JUP Fevereiro de 2009

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JUP FEVEREIRO’09

DESTAQUE Editorial

Carlos Daniel Rego (carlosdanielrego@gmail.com)

Palavras Voláteis Nesta edição, dedicada à crise, fomos perceber como os estudantes estão a atravessar e a reagir a este período menos saudável, tanto da economia mundial como da economia portuguesa. De Gaza chegam-nos relatos, na primeira pessoa, de um conflito que se arrasta há décadas e de Atenas os ecos de uma revolta de estudantes que desapareceu da comunicação social, mas que ainda não sanou. Também nesta edição e após algum tempo de interregno, o JUP volta a ter novamente uma secção inteiramente dedicada ao desporto. Para já, a nova editoria conta apenas com uma notícia de arranque, mas, com a chegada de um novo editor, o objectivo passa por alargar o seu conteúdo, a curto prazo, abrindo, desta forma, espaço à cobertura e divulgação do desporto universitário da academia do Porto. O mês de Fevereiro marca também a aproximação do JUP ao meio digital. Com o Fantasporto à porta, o Jornal Universitário do Porto junta-se, numa parceria inédita, ao portal Rascunho.net para cobrir o emblemático festival de cinema do Porto, no formato blogue. Durante cerca de duas semanas, poderás acompanhar passo a passo, película a película, todos os desenvolvimentos do festival em www. fantasporto.rascunho.net Resta dizer novamente que a colaboração de todos os estudantes da academia do Porto é sempre bemvinda à redacção do JUP. Se gostas de jornalismo, fotografia, design, cartoonismo, poesia, tradução, opinião, informática, etc, aqui terás uma oportunidades para veres o teu trabalho publicado. Se estiveres interessado em participar, envia a tua disponibilidade e interesses para jup@jup.pt

Estudantes em tempo de crise Cíntia Morais

Há vários meses que é constantemente referida. Desde os media, com os anúncios de despedimentos colectivos e outros efeitos na economia, ao quotidiano do cidadão em que a “crise” também passa a ser o argumento ideal para negociar um melhor preço em qualquer transacção. No final de contas, quem é realmente atingido pela crise? A população académica será uma excepção à regra? Neste período de viragem, o JUP falou com alunos de várias instituições de ensino superior portuenses para tentar avaliar o que mudou (ou não) no quotidiano dos estudantes da academia. Alimentação, transporte, propinas, alojamento. Os gastos mensais dos estudantes dependem de vários factores determinantes. Basta uma dessas variantes conhecer alterações para que a soma das despesas no fim do mês se altere substancialmente. Manuel Torrinha, estudante do curso de Ciências Empresariais da Universidade Fernando Pessoa, costumava ir de carro às aulas mas, com o aumento do preço dos combustíveis, os transportes em comum tornaram-se numa alternativa essencial: “Venho de carro todos os dias e é um bocado chato. Tive de começar a andar mais de metro e de autocarro por causa disso”. Iguais são as dificuldades para Joaquim Freitas, aluno da Universidade Católica. No entanto, o futuro técnico de laboratório afirma ter sentido mais problemas “há uns anos atrás, quando foi o início da crise”.

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DESTAQUE EDUCAÇÃO SOCIEDADE DESPORTO INTERNACIONAL UP FOTOREPORTAGEM ECONOMIA CULTURA AMBIENTE OPINIÃO

Mais complicada está a situação para quem é vulnerável às perturbações provocadas no mercado de trabalho. Daniela Azevedo é trabalhadora-estudante na Universidade Portucalense e mostra-se preocupada: “O meu patrão anda atrasado e nunca se atrasou [no pagamento dos salários]”. A origem do problema, diz, está na “falta de trabalho” (no sentido de escassa actividade ou serviço e não de desemprego) também referida por Fátima, outra trabalhadora-estudante da Portucalense, para quem pensar em férias está fora de questão. A caloira em Engenharia Informática do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), Joana Moreira, também conhece esta situação mas de forma indirecta: “[a falta de trabalho] afectou bastante os meus pais por isso afecta-me agora a mim”. De entre os entrevistados pelo JUP, estes foram os poucos casos que a crise atingiu directamente. Aos restantes, fez-se sentir de forma mais implícita e traduziuse não numa necessidade imediata em ter atenção à bolsa mas sim num receio perante o que poderá vir a acontecer e, se calhar, a faltar. Como observa Manuel Torrinha, é sobretudo pelo facto de se “começa[r] a ver tudo lá fora a cair [que] uma pessoa também tem mais cuidado no que gasta.” Da mesma forma, Joana Moreira prefere ser previdente: “Para já, felizmente, ainda não tive de fazer grandes sacrifícios mas tenho de poupar”. Para Ana Silva, estudante em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), a principal preocupação reside na possibilidade de “sair da faculdade e não arranjar emprego”. Admite que “se calhar custa-[lhe] um bocadinho mais gastar dinheiro em coisas mais caras e fúteis mas no dia-a-dia não mudou nada”. De facto, nunca fez “grandes extravagâncias”, afirma. Para Hugo Alves, estudante da Universidade Católica, fazer face à crise também não é tarefa

Manuel Ribeiro

difícil: “[poupar] é um hábito que já me foi incutido desde que nasci. Mantenho os mesmos cuidados.” Cátia Almeida, estudante da FEUP, é também mais um exemplo de quem não se deixa intimidar pela conjuntura actual, pois “nunca [foi] muito consumista para pensar que agora [tem] de poupar.” De uma maneira ou de outra, os estudantes da academia do Porto parecem sentir os efeitos da crise. Alguns de forma imediata, é o caso dos estudantes que se deslocam de carro e dos trabalhadoresestudantes; os primeiros ficam sujeitos às mudanças de preços nos combustíveis e os segundos

são, inevitavelmente, atingidos pela instabilidade do mercado de trabalho. Os restantes não sofrem consequências directas mas não deixam de testemunhar os efeitos da crise, vendo assim com algum receio o seu próprio futuro e adoptando, por vezes, medidas de prevenção como é a redução das suas despesas. Observa-se assim uma contenção generalizada provocada mais pelas repercussões psicológicas da crise do que propriamente pelas suas consequências materiais directas. Esta falta de confiança no futuro é, provavelmente, uma observação que podemos alargar ao resto da sociedade.


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DESTAQUE

Maioria dos estudantes é financiada pelas famílias Carlos Daniel Rego

Segundo o projecto de “avaliação nacional da satisfação dos estudantes do ensino superior”, os estudantes do ensino privado são aqueles que menos recorrem às bolsas de estudo (ver mais na pág. 5). O estudo em causa revela que o maior apoio ao financiamento dos estudos provém, em 74,4 por cento dos casos, do apoio familiar. Logo a seguir surge o auto-financiamento, com 15,1 por cento; as bolsas de estudo com 9,5; e o apoio do empregador, os empréstimos bancários e o apoio de amigos com 0,6, 0,5 e 0,2, respectivamente. “Portugal é o país europeu onde a origem familiar parece exercer maior influência no acesso ao ensino superior”, explicou o coordenador deste estudo, António Magalhães, ao jornal Público. Logo, será necessário olhar para “o financiamento dos estudantes numa perspectiva de maior equidade no acesso ao ensino superior”, acrescentou. No que diz respeito à análise do financiamento por tipo de instituição de ensino superior (ver gráfico), os estudantes do ensino privado são aqueles que dizem depender menos das bolsas de estudo. Apenas 5 por cento dos alunos do privado admite que as bolsas são a sua maior fonte de financiamento. Já nos alunos das Universidades e Institutos Politécnicos públicos, a percentagem de estudantes que diz que as bolsas constituem a sua

maior fonte de financiamento sobe para cerca de 10 por cento. Por seu lado, os estudantes que mais dependem do autofinanciamento para custear os seus estudos são do Ensino Privado e dos Institutos Politécnicos públicos, ambos com 17, 4 por cento. O estudo divulga ainda que apenas 36 por cento dos estudantes considera o financiamento que lhes é disponibilizado como “insuficiente”, contra os restantes 64 por cento que admite que o financiamento que obtém é “suficiente”. Regras mudaram na atribuição de bolsas A maioria das bolsas de estudo do corrente ano lectivo já foi divulgada pelos Serviços de Acção Social da Universidade do Porto (SASUP), mas o que muitos estudantes não sabiam é que, já neste ano lectivo, foi introduzido, em todos os serviços de acção social do país, um novo parâmetro na avaliação de candidaturas às bolsas de estudo. Estamos a falar do subsídio de férias e do subsídio de Natal , que entraram nas contas de ponderação da bolsa, o que até agora não acontecia. A medida poderá

começar afectar os estudantes com pessoas no agregado a trabalhar por conta de outrem e reflectirse no valor da bolsa de estudo atribuída que poderá baixar, em alguns casos, ou até mesmo não ser concedida noutros. Numa altura em que a crise ameaça o nosso país, os SASUP relembram que a candidatura às bolsas de estudo pode ser solicitada por qualquer aluno a qualquer altura do ano, desde que, para tal, se tenham alterado significativamente as condições económicas do aluno. Um dos exemplos mais recorrentes acontece quando os estudantes trabalhadores vão para o desemprego. “A atribuição de bolsas de estudo é feita de acordo com o Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo aos Estudantes do Ensino Superior, que define como economicamente carenciados todos os estudantes cuja capitação média do agregado familiar é inferior ao valor 1.2 x o salário mínimo nacional em vigor no início de cada ano lectivo. O Estado assegura aos estudantes bolseiros a diferença entre a propina mínima e a definida pelo Estabelecimento de Ensino”, informam os SASUP no seu sítio oficial na internet.

Qual dos recursos mencionados constitui o maior apoio no financiamento da frequência do seu curso?

Opinião

DOS TRABALHOS DE GRUPO Ricardo José Pinho (ricardo@pinho.org)

Não há nada mais giro que trabalhos de grupo… para as criancinhas das creches. Já no ensino superior os trabalhos de grupo são coisa que não faz sentido nenhum, pois não andamos propriamente aqui a colar pétalas de papel colorido numa cartolina juntamente com os outros meninos e meninas. Para muitos alunos duma faculdade, a experiência dum trabalho de grupo é mais ou menos assim: começam todos com um «temos de nos encontrar» muito empenhado, muito a sério. Depois um membro do grupo que é de Erasmus muda de disciplina, outro membro desaparece, e outro ninguém mais o vê. Sobra um membro que diz que vai ler isto e fazer mais aquilo. E a semanas da apresentação do trabalho fica um aluno a redigir o trabalho sozinho. Na data de apresentação o aluno que ia fazer isto e aquilo para juntar ao trabalho não aparece. Os que tinham desaparecido, aparecem. Pedem para ler umas páginas a partir do PowerPoint, ali na hora. E de quem trabalha resta-lhe carregar aos seus ombros o peso destes tristes bastidores, tentando não se enervar que é para não piorar as coisas e não correr o risco de descer a nota. No final, todos levam uma nota medíocre. Os ausentes, contentes. Porque uma positiva é melhor que nada. Os que trabalharam, cansados. Desiludidos por não terem conseguido sozinhos dar conta duma tarefa com uma carga impossível de gerir sozinho, e com tantos outros trabalhos de grupo ainda por fazer. Se este modelo é tão mau, por que é que há tantos trabalhos de grupo nas faculdades? E pior: por que é que cada vez há mais e mais trabalhos de grupo?

Fonte: CIPES

À primeira pergunta, a resposta é numérica: porque é para os professores mais fácil corrigir menos trabalhos que muitos trabalhos. Até muitos dos

professores admitem isso mesmo nas suas aulas. Pois só que nós não queremos ser geridos em manadas, nem achamos que temos de pedir desculpa por estarmos inscritos na nossa vaga. É que se uma faculdade tem ene número de vagas, então cada um dos alunos tem o direito de ser tratado individualmente. Individualmente. Qualquer argumento de pedagogia dos trabalhos de grupo não vence. É que, caramba, já todos nós recortámos as nossas doses de cartolinas e picotamos quanto baste e já fizemos os nossos gráficos de barras para as nossas áreas-escola durante doze anos até aqui chegar. Já chega. À segunda questão: por quê cada vez mais trabalhos? Porque com Bolonha agora todas as disciplinas já não são disciplinas e todas têm trabalhos e horas de estudo independente e blá blá blá. Até as teóricas agora têm trabalhos. “Mas por quê?”, insistem os alunos. Porque sim. A partir de agora não há comodismo pedagógico que não seja justificado com um cansativo e abusivo «Sabem, agora com Bolonha…». O resultado disto tudo é que não só todas as disciplinas (sim, disciplinas, porque tenho trabalhos de grupo para fazer e não posso perder tempo a pronunciar «unidades curriculares» por extenso) exigem trabalhos que se tornam impossíveis para os alunos gerirem num semestre lectivo sem sacrificar a qualidade de cada um dos trabalhos, com prejuízo para o seu sucesso académico – como ainda por cima são sempre trabalhos… de grupo! Entre aspas, claro. (Aluno de Psicologia da Universidade do Porto)


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EDUCAÇÃO

U. do Porto avança para Fundação Cátia Monteiro

A Universidade do Porto (UP) decidiu, no passado dia 9 de Janeiro, avançar para as negociações com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), tendo em vista a passagem O QUE MUDA COM A PASSAGEM A FUNDAÇÃO para fundação pública de direito privado. de que sejam incluídas no decretolei constituidor da fundação e no contrato-programa plurianual a assinar com o Ministério. “Queremos garantir que há

Inês Dias Gomes

A Assembleia Estatutária da UP, que aprovou a transformação em fundação por maioria absoluta (doze votos a favor e seis contra), mostrou «o interesse de, em

possibilidade do modelo fundacional ser aplicado durante um período de tempo experimental são algumas das condições estabelecidas pela UP. Se a resposta de Mariano Gago for favorável às condições estipuladas pela Assembleia Estatuária da UP, a instituição portuense poderá ser a primeira Universidade Portuguesa com o estatuto de Fundação Pública de Direito Privado. Só a Universidade do Porto, a Universidade de Aveiro e o ISCTE avançam para modelo fundacional

princípio, aderir ao regime fundacional, dependendo a decisão final das negociações a estabelecer entre a Assembleia e o Ministério, tendo em vista assegurar um conjunto de compromissos, garantias e condições», declarou o reitor da Universidade do Porto, José Marques dos Santos, em comunicado. A Universidade do Porto já enviou um documento ao ministro do Ensino Superior, Mariano Gago, com a lista de condições que preten-

vantagens em aderir a esse regime fundacional e que fique claro que essas condições são para ser respeitadas”, afirmou Marques dos Santos à agência Lusa. A possibilidade de recorrer a fundos europeus e públicos na qualidade de entidade pública e também de instituição privada sem fins lucrativos, um regime especial de IVA, a possibilidade de regressar ao regime não fundacional, a garantia da autonomia da instituição e também a

A decisão da Universidade do Porto foi conhecida na véspera do fim do prazo definido pelo MCTES para as universidades públicas apresentarem as suas propostas de transformação em fundação, no âmbito do novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES). Até à data estipulada, apenas a Universidade do Porto, a Universidade de Aveiro e o Instituto Superior de Ciências Sociais do Trabalho e da Empresa (ISCTE) comunicaram a decisão de passar a fundação. Segundo a Agência Lusa, algumas universidades adiaram a possibilidade de se tornarem fundações e outras rejeitaram em definitivo a passagem a fundação pública de direito privado.

Fundações Quando se transformam em fundações, as universidades passam da esfera do direito público para o privado, nomeadamente, no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de recursos humanos. Terão autonomia para pedir empréstimos, fixar salários, criar carreiras, estabelecer critérios próprios para a admissão de alunos. Serão governadas por um conselho de curadores, nomeados pelo Governo. Órgãos de Governo: Os novos órgãos de governo serão o Conselho Geral, o Reitor e o Conselho de Gestão. O Conselho Geral terá de ser composto por 15 a 35 membros, sendo a maioria representantes dos professores e investigadores, um mínimo de 15% de representantes dos estudantes e pelo menos 30% de personalidades externas de reconhecido mérito. O reitor não integra o Conselho Geral. O Conselho Geral tem como competências aprovar as alterações dos estatutos, os planos estratégicos de médio prazo e o plano de acção para o mandato do reitor, aprovar as linhas gerais de orientação da instituição no plano científico, pedagógico, financeiro e patrimonial, aprovar a proposta de orçamento e aprovar os planos anuais de actividades e apreciar o relatório anual das actividades da instituição. O Conselho de Gestão terá um máximo de cinco elementos, incluindo o Reitor, um Vice-Reitor e o Administrador. Compete a este órgão conduzir a gestão de recursos humanos, a gestão administrativa, patrimonial e financeira. Reitor Passa a ser eleito pelo Conselho Geral. No novo regime, podem ser eleitos professores e investigadores da instituição ou de outras instituições. A eleição deixa de ficar limitada a catedráticos de nomeação definitiva. Financiamento O financiamento às universidades que se transformem em fundações será definido por meio de contratos plurianuais, com duração não inferior a três anos, e de acordo com objectivos de desempenho. Autonomia nas aplicações financeiras As aplicações financeiras dos institutos públicos têm de ser realizadas no Tesouro, disposição que abrange, pelo menos, 75% do montante total de aplicações. As fundações não estão sujeitas a esta restrição. Fonte: Universidade de Aveiro

Do curriculum vitae ao e-currículo Francisco Ferreira

Já existe a possibilidade de elaborar um Currículo de forma totalmente digital. No Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP) surge uma iniciativa que pretende transformar os e-portefólios elaborados pelos alunos em Currículos que ajudem a responder às exigências do mercado de trabalho. Quem já concorreu a um emprego, ou quem pensa começar a concorrer, conhece bem a importância que um Curriculum Vitae (CV) tem numa candidatura. O ISCAP dá agora um passo em frente e começa a fomentar a criação de e-portefólios, que no futuro poderão ser usados como Currículos Digitais. Uma responsável do Instituto salienta as principais vantagens deste tipo de currículos, apesar do projecto estar ainda em “fase de elaboração”: “além de ser mais um meio de chegar às entidades empregadoras, pretendemos que este seja um meio de criar portefólios digitais que contenham mais do que o Currículo dito normal”, refere. Os currículos digitais

permitem o uso de vídeos ou até de reflexões pessoais sobre um determinado projecto apresentado. Além disto são uma forma de dar a conhecer o trabalho desenvolvido pelos estudantes. No entanto, a mesma responsável adianta que, até ao momento, apenas alguns estudantes estão a desenvolver estes portefólios, dependendo sobretudo da vontade dos docentes em usar esta ferramenta - “alguns professores estão a incentivar a elaboração dos portefólios e os estudantes estão a introduzir elementos”, diz a fonte do ISCAP, que adianta também que o objectivo final é haver uma política de uso dos e-portefólios como Currículo dos alunos. A comunidade e o CV Apesar desta iniciativa passar um pouco despercebida entre a comunidade estudantil do Porto, ninguém é indiferente à importância de um Currículo como factor diferenciador na procura de emprego no mercado actual. Rui Marques, licenciado em Gestão

de Desporto pelo Instituto Superior da Maia (ISMAI), e actualmente a trabalhar como Director-Geral num importante clube de futebol, afirma que, pela sua experiência, um Currículo é “muitíssimo importante”. “O CV é um cartão de visita, é a imagem que transmitimos a uma entidade empregadora”, acrescenta. E reforça ainda ao dizer que os “pequenos pormenores são extremamente importantes”. Apesar de desconhecer esta iniciativa do ISCAP, Rui Marques diz-se já familiarizado com os Currículos em formato digital. Já Carla Santos, estudante do curso de Ciências da Comunicação da FLUP, diz que, no seu ponto de vista, a honestidade é um dos pontos mais importantes num CV: “não podemos inventar, mas também não devemos excluir nada. Temos que dar boa informação sobre as nossas capacidades”, afirma a estudante, que vê muito potencial no uso de Currículos Digitais. Quem também aprecia este conceito é Ricardo Guedes, estudante de Engenharia Informática do ISEP. Além

de sublinhar a necessidade de um CV estar bem organizado para corresponder a alguns padrões estabelecidos, o estudante afirma que um Currículo Digital pode marcar “a diferença” por ser “uma forma original de apresentar conteúdos”. Quanto ao uso do vídeo, Ricardo mostra-se algo céptico. “Se não for usado da melhor maneira, pode dar um ar pouco profissional”, explica, e diz que, no seu caso, prefere apresentar “trabalhos anteriores”. No entanto, apesar da maioria dos estudantes reconhecer a importância de um bom CV, muitos ainda não conhecem a possibilidade de fazer um Currículo em formato digital. Um desses exemplos é Emanuel Sousa, estudante de Gestão na FEP, que diz ainda desconhecer esse formato, apesar de já ter elaborado um Currículo no passado. Actualmente, o modelo mais usado é o conhecido CV Europass, que, segundo a Faculdade de Engenharia da UP, é aquele que cada vez mais é “preferido nas empresas”. Rui Marques diz que, apesar de ser im-

portante seguir este modelo, também deve haver alguma criatividade. “Não devemos fazer um CV e enviar para todo o lado, à espera que alguém nos chame. Devemos adequar o Currículo a cada oferta de emprego a que nos vamos candidatar, porque cada uma terá certamente critérios e características diferentes”, aconselha. Outro conselho que o Director-Geral deixa aos estudantes da UP é deixar um “cunho pessoal” no CV, que o distinga dos outros todos. “Se houver algo de único, há uma maior probabilidade de se interessarem e ficarem com uma boa primeira impressão”, diz Rui Marques. Carla Santos concorda, e diz que “um CV, além de dar a conhecer o percurso académico, também deve mostrar uma parte da nossa formação como pessoas”. Rui Marques conclui com mais alguns conselhos: escrever sempre de forma correcta e clara, ter especial cuidado com a capa do CV, e valorizar a informação num contexto que se adeqúe melhor ao que o empregador pretende.


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EDUCAÇÃO

Carreira e “canudo” motivam entrada no ensino superior Carlos Daniel Rego

Os resultados do primeiro estudo sobre a avaliação da satisfação dos estudantes no ensino superior, em Portugal, revelam que os estudantes estão satisfeitos com o curso e instituição que escolheram. Carlos Daniel Rego

A obtenção de conhecimentos que permitam ter acesso a uma carreira aliciante, bem como a possibilidade de adquirir um grau académico são as razões mais importantes para a entrada no ensino superior. Pelo menos é esta a conclusão de um estudo inédito em Portugal, levado a cabo pelo Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), que inquiriu 11.639 alunos do ensino superior público e privado que frequentavam, no ano lectivo de 2006/2007, o primeiros e último ano dos cursos analisados. A amostra do estudo de “Avaliação Nacional da Satisfação de Estudantes do Ensino Superior” incluiu 1.598 alunos do ensino privado, 3.783 dos politécnicos públicos e 6.232 das universidades públicas. À pergunta, “por que é que decidiu escolher a instituição que frequenta”, os estudantes responderam, em primeiro lugar, “a boa reputação académica” (56,6 por cento), seguido das respostas “por ser a melhor para o curso que eu queria” (45,8 por cento) e “por ser perto da residência habitual” (45,7 por cento). Já numa análise comparativa entre os diferentes tipos de instituições de ensino superior (universidade pública, instituto politécnico público e ensino privado), a resposta “por ser perto da residência habitual” passa para a frente entre os alunos dos institutos politécnicos públicos. No que diz respeito ao grau de importância dos aspectos ligados à instituição que frequentam, os estudantes consideram, em média, numa escala de zero a dez, a qualidade de ensino (8,2) e o conhecimento obtido nas disciplinas (8,0) como os factores mais importantes da sua instituição. A interacção com os docentes (6,5) e

a oferta de disciplinas de opção (5,9) são os menos importantes. Ao nível de apoio académico, os estudantes dão maior importância aos recursos informáticos e bibliotecários das suas instituições, ambos com um índice de 7,7. As condições dos laboratórios são menos valorizadas (6,7). Relativamente aos serviços prestados pelas instituições de ensino superior, os alunos apontam os espaços de estudo, o apoio dado aos estudantes com necessidades especiais e o sítio da instituição na internet como os factores de maior relevância. Já as instalações desportivas e as actividades não-curriculares são os pontos que recebem menos consideração por parte dos inquiridos. Estudantes satisfeitos com o curso e instituição que frequentam Na generalidade os estudantes universitários estão satisfeitos com

a instituição e o curso que frequentam. Os números falam por si. Cerca de quatro em cada cinco estudantes não mudariam de curso se tivessem oportunidade e perto de três em quatro não mudaria de instituição. Questionados sobre se voltariam a candidatar-se à mesma instituição de ensino superior, quase 85 por cento dos estudantes responde que sim. No que concerne à satisfação com a empregabilidade, os alunos dos cursos ligados às Tecnologias da Saúde são os mais satisfeitos, com taxas de satisfação que atingem os 66,1 e 65,8 por cento, respectivamente. Enquanto os estudantes das áreas das Humanidades, Secretariado e Tradução estão menos satisfeitos (37%). O estudo revelou ainda que mais de metade dos estudantes que participaram neste estudo entraram no

curso e instituição que pretendiam, isto é, na 1ª opção (65,8%). Este número sobe para 70 por cento nas universidades e institutos universitários públicos. Estudo por instituição será revelado brevemente Os números desta investigação tratados e analisados por instituição de ensino superior ainda não foram revelados, mas vão ser brevemente entregues para que cada instituição possa avaliar o grau de satisfação dos seus próprios estudantes. Os objectivos desta investigação passam por “analisar a satisfação dos estudantes nas instituições de ensino superior portuguesas” e, assim “sensibilizar as instâncias e os órgãos de decisão para esta dimensão, com o intuito de contribuir para o aumento da percentagem de estudan-

tes que completam os seus cursos”. São palavras que se podem ler na comunicação difundida aos jornalistas na altura da apresentação dos resultados. Durante a sessão de divulgação dos resultados o Coordenador do Estudo, António Magalhães, frisou que “este estudo é apenas o ponto de partida”, deixando no ar a possibilidade de se poder vir a medir, daqui para a frente, a satisfação dos estudantes portugueses de forma regular. O estudo de “Avaliação Nacional da Satisfação de Estudantes do Ensino Superior”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, começou a ser realizado em 2005 e só terminou em Setembro de 2008. Os resultados foram divulgados no dia 9 de Janeiro na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). PUB


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SOCIEDADE

Entra em vigor o Acordo Ortográfico Manaíra Aires / Tiago Sousa Garcia

As novas estruturações gráficas entraram em vigor em Janeiro deste ano, mas a regularização em cada país de Língua Portuguesa será aceite oficialmente até Dezembro de 2012. Segundo o MEC (Ministério da Educação do governo brasileiro), as mudanças vão afectar cerca de 0,5% do léxico brasileiro e 1,6% do vocabulário das restantes regiões. A reforma ortográfica já havia sido aprovada em Dezembro de 1990 por representantes de sete países que falam a Língua Portuguesa – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Em 2004, TimorLeste aderiu ao projecto, dois anos após obter a independência da Indonésia. Para entrar em vigor, o acordo precisava da corroboração de, no mínimo, três países, o que foi alcançado em 2006 com Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O Parlamento Português aprovou o acordo apenas em Maio de 2008. O Acordo Ortográfico estabelece 21 bases de mudanças na Língua Portuguesa. Entre as novas regras estão o retorno das letras K, W e Y ao alfabeto para oficializar uma prática que já ocorre, especialmente com palavras de origem estrangeira, e a supressão definitiva do trema e dos acentos agudos de palavras paroxítonas, cujas sílabas tónicas sejam éi e oi (como em jibóia, Coréia, jóia, que ficam jiboia, Coreia e joia). Há ainda a eliminação dos acentos em palavras que terminam em éia e ôo (como em assembléia e enjôo, que passam a ser assembleia e enjoo). Altera-se também o acento diferencial de palavras como pólo e pára (que viram polo e para) e as regras de hifenização propõem hífen apenas na junção de duas palavras em que a primeira termine e a segunda comece com a mesma letra (antisemita vira antissemita e microondas vira micro-ondas, por exemplo). Existem ainda abundantes casos de excepções previstas no acordo, admitindo-se assim a dupla grafia em muitas palavras – como em António/ Antônio, facto/fato, secção/seção, aspeto/aspecto, amnistia/anistia). O ACORDO NO BRASIL O Ministério da Educação divulgou um apontamento no site do Governo Federal reiterando que o acordo ampliará a cooperação internacional entre os oito países de Língua Portuguesa ao estabelecer uma grafia oficial única do idioma. A medida também deve facilitar o processo de intercâmbio cultural e científico entre as nações e a divulgação mais abrangente da língua e da literatura. Em entrevista ao iG Notícias, portal noticioso do Brasil, Mauro de Salles Villar, co-autor do primeiro dicionário contendo as novas regras e director do Instituto Antônio

Houaiss, diz que o acordo é de extrema importância para os países lusófonos porque “o número de falantes da Língua Portuguesa estava decrescendo. Moçambique entrou para a comunidade britânica. GuinéBissau para a francesa. Isso ameaçava o Português, a sétima língua mais falada no mundo – atrás do Man-

força no Brasil e tem angariado cada vez mais adeptos, especialmente através da Internet. Em blogues, nicknames, profiles já se pode encontrar alguma referência ao F.O.D.A.– O., com um nome não menos intencional e composto em suma por universitários. O integrante Ramon Felipe Wagner, aluno do curso de

elas dominam. Tudo o que é novo provoca essa acção. Assim, optouse por algo menos ousado”, afirma. De qualquer forma, a resistência ao acordo tem sido significante, quer seja devido ao vínculo emocional e intelectual à forma corrente da escrita, quer seja por receio de não se saber escrever pelas novas regras.

darim, Inglês, Hindi, Espanhol, Russo e Árabe. Se o Português for diferente em cada país, transformarse-á noutras línguas. Muito aceleradamente perderíamos falantes”. Numa sondagem promovida pela iG Brasil entre Setembro de 2008 e Fevereiro de 2009, dos mais de cinco mil votos 49% se mostrou contra o acordo e 51% votou a favor, alegando a necessidade de actualizar a língua. A maioria dos meios de comunicação mais susceptíveis às transformações – as revistas, os jornais impressos e os média online – ainda não atendeu às devidas mudanças, apesar de noticiar as novas regras de grafia. As empresas média alegam que se as mudanças forem feitas abruptamente podem causar uma certa estranheza por parte do público, distanciando-o e até mesmo comprometendo a credibilidade do veículo. Por outro lado, o tratado tem sido considerado por muitos como um acordo político e não um acordo linguístico. Um movimento não-oficial chamado F.O.D.A.–O. (Fundação Organizada de Desobediência ao Acordo Ortográfico) surgiu com

Filosofia da Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), afirma que muitas pessoas concordam com o acordo porque não o vêem como resultado de preocupações socioculturais, mas como uma iniciativa mercadológica a favor de editoras, que terão os seus mercados de consumidores ampliados. Outro argumento é que a paridade das regras não fortalece a língua, mas extingue as particularidades que caracterizam cada povo. Alguns editores e livreiros portugueses ainda acusam o acordo de ser um “abrasileiramento” da Língua Portuguesa, visto o tratado como um facilitismo para as editoras brasileiras entrarem nos países africanos, ameaçando o mercado das editoras portuguesas nesses países. Mauro de Salles Villar comenta que desde o início das propostas que resultaram na reforma de 1990 e no acordo assinado recentemente, “houve uma reacção muito forte em Portugal. Intelectuais e demais portugueses ficaram receosos devido ao medo de descaracterização da língua. As pessoas costumam não aceitar mudanças daquilo que

O ACORDO EM PORTUGAL Em Portugal, depois de anos de polémica, o Acordo Ortográfico de 1990 foi finalmente oficializado. A 16 de Maio de 2008, a Assembleia da República Portuguesa ratifica o documento que é promulgado a 21 de Julho do mesmo ano pelo Presidente da República. No entanto, as dificuldades não acabaram aqui. Apesar de no Brasil o acordo ter entrado em vigor a 1 de Janeiro deste ano, Portugal não tem ainda uma data oficial para a sua implementação. A lei aprovada prevê apenas um período de adaptação de seis anos. Esta indecisão pode levar a retrocessos no plano de implementação do documento. Recentemente, o presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Godofredo de Oliveira Neto, disse, em declarações à agência Lusa, que a falta de consenso entre linguistas portugueses e brasileiros pode levar a um “desacordo”, mesmo que a vontade política exista. Ainda assim não se pode acusar a sociedade portuguesa de nada fazer em prol da unidade linguística. O semanário regional O Despertar, de

Coimbra, foi o primeiro órgão de comunicação nacional a adoptar as novas regras ortográficas. O seu director, Lino Vinhal, refere que tal só é possível porque o velho semanário, com 91 anos, sempre se orgulhou de estar na linha de frente da evolução. Ao regional, juntou-se o desportivo Record, que também já utiliza uma mistura entre a grafia antiga e a postulada pelo novo acordo. A sociedade portuguesa parece apreensiva com a introdução do novo acordo. Considerem-se as petições online que circularam de mão em mão. A petição contra a implementação do acordo conta, à data da redacção deste artigo, com 98640 assinaturas, enquanto que a petição a favor da implementação do documento apenas com 1120. E quais são as alterações que o cidadão comum terá de enfrentar? Provavelmente, o caso mais famoso será o das consoantes mudas. Diz o texto do acordo que “o c, com valor de oclusiva velar, [...] e o p, das sequências interiores [...] ora se conservam, ora se eliminam”. Isto é, “accionar” transforma-se em “acionar”; “colectivo” em “coletivo”; “concepcional” em “concecional” e “adopção” em adoção”. É, no entanto, permitida a dupla grafia nos casos em que haja oscilação de pronúncia. Nos casos em que a consoante é pronunciada, nada altera – em “bactéria”, por exemplo. Mais grave será, talvez, a extinção do acento em palavras graves homógrafas. Isto causará a extinção do acento de “pára”, forma verbal do verbo “parar”, que se confundirá facilmente com a preposição “para”. Pode também causar problemas a supressão facultativa do acento no pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação: com o novo acordo ortográfico, “passámos”, terceira pessoa do plural do pretérito perfeito, pode também ser escrito como “passamos”, ou seja, como a terceira pessoa do plural do presente do indicativo. Vê-se que, apesar dos esforços para a união das grafias lusófonas, o Acordo Ortográfico tem ainda muitos obstáculos a ultrapassar em Portugal – desde a desconfiança da sociedade até à apatia legislativa. O JUP ainda não adoptou as regras do Acordo Ortográfico. O uso das novas directrizes ainda está sendo avaliado pela equipa.


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Micro-blogging tem cada vez mais adeptos à escala planetária Ricardo Alves

“O que estás a fazer?” é o convite do Twitter, uma rede social baseada na troca instantânea de mensagens ainda mais curtas do que uma SMS. O potencial do serviço está a ser aproveitado à exaustão, por gurus da indústria, instituições, sites noticiosos e personalidades mundiais. Há mais maneiras de usar o Twitter do que provavelmente os seus criadores esperavam. No ano passado, o tráfego do Twitter aumentou em 974 %. Os períodos de quebra de serviço e anomalias técnicas iam-se tornando rotineiras, mas a comunidade de utilizadores não parava de crescer. A utilização da ferramenta é bastante simples: depois de criar uma conta, escolhes quem vais querer seguir. A partir daí, os seus mais recentes tweets (mensagens) vão estar dispo-

níveis na tua página principal e os tweets que enviares serão recebidos por aqueles que te seguirem. Com já perto de um milhão de utilizadores, certamente que estamos perante uma teia social, mas será que podemos falar de uma rede propriamente dita? Paulo Frias, docente na Universidade do Porto, diz-nos que “como agregador de feeds, o Twitter tem permitido projectos muito imaginativos que vão muito para lá do conceito de ‘rede social’”.

Nos Estados Unidos, surge já a hipótese de tratar o Twitter como uma espécie de cartão de apresentação personalizado, como outrora se olhava para o Facebook. Paulo Frias não duvida da utilidade deste modelo. “As redes ditas ‘de referência’ para empregadores (com a LinkedIn à cabeça, mas já foi a vez do Facebook) acabam sempre por se ‘balcanizar’, porque os conteúdos que os membros das redes colocam vão muito além das questões profissionais. E essa parece ser

uma tendência cultural contemporânea, que não se decide nos escritórios dos ‘developers’... por isso o Twitter vai (está a) ser usado por empregadores, empregados e respectivas famílias!”. Sobre o futuro do serviço: “Penso que o Twitter será autosustentável e que se integrará com outras plataformas.” Sobrevive aos detractores, enquanto vai angariando apoiantes de renome. Twitter: a nova grande ferramenta da Web 2.0.

O Norte como “a região criativa de Portugal” Vânia Dias

O CULTO DA PERSONALIDADE O mais recente boom da utilização do Twitter nos Estados Unidos tem sido atribuído ao crescente uso deste por celebridades, e dos admiradores que estas trazem consigo. O Twitter apresenta-se como uma solução ainda melhor que outras redes sociais tradicionais (Myspace, blogs) para as personalidades contactarem com os seus seguidores. Desde ler sobre a frustração do escritor e cineasta Neil Gaiman com as intermináveis conferências de imprensa, até aos insultos do actor Ashton Kutcher dirigidos ao seu vizinho barulhento, o Twitter apresenta-se como a maneira de as pessoas acompanharem de uma maneira mais honesta e directa aqueles que seguem à distância.

O Norte tem tudo para se assumir como a principal região criativa de Portugal. Este é o resultado do estudo Macroeconómico para o “Desenvolvimento de um Cluster de Indústrias Criativas na Região Norte”. A Universidade do Porto vai criar um pólo de Indústrias Criativas, ligado às áreas de multimédia e comunicação social. José Ferreira

O estudo foi encomendado a especialistas internacionais pela Fundação Serralves, Junta Metropolitana do Porto, Casa da Música e Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense. Estas instituições acederam ao repto lançado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), presidida por Carlos Lage: aliar a economia à cultura através da criação de novos sectores de actividade, mais inovadores, com uma ligação directa entre o meio académico, científico e empresarial. Gerar e

comercializar ideias com valor expressivo. Esta é a receita para gerar riqueza e, assim, criar novos postos de trabalho. O exemplo veio de Sheffield, uma cidade inglesa que deslocou a aposta no aço para as Indústrias Criativas e conseguiu, deste modo, sair da crise. O objectivo do estudo foi exactamente perceber a dinâmica dos negócios criativos. “Entendam-se por negócios criativos todos aqueles em que a imaginação, o talento e a criatividade são a principal matéria-prima: desde o software até ao artesanato, desde as artes performativas até ao

cinema, à televisão, à rádio, etc”, esclareceu Carlos Martins, director da Opium Lda (empresa de consultoria, conteúdos e experiências no âmbito das Indústrias Criativas). As Indústrias Criativas são um sector com um “enorme potencial que cresce 12% acima da média e constitui um factor de desenvolvimento económico essencial”, acrescenta. Estas actividades envolvem “o mais fundo que o ser humano pode oferecer, a sua imaginação”. E esta criatividade tornou-se numa “driving force” de crescimento económico. O Norte é rico em recursos criativos, diz Carlos Martins: “o Norte tem potencial para ser a principal região criativa de Portugal. Tem o talento, os recursos e a energia”. No entanto, tem ainda muito poucos negócios a partir daí e é esse o paradigma “a desenvolver”, assevera. Tom Fleming, um dos autores do estudo, considera também que o Norte tem “recursos e oportunidades de crescimento fantásticas”, mas as Universidades estão a “colocar no mercado pessoas que não estão a abrir negócios”. Em dias de crise económica e de desemprego elevado é importante encontrar sectores que rejuvenesçam a economia, através da criação de

emprego e de sinergias. No estudo refere-se que “a criatividade é hoje reconhecida como uma força motriz económica e social fundamental na geração da riqueza e emprego e no desenvolvimento sustentável, incorporando as mudanças tecnológicas e promovendo a inovação empresarial e o reforço da competitividades das cidades, regiões e países”. O papel das Universidades As Universidades desempenham um papel fundamental ao contribuir com o seu principal recurso: as pessoas criativas. Carlos Martins sublinha o papel “capital” das Universidades e acrescenta que é necessário que se “estimule o empreendedorismo no seu interior”. A Universidade do Porto vai criar, através da UPTEC, Parque de Ciência e Tecnologia, um pólo de Indústrias Criativas. O objectivo é “acolher projectos empresariais inovadores que possam surgir no seio académico e com aplicabilidade nas áreas de multimédia e comunicação social”, explica o Vice-Reitor Jorge Gonçalves. O pólo estará sediado “junto das unidades orgânicas com maior afinidade para estas áreas”. Isto justifi-

ca a proximidade física ao curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação. “A Universidade não se pode fechar e tem de comunicar com o exterior e com os recursos que forma”, remata Jorge Gonçalves. Próximos passos Carlos Martins diz que ainda falta “uma melhor organização”, ou seja, “falar a mesma linguagem, ligar aquilo que não está ligado”. O director da Opium Lda diz que apesar de não serem muitas pessoas a trabalhar no sector, “os poucos que trabalham não se conhecem e esse trabalhar em rede, numa plataforma conjunta, é essencial ao desenvolvimento das Indústrias Criativas”. É necessário ouvir os agentes no terreno e perceber quais as necessidades físicas e financeiras, de forma a, posteriormente, canalizar-se a energia num objectivo de expansão criativa e crescimento económico. Criada a ADDICT, a Agência para o desenvolvimento das Indústrias Criativas, o primeiro passo está dado. Agora faltam maximizar os recursos criativos, aliá-los às pessoas e fazer do Norte uma região internacionalmente competitiva.


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Trabalhadores da Yasaki Saltano vivem dias de incerteza Adriano Cerqueira

Outrora imagem de desenvolvimento do concelho de Ovar, a Yazaki Saltano vive hoje tempos atribulados. Para os trabalhadores, a esperança de manter o emprego entra em conflito com o possível encerramento da fábrica. Foi em 1992 que a Yazaki Saltano chegou a Ovar. Motor de desenvolvimento e de crescimento económico do concelho, a empresa de peças de automóveis teve o seu ponto alto nos anos 90, quando chegou a empregar 3700 pessoas. Passados 16 anos, o panorama afigura-se diferente. Depois do fecho das restantes unidades da empresa em Portugal, localizadas na Póvoa de Lanhoso e em Vila Nova de Gaia, a

que uma pessoa tem, como as prestações da casa. Esta incerteza deixa sempre a incógnita de se conseguir cumprir esses compromissos”. A incerteza não recai apenas sobre os trabalhadores. Também as suas famílias são afectadas. Anabela partilha a angústia de gerir os assuntos familiares nesta situação de instabilidade. “A incerteza não se coloca só no próprio trabalhador. Na hipótese de faltar o emprego, faltar o venci-

prazos de entrega. Tenho de acreditar que a falta de trabalho não é por falta de encomendas; é apenas por falta de vontade e de investimento”. O ambiente entre empregados é repartido. Entre aqueles que se sentem mais seguros, outros começam já a sofrer os efeitos do possível fecho da fábrica. “O ambiente é um bocado estranho…há sentimentos de várias ordens. Há os trabalhadores que podem não ter compromissos e

Benjamim Rodrigues viu-se confrontado com uma realidade diferente ao ver o seu nome na lista de despedimento. “É frustrante uma pessoa ficar com uma vida instável. Tenho uma casa para pagar, uma filha, mulher desempregada, também...Não é que nós já não tivéssemos a contar com o despedimento, aquilo (a Yazaki) já não andava bem. Mas o impacto foi forte; andei arrasado psicologicamente”. Benjamim está agora no fundo de desemprego e a tirar o 9.º ano através das Novas Oportunidades. Sem perspectivas de emprego, não são os problemas económicos a única apreensão de Benjamim. A estabilidade familiar é agora a sua principal preocupação. “A minha mulher está desempregada e também foi afectada por problemas psicológicos. Não temos passado muito essa imagem à nossa filha, embora ela tenha sentido. Tivemos que a privar de mais coisas”. Benjamim não olha com optimismo para o futuro: “não há muitas perspectivas de arranjar um emprego com salários dignos que nos permitam ter uma vida razoável”, reflecte. Encerramento da empresa em Portugal é o cenário mais certo

fábrica vive sob constante ameaça de encerramento e os anúncios de despedimentos colectivos foram aumentando nos últimos anos. Só em 2008, ano em que a unidade de Gaia foi encerrada, a Yazaki ovarense terminou o contrato com 1000 empregados. Restam agora pouco mais de 600. Anabela Neusa, operadora de produção, conta como é viver com um futuro profissional incerto: “A incerteza é como o próprio nome diz. Quando uma pessoa tem um emprego cria expectativas, faz planos. O que pesa mais são os compromissos

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mento, os compromissos familiares vão deixar de ser cumpridos e isto cria muita angústia na gestão do diaa-dia da família”, confessa. Apesar dos constantes anúncios de encerramento, a direcção da Yazaki Saltano continua a desmentir essa possibilidade. Confrontada com a opção de começar a procurar emprego noutro lado, Anabela prefere manter a confiança na empresa. “A Yazaki tem boa mão-de-obra. Os trabalhadores da Yazaki sempre cumpriram os objectivos, sejam eles de qualidade, de quantidade e mesmo

estão mais ou menos à vontade com a situação e existem aqueles que realmente têm compromissos com datas fixas e que vivem numa ansiedade e numa angústia bastante grande”, diz Anabela Neusa. “Existem aqueles que ainda não acreditam que seja possível a empresa vir a fechar, o que será uma realidade se não houver alternativas de trabalho”, perspectiva a empregada da Yazaki. Enquanto uns ainda acreditam na permanência da Yazaki Saltano em Ovar, para outros a empresa já faz parte do passado. Após 15 anos na Yazaki,

O possível encerramento da empresa e a incerteza de emprego dominam o pensamento dos actuais trabalhadores da Yazaki Saltano. Américo Rodrigues, delegado do Sindicato das Indústrias Eléctricas, afirma que os funcionários ainda mantêm a esperança, mas não acreditam que “a empresa se mantenha em Portugal por muito tempo. O delegado sindical acrescenta que todo o grupo das indústrias eléctricas em Portugal “está a passar por algumas dificuldades devido à crise mundial que também afecta a indústria automóvel”. Américo Rodrigues, também ele recém desempregado da Yazaki Saltano, descreve o sentimento de instabilidade vivido pelos trabalhadores: “Desde o primeiro despedimento

que os trabalhadores têm visto o futuro da empresa muito negro. Têm vivido na incerteza de serem despedidos e de não arranjarem emprego. Isso provoca muitas alterações a nível de organização pessoal e também a nível de stress”, refere Américo Rodrigues. “Vive-se com um género de raiva, de algum inconformismo por a empresa não arranjar alternativas aos trabalhadores para continuar a trabalhar na empresa”, salienta. Confrontado com o encerramento de empresas multinacionais em Portugal, Américo Rodrigues afirma que os actuais processos de deslocalização devem-se à falta de cautela inicial, aquando da instalação no país de empresas como a Yazaki Saltano. “Quando entrámos na União Europeia houve muitas empresas multinacionais que se instalaram com as maiores facilidades em Portugal, a troco de muitos benefícios em termos de subsídios. Criaram bastante emprego e trouxeram know-how a Portugal, o que foi positivo”, considera Américo. “Contudo, não se salvaguardou a questão das deslocalizações das multinacionais. Não houve um acautelar destas situações à partida, o que neste momento traz mais prejuízos que benefícios”, reitera. Apesar da esperança ainda existir entre os trabalhadores, o fecho da Yazaki Saltano revela-se como o cenário mais provável. Anabela Neusa aponta a extinção de sectores de produção como um dos sinais do eventual encerramento da fábrica: “Quando se encerram sectores, seja por falta de encomendas – que não é o caso –, seja por deslocalização – que é a realidade – e quando não existem novos investimentos, acaba-se por fechar”. Agora do lado de fora, Benjamim Rodrigues partilha da mesma opinião. Apesar da Yazaki o desmentir, o recém desempregado não acredita que a empresa se mantenha em Ovar após 2010. “Tudo aponta para o fecho. Embora a empresa diga que não, isso é só para não alarmar os trabalhadores”.

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Uma escola diferente Francisco Ferreira

O Porto tem desde 2002 uma Escola do 1º Ciclo, com cerca de 30 alunos, que faz da educação pela arte um dos seus pontos centrais. É a Escolinha dos Gambozinos, uma alternativa para pais que procuram outro ensino. Quem passa na Rua de Francos, ali bem perto do Carvalhido, e não a conheça bem, estará certamente muito longe de imaginar que existe por ali uma escola diferente de todas as outras. Poderá, talvez, suspeitar que existe um qualquer jardim de infância, pelas crianças que, em grupinhos, percorrem a rua algumas vezes por dia. Estas crianças são os alunos das “Oficinas da Escolinha” do Bando dos Gambozinos, que funciona com crianças do 1º ciclo do Ensino Básico. Apesar de o nome oficial da Escola ser “Oficinas da Escolinha”, todos lhe chamam, de uma forma carinhosa, Escolinha. A Escolinha nasceu no ano lectivo 2002-2003. Nesse primeiro ano, apenas sete crianças frequentavam a escola. Actualmente, esse número subiu para 30 e é motivo de alguma atenção por parte dos especialistas e publicações do meio educativo pelas diferenças que apresenta em relação ao ensino oficial. E que diferenças são essas?

do Bando dos Gambozinos), adianta que a noção de a música ser uma componente fundamental na educação de uma criança sempre esteve muito presente na mentalidade dos Gambozinos. Daí a criação da Escolinha, que oferece uma formação diferente da do ensino oficial. “A Escolinha está inserida no regime do Ensino Doméstico, previsto pela lei, mas os alunos estão

passava os dias na sala de estar”, conta Rui. “A Suzana (Ralha) veio ver a casa uma vez e adorou, apesar de os andares superiores estarem muito degradados. Na brincadeira, dizia que a casa devia estar cheia de fantasmas, já que o velho raramente saía da sala. O homem acabou por morrer, os filhos puseram a casa à venda e os Gambozinos compraram-na e restauraram-

é diferente da que conhecemos. “Se um aluno for muito bom a matemática e resolver os exercício em cinco minutos, vai fazer uma coisa de português, por exemplo”, refere Jonita Ralha, responsável pela matemática. Rui Pereira acrescenta que apesar desta abertura, há regras. “As crianças decidem aquilo que podem decidir. Apesar de tudo, são crianças

oficialmente vinculados às escolas públicas e têm que ir lá prestar provas, como qualquer outro aluno”, esclarece Rui Pereira. Enquanto faz este enquadramento legal da Escolinha, as crianças almoçam, num espaço que se parece muito mais com uma sala de jantar do que com uma cantina. Aliás, de cantina não tem quase nada: a comida é feita na cozinha que é ali logo ao lado e cada um se serve. No fim, todos arrumam os pratos e talheres, entre sorrisos e boa disposição. O ambiente é, acima de tudo, muito familiar. “Há um forte sentido de comunidade na Escolinha”, refere Rui Pereira. “É uma comunidade de relacionamento entre iguais”, acrescenta.

na”. As crianças estão convencidas de que, dentro das paredes da casa, estão mesmo vários fantasmas. À volta disto, criou-se uma espécie de enredo e ritual: é normal os fantasmas escreverem cartas às crianças da Escolinha. Contam os últimos acontecimentos e dão sugestões. Logo à entrada estão também vários trabalhos de expressão plástica feitos pelos alunos da Escolinha que, na verdade, estão presentes em toda a casa. Ou não fosse a educação pela arte um dos pontos fortes da Escolinha. A nível curricular, há pontos semelhantes com o ensino oficial, como a presença da matemática, do português, do estudo do meio. No entanto, a abordagem é diferente. Por exemplo, na Escolinha há aulas de xadrez, que ajudam na matemática. Juntando a isto áreas curriculares como a formação musical ou a filosofia para crianças (onde se abordam temas como a religião ou a morte), estamos perante um modelo bastante distinto do que é normalmente utilizado nas escolas. Mas Rui Pereira recusa dizer se é melhor ou pior do que o ensino oficial. “É diferente”, atira. Além disto, a Escolinha oferece também aulas de instrumento aos alunos, que podem escolher desde a bateria ao violino. Algo que não acontece no ensino oficial. Ao mesmo tempo, a abordagem ao ensino

e por isso nós, adultos e professores, é que tomamos as decisões importantes, porque há certas coisas que uma criança de seis anos não tem capacidade para escolher”. O que importa na Escolinha é que no fim dos quatro anos lectivos, as crianças estejam preparadas e tenham adquirido os conhecimentos previstos. “O caminho é secundário. O fim é aquele e cada um segue o caminho que parece mais adequado”, diz Jonita. Não há nenhum Modelo de ensino utilizado, mas “uma mistura de muitos”. Além disso, cada professor tem a sua formação. Desde Mestres em matemática, como Jonita, a Licenciadas da Escola Superior de Educação. Os professores são escolhidos por entrevista individual e, segundo Rui Pereira, além das competências técnicas, procuram professores que estejam em “sintonia com o espírito de educação pela arte”.

Dos Gambozinos à Escolinha Para percebermos bem, temos que recuar até 1975, ano em que os Gambozinos são fundados como Associação Cultural sem fins lucrativos. Um dos principais objectivos e ideias do Bando dos Gambozinos é a educação pela arte. Desde a sua criação que oferecem às crianças (e não só) actividades que vão desde a formação musical, passando pelo xadrez, a dança, ou a aprendizagem de um instrumento. Os Gambozinos destacam-se também pela sua longa lista de títulos editados, plena de discos e livros-disco. No entanto, até 2002, os Gambozinos apenas ocupavam os tempos livres das crianças e jovens que lá aprendiam música e tantas outras coisas. Com o crescimento ao longo dos anos, cresceu também a ideia de que havia ali um enorme potencial. “Os miúdos vinham para os Gambozinos depois das aulas, às vezes cansados, e mesmo assim saíam coisas fantásticas. Começámos a pensar como seria tê-los aqui todos os dias, o dia todo, a aprender”, começa por explicar Jonita Ralha, uma das professoras da Escolinha. A partir daí, a ideia começou a ganhar contornos mais sérios e culminou com o arranque em 20022003. Até ao momento, a Educação oferecida pela Escolinha, com uma forte componente musical, artística e dramática, tem atraído cada vez mais alunos. Rui Pereira, um dos principais mentores do projecto, juntamente com Suzana Ralha (co-fundadora

Aprender na Casa dos Fantasmas As diferenças entre a Escolinha e as escolas que todos conhecemos são muitas. Em primeiro lugar, tudo parece transparecer uma certa magia. Começa logo pelo edifício em si: a Escolinha funciona numa casa. Numa casa mesmo, com vários andares, quartos, cozinha. A própria casa, chamada “Casa dos Fantasmas” por todos, tem uma história muito especial, que serve também para momentos de aprendizagem e que ajuda a estimular a imaginação e a criatividade dos alunos. “A casa era de um Juiz já bastante velho, que

Eremitas e Hamsters Isabel Saldanha, estudante da Licenciatura em Ciências da Educação e Bolseira de Integração na Investigação do CIIE da FPCEUP (Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto), refere que, efectivamente, a premissa de “ensinar tudo a todos como se de um só se tratasse” está ul-

trapassada, pelo que a adequação do ensino é positiva. No entanto, a estudante diz que, neste tipo de ensino privado, há uma tendência para que, no futuro, a integração nas escolas públicas seja mais complicada. “Se os alunos vierem todos das classes mais altas, podem ter uma dificuldade em perceber a existência de outro tipo de realidades”, explica. Rui Pereira concorda com esta perspectiva, mas diz que isso não acontece na Escolinha. “Temos a preocupação de mostrar aos miúdos que há muitas realidades diferentes e convidamos pessoas de diferentes condições a partilharem experiências na Escolinha”. O professor adianta que, até ao momento, nenhum aluno teve dificuldades de integração na passagem do 4º ano para o 5º. “E também nunca tivemos um aluno com maus resultados nas provas prestadas nas escolas oficiais, no fim do 4º ano”. Os responsáveis da Escolinha acrescentam ainda que há uma preocupação em mostrar às crianças que “não são melhores do que as outras por terem aquele tipo de educação”. Durante estas conversas, as crianças ocupam-se com... o que quiserem. Logo a seguir ao almoço, há a Hora do Eremita, em que todos têm uma hora para fazerem o que quiserem: dormir, ler, brincar, estudar, tocar o instrumento. Ou, como alguns escolheram, tratar do hamster. “Chamase Amaris, porque a Marisa (professora) tinha medo de ratos e nós fizemos esta brincadeira”, diz uma pequena aluna da Escolinha. “É tão fofinho, não é?”, perguntam muitos outros. Pouco depois, chega ao fim este pequeno momento de descontracção. Há que voltar ao trabalho. As crianças rumam a diferentes partes da casa, juntamente com diferentes professores, para diferentes aprendizagens. No próximo ano lectivo, a Escolinha vai também passar a oferecer o 5º e 6º ano de escolaridade. “Legalmente, a criança pode ir para o 10º ano sem nunca ter andado na escola oficial”, explica Rui Pereira. Antes, os Gambozinos pensavam que a altura ideal para as crianças saírem era o 4º ano, mas agora pensam, também por opinião dos pais dos alunos, que esse período podia ser alargado até ao 6º ano. Ou seja, a partir do próximo ano, as crianças poderão ter mais dois anos de um ensino diferente, com um peso artístico talvez inédito em Portugal. “Nunca nos podemos esquecer de um dos lemas dos Gambozinos: há muitas maneiras de ver e viver. É isso que achamos importante na Escolinha e na Educação”, remata Rui Pereira.


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Entrevista a Francisco “Afrokillo” Beirão, músico.

Para além dos velhos discursos… Manaíra Aires

“A questão da intervenção social e do fazer caridade prende-se muitas vezes a demandas políticas. É mais cómodo dar camisolas e sopas quentes. É mais imediato e mais visível do que estar a mudar a vida de uma pessoa, de um bairro inteiro.” José Ferreira

avalanches de votos. Pessoas em actos isolados têm dificuldades, pois trata-se de um trabalho com profundidade. Um artista tem que ter esse compromisso social? Um artista não pode viver alheado da sociedade em que vive, não pode perder contacto com a realidade. Quem domina uma arte pode fazer com que essa arte sirva para estimular pessoas, para trazer outras dinâmicas. O discurso pode ser repetitivo, mas devemos continuar a repetir até que a maior parte das pessoas ouça. Os artistas têm a responsabilidade de agitar consciências, quer seja num palco ou realizando outras actividades. Esse processo revela-se na criação, pois um artista sem vivências não poderá ter uma visão abrangente das coisas. A arte que se desenvolve deve conseguir chegar às pessoas de modo a fazê-las reflectir sobre aquilo. A reflexão é o mais importante, faz com que as pessoas saiam do imediatismo e vejam com profundidade questões da vida, que perpassam por uma visão a médio/longo prazo. Veja os miúdos do Kukiiro: são pessoas que raramente conseguiriam viajar a Itália com o propósito de levar as suas próprias construções artísticas e legitimar um processo de descobertas pessoais.

É assim que o músico Francisco “Afrokillo” Beirão revela uma consciência para lá dos velhos discursos de solidariedade social. O baterista da banda Given to Flow e percussionista dos Teia, no auge de seus 26 anos, é professor num projecto voltado para a formação de uma orquestra de percussão com jovens desfavorecidos. Afrokillo, como se auto-denomina, tirou um curso de Bateria e outro de Formação e Teoria Musical na Escola de Jazz do Porto e já teve a oportunidade de abrir concertos de nomes como WrayGunn, Da Weasel, Rui Veloso, Gabriel O Pensador ou Prince Wadada. O que é o Kukiiro? O Kukiiro é um projecto que começou em 2006 no seio da instituição social IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social). Dou aulas de teoria musical e de percussão como ateliê para jovens entre os 17 e os 22 anos. O projecto concentra-se numa orquestra de percussão que já realizou mais de 90 concertos desde 2006 em diversos

lugares de Portugal (Porto, Aveiro, Lisboa, Viana do Castelo, Ermesinde) e também de Itália (Turim e Bérgamo). O apoio social estende-se desde o acompanhamento dos estudos dos miúdos até a interacção com a família. O projecto visa mostrar alternativas aos jovens para orientarem as suas vidas, no sentido em que a maior parte deles provém de situações socio-económicas muito complicadas. Existe diferença entre intervenção social e caridade? Há uma diferença fundamental de paradigma entre intervenção social e fazer caridade. O que acontece é que, muitas vezes, vários programas ou instituições sociais concentram-se simplesmente na caridade. É aquela velha coisa de dar o peixe ou ensinar a pescar. No projecto de que faço parte, o intuito é conseguir mudar efectivamente a maneira de pensar e agir dos miúdos; conseguir oferecer-lhes ferramentas para que eles possam ter autonomia, auto-estima. O importante é estimular os miúdos para que

eles consigam romper com o ciclo que fomenta a espera da tal caridade. Mais relevante do que o resultado, é o processo de ensinamento e aprendizagem diante de uma ferramenta. Sem dúvida, a construção do caminho é mais importante do que o destino final. Como é que as directrizes políticas podem interferir negativamente nas acções sociais? A questão da intervenção social e do fazer caridade prende-se muitas vezes a demandas políticas, uma vez que é mais cómodo, por exemplo, dar camisolas e sopas quentes. É mais imediato e mais visível do que estar a mudar a vida de uma pessoa, de cinco, de dez, de um bairro inteiro. A mudança é um trabalho contínuo, de alteração de mentalidade, de condições de vida, e isso demora gerações. É um tipo de trabalho que a maior parte dos políticos não faz, é um trabalho que tem que se fazer dia-a-dia, com continuidade, e que os frutos muitas vezes são só visíveis mais tarde. Como não se tem visibilidade imediata, também não se tem

Possuir outras vertentes do conhecimento, para além da música, auxilia na tomada de consciência diante de uma expressão artística? Ser um bom músico é mais do que ser um bom instrumentista… Isso parte precisamente do que se é como pessoa, daquilo que se tem para contar, das tais vivências, daquilo que se desenvolve para além das escolas de música. Há uma série de conceitos que eu aprendi na faculdade por meio de livros, professores, amigos que me fizeram crescer como pessoa. Esses conceitos são-me úteis no Kukiiro porque me permitem entender certas reacções, certos comportamentos dos miúdos, além de me atentar para um certo perfil, ter uma pequena ideia sobre determinada pessoa. A linha entre Sociologia e Psicologia é muito ténue. A Sociologia, curso em que te formaste, ajuda-te no trabalho que desenvolves no Kukiiro? Obviamente. Cada indivíduo tem a sua psique e o que me interessa é o confronto dessa psique individual com o colectivo, a maneira como cada um se insere nesse todo. Estudar Sociologia permitiu-me decifrar mais rapidamente certas situações e alcançar de maneira mais concreta a realidade dos

miúdos do projecto. Entender contextos sociais e familiares a partir da desconstrução de conceitos que pairam no senso comum. Muitos acadêmicos estão encerrados em seus gabinetes e se fecham nas teorias… Os conceitos são úteis quando colocados em confronto com a realidade, quando integram a realidade efectiva das teias sociais. Aí as coisas ganham sentido. E ganhando sentido, ganham utilidade. De que forma as vivências influenciam o processo de criação? As vivências são exploradas em certas sensações que depois se transportam em arte. A linguagem artística depende da educação que se teve, de sensações, de prazeres, da roda-viva. A maneira como cada pessoa interioriza os sons, os ritmos, as letras é tão subjectiva quanto o processo de criação. Toda caminhada que cada pessoa faz e as pessoas com quem se cruza, as músicas, os livros, as cidades. Tudo isso interfere no processo de composição. É claro que as vivências não surgem todas de forma nítida; elas são somadas ao longo da vida e ficam encerradas em nós para, um dia, ganharem uma nova linguagem por meio da arte. Como remar contra a maré em tempos em que a visão crítica está cada vez mais afunilada? A ausência do espírito crítico faz com que se aceite tudo “porque é assim”. Estamos numa sociedade cada vez mais atrofiada (e atrofiante!), uma sociedade dominada pelos média e ensimesmada em verdades mediáticas. A Internet, por exemplo, é tão fantástica quanto dilacerante, pois as coisas, na maioria das vezes, vêm digeridas. As pessoas precisam de reflectir sobre aquilo que vêem, ouvem, lêem, sobre aquilo que se injecta nelas… Não é ser céptico e ponto, sem uma razão fundamentada; é preciso questionar. Tu podes ser céptico, mas é necessário apresentar soluções possíveis para entrar em confronto com outras concepções e saírem dali outras construções. Ser céptico também exige propor pensamentos, saídas, e não só reclamar. Quem observa a falta de sentido crítico, o que faz para mudar essa realidade? A arte pode ser fundamental para desenvolver esse sentido crítico. Isso parte de cada um para a sua família, para o seu grupo de amigos, para o seu bairro – desafiar as pessoas de quem se gosta. Precisamos de começar a transformar a partir das pessoas que nos são próximas, agitar consciências e fazer com que os olhares possam ser modificados a cada novo clarão.


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DESPORTO

Mundial de Rugby Sevens com estatuto de interesse público Carlos Daniel Rego

DR

Comité executivo da competição já se encontra completo. Objectivo passa por trazer ao Porto 32 selecções. O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto reconheceu, no passado dia 12 de Dezembro, o IV Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens como evento de interesse público. O próximo campeonato mundial da modalidade vai decorrer entre os dias 21 e 24 de Julho de 2010, no estádio Bessa Séc. XXI, sob a chancela da Universidade do Porto (UP). Para além da UP, a organização estará ainda a cargo da Federação Académica de Desporto Universitário (FADU), da Federação Internacional de Desporto Universitário (FISU) e contará ainda com o apoio da Federação Portuguesa de Rugby (FPR). A organização espera receber neste campeonato 24 selecções

masculinas e 8 femininas, num total de mais de 550 atletas. Se estes números se confirmarem, este mundial de Rugby Sevens será o mais participado até ao momento. Para tal, a organização está a encetar esforços com o objectivo de trazer ao Porto as melhores equipas de Rugby Sevens universitárias. Recorde-se que o último campeonato mundial desta modalidade decorreu na cidade espanhola Córdoba e contou com a participação de 18 equipas (13 masculinas e 5 femininas). Com o objectivo de promover a competição, uma comitiva da UP vai deslocar-se à China, ainda este mês, para apresentar à FISU o habitual Progress Report (ponto de situação) do evento. Para além disso, esta viagem vai servir

igualmente para estabelecer relações desportivas bilaterais entre os dois países, assim como para convidar a selecção chinesa e algumas equipas da região da Oceânia a participar no evento. Comité executivo completo Já são conhecidas as pessoas que vão ocupar os lugares do comité executivo do IV Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens. A direcção do comité executivo da competição será composta pelo Pró-reitor da UP para a Cultura e Desporto, Manuel Janeira, pelo Director do Gabinete de Actividades Desportivas da Universidade do Porto (GADUP), Bruno Almeida, e pelo técnico do GADUP, Nuno

Carvalho Vieira, que será ainda responsável pela parte comercial e pelas questões logísticas do evento. O director adjunto do GADUP, Miguel Monteiro será o assistente de coordenação e Pedro Dias, da Universidade do Minho, o responsável pelos contactos internacionais. Já o administrador dos Serviços de Acção Social, João Carvalho, estará à frente do departamento financeiro e o administrador de comunicação da UP, Vasco Ribeiro ficará responsável pela comunicação. Por fim, as acreditações estarão a cargo de Paulo Ferreira, da Universidade do Minho, o departamento médico ficará a cargo de Carlos Magalhães, o gabinete de relações internacionais será entregue a Cristina Ferreira e a consultadoria técnica a Nuno Gramaxo.

INSTITUCIONAL

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO ABRE NOVO CAPÍTULO NA EDUCAÇÃO CURSOS JÁ EXISTENTES: LICENCIATURAS (1º CICLO ) Administração Pública, Regional e Autárquica Arquitectura (Mestrado Integrado) Ciências Aeronáuticas Ciências da Comunicação e da Cultura Ciência Política e Estudos Eleitorais Contabilidade, Fiscalidade e Auditoria Direito Economia Engenharia de Automação e Controlo Engenharia do Ambiente Engenharia Informática Estudos Europeus e Relações Internacionais Gestão Gestão e Desenvolvimento de Recursos Humanos Gestão e Engenharia Industrial Informática de Gestão Línguas e Tradução Psicologia Psicopedagogia Clínica Segurança e Higiene do Trabalho Turismo e Gestão de Empresas Turísticas MESTRADOS (2º CICLO) Arquitectura Direito Engenharia de Software e Sistemas de Informação Integração Europeia e Economia Internacional Jornalismo, Política e História Contemporânea (parceria com a ULHT) Psicologia da Educação (parceria com a ULHT) Sistemas de Comunicação Multimédia

DOUTORAMENTOS (3º CICLO) Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais Arquitectura (perceria com a Univ. Corunha) Educação (parceria com a ULHT) Pós-graduações e Especializações nos vários domínios da Cultura, da Arte, da Ciência e da Tecnologia OUTROS CURSOS JÁ SOLICITADOS PARA O PRÓXIMO ANO LECTIVO: LICENCIATURAS (1º CICLO ) Análises Clínicas e Saúde Pública Ciências das Religiões Comunicação Aplicada: Marketing, Publicidade e Relações Públicas Comunicação Audiovisual e Multimédia Design e Comunicação Enfermagem Engenharia Civil Engenharia de Sistemas de Informação Geográfica Engenharia Electrotécnica de Sistemas de Energia Farmácia Fisioterapia Gestão de Unidades de Saúde Radiologia Serviço Social Sociologia Solicitadoria Urbanismo e Ordenamento do Território Gestão Aeroportuária MESTRADOS (2º CICLO) Ciência Política, Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais

Ciências Aeronáuticas Ciências da Educação - Area de especialização em Educação e Bibliotecas Estudos Lusófonos: Lusofonia e Relações Internacionais Gestão Gestão do Turismo Gestão Urbanística Museologia Psicologia Clínica e da Saúde Psicologia Forense Tradução DOUTORAMENTOS (3º CICLO) Ciências da Educação Estudos Africanos Filosofia e Pensamento Contemporâneo Gestão Como gosta de referir o novo Reitor da Universidade Lusófona do Porto, Prof. Doutor Fernando dos Santos Neves (além de mais, considerado o “apóstolo-mor da Declaração de Bolonha em Portugal” e o “pai teórico da Lusofonia”), a Universidade Lusófona do Porto quer tornar-se a Universidade Certa, na Hora Certa, para a Lusofonia Certa, no Porto e em toda a Euroregião do Noroeste Peninsular! UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO informacoes@ulp.pt www.ulp.pt


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INTERNACIONAL

“Queremos a nossa vida de volta!” José Soeiro

Desde 6 de Dezembro que a Grécia vive dias de revolta. O colaborador do JUP em Atenas, José Soeiro, dá-nos as impressões de uma Grécia revoltada. José Soeiro

Regresso às aulas ou regresso às ruas? Chegamos à Grécia no fim das férias de Natal. À porta do Politécnico de Atenas, o centro da contestação estudantil, dois trabalhadores pintavam as paredes de branco: era preciso apagar as marcas da revolta que incendiava aquele país desde o início de Dezembro. Mas sabíamos que, para o primeiro dia de aulas, estavam já marcadas assembleias em várias escolas, que iriam decidir sobre a continuação do protesto. No fim do ano, quando começaram as férias, os estudantes despediram-se do poder com o seguinte slogan: Merry Crisis and a Happy New Fear. Os dias seguintes iriam provar-nos que tinham razão. “Para os bancos dinheiro... para a juventude balas!” O acontecimento que desencadeou toda a revolta foi o assassinato, pela policia, do jovem estudante de 15 anos Alexis Grigoropoulos, no dia 6 de Dezembro. Imediatamente, foram organizadas várias manifestações, em diferentes cidades, e houve as primeiras barricadas e confrontos contra a polícia. Na verdade, desde a ditadura militar que há uma forte cultura antiautoritária neste país. Os partidos do poder têm feito promessas sucessivas de “democratização da polícia”. Mas ela nunca aconteceu: a polícia continua conotada com a extrema-direita e com uma repressão violenta. A Amnistia Internacional considerou a Grécia um dos piores países europeus no que diz respeito à violência policial e tem chamado a atenção para falhas graves nos mecanismos de responsabilização da polícia. Antes dos Jogos Olímpicos de 2004, uma série de leis “anti-terroristas” reforçaram o poder e a arbitrariedade da acção policial,

criando um novo corpo de polícias com formação rápida e direito de usarem arma: foram eles que mataram o adolescente. Em Exarchia, bairro central da contestação e onde se situa o Politécnico, a polícia é uma presença constante. E o assassinato de Alexis fez explodir a revolta e a indignação. Guerrilha no tempo da internet Uma revolta é por natureza uma indignação e uma desordem: aí reside também o seu potencial criativo. Uma das novidades do que se passou na Grécia foi a capacidade de, rapidamente, eclodirem tantos protestos. E, num tempo marcado pelas tecnologias de informação e comunicação, também por aí se espalhou o protesto. Blogs, mailing-lists, sms, redes sociais online, tudo foi instrumento para o combate. Um grupo criado no Facebook, cujo título era “Fuck Alexis Kougias” (o advogado do polícia responsável pela morte do jovem Alexis Grigoropoulos), reuniu 90 mil membros em quatro dias. “O que se discute é toda a sociedade” As assembleias das escolas, nomeadamente do superior, foram elementos centrais da organização da revolta. Nelas se reuniram, naqueles primeiros dias de Janeiro, centenas de estudantes em cada escola. Ali, as pessoas tomam a palavra sem microfone e as discussões são exaltadas. A escola é um lugar de debate do mundo e dos seus caminhos. Os plenários duram horas e acabam por convocar a manifestação de dia 9 de Janeiro, apelar a acções contra o massacre de Gaza e exprimir a solidariedade com Konstantina Kouneva, sindicalista vítima de um ataque brutal nos últimos dias de Dezembro. Nas escolas, não se discutem as “questões académicas” nem os “períodos de exame”. Fala-se sobre democracia, sobre o que está mal e como devia ser. Há

quem diga, em defesa das ocupações, que “mais vale perder uns dias de aulas do que perder a democracia”. À porta de uma dessas Assembleias Gerais, pergunto a uma rapariga o que se está a discutir, qual é o tema, a ordem de trabalhos. A resposta é pronta: “Tudo. O que se discute é toda a sociedade”. O dia da manif 9 de Janeiro foi o dia da manif. Nela participam milhares de pessoas que se vão concentrando em frente à Universidade. Um mar de gente: estudantes universitários, sindicalistas e professores que marcam presença com faixas próprias. Mas a maior parte da manifestação que ocupou as ruas de Atenas é gente muito mais nova: milhares de jovens de 13, 14, 15, 16 anos, a mesma idade de Alexis, o colega deles que a polícia matou. O dia 9 era um dia simbólico. 18 anos antes, um movimento estudantil poderoso ocupava as escolas gregas. Em Patras, Nikos Temponeras, professor do ensino secundário solidário com os estudantes, defendia a ocupação da sua escola. Foi morto, espancado com uma barra de metal por um grupo de estudantes de direita, membros da Nova Democracia. Por isso, a manifestação lembrou, em nome do presente e do futuro, não apenas Alexis, mas também esse outro crime passado. A questão da violência Na Grécia, como em Portugal, a maior parte das pessoas que fazem limpezas trabalha para empresas subcontratadas que competem pelos contratos milionários dos grandes bancos, companhias públicas e empresas de transportes. Para oferecerem condições mais “competitivas”, cortam nos salários dos trabalhadores e atropelam-lhes todos os direitos. Na Grécia,

este é um dos sectores mais marcados pela precariedade e pelo abuso, com os patrões a aproveitarem-se do isolamento, do trabalho clandestino e da fragilidade dos imigrantes. Num sector como este, existem todas as condições para as pessoas se calarem. Contudo, houve uma mulher, imigrante búlgara na Grécia, empregada de limpeza, precária a part-time que, com as suas companheiras, teve a coragem da dignidade. Konstantina Kouneva, doutorada em História e empregada de limpeza nos comboios, foi uma das fundadoras do sindicato das mulheres de limpeza e das empregadas domésticas de Ática e era a sua dirigente principal. Antes do Natal, levou a cabo uma luta pelo mínimo de respeito: os patrões queriam roubar às trabalhadoras o subsídio de Natal. Konstantina protestou – e portanto era odiada pelos patrões, que a ameaçaram. Na madrugada de dia 22 para 23 de Dezembro, quando regressava a casa em Petralona, foi atacada violentamente com ácido sulfúrico na cara e na garganta. Desde essa altura está no hospital e só teve a solidariedade activa dos estudantes, de grupos anarquistas e de organizações da esquerda. Sabe-se que os empresários desta vez cumpriram a ameaça. E sabe-se que, por causa do ácido, Konstantina já não vê de um olho e não consegue falar. Os patrões nunca toleraram que os precários pudessem ter uma voz. “Não temos medo dos despedimentos. Os patrões devem ter medo das greves selvagens” Na Grécia, como em Portugal, ser jornalista é cada vez mais ser precário: contratos a prazo, estágios não remunerados, falso trabalho autónomo (aqui, recibos verdes...) caracterizam a profissão. Na Grécia, o sindicato dos jornalistas é único e tem uma direcção de direita. Segundo nos dizem, é um sindicato conciliado com o poder e incapaz de lutar pelos precários. Por isso, no dia 10 de Janeiro, foi ocupado. No comunicado dos ocupantes, jornalistas precários, afirmam-se três reivindicações: o direito a dar informação verdadeira sobre os acontecimentos gregos, contra a manipulação do poder e dos patrões dos órgãos de comunicação social; a solidariedade com Konstantina Kouneva,; a luta contra a precariedade instalada no sector. No terceiro andar, centenas de jornalistas, sobretudo jovens, ocupam o auditório do sindicato e transformam-no numa intensa assembleia. “Fuck Mai 68. Fight Now!” As assembleias gregas lembram as imagens do Maio francês. Não que

não tenha havido outros Maios e outros PRECs. Mas Paris faz mais parte do imaginário colectivo, porque há mais registos e pôde ser vendida com a imagem romântica de uma revolução derrotada e com a saudade paternalista de quem, “no seu tempo”, acreditou que havia praia debaixo dos paralelos da rua. Acontece que a realidade é outra. O desemprego entre os jovens gregos (dos 15 aos 24 anos) era, no último semestre de 2008, de 21,4%, o maior da Europa. 70% dos jovens gregos que trabalham recebe menos que 750 euros por mês. O salário médio é hoje menor do que era em 1984, em termos relativos. E comparando os anos 80 com 2007, a distribuição de rendimento entre capital e trabalho desequilibrou-se em favor do primeiro: de 58% para 44%. Adianta pouco lembrar 68. A nossa geração, na Grécia ou em Portugal, é a primeira que sabe que viverá pior que os seus pais. Uma revolta geracional? O que se passa na Grécia pode ter muitas leituras: a dificuldade de uma revolta como esta é que não tem uma tradução política evidente nem as formas tradicionais de expressão do conflito. É sem dúvida uma revolta contra a violência policial, que trouxe para a rua o ressentimento de uma geração que parece condenada à precariedade e cujos problemas não parecem ter eco nas instituições que existem, sejam as do estado, sejam a que historicamente representaram os interesses dos “de baixo”. Mas o que se passa na Grécia não é só isso. É um enorme processo de envolvimento e de politização da juventude que é, em si mesmo, transformador. E é, provavelmente, o mais violento confronto da sociedade grega com o neoliberalismo e a sua realidade feroz, em que a solução apresentada para a crise é a mercantilização dos direitos, o aumento das desigualdades e a precarização generalizada. Quando os gregos nos desafiam Acontece que, cá como lá, não há inevitabilidades nem estamos condenados a sofrer com o presente em vez de o transformar. Em cada acção e em cada exemplo, o que vimos na Grécia rasga as fronteiras do possível e faz-nos sentir que a realidade pode ser diferente do que existe. Ou seja, depende de nós. Na Grécia, onde as dificuldades da condição juvenil não são afinal tão diferentes das nossas, os jovens decidiram que não iriam ficar calados. E isso não é só uma enorme lição, é um desafio que nos lançam. José Soeiro escreve sobre as revoltas na Grécia em www.blocomotiva.net


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De Beirute

INTERNACIONAL Opinião

Michel Kabalan (doutorando de Pensamento Árabe Contemporâneo na Universidade Livre de Berlim), tradução de Bruno Monteiro e Joana Gomes

A ocupação de Gaza vista do outro lado da fronteira. As poucas centenas de quilómetros que separam Beirute de Gaza parecem ter desaparecido nas últimas semanas. Gaza parece-se mais do que nunca com o nosso vizinho do lado, com o qual partilhamos alegrias e tristezas. Uma espécie de destino comum liga os dois lugares, um destino comum moldado por uma mistura de geografia, história e pelas relações turbulentas com um vizinho económica e militarmente superior. Os libaneses têm muito em comum com os habitantes de Gaza. Também eles vivem o seu dia-a-dia debaixo da ameaça contínua de Israel. Israel tem atacado frequentemente o Líbano, lançando uma operação militar de larga escala quase de dois em dois anos, isto sem esquecer as muitas violações diárias do espaço aéreo e marítimo libanês. A última grande ofensiva foi em 2006 e destruiu quase por completo as infraestruturas do país e matou mais de mil pessoas. Tal como em Gaza. Em frente ao mar. Aqui, em Beirute, na Corniche Almanara, em frente ao Mediterrâneo e onde os beirutinos costumam passear, um grupo de mães libanesas organizou uma vigília para esta noite. O pequeno espaço que escolheram para a celebração está coberto de flores, velas e pequenas bandeiras palestinianas. Maha, de 40 anos, diz-me que veio até aqui porque o sentimento de impotência é de tal modo avassalador que a sufoca. Quer dizer algo, ou fazer algo, ou pelo menos abraçar uma das corajosas mulheres palestinianas que são muitas das vezes as verdadeiras vítimas da guerra. As imagens emitidas pela televisão de crianças desmembradas aterrorizam-na. Maha diz-me que decidiu vir a esta vigília para erguer a sua voz e gritar contra esta injustiça que se repete vezes sem conta. Jihan corre apressada para se juntar à multidão. Apresentou-se como activista política. Está exasperada pela parcialidade dos media na cobertura do conflito e considera ser completamente despropositado um entendimento do que se passou partindo da questão “da prioridade da segurança”. Pergunta por que é que é permitido a Israel conservar as terras que conquistou ilegalmente e expandir a construção de colonatos enquanto continua a castigar incessantemente civis indefesos e por que razão crianças indefesas devem estar sujeitas ao sofrimento em nome de uma paz desejada por um estado que não respeita os direitos humanos? “A força tem sempre razão”, replica. “Toda a conversa do Ocidente sobre a promoção de democracia é apenas hipocrisia”. Os palestinianos de Gaza foram punidos após terem elegido

democraticamente um governo islamista. Daqui resulta uma pergunta pertinente - é esta a democracia exemplar que o Ocidente quer promover no Médio Oriente? Jihan, que é palestiniana, procurou ajudar o território de uma maneira mais concreta. Mas a sua intenção esbarrou na impossibilidade de enviar qualquer tipo de ajuda humanitária para Gaza: “Todas as tentativas de mandar pequenos carregamentos de ajuda humanitária para Gaza foram bloqueadas pelas autoridades israelitas. As pessoas que lá estão presas são abandonadas à sua sorte, e vão enfrentar a sua condição sozinhas…”,”Sozinhas”, repetiu. Na Baixa. Deixando a vigília da Corniche, dirigi-me ao centro da cidade onde outra vigília decorre, esta em frente do edifício das Nações Unidas. A iluminação forte e amarelada do bairro mais luxuoso de Beirute funciona como luz de fundo para fotografias de crianças mortas. Os organizadores desta vigília quiseram mostrar a sua dor e frustração causadas por tudo que tem sucedido em Gaza ultimamente. “Juntámos esforços” diz Ziad, 26 anos, “para recordar aos beirutinos que a ofensiva de três semanas contra Gaza foi parte de um plano gizado para destruir não só as pessoas mas também as infra-estruturas do território, de modo a que o governo pró-israelita da corrupta Autoridade Palestiniana volte ao poder. A Faixa de Gaza esteve debaixo de um bloqueio de dezoito meses antes do início das operações militares”, insiste, “e os bombardeamentos serão apenas mais um episódio de um ciclo infinito de guerras e terror, que concretiza a doutrina do Shock and Awe (literalmente choque e terror) enunciada pela Administração Bush”. “O objectivo” assegura “é fazer com que os Árabes se tornem apenas nos guardas de fronteira, ao mesmo tempo tranquilos e temerosos, de um estado que se considera militarmente, economicamente e culturalmente superior.” Para Ghassan, um jornalista de 36 anos, tudo se resume a uma questão de “justiça”. Segundo ele, de um lado, estão as políticas israelitas, que nunca foram mais do que um facto consumado, e o estado colonialista de Israel, que continua a perseguir sistematicamente aqueles que expulsou das suas terras em 1948. Do outro lado, os árabes, que estiveram silenciosos durante os dezoito meses de bloqueio e durante a última guerra. “O silêncio é a prova que os governantes árabes aprovam o massacre”. Ghassan pensa que alguns jornais árabes perderam os seus leitores simplesmente porque, escudando-se atrás de uma pretensa parcialidade, acabaram por servir como

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propagandistas da máquina de guerra israelita. Os media libaneses, acrescenta, “não se portaram melhor”: a maior parte deles não tomou sequer uma posição clara sobre o assunto e alguns deles apoiaram claramente a agressão porque colocam o Hamas ao mesmo nível do Hezbollah, que consideram como o culpado pela guerra de 2006. Dima, de 43 anos, entrou na conversa criticando os comentadores que procuram justificar as acções de Israel ao mesmo tempo que fechavam os olhos à dimensão da tragédia e ao número de palestinianos mortos. Segundo Dima, “não importa muito discernir quem começou primeiro. Importa sim saber quando se lançou um ataque que foi planeado e meticulosamente premeditado. Para além disso, Israel impediu o acesso livre dos media à Faixa de Gaza para assim deter o monopólio das notícias que saíam a público”, disse. “A maior parte das agências noticiosas ocidentais basearam-se em informação emitida pela propaganda de guerra israelita e por isso eram muitas das vezes parciais” concluiu. Junto à universidade. Mas não são apenas aqueles que participam em vigílias ou manifestações que se indignam com os acontecimentos dos últimos dias. Em Hamra, uma das principais ruas de Beirute, encontro Zeina e Fuad, de 22 e 21 anos, estudantes da Universidade Americana de Beirute, que se perguntam como é possível acusar as vítimas (neste caso os palestinianos) de serem os carrascos quando as incursões brutais contra os Palestinianos (não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia) têm sido uma prioridade na agenda israelita desde a fundação do estado israelita em 1948? Como podem pessoas ditas “conscienciosas” gabar-se ou reclamar sucesso ao destruir vidas de inocentes, bombardear ambulâncias, impedir a Cruz Vermelha de socorrer os feridos e envenenar o ar com armas químicas e letais? A raiva cresce ainda mais aqui entre os libaneses quando se constata que os palestinianos sitiados em Gaza, que enfrentavam já condições extremas de acesso a bens essenciais, sofrendo em muitos casos de frio e de má-nutrição, pareciam não morrer suficientemente depressa. A ofensiva de três semanas em Gaza trouxe mais morte e destruição e também a paralisação da ajuda a um território com cerca de 480 quilómetros quadrados, que estava já à beira de um desastre humanitário semanas antes do ataque israelita. Para terminar, todos em Beirute se perguntam: Por que é que Israel pode agir à margem do direito internacional? Até quando durará a impunidade do estado israelita?

DOS TRABALHOS DE GRUPO

Amzi Gal * (pseudónimo)

Directamente de Tel Aviv, Amzi Gal, conta-nos o dilema daqueles que não apoiaram a invasão de Gaza. Imagina que acordas de manhã e começas a ouvir o rugido dos tambores de guerra. Ao início, o som é quase imperceptível, quase como o restolhar das folhas nas árvores, mas mais profundo e mais escuro. Quando tens consciência dele, no momento em que despertas, o ruído dos tambores já se tornou numa batida ensurdecedora, e essa batida num grande trovão. Finalmente,

acordas, os portões do inferno estão escancarados e já estás imerso na retórica do ódio. Eu não fui soldado, mas observei a formação da atmosfera que torna a guerra possível. As pessoas de quem verdadeiramente gosto transformaram-se; os meus amigos mais queridos, os meus familiares mais próximos, os professores em que mais confiava. Transformaram-se completamente. O primeiro sentimento é de afastamento, o sentimento de ser atirado para fora de uma sociedade intensamente amalgamada. Algo correu horrivelmente mal. Será que enlouqueci? Não houve uma altura em que partilhávamos os mesmos valores? Não ficávamos agastados quando escutávamos os sofrimentos dos outros? Não nos deixava sempre perplexos a ideia de que um povo – educado, civilizado, reflexivo, crítico, instruído – poderia passar por uma tal metamorfose que as pessoas se tornariam monstros? Não é tudo isto simplesmente um pesadelo? Se ao menos eu conseguisse acordar… A repulsa torna-se insuportável.

Desconcertado, começo a ir a manifestações. Aí encontro mulheres e homens oriundos de toda a sociedade israelita. Palestinianos e judeus, anarquistas e homossexuais, sionistas e comunistas, vítimas e carrascos, unidos por uma vez numa súplica a pedir o fim desta sangrenta carnificina. Desfilamos pelo meio de Tel-Aviv, ao longo de uma das suas vias principais: a rua Ibn-Gvirol, assim chamada em homenagem a um poeta hebreu-andaluz nascido na Ibéria multicultural do século XI. Nessa altura, o Al-Andalus era sem dúvida mais tolerante do que a Tel-Aviv de hoje em dia, porque enquanto caminhávamos pelo meio da rua, à esquerda e à direita, nos passeios de ambos os lados, havia punhos cerrados e olhos exorbitados, dedos apontados, gestos ameaçadores e palavras de ódio. Havia berros e gritos, ovos atirados e palavras tão abomináveis que não devem jamais ser repetidas. Entoando ritmadamente palavras de protesto, as pessoas do desfile iam avançando. Imperturbáveis, flanqueadas por agitadas bandeiras brancas e azuis,

enormes bandeiras de ódio como as ondas do mar, ameaçadoras, que procuravam esmagá-las à medida que avançavam «no meio do mar, e as águas formavam como que uma muralha à direita e à esquerda deles» (Êxodo 14:22). Não há nada que eu possa acrescentar excepto isto: pude observar pormenorizadamente a dinâmica do ódio. Começa por ser como uma mágoa e um lamento intoleráveis. Depois, transforma-se em raiva e, por fim, em ódio. Mágoa, Raiva, Ódio. Foi hoje empossado um novo presidente americano. A operação militar formal contra os civis de Gaza terminou – por agora. Durante esta operação, mais de mil pessoas morreram. Vamos chorar estas pessoas, qualquer que seja a sua origem, religião ou afiliação política. Tenhamos força para chorar, para nos sentirmos unidos nessa dor e para parar aqui, sem sermos sugados para um ciclo de raiva e ódio como o resto do rebanho. * O uso do pseudónimo tornouse uma necessidade após os acontecinentos relatados neste texto.


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JUP FEVEREIRO’09

U.PORTO

INSTITUCIONAL

E-LEARNING CAFÉ

AGENDA UP FEV’09 ATÉ 30 DE ABR II CICLO DE FOTOGRAFIA – FAUP - ATÉ 30 DE ABR - CONCURSO: “FOTOGRAFIA DE ARQUITECTURA” Júri: Luís Ferreira Alves (fotografo); José Manuel Salgado (arquitecto); Teresa Siza (ex-directora do CPF). - ATÉ 20 DE FEV - EXPOSIÇÃO: “EM OBRA” Local: Museu FAUP Comissário: Pedro Bandeira Na exposição “Em Obra”, constituída por 27 fotografias, Luís Ferreira Alves reflecte sobre a arquitectura em fase de construção, ou reconstrução, o que explicará o título da amostra. 4 DE FEV CURSO LIVRE DE DESENHO FBAUP- Sala de Desenho - MODALIDADE DE CURSO LIVRE: - Inscrição: 120€ - Mensalidade: 100€ - Mínimo de 15 inscrições - Comunidade UP - Desconto de 30% - MODALIDADE DE DESENHO DE MODELO VIVO - Regime Livre - Cada sessão de Modelo 20€ - Grupo de 4 sessões - 60€ - Sextas-feiras das 18 h às 20h - Comunidade UP - Desconto de 30% 9 DE FEV SEMINÁRIO EM SAÚDE INTERNACIONAL “DESAFIOS GLOBAIS EM SAÚDE INTERNACIONAL” Anfiteatro Norte, FMUP - 14 às 18h. Seminário por Filipe Basto (Gabinete de Relações Externas e Saúde Internacional do Hospital S. João e Instituto de Saúde Pública da U.Porto) e Cândida Abreu (Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital S. João e Instituto de Saúde Pública da U.Porto). Promovido pelo Serviço de Higiene e Epidemiologia da FMUP. 9 A 13 DE FEV SEMANA ABERTA NA FFUP ABERTAS AS INSCRIÇÕES ESPECIALMENTE DIRIGIDA AOS ALUNOS DO SECUNDÁRIO As visitas dos alunos interessados efectuar-se-ão por períodos das 10 às 12 ou das 15 às 17 horas. É indispensável uma marcação prévia por parte das escolas interessadas, as quais deverão enviar a indicação do número de alunos e do dia e hora preferidos, não se prevendo visitas no dia 13 de tarde. Faculdade de Farmácia Universidade do Porto Tel. 222078944 Fax. 222003977 Email:secretariado@ff.up.pt DE 12 DE FEV A 24 DE NOV

“CHARLES DARWIN (1809-2009) – EVOLUÇÃO E BIODIVERSIDADE”, EXPOSIÇÃO E CONFERÊNCIAS Exposição no 3º piso do edifício da Reitoria da U.Porto. Exposição do Museu de História Natural da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto para assinalar o bicentenário do nascimento do naturalista inglês (12 de Fevereiro) e os 150 anos da publicação da sua obra maior, “A Origem das Espécies” (a 24 de Novembro). A exposição aborda a vida, obra e os impactos da sua teoria. - 19 DE FEVEREIRO, 18H – “DARWIN, ANTES E DEPOIS”, POR CARLOS ALMAÇA (UNIVERSIDADE DE LISBOA) Na sala do Fundo Antigo, Reitoria da U.Porto, Praça Gomes Teixeira. 13 DE FEV WORKSHOP: FROM TECHNOLOGY TO BUSINESS Sala B032 da FEUP, 9 horas A iniciativa, da responsabilidade da Divisão de Cooperação da Faculdade de Engenharia, em colaboração com a University Technology Enterprise Network (UTEN), tem por objectivo promover o conhecimento na área da transferência de tecnologia, através da discussão, troca de ideias e cooperação com especialistas americanos de renome mundial, parceiros da UTEN. A entrada é livre, embora sujeita a inscrição prévia através do seguinte endereço de e-mail idi@fe.up.pt. MAIS INFORMAÇÃO: http://www.fe.up.pt/si/noticias_geral. ver_noticia?P_NR=8651 ORGANIZAÇÃO: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) University Technology Enterprise Network (UTEN) 16 DE FEV SEMINÁRIO EM SAÚDE INTERNACIONAL - “SAÚDE MATERNO-INFANTIL” Anfiteatro Norte, da FMUP 14 h Com a participação dos professores António M. Guerra (Serviço de Pediatria do Hospital S. João) e Teresa Rodrigues (serviço de Obstetrícia do Hospital S. João e Instituto de Saúde Pública da UP). Para mais informações, por favor, consulte http://epidemiologia.med.up.pt. 20 DE FEV SEMINÁRIO DE SAÚDE PÚBLICA - “BIOBANCOS: NOVAS FERRAMENTAS DE INVESTIGAÇÃO” Anfiteatro Norte, FMUP, 16 horas. Com Tiago Outeiro (Instituto de Medicina Molecular - Unidade de Neurociências Celular e Molecular). Para mais informações, por favor, consulte http://epidemiologia.med.up.pt.

DE 19 A 21 FEV APEAA 30TH ANNUAL CONFERENCE “SELF, MEMORY AND EXPRESSION” The Portuguese Association for Anglo-American Studies (APEAA) http://sigarra.up.pt/flup/noticias_ geral.ver_noticia?P_NR=2288 23 DE FEV SEMINÁRIO EM SAÚDE INTERNACIONAL “DOENÇAS EMERGENTES (E BIOTERRORISMO)”, “MEDICINA DE VIAGEM E POPULAÇÕES MÓVEIS” Anfiteatro Nascente, FMUP 14h O seminário vai ter lugar entre as 14 e as 18 horas, no Anfiteatro Nascente, e conta com a alocução dos professores Henrique Lecour (Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa) e Filipe Basto (Gabinete de Relações Externas e Saúde Internacional, Hospital S. João). 26 E 27 DE FEV DIAS ABERTOS DA FACULDADE DE CIÊNCIAS A Faculdade de Ciências da Universidade do Porto vai realizar nos próximos dias 26 e 27 de Fevereiro de 2009 dois Dias Abertos às Escolas, segundo a seguinte programação: - DIA 26 DE FEV DE 2009: ESTUDANTES DO TERCEIRO CICLO DO ENSINO BÁSICO. - DIA 27 DE FEV DE 2009: ESTUDANTES DO ENSINO SECUNDÁRIO. Informações e condições de inscrição relativas às visitas podem ser obtidas através do endereço electrónico: http://www.fc.up.pt/ 25 A 27 DE FEV 2ª EDIÇÃO DO IJUPINVESTIGAÇÃO JOVEM NA UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Arquitectura. (Ver página ao lado) Para mais informações, sugere-se a consulta da página web: http://ijup.up.pt. 26 E 27 DE FEV IRIS MURDOCH COLÓQUIO INTERNACIONAL NOS DEZ ANOS DO DESAPARECIMENTO, O ENCONTRO DA LITERATURA COM A FILOSOFIA FLUP CONTACTO:irismurdoch@letras.up.pt 27 DE FEV A 1 DE MAR XI ENEF - ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE FÍSICA Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Este encontro está também inserido no Ano Internacional da Astronomia 2009.

E-LEARNING CAFÉ RECEBE O “MELHOR FORMADOR DO MUNDO” PARA FALAR DE NETWORKING Como aumentar a sua rede, alimentá-la e colher os seus frutos no final, com métodos simples? Este workshop, previsto para dia 26 de Fevereiro, às 14h30m, no e-Learning Café, pretende munir os seus participantes de ferramentas que possam valorizar as suas competências pessoais, de forma a poderem ter ou criar o seu lugar no mundo laboral. Esta acção pretende ajudar os jovens, informado sobre os meios disponíveis que os podem ajudar nesta etapa. Tanto mais que o panorama actual não favorece o ingresso no mundo profissional dos jovens recém-licenciados. O formador convidado é Filipe Carrera (www.filipecarrera.com), responsável pelas áreas de Consultoria de Gestão e Formação na empresa Prestin e MBA pela Universidade Politécnica de Madrid. É um formador reconhecido e premiado internacionalmente, com uma abordagem de ensino muito inovadora nas questões ligadas ao networking. A metodologia que usa consagrou-o o “Melhor Formador do Mundo”, em Novembro de 2008, em Nova Deli. A iniciativa é promovida pela Universidade do Porto e pela Universia Portugal. As inscrições podem ser feitas no e-Learning Café, na sala de apoio, a partir de 9 de Fevereiro, ou pelo mail elearningcafe@reit.up.pt. EVENTOS PREVISTOS (ver programação em http://elearningcafe.up.pt) APRENDER LÍNGUAS No final de Fevereiro, após o período de exames, recomeçam as aulas de línguas, às 3ª e 4ª feiras, às 22h, por membros da ERASMUS Student Network (ESN) que se disponibilizem. Os estudantes estrangeiros ensinam a sua própria língua, e os estudantes portugueses ensinam português. EXPOSIÇÕES Duas exposições de fotografias e 1 de ilustração infantil. MONOGRAFIAS DE FARMÁCIA Apresentações de monografias dos estudantes de Farmácia – final 2º semestre. MÚSICA Concertos de jazz e de música brasileira. IMAGENS EM MOVIMENTO, SEM SOM Projecções diversas em diferentes suportes do e-Learning Café.


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U.PORTO

INSTITUCIONAL

IJUP arranca a 25 de Fevereiro

Jovens impulsionam experiências cruzadas na investigação JC/REIT

Os jovens podem mudar e mais facilmente cruzar experiências na investigação da U.Porto. É nesse sentido que surge o IJUP-Investigação Jovem na Universidade do Porto, uma montra privilegiada da investigação que fazem. Nesta segunda edição, atingiu-se quase o dobro de propostas de apresentação e de inscrição em relação a 2008.

A Faculdade de Arquitectura foi o palco escolhido para a imensa montra da investigação jovem na Universidade do Porto. Entre os dias 25 e 27 de Fevereiro, nos espaços da FAUP cruzar-se-ão futuros artistas plásticos e multimédia, aspirantes a bioquímicos, potenciais engenheiros, próximos

sociólogos ou linguistas e, claro, pretendentes a arquitecto, entre várias outras áreas profissionais em potência que constituem o vasto leque de formação da U.Porto. O encontro Investigação Jovem na Universidade do Porto (IJUP) “constitui uma oportunidade única para comunicar o saber perante pú-

blicos de áreas diferentes e também entre pares; um momento privilegiado para troca de experiências; uma montra sobre o conhecimento que se produz na U.Porto e onde os investigadores de cada área podem conhecer os que se faz nas outras”, caracteriza Jorge Gonçalves, ViceReitor da Universidade do Porto. A própria organização, acrescenta, está montada na mesma lógica, dado que é constituída por 19 jovens (menos jovens que os participantes), investigadores já com créditos firmados e idade próxima dos 30 anos, de diferentes áreas do saber. Foram recebidos mais de 330 resumos - ou seja, propostas de apresentação no encontro -, enquanto no ano passado o número rondou os 200, e o número de inscrições ultrapassa agora as 600, quase o dobro de 2008. Os formatos de apresentação vão da habitual exposição oral, ao poster e à apresentação física do resultado do processo de investigação, como

no caso da participação das Belas Artes. Neste caso, dadas as limitações de espaço, os trabalhos só podem prever duas dimensões, como será o caso da fotografia, pintura ou vídeo. Para além de jovens investigadores da Universidade do Porto que estudam nos 1º e 2º ciclos (segundo Bolonha) – estarão presentes, sobretudo, representantes deste último nível -, participarão ainda jovens investigadores das universidades brasileiras USP e UNESP. Perspectiva-se ainda a criação de comunidades piloto no Second Life, grupos de discussão organizados por áreas de saber, em articulação com o Encontro. Na edição do ano passado, após as apresentações durante o encontro, foram seleccionados seis trabalhos para apresentação em encontros congéneres no estrangeiro. Três foram apresentados no Brasil, em S. Paulo, e outros três na Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos da América.

MAIORIA DOS LICENCIADOS GOSTA DA FORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO JC/RS/REIT

A grande maioria dos diplomados pela Universidade do Porto considera “Boa” ou “Muito Boa” a preparação da instituição para o mercado de trabalho, ao nível de cinco dos seis itens analisados no Inquérito aos Diplomados no ano lectivo de 2005/2006, cujas conclusões foram conhecidas recentemente. Metade ou mais dos inquiridos – uma amostra de 1.558 indivíduos, num universo de 3.114 diplomados nesse ano – considerou “Boa” ou “Muito Boa” a preparação ao nível dos “Conhecimentos teóricos”, “Conhecimentos técnicos”, “Competências profissionais”, “Competências relacionais” e ao nível do “Desenvolvimento e enriquecimento pessoais”. Por outro lado, cerca de 70% dos diplomados naquele período

tinha uma profissão, sendo a percentagem dos inquiridos com profissão mais elevada no caso dos diplomados na FMUP, FMDUP, FEP, FEUP, FADEUP e FAUP. A maior percentagem (cerca de 40%) conseguiu o 1º emprego nos 3 meses seguintes a ter concluído a licenciatura, sendo que a maioria (quase 80%) trabalhava, quando inquirido, por conta de outrem e no sector privado (cerca de 60%). Esta foi a primeira fase de um inquérito que a Universidade do Porto pretende tornar periódico, disponível à comunidade académica no portal http://www.up.pt, opção “Ensino”, depois “Documentos” e “Observatório de Emprego”. Neste momento, decorre já o inquérito aos diplomados no ano lectivo seguinte, 2006/2007.

Num estudo de outro âmbito, a nível nacional, e com resultados ainda não conhecidos por instituição, conclui-se que a satisfação dos estudantes é mais baixa no final do curso do que no início.

“A maior parte conseguiu emprego nos três meses seguintes à conclusão da licenciatura.” Trata-se da Avaliação da Satisfação dos Estudantes do Ensino Superior, estudo coordenado por António Magalhães, investigador do Centro de Investigação em Políti-

cas do Ensino Superior (CIPES) e professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.Porto. O resultado poderá até ser natural. Ou seja, as expectativas serem muito elevadas no início e, perto do final, o apuramento do sentido crítico contribuir para uma satisfação mais baixa. É uma constatação sobre a qual as instituições de ensino superior vão agora reflectir e trabalhar, já que, feita a apresentação do estudo com os dados nacionais no passado dia 9 de Janeiro, os dados específicos e relativos a cada instituição vão agora ser entregues a cada uma delas. É também a primeira vez que se faz um estudo deste género em Portugal e, a partir de aqui, será possível estabelecer comparações e interpretar evoluções.

INVESTIGAÇÃO EM DESIGN PRODUZIU CARTAZ

O cartaz do IJUP é ele próprio resultado de um processo de investigação durante a actividade lectiva da disciplina de Design III, nas Belas Artes. Num trabalho desenvolvido ao longo de um mês, em duas fases, sob orientação do docente responsável, Rui Mendonça, autor da imagem do evento anual Mostra U.Porto – Ciência, Ensino e Inovação e vários outros suportes gráficos da Universidade do Porto. Do processo, sujeito à crítica e às sugestões da turma e, evidentemente, à orientação do docente responsável, foi seleccionada a proposta de Joana Mendes, 20 anos, uma apaixonada pelo design editorial e de revistas. Surpreendida, embora consciente da qualidade do resultado final, considera que a sua proposta, que usa um alfabeto construído com base em elementos geométricos, não era de fácil leitura. Salienta que, tendo em conta as características do evento que projecta e o público a que se destina, entendeu que esse era o efeito que pretendia e, simultaneamente, o risco que devia enfrentar.


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FOTOREPORTAGEM

Conta-me como é...

Prepara-se o espectáculo : últimos retoques no banner que vai preencher o palco. Ensaio geral antes do concerto. Apesar dos 5 anos oficiais, a banda ensaia há 7 no C.C.Stop.

Cada um descontrai à sua maneira.

O baterista Tiago Dinis sempre explosivo, acompanhado pelo percussionista Afrokillo e pelo vocalista Babince.

O jantar é recheado de frutas, sopas e tostas – convém uma refeição light antes do concerto . Pouco antes do concerto, nos bastidores, o guitarrista Xandinho toca violão acompanhado de Kwalla, que toca o caxixi.


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FOTOREPORTAGEM

O concerto.

O guitarrista Tiago Dinis faz exercícios para se aquecer minutos antes de subir ao palco.

O vocalista Babince e o guitarrista Xandinho.

O concerto é recheado de energia.

Por onde passa uma formiga e não passa um elefante?

A música “Hiperfone” é um marco na carreira da banda

O concerto acaba numa batucada à brasileira.

r - Manuel Ribeiro m - Manaíra Aires j - José Ferreira


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ECONOMIA

Crise Económica Mundial em Revista Carlos Daniel Rego

2008 foi um ano bastante difícil para a economia mundial. Desde a inicial crise financeira motivada pelo subprime até à falência de reputados bancos mundiais, a maior parte deles sedeados nos EUA, culminando com intervenções governamentais em massa e muitos cenários de recessão. Já nos habituamos a ouvir dizer que quando os Estados Unidos entram em crise o resto do mundo segue o mesmo caminho. Foi assim com a crise de 1929 e de 1987. Hoje, a história repete-se. Tudo começou com a chamada crise do subprime (ver caixa) quando, em 2006, começaram a aparecer as primeiras suspeitas de que podiam existir grandes perdas no financiamento de créditos de alto risco no sector imobiliário dos Estados Unidos. Durante 2007, as piores suspeitas confirmaram-se, levando vários fundos de investimento à falência. Em Agosto desse ano, a Reserva Federal norte-americana (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) entram no terreno para tentar resolver o problema de liquidez do mercado interbancário. Apesar de todos os esforços levados a cabo pelos bancos centrais, a crise agudiza-se em 2008 e começa a alastrar-se por todo o mundo. Começam então as nacionalizações dos gigantes de hipotecas norte-americanos, Freddie Mac e Fannie Mae, que juntos detêm quase metade das hipotecas nos Estados Unidos. Logo de seguida é anunciada a falência do quarto maior banco de investimentos norte-americano, Lehman Brothers, e uma nova nacionalização, desta vez do grupo de seguros AIG. Pelo meio disto tudo, os mercados de valores de todo o globo vão sofrendo grandes perdas e o crédito esgota-se no mercado financeiro. Em Setembro de 2008, é anunciado, pela administração de George W. Bush, um plano de 700 mil milhões de dólares para salvar o sistema bancário norte-americano. Porém, o plano Paulson, como ficou conhecido, é chumbado pela Câmara de Representantes. O referido plano é então reformulado e a sua aprovação acontece apenas em Outubro. Entretanto, do outro lado do Atlântico, a Comissão Europeia aprova igualmente um plano de ajuda para os bancos europeus. Portugal, Suiça e Inglaterra são outros de um vasto rol de países que anunciam medidas de ajuda ao sector bancário. Apesar de todos os esforços desenvolvidos, a crise económica mundial instala-se e o receio de uma recessão nos Estados Unidos é confirmada. Quando o maior motor da economia mundial abranda, o resto do mundo pára para ver qual será o passo se-

da Zona Euro: recessão em 2009 e estagnação em 2010. Por seu lado, os Estados Unidos e o Japão também deverão acompanhar a tendência de queda a nível mundial, em 2009, e cair para os -2,6 e -1,6 por cento de crescimento do produto interno bruto (PIB), respectivamente. Contudo, ao contrário da Europa, os Estados Unidos e o Japão deverão recuperar já em 2010, com crescimentos na ordem dos 1,6 por cento, para o primeiro, e 0,6 por cento para o segundo. Alheia a esta crise parece estar a China. Apesar da possibilidade de poder recuar 1,8 por cento, em 2009, e 1,5 por cento, em 2010, o país dos mandarins continuará a crescer acima dos 6%, este ano, e acima dos 8%, no ano seguinte.

Gaia. (ver texto da pág.8) Face a este cenário, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social já anunciou um plano de combate ao desemprego, de 580 milhões de euros, que não estava previsto no Orçamento de Estado (OE). O pacote de medidas anunciado pelo governo de José Sócrates pretende incentivar as empresas a contratar desempregados de longa duração, pessoas com mais de 45 anos, bem como recém-licenciados provenientes de cursos com baixas taxas de empregabilidade. Para além disso, o plano Iniciativa de Emprego 2009 vai ainda criar, por todo o país, quatro centenas de unidades de apoio aos desempregados, que vão funcionar em estreita colaboração com os Centros de Emprego.

Desemprego galopante

guinte do gigante americano. Com todas as atenções viradas para o combate à crise, só as eleições nos Estados Unidos, em Novembro de 2008, conseguem, por uns momentos, afastar a presença deste cenário, pois todos sabem que dali iria sair eleito o responsável máximo pelo futuro da Economia mundial. As eleições chegam ao fim com a vitória de Barack Obama e a responsabilidade pela resolução desta crise recai agora sobre os ombros da sua administração. DEPOIS DA TEMPESTADE DE 2009, A BONANÇA DE 2010 PODERÁ CHEGAR SÓ PARA ALGUNS FMI revê crescimento de 2,2% para os 0,5% Fruto do agravamento da crise económica mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu

A crise económica começará agora, tanto ao nível nacional como internacional, a reflectir-se também no mercado de emprego. De acordo com a visão mais pessimista do relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado no final do mês de Janeiro, a crise poderá vir a cortar, ainda este ano, 51 milhões postos de trabalho por todo o mundo, subindo a fasquia do número de desempregados em baixa a taxa de crescimento para 230 milhões, isto é, 7,1 % da da economia mundial, anunciada força de trabalho mundial. Por exemplo, aqui ao lado, em em 6 de Novembro de 2008, de 2,2 por cento para 0,5 por cento, Espanha, o desemprego atingiu conforme se pode ler no novo re- números que já não se viam há 16 anos, tendo a taxa latório divulgado de desemprego subipor aquela orga- Plano “Inicitiva de cerca de seis por nização, no final Emprego 2009” vai do cento em Janeiro. A do mês de JaneiComissão Europeia ro. Estes são já os criar 400 gabinetes prevê já que a taxa piores indicadores de apoio aos de desemprego em de crescimento Espanha possa vir a dos últimos 60 desempregados chegar aos 16,1 por anos. No que diz respeito ao Velho cento, em 2009, e 18,7 por cento, Continente, o FMI estima que em 2010. Recorde-se que a Espaa contracção na Zona Euro pos- nha é o destino de cerca de 27% sa ascender aos 2%, em 2009, ou das exportações nacionais. Em Portugal, o cenário não deseja, mais 1,5% do que tinha sido anunciado no último relatório. Para verá ser muito diferente. Várias 2010, o FMI prevê um crescimen- empresas já fecharam portas e outo ligeiro de 0,2 por cento. Deste tras tantas vivem dias de incerteza, modo, e a confirmar-se este cená- como é o caso da Qimonda, de Vila rio, a Europa só deverá retomar em do Conde, que emprega perto de 2011. Para Portugal, as previsões 1700 trabalhadores, ou da Yazaki apontam para o mesmo caminho Saltano, sedeada em Vila Nova de

1. O que é o subprime? É um empréstimo à habitação de alto risco que se destina a uma fatia da população com rendimentos mais baixos e uma situação económica mais instável. A única garantia exigida nestes empréstimos é o imóvel. 2. Como surgiu o subprime? O subprime surgiu quando a Reserva Federal norte-americana (Fed) começou a baixar as taxas de juro para estimular o mercado imobiliário, com o objectivo de controlar os efeitos dos ataques terroristas do 11 de Setembro nos mercados de tecnologias. Mas, em 2003, a criação de emprego e o investimento empresarial estavam em níveis baixos e a taxa de juro descia para 1%. Simultaneamente, as várias instituições bancárias deixaram de ser tão exigentes nas condições requeridas para conceder créditos. Quando a Fed começou a subir de novo os juros, o problema estalou. Com juros mais altos, acompanhados pela queda dos preços das casas, as famílias ficaram sem capacidade para saldar as suas dívidas. Fonte: Diário Económico


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ECONOMIA

Um Chá sobre Economia na FEP Mariana Branco Moreira (membro da organização de “Um Chá Sobre Economia”)

Um Chá Sobre Economia é um espaço de debate mensal criado em Novembro do ano passado por um grupo de alunos finalistas da Faculdade de Economia da Porto (FEP). Tem como objectivo discutir as relações que se estabelecem entre a Economia e outras ciências e as implicações que todas têm na sociedade contemporânea. Tudo de uma forma descontraída e com a presença de professores, estudantes e outros públicos que se lhes queiram juntar. Um Chá Sobre Economia é um evento pensado para aquecer as mentes dos participantes, com ideias novas, crítica, desconstrução de pré conceitos e produção de conhecimento, num ambiente informal e confortável, de respeito pelas opiniões individuais. Durante uma hora e meia, juntamos docentes, estudantes, licenciados e profissionais de todas as áreas do conhecimento. À luz de um tema específico, acompanhado de um chá e bolachas de manteiga, procuramos ser um pouco menos ignorantes, aliando a partilha de conhecimento à multidisciplinaridade. Os temas não incidem directamente sobre a área económica, procurando antes estabelecer uma relação entre esta e as restantes ciências: Física, Engenharia, Saúde, Artes, Filosofia, entre outras, de cariz mais ou menos social. Acreditamos que a forma clássica de ensinar e aprender Economia necessita de melhoramentos, encontrando-se desajustada face às exigências da própria realidade. Realidade que comporta em si diferentes saberes, que carecem de uma observação que os relacione e de uma intervenção que tenha em conta esse facto - a leitura estática

e analítica do desempenho de uma sociedade não consegue, por si só, levar-nos a um progresso sustentável. Assim, só em conjunto, sem esquecer a importância e contributo dos fundadores, dos críticos e dos construtores da história, seremos capazes de obter uma visão nítida e global da realidade, de forma a construirmos um futuro assente sobre os princípios da igualdade, liberdade, justiça e inovação. Os dois eventos de Um Chá Sobre Economia já realizados (Novembro e Dezembro) tiveram como temas: “Crise financeira: compreensão e contributos de Gaston Bachelard, Karl Marx e Eugen Bohm-Bawerk”, importantes pensadores europeus, e “O que sabemos que não sabemos?”, respectivamente. A forma como a discussão se constrói varia bastante de Chá para Chá. Em todo o caso, parte sempre de uma base fornecida com antecedência para prevenir que a argumentação dos intervenientes caia em lugares comuns ou redundâncias e para que as pessoas possam pensar um pouco na sua intervenção, embora não constitua essa preparação

qualquer espécie de exigência. No primeiro Chá, por exemplo, foi promovida a divulgação de um enigma à volta das referidas personalidades, enquanto no segundo disponibilizámos, previamente e através do nosso fórum, dois vídeos que introduziam a questão de fundo.

A iniciativa nasceu numa aula de Economia Pública (agora Economia e Finanças Públicas) quando eu e o Tiago Barros, outro membro da organização, questionávamos o professor e actual director da FEP, o Professor José Costa, sobre a importância de estudar outro tipo de autores e ga-

nhou forma com o auxílio do Professor Carlos Pimenta, que acreditou em nós e orientou os primeiros passos da criação de um núcleo de debate alargado sobre as fronteiras da Economia, novas perspectivas e complementos ou alternativas válidas ao sistema vigente. A partir desse momento, juntaram-se à organização o Pedro Pereira, o Jonas César e o Ricardo Cachucho, que, tal como eu e o Tiago, são também finalistas do curso de Economia. Ainda na FEP, os professores desempenharam um papel muito activo também, tendo sido sempre, sem excepção, receptivos e amistosos, partilhando, acima de tudo, a aspiração a um ensino mais proactivo. Quanto à comunidade académica extra FEP, contámos, até à data, com a presença de alunos de Medicina, Filosofia, Design, Bioquímica e Antropologia e esperamos que todos aqueles que fiquem a conhecer a iniciativa se juntem a nós num bom chá das seis, para uma conversa agradável e entusiasta, na Sala do Conselho Científico da Faculdade de Economia do Porto.

No que toca a aspirações futuras, sabemos que o que não falta são campos por explorar e há cada vez mais ferramentas ao nosso dispor para concretizar a virtude de habitar numa sociedade de (plena) informação. Previmos diferentes tipos de formatos para os próximos Chás. Por exemplo, o Chá previsto para Março será baseado num trabalho, dos muitos produzidos pelos estudantes da FEP, a ser apresentado aos amigos do Chá (assim se chamam os nossos participantes) e escolhido mediante a pertinência do tema e qualidade. Outros estudantes e investigadores de outras faculdades poderão, de igual forma, sugerir material ou propor abordagens e iniciativas. Para obter mais informações sobre as próximas tertúlias, todos podem entrar em contacto connosco através do e-mail chasobreeconomia@gmail.com. O chá tem ainda um fórum, cujo endereço é www.fronteiras.maisforum.com, através do qual os interessados podem conhecer as conclusões dos encontros anteriores e dar a sua própria visão e contributo.

ECONOPÉDIA Tiago Pereira

Face aos últimos acontecimentos, descodificar a palavra “recessão” impunha-se. No último mês fomos bombardeados por ela e os telejornais até já nos mostraram aquelas reportagens do costume em que se pergunta ao cidadão comum se sabe o que significa o termo, contrapondo a explicação de um economista. RECESSÃO,

s.f. 1. Diminuição, recuo; 2. ASTRONOMIA afastamento progressivo das nebulosas extragalácticas que deu origem à hipótese do Universo poder estar em expansão; 3. ECONOMIA baixa de produção ou afrouxamento na sua progressão. In Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2001 De acordo com o National Bureau of Economic Research (NBER), organismo norte-americano que se dedica ao estudo dos ciclos económicos, uma recessão é um decréscimo significativo da

actividade económica, que se prolonga por vários meses e que se traduz no aumento do desemprego e na queda da produção industrial, das vendas e do Produto Interno Bruto (PIB), que é o volume total de bens e serviços produzidos na economia, num dado período. Há ainda quem defina recessão como uma descida do PIB em dois trimestres consecutivos, chamandose a este facto recessão técnica. Em Portugal, como no resto da Europa, vive-se uma situação de recessão, precipitada pela crise financeira. Números recentes do Ministério das Finanças apontam para um decréscimo de 0,8% do PIB para o ano de 2009 e um aumento da taxa de desemprego para os

8,5%, dados que corroboram a definição de recessão do NBER apresentada atrás. Outras publicações, como a revista The Economist, vão ainda mais longe, falando numa queda de 2% do PIB e em 8,8% para a taxa de desemprego. Dados do Financial Times, de Outubro do ano passado, davam já conta de uma forte recessão, a ocorrer em 2009, em países como o Reino Unido, Espanha, França, Itália e Alemanha. Destes, previa-se uma queda do PIB britânico de cerca de 3%, enquanto para os restantes se estimava um declínio de 2% do PIB. Apesar de se prever a recessão para 2009, ainda não se previa para 2008, mas o que é facto é que muitos países europeus já entraram

em recessão no último ano, agora que as contas nacionais referentes a 2008 vão sendo sucessivamente divulgadas. Portugal entrou em recessão técnica no último trimestre do ano, enquanto o Reino Unido, nesse mesmo período, viu o seu produto regredir 1,5%. O PIB espanhol recuou 1,1%, também no último trimestre do ano. Confirma-se o que muitos vaticinaram: a crise chegou à economia real. Nestes momentos, é frequente assistir à intervenção das autoridades públicas na economia, no sentido de a estimular. Existem dois instrumentos fundamentais para isso: a política orçamental e a política monetária. Portugal não tem uma política monetária independente, pois tem uma moeda comum a vários

outros membros da União Europeia. A única instituição que pode fazer uso da política monetária em território da União Europeia é o Banco Central Europeu (BCE). E já fez, embora não com a eficácia pretendida. A descida das taxas de juro por aquele organismo é uma medida possível de política monetária. A margem para descer as taxas de juro não é hoje tão larga como há meses e uma situação semelhante à observada nos Estados Unidos, com os juros a chegarem quase aos 0%, será problemática a longo prazo. Resta, portanto, a política orçamental, que se concretiza, em termos genéricos, pelo aumento do investimento público e dos gastos do governo, o que, podendo animar a economia, trará, inevitavelmente, um agravamento da dívida e do défice públicos.


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CULTURA

Antevisão Fantasporto 2009 Ricardo Alves

Festival decorre no Rivoli de 16 de Fevereiro a 1 de Março

DEZ ESCOLHAS Mais do que retrospectivas e ciclos, um festival de cinema vale pelas antestreias. Ficam aqui dez títulos que valem a pena ver. GRACE, Paul Solet (EUA) 21-02, 21h, Peq. Auditório “Grace” teve o mérito de ser considerado o filme mais chocante do festival de Sundance. Com Jordan Ladd no papel principal, este filme de terror intenso dispensa exageros de violência para nos horrorizar com o jogo dos conceitos de maternidade e nutrição. Promete esvaziar metade da sala. DELTA, Kornel Mundruczó (Alemanha-Hungria) 24-02, 23h - Peq. Auditório 26-02, 17h15 – Grande Auditório

um biopic com mais de quatro horas) mas também porque a segunda parte, que incide sobre a luta de Che na américa do Sul, parece ter um ritmo demasiado lento para o glamour de uma sessão de abertura. Esta sessão é precedida por uma preview de dez minutos do filme “The Wolfman”, a homenagem ao monstro clássico da Universal realizada por Joe Johnston. Após a sessão de abertura, está lançada a competição. As secções são as já habituais: Cinema Fantástico, Semana dos Realizadores, Orient Express e os prémios Mélies de Prata. Este ano o Fantasporto vai homenagear a carreira de José Fonseca e Costa, mais uma grande figura do Cinema Novo português. O cineasta vai ter uma retrospectiva de seis dos seus filmes no festival, culminando com uma entrevista no palco do Pequeno Auditório no dia 26 de Fevereiro. Está também prevista a presença de duas grandes figuras do cinema internacional: Paul Schrader e Wim Wenders. Schrader, argumentista de “Taxi Driver” e “Raging Bull” vem apresentar o seu filme “Adam Ressurrected”, uma adaptação literária que segue a história de um sobrevivente do holocausto internado num sanatório. Wim Wenders traznos “Palermo Shooting”, a história da fuga de um fotógrafo para Itália, a fim de expandir os seus horizontes. Outra retrospectiva de nota será a de Jorg Buttgereit. O cineasta de culto alemão fez carreira como o polémico retratista de morte, sexo e violência. Os filmes que poderão ser vistos no Fantas foram objecto de repúdio e banidos numa longa lista de países. Por estas e outras razões são objectos difíceis de encontrar para o consumidor comum, havendo aqui uma oportunidade única para os experienciar como merecem: em salas escuras com audiPrémio da Crítica em Cannes, é a história de um jovem que reencontra a sua mãe e irmã, e da vida que procuram (re)construir, com o Danúbio como fundo. HANSEL & GRETEL, Yim PilSung (Coreia do Sul) 21-02, 23h – Peq. Auditório 25-02, 23h15 – Grande Auditório O regresso à forma do cinema sul-coreano neste reconto da história tradicional dos Irmãos Grimm. THE CHASER - Na Hong-Jin (Coreia do Sul) 22-02, 21h15 – Grande Auditório 27-02, 21h – Peq. Auditório Um ex-detective, agora proxeneta, vê as suas empregadas desaparecidas tornarem-se vítimas de um assassino em série. Vai ter de

DR

Mais um ano, mais um Fantasporto. Entre os habituais ciclos e retrospectivas, da programação do festival, destacam-se a mostra de cinema galego, a homenagem ao realizador Fonseca e Costa, e um catálogo alargado de curtas-metragens europeias. O filme de abertura é “Che - The Argentine”, de Steven Soderbergh, e a sessão de encerramento será “Adam Ressurrected”, de Paul Schrader. Lamentavelmente, a experiência de “midnight movies” no Sá da Bandeira não se repetirá este ano. Antes da abertura oficial do Fantas, a 20 de Fevereiro, o festival vai brindar-nos com um ciclo (enriquecido com conferências) com o tema “A Arquitectura do Futuro”. Este ciclo abre o Grande Auditório com “Blade Runner” (o ano passado o Fantas tentou trazer o “Final Cut” mas não conseguiu), e ainda com “Metropolis” e “Immortel”. O valor acrescentado, a conferência, terá a sua primeira parte no dia 17 e a segunda e última no dia 19. Esta conferência é comissariada pelo arquitecto Jorge Patrício Martins e tem o apoio da Ordem dos Arquitectos. Durante este período, o Pequeno Auditório vai receber uma mini-retrospectiva de Mario Bava, o prolífico mestre do giallo, no Pequeno Auditório. Embora com uma selecção reduzida, vamos poder encontrar favoritos como “Black Sunday”, “The Girl Who Knew Too Much” ou “Kill, Baby... Kill”. No dia 20 a competição do festival vai abrir com a estreia de “Che – The Argentine”, de Steven Soderbergh. “The Argentine” é somente a primeira parte do biopic de Che Guevara, e lidará sobretudo com a revolução cubana. “The Guerrilla”, a segunda parte, poderá ter sido deixada de fora não só pela duração (em conjunto, perfazem

ências a reagirem em uníssono. O Fantasporto deste ano, como noutros, possui um catálogo extenso, repleto de nomes sonantes e projecções únicas que farão as delícias dos

cinéfilos. Mas também podemos contar com outras tradições: projecção de DVDs no pequeno auditório, discursos a pedinchar, horários de filmes da competição em conflito. Mas

nada disto diminui a experiência do maior festival de cinema do país ter lugar na nossa cidade.. Sigam toda a cobertura do evento em: www.fantasporto.rascunho.net.

encontrar a mais recente desaparecida antes que o suspeito principal seja liberto de custódia policial. Premiado como Melhor Filme do festival internacional de Puchon (Coreia).

Bellini, um detective arruinado prestes a fechar a sua agência, quando um cliente o contrata para procurar um tomo raro.

podem dar nas vistas ao achar o original superior.

THE ARGENTINE - Steven Soderbergh (EUA) 20-02, 20h30 – Grande Auditório Uma visão realista da figura revolucionária, sem abandonos emocionais. Alternadamente, acompanhamos os rebeldes na selva cubana e o deslocamento de Che como figura do poder estabelecido. BELLINI E O DEMÓNIO – Marcelo Galvão (Brasil) 10-02, 21h – Peq. Auditório 22-02, 15h – Grande Auditório Um filme brasileiro distinguido no festival de Veneza. Seguimos

THE VANISHED EMPIRE Karen Shakhnazarovn (Rússia) 23-02, 17h – Grande Auditório Um habitual do Fantas, o realizador russo mostra-nos a queda do império soviético da perspectiva de três estudantes, começando nos anos 70. QUARANTINE - John Eric Dowdle (EUA) 23-02, 1h15 – Grande Auditório A tradução internacional de “REC”, filme premiado na edição anterior do festival. Valerá pela possibilidade de comparar o filme de terror claustrofóbico espanhol à versão americana, ainda que partilhem o argumentista. À saída

ASTROPIA - Gunnar B. Gudmundsson (Islândia) 24-02, 19h – Grande Auditório Uma comédia de aventuras, com uma estética cartoonesca, mostranos uma mulher superficial que ao arranjar trabalho numa loja de banda desenhada se vê sugada para um mundo de fantasy. TRANSSIBERIAN - Brad Anderson (Reino Unido, Alemanha) 27-02, 1h30 – Grande Auditório O realizador de “The Machinist” traz-nos a história de um casal de americanos que acidentalmente se vê envolvido numa trama policial durante a viagem ferroviária da China à Rússia.


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CULTURA

Faltam espectáculos de dança contemporânea no Porto Mariana Duarte

Coreógrafos e programadores dizem que o Porto perdeu circuito regular de dança contemporânea. Iniciativas independentes não recebem apoio da câmara para uma programação contínua. como o teatro Helena Sá e Costa, o Maus Hábitos e o Espaço 555. Deste modo, as estruturas estão sempre dependentes do calendário de programação dos espaços que servem como plataformas para a exibição de criações.

Entre coreógrafos e programadores, a opinião é unânime: faltam espectáculos de dança contemporânea no Porto. A concessão do Teatro Rivoli a Filipe La Féria é uma das razões fulcrais apontadas por todos. O teatro apostava numa programação regular de dança contemporânea e trouxe ao Porto nomes de referência internacionais, como Merce Cunningham, William Forsythe ou Trisha Brown. As infra-estruturas e o conforto financeiro permitiam ao Rivoli ser uma montra para as criações dos coreógrafos nacionais e pôr o Porto na rota de passagem das grandes companhias de dança contemporânea. “O Rivoli era o espaço que melhores condições tinha para a apresentação de dança contemporânea; de facto não existe uma sala com aquelas características na cidade. Voltamos um pouco atrás, como quando era preciso ir a Lisboa ver os grandes espectáculos”, diz Isabel Alves Costa, antiga directora da instituição. Existe no Porto um tecido de projectos independentes que se afirmam como espaços alternativos para a criação e divulgação da dança contemporânea. O Balleteatro, o Núcleo de Experimentação Coreográfica (NEC) e a Fábrica de Movimentos são algumas das iniciativas que trabalham na formação de novos artistas e de públicos, através de aulas, conferências, ateliês, residências e apresentação de trabalhos. O circuito de apresentações sofre da falta de apoio financeiro da Câmara do Porto. “Existe vontade, iniciativas, não temos é um orçamento que nos permita investir tanto quanto queríamos na programação de dança contemporânea”, afirma Né Barros, coreógrafa e fundadora do Balleteatro. Alberto Magno, programador da Fábrica de Movimentos, considera que a dança contemporânea “só se mantém no Porto graças ao apoio directo do Ministério da Cultura ou à insistência dos artistas, porque não há apoio autárquico”.

Falta de apoio do executivo de Rui Rio No decorrer dos anos 90 até ao Porto 2001, o discurso autárquico assumia uma direcção diferente, refere Paulo Vasques, da direcção do NEC. O investimento da Câmara na arte contemporânea funcionou como motor de oferta de uma programação “cada vez mais regular e abrangente”. O Porto 2001 representou o ponto alto desta atitude: “O Porto nunca conheceu uma dinâmica cultural tão especial, nomeadamente na área da dança contemporânea”. As condições favoráveis possibilitaram o florescer de projectos como as Jornadas de Arte Contemporânea e “um trabalho de apresentação e de divulgação forte dinamizado pelo Balleteatro, pelo NEC e por Serralves”, explica Paulo Vasques. “Em 1999, 2000, 2001, tivemos [o Balleteatro] orçamento para trazer nomes como Jérôme Bel, Mathilde Monnier... nomes internacionalmente reconhecidos na dança contemporânea estiveram no Porto pela primeira vez pelo Balleteatro”, diz Né Barros. Assim, a programação irregular de dança contemporânea que existe no Porto deve-se não só à privatização do Rivoli, mas também a um virar de costas do executivo de Rui Rio “às políticas culturais”, sublinha Paulo Vasques. “As estruturas do Porto como o NEC deixaram de contar com o apoio autárquico. Vive-se uma situação angustiante, porque é uma rejeição ao trabalho que fazemos”. O JUP contactou a Câmara do Porto e o Rivoli várias vezes, mas não obteve qualquer resposta. Estes projectos independentes enfrentam não só a barreira económica, mas também a falta de logística para promover contextos de apresentação de dança contemporânea. “Temos de ter obrigatoriamente colaboradores para podermos apresentar a nossa programação”, esclarece Alberto Magno. O Festival Fábrica, cuja 11ª edição decorrerá este ano, é dividido entre espaços

Onde cabe a dança contemporânea? Num momento em que o vazio deixado pela concessão do Rivoli a Filipe La Féria se faz sentir no circuito de espectáculos de dança contemporânea do Porto, surgem vozes críticas contra Serralves. Né Barros, bailarina e coreógrafa do Balleteatro, considera que Estruturas institucionais têm um a fundação “podia desenvolver uma papel central na formação de pú- programação mais regular” de dança blicos contemporânea. Paulo Vasques, da diProjectos alternativos como o Nú- recção do Núcleo de Experimentação cleo de Experimentação Coreográfi- Coreográfica do Porto (NEC), concorca (NEC), o Balleteatro e a Fábrica da: “a regularidade de programação de de Movimentos desenvolvem um dança paralelamente aos ciclos de expapel significativo no apoio a artistas posições perdeu-se um pouco”. emergentes, na produção de fóruns Cristina Grande, programadora de discussão sode dança do Serbre dança conviço de Artes Pertemporânea e na formativas de Serformação de pú- “A falta de uma ralves, afirma que blicos. Mas não infra-estrutura como a programação de têm orçamento dança contempopara fomentar a o Rivoli faz com rânea da Fundação circulação de ar- que seja dificil uma não diminuiu nem tistas nacionais, aumentou. Com a nem condições actividade mais abertura do Museu logísticas para continuada” de Arte Contemtrazer grandes porânea em 1999, companhias. Serralves passa a Falta uma desfrutar de um infra-estrutura dedicada “à progra- auditório pouco depois. Este espaço mação de dança contemporânea”, pretende confluir várias linguagens diz Joclécio Azevedo, director do artísticas: performance, música, live NEC. “A programação é muito art, dança, teatro, vídeo, cinema. sazonal, com os festivais - que são Logo, “o auditório não se esgota na poucos - e a falta de uma infra- dança”, sublinha Cristina Grande. estrutura como o Rivoli faz com As conexões entre estes discursos que seja difícil uma actividade mais relacionam-se com a temática do procontinuada” reflecte. A ausência de grama das exposições. É esta a estratéestruturas institucionais dificulta gia do Serviço de Artes Performativas: o processo de criar públicos para articular imagens, sons e performana dança contemporânea. Apesar de ces com o contexto das apresentações não se inserir no rótulo “cultura do Museu. Desta forma, as propostas de massas”, a dança contemporâ- de dança têm de “fazer sentido nos nea não é elitista, considera Paulo ciclos que realizamos articulados com Vasques. “O circuito limitado é as exposições”. Tem de haver pertique pode fazer com que se torne nência na ligação e é esse factor que elitista”. “Houve sempre público marca a constância da dança contemquando a dança contemporânea se porânea em Serralves. tentou afirmar: no Porto 2001, no “A sua regularidade está dependenRivoli, nas Jornadas de Arte Con- te da regularidade dos ciclos e expotemporânea”, refere Joclécio Aze- sições escolhidas”, explica Cristina vedo. Como o público não existe Grande. Assim, a programação de a priori, um circuito regular de es- dança contemporânea existe articulapectáculos seria o elemento central da e “varia ao longo dos anos”. para a sua criação. Pois, como explica Paulo Vas- Serralves não pode colmatar a “sauques, “a falta de regularidade de dade do Rivoli” espectáculos não permite criar púCristina Grande compreende a blico, curiosidade, fazer compreen- “saudade do Rivoli”, mas salienta que der coisas menos convencionais.” A Serralves nunca poderá substituir o este propósito, o programador do teatro. Não só porque não é a missão NEC e Né Barros afirmam que a da Fundação, mas também porque o Fundação Serralves devia ter uma auditório não tem condições logísticontribuição mais sólida. cas – tem apenas 200 lugares. Nomes

de referência internacional na área da dança contemporânea, como Trisha Brown ou Bill T. Jones, já passaram por Serralves. Cristina Grande diz que são companhias apropriadas para um grande auditório de 1000 lugares, pelo investimento financeiro e pelo público que chamam. O convite a estes criadores só se fez pois tinham uma ligação umbilical com “ o contexto das exposições”. Trisha Brown com “Em viagem 70-76”, de Robert Rauschenberg (em 2008), e Bill T. Jones com “Anos 80:Uma Topologia” (2007). Cristina Grande diz que gostava de trazer mais dança a Serralves, mas é preciso ter em conta também os condicionalismos do orçamento. Teatro Campo Alegre: um espaço para a dança contemporânea O Teatro Campo Alegre é apontado como uma das estruturas institucionais que poderia servir de braço à dança contemporânea. “É um espaço que poderia ter uma programação regular de dança contemporânea e também de música”, diz Cristina Grande. Isabel Alves Costa é também da opinião que o teatro devia investir na área. “O Teatro Campo Alegre tem um óptimo palco”, refere a antiga directora artística do Rivoli. No entanto, o facto de ter uma companhia residente, a Seiva Trupe, faz com que o tempo para coincidir com o calendário das companhias “seja complicado”. O Teatro Carlos Alberto (TeCA) e o Teatro Nacional São João (TNSJ) também são vistos como centros que podiam estimular o circuito de dança contemporânea no Porto. Mas, novamente, nenhuma das estruturas tem a capacidade de tomar o papel desempenhado pelo Rivoli. Segundo Isabel Alves Costa, a vontade dos programadores destes espaços institucionais está subordinada ao orçamento cedido pela Câmara e ao contexto financeiro em que vivem. A autarquia faz o “esforço possível” no apoio à arte contemporânea, “concerteza muito menor do que aquele que nós gostaríamos”, diz Isabel Alves Costa. “Mas a verdade é que o orçamento para a cultura é 0,1% do PIB nacional. Portanto, é uma coisa completamente residual”, releva.Cristina Grande confessa que gostava de ver o TNSJ a acolher a dança contemporânea. E adianta que a instituição tem como projecto para 2009 “integrar uma programação de dança contemporânea”.


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Zoetrope: a ilusão em movimento Manaíra Aires

Na tarde que antecedeu a estreia do espetáculo Zoetrope, o coreógrafo Rui Horta e o músico dos Micro Audio Waves, Carlos Morgado, receberam o JUP para uma entrevista com a atmosfera de expectativas e os últimos detalhes antes do concerto. A banda de electropop Micro Audio Waves, que já tem mais de sete anos de estrada, é composta por Claudia Efe (voz), Flak (guitarra) e Carlos Morgado (programação electrónica). Já o coreógrafo Rui Horta tem três décadas de muitas produções concebidas não só em Portugal, mas também nos países onde viveu (Estados Unidos e Alemanha). Como surgiu a proposta para trabalharem juntos? Carlos Morgado (CM) – Temos grande interesse em trabalhar com alguém que nos faz aprender e que abre os nossos horizontes. Faz cerca de um ano que nos contactámos pela primeira vez. Em Junho tivemos uma primeira reunião em Montemor-oNovo e em Setembro já estávamos a trabalhar mesmo no projecto. Rui Horta (RH) – Eu conhecia a música, tinha um álbum deles e foi muito interessante uma primeira abordagem porque me lembro que foi no início da banda, era uma música mais ambiental. A atitude de palco da banda era completamente diferente, pois eles estavam menos amadurecidos, obviamente. Por quê a escolha de Moscovo para a estreia de Zoetrope? RH – Moscovo para nós não foi uma estreia, foi uma anti-estreia porque o espetáculo não estava fechado. Musicalmente estava mais alinhavado do que cenicamente. Não tinha tido a capacidade ainda de fechar o espectáculo como aqui no teatro Carlos Alberto; aqui vai ser mesmo a estreia. Moscovo foi a abertura de um festival de dança, o que foi algo diferente. O que vai acontecer é que esse espectáculo muitas vezes irá participar do circuito da música e outras vezes estará mais atrelado ao circuito da dança, do teatro, das artes performativas. Grandes expectativas mediante esse retorno ao Porto? CM – Sempre tivemos uma afinidade muito grande com o Porto, tocamos mais aqui do que em Lisboa, inclusive. Sentimo-nos muito queridos aqui. RH – Eu tive cá no Porto, há dois anos, a convite do Teatro Nacional São João, através do Ricardo Pais, para apresentar quatro obras minhas. Portanto, temos uma cumplicidade com essa equipa, porque é uma apostar do TECA e do São João nesta obra e porque realmente este trabalho com essa complexidade necessita de uma abordagem

Manaíra Aires

global. No ensaio agora à tarde, por exemplo, eu descobri coisas que já alterei para a estreia à noite, e a equipa mostra-se sempre pronta para ajudar no que for preciso. Que espectáculo é o Zoetrope? CM – O chavão híbrido realmente acaba por descrever um pouco esse trabalho. Eu não me preocupo em descrever o que esse espectáculo realmente é, acho que foi feito naquele princípio de que chegamos ao fim e nos damos por satisfeitos com aquilo que fizemos, independentemente do que seja. Sentimos que as pessoas vão deparar-se com o inovador, com algo diferente, com o que não é habitual, pelo menos. É um trabalho que parte da música para um contexto mais abrangente, com toda a abordagem cênica e multimédia. Nós desempenhamos funções que não desempenhávamos enquanto banda nos conceitos normais, portanto, há aqui todo um alargar de horizontes. RH – Esse espectáculo é, acima de tudo, movimento. Zoetrope é a ilusão da imagem que gera movimento, e no fundo toda a parte cênica, de vídeo e multimédia anda muito a volta desse conceito: o movimento é uma ilusão, mas está em nossa frente, ali, no palco. O espectáculo tem uma componente visual muito forte, de forma que a música funciona com a imagem e com o movimento de uma maneira muito simbiótica, complementam-se. O que não há é uma narrativa; optamos por criar uma linha condutora claríssima, em que existe todo um poderoso movimento de imagens. Há uma parte com apelo cinematográfico, uma outra parte voltada para aparatos gráficos e temos ainda uma programação em tempo real. Os meios digitais, especialmente a Internet, têm sido instrumentos importantes na construção do trabalho? RH – Procuramos na Internet o nome para esse espectáculo. Costumamos dizer que a net, especialmente o Youtube, é para nós quase uma biblioteca. Nós usamos muito a Internet na pesquisa para esse espectáculo, especialmente sobre a composição do movimento no início do cinema e da fotografia. Ficamos conquistados com a ideia do zoetrope, que é toda uma analogia, uma metáfora da circularidade que existe em nossas vidas. Por um lado, é um percurso, um movimento; por outro, está essa ideia do circular, do dia e da noite, das estações do ano, da própria vida, pois quando se termina também se começa uma

nova vida. Isso porque nós somos máquinas reprodutoras infernais, os nossos instintos servem ao dever da reprodução. Tudo o que fazemos será continuado por alguém e isso está muito em nosso espectáculo. Os Micro Audio Waves utilizam a música electrónica, que a priori é tão automática, para falar sobre questões tão particulares, tão intrínsecas ao ser humano… CM– Nós não usamos a tecnologia como um meio, não nos deixamos dominar pelas máquinas. Utilizamos as máquinas como instrumentos de pesquisa que nos permitem atingir determinados resultados. A interacção quase espontânea com o instrumento acaba por nos surpreender com o resultado, que só pode ser alcançado por meio da mente, já que é a nossa apreciação que vai filtrando todo o resultado. Esse processo de apreciação acaba por ser uma característica fundamental do nosso som. A responsabilidade diante do próximo álbum será maior com todos esses novos elementos que o Zoetrope trouxe para a banda? O que esperar do próximo álbum? CM – Não vejo motivo para que a responsabilidade seja maior, estamos sempre a melhorar. Sempre dizemos aquilo que nos apetece, sempre arriscamos, sempre construímos uma linguagem muito própria e é isso que vai acontecer nos próximos discos. O nosso público gosta de nossa lin-

guagem e já sabe o que pode esperar de nós. O próximo álbum não será possível este ano porque estamos com esse espectáculo e ainda vamos gravar o DVD dele. No final deste ano é que vamos começar a pensar no próximo álbum, talvez para 2010. O que significa utilizar o efémero como um ato de resistência nas artes performativas? RH– Não há a possibilidade de se comprar ou vender uma obra de arte performativa, pois é única. Cada espectáculo de dança e de teatro é algo único que aconteceu. Isso é importante num mundo em que tudo se compra e tudo se vende, em que tudo tem um preço, num mundo em que em que o mercado, mais o mercantilismo do que o mercado, gere as nossas vidas. Portanto, a arte tem que ser como uma pedra no sapato, como um suporte de resistência, e se isso desaparecer, desaparece a fronteira de uma certa utopia. O que é extraordinário é que a obra de arte performativa fica a cargo da responsabilidade do espectador, e não da reprodução. A obra fica arquivada na memória, e hoje em dia muito pouco é arquivado na memória. O próprio computador é uma prótese da memória, já não temos mais memória. Rui, depois de três décadas de carreira, qual a principal mudança no teu olhar para o corpo e que pode ser vista nesse espectáculo? RH – Há cerca de 10 anos que me interessa bastante a relação entre o

corpo e o digital. Nesse espectáculo, os corpos estão em completo diálogo com a imagem digital e o próprio corpo é alterado, é transformado, é triturado, é retransmitido. Eu penso que no mundo de hoje – porque a arte reflecte o mundo – a questão da imagem é brutal, pois o corpo já não é um corpo analógico, hoje em dia é um corpo em que não precisamos dele, precisamos apenas da mente, o reflexo é o que funciona. Quando o corpo envolve, é mais um acto de resistência. Eu acho fantástico quando um coreógrafo coloca o corpo em primeiro plano, porque senão, daqui a alguns anos, vai-se a um espetáculo e não se vê mais o corpo, só a imagem. Em Zoetrope, existe sempre a ideia de que esse corpo transcende em ideias, vamos no sentido virtual, mas os corpos, que são os próprios integrantes da banda, estão lá e triunfam no palco. O corpo é um campo de batalha? RH - É um campo de batalha brutal, está desesperado, está esquecido, e tudo o que está esquecido está em tensão, está em crise. Vivemos na era da síndrome do corpo, basta ver as tattoos, os piercings, as bulimias, o alcoolismo, as drogas. Nós precisamos sentir o nosso corpo porque já não precisamos dele, e por isso vivemos o nosso corpo só em casos extremos. A noção de corpo é uma noção de perda hoje em dia, e eu creio que essa guerra vai ter que se resolver porque nós não podemos viver sem o nosso corpo.


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Os TEIA afirmam ser “uma banda de cariz sociológico” Filipa Mora e Manaíra Aires

De carácter metafórico-intervencionista, os carismáticos TEIA assumem-se uma banda de cantar verdades nesta selva do século XXI. Da componente da linguagem, são gráficos e visuais q.b.. A isto, juntem-lhes lenga-lengas que trauteiam o orgânico, teclados que imprimem nostalgia às estórias cantadas e têm uma banda de rock peculiar que grita verdades ao “hiperfone”.

Nascida há 5 anos no antigo nº 111 do reutilizado e despoletador de grandes projectos nacionais, o C.C. Stop, a banda fala-nos do processo criativo, da era do fast-tudo, das crenças e descrenças. A vossa música tem uma linguagem bastante metafórica. Consideram-se com um discurso bastante subtil? TEIA - Às vezes é bem agressivo, por vezes tem rodeios pela metáfora…A metáfora em si mesma é um rodeio, mas mesmo assim é bem directa, bem agressivo nesse sentido. Há partes claramente metafóricas, da mesma forma que há outras bem directas. Quando dizemos na música “Em torno do verde”: “o teu nariz vai junto ao chão, enrolado na erva, à procura de verba”; só falta mesmo descodificar um pouco a mensagem. Mais até do que reagir socialmente com outro tipo de discurso, a gente reage musicalmente. Nesse sentido, o que é que vos preocupa nesta selva*? TEIA – Os Teia são uma banda sociológica. O nosso desafio não é a banda soar a isto ou aquilo, é mais não entrar na cena sociopática. Ainda que muito soe a entretenimento, há muito que não é para entreter. As pessoas são levadas a reflectir durante o concerto, há coisas bastante cruas… Já estamos habituados a que as pessoas não aplaudam depois da “Mentirosos do Bem”, por exemplo. Hoje em dia, há aquilo a que chamamos as “ditaduras de maioria”…Na verdade, as pessoas procuram posicionamento numa era em que tudo nos chega através de vários filtros. Nós acreditamos que é

bom sentirmo-nos incomodados de vez em quando, que há pessoas que querem isso e, como tal, pretendemos incomodar o público. A música tem esse poder, o de constranger. Até há uma lenga-lenga vossa “coisa boa, coisa má, quem está livre, livre está”. De que é que querem estar livres? TEIA - Tem se falar da música onde isso está - “O pilha das coisas” - a própria música aborda isso. Tem a ver com o facto das pessoas poderem digerir o que lhes acontece ao longo do percurso da vida e não terem obrigatoriamente de amealhar momentos fracos, “as memórias más em frágeis sacos, carregados durante uma vida inteira”. Mas todos nós temos uma “caixa de sapatos”*, onde guardamos qualquer coisa… TEIA – Ainda que toda a gente tenha uma caixa de sapatos (onde guardamos com carinho as nossas memórias menos boas e não só), não temos necessariamente de ter maus sentimentos relativamente às coisas más que nos acontecem. Se estiverem perfeitamente resolvidas, se não houver assuntos pendentes connosco, mais até do que com os outros, se a resolveres bem...E isto, “em casa de ferreiro, espeto de pau”…[risos] Passando agora para o processo criativo, gostava que explicassem como se desenrola. TEIA – Às vezes, nem nós próprios sabemos qual o objectivo. As músicas, primeiro surgem, depois nascem. Às vezes, surge primeiro o som, depois as letras. É como uma criança, a gestação,

o período embrionário. Aliás, as principais fricções entre os criadores surgem precisamente nessa primeira fase em que é preciso chegar a um consenso, decidir qual o caminho. É uma questão de perceber o que é que cada um quer e cada um tem para dar. Apesar de não haver uma “fórmula mágica”, o processo não é ametódico, há uma espécie de caos organizado, cada música é uma música cuja estrutura é sempre diferente. Nesta confusão de linhas que se cruzam, há certos segmentos que, de alguma forma, vão delinear o resto da música. Ou porque são mais fortes, no sentido de mais dinâmicos, acabam por ser os elementos-chave. Há músicas que têm partes fracturantes, por exemplo, a “Mentirosos do Bem” é praticamente a 2 actos, nunca poderia ter sido de forma diferente. Penso até que essa música é anterior à origem da banda, há músicas que justificam o início da banda. Algumas músicas também são em função da palavra. O leque vasto de referências culturais de cada um de vocês acaba por facilitar o processo criativo? Ou pelo contrário, dificulta o genuíno? TEIA – Não dificulta porque quando todos nós absorvemos essas referências, acabamos por fazer uma espécie de “tradução” do assimilado. Independentemente de cada um de nós ter outros projectos, se calhar, os Teia são o projecto mais genuíno, no sentido que nós não queremos fazer aquilo. É uma música extremamente reactiva e como é o reflexo da nossa “cena”, genuinamente falando, resulta nesta sonoridade. Já dissemos várias vezes que não podem confiar muito em nós, nunca fiar…Porque não sabemos qual é o próximo passo. É curioso dizerem que não sabem o que vem aí quando investiram, precisamente, prémios (monetários) recebidos em material para a banda…É porque, afinal de contas, há perspectivas de futuro… TEIA – Não foi só em material, foi praticamente tudo investido na gravação do EP (“Lenga-Lenga”). Queríamos trabalhar com as pessoas que consideramos muito boas mas não foi feito na totalidade por nós. Apesar de termos trabalhado com pessoas muito boas, o art work do álbum, apesar de gerido criativamente

por nós, não foi feito por nós…Tudo o que ganhamos foi praticamente investido no álbum. Mas um álbum é uma marca para a banda, para além de ser algo físico, concretiza-nos pessoal e profissionalmente. Nesse sentido e a propósito do EP editado, o “Lenga-Lenga”, é inevitável não perguntar qual a importância, actualmente, da gravação de um CD numa era que respira Internet e vocês próprios têm as músicas no myspace? TEIA – Mais do que aceder a outro patamar (com a gravação de um CD), é a concretização pessoal. É algo palpável, é completamente diferente. Normalmente, gravar o cd é o ponto de partida, para nós foi o ponto de chegada, houve um culminar de coisas que levaram à gravação e era mais que lógico concretizar isso naquela altura. A internet é mundial (pelo menos é suposto ser) mas acaba por ser limitativa…qual a qualidade que ela disponibiliza? Independentemente da existência do CD enquanto realização pessoal e não só, achamos que as pessoas devem ouvir um áudio de qualidade, o que na internet não é possível. Nós sabemos que o mp3 do nosso site soa melhor que o do myspace, ainda que ao público isso possa não fazer muita diferença, nós queremos oferecer uma música melhor, que não esteja comprimida e perca qualidade. Nós achamos que as pessoas estão a ouvir música cada vez com pior qualidade áudio, a Internet está a criar tantos vícios…E não é só na música, no cinema, etc. E para além da questão da qualidade, temos a velocidade, a forma como as coisas são consumidas nesta geração fast-tudo… TEIA – É efémero, não há espaço para o culto! A Internet enquanto plataforma de difusão, tem as suas vantagens, o que não deveria significar, obrigatoriamente, ser uma plataforma de consumo. A menos que se encontrem soluções para que na Internet se consiga ouvir música com a qualidade com que ela é, efectivamente, gravada. Se não, para que escolhes o equipamento com que gravas? O sítio onde captas, o gravador com que produzes, etc? Da mesma forma que as pessoas estão muito pouco exigentes com a vida em geral, continuam com cada vez menos

exigências com aquilo que consomem. O mp3 de fraca qualidade serve hoje em dia…Ainda que ouçamos muito mp3, não podemos acreditar que aquele é o som do disco porque não é. Supostamente, teríamos mais qualidade com tanta tecnologia, mas o certo é que a qualidade em geral e o grau de exigência são cada vez menores. Se estamos a caminhar para um novo paradigma, não tem necessariamente de ser mau, agora se gravamos todos em home studios e ouvimos mp3, descemos é a fasquia da qualidade, independentemente desta ser muito subjectiva. Quando a fonte é extremamente digital, isso é capaz de resultar muito mais, mas nós tocamos instrumentos acústicos ou electro-acústicos, sendo o teclado o mais independente e que ao vivo e em estúdio soa sempre ao mesmo. Vocês fizeram uma mini tour nortenha no mês de Janeiro: tocaram em Aveiro, Porto e Braga. Foram locais privilegiados em termos de condições técnicas mas não é usual…Já que falamos na era da velocidade, acham que as bandas são vítimas disso mesmo? Prefere-se garantir uma agenda em detrimento das condições técnicas que deveriam ser prioridade? TEIA – As “pessoas” (entidades), em geral, estão muito mal preparadas para receber as bandas para tocar. Ninguém pensa nas condições técnicas, só se pensa em fazer agenda. O público que vai beber as suas cervejas aos respectivos locais tem direito de ouvir um som com qualidade. As pessoas que pagam para ver determinados espectáculos têm esse direito. Preferimos que haja poucos mas de qualidade. Por último, criação é igual a 90% transpiração e 10% de inspiração? Confirmam este chavão? TEIA – Há excepções que confirmam essa regra mas para conseguir atingir aquilo que se pretende, é preciso muito trabalho. E quanto mais trabalhares, mais elementos vais ter que te possam inspirar, logo é algo que anda de mãos dadas. Mas desenganem-se, tudo é trabalho… Digamos que 90% do trabalho é feito sobre a inspiração, mas sem ele não se chega a lado nenhum…! *nomes de músicas da banda


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CULTURA AS AVENTURAS DOS CINCO Daniel Reifferscheid

Cinco formas de gozar com O Garfield Para a minha geração, o Garfield é provavelmente associado principalmente a um desenho animado que, apesar de não ser propriamente uma obra prima, tinha alguma piada (os guiões, afinal de contas, eram escritos por Mark Evanier.) Mas nisto somos uma aberração estatística – o maior legado de Garfield enquanto personagem é, e provavelmente será, a tira cómica na qual se iniciou. Um dos cartoons com mais sucesso de sempre, “Garfield” ocupa um certo lugar na

cultura popular americana como santo padroeiro da frase feita, arauto do cliché. Atacar o gato criado por Jim Davis é portanto uma receita fácil para qualquer jovem artista mostrar o quão distante se encontra da aburguesada classe média; é uma provocação tão genérica como a arte anti-religiosa costumava ser para os artistas visuais. Pouco espanta então que a Internet esteja cheia de exemplos; seguem cinco, numa escala de qualidade ascendente.

XKCD Não vamos ser hiperbólicos: há raras ocasiões em que XKCD, um dos maiores webcomics de culto na actualidade, consegue ter um mínimo de piada. Mas previsivelmente, a sua tirada anti-Garfield insere-se no grupo infinitamente maior das vezes em que não tem. Um apelo irritante para que o criador Jim Davis “se despeça numa labareda de glória dadaista” (bocejo), com o gato a proferir profecias do apocalipse, a tira aponta sem querer para uma verdade desconfortável: Garfield e XKCD têm mais em comum do que os seus fãs gostariam de admitir. A verdade é que as pessoas não lêem Garfield

pelas piadas – lêem pelo factor de identificação, o mínimo denominador comum duma personagem que adora lasgana e odeia segundas-feiras. E o mesmo vale para XKCD: a lasagna pode ser substituída pelo Linux, a segunda-feira pela ausência duma namorada, mas o vazio criativo é o mesmo. Ou pior: a figura grotesca que Randall Monroe criou para a tira é uma tentativa tão falhada de desenhar uma das figuras mais fáceis de colocar no papel de sempre que não restam dúvidas; a razão principal do minimalismo no traço de Monroe não é rebelião modernista mas sim o facto de não saber desenhar. Disponível em: http://xkcd.com/78/

RANDOM GARFIELD GENERATOR Uma diversão superficial: a tese do Random Garfield Generator é que o strip é tão inócuo que a combinação de qualquer três tiras resulta num trabalho tão válido como os originais. Por isso, algum indivíduo anónimo na Internet criou uma forma de misturar aleatoriamente vinhetas dos arquivos de “Garfield” – os resultados são quase sempre convincentes, e não se trata duma forma desagradável de passar uns vinte minutos. O

que eleva o Random Garfield Generator, no entanto, é que a pessoa que o desenhou afirma ter recebido uma carta dos representantes de Jim Davis a dizer que, se não parasse de o alojar, haveria consequências legais. Promovido assim ao estatuto de outsider art, a aplicação – cujo códex foi disponibilizado ao público – vive agora em várias páginas de fontes diversas, para grande descontentamento – assume-se – de Davis. Disponível em: http://hygraed.googlepages. com/garfield.html

GARFIELD MINUS GARFIELD Outro trabalho sobre as obras originais de Jim Davis, mas porventura um pouco mais criativo do que o Random Garfield Generator, é “Garfield Minus Garfield”, um projecto de Dan Walsh. Mais uma vez tratase dum conceito simples: tirar o gato das tiras e transformar assim o seu dono Jon Arbuckle num psicopata que fala para o vazio. Uma vez que muitos dos enredos de qualquer forma já

rodavam à volta da neurose de Jon, “Garfield” é um solo fértil para este tipo de experimentação. Com as piadinhas do gato removidas, o strip passa para o ritmo dum filme de Antonioni, e a solidão de Arbuckle ganha um novo tipo de pathos. Estranhamente, em contraste claro com a sua alegada reacção ao Random Garfield Generator, Jim Davis diz-se fã de Garfield Without Garfield. Disponível em: http://garfieldminusgarfield.net/

LASAGNA CAT Uma série de vídeos com re-encenações de piadas do “Garfield” em formato live-action. Na verdade, não são as re-encenações em si que dão piada a Lasagna Cat (até porque a sua tese é um pouco falaciosa – pretendem mostrar que as gags originais não têm piada, mas esquecem-se que um cartoon e uma curta são dois meios com sentidos de timing cómico completamente diferentes), mas sim o que se segue: cada reconstituição dum strip é seguida por um número musical, e é aí que o

potencial de Lasagna Cat se realiza. Um sentido de absurdismo delicioso predomina nestes telediscos para artistas tão diversos como Nine Inch Nails, Fisherspooner, Bangles e Enrique Iglesias; os dois actores, um num fato barato de Garfield e o outro com uma bizarra peruca para emular o penteado de Jon Arbuckle, dançam, dão lições de culinária e prestam tributo à era dourada do Final Fantasy. O inevitável retrato final de Jim Davis é apenas a cereja no topo desta particular tarte de lasagna. Disponível em: http://www.lasagnacat.com/

GARFIELD IS DEAD No fim, ninguém faz Davis como Davis. E até hoje, ninguém conseguiu violar de forma tão extrema o espírito da obra original como o seu próprio autor quando este concebeu um enredo especial para o Halloween de 1989: uma série de cartoons nos quais Garfield deambula sozinho pela casa, abandonado por Jon e Odie. Confrontado com a solidão total, o gato perde-se em ilusões do regresso dos companheiros que perdeu; a história acaba com um monólogo sobre os perigos da

imaginação. Davis afirma ter tido a intenção de “assustar” as pessoas com a história, e a sua voz dramática tem o mesmo nível de subtileza das suas piadas (citando a caixa do segundo strip da saga: “you have no idea how alone you are, Garfield!”) Na altura, a ideia criou alguma polémica, iniciando teorias que todo o resto do strip seria apenas um produto da imaginação febril do gato, abandonado numa casa deserta. Mas julguem por vós próprios: toda a história está disponível online. Disponível em: http://garfieldisdead.ytmnd.com/

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CULTURA CARDÁPIO FEV 09

Bruno Silva / Mariana Duarte

TEATRO 30 de Jan a 28 de Fev

6 de Jan a 28 de Fev

OS PASSOS EM VOLTA, de Daniel Blaufuks

22 de Nov 08 a 15 de Mar 09

DANÇA

CHRISTOPHER WOOL

STOMP

Coliseu do Porto

28 a 29 de Fev

O CAFÉ

Teatro Nacional São João

UM MUNDO MUITO PRÓPRIO TRIBUTO A BUSTER KEATON Teatro do Campo Alegre

14 de Fev

Museu de Serralves

17 de Jan a 27 de Fev

21 de Fev

JOSÉ CARDOSO CYRIANO DE BERGERAC

CHICKS ON SPEED [dj set]

Teatro Sá da Bandeira

MOSTRA RETROSPECTIVA DE JOANA PROVIDÊNCIA Teatro do Bolhão

14 de Mar

IV WORKSHOP DE DANÇA CONTEMPORÂNEA DA UP FLUP

Plano B

Galeria Plumba – Arte Contemporânea

27 de Fev 7 de Fev a 14 de Mai

DO RATO MICKEY A ANDY WARHOL 7 de Fev

Casa da Música

18 de Fev

Teatro Carlos Alberto

6 a 22 de Fev

CLUBBING Tindersticks, Cryptonites

CLASHCLUB Vicarious Bliss, datA

3 a 14 de Fev

HÁ MARES FESTIVAL LUSÓFONO DE TEATRO INTIMISTA DE MATOSINHOS

14 de Fev

Salão Nobre do Teatro Nacional São João

A CIDADE DOS QUE PARTEM Teatro Carlos Alberto

ARTES PLÁSTICAS

TARA PERDIDA Cinema Batalha

Biblioteca de Serralves

27 de Fev

MAX TUNDRA Até 21 de Fev

Plano B

STRANGE GARDEN Galeria Dama Aflita

6 de Mar Até 27 de Fev 7 a 21 de Fev

RETALHOS

CINEMA

Biblioteca Almeida Garret

15 de Fev

FOTOGRAFIA

PALE FACE, de Buster Keaton A NIGHT AT THE OPERA, de Sam Wood/Marx Brothers

NOVO CICLO DE EXPOSIÇÕES DE ARTISTAS PLÁSTICOS Serv’artes

O LIVRO VERMELHO DE UM FOTÓGRAFO CHINÊS Centro Português de Fotografia

Teatro Sá da Bandeira

13 de Mar

ZOMBIE NATION, MARAL SALMASSI Gare Porto

MÚSICA

20 de Mar

JASON MRAZ

Auditório do Museu de Serralves

29 de Nov 08 a 15 de Mar 09

MÃO MORTA

Coliseu do Porto

13 e 14 de Fev 16 de Fev a 1 de Mar

FANTASPORTO Teatro Rivoli

FESTIVAL PARA GENTE SENTADA

Cine-Teatro António Lamoso, Santa Maria da Feira

31 de Mar

MADCON Coliseu do Porto


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CULTURA Críticas MICRO AUDIO WAVES

Que a música experimental dos Micro Audio Waves (MAW) sempre nos sugeriu uma linguagem visual, não tínhamos grandes dúvidas. Agora, eles próprios com Rui Horta comprovam-nos a suspeita. Zoetrope dá nome a um espectáculo de difícil definição: concerto multimédia? Instalação musical? O termo, para materializar um instrumento/ brinquedo cujo objectivo era a ilusão retiniana descoberta por Muybridge (1830-1904), é o mote para uma experiência sinestésica única. Em 1h10 confundem-se os sentidos, explorando desde o mais básico (como a imagem fotográfica a correr até aos 24 frames por segundo) até aos avanços mais recentes na multimédia digital. Rui Horta segue as coordenadas sonoras do trio (aqui quarteto, com a colaboração do baixista Francisco Rebelo) e, como que em uníssono, coreografa a “dança” naïf de Cláudia Efe. A vocalista surpreende e complementa o tema onírico e infantil, sugerido pelo símbolo equestre do espectáculo, com lenga-lengas lusitanas que se interceptam com a predominância anglo-saxónica das letras. É caso para nos atrevermos a dizer que só mesmo ela para incorporar com toda a passividade e sensualidade que lhe são (re)conhecidas SLUMDOG MILLIONAIRE

Nomeado em dez categorias nos Óscares, onze nos BAFTA, vencedor de quatro Globos de Ouro e de mais de vinte prémios atribuídos em diversos festivais. Afinal, estará uma obraprima em exibição nos cinemas portugueses? Slumdog Millionaire conta a história de Jamal, um pobre e iletrado jovem indiano que por obra de uma divina providência consegue não apenas a difícil proeza de ser participante na versão indiana do programa Quem Quer Ser Milionário, como também, de forma surpreendente, atingir a etapa final do concurso. Jamal transforma-se rapidamente num ídolo nacional. A Índia pobre e suja pára e vibra para o ver na televisão mais próxima. A Índia rica e limpa na primeira oportunidade acusa-o de forjar um esquema de acesso à “chave do concurso”. Assim vão sendo desvendados os distintos episódios que esotericamente lhe segredaram as respostas, vividos desde os primeiros dias de orfandade até ao dia da grande final na companhia do irmão Salim e da alma gémea Latika. Os melhores momentos do filme, a nível de di-

no seu timbre, não o protagonismo mas a posição central e “direcção” do espectáculo. Há uma simbiose entre ambos os trabalhos sem nunca se entender, pejorativamente, contaminação sígnica alguma: distingue-se Rui Horta, distinguem-se os MAW. Juntos conseguem uma viagem intimista, masturbatória e onírica. Um equilíbrio que tanto tem de actual e digital como de longínquo e tradicional. Há uma tentativa, patente ao longo de todo o espectáculo, de acompanhar a comunicação verbal com todas as outras formas de linguagem. Há interactividade: o público pertence de certa forma ao conceito. Permite-se ao espectador uma liberdade de interpretação pela própria disposição do cenário - leia-se 3 ecrãs que quase que fecham o “espaço cénico ocupado pela banda”, sendo o público a última ecrã - ; apesar de não ficarem margens para dúvidas: há uma lógica de “circularidade e repetição” explorada por Rui Horta e orquestrada pelo experimentalismo da pop-electrónica dos MAW. Podíamos já desconfiar das potenciais aplicações da música da banda, que dá vontade de se tornar banda sonora, mas C.Morgado confirma no livrete da peça: “A nossa música presta-se a outro tipo de abordagens, mas nunca tivemos a oportunidade. Trabalhar com o Rui deu-nos essa possibilidade, de compor um espectáculo que iria ser levado a uma potência total, musical e visual.” Foi a expectativa deles, torna-se a nossa mal nos sentamos e assistimos à contagem decrescente: a viagem vai começar. Próxima paragem: harmonia e “alquimia” estética. Ficou provado: os Micro Audio Waves contam histórias com música, Rui Horta coreografa esta estória. Filipa Mora recção, texto e até mesmo interpretação, acabam efectivamente por ser as arrebatadoras sequências no período de infância de Jamal, enquadradas na paisagem humana e urbana de uma Índia real. Retratos crus e isentos da Índia actual são coisa rara na cinematografia ficcional das últimas décadas que tende a mostrar mendi, elefantes e especiarias em detrimento de defecações humanas e animais na via pública e de sarro na pele. Infelizmente para nós, espectadores, esta linha mais visceral rapidamente se desvanece. A equipa de realizadores Danny Boyle-Loveleen Tandan vai empurrando o filme para uma construção excessivamente multifacetada, usando e abusando de forma consecutiva de recursos (tais como o slow motion) que destroem estilisticamente o que poderiam ser notáveis cenas cinematográficas. Apresentando-se inicialmente de forma fresca e politicamente provocadora, o filme acaba por cair em estruturas indefinidas, em algo que se situa entre a espectaculosidade estética e narrativa do cinema de Bollywood e a desinteressante comédia romântica de domingo à tarde. Por fim, a desagradável surpresa reservada nos créditos finais vem, de forma forçada, relembrar aos espectadores que os planos e momentos menos refinados ao longo do filme são propositadas referências à estética de Bollywood, o que era óbvio e, como tal, apenas contribui para retirar subtileza e perspicácia ao filme. Alusões a Amitab Bachchan, música de M.I.A, gangsterismo, amor, suor, lágrimas e um toque de esoterismo não foram suficientes para construir uma obra-prima mas tão-só um filme com um punhado de boas sequências e uma tremenda capacidade comercial. Guilherme Blanc

não recomendado pouco recomendado recomendado bastante recomendado obrigatório

OS TRÊS DESEJOS DE OCTÁVIO C

Suponha que um homem comum encontra um objecto raro. Suponha que esse objecto raro é mágico. Suponha que esse objecto raro e mágico é uma lâmpada, daquelas que se vêem nas histórias de encantar, com um génio dentro. Suponha que é esse homem comum e que tem os três desejos das fábulas. O que desejaria? É o que acontece a Octávio C.. A lâmpada chegou-lhe pelo avô, um estranho velho norte-americano que no fim da vida ainda combateu no Iraque. Octávio era um simples funcionário da secção de divórcios de uma Conservatória do Registo Civil. Repentinamente, vê-se com a oportunidade de transformar toda a sua vida sem grande esforço. O génio surge-lhe nos sonhos, os desejos são concedidos com vinte e quatro horas de distância. Como todos, Octávio começa por pensar em benesses para si próprio – e auto-censura-se de imediato. Octávio sente que esta é a sua oportunidade para mudar o mundo, TEIA

Os Teia são uma banda de rock formada no Porto há cerca de cinco anos. A impressão inicial ao se assistir a um concerto é de déjà vu, aquela sensação de já ter escutado algo semelhante no cenário de rock, quer seja português ou não. Depois, quando as músicas vão escorrendo pelas múltiplas sonoridades, deparamonos com o imprevisível, pois já não sabemos o que vamos encontrar pela frente: rock pesado e, por vezes, melodramático recoberto por toques de jazz, reggae e até uma batucada à brasileira. O concerto oferece essa face multifacetada mais do que o EP LengaLenga. Que a hibridez de sons está em voga todos nós já sabemos; o diferencial mesmo dos Teia é a forma como a amálgama é tecida: as tendências sonoras estão expressamente aclaradas em cada composição, fica evidente onde termina o rock pesado e começam as influências do jazz, por exemplo. Aliás, tudo nos Teia parece ter o seu lugar bem delimitado, e até a iluminação do espectáculo incorporou esse conceito, separando distintamente no palco cores avermelhadas de cores frias. De facto, os Teia são objectivos na subjectividade. E o mais interessante é que o pragmático é lido nas entrelinhas.

ele que sempre passou despercebido. Sentase à secretária e elabora uma lista dos três desejos que podem transformar o mundo num sítio perfeito – apesar de serem “desejos [que] tinham ficado parecidos com [...] composições da escola primária” (pág. 28). Efectivamente, à medida que os desejos de Octávio se vão concretizando - noite após noite – os resultados imprevisíveis vão-se fazendo sentir no mundo – dia após dia. O que, inocentemente, Octávio julgava trazer paz e harmonia, trouxe o caos e a destruição. Octávio assiste ao mundo a cair aos bocados por sua causa. Enquanto isso, o Vaticano apela constantemente à calma. Os Três Desejos de Octávio C. é um livro estranho; há uma mistura de imaginários e culturas impressionante: os génios da cultura oriental com os asteróides da conquista espacial ocidental com as Parcas, senhoras do destino da cultura clássica, com a burocracia da cultura lusa. É também um livro invulgar porque, apesar do seu carácter profundamente reflexivo, não é moralizador, não há um julgamento a Octávio C. para além daquele a que ele próprio se sujeita. Que seja o leitor a criar a sua própria moral, se assim o desejar. A prosa é simples e agradável. Alguns dos pormenores são absolutamente deliciosos. Exemplo disso é a frase de abertura do livro, quase sem pedir licença se não o pedisse: “Com licença – eu tive um avô americano” (pág. 13). Os Três Desejos de Octávio C. tem mais implicações do que aquelas que nos parece querer mostrar: não é uma ingénua fábula dos tempos modernos, antes uma profunda reflexão do estado da civilização. Tiago Sousa Garcia A cena metafórica que compõe o universo da banda não se associa ao rodeio e à polidez para se dizer algo; as letras das músicas chegam a soar agressivamente. Tem alguma coisa de sublevada nos Teia, que incomoda, que perturba. O tom sarcástico ironiza as nossas convicções e o nosso modo de vida. Não é difícil perceber o desconforto do público diante de músicas como “Mentirosos do Bem” e “Em Torno do Verde”. Podemos ainda observar nas letras a repetição de certos elementos e ideias, como o maniqueísmo proveniente do bem e do mal e a recorrência a imagens com carga semântica marcante, como o leão e a maçã. Aliás, cada música é uma espécie de filme cantado, imagens são tecidas por meio de sons e criam uma simbiose que chega a ser niilista diante dos infortúnios da natureza humana. Esse niilismo, no entanto, é activo, produtivo e vivifica fortemente o pensamento, pois força a mente a trazer à tona ideias que preencham o vazio humano. Como desafios, encontra-se repensar as alternâncias de climas pesados e calmos, que ainda trazem uma certa previsibilidade ao som, e procurar trabalhar mais os timbres, ousar mais na voz. Os Teia revelam um esforço lapidado para sair da linearidade e da obviedade. Há um excesso intencional de exclamações e explosões: a arte como um acto de resistência. E no fim, torna-se claro que uma coisa é a referência, outra é a influência e outra ainda é o juízo de valor a partir delas. Manaíra Aires


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AMBIENTE

Hortas Urbanas no Porto Ana Moura

A mancha verde, pintalgada de cores vivas aqui e ali, transforma-se, após um olhar mais atento, em contornos familiares: um manto de couves, alfaces e outros legumes; mas surgem descontextualizadas do local onde nos encontramos. A vedação de pouco mais de um metro fica, então, visível. Estamos perante uma horta em plena cidade do Porto. O local é a Horta Municipal da Condomínia, no bairro das Condominhas. O inesperado quintal é o resultado do projecto “Horta À Porta” que consiste na cedência de parcelas de terreno onde se pratica agricultura biológica. A iniciativa é da responsabilidade de uma empresa de gestão de resíduos, a Lipor, em parceria com vários municípios, nomeadamente a Câmara Municipal do Porto, e com algumas freguesias. Esta é uma das três hortas urbanas existentes na Invicta. As outras duas são a Horta de Aldoar e a Horta Municipal de Aldoar, que estão situadas na freguesia com o mesmo nome. Actualmente, são 12 as hortas que germinaram do programa, espalhadas pelos municípios da Póvoa do Varzim, Matosinhos e Maia. Aldora Pinheiro, engenheira do Departamento de Valorização Orgânica da Lipor e responsável pela “Horta à Porta”, revela que esta teve origem na percepção de que existia “uma necessidade em criar espaços di-

nâmicos deste tipo”, após abordarem algumas pessoas. Os passos seguintes foram a “atribuição de talhões a quem estivesse interessado” e o “estabelecimento de parcerias com as autarquias e juntas de freguesia.” “Nos primeiros dias tivemos umas 100/150 inscrições. Estamos quase a chegar às 1500 inscrições, o que em média dá uma inscrição por dia ou mais, em quatro anos e meio de projecto”, adianta Aldora Pinheiro. Estão actualmente 800 pessoas em lista de espera, “mas o objectivo era mesmo criar locais para as colocar a todas a fazer este tipo de projecto”, salienta a dirigente. Não há qualquer custo para os utilizadores. Como esclarece Aldora Pinheiro: “todo o processo é gratuito. Desde a cedência do talhão, à formação, à água que está disponível, todos os custos são comparticipados quer pela Lipor, quer pela parceria que temos, neste caso, a Câmara Municipal do Porto”. Quanto aos custos de transformação do espaço, Ana Luísa da Direcção Geral do Ambiente da Câmara Municipal do Porto, divulga que “as alfaias e as casas de apoio foram dadas pela Lipor” e que “o projecto de arquitectura e todo o arranjo foi da responsabilidade da Câmara.” Os “agricultores” podem escolher o que plantam nos 25 metros quadrados do seu talhão, desde que não optem por monoculturas nem árvores de

fruto. Aldora Pinheiro esclarece: “Nós não permitimos que sejam cultivadas árvores de raiz por que a colocação de árvores de fruto implica sombras, implica a caída de folhagem nos talhões dos vizinhos, o que pode criar algum atrito entre os utilizadores.” O objectivo é que cada um seja

mara Municipal do Porto, e membro do Centro de Educação Ambiental do Parque de Pasteleira, (que também detém um talhão nesta horta, no Bairro das Condominhas). Quando o talhão se encontra com sinais claros de abandono o responsável pela parcela é contactado. Perante uma justificação,

responsável por si. No entanto, para averiguar eventuais problemas que possam surgir, Aldora faz a avaliação do estado dos 368 talhões das 12 hortas de dois em dois meses, assim como a Dra. Ana Luísa Coutinho da Direcção geral do Ambiente da Câ-

a continuidade do cultivo é avaliada. Esta atribuição pode, nas palavras de Aldora Pinheiro, “demorar algum tempo” pois os interessados precisam de ter uma formação antes de trabalhar na sua parcela e é necessário criar uma turma com dez alunos, no mí-

nimo. A formação tem quinze horas de duração. São noções básicas de compostagem e de agricultura biológica. Como não é permitido o uso de produtos químicos, é feita a referência a produtos que estão certificados a nível de agricultura biológica para poderem ser usados. Manuel Fernando, bio-agricultor – como ele próprio diz - de 50 anos, revela uma paixão pela agricultura (“ou micro agricultura”, como várias vezes frisou), e pelo projecto traduzida nas horas diárias que ali passa e no trabalho que desenvolveu. Actualmente, no talhão de 25 metros quadrados de que dispõe, entre aromáticas, hortícolas e flores, tem mais de 60 espécies. No entanto, destes 25 metros, apenas cultiva 20. Sacrifica 5 metros para caminhos. “Custa-me muito pisar uma planta. Nem a minha mulher, nem a minha mãe, ninguém corta flores. Aqui nascem, aqui morrem”, confessa. Antes de haver iniciativa, “estava ansioso à espera que as inscrições abrissem” e quando as obras começaram acompanhou-as “a par e passo, isto é, diariamente” durante dois anos. Refere que foi o gosto que tem por esta profissão, que “era uma coisa que eu gostava de ser e não fui”, salienta, e as vantagens de consumir produtos isentos de químicos as principais razões para estar inserido no projecto.

Ministério do ambiente querem aposta nas energias renováveis Ana Moura

O Governo de José Sócrates promete continuar a apostar no Programa Polis Maior aposta nas energias renováveis e mais investimento no tratamento de resíduos e programas “polis”. Estas são as principais apostas do governo para o ano de 2009. Em declarações à comunicação social, Francisco Nunes Correia, ministro do ambiente, disse que 2009 era um ano de forte apostas nas energias renováveis. “Existe uma aposta do governo português em termos de energias renováveis que é das mais ambiciosas a nível europeu: são valores na ordem dos 40% da produção de electricidade a produzida a partir de energias renováveis”, disse ao JUP Joaquim Calé, assessor de imprensa do Ministério do Ambiente. Além das energias renováveis, Portugal vai ainda fazer fortes investimentos no que toca ao tratamento de resíduos e ao já conhecido Programa Polis – desta feita, com uma maior incidência nos programas do litoral do país, como disse ao JUP o assessor do

gabinete de comunicação do Ministério do Ambiente. “Está também a ser regulado um diploma para a gestão dos óleos alimentares usados que é um fluxo que ainda não tem um sistema criado como existe por exemplo no papel ou no plástico; há também a ideia de implementar um sistema de reciclagem de fraldas; e ainda os re-

“A aposta em energias renováveis é uma aposta no futuro.” cursos hídricos e a orla costeira vão ser áreas que vão ser trabalhadas este ano”. Joaquim Cale confirmou que todas estas medidas são para ter em atenção ainda durante a presente legislatura. Por seu turno, a QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza, salienta a importância

do desenvolvimento das energias renováveis em Portugal tendo em vista não só a melhoria do ambiente como o respeito pelos protocolos nacionais e internacionais: “A aposta em energias renováveis é essencial para Portugal atingir os compromissos assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto (redução de emissões de carbono até 2012) e no âmbito do “Pacote Europeu Energia-Clima”, aprovado em Dezembro de 2008 que diz que em 2020, 20% da energia total consumida na Europa tem de ter proveniência em fontes renováveis. Para além disto, a aposta em energias renováveis é uma aposta no futuro. A indústria de energias renováveis é criadora de postos de trabalho e de desenvolvimento tecnológico.” Ana Rita Antunes, da QUERCUS – tal como Joaquim Calé, do Gabinete de Comunicação do Ministério do Ambiente, acredita que Portugal tem capacidade para adoptar as energias renováveis. “Portugal está já a aderir

às energias renováveis e a adaptação é tão boa quanto passa despercebida no nosso dia-a-dia: 30% da energia eléctrica que chega a nossas casas é de origem renovável. Nos combustíveis, cerca de 3% do gasóleo com que abastecemos os nossos carros são biocombustíveis”. O assessor do Ministério do Ambiente afirma que mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão ser “obrigadas” a adoptar este tipo de energias devido à cada vez mais flagrante escassez de combustíveis fosseis. Assim, a aposta nas energias renováveis é essencial, tendo em conta a actual situação do mercado de combustíveis fósseis. Quando questionada sobre o desempenho do Ministério do Ambiente durante o presente mandato, Ana Rita Antunes faz um balanço positivo, apesar de muitos dos objectivos ainda estarem por cumprir. “Em relação à aposta nas energias renováveis, o balanço é positivo. Houve um reforço durante esta legislatura de produção de energia eléctrica por fontes renováveis de 39%

para 45% e um aumento da potência instalada em energia eólica que agora está em 5100 MW até 2010. Agora só falta atingir os objectivos lançados…”. Estando tão perto das eleições legislativas, surge sempre a questão sobre a maneira que os políticos “a concurso” poderão abordar a questão do ambiente nas suas campanhas. A engenheira responsável pelo projecto Ecocasa acredita que as energias renováveis e o petróleo irão dirigir as propostas e preocupações ambientais nas campanhas realizadas pelos vários candidatos. “As energias renováveis, o combate às alterações climáticas, estão na ordem do dia. Os desafios do futuro a curto, médio e até a longo prazo são enormes no sentido de uma economia cada vez mais dependente do petróleo. Este é um aspecto a que já nenhuma campanha eleitoral pode passar ao lado. E por isso também se espera que assim seja nas próximas campanhas eleitorais em Portugal”.


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O que significa para ti esta imagem? Francisco Reis

“Nunca se disse nada assim” “Voltamos um pouco atrás, como quando era preciso ir a Lisboa ver os grandes espectáculos”, afirma a antiga directora do Teatro Rivoli, Isabel Alves e Costa, a propósito da falta de espaços no Porto para a apresentação de espectáulos de dança contemporânea.

Já tínhamos dado conta desta campanha Guerilla e ficamos estúpidos com o desenvolvimento que esta zona da cidade “sofreu”. Bares, lojas, galerias, show rooms... Parece como um plano estratégico que foi posto em acção… As possibilidades sempre as tínhamos visto, mas agora outras forças também as realizaram e as fazem aparecer.

Acho, como sempre achei, que esta zona tem um ambiente muito vivo, activo e condensado em duas ou três ruas. Verdadeiramente uma fábrica em que o efeito que tem na área faz parte da obra de arte.

É apenas uma rua. “It’s Miguel Bombarda Bitch!” Que nos leva a fazer sentir e descobrir diferentes formas de expressar. Uma pequena linha, mancha ou cor pode-se encontrar em qualquer lado então isso terá um propósito, um fundamento. Nesta janela, um traço lilás, um homem...

Uma revolução poderia aqui ser hoje iniciada. Acho que toda a gente quando por aqui passeia ainda sente isso. Respira-se bem. E é bom este movimento de pessoas nas ruas da cidade, muito urbano, no bom sentido da palavra e com muito potencial para crescer ainda.

“Nós não usamos a tecnologia como um meio, não nos deixamos dominar pelas máquinas.”, reitera o músico dos Micro Audio Waves, Carlos Morgado, que, neste momento, está a trabalhar no projecto Zoetrope conjuntamente com o coreógrafo Rui Horta. ”A indústria de energias renováveis é criadora de postos de trabalho e de desenvolvimento tecnológico.” (QUERCUS) “O que se discute é toda a sociedade”, diz uma estudante gregra à saida de uma assembleia geral de uma escola de ensino superior em Atenas.

Lukas Koehnke 28 Anos Estudante Universitário Cinema/Publicidade

Dona Madalena 53 anos Apreciadora de Arte

Pedro Pinto 26 anos Designer de Moda

Valentina Caprara Psicóloga 27 anos

O Acordo Ortográfico é um “abrasileiramento”, defendem alguns editores e livreiros.

CORREIO DO LEITOR Envia as tua opinião para:

jup@jup.pt


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DEVANEIOS

a

Miguel Ângelo...

Oh tu, teimoso e solitário Génio que me persegue Invejo-te pintor (desculpa...) Desejo de o ser! Cavaleiro, viajante e fugitivo Que aprendeste de outros tempos Que criaste o teu tempo... Amo-te por isso!

texto e imagem de Hugo Soares

Tu és a tua (minha) arte Crias beleza e tanta tragédia Observa-me e diz-me, Dá-me o teu saber!

A página DEVANEIOS está aberta à tua participação. Envia os teus textos e imagens para jup@jup.pt


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OPINIÃO

Paredes e Brancos Manaíra Aires mana_aires@hotmail.com

As paredes de uma galeria em branco. No chão, apenas um jornal aberto em páginas também em branco. Pouco tempo depois, é deixada à mostra a página contendo o texto Multiplicação e diferença para além da “condição estaminal”, de Paulo Cunha e Silva. Foi assim que passamos aquela tarde de 10 de Janeiro de 2009, na abertura da Galeria JUP. O texto de Paulo Cunha e Silva descreve a formação genética de um ser vivo e, nas entrelinhas, esse processo é comparado aos processos da vida. O texto fala sobre o corpo e os movimentos vitalícios de um mundo dado a Heráclito. Logo, a associação corpo /movimento fez-me lembrar de três importantes passos da dança: a improvisação, a exploração e a reflexão. Bem assim são as condições genéticas e os arcabouços processuais da vida: a diversidade dimana de combinações ao acaso, improvisadas; tendo essas combinações alcançado o equilíbrio a que tudo naturalmente tende na natureza, explorações dessas variantes são engendradas no intuito de extrair o potencial máximo daquele sistema; por fim, a reflexão é o exercício de ruminar todo o processo e ponderar o que foi perpetrado até então. A improvisação, a exploração e a reflexão foram o ritmo não só das minhas analogias fecundas sobre o texto de Paulo Cunha e Silva, bem como dinamizaram tudo o que aconteceu naquela tarde de Sábado chuvoso no Porto. Activar confrontos para explorá-los e, depois, reconciliar as antíteses. Como se

o mínimo traduzisse o que há de mais gigantesco e enuviante nas nossas almas. O mistério de nossa identidade acompanhado com as crises do nosso tempo. A vida pulsando na dança de elementos descartáveis que fazem parte diariamente das nossas vidas. Aquilo que deitamos fora também está acompanhado de pedaços de nós que se desprendem todos os dias. Aquele momento proposto por dois estudantes de Belas Artes, Tiago Cruz e André Rosário, gritava e explodia o óbvio invisível, que está tão presente nas nossas vidas e que, por conta da frequência, ignoramos. A proposta dos organizadores

daquele momento de “bliss artístico” valeu justamente de convidar as pessoas a refletir sobre algumas pertinentes questões a respeito da arte (e sobre a vida também, por que não?). E o que fazíamos ali também não era uma obra artística dados os âmbitos de nossa arte atual? É que as pessoas chegavam à procura de quadros, esculturas, instalações, uma performance que fosse. As pessoas chegavam com as suas ideias embaladas para a fugacidade dos dias. A necessidade dos clichês: estamos todos cansados das velhas novidades, dos obsoletos ready mades expostos como novos, das novas ideias que não passam de recriações

sobrepostas a qualquer tipo de explicação conceitual (para além do sensível). No entanto, a nossa azáfama não impede que os “museus das grandes novidades” sejam rejeitados nas suas complexidades, reflexões, encadeamentos. Como canta um amigo, “amealhar momentos fracos, memórias más em frágeis sacos, carregados durante uma vida inteira”. João Fernandes, director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, chegou à galeria quando já estávamos todos dispostos num círculo e a conversar sobre os parâmetros artísticos (ou a ausência deles) e a concepção da arte como mercadoria. O senhor Fernandes,

que achou que o evento se tratava de um novo artista a surgir no cenário artístico-comercial do Porto, disse-nos que tentou fazer esse tipo de discussão em Serralves e que não foi adiante devido à inexpressiva interatividade do público, pois este sempre ia aos encontros esperando que o próprio João Fernandes, críticos ou artistas falassem. O mais interessante nessa situação não é o visível facto de que, em suma, as pessoas não interagem da forma esperada. O que me interessa é questionar por que é que as pessoas estão sempre à espera, e por que legitimam apenas o que tal crítico sugere, o que determinado pensador cristaliza, o que os media apontam como verdade última. Por que sempre a absorção já vem digerida, como se as reflexões pertinentes a cada um não tivessem o merecido peso. O silêncio faz da ausência um estar nas coisas, e a ausência desincorpora, como bem percebera Emily Dickinson. Essa descorporificação esteve presente a todo momento naquela galeria, quer seja na ausência de obras de arte materiais (sim, porque para mim havia ali, claramente, uma obra de arte conceitual), quer seja num debruçamento sobre os processos do corpo em analogia à dança da própria vida. E daquela tarde de inverno molhado, ficou o desejo de que o branco da tabula rasa de Locke não seja a permanente ausência de questionamentos; antes, uma oportunidade para nos permitirmos constantes (re)começos.

Desapareceu de Casa de Seus Pais #1

Consoada com a família real Manuel Leal manuel.leal1983@gmail.com

Natal é voltar a casa. Fazer rodar outra vez aquela chave — está no bolso de um kispo que já temos vergonha de usar — e pisar o chão de tijoleira onde crescemos. Natal é reencontrar a família e ter frio dentro de casa. É o ‘chiip-chiip’ de tias apressadas de oleado sobre os ombros, a correr entre a cozinha e a sala com os tabuleiros da comida que vai sobrar. São casacos de cabedal a cheirar a molhado, com gente de braços estendidos lá dentro a segurar tigelas de filhoses. A família reúne-se em frente à televisão com a avó de costas, num canto da sala, a lamentar-se de que nunca mais morre — e cada Natal é o último Natal — a dar a cada um dos sobrinhos uma das chaves lá de casa para que possam abrir a porta para ver se ela já está morta.

A prima Marina, que se divorciou e que toda gente levava a mal que passasse o Natal com a família dele, volta este ano e sentam-na na mesa dos miúdos — e só te sentas na mesa dos miúdos quando não tens a tua família. Os miúdos têm todos mais de 18 anos agora. Estão sentados na mesa da garagem (tampo de fórmica, pernas de ferro, toalha de linho a desfiar nas pontas) levada para sala e colocada na ponta da mesa grande, apesar dos 10 centímetros de desnível. Os miúdos passam o jantar com o telemóvel em cima do guardanapo, cotovelos sobre a mesa, desconfortáveis e desproporcionais. Comem depressa e ficam o resto do jantar a apagar relatórios de mensagens. Os adultos bebem. Ao terceiro Porto o tio Humberto lembra que

foi o último a limpar a campa do avô, que mais ninguém se preocupa e que se não for ele aquilo fica um nojo. O meu pai traz para a mesa a história de como foi ele quem foi com o pai à sapataria para comprar um par de sapatos novos: porque o avô não queria ser enterrado com umas socas velhas ou aquelas coisas de papel a fingir que as funerárias desenrascam. E isto é um momento de humor. Outro: o primo André repete a ‘marquise de chocolate’, uma mistura de sobremesas que em tempos divertiu a família, mas que agora serve apenas para nos lembrar como é que ele ficou morbidamente obeso: uma fatia fina de salame serve de base para várias colheradas de mousse; a mistura é então rodeada por um paliçada de mais salame e coberta por serradura. No final jun-

ta-lhe o que resta dos fios de ovos. Ninguém despe os casacos, como se a consoada fosse uma visita rápida daquelas em que não é preciso passar do hall de entrada. Junto ao grupo de pessoas em que a tua cadeia de ADN mais se repete (os mesmos olhos claros, os mesmos narizes compridos e largos, as mesmas entradas), faz frio. E percebes que o que nos une não é mais do que essas coisas que navegam pelas nossas veias e artérias, que estão cá dentro e nunca vemos – um material que não escolhemos e sobre o qual não temos qualquer poder. É sangue, é vermelho, e se vires muito à tua frente é porque alguma coisa correu mal. Estava a passear pelo quintal quando o tio Germano me pega no braço para mostrar uma coisa na

garagem. E vamos até um telheiro erguido por ele, no extremo de um terreno enorme que é recreio de cães, gatos e galinhas. Aponta para uma moldura com uma fotografia de casa vista de cima, tirada por uns tipos que alugaram um helicóptero no Verão e andaram por ali a fotografar as vivendas com jardim para depois ir vender porta-a-porta por umas centenas de euros. Pega no quadro e aponta para o descampado que acabamos de atravessar, na fotografia substituído por um manto de relva verde e farfalhuda. «Pedi para eles meterem aqui o verde pelo computador, para parecer mais nobre». Pisca o olho e dá-me uma palmada nas costas, damos uma gargalhada juntos. Afinal o sangue que nos corre aos dois por artérias e veias também pode ser tingido de azul.


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Pedindo Perdão a Deus

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OPINIÃO

Luís Lago foliaoreport@gmail.com

Na época natalícia vêm-me à cabeça recordações dos meus anos como católico. Ou, como os prefiro chamar, os anos em que não vi a fabulosa série do Batman, transmitida na hora da missa. São várias as memórias que me permanecem dessa fase, mas a que aparece com maior destaque nas minhas lembranças prende-se com aquele sentimento que está para a religião cristã como a saudade está para os portugueses: a culpa. Tinha eu 10 anos e estava a deixar a casa onde tinha vivido toda a minha vida. Enquanto empacotava todos os meus brinquedos e livros, encontrei uma revista que tinha guardado num sítio secreto há algum tempo. Era uma revista de palavras cruzadas, daquelas com uma mulher em bikini na capa e cartoons eróticos de mau gosto em quase todas as páginas. Não havia lá nada de sexualmente explícito e, olhando para trás, nada que fosse dar cabo dos

nervos aos meus pais. Na altura, porém, achei que tinha de me ver livre dela. Era arriscado demais leva-la comigo para a casa nova, mas não a podia deitar ao lixo, a minha mãe podia encontra-la no caixote. Com a bateria da paranóia carregada a 100%, saí do apartamento com a revista na mão e fui a correr até as caixas do correio. Enfiei o livro proibido numa caixa qualquer e corri de volta para casa. Foi então que o sentimento de culpa me atingiu como um relâmpago. E se o meu nome estivesse na revista? Eu gostava sempre de assinar as minhas coisas. E mesmo que

não estivesse assinada, eu fiz algumas palavras cruzadas, alguém poderia reconhecer a minha letra,

eu era conhecido naquele prédio. Tinha tornado a minha posição pior. Em vez de me ter desfeito completamente do problema, perdi o pouco controlo que tinha sobre ele. Foi então que fiz aquilo que a minha educação católica me ensinou a fazer: arrependi-me e rezei. Rezei de manhã ao acordar e de noite, antes de me deitar. Comecei a arrumar sempre o meu quarto (até à altura sempre numa perpétua intifada entre Playmobils) e a ajudar os meus pais o máximo que pude nas lides da casa. Fui um óptimo cristão! Até descobrir, duas semanas depois, que

o apartamento a quem “enderecei” a revista estava desocupado. Há quase 5 anos. Cerca de três anos depois tornei-me agnóstico e nunca mais me lembrei destes 15 dias como fundamentalista cristão. Agora que me lembro, tenho uma dúvida teológica. Terei sido salvo retroactivamente por Deus? Deus pode ter impedido que alguém vivesse naquela casa, de forma a eu nunca ter sido apanhado. Deus pode existir e o arrependimento e a oração podem nos ajudar a combater as adversidades da vida. Mas não vou voltar a correr para a Igreja, nem voltar a ser o menino perfeito que fui noutra altura. Talvez Deus tenha, na verdade, usado o meu sentido de culpa para me roubar a revista. Quem sabe, o Paraíso é um local aborrecido e Deus precisa de uma revista de passatempos. Para quem escreve certo por linhas tortas, as palavras cruzadas parecem um bom entretenimento.

Singularmente Plurais Ricardo Pinto Mesquita ricardo67@iol.pt

Tenho percebido que a vida do português é muito singular. Sim senhor, singular, assim sem mais. E literalmente também. Vivemos no país em que se tem “um sapato bonito”; em que se oferece à canalha um “calção” que é um máximo; um país que usa “cueca” tanga, segundo consta. Somos o país (pobres do escoceses) em que os homens, e muito bem, usam sempre uma “calça” que deixa ver o “boxer”, embora isto já não esteja tão bem, se calhar. Há nos portugueses males da vista com cada vez mais frequência e então o português adorna agora a sua figura com o belo do “óculo”, a dar ares de quem pelo menos já (parece) saber ler na diagonal – magistral arte que se diz remonta ao tempo em que, coitados, não tínhamos tempo de ler na horizontal para expulsar essa cambada funesta dos árabes. É o que se diz, não sei. Portugal é o país onde mulheres se reúnem histéricas em torno do “grupinho de fãs do pé de gesso”, tudo para que o homem que é o seu e das suas vidas para sempre (enquanto dure) continue a calçar a bela da “meia” bráánca. E para que tudo fique a fazer um pandam bonito de se ver e

que pareça bem, há que calçar aos estupores que Deus, apesar de não constar que tenha participado no acto, se diz ter posto no Mundo com o belo do “téni” Nikes, igualmente bránco. Os Portugueses andam com fome, é o que é. E devoram os “s” como se não houvesse amanhã (e se calhar não há que isto está só para quem pode e só Deus (mais uma vez) é que sabe). Mas o que reparei com uma curiosidade maior é que os portugueses comem sem mastigar, engolem a bela da letra, assim “zás” sem pensar (pois) e depois ruminam e regurgitam-nas uns momentos depois. Repare-se nos moçoilos que tentam apanhar o autocarro a arfar, prestes a morrer precocemente de uma apoplexia debaixo do peso bruto de quase seiscentos quilos de manuais escolares (terão um óptimo curriculum, se sobreviverem) que, como dizia, correm, correm em cima dos Nikes brancos e acabam por ver a merda do veículo levar-lhes a esperança e o resto do ar, assim sem qualquer misericórdia ou piedade. Eis que se ouve logo um coleguinha a gritar a plenos pulmões (cheiinhos de nicotina que a gerinha num tolera tonos): “Ei, oh Balter já fostes!”

E ei-lo aqui. O “s” ingerido horas e dias antes, no acolhedor ambiente da família em que muito assim se conversa, vomitado assim como na maior das verborreias. E é isso: os portugueses fazem a digestão do Mundo através da bela da língua que nos calhou na sina. O Balter tem uma casa e uma família, sim, aquela que atrás dissemos que muito conversa enquanto digere, o Mundo e a refeiçom e todos eles se juntam a assistir ao espectáculo triste daquilo a que, num tempo muito distante, se diz ter chamado telejornal. O pai de “óculo”, a mãe que calçou o belo do “chinelo” para onde lhe fugiu o pé (e não só) e o Balter no máximo da partilha e da troca de experiências. E a mãe que solta do mais fundo que há em si (e a senhora parece de todas as vezes e a cada troada cada vez mais funda): “Bistes aquilo? O gaijo está-se a cagar pró segredo de justiça”. Note-se que talvez nenhum dos três tenha verdadeiramente percebido qual era o segredo que essa tal de Justiça tinha e porque é que o homem barrigudo de fato se estava a borrifar para ele. A mánhe do Bálter diz que tinha

ideia de ter ouvido falar de uma mulher meia tolinha e ceguinha, coitada, que andava com uma balança sempre na mão. Mas também já ninguém a via e sabia dela há muito. Se a mãe do Balter escrevesse ou pudesse escrever o que diz aposto que morfava, passo a expressão, ali o “h” também. Há muitos assim (eu não como: já lá vai o tempo da sopinha de letras). As notícias continuam. O Balter hoje fez merda da grossa lá na escola (como narrador estou só a citar, perdoem-me a rudeza do palavreado). Sim, o Balter tinha esbofeteado a professora, vulgo “ a belha do ca....” depois dela, coitada, lhe ter pedido para se calar. Como dizia, o Balter mandou “ganda galheta à profe” e como se não bastasse “amandou-lhe cua mesa à tromba, bem no meio daquela fronha que parece papel amarrotado” (o narrador pede que se registe que está condoído e desiste do sonho de ser professor, dizendo que o melhor mesmo é aprender ele a fechar o bico). E a mánhe só diz: “O que é que fizestes, Balter? Porque é que bates no raio da mulher, ca...?” (ora bem, cá está a bela da progenitora às tantas não tão pedagógica como a “Belha”, mas seguramente mais persuasiva no auge

do seu “mostrar como é que é”; que pena que não lhe demonstrou como é que tudo devia ter sido desde início). “Oh mánhe ela mandou-me mostrar o têpêcê e eu num tinha percebido nada e num fiz e a culpa é dela que num sabe eixplicar... oh mánhe é berdade, juro.” E a mãe depois de ter espetado duas lambadas na cara da cria quase obesa mas sempre mórbida, teve um súbito achaque e aliou-se no complot contra a “Belha” (cá para mim a mãe não sabia o que era isso do “têpêcê” e deve ter achado demais para o seu queridinho. Diz que se falou em processo contra a professora e que umas psicólogas “quaisqueres” juraram que era verdade que o menino iria sofrer de “stress pós-traumático”. A mãe não percebeu nada, mas eram médicas e estavam do seu lado). Com tudo isto que se contou (esquecendo o pé de gesso, literalmente, da professora) fiquei a pensar que, a propósito da digestão que alguns de nós fazem ao falar, é mesmo preciso ter estômago. Ou quatro estômagos, assim no plural, como as vacas. Desta maneira sempre se compreende muita coisa. Ou nada, que talvez seja melhor.

FICHA TÉCNICA DIRECÇÃO DO NJAP/JU - PRESIDENTE: Daniel Reifferscheid. VICE-PRESIDENTE: Cíntia Morais. TESOUREIRA: Marta Leal. VOGAIS: Luis Lago (JUP). Filipa Mora (aguasfurtadas). Miguel Carvalho (espaçosJUP). Tiago Cruz (galerias). DIRECÇÃO DO JUP - DIRECTOR: Carlos Daniel Rego. DIRECTOR DE PAGINAÇÃO: Ricardo Araújo. DIRECTOR DE FOTOGRAFIA: Manuel Ribeiro. EDITORES: EDUCAÇÃO Vânia Monteiro Dias. SOCIEDADE Mariana Duarte. INTERNACIONAL Luis Lago. ECONOMIA Tiago Pereira. CULTURA Filipa Mora. AMBIENTE Rita Oliveira. OPINIÃO Miguel Carvalho. COLABORARAM NESTA EDIÇÃO (por ordem alfabética): Adriano Cerqueira, Bruno Silva, Cátia Monteiro, Cristiana Afonso, Francisco Ferreira, Inês Gomes, Ivete Lígia, Joana Coimbra, João Queirós, Manaíra Aires, Marco

Eira, Maria Coutinho, Marília Cunha, Nuno Ferreira, Pedro Marques, Pedro Ferreira, Ricardo França, Ricardo Pinto, Sara Monteiro, Tiago Sousa Garcia.

Fotografia da capa: DR. I.C.S.: nº113204/88 Depósito Legal: nº23502/88 Tiragem: 10.000 exemplares Design logo JUP: Bolos Quentes. Design Editorial/Grafismo: Ricardo Araújo. Paginação: Ricardo Araújo. Pré-Impressão: Jornal de Notícias, S.A. Impressão: NavePrinter - Indústria Gráfica do Norte, S.A. Propriedade: Núcleo de Jornalismo Académico do Porto/Jornal Universitário. Redacção e Administração: Rua Miguel Bombarda, 187 - R/C e Cave 4050-381 Porto, Portugal. Telefone: 222039041. Fax: 222082375. E-mail: jup@jup.pt Apoios(2007): Reitoria da Universidade do Porto, Serviços da Acção Social da Universidade do Porto, Universidade Lusófona do Porto, Instituto Português da Juventude.


Educação P5 Estudantes estão satisfeitos com o curso e instituição que escolheram

Sociedade P6 Acordo ortográfico a caminho de Portugal

Economia P18 Crise económica mundial: balanços e expectactivas

Ambiente P27 Hortas urbanas: uma pincelada verde no centro do Porto

Ivete Lígia diz que “a fotografia é um ponto suspenso na linha do tempo”.

Evento na primeira pessoa: Exposição “Pinceladas da Terra”

Filipa Mora

O olhar curioso e quase que infantil pode confundir mas não nos engana: no segundo a seguir, numa segunda leitura percebemos instantaneamente a serenidade e a vontade de quem desde que “começou a pintar, não conseguiu deixar de fotografar”. Com 31 anos, Ivete Lígia fotografa as Pinceladas da Terra, exposição que pode ser apreciada na Zoorb, loja-galeria na Rua Miguel Bombarda.

Opinião P30 Manaíra Aires reflecte sobre a inauguração das paredes em branco

Pauta 16 valores UP A Universidade do Porto ambiciona ter 32 equipas presentes no próximo Mundial Universitário de Rugby Sevens. A confirmar-se este número, o próximo campeonato, organizado pela UP, quase dobrará o número de equipas participantes no último Mundial de Córdoba.

14 valores CIPES O Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES) apresentou em Janeiro os resultados do primeiro estudo de “Avaliação Nacional da Satisfação de Estudantes do Ensino Superior”. Uma iniciativa de louvar num país em que pouco ou nada se sabia sobre a satisfação e motivação dos estudantes universitários.

11 valores GALERIAS JUP

É a segunda vez que expões em Miguel Bombarda. Agora com esta exposição “Pinceladas da Terra”. Como aconteceu? A exposição surgiu um bocadinho por acaso. Eu estava num sítio com uma luz muito bonita, tinha geado, o ar estava muito limpo e os reflexos viam-se muito. E é uma altura em que as cores estão muito vivas e eu também não tinha nada para fazer [risos], tinha acabado de almoçar e resolvi ir tirar umas fotos. Levei um filtro amarelo e comecei a brincar. As formas orgânicas são-me familiares e comecei a jogar com isso e com a cor. E o azul? Este teu trabalho dividese muito em duas composições cromáticas, azul e amarelo. Qual a importância da cor azul?

É o contraste porque aquela zona (Melgaço, fronteira com Espanha, junto ao rio) é muito fria também. Fotografei no período das 15h às 17h basicamente, em Dezembro. Como o Sol tem o ponto alto muito breve, o amarelo passa a azul rapidamente, inicialmente fotografei com o filtro amarelo para abrir mais as cores e contrastar com as formas. As formas são muito orgânicas, muito marcadas, então achei que podia dar-lhe mais força com o filtro apesar de não ter havido muita transformação. Foi a luz natural que fez muito, daí ter falado do pintar…que foi o que senti. Isso justifica a tua frase da exposição “Quando comecei a pintar, não consegui parar de fotografar” … ? Sem dúvida, saltei mesmo para o meio da tela… Foi chegar, olhar e “vou foto-

grafar até a luz desaparecer”. Nesse sentido, fotografar para ti é para registar o momento fugaz ou preparas-te à priori? Normalmente não preparo o que vou fotografar. Eu comecei a fotografar em viagens, fiz algumas viagens sozinha com a máquina, só eu e ela…Ela era uma motivação para eu continuar a andar de terra em terra. Preparo-me para fotografar no sentido de concentração para despertar os sentidos, para apanhar o que está a acontecer nem que represente outra realidade. Falaste das viagens… A fotografia não pode ser importante enquanto registo do passado? Não, não é como álbum. É apanhar o melhor que vou lá encontrar, quer seja pelo ponto de vista. Não é para

salvaguardar a minha memória natural, mas sim para criar. Então o que te motiva? É estar a carregar e dizer “Que lindo”. [risos]. É uma coisa muito instantânea. Achas que altera de alguma forma a realidade ou que a reflecte? Alguma realidade terá, pode não ser aquele contexto mas eu vou apanhar uma realidade que depois posso descrevê-la, quer pelo ângulo, como pela luz ou pelo texto que é acessório. Mas não tem de ser a fotografia daquele momento…Depende, se for a expressão de uma pessoa é o oposto (que foi a outra exposição que fiz, retratei pessoas). Fotografia é presente ou passado enquanto registo do presente? Fotografia é futuro. É um ponto suspenso na linha do tempo.

6 valores CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO A concessão do Teatro Rivoli a Felipe Lá Féria afastou o Porto do roteiro internacional da dança contemporânea. A falta de apoios da Câmara Municipal também não ajuda a estimular o trabalho dos projectos independentes na área da dança.

Vem colaborar com o JUP! Rua Miguel Bombarda nº187

espacosjup.blogspot.com


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