto ódio!... tsk. tsk.‖ Então, ele sentou, completamente derrotado, com os olhos perdidos no espaço... Keitel já estava em sua cela, de costas para a porta, quando eu entrei. Ele se virou e se posicionou no fundo da cela, os punhos crispados, os braços rígidos, o horror nos olhos. ―Morte... por enforcamento!‖, anunciou, com a voz rouca de grande vergonha. ―Veja, pelo menos eu esperava ser poupado. Eu não o culpo por se sentar distante de um homem sentenciado à morte pelo enforcamento. Entendo perfeitamente. Mas sou o mesmo de sempre. Se você me fizer só o favor de... vir me visitar às vezes nesses últimos dias...‖ Eu disse que viria. O aperto de mão de Kaltenbrunner expressava o medo que não demonstrava em seu rosto impassível. ―Morte!‖, sussurrou, e não conseguiu dizer mais nada. Frank sorriu polidamente, mas não me olhou. ―Morte por enforcamento‖, disse baixo, balançando a cabeça confirmando. ―Eu mereci isso e esperava por isso, como já lhe disse. Estou feliz por ter tido a chance de me defender e de refletir sobre muita coisa nesses últimos poucos meses.‖ Rosenberg ironizou, agitado, enquanto vestia o macacão de presidiário: ―A corda! A corda! Era o que você queria, não era?‖ Streicher deu um sorriso torto: ―Morte, é claro. Era o que eu esperava. Vocês já deviam saber há muito tempo.‖ Funk olhava o guarda abrir suas algemas com um sorriso tolo e desconcertado. Então caminhou pela cela com a cabeça arriada, resmungando, como se não estivesse entendendo nada. ―Prisão perpétua! O que isso significa? Eles não vão me manter na prisão por toda a minha vida, vão?‖ Então rosnou que não estava surpreso pela absolvição de Fritzsche, mas sim pelo fato de terem deixado Schacht e von Papen de fora — muito surpreso.


287 Doenitz não sabia como aceitar sua pena: ―Dez anos! Bem, de qualquer maneira eu justifiquei a guerra de submarinos. Seu próprio almirante Nimitz disse, você ouviu.‖ Ele disse que tinha certeza de que seu colega almirante Nimitz o entendera perfeitamente. Quando Raeder chegou ao bloco das celas, ele perguntou ao guarda no portão, com a voz firme, em desesperada tentativa de aparentar descontração, se eles iriam ter a caminhada naquela tarde. Ele foi mancando até a sua cela e, quando me aproximei, deu a entender que não queria conversar. Eu não entrei na cela, mas lhe perguntei através da portinhola qual fora a sua sentença: ―Não sei, esqueci‖, respondeu, me dispensando. (O guarda me contou que ele tinha pegado prisão perpétua.) O rosto de von Schirach estava sério e tenso quando marchava para a sua cela, com a cabeça erguida. ―Vinte‖, disse ele, enquanto o guarda tirava suas algemas. Eu lhe disse que sua esposa ficaria aliviada ao saber que ele não tinha pegado a pena de morte, como ela temia. ―Melhor uma morte rápida do que uma lenta‖, respondeu. Ele quis saber sobre as demais sentenças e pareceu concordar que cada um recebeu o que ele tinha imaginado. Sauckel suava e tremia todo quando eu entrei em sua cela. ―Eu fui sentenciado à morte!‖, explodiu. ―Não considero justa a sentença. Eu nunca fui cruel. Eu sempre quis o melhor para os trabalhadores. Mas eu sou um homem e posso suportar isso.‖. Então, começou a chorar. Jodl marchou para sua cela, rígido e aprumado, evitando o meu olhar. Após lhe serem tiradas as algemas e me encarado, ele hesitou por alguns segundos, como se não conseguisse encontrar palavras. Seu rosto estava vermelho com a pressão vascular. ―Morte — por enforcamento! — Isto, pelo menos, eu não merecia. A morte, tudo bem, alguém tinha que assumir a responsabilidade. Mas isto (por enforcamento)...‖ Sua boca tremeu e sua voz sufocou pela primeira vez. ―Isto eu não merecia.‖ Seyss-Inquart sorriu, mas a aspereza de sua voz camuflava a despreocupação das palavras. ―Morte por enforcamento.‖ Sorriu de novo e encolheu os ombros. ―Bem, em vista de toda a situação, eu não esperava coisa diferente. Está tudo bem.‖ Ele perguntou se ainda conseguiria tabaco, então desculpou-se por ser tão trivial naquela hora. Speer ria nervosamente. ―Vinte anos. Bem, é bastante justo. Eles não poderiam me dar uma sentença mais leve, considerando os fatos, e não posso me queixar. Eu disse que as sentenças deviam ser severas e admiti a minha parte na culpa, então seria ridículo se eu me queixasse da pena. E estou feliz por Fritzsche ter sido absolvido.‖ Von Neurath gaguejou: ―Quinze anos.‖ Ele mal podia falar, mas ficou tocado pela laranja de von Papen. Frick deu de ombros, duro até o fim. ―Enforcamento. Eu não esperava coisa diferente.‖ Perguntou sobre os outros e eu lhe contei que houve onze sentenças de morte, incluindo a sua. ―Então, onze sentenças de morte. Eu imaginava quatorze. Bem, espero que eles acabem logo com isso.‖ Quando Goering se recuperou o bastante para conversar, disse que naturalmente tinha esperado a pena de morte, e que estava feliz por não ter pegado prisão perpétua porque aqueles que são assim sentenciados nunca se tornam mártires. Porém, não havia em sua voz nenhuma daquelas suas antigas bravatas confiantes. Goering parecia entender, finalmente, que não havia nada de divertido na morte quando se é um dos que vão morrer.


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Os três réus absolvidos acharam dificuldades em gozar suas liberdades. Logo que suas absolvições foram anunciadas, a administração civil alemã declarou sua intenção de prendê-los por traição ao povo alemão. Um cordão de isolamento da polícia de Nuremberg foi colocado ao redor do Palácio da Justiça para pegá-los quando saíssem. Por três dias e três noites eles permaneceram na prisão a seus próprios pedidos, com medo de enfrentar seu próprio povo. Von Papen declarou: ―Sou um animal caçado e eles nunca me deixarão em paz!‖. Em desespero, Fritzsche me pediu uma pistola, dizendo que não poderia aguentar aquela tortura por muito tempo. Finalmente, Fritzsche e Schacht se aventuraram em sair da prisão na calada da noite. Foram presos, soltos e presos de novo. Von Papen continuou aguardando a sua vez. Quando Frank soube de tudo isso em sua cela no corredor da morte, fez uma pausa em suas meditações para rir histericamente. ―Hahaha! Eles pensavam que estavam livres! Eles não sabem, não há liberdade para o hitlerismo! Só nós estamos livres disso! Nós conseguimos o melhor acordo. Hahaha!...‖ Goering, porém, não ria mais. Ficava deitado no catre completamente— abatido e vazio. Em nossas conversas, ele ainda fazia brincadeiras bobas sobre a ideia da lenda de herói, como uma criança que segurava os restos de um balão que tinha queimado em suas mãos. Poucos dias depois do veredito, ele me perguntou de novo sobre os testes psicológicos que tinham revelado a sua personalidade — especialmente aquele das manchas de tinta — como se aquilo estivesse lhe perturbando todo o tempo. Desta vez eu contei para ele. ―Francamente, eles mostraram que, enquanto você mantinha uma mente ativa e agressiva, lhe faltava coragem para enfrentar a responsabilidade. Você se traiu com um pequeno gesto no teste das manchas de tinta.‖ Goering me encarou apreensivamente. ―Você se lembra do cartão com a mancha vermelha? Bem, os neuróticos mórbidos sempre hesitam com este cartão e então dizem que há sangue nele. Você hesitou, mas você não o chamou de sangue. Você tentou dar um piparote nele com seu dedo, como se pensasse que poderia limpar o sangue com um pequeno gesto. Você esteve fazendo a mesma coisa ao longo de todo o julgamento — tirando os fones dos ouvidos na sala da Corte toda vez que a evidência de sua culpa se tornava insuportável. E você fez a mesma coisa durante a guerra, também, drogando as atrocidades para fora de sua mente. Você não teve coragem de encará-las. Esta é a sua culpa. Eu concordo com Speer. Você é um covarde moral.‖ Goering me encarou e ficou em silêncio por um tempo. Então ele disse que os testes psicológicos não eram significativos e que ele não dava um tostão pelo que aquele falso, Speer, disse. Poucos dias depois ele me disse que havia entregue a seu advogado, Dr. Stahmer, uma declaração de que qualquer coisa que o psicólogo ou qualquer outra pessoa na prisão tenha dito naquela ocasião era irrelevante e prejudicial... Aquilo o atingira fundo. Na noite que antecedeu às execuções, Goering pediu ao capelão os rituais da Última Ceia e as bênçãos da Igreja Luterana. O capelão Gerecke, percebendo um novo gesto teatral, recusou a lhe dar a comunhão, dizendo-lhe que, desde que ele nunca mostrara o menor sinal de arrependimento, ele não poderia fingir um espetáculo para quem na verdade aquilo não significava nada. Na noite seguinte, quando Goering demonstrou que pretendera zombar da


289 Última Ceia ao cometer suicídio logo após, o capelão percebeu o quanto estava certo. Eu também. Goering morreu como tinha vivido, um psicopata tentando zombar de todos os valores humanos e desviar a atenção de sua culpa com um gesto dramático. Na noite de 14 para 15 de outubro, Goering se juntou a Hitler, Himmler, Goebbels e Ley ao escolher o suicídio. Os outros dez condenados foram executados conforme prescrito pelo Tribunal. O dia seguinte à morte dos últimos líderes nazistas, eu perguntei a um dos advogados alemães o que o povo pensava sobre este fim do Terceiro Reich. Ele pensou um pouco, ele disse: ―Para lhe dizer a verdade, eles pensam o que você queira que eles pensem. Se eles sabem que você ainda é pró-nazista, eles dizem: ‗Não é vergonhoso o modo que nossos conquistadores estão se vingando de nossos líderes? Aguardem!‘ Se eles sabem que você despreza o nazismo, a miséria e a destruição que trouxeram à Alemanha, eles dizem: ‗Bem feito para aqueles porcos sujos! A morte é boa demais para eles!‘ Veja, Herr Doktor, temo que doze anos de hitlerismo tenham destruído a fibra moral do nosso povo.‖

Apêndice I – O Julgamento Extratos dos julgamentos individuais dos réus As quatro acusações do indiciamento foram: 1 — Conspiração para cometer crimes constantes nas outras acusações; 2 — Crimes contra a paz; 3 — Crimes de guerra; 4 — Crimes contra a humanidade. (NB. Nem todos os réus foram indiciados em todas as acusações.) GOERING: ―A partir do momento em que ele entrou no partido em 1922 e assumiu o comando da SA, organização de briga de rua, Goering passou a ser o consultor, o agente ativo de Hitler e um dos principais líderes do movimento nazista. Como delegado político de Hitler, ele foi um instrumento amplamente utilizado para levar os nacionais socialistas ao poder em 1933, foi encarregado da consolidação desse poder e expandiu o poderio armado da Alemanha. Desenvolveu a Gestapo e criou os primeiros campos de concentração, cedendo-os depois a Himmler em 1934; conduziu o expurgo de Roehm naquele ano e engendrou os procedimentos sórdidos que resultaram na remoção de von Blomberg e de von Fritsch do Exército... Na anexação da Áustria ele foi, sem dúvida, a figura central, o líder verdadeiro... Na noite anterior à invasão da Tchecoslováquia e da anexação da Boêmia e da Morávia, em uma reunião com Hitler e o presidente Hacha, ele ameaçou bombardear Praga se Hacha não se submetesse... Ele comandou a Luftwaffe no ataque à Polônia e nas guerras de agressão que se seguiram... Aos registros é acrescentada a admissão de cumplicidade no uso do trabalho escravo... Ele fez planos para a espoliação do território soviético muito antes da guerra contra a União Soviética...


290 ―Goering perseguiu os judeus, particularmente após os tumultos de novembro de 1938, e não só na Alemanha, onde ele cobrou a multa de um bilhão de marcos, mas também em outros lugares como os territórios conquistados. Suas próprias declarações, naquela época e em seu depoimento, mostram que seu interesse era primordialmente econômico — como tomar seus bens e como forçá-los a sair da vida econômica da Europa... Embora seu extermínio estivesse nas mãos de Himmler, Goering estava longe de ser desinteressado ou omisso, apesar de seus protestos no banco das testemunhas... Não há nada que possa ser dito para atenuar... Sua culpa é única em sua enormidade. Os registros não revelam desculpas para este homem.‖ Veredito: CULPADO em todas as quatro acusações Sentença: Morte por enforcamento HESS: ―... Como delegado do Führer, Hess era o principal homem do Partido Nazista, com responsabilidade de cuidar de todos os assuntos partidários e autoridade para tomar decisões em nome de Hitler em todas as questões de liderança do partido... Hess foi um participante informado e condescendente na agressão da Alemanha contra a Áustria, Tchecoslováquia e Polônia... Em 27 de setembro de 1938, na época da crise de Munique, ele organizou com Keitel a execução das instruções de Hitlert para tornar a máquina do Partido Nazista disponível para uma mobilização secreta... Em seu voo para a Inglaterra ele levou algumas propostas de paz as quais ele alegava que Hitler estava preparado para aceitar. É significante notar que esse voo aconteceu somente dez dias após a data que Hitler havia fixado para atacar a União Soviética... ―Conforme indicado anteriormente, o Tribunal achou, após um exame médico completo das condições deste réu, que ele poderia ser julgado sem qualquer adiamento de seu caso. Desde aquela época, outras moções foram apresentadas no sentido de que ele deveria ser examinado outra vez. Essas o Tribunal negou, após receber um relatório do psicólogo da prisão. Que Hess age de maneira anormal, sofre perda de memória e sua mente tem deteriorado durante o julgamento, pode ser verdade. Mas não há nada que demonstre que não possa perceber a natureza das acusações contra ele ou que seja incapaz de se defender. Ele foi devidamente representado no julgamento por seu advogado, indicado com esse propósito pelo Tribunal. Não há nenhuma sugestão de que Hess não estivesse completamente são quando os atos de que foi acusado foram cometidos. Veredito: CULPADO nas acusações 1 e 2 Sentença: Prisão perpétua RIBBENTROP: ―Ribbentrop não estava presente na Conferência Hoszbach, em 5 de novembro de 1937, mas em 2 de janeiro de 1938, quando era embaixador na Inglaterra, enviou um memorando a Hitler dando a sua opinião de que uma mudança no status quo no Leste, no entendimento da Alemanha, só poderia ser conseguida pela força e sugerindo métodos para impedir a Inglaterra e a França de intervirem em uma guerra européia desencadeada para realizar tal mudança... Ribbentrop participou dos planos de agressão contra a Tchecoslováquia. Desde março de 1938, ele manteve contatos com o Partido Alemão dos Sudetos e lhe passou instruções que tinham o efeito de manter a questão dos Sudetos alemães um caso vivo que servisse de justificativa para o


291 ataque que a Alemanha tinha planejado contra a Tchecoslováquia... Após o Pacto de Munique, ele continuou a promover pressões diplomáticas com o objetivo de ocupar o restante da Tchecoslováquia... ―Ribbentrop desempenhou um papel particularmente significativo na atividade diplomática que levou ao ataque à Polônia. Ele participou de uma conferência realizada em 12 de agosto de 1939, com o objetivo de obter o apoio italiano se o ataque levasse a uma guerra européia generalizada. Ribbentrop discutiu as exigências alemães a respeito de Danzig e do Corredor Polonês com o embaixador inglês no período entre 25 e 30 de agosto de 1939, quando ele sabia que os planos alemães para atacar a Polônia tinham sido temporariamente adiados, na tentativa de induzir a Inglaterra a retirar suas garantias aos poloneses... ―Ele desempenhou importante papel na ‗solução final‘ de Hitler para a questão dos judeus. Em setembro de 1942, ele ordenou aos representantes diplomáticos designados para vários territórios satélites que apressasem a deportação dos judeus para o Leste... Ribbentrop participou de todas as agressões nazistas desde a ocupação da Áustria até a invasão da União Soviética... Foi em razão de coincidirem a política e os planos de Hitler com as suas próprias ideias que Ribbentrop serviu ao Führer tão prontamente até o fim. Veredito: CULPADO em todas as quatro acusações Sentença: Morte por enforcamento KEITEL: ―... Keitel estava presente em 23 de maio de 1939 quando Hitler anunciou sua decisão de ‗atacar a Polônia na primeira oportunidade conveniente‘. Ele já havia assinado, em 1º de maio, a directiva exigindo que a Wehrmacht submetesse ao seu Estado Maior a tabela de horários do Fall Weiss (operação Outono Branco) para o ataque à Polônia... Hitler havia dito, em 23 de maio de 1939, que ele ignoraria a neutralidade da Bélgica e da Holanda, e Keitel assinou ordens para os ataques em 15 de outubro, 20 e 28 de novembro de 1939... Keitel testemunhou que ele se opôs à invasão da União Soviética por razões militares, e também porque iria se constituir em uma violação ao Pacto de Não-Agressão. Todavia, ele iniciou a ‗Operação Barba Ruiva‘ (para a invasão da Rússia) assinada por Hitler em 18 de dezembro de 1940 e participou da reunião do Estado Maior da Wehrmacht com Hitler em 3 de janeiro de 1941... Em 4 de agosto de 1943, Keitel emitiu uma diretiva transferindo paraquedistas para a SD. Em 16 de setembro de 1941, Keitel ordenou que, em caso de ataques a soldados no Leste, deveriam ser mortos de 50 a 100 comunistas por cada soldado alemão, com o comentário de que a vida humana valia menos do que nada no Leste... Não há o que atenuar. Ordens superiores, mesmo para um soldado, não podem ser consideradas como atenuantes onde crimes chocantes e praticados extensivamente tenham sido cometidos conscientemente, cruelmente.‖ Veredito: CULPADO nas quatro acusações Sentença: Morte por enforcamento KALTENBRUNNER: ―... Quando se tornou chefe da Polícia Secreta e da SD e cabeça da RSHA em 30 de janeiro de 1943, Kaltenbrunner assumiu uma organização que incluia os escritórios principais da Gestapo, da SD e da Polícia Criminal... Durante o período em que Kaltenbrunner foi chefe da RSHA,


292 engajou-se em um amplo programa de Crimes de Guerra e Crimes Contra a Humanidade. Esses crimes incluíam maus tratos e assassinatos de prisioneiros de guerra. Judeus, comunistas e outros que achavam ser ideologicamente hostis ao regime nazista eram entregues à RSHA, que os transferia aos campos de concentração onde eram assassinados... A ordem para a execução de tropas de comando foi ampliada pela Gestapo para incluir paraquedistas enquanto Kaltenbrunner foi chefe da RSHA. Uma ordem assinada por Kaltenbrunner instruía a polícia a não interferir em ataques a pilotos aliados em fuga... ―A RSHA teve uma participação dominante na ‗solução final‘ da questão judia com o extermínio dos judeus. Uma seção especial subordinada ao Departamento IV da RSHA foi criada para supervisionar esse programa. Sob a direção dela, aproximadamente seis milhões de judeus foram assassinados, dos quais dois milhões foram mortos pelos Einsatzgruppen (Grupos de Operação) e por outras unidades da Polícia Secreta. Kaltenbrunner tinha sido informado das atividades desses Einsatzgruppen quando era alto oficial das SS e chefe da Polícia, e eles continuaram a funcionar após ele se tornar Chefe da RSHA. O assassinato de aproximadamente quatro milhões de judeus em campos de concentração... foi também sob a supervisão da RSHA quando Kaltenbrunner era chefe da organização...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 3 e 4 Sentença: Morte por enforcamento ROSENBERG: ―... Conhecido como ideólogo do partido, ele desenvolveu e divulgou as doutrinas nazistas nos jornais Völkischer Beobachter e NS Monatshefte, que ele editava, e nos numerosos livros que escreveu... Como chefe da APA, Rosenberg estava encarregado de uma organização cujos agentes agiam em intrigas nazistas em todas as partes de mundo. Seus próprios relatórios, por exemplo, reivindicavam que a APA era amplamente responsável pela união da Romênia ao Eixo. Como chefe da APA, desempenhou importante papel na preparação e planejamento do ataque à Noruega. ―Rosenberg tem a maior responsabilidade pela formulação e execução das políticas de ocupação nos Territórios Ocupados do Leste. Ele foi informado por Hitler, em 2 de abril de 1941, do imediato ataque contra a União Soviética, e ele concordou em ajudar na qualidade de ‗conselheiro político‘... Em 17 de julho de 1941, Hitler nomeou Rosenberg ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste, e publicamente o encarregou da responsabilidade pela administração civil... Ele ajudou na formulação das políticas de germanização, exploração, trabalhos forçados, extermínio dos judeus e opositores da autoridade nazista, e montou uma administração para realizá-los... Rosenberg teve conhecimento do brutal tratamento e do terror aos quais os povos do Leste foram submetidos. Ele manobrou para que as leis da Convenção de Haia sobre Guerra Terrestre não fossem aplicáveis nos Territórios Ocupados do Leste. Ele teve conhecimento e tomou parte ativa no despojamento de matérias primas e gêneros alimentícios dos Territórios Ocupados do Leste, que foram enviados para a Alemanha. Ele estabeleceu que alimentar o povo alemão vinha em primeiro lugar na lista de exigências ao Leste europeu, e por causa disso o povo soviético sofreria. Suas diretivas, enfim, propiciaram a segregação dos judeus nos guetos. Seus subordinados participaram dos assassinatos em


293 massa dos judeus, e seus administradores civis consideraram que era necessário limpar os Territórios Ocupados do Leste de judeus... Ele estabeleceu para seus administradores civis quotas de trabalhadores para serem enviados ao Reich, e que tinham que ser encontrados por quaisquer meios necessários. Sua assinatura de aprovação aparece na ordem de 14 de junho de 1941 para o Heu Aktion, programa de sequestro de 40 mil a 50 mil crianças, com idades entre 10 e 14 anos, para serem embarcadas para o Reich...‖ Veredito: CULPADO em todas as quatro acusações Sentença: Morte por enforcamento FRANK: ―...Frank foi nomeado oficial-chefe da Administração Civil para o território ocupado polonês e, em 12 de outubro de 1939, foi feito governadorgeral da Polônia. Em 3 de outubro de 1939 ele descreveu a política que pretendia implantar ao declarar: ‗A Polônia deve ser tratada como colônia; os poloneses se tornarão escravos do Grande Império Mundial Germânico‘. A evidência estabelece que essa política de ocupação foi baseada na completa destruição da Polônia como entidade nacional, e na impiedosa exploração de seus recursos humanos e econômicos em prol dos esforços de guerra da Alemanha.... Frank foi um participante condescendente e conhecedor do uso do terrorismo na Polônia; da exploração econômica da Polônia de uma maneira que levou à morte por fome uma grande quantidade de pessoas; da deportação para a Alemanha, como trabalhadores escravos, de cerca de um milhão de poloneses; e do programa envolvendo o assassinato de pelo menos três milhões de judeus.‖ Veredito: CULPADO nas acusações 3 e 4 Sentença: Morte por enforcamento FRICK: ―... Ávido nazista, Frick foi amplamente responsável por trazer a Alemanha sob completo controle do NSDAP(*)... As inúmeras leis que ele concebeu, assinou e administrou aboliram todos os partidos de oposição e preparou o caminho para a Gestapo e seus campos de concentração para extinguir todas as oposições individuais. Foi amplamente responsável pela legislação que suprimiu os sindicatos, a Igreja, os judeus. Ele executou essa tarefa com eficiência cruel... Sempre fanático antissemita, Frick concebeu, assinou e administrou muitas leis destinadas a eliminar os judeus da vida e da economia alemãs. Seu trabalho formou a base das Leis de Nuremberg, e foi ativo em fazê-las cumpridas... Ele teve conhecimento de que pessoas insanas, doentes e idosas, ‗comedores inúteis‘, estavam sistematicamente sendo mortas. Queixas sobre esses assassinatos chegaram a ele, mas ele nada fez para que parassem...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 2, 3 e 4 Sentença: Morte por enforcamento

(*)Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou Partido Nazista (NT).


294 STREICHER: ―... Por seus 25 anos de ódio aos judeus falado, escrito e pregado, Streicher era notoriamente conhecido como ‗Perseguidor de Judeus Número 1‘. Em seus discursos e artigos, semana após semana, mês após mês, ele infectou a mente alemã com o vírus do antissemitismo e incitou o povo alemão à perseguição ativa... Streicher ordenou o boicote aos judeus em 1º de abril de 1933. Defendeu as Leis de Nuremberg de 1935. Foi responsável pela demolição da sinagoga em Nuremberg, em 10 de agosto de 1938. E em 10 de novembro de 1938 ele falou em público em apoio aos pogroms aos judeus que estavam acontecendo naquela época. Mas não foi na Alemanha que este réu defendeu suas doutrinas. Já em 1938 ele começou a exigir a aniquilação da raça judia... Com conhecimento do extermínio dos judeus nos Territórios Ocupados do Leste, este réu continuou a escrever e publicar sua propaganda de morte... O incitamento de Streicher à morte e ao extermínio, na época em que judeus no Leste estavam sendo mortos sob as mais terríveis condições, claramente constitui perseguição nos campos político e racial em conexão com crimes de guerra, conforme definido pela Carta, e constitui um crime contra a Humanidade.‖ Veredito: CULPADO na acusação 4 Sentença: Morte por enforcamento FUNK: ―... Funk se tornou ativo no campo econômico depois que os planos nazistas para empreender a guerra de agressão estavam claramente definidos... Em 14 de outubro de 1939, após a guerra ter começado, Funk fez um discurso no qual declarou que os órgãos econômicos e financeiros da Alemanha, trabalhando sob o Plano Quadrienal, já estavam engajados na preparação econômica secreta para a guerra há um ano... Em 1942, Funk fez um acordo com Himmler pelo qual o Reichsbank receberia uma quantidade de ouro, jóias e dinheiro em espécie das SS e instruiu seus subordinados que iam manipular os itens para não fazerem muitas perguntas. Como resultado desse acordo, as SS enviaram ao Reichsbank os pertences pessoais tirados das vítimas que haviam sido exterminadas nos campos de concentração. O Reichsbank ficou com as moedas e as notas e enviou as joias, relógios e bens pessoais às lojas de penhor municipais de Berlim. O ouro das armações de óculos, de dentes e obturações foi guardado nos cofres do Reichsbank. Funk protestou que ele não sabia que o Reichsbank recebia artigos deste tipo. O Tribunal é da opinião de que Funk ou sabia o que estava sendo recebido ou deliberadamente fechou os olhos ao que estava sendo feito...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 2, 3 e 4 Sentença: Prisão perpétua SCHACHT: ―Schacht foi um ativo apoiador do Partido Nazista antes de sua ascensão ao poder em 30 de janeiro de 1933, e apoiou a nomeação de Hitler ao posto de chanceler. Depois disso, desempenhou importante papel no programa do vigoroso rearmamento que foi adotado, usando ao máximo o aparato do Reichsbank para o esforço do rearmamento da Alemanha... Como ministro da Economia e como chefe plenipotenciário para a Economia de Guerra, atuou na organização da economia para a guerra alemã... Mas rearmamento por si não é crime sob a Carta. Para ser um crime contra a paz sob o Artigo 6 da Carta deve ser demonstrado que Schacht executou esse rearmamento como parte do plano nazista para empreender guerras de


295 agressão... O Tribunal considerou todas as provas com grande cuidado e chegou à conclusão que essa inferência necessária não foi estabelecida além de uma dúvida razoável.‖ Veredito: INOCENTE DOENITZ: ―Embora Doenitz tenha construído e treinado a força de submarinos alemã, as evidências não mostram que ele secretamente conspirou para promover guerras de agressão ou que tenha preparado e iniciado tais guerras... O Tribunal é de opinião de que as evidências não estabelecem com a certeza requerida que Doenitz deliberadamente ordenou a morte de sobreviventes náufragos... As provas mostram, além disso, que as providências para salvamento não foram tomadas e que o réu ordenou que elas não deveriam ser tomadas... Doenitz também foi acusado por responsabilidade pela ordem de Comando de Hitler de 18 de outubro de 1942... [pela qual] os membros de um navio torpedeiro aliado foram... entregues à SD e fuzilados...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 2 e 3 Sentença: 10 anos de prisão RAEDER: ―Nos 15 anos que a comandou, Raeder construiu e dirigiu a Marinha alemã; ele aceita total responsabilidade até sua reforma, em 1943. Ele admite que a Marinha violou o Tratado de Versalhes, insistindo que era ―uma questão de honra de todo homem‖ fazer isso. Ele era um dos cinco líderes presentes na Conferência Hoszbach em 5 de novembro de 1937... A elaboração da invasão da Noruega cresceu primeiro na mente de Raeder e não na de Hitler... Raeder esforçou-se em dissuadir Hitler de promover a invasão da Rússia... Mas, a decisão uma vez tomada, ele deu permissão, seis dias antes da invasão da União Soviética, para atacar submarinos russos no Mar Báltico... Das provas fica claro que Raeder participou do planejamento e realização de guerra de agressão...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 1, 2 e 3 Sentença: Prisão perpétua VON SCHIRACH: ―... Von Schirach utilizou a Hitler Jugend (Juventude Hitlerista) para educar os jovens alemães ‗no espírito do nacional socialismo‘ e submetê-los a um extensivo programa de propaganda nazista... Quando von Schirach se tornou gauleiter de Viena a deportação dos judeus já tinha começado... Em 15 de setembro de 1942, von Schirach fez um discurso defendendo sua ação em enviar ‗dezenas e dezenas de milhares de judeus para os guetos do Leste‘ como contribuição à cultura européia‘... O Tribunal acha que von Schirach, embora ele não tenha iniciado a política de deportação de judeus de Viena, participou dessa deportação depois de se tornar gauleiter de Viena. Ele sabia que o que melhor que os judeus podiam esperar era a miserável existência nos guetos do Leste. Boletins descrevendo o extermínio de judeus estavam eu seu gabinete...‖ Veredito: CULPADO na acusação 4 Sentença: 20 anos de prisão SAUCKEL: ―...Logo após assumir o cargo, Sauckel editou vários decretos para diversas autoridades governamentais nos territórios ocupados estabelecendo o trabalho compulsório na Alemanha... O recrutamento voluntário real era


296 exceção, como a regra foi revelada na declaração de Sauckel em 1º de Março de 1944, de que ‗dos 5 milhões de trabalhadores que chegaram à Alemanha, nem sequer 200 mil vieram voluntariamente.‘... Sua atitude foi assim expressa em um regulamento: ‗Todos os homens devem ser alimentados, abrigados e tratados de maneira a explorá-los ao máximo possível com o mais baixo grau concebível de despesas.‖ As provas mostram que Sauckel foi responsável pelo programa que envolveu a deportação do trabalho escravo de mais de cinco milhões de seres humanos, muitos deles sob terríveis condições de crueldade e sofrimento.‖ Veredito: CULPADO nas acusações 3 e 4 Sentença: Morte por enforcamento JODL: ―... Jodl discutiu a invasão da Noruega com Hitler, Keitel e Raeder em 12 de dezembro de 1939; seu diário está repleto de recentes entradas sobre suas atividades na preparação do ataque... Ele atuou no planejamento contra a Grécia e a Iugoslávia... Jodl testemunhou que Hitler temia ser atacado pela Rússia, e então atacou primeiro. Essa preparação começou quase um ano antes da invasão. Jodl mandou Warlimont (seu assessor), já em 29 de julho de 1940, preparar os planos uma vez que Hitler havia decidido atacar... Um plano para eliminar autoridades soviéticas estava na diretiva para a ‗Operação Barba Ruiva.‘ A decisão se eles deveriam ser mortos sem julgamento era para ser tomada por um oficial... Sua defesa, em suma, é a doutrina de ‗ordens superiores‘, proibida como defesa pelo Artigo 8 da Carta. Nada há a atenuar. A participação em crimes como esses nunca é exigida de um soldado e ele não pode agora se esconder atrás de uma exigência mítica de obediência militar a todo custo como desculpa para cometer esses crimes.‖ Veredito: CULPADO em todas as 4 acusações Sentença: Morte por enforcamento VON PAPEN: ―... Von Papen esteve ativo em 1932 e 1933 na ajuda a Hitler para formar o Gabinete de Coalisão e o apoiou em sua nomeação como chanceler em 30 de janeiro de 1933. Como vice-chanceler do Gabinete, ele participou da consolidação do controle nazista em 1933... Não obstante o assassinato de seus assessores, von Papen aceitou o cargo de ministro para a Áustria em 26 de julho de 1934, um dia após Dollfuss ter sido assassinado... As evidências não deixam dúvidas de que o objetivo primordial de von Papen como ministro para a Áustria foi solapar o regime de Schuschnigg e fortalecer os nazistas austríacos com o propósito de realizar a Anschluss. Para levar a efeito esse plano ele se envolveu tanto em intrigas como em intimidações. Mas a Carta não considera como crimes tais ofensas contra a moralidade política, entretando, infelizmente é assim... Sob a Carta, von Papen podia ser culpado apenas se ele tivesse participado do planejamento de guerra de agressão... mas não ficou estabelecido, além de uma dúvida razoável, que essa era a intenção de sua atuação...‖ Veredito: INOCENTE SEYSS-INQUART: ―... Seys-Inquart participou dos últimos estágios da intriga nazista que precedeu a ocupação alemã da Áustria... Como comissário do Reich para a Holanda Ocupada, Seyss-Inquart foi impiedoso ao usar o terrorismo para suprimir toda oposição à ocupação alemã, um programa que


297 ele descreveu como ‗aniquilamento‘ de seus oponentes. Em colaboração com altos líderes das SS e da Polícia, ele se envolveu no fuzilamento de reféns por ofensas contra as auroridades de ocupação e no envio para campos de concentração de todos os suspeitos de se oporem às políticas de ocupação, incluindo padres e educadores... Seyss-Inquart sustenta que não era responsável por muitos dos crimes cometidos na ocupação da Holanda... Mas permanece o fato de que Seyss-Inquart foi um participante voluntário e conhecedor dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade que foram cometidos na ocupação da Holanda.‖ Veredito: CULPADO nas acusações 2, 3 e 4 Sentença: Morte por enforcamento SPEER: ―As evidências apresentadas contra Speer nas acusações 3 e 4 relacionam-se completamente à sua participação no programa de trabalho escravo... Como ministro do Reich para os Armamentos e Munições e chefe plenipotenciário para Armamentos sob o Plano Quadrienal, Speer exerceu ampla autoridade sobre a produção... A prática era desenvolvida à medida em que Speer transmitia a Sauckel uma estimativa do número total de trabalhadores necessários, e Sauckel obtinha a mão de obra e a alocava nas diversas indústrias de acordo com as instruções fornecidas por Speer. Speer sabia, quando ele fazia seus pedidos a Sauckel, que eles seriam atentidos com trabalhadores estrangeiros que serviam compulsoriamente... Sauckel continuamente informava a Speer e seus representantes que os trabalhadores estrangeiros estavam sendo arregimentados à força...Como atenuante deve ser reconhecido que... nos estágios finais da guerra ele foi um dos poucos homens que tiveram a coragem de dizer a Hitler que a guerra estava perdida e a tomar providências para impedir a estúpida destruição das instalações de produção...‖ Veredito: CULPADO nas acusações 3 e 4 Sentença: 20 anos de prisão VON NEURATH: ―... Como ministro do Exterior, von Neurath aconselhou Hitler quanto a retirarem-se da Conferência do Desarmamento e da Liga das Nações em 14 de outubro de 1933; a instituição do rearmamento... Von Neurath tomou parte na Conferência Hoszbach em 5 de novembro de 1937. Ele testemunhou que ficou tão chocado com as declarações de Hitler que teve um ataque do coração. A partir de então se ofereceu para renunciar, e sua renúncia foi aceita em 4 de fevereiro de 1938, na mesma época em que von Fritsche e von Blomberg foram demitidos. Mesmo com o conhecimento dos planos de agressão de Hitler, ele manteve uma relação formal com o regime nazista como ministro sem pasta do Reich... Von Neurath foi nomeado protetor do Reich para a Boêmia e Morávia em 18 de março de 1939... A imprensa livre, os partidos políticos e os sindicatos foram abolidos. Todos os grupos que poderiam servir como oposição foram declarados fora-da-lei... Ele serviu como oficial-chefe no Protetorado quando a administração desse território desempenhou um importante papel nas guerras de agressão que a Alemanha promovia no Leste, tendo conhecimento dos Crimes de Guerra e Crimes Contra a Humanidade que estavam sendo cometidos sob sua autoridade...‖ Veredito: CULPADO em todas as 4 acusações Sentença: 15 anos de prisão


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FRITZSCHE: ―... A Divisão de Rádio, da qual Fritzsche se tornou chefe em novembro de 1943, era uma das doze divisões do Ministério da Propaganda...Parece que Fritzsche às vezes fez fortes declarações de natureza propagandística em suas transmissões. Mas o Tribunal não está preparado para assegurar que elas tinham como intenção incitar o povo alemão a cometer atrocidades contra os povos conquistados, e dele não pode ser dito de que tenha participado dos crimes de que foi acusado...‖ Veredito: INOCENTE

Apêndice II – Cronologia Ascenção e queda da Alemanha nazista

1919 5 de janeiro — Fundação do Deutsche Arbeiterpartei (Partido dos Trabalhadores Alemães, nome original do Partido Nazista). 1920 11 de maio: O nome do partido é mudado para Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei ou NSDAP (Partido dos Trabalhadores Nacional-Socialistas Alemães). 1921 29 de julho: Hitler se torna o primeiro presidente do partido. 1923 8 de novembro: ―Putsch (golpe) da Cervejaria‖ em Munique. Interrompendo um encontro de nacionalistas na Bürgerbräuhaus Keller, Hitler anuncia: ―A Revolução Nacional começou!‖. No dia seguinte, uma marcha para o Feldherrnhalle é dispersada pela polícia da Baviera. Goering, Hess, Streicher, Frank e Rosenberg estão entre os que participaram do putsch. Goering é ferido e escapa; os outros líderes são presos. 1924 1º de abril: Hitler é condenado a 5 anos de prisão na fortaleza de Landsberg por traição. 28 de abril: Hess, Streicher e vários outros são condenados a períodos de prisão. (Hitler começa a escrever Mein Kampf e mantém vivo o espírito fanático do núcleo de ―velhos combatentes‖ do partido na prisão.) 20 de dezembro: Hitler é solto. 1925 18 de julho: Surge o primeiro volume de Mein Kampf.


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1926 1º de dezembro: Hitler nomeia Goebbels Lider de Distrito do Partido para Berlim. 1928 20 de maio: Os nazistas elegem 12 deputados para o Reichstag, com 2 e ½% dos votos totais. 1930 23 de janeiro: Frick torna-se ministro do Interior e da Educação Popular do governo do estado da Turíngia, abrindo caminho para a difusão do nazismo. 14 de setembro: Os nazistas elegem 107 deputados para o Reichstag, com 18% dos votos. 8 de setembro: O Japão ataca a Manchúria 1932 25 de fevereiro: Hitler torna-se cidadão alemão. 10 de abril: Von Hindenburg é reeleito presidente da República de Weimar. Hitler consegue 37% dos votos. 1º de junho: Von Papen é nomeado chanceler do Reich. 15 de junho: Von Schirach é nomeado lider da Juventude Hitlerista. 6 de novembro: Os nazistas elegem 196 deputados para o Reichstag, com 33,5 % dos votos. 2 de dezembro: O general von Schleicher é nomeado chanceler do Reich, quando um gabinete de crise sucede ao outro. 1933 4 de janeiro: Encontro secreto entre von Papen e Hitler na casa do banqueiro Kurt von Schroeder em Colônia. Hess e Himmler estão presentes. A participação de Hitler no futuro governo alemão é discutida. 30 de janeiro: Adolf Hitler é nomeado chanceler do Reich. Seu Gabinete inclui von Papen como vice-chanceler, von Neurath como ministro do Exterior, Goering como ministro sem pasta, Frick como ministro do Interior e general von Blomberg como ministro da Defesa do Reich. 27 de fevereiro: Incêndio do Reichstag. Um reino de terror se inicia contra os comunistas, que são imediatamente acusados de terem ateado o fogo, e outros partidos de oposição. 28 de fevereiro: Os direitos civis fundamentais da Constituição de Weimar são suspensos como ―medida de emergência‖ 5 de março: Os nazistas elegem 288 deputados para o Reichstag, ainda não maioria completa. 13 de março: Goebbels é nomeado ministro do Reich para Informação e Propaganda do Povo. 16 de março: Schacht se torna presidente do Reichsbank. 21 de março: O novo Reichstag se reúne. Ao excluir os comunistas de suas cadeiras, Goering assegura ao Partido Nazista uma absoluta maioria. 27 de março: O Japão anuncia sua retirada da Liga das Nações. 29 de março: O governo promulga uma nova lei impondo a pena de morte por ―crimes contra a segurança pública‖.


300 1º de abril: É ordenado um boicote nacional contra lojas, médicos e advogados judeus. 27 de abril: Hitler nomeia Hess como deputado líder do Partido. 2 de maio: Os sindicatos livres de trabalhadores são incorporados pela ―Frente Alemã para o Trabalho‖, de Robert Ley. 10 de maio: Queima de livros: livros contrários à ideologia nazista ou escritos por ―não-arianos‖ são queimados em praça pública por toda a Alemanha. 22 de junho a 6 de julho: O Partido Social Democrata é banido e a dissolução ―voluntária‖ de todos os outros partidos é imposta. 8 de julho: Uma Concordata entre a Alemanha e o Vaticano é assinada por von Papen e pelo cardeal (Eugenio) Pacelli (futuro papa Pio XII — NT). 14 de outubro: Hitler anuncia a retirada da Alemanha da Liga das Nações. 24 de novembro: A Himmler são concedidos amplos poderes de polícia para sufocar a oposição em vários estados com métodos de terror sancionados por decreto em 29 de março. 1934 6 de janeiro: Ao bispo Mueller é dado poder ditatorial para unir os protestantes alemães em uma única Igreja do Reich, sob os protestos da maioria dos protestantes alemães. 26 de janeiro: É firmado um Pacto de Não-Agressão de 10 anos com a Polônia, assinado por von Neurath e pelo embaixador polonês Lipsky. 24 de abril: Von Ribbentrop é nomeado representante de Hitler para questões de desarmamento. 30 de junho: O ―Expurgo Roehm‖. Ernest Roehm, homossexual, chefe da Tropa de Assalto que sucedeu Goering, é morto junto com vários outros nazistas, em um expurgo de limpeza do partido liderado por Goering e Himmler. Um grande número de católicos e oficiais da Reichswehr (Forças Armadas) foi também assassinado, incluindo Dr. Erich Klausner, chefe da Sociedade Ação Católica, general von Schleicher e sua esposa e três secretários de von Papen. Von Papen é colocado sob ―prisão de proteção‖ temporariamente. 25 de julho: Putsch nazista na Áustria. O chanceler austríaco Dollfuss é assassinado. 26 de julho: Von Papen é nomeado o enviado da Alemanha para a Áustria. 2 de agosto: O presidente von Hindenburg morre. Hitler declara-se chefe do Estado alemão. 1935 9 de março: A Alemanha revela oficialmente a existência da Luftwaffe (Força Aérea), em violação ao Tratado de Versalhes. 16 de março: O governo do Reich inicia a conscrição militar, também uma violação do Tratado de Versalhes. 18 de junho: A Alemanha conclui um acordo naval com a Grã Bretanha que dá à Alemanha o direito de construir uma Marinha até 35% da força naval britânica. 15 de setembro: O Reichstag, reunido em Nuremberg, aprova as abrangentes e antissemitas Leis de Nuremberg que virtualmente cassam os direitos de todas as pessoas de ―sangue judeu‖. 3 de outubro: A Itália invade a Etiópia. 19 de dezembro: Hans Frank, advogado de Hitler, é nomeado ministro sem pasta.


301 1936 7 de março: Hitler denúncia o Pacto de Locarno e suas tropas ocupam a desmilitarizada Renânia. 11 de julho: A Alemanha assina um acordo reconhecendo a soberania completa da Áustria e prometendo se abster de interferir nos assuntos austríacos. 17 de julho: Começa a Guerra Civil Espanhola. 25 a 27 de outubro: O conde Ciano visita Berlim. É anunciado o Pacto do Eixo Ítalo-Alemão. 18 de novembro: A Alemanha e a Itália reconhecem a Junta de Franco como governo legal da Espanha. 25 de novembro: Von Ribbentrop assina o Pacto Anti-Comintern com o Japão. 1937 26 de abril: A Luftwaffe faz seu ―ensaio geral‖ na Espanha. Aviões alemães, lutando por Franco, destroem a indefesa cidade espanhola de Guernica, matando milhares de civis. 7 de julho: O Japão reabre a guerra contra a China. Uma escaramuça na Ponte Marco Polo, em Pequim, é usada como pretexto. 7 de Setembro: Hitler declara o fim do Tratado de Versalhes. 13 de outubro: Em uma troca formal de notas, a Alemanha promete respeitar a inviolabilidade e a integridade territorial da Bélgica. 5 de novembro: Em uma reunião secreta com Goering, Fritsch, Raeder e von Neurath, Hitler anuncia seus planos agressivos para a dominação da Europa pela força (―Conferência Hoszbach‖). 6 de novembro: A Itália adere ao Pacto Anti-Comintern. 26 de novembro: Funk é nomeado ministro da Economia, substituindo Schacht, que permanece presidente do Reichsbank e ministro sem pasta. 11 de dezembro: A Itália comunica de sua saída da Liga das Nações. 1938 4 de fevereiro: Mudanças no Alto Comando alemão. O ministro da Defesa, von Blomberg, e o comandante-em-chefe, von Fritsch, são removidos e 13 outros generais são forçados a renunciar. Keitel é nomeado chefe do Alto Comando. Von Ribbentrop substitui von Neurath como ministro do Exterior. 12 de fevereiro: O chanceler austríaco Schuschnigg é convocado a Berchtesgaden e Hitler lhe apresenta um ultimato. 15 de fevereiro: As principais exigências da Alemanha são aceitas pela Áustria. Seyss-Inquart é nomeado ministro do Interior da Áustria. 9 de março: Schuschnigg anuncia um plebiscito sobre a independência da Áustria marcado para 13 de março. 11 de março: Capitulando frente às ameaças alemães, Schuschnigg renuncia. O presidente Miklas nomeia um governo nazista, à frente Seyss-Inquart. 12 de março: O novo chanceler austríaco, Seyss-Inquart, anuncia o Anschluss (anexação da Áustria ao Reich). Tropas da Alemanha invadem no dia seguinte. 17 de março: O governo soviético sugere uma conferência para deter outras agressões nazistas. 24 de abril: Konrad Henlein, Führer dos nazistas alemães dos Sudetos na Tchecoslováquia, exige autonomia para os Sudetos.


302 17 de agosto: Henlein rejeita uma proposta de compromisso do governo tcheco e aumenta suas exigências. 15 de setembro: Chamberlain voa para Berchtesgaden. O líder nazista dos Sudetos, Henlein, solicita a união dos Sudetos com a Alemanha. 23 de setembro: Chamberlain voa para Godesberg para um segundo encontro com Hitler. 25 de setembro: A Tchecoslováquia rejeita as exigências de Hitler em Godesberg para a cessão dos Sudetos com todas as suas instalações. 26 de setembro: O presidente Roosevelt envia um apelo pessoal a Hitler e ao presidente (Edvard) Benes para resolveram a controvérsia com negociações. Hitler faz um violento discurso dizendo que a anexação dos Sudetos é a última reivindicação de território que ele fará na Europa. 27 de setembro: O presidente Roosevelt apela mais uma vez a Hitler, pedindo uma conferência de todas as nações com relação à disputa dos Sudetos. 29 e 30 de setembro: O Pacto de Munique. Hitler, Mussolini, Chamberlain e Daladier se encontram em Munique e decidem deixar Hitler incorporar os Sudetos. A Tchecoslováquia rende-se à decisão de Munique. 1º de outubro: Tropas alemães entram no território cedido dos Sudetos. 7 de novembro: Ernst von Rath, um secretário da Embaixada alemã em Paris, é ferido a tiros por um jovem polonês de 17 anos, Herschel Grynszpan, e morre dois dias depois. 9 e 10 de novembro: Pogroms acontecem por toda a Alemanha como reação ―espontânea‖ ao assassinato de von Rath. Multidões organizadas incendeiam sinagogas, destroem propriedades judias e espancam judeus, matando muitos deles. 12 de novembro: O governo alemão decreta novas leis antijudaísmo. Uma multa coletiva de um bilhão de marcos é imposta aos judeus alemães como punição pelo assassinato de von Rath. 1939 20 de janeiro: Funk sucede Schacht como presidente do Reichsbank. 15 de março: Tropas alemães entram em Praga ―com consentimento‖, após ameaças feitas por Hitler, Goering e von Ribbentrop. 16 de março: Hitler assina um decreto estabelecendo um Protetorado da Boêmia e Morávia; o premier eslovaco Tiso também coloca a Eslováquia sob proteção da Alemanha. 18 de março: A França e a Grã-Bretanha notificam a Alemanha que elas não reconhecem a anexação da Boêmia e Morávia pela Alemanha. 20 de março: O governo dos Estados Unidos notifica a Alemanha que não reconhece a anexação da Boêmia e Morávia. Russia mais uma vez sugere uma conferência para deter outras agressões nazistas. 27 de março: A Espanha de Franco adere ao Pacto Anti-Comintern. 28 de março: Franco ocupa Madri. 31 de março: A Grã-Bretanha e a França dão garantias à independência dos poloneses. 7 de abril: A Itália ocupa a Albânia. 14 de abril: O presidente Roosevelt, em mensagem pessoal a Hitler e Mussolini, pede uma promessa de que as nações independentes da Europa e do Extremo Oriente não serão invadidas. O Reichstag ri quando Hitler lê a carta no plenário.


303 28 de abril: Em discurso no Reichstag, Hitler anuncia a anulação do Pacto Polonês-Alemão de Não-Agressão. 22 de maio: Von Ribbentrop e Ciano assinam uma aliança militar entre Alemanha e Itália. 31 de maio: Von Ribbentrop assina um Pacto de Não-Agressão com a Dinamarca. 5 de agosto: Uma missão militar anglo-francesa viaja para Moscou. 8 de agosto: Hitler recebe Albert Foerster, líder nazista em Danzig. Dois dias depois, Foerster pede o retorno de Danzig para o Reich. 22 de agosto: A França e a Grã-Bretanha reafirmam oficialmente suas garantias à Polônia. Chamberlain apela a Hitler por uma solução pacífica na disputa entre alemães e poloneses. 23 de agosto: Um Pacto Soviético-Alemão de Não-Agressão é assinado em Moscou por Molotov e von Ribbentrop. (Uma cláusula secreta, não revelada até o Julgamento de Nuremberg, fixa a linha de demarcação para a mútua ocupação da Polônia em caso de a Alemanha atacar a Polônia.) 24 de agosto: O presidente Roosevelt apela a Hitler e ao presidente polonês Moscicki por uma solução arbitrada. O papa Pio XII transmite pelo rádio um apelo pela paz. 25 de agosto: O presidente Moscicki aceita a oferta de mediação. O presidente Roosevelt envia outro apelo a Hitler para arbitrar e evitar a guerra. 26 de agosto: O premier Daladier, da França, apela a Hitler para evitar a guerra. 30 de agosto: Von Ribbentrop lê as últimas exigências à Polônia ao embaixador inglês Henderson, recusando-se a entregar o texto escrito. 31 de agosto: O embaixador polonês Lipski informa à Alemanha que a Polônia está pronta para resolver a disputa através de negociação. O papa Pio XII apela à Alemanha e à Polônia que se abstenham de guerrear. 1º de setembro: A Alemanha invade a Polônia. 3 de setembro: A Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha. 14 de setembro: Varsóvia é virtualmente cercada pela Wehrmacht. 17 de setembro: Tropas russas cruzam a fronteira polonesa. 28 de setembro: Varsóvia cai. 12 de outubro: Hans Frank é nomeado governador-geral do território polonês conquistado. 30 de novembro: A Rússia invade a Finlândia. 1940 12 de março: A Rússia e a Finlândia assinam tratado de paz em Moscou. 9 de abril: A Alemanha invade a Noruega e a Dinamarca. 10 de maio: A Alemanha invade a Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Chamberlain renuncia e Winston Churchill se torna primeiro-ministro da GrãBretanha. 14 de maio: O Exército holandês capitula. A Luftwaffe de Goering destrói o centro industrial de Rotterdam, apesar da cidade ter se rendido. 28 de maio: O rei Leopoldo da Bélgica declara a rendição do Exército belga. 10 de junho: A Itália declara guerra à Grã-Bretanha e à França. 14 de junho: Paris cai. 22 de junho: A Alemanha e a França assinam o armistício em Compiègne.


304 8 de agosto: Começa a ―Batalha da Inglaterra‖, com intensivos combates aéreos. 17 de setembro: Como resultado de pesadas perdas aéreas, Hitler decide adiar a invasão da Inglaterra. 27 de setembro: Um Pacto Tri-Partite é assinado pela Alemanha, Itália e Japão. 6 de outubro: Tropas da Alemanha invadem a Romênia. 28 de outubro: A Itália invade a Grécia. 1941 11 de março: O presidente Roosevelt assina a Lei do Lend-Lease (transferência de bens e serviços a nações aliadas — NT). 6 de abril: A Alemanha invade a Iugoslávia e a Grécia. 10 de maio: Rudolf Hess desce de paraquedas na Escócia. 14 de maio: Martin Bormann é nomeado sucessor de Rudolf Hess. 22de junho: A Alemanha invade a Rússia. 12 de julho: Um pacto de assistência mútua soviético-britânico é assinado em Moscou. 17 de julho: Rosenberg é nomeado ministro do Reich para os Territórios Ocupados do Leste. 14 de agosto: A Carta do Atlântico é anunciada pelo presidente Rossevelt e pelo primeiro-ministro Churchill após um encontro secreto no mar. Eles declaram suas intenções de derrotar o Eixo e proteger as ―quatro liberdades‖, mas renunciam a qualquer ampliação de território. 8 de novembro: Hitler promete a queda de Moscou. 7 de dezembro: Pearl Harbor. Aviões japoneses atacam a frota americana em Pearl Harbor, no Havaí, enquando o enviado japonês (Saburo) Kurusu negocia um acordo pacífico em Washington sobre os problemas na área do Pacífico. 11 de dezembro: A Alemanha e a Itália declaram guerra aos Estados Unidos. 19 de dezembro: Como Moscou ainda se recusa a cair, Hitler remove o general von Brauchitsch como comandante-em-chefe da Wehrmacht e ele próprio assume o posto. 1942 9 de fevereiro: Albert Speer, o arquiteto de Hitler, é nomeado ministro dos Armamentos, sucedendo Dr. (Fritz) Todt, morto em desastre aéreo. 28 de março: Fritz Sauckel, gauleiter da Turíngia, é nomeado chefe da mobilização de mão de obra para acelerar o recrutamento do trabalho escravo. 10 de junho: Berlim anuncia que a aldeia checa de Lidice foi exterminada em represália ao assassinato de Heydrich, chefe da Gestapo. 23 de agosto: 35 divisões da Alemanha iniciam o ataque a Stalingrado. 23 de outubro: O general Montgomery ataca El Alamein para destruir o Exército de Rommel no Norte de África (Afrika Korps). 5 de novembro: O general Montgomery anuncia que o Exército de Rommel está em franca retirada. 7 e 8 de novembro: As Forças Armadas aliadas desembarcam no Norte da África. 11 de novembro: Tropas alemãs invadem a França não ocupada. 27 de novembro: Tropas alemãs entram na base naval francesa de Toulon. A frota francesa é afundada por sua própria tripulação.


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1943 14 a 24 de janeiro: Conferência de Casablanca. O presidente Roosevelt e o primeiro-ministro Churchill se reúnem em Casablanca e exigem a rendição incondicional das forças do Eixo. 30 de janeiro: Ernst Kaltenbrunner é nomeado chefe da RSHA (Gestapo etc.), sob a direção de Himmler, para suceder Heydrich. O almirante Doenitz, comandante da frota de U-Boats (submarinos), é nomeado comandante-emchefe da Marinha alemã em substituição ao almirante Raeder. 2 de fevereiro: Moscou anuncia o fim da Batalha de Stalingrado. O destroçado Exército do marechal-de-campo von Paulus se rende. 13 de maio: As últimas unidades alemães se rendem no Norte da África. 10 de julho: Tropas aliadas invadem a Sicília. 25 de julho: Mussolini é forçado a renunciar. 24 de agosto: Himmler, chefe das SS e da Gestapo, é nomeado ministro do Interior do Reich para combater o ―derrotismo‖, estendendo o seu reino de terror a todos os estágios da vida alemã. 3 de setembro: Tropas aliadas desembarcam na Itália continental. A Itália assina um armistício secreto. 30 de outubro: Termina a Conferência de Moscou. O secretário (Cordell) Hull (EUA), Molotov (URSS) e (Anthony) Eden (GB) renovam a exigência da rendição incondicional. Roosevelt, Churchill e Stalin prometem perseguir os criminosos de guerra do Eixo ―até os confins da Terra‖. 31 de outubro: O governo italiano do marechal Badoglio declara guerra à Alemanha. 28 de novembro a 1º de dezembro: Conferência de Teerã entre Roosevelt, Churchill e Stalin. 24 de dezembro: O presidente Roosevelt anuncia que o general Eisenhower foi nomeado comandante supremo das forças de invasão aliadas. 1944 4 de junho: Roma cai. 6 de junho: Os Aliados desembarcam nas costas da Normandia. 20 de julho: Tentativa de assassinato de Hitler por um grupo de oficiais alemães liderados pelo conde von Stauffenberg. 8 de agosto: Após um julgamento sumário ante a ―Corte Popular‖, 8 oficiais alemães de alta patente são enforcados, dentre eles o marechal von Witzleben, por cumplicidade no complô para assassinato. Muitos outros foram expurgados extra-oficialmente. 15 de agosto: Os Aliados invadem o Sul da França. 25 de agosto: Paris é libertada. 16 de dezembro: Von Rundstedt lança uma contra-ofensiva através da Floresta das Ardenas. 28 de dezembro: A contra-ofensiva alemã é repelida; começa a ―Batalha do Bulge‖. 1945 12 de fevereiro: É anunciada a Conferência de Yalta, entre Roosevelt, Churchill e Stalin. Eles declaram: ―É nosso propósito inflexível destruir o


306 militarismo alemão e o nazismo e... dar a todos os criminosos de guerra a uma justa e imediata punição.‖ 8 de março: O Primeiro Exército americano cruza o Reno em Remagen. 13 de abril: Morre o presidente Roosevelt. 21 de abril: O Exército Vermelho entra em Berlim. 28 de abril: Mussolini é executado por partisans italianos. 30 de abril: Suicídio de Hitler, de Eva Braun e de Goebbels e toda a sua família. 1º de maio: O almirante Doenitz assume como chefe do governo alemão. 2 de maio: Berlim cai frente ao Exército Vermelho. 7 de maio: O general Jodl assina a rendição em Reims, efetivada em 8 de maio. 9 de maio: marechal-de-campo Keitel assina a rendição incondicional da Alemanha em Berlim. 26 de junho: A Carta das Nações Unidas é assinada em São Francisco. 1º de agosto: Termina a Conferência de Potsdam entre Truman, Attle e Stalin. 5 de agosto: A primeira bomba atômica é jogada na cidade japonesa de Hiroshima. 8 de agosto: A União Soviética declara guerra ao Japão. 14 de agosto: O Japão aceita os termos de rendição dos Aliados. 2 de setembro: Rendição formal dos japoneses a bordo do couraçado ―Missouri‖. 20 de novembro: Início dos Julgamentos de Nuremberg.


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