JUP Maio 2011

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MAIO 2011 A 23 de Março de 2011, José Sócrates apresentou um pedido de demissão a Cavaco Silva, após o chumbo do PEC IV na Assembleia da República. O Presidente da República decidiu pelo agendamento de eleições antecipadas. No dia 5 de Junho de 2011, o país vai às urnas na esperança de decidir por um futuro melhor.

DESTAQUE / P 04 - 07

Jornal da Academia do Porto | Ano XXIII | Publicação mensal | Distribuição gratuita directora Dalila Teixeira | chefe de redação Susana Campos | director de arte Sergio Alves

GERAÇÃO ERASMUS Em 2012, o programa ERASMUS completa 25 anos de existência. Considerando todos os programas de mobilidade – quer no espaço europeu, quer fora dele – espera-se, em 2013, alcançar os 3 milhões de estudantes. A Universidade do Porto é, a nível nacional, a instituição que mais alunos envia para estudar no estrangeiro.

EDUCAÇÃO / P 08

CULTURAS 25 DE ABRIL GOALBALL URBANAS Dos tradicionais punks, hippies e góticos aos mais recentes emos e indies, é imenso o leque das chamadas tribos urbanas a que os jovens parecem aderir cada vez mais. A cultura é essencialmente, um modo de vida que compreende formas de agir, pensar e sentir.

Os jovens pedem o fim da precariedade. Os presidentes da República pós 25 de Abril apelam à unidade nacional. Uns dizem que o país precisava de uma nova revolução, outros dizem que apenas falta cumprir o espírito de Abril. O 25 de Abril é cada vez mais um ícone da democracia, liberdade e igualdade social na sociedade moderna.

SOCIEDADE / P 12

A maioria dos que assistem a um jogo de goalball, provavelmente sentem-se traídos. Partem com a expectativa de encontrar um espectáculo de comiseração compartilhada, onde, pelo menos, se pode actuar como figurante e adoptar a mágoa alheia para se tomar o papel de cidadão exemplar. Desenganemse. O goalball é um desporto onde sentir vale mais do que ver.

DESPORTO / P 16


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EDITORIAL E OPINIÃO

EDITORIAL

Há futuro para a Democracia?

E os estudantes universitários “pá”? -> E porque não há duas sem três, depois da Grécia e da Irlanda, chegou a vez de também Portugal pedir ajuda ao FMI e à União Europeia. O receio, que por tantos era partilhado, acabou mesmo por se tornar realidade a 6 de Abril quando, por força do Governo de Gestão, o pedido de ajuda externa é efectivado. A 3 de Maio o Memorando de Entendimento da Troika é finalmente conhecido. Para o povo em geral já se adivinham os resultados. E para os estudantes universitários “pá”? Portugal vai ter sérias dificuldades em pagar a sua dívida externa dado que gerar riqueza nos próximos anos será, para o nosso pequeno rectângulo, uma verdadeira miragem. Pode até parecer redutor, mas a fraca escolaridade - claro está aliada a par de uma sem fim de tantas outras causas - apresenta-se encaixotada no imenso armazém que contribuirá para o descalabro. Gerar crescimento económico torna-se imperativo para que consigamos saldar a nossa dívida externa. Porém, com baixos níveis de escolaridade no cabaz da crise a tarefa complica. Matematicamente falando, segundo dados do INE, apenas 35% da população portuguesa detém o 1º ciclo do ensino básico e 14.4% não possui qualquer nível de ensino. Isto significa que cerca de metade da população portuguesa tem apenas a instrução primária ou nem isso. O cenário continua a ser assustador quando olhamos para níveis de instrução mais elevados: apenas 27.3% dos portugueses têm um nível de instrução superior ao ensino obrigatório e somente 11.3% da população possui instrução média (bacharelato) e superior. A história tem-nos ensinado (ou pelo menos assim deveria ser!) que descorar a educação não é o caminho. De 1926 a 1974 vivemos acorrentados a um regime ditatorial no qual apenas três anos de escolaridade eram obrigatórios. O resultado foi o analfabetismo generalizado e funcional. Desde a década de 70 que foram dados grandes passos. É certo. Mas ainda assim insuficientes. E se até à década de 90 a frequência universitária era praticamente gratuita, a partir de então foi-nos feito o favor de se aplicarem as ditas propinas. 2011 foi a verdadeira desgraça no que concerne à atribuição de bolsas de estudo no ensino superior. O número de alunos bolseiros na Universidade do Porto sofreu, este ano, uma forte quebra e, só na Faculdade de Letras – o caso mais representativo -, segundo as listas cedidas pelos SASUP a 12 de Abril, 279 alunos viram a sua bolsa ficar pelo caminho. No Memorando de Entendimento apresentado pela Troika podemos encontrar no 4.º ponto (“Mercado de Trabalho e Educação”) três pequenos parágrafos dedicados ao ensino. E começa da seguinte forma: “O governo continuará a actuar no combate ao défice educativo e ao abandono precoce e procurará melhorar a qualidade do ensino secundário e do ensino profissional, de modo a aumentar a eficiência no sector da educação, a melhorar a qualidade do capital humano e a facilitar a adaptação ao mercado de trabalho”. Nos restantes escassos três parágrafos que sucedem esta belíssima entrada, em parte alguma se lê “ensino superior”. E, se para alguns neste Memorando está tudo muito preto no branco, para o JUP a coisa está cinzenta de mais. Questões que se colocam: 1. Vamos fazer um país apenas de “ensino secundário e ensino profissional “? 2. Quantos mais alunos ficarão penalizados, no próximo ano, por verem as suas bolsas de estudo ficarem pelo caminho? Dia 5 de Junho todos vamos às urnas (ou pelo menos todos deveríamos ir; é nosso dever cívico!). E apesar de tudo parecer estar decidido, precisamos de acreditar que nada está perdido! •

DIRECÇÃO NJAP/JUP presidente Ricardo Sá Ferreira vice-presidente Catarina Cruz vogal JUP Nuno Moniz vogal galerias Henrique Guedes publicidade Sara Carreira

por Francisco Silva

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semana passada assisti às conferências do Estoril, esta edição contou com a presença de várias personalidades de topo do mainstream do pensamento político a nível mundial. O tema mais pertinente foi a discussão sobre uma nova arquitectura de governo, adaptado às necessidades criadas pela globalização. Fukuyama foi directo ao assunto falando de um novo paradigma de Democracia: a Democracia periférica. Este conceito, que é o primeiro passo para um governo mundial, define-se por um núcleo comum a todos e por uma periferia adaptável a cada país/cultura. A governação passará pela inevitabilidade das leis do mercado, deixando a parte da escolha dos cidadãos apenas às políticas relacionadas com questões locais ligadas à sua cultura própria, o que reflectirmos um pouco é algo que começa a acontecer. Quando o orçamento geral do Estado é algo que depende de imposições vindas da UE, dos mercados ou do

FMI, sendo este o principal instrumento de governação, aí temos a Democracia periférica. A globalização trouxe a necessidade de universalizar as relações entre os Estados e os seus agentes governativos, é uma evolução gradual que vai acontecendo. No entanto, e para que a Democracia não se perca, é necessário criar as estruturas institucionais que permitam que os cidadãos estejam representados nesta nova realidade política. Held, um dos conferencistas, define Democracia como o sistema de governação que em contradistinção com a monarquia e a oligarquia, os cidadãos são quem governa. Ironicamente, nesta nova Democracia quem tem governado são as agências de rating e os bancos; não tem havido espaço para os cidadãos. Tudo indica para que nos próximos anos não só as políticas económicas sejam uniformizadas, mas também as referentes à educação, justiça, saúde e emprego. O exemplo prático que Fukuyama e outros deram é o da China:

Indignação ao virar da esquina por Nuno Moniz fotografia AP Photo/ Francois Mori

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um livro que se consegue ler em meia hora sem grande stress, Stéphane Hessel despeja um balde de água quente em cima dos jovens. O nome do livro é “Indignai-vos” (Indignez vous). Primeiro que tudo, é uma lição sobre capacidade de síntese e clareza de ideias que 93 anos; militância na Resistência Francesa durante a ocupação nazi; duas “escapadelas” de campos de concentração nazi e ter pertencido à comissão que escreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode dar. Vivemos dias em que a capacidade de entender aquilo que se passa e aquilo que está, na verdade e no concreto a ser decidido, é muito reduzida. É um memorando aqui, em inglês e sem tradução, é a descida da Taxa Social Única em que quem a defende é incapaz de explicar os seus reais efeitos, é a aparente “utópica” renegocia-

ção da dívida e o “amigo” ou “amiga” FMI. Tenho algum problema em definir o seu género. A confusão e a imobilidade são as melhores amigas da indiferença. Ela tem reinado por cá. Os “pulos e avanços” que a sociedade dá são resultados do choque de ideias, geralmente polarizadas. Em oposição à indiferença temos a indignação. Esta última parece estar cada vez mais no fundo da gaveta - exactamente ao pé das antigas cartas comprometedoras. Pondo de parte que existe muito cinzento entre indiferença e indignação aquilo que Hessel nos diz quase em jeito de testamento – coisa que de maneira gelada ele próprio admite – é que temos direito à indignação. Existe a percepção de que não há direito à indignação se ela não tiver consigo uma propriedade chamada proposta. Mi-

DIRECÇÃO JUP

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

directora Dalila Teixeira director de arte Sergio Alves chefe de redacção Susana Campos director de fotografia Pedro Ferreira directora de ilustração Mariana, a Miserável

Alexandra Marques, Aline Flor, Ana Almeida, Ângela Ribeiro, António Celestino, Beatriz Cóias, Catarina Costa , Christina Branco, Christian A.F. Lopes, Daniela Correia, Diana Ferrão, Diogo Martins, Eurico Sá Fernandes, Filipa Rodrigues, Francisco Silva, Gonçalo Marques Henrique Figueiredo, Hernâni Oliveira, Inês Guedes, Ilídio Marques, Ieva Balode, Irina Castro, Joana Borges, Joana Domingues, João Cruz, Juliana Diógenes, Júlia Rocha, Liliana Pinho, Lúcia Sousa, Maria Eduarda Moreira, Maria João Silveira, Miguel Barros, Miguel Heleno, Mariana Sousa, Márcio CarneiroPedro Oliveira, Pedro Ferreira, Pedro Bartoló, Paulo Alcino, Raquel Teixeira, Sandra Mesquita, Sara Lemos, Tiago Reis, Vasco Mota e Vanessa Santos

participações especiais — Héctor Olguin, Jose Soeiro , Nicole Santos, Joao Paulo Meireles, Diogo Faria e Francisco Mota

EDITORES educação Júlia Rocha sociedade Hernâni Oliveira desporto Pedro Oliveira cultura Liliana Pinho internacional e economia Irina Castro opinião Nuno Moniz

o Estado tem de garantir que a economia seja pujante mesmo que para isso as condições de trabalho sejam o que são e os direitos humanos uma piada de mau gosto. As novas gerações irão ter de exigir que o centro da decisão volte a estar centrado nos cidadãos, caso contrário o futuro que nos está destinado é o de meras máquinas distinguíveis entre nós apenas pela nossa produtividade. Das conferências retiro uma nota muito importante: a esperança que ElBaradei traz ao mundo Àrabe, concretamente ao conflito Israelo-palestiniano e no fundo a todos nós. Se a Democracia é um valor universal, há que exigir a sua globalização e a sua adaptação a um mundo que há muito deixou de ter fronteiras. A possibilidade de a Democracia vingar no Egipto é uma lição para todo o mundo e Held confirma-o quando lhe pergunto se considera que há futuro para a Democracia: "Of course there is young man, look at Egipt, look at what they have done there." •

ilustradores — Maria Helena, Mariana a Miserável, Sílvia Rodrigues , Tiago Baptista e Wasted Rita

imagem de capa Tiago Baptista depósito legal nº 23502/88 ti, ragem 10.000 exemplares design sergio-alves.com tipografia Trump Gothic by Canada Type e Mafra by DSType pré-impressão Jornal de Notícias, S.A. impressão Nave-printer - Indústria Gráfica, S.A. propriedade Núcledo de Jornalismo Académico do Porto/ Jornal Universitário redacção e administração Rua Miguel Bombarda, nº 187 - R/C e Cave | 4050-381 Porto, Portugal tlf 222 039 041 e-mail jup@jup.pt

nha opinião: acho que a disseminação e enraizamento desta ideia é a maior fraude e o maior ataque à democracia que pode existir. É a ideia que, por exemplo, o voto elege quem pensa a sociedade em vez de nós. Da indiferença não saem propostas, poderão sair inevitabilidades. Da indignação sairão muitas propostas. Da esquerda, da direita, do centro e até de cima e de (golpe) baixo, mas sairão. Aceito o balde de água quente do “Stéphane”. A indiferença não irá trazer nada de novo a ninguém. A indignação é um primeiro passo de cada pessoa (nem que seja o único) para admitir a possibilidade de que toda gente tem direito a uma opinião, já agora também à sua, e que não tem de ter sempre uma proposta na ponta da língua. As propostas criam-se no debate de ideias. Do sofá, da cadeira e da casa de banho só surgem epifanias. Prefiro a rua..•

APOIOS Reitoria da Universidade do Porto, Serviços da Acção Social da Universidade do Porto, Universidade Lusófona do Porto, Instituto Português da Juventude


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OPINIÃO

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Quantas vezes achas que vais parar ao INEM nesta Queima? Uma semana antes do início da queima das fitas e numa altura em que diversdão é, para muitos, sinónimo de copos, o JUP saiu à rua para saber as previsões que alguns estudantes... por Christina Branco

Ivo Silva | 21 anos Estudante de Geografia

Adelino Bernardo | 20 anos Estudante de Química

Não sei. Só bebo socialmente. Vou beber, divertir-me com os meus amigos na Queima, mas nada de exageros! •

Nenhuma. Não vou à Queima, não estou para gastar dinheiro nela. Para ir ver uma banda, ia ver Xutos,mas quem vê esses vê todos. O Santo Padroeiro da Queima é o Quim Barreiros e esse tambem vai ai todas. Portanto, não vou, fica para o ano! •

Eliana Tavares | 20 anos Estudante de Bioquímica Provavelmente, vou ter que recorrer algumas vezes ao INEM para levar algum amigo, até porque, pessoalmente, nunca lá fui parar. Para além de conhecer bem os meus limites, acho que me divirto muito mais se estiver mais sóbria. Provavelmente vou conduzir a seguir, daí que não possa beber nem uma gota de álcool. Por mim, dou folga ao INEM! •

Carlos Castro | 23 anos Estudante de Mestrado em Engenharia de Redes e Sistemas Informáticos Quantos dias é que são a queima? Oito? Tens aí a resposta. Agora mais a sério, espero não ir nenhuma, porque quando chega a esse ponto acaba a diversão para nós próprios e para os nossos amigos que passam a tomar conta de nós em vez de se divertirem também. •


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DESTAQUE

A 23 DE MARÇO DE 2011, JOSÉ SÓCRATES APRESENTOU UM PEDIDO DE DEMISSÃO A CAVACO SILVA, APÓS O CHUMBO DO PEC IV NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DECIDIU PELO AGENDAMENTO DE ELEIÇÕES ANTECIPADAS. NO DIA 5 DE JUNHO DE 2011, O PAÍS VAI ÀS URNAS NA ESPERANÇA DE DECIDIR POR UM FUTURO MELHOR. texto Ana Almeida, Dalila Teixeira, Maria Eduarda Moreira, Maria João Silveira e Raquel Teixeira fotografia Maria Eduarda Moreira e Raquel Teixeira ilustração Tiago Baptista


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DESTAQUE

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> CDS - PARTIDO POPULAR

O Depois de ouvir todos os partidos com assento parlamentar, reunir com Jaime Gama e convocar uma reunião com o Conselho de Estado, Cavaco Silva considerou que, dada a conjuntura económico-política actual, era necessária a realização de eleições legislativas antecipadas. Até dia 25 de Abril, todas as listas foram apresentadas: PSD, representado por Pedro Passos Coelho; PS, por José Sócrates; CDS/PP, por Paulo Portas; CDU, por Jerónimo de Sousa; e BE, por Francisco Louçã. Entre 22 de Maio e 3 de Junho, os partidos vão apresentar as suas propostas. Embora a campanha eleitoral tenha a duração de aproximadamente 2 semanas, a comunicação política é feita diariamente. Os líderes dos partidos procuraram, nestes últimos dois meses, reforçar essa actividade junto da população. A situação é de limites, e os partidos tentam – constantemente – criar uma imagem de salvação.•

manifesto eleitoral do CDS-PP às próximas legislativas visa responder a “cinco questões essenciais”: sanear as finanças públicas, pôr a economia a crescer, evitar a exclusão social, “pôr o elevador social a funcionar” e apostar na “justiça e na segurança”. O manifesto não descura o programa de ajuda externa. O CDS-PP propõe, entre outras, a agregação de câmaras municipais e de juntas de freguesia sendo, contudo, contra a extinção dos municípios enquanto unidades territoriais; a “desgovernamentalização” das entidades reguladoras através de um sistema em que será o Presidente da República a nomear os órgãos respectivos; a “elaboração e aprovação urgente de um Plano Nacional de Combate à Fraude e à Evasão Fiscais, com a duração inicial de três anos”; o reforço da “aplicabilidade da pena de prisão efectiva” que prevê também uma reforma dos tribunais penais com competência para julgar as infracções tributárias visando julgamentos rápidos; e compromete-se a “não congelar as pensões mínimas sociais e rurais” estabelecendo como meta a sua actualização ao valor da inflação para evitar a perda de poder de compra. O manifesto eleitoral recupera as ideias principais do programa das legislativas de 2009, nomeadamente as propostas para a reforma do IRS de oito para quatro escalões, para a área social e para negociar com Bruxelas a criação de “um IVA de caixa” para que as empresas possam entregar o valor apenas quando recebem efectivamente o dinheiro. •

> BLOCO DE ESQUERDA

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PROGRAMAS ELEITORAIS > PARTIDO SOCIALISTA > PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA

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PSD apresenta um programa eleitoral baseado num compromisso de acção urgente para restabelecer a confiança e a credibilidade no futuro e recuperar o crescimento económico. O partido promete proceder à rápida aplicação de um Programa de Estabilização Financeira (PEF) e de um Programa de Emergência Social (PES). Assim, o PEF assenta na inclusão de soluções que fortaleçam o sistema financeiro através da redução do endividamento externo e da dívida pública, enquanto o PES pretende adoptar medidas contra o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Para tal, a proposta de actuação do PSD apoia-se em cinco pilares estratégicos: Sociedade Civil e Instituições; Crescimento Económico e Emprego; Programa de Estabilização Financeira; Estado Eficiente e Sustentável; Sustentabilidade, Inclusão e Solidariedade Sociais; Política Externa ao Serviço do Desenvolvimento. O Partido mantém a sua agenda de privatização dos serviços sociais, da saúde e da educação, acrescentando a proposta de uma limitação das reformas pagas pelo sistema de segurança social pública. As soluções do PSD passarão pelo foco nas funções nucleares do Estado, pela implementação de uma agenda para o Crescimento, Competitividade e Emprego, pela mudança nos sectores fundamentais de intervenção do Estado, por um modelo de inovação social e pela afirmação de Portugal no exterior. •

S

ob a máxima “Defender Portugal, Construir o Futuro”, o PS apresenta o seu programa eleitoral para as próximas legislativas. O PS define “sete desafios estratégicos” que passam pela educação, energias renováveis e equipamentos sociais e de saúde. O aumento da taxa de escolarização dos jovens e o reforço das qualificações dos Portugueses com o apoio da requalificação do parque escolar e das condições de trabalho nas escolas; a consolidação da aposta nas energias renováveis para combater e reduzir a dependência energética do exterior; a afirmação do sector exportador, para que ele possa vir a representar 40% do PIB; a continuação do investimento na Ciência para o reforço da capacidade competitiva da economia; o avanço na agenda digital, assegurando que todo o território nacional fica coberto pelas redes de nova geração, para o acesso à Internet de alta velocidade; a manutenção da dinâmica de simplificação e modernização administrativas; e a consolidação e qualificação das redes de cuidados de saúde e das redes de equipamentos sociais incluindo, no que diz respeito à rede de creches, para apoio às famílias com filhos, são, em suma os “desafios estratégicos do PS. O programa eleitoral do PS aponta ainda “quatro questões chave” para uma “acção imediata”: justiça e competitividade, inserção dos jovens na vida activa, reabilitação urbana e reformar a organização do Estado e do sistema político. •

ob o lema “Mudar de Futuro pelo emprego e pela justiça fiscal”, o BE apresenta um programa eleitoral com medidas que visam enfrentar a dívida, combater a dependência e salvar a economia. Antes de mais, o BE propõe uma auditoria à dívida e a sua renegociação. Depois, e para combater o despesismo, sugere o cancelamento das Parcerias Público-Privadas pendentes e a imposição de um tecto aos accionistas das mesmas para o nível médio das taxas de juro da dívida pública praticada nos anos anteriores. Para combater a dependência, o Bloco propõe um fundo nacional de resgate da dívida assente na tributação das operações bolsistas, das transferências para paraísos fiscais e um novo imposto sobre as mais-valias urbanísticas. Já no que concerne ao “resgate” da economia, o Bloco defende o investimento público e propõe a valorização do trabalho assumindo a luta contra a precariedade, defendendo o fim dos falsos recibos verdes e do falso trabalho temporário e a limitação a um ano para os contratos a prazo. Propõe ainda medidas para substituir importações por produção nacional, para combater as dependências energética e alimentar. Para os Bloquistas, no dia 5 de Junho a escolha do povo português é entre “ a submissão ao programa FMI de recessão e desemprego, e a proposta de um caminho para o crescimento e justiça social”. •

-> Governo em Gestão Um dia depois da demissão do Primeiro-Ministro, o Executivo anunciou a sua condição enquanto “Governo de gestão”. Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência, afirmou que, “nesse sentido, o Governo assumirá nos termos constitucionais os actos de gestão que são estritamente necessários à gestão dos negócios públicos e fá-lo-á em todos os domínios da sua actividade". O governo de gestão é um executivo com poderes limitados, que desempenha funções administrativas e legislativas, uma vez que se limita à prática dos actos indispensáveis para assegurar a gestão do funcionamento do Estado. A sua actuação é temporária, na medida em que apenas funciona entre a demissão de um governo e a tomada de posse de um novo. Desta forma, pode aplicar medidas de contenção de gastos nos serviços integrados e nos serviços com autonomia financeira. Assim exclui a prática de decisões de investimento a longo prazo ou decisões que necessitam de apoio do Parlamento. Novas nomeações ou aprovação de leis são admitidos apenas em casos excepcionais. •

> PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS

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Partido Comunista Português tem como principais objectivos o desenvolvimento económico e o pleno emprego, a redistribuição do rendimento e justiça social, o aprofundamento da democracia e a defesa e afirmação da independência e soberania do aparelho produtivo nacional. Neste âmbito, o PCP estipula como pontos centrais: a valorização do trabalho e dos trabalhadores, a defesa dos sectores produtivos e da produção nacional, um papel determinante do Estado nos sectores estratégicos, uma administração e serviços públicos ao serviço do País, a democratização e promoção do acesso à cultura e à defesa do património cultural, a defesa do meio ambiente, do ordenamento do território e a promoção de um efectivo desenvolvimento regional, a defesa do regime democrático de Abril e o cumprimento da Constituição da República, a efectiva subordinação do poder económico ao poder político, a afirmação de um Portugal livre e soberano e de uma Europa de paz e cooperação. • u


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DESTAQUE

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-> Pedido de ajuda externa José Sócrates declarou a 6 de Abril o pedido de assistência financeira à Comissão Europeia. O ex. Primeiro-Ministro considerou que, após a rejeição do PEC, este era a única solução possível face às dificuldades económicas do país e que “chegámos ao momento em que não tomar essa decisão acarretaria riscos”. No dia seguinte, em conferência de imprensa, Pedro Silva Pereira declarou a formalização por escrito do pedido. Esta decisão encontra-se dentro dos poderes do Governo de Gestão, dado que, de acordo com o ministro da Presidência, “se trata de responder a uma situação financeira que requer uma resposta imediata". As negociações políticas para a ajuda externa começaram a 18 de Abril, em Lisboa, entre os representantes da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional. Contra esta medida, o CDU, o PCP e o PEV realizaram iniciativas por todo o país numa tentativa de elucidar os portugueses da intervenção do FMI. Os três partidos consideram este processo uma “inaceitável atitude de abdicação e submissão nacional”. Durante os dias de negociações, Cavaco Silva admitiu estar a acompanhar o processo, embora tenha rejeitado fazer comentários. O Presidente da República afirmou que “o mais importante é a defesa do superior interesse nacional, não é o protagonismo mediático, e há várias situações em que o protagonismo mediático é contra a defesa do interesse nacional". •

> HISTÓRIA DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL EM PORTUGAL 1983. Há 28 anos o Fundo Monetário Internacional (FMI) veio responder às necessidades de um país em recessão. À frente do Governo estava o Bloco Central, com Mário Soares como Primeiro-Ministro. O Bloco Central englobava o Partido Socialista e o Partido Popular Democrático, que mais tarde viria a formar o Partido Social-Democrata (PSD). Portugal atravessava um período em que era incapaz de suportar as despesas das importações. Já em 1977, dada a instabilidade que se sentia desde o 25 de Abril de 1974 e na sequência do choque petrolífero do início da mesma década, Portugal havia recorrido ao FMI. Ambas as intervenções foram um choque que gerou descontentamento entre os portugueses, mas que acabaram por trazer crescimento ao país. Em 1983, a conjuntura financeira estava em crise, com baixo índice de reservas cambiais, baixa de salários e um elevado número de desempregados. Mário Soares viu-se assim obrigado a negociar a dívida externa com o FMI. O plano aplicado foi muito rígido. Portugal recebeu 640 milhões de dólares e, em contrapartida, foi obrigado a: aplicar cortes nos salários e nos subsídios de Natal da função pública; aumentar os impostos; congelar as contratações e o investimento público; e desvalorizar a moeda em 13% – de forma a rejuvenescer a competitividade no mercado internacional e a tornar as exportações mais baratas. Inicialmente, o país enfrentou um aumento das dificuldades. As medidas provocaram: uma recessão em 1984, com uma queda de 1%; um aumento do desemprego de 7,2% para 8,9% em 2 anos; um disparo da inflação para 29%; e uma diminuição abrupta dos salários reais dos portugueses. Sob o ponto de vista social, houve uma contenção de despesas e uma clara diminuição dos níveis de consumo, que se traduziu no dito aumento do desemprego e no aparecimento dos salários em atraso. A terapia foi dura. A situação tornou-se mais complicada, antes de começar a melhorar. Contudo, e apesar de duro, o programa alcançou os objectivos a que se propunha e em apenas quatro anos o país mostrava um nível de crescimento assinalável. Em 1987, sentiu-se um crescimento na economia a 7,6%, acompanhado de uma diminuição no desemprego e uma recuperação do que os salários haviam perdido. A inflação desceu e a conta corrente externa chegou a terreno positivo, graças à desvalorização da moeda. Considerando os resultados alcançados, a acção e entrada do FMI em Portugal tem antecedentes positivos. No entanto, Silva Peneda lembra que a situação actual é bastante pior do que aquela vivida em 1983 e Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, alerta que, por isso, o programa de recuperação poderá durar ainda alguns anos. Rui Alexandre Novais, Professor universitário, considera “previsível que haja, desde logo, necessariamente uma clarificação da real situação económico-financeira do país com o diagnóstico de uma entidade externa e supra-partidária. E é inevitável que tal diagnóstico seja usado como arma de arremesso na corrida eleitoral.” O professor acrescenta ainda que “a campanha promete ser caracterizada pelo paradoxo entre as lutas partidárias na prossecução de um resultado eleitoral consentâneo com as suas pretensões e que permita o maior poder negocial na constituição do futuro governo, por um lado, e a necessidade de um consenso nacional dos partidos do arco do poder com vista à viabilização do plano do FMI, por outro.” Rui Novais sublinha, por fim, que “curiosamente, ao contrário das eleições europeias que tendem a ser consideradas de segunda ordem em virtude do predomínio das questões nacionais em detrimento das de cariz europeu, parece-me que, a título excepcional, nestas eleições o debate em torno das questões europeias será extraordinariamente elevado durante a campanha, mais ainda em função dos desenvolvimentos da aprovação do apoio a Portugal e da possibilidade da situação contagiar a realidade do vizinho ibérico e parceiro europeu - a Espanha - que poderá extremar ainda mais o discurso dos partidos da esquerda.” Jorge Marinho, por sua vez, também Professor Doutor da Universidade do Porto, revela que “em relação às eleições, espero que a frase atribuída a Joseph-Marie de Maistre (1753-1821) se aplique, pela positiva, a Portugal e a qualquer país, na actualidade: «Cada povo tem o governo que merece».” O Professor considera ainda que “para o efeito, os meios de comunicação social devem ter uma função esclarecedora. Isto implica profissionais sérios e com elevado sentido de responsabilidade social. Ainda a este propósito, como factor de progresso da sociedade, saliento o papel do jornalismo de investigação.” Jorge Marinha acrescenta que espera que “as instituições de Portugal e internacionais contribuam para um aproveitamento positivo dos recursos naturais, materiais e, especialmente, humanos (a título exemplificativo, as capacidades, competências e formação das pessoas).”. •

"Leva a luta até ao voto!"

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omo resultado das políticas de direita dos sucessivos governos PS, PSD e CDS, a situação dos jovens estudantes do Ensino Superior é hoje muito difícil. Medidas como Bolonha e a introdução e aumento das propinas têm contribuído para a elitização da frequência neste grau de ensino. Ao mesmo tempo, o actual regime jurídico tem como consequência a fragilização da posição dos estudantes no interior das faculdades, reduzindo a sua representatividade, e uma ameaça ao carácter público destas instituições. Em acréscimo, a actual política de austeridade promete intensificar o ataque aos apoios sociais, obrigando muitos estudantes a que interrompam os seus estudos. Na Universidade do Porto, vários são os problemas resultantes desta política de contínua desresponsabilização por parte do Estado. Bares que, por se encontrarem em regime de concessão, cobram preços injustos, insuficiência de funcionários. A rede de residências Universitárias no distrito é claramente insuficiente e não existe uma boa articulação entre UP e IPP. Finalmente, os actuais cortes no financiamento estão a impedir a contratação de novos docentes, com todas as consequências que isso traz ao nível da qualidade do ensino e, sobretudo, a acabar com a (já anteriormente insuficiente) Acção Social Escolar deixando ainda mais estudantes às portas do Ensino Superior. Perante tudo isto, a resposta necessária para o combate a estas políticas é a intensificação da luta dos estudantes, com a necessidade de dar continuidade às grandiosas lutas dos estudantes a 17 de Novembro e 24 de Março, e o voto na CDU – Coligação Democrática Unitária. A candidatura da CDU é uma candidatura aberta e plural, que conta com o PCP e outros democratas do Partido Ecologista “Os Verdes” e da Associação Intervenção Democrática e outros independentes, e é aquela que propõe uma ruptura com este rumo, lutando por uma política patriótica e de esquerda ao serviço do interesse nacional. É através do voto na CDU, força que sempre se pautou pela defesa de um Ensino Superior Público gratuito e de qualidade para todos, tal como consagra a Constituição da República Portuguesa, que demonstraremos o nosso protesto consciente e consequente. •

Nicole Santos — Militante da Juventude CDU


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DESTAQUE

Crise, FMI e democracia: algumas perguntas sobre o que queremos É Possível poupar no Ensino Superior Público

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Estado do País faz-nos reflectir sobre que futuro realmente queremos para o Nosso Portugal. Em trinta anos de democracia é a terceira vez que o FMI entra cá, projectando o estado da nossa economia num panorama de descrédito e falência perante o exterior. É o momento de dizer Basta! O estado tem que emagrecer na sua despesa com uma melhor racionalização. O ensino Superior é um dos sectores que tem de contribuir para esta racionalização, pois nem sempre o seu financiamento é bem aplicado, havendo ainda uma rede exagerada com 15 universidades e mais 22 Politécnicos. Com um conflito pedagógico entre as duas estruturas de ensino. Portugal está numa situação extraordinária; e para situações extraordinárias exigem-se medidas extraordinárias. As dificuldades de hoje requerem então, que se compreendam as necessidades do tempo presente sem esquecer de projectar as consequências a médio e longo prazo para que assim se pense o Ensino Superior, não voltando a incorrer nos erros do passado. A aposta na educação, nomeadamente no ensino superior tem que ser uma prioridade, porque muito mais que reforçar a informação e a formação cívica das pessoas, dá oportunidade de promover a sua autonomia social e potencializando a competitividade na nossa economia, criando uma rede de conhecimento, investimento, inovação e de desenvolvimento no nosso País. Desinvestir na Educação é sem dúvida hipotecar o Futuro de Portugal. Tendo de ser um investimento no rigor, no mérito, na competência e no trabalho, porque só com estes princípios é que se consegue combater o facilitismo e a crise que se vive. A formação superior tem que ser repensada na base da qualidade e da especialização. É impensável manter percursos académicos sem qualidade, porque até o próprio mercado de trabalho é condicionado. Quanto à sua especialização, é necessário e com urgência repensar a rede, e passa certamente pela especialização das universidades e politécnicos. Primeiro regional, de acordo com a região em que o estabelecimento se encontra inserido, potencializando ainda o próprio tecido empresarial e económico da região. Por outro lado, tem que haver um corte na duplicação de cursos em diferentes estabelecimentos, não se justificando o mesmo curso ser leccionado a menos de 200km de distância um do outro. A especialização dos estabelecimentos devia ser numa lógica territorial dando a oportunidade de acesso a pelo menos dois locais distintos, pela questão da mobilidade e por outro lado para promover a própria competitividade entre instituições. O MCTES devia terminar, e colocar estas áreas, de onde nunca deviam ter saído, no Ministério da Educação, porque o ensino é contínuo e a formação tem que ser pensada como um percurso completo pautado pela exigência e rigor. Os momentos que atravessamos são de uma dificuldade bastante acrescida, e exige que todos os recursos disponíveis sejam bem aplicados, havendo sempre o ganho na eficiência. Não querendo dizer com isto que o ensino superior possa ser sujeito a mais cortes absurdos e monstruosos no seu funcionamento. Contudo o ensino superior tem que ser revisto sem tabus e sem medos e para esta mudança teremos que deixar de fora corporativismos, para que as reformas necessárias sejam executadas. É possível vencer a crise e o ensino superior tem um papel importantíssimo e preponderante para a transformação de Portugal num País mais forte e mais rico. Mas muito mais que reformas é necessário, todos nós termos a predisposição da mudança, para fazer um País melhor.

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verdade que vivemos uma crise e que temos uma dívida. A maior crise é a crise social: mais de 2 milhões de pobres, quase 1/5 das crianças em situação de carência, metade dos 700 mil desempregados sem qualquer apoio. Essa é a dívida interna com quem mais sofre. Mas há também a outra dívida, a dívida externa. E essa, como a resolvemos? O empréstimo junto do FMI era inevitável? Qual é o seu verdadeiro objectivo, a economia ou o reembolso dos credores? Os juros que impõe são suportáveis? E o PEC que o acompanha, o quinto num ano, ajuda ou enterra ainda mais a economia? Governo e troika têm recusado a proposta do Bloco de uma auditoria à dívida, para saber quanto devemos e a quem. Conhecer a dívida e saber o que é legítimo pagar é o mínimo de transparência exigível. A partir daí, é preciso renegociar prazos e juros com os credores. E aliviar o endividamento, acabando com as parcerias público-privado, negócios que prejudicam o Estado para favorecer grupos económicos. A segunda questão é quem paga. O impacto dos primeiros quatro PEC’s nas contas públicas foi de 19 mil milhões de euros. Ao sistema financeiro, aos grandes empresários e aos mais ricos, os PEC’s pediram um esforço de 2 mil milhões de euros. A todos os outros, pobres, precários, funcionários públicos, reformados, foi entregue uma factura de 17 mil milhões de euros. Com apoio do PSD, o governo pediu aos ricos 10% de caridade. 90% da dívida foi paga por quem tem menos. Tinha mesmo que ser assim? Os PECs e a política de austeridade resolveram ou agravaram as nossas dificuldades? A geração a que pertenço só conhece a precariedade: 900 mil falsos recibos verdes, 400 mil trabalhadores temporários, bolseiros sem contrato, milhares de estágios não remunerados. Some-se a isso os contratos a prazo, os desempregados, os idosos pobres e temos um retrato do país. A intervenção externa propõe-se resolver algum destes problemas? Temos dez anos de experiência: a austeridade não salva, afunda. É por isso que um governo de esquerda opõe à austeridade uma estratégia de choque para o crescimento e a criação de emprego. Para isso é preciso mudar a economia. E é preciso uma reforma fiscal que vá buscar dinheiro onde ele existe. No nosso país, a banca pagou 5% de IRC, enquanto que qualquer negócio paga 25%. É aceitável? Ou, pelo contrário, é tempo de exigir justiça, taxar as grandes fortunas e as mais valias bolsistas, acabar com o biombo do segredo bancário, pôr a banca a pagar o que deve? O Bloco tem-se batido por estas medidas. Justiça fiscal, combate à precariedade, serviços públicos, criação de emprego. Num ano e meio, apresentámos mais de 300 iniciativas legislativas. Muitas foram recusadas – e teriam sido uma resposta importante à crise. 17 transformaram-se em lei. A intervenção externa é a mais importante decisão que o país enfrenta em muitos anos. O arco FMI e a troika interna - PS, PSD e CDS – já disseram que estavam disponíveis para aplicar a mesma receita que fracassou na Grécia e na Irlanda: empréstimo com juros inviáveis, recessão, mais desemprego, ataque ao salário, cortes nos apoios sociais, privatização de serviços públicos. Se o povo der a maioria a esta troika interna, o próximo primeiro-ministro mandará menos do que qualquer burocrata encarregue da fiscalização do acordo com o FMI. Nestas eleições, o país decide se luta ou se resigna. As eleições de 5 de Junho são, na verdade, um referendo. Queremos ou não queremos esta intervenção externa e as condições impostas? Esta é a pergunta que decidirá o voto.

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Capas com buracos... e não é da traça

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oje, mais do que nunca, é tremendamente difícil fazer qualquer previsão, não só pela velocidade vertiginosa a que os cenários se sucedem uns aos outros mas sobretudo pelas sucessivas revisões e correcções de todos os números que são conhecidos – e pelo menos já não restam dúvidas que o Governo mascarou todas as contas, de tal forma a que os próprios responsáveis já não conseguem esconder a confusão de que se rodearam. É assim que as reservas apostas à ajuda externa a Portugal (das quais as mais conhecidas foram as colocadas pela Finlândia) não resultam tanto de qualquer espécie de falta de consideração mas sim de incompreensão face às razões porque está este fantástico Estado neste miserável estado. Não estamos no campo da solidariedade mas sim da moralidade. Vejamos: Dívida pública - a maior dos últimos 120 anos - no valor de 151.562 milhões de euros e que toca a cada um Eur. 14.298. Dívida externa, inédita nos últimos 160 anos – no valor de 399.910 milhões de euros, calhando a cada habitante Eur. 37.727 – sendo uma desonestidade intelectual inqualificável tentar fazer passar a ideia de que um dia antes da reprovação do PEC IV em sede Parlamentar (onde até grande parte das medidas não precisaria de ser sufragada) vivíamos em prosperidade e daí em diante gerou-se espontaneamente uma situação de pobreza próxima da indigência. E assim cá voltamos a ter a necessária intervenção anunciada em 78 mil milhões (que este Leviathan não faz por menos e há quem diga que o montante não é suficiente) eventualmente com custos na credibilidade internacional de Portugal e na sua maioridade mas que a não existir colocaria em causa a prestação de serviços públicos e o próprio pagamento de salários) É fazer futurologia, tentar antecipar impactos concretos, mas no caso dos Estudantes, designadamente Universitários, só mesmo com muita criatividade será possível dificultar-lhes ainda mais a vida já que o nível da Acção Social Indirecta dificilmente poderá ser mais reduzido, já que os mecanismos de intervenção urgente já estão muito longe das necessidades e já que quanto às Bolsas ocorreu o milagre da fórmula de capitação que enriqueceu os agregados familiares de um dia para o outro, sem que estes auferissem um cêntimo a mais, ao mesmo tempo que retirava do sistema dezenas de milhares de Bolseiros Ainda assim e se o Superior continuar a ser uma Paixão esquecida …será sempre possível reduzir verbas para despesas de capital, ou reduzir programas de intercâmbio, mobilidade, investigação ou contexto de estágio e as Universidades e Politécnicos que se desenrasquem: procurem parceiros, arranjem forma de patrocínio e de uma vez por todas obtenham receitas próprias. Ai de quem se lembre de argumentar que a sua missão é procurar e transmitir saber e conhecimentos. Mas o pior é que o dia-a-dia não se prende apenas com este contexto e é impossível não sentir na pele todos os outros efeitos que se vaticinam – (e alguns terão mesmo de constar no compromisso), seja o aumento do IVA e as transferências de classe de alguns produtos, ou o facto de verem quem sustenta os seus estudos ver-se desempregado, ou com cortes em apoios sociais – porque apesar de tudo alguns são efectivamente necessários e legítimos. Isto acreditando no PM quando anuncia estar salvaguardado o 13º e 14º meses. •

Trabalho, responsabilidade e confiança no futuro

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s eleições do dia 5 de Junho surgem num contexto internacional marcado pela crise financeira iniciada em 2008. Os mercados continuam desregulados, as dívidas soberanas são alvo de ataques especulativos e a estabilidade monetária não é assegurada. O papel dos Estados no combate a esta situação é fundamental, e tem que passar pela consolidação orçamental e pela garantia de financiamento da economia. Só isso promoverá a competitividade económica, o crescimento e o emprego. Nada disto será alcançado sem estabilidade política. Realisticamente, o voto dos portugueses a 5 de Junho ditará se o próximo Primeiro-Ministro será José Sócrates ou Pedro Passos Coelho. A escolha é entre um governante com provas dadas e que tem demonstrado disponibilidade para uma solução política alargada, e alguém que até ao momento só desempenhou funções partidárias, sobre cujo pensamento político pouco se sabe, e que até ao momento só se destacou por, num acto de profunda irresponsabilidade, ter contribuído para a demissão de um Governo que procurava a todo o custo evitar o recurso a ajuda financeira externa. Outras alternativas? Uma esquerda radical e desligada dos problemas do País e uma direita populista que, em comum, têm o facto de o seu discurso se pautar pela demagogia. Os Governos do Partido Socialista que entre 2005 e 2011 conduziram o País, alcançaram várias conquistas, fruto do seu ímpeto reformista e modernizador: os portugueses são hoje mais qualificados, estudam em melhores escolas e têm acesso a importantes meios tecnológicos; Portugal é uma referência mundial no domínio das energias renováveis; a taxa média de crescimento anual das exportações passou de 3,2% 2000 a 2005, para 4,5% de 2005 a 2010; no âmbito da saúde, o tempo médio das listas de espera foi reduzido em mais de 60% e a rede hospitalar foi modernizada; foi criado o complemento solidário para idosos e o salário mínimo nacional cresceu bastante; a interrupção voluntária da gravidez foi despenalizada e o casamento entre pessoas do mesmo sexo permitido. Para além disto, foi um Governo do Partido Socialista encabeçado por José Sócrates que alcançou o mais baixo défice de sempre da democracia portuguesa. Tendo isto em conta, parece-me que não há dúvidas: o PS é o partido mais bem preparado para governar Portugal num momento tão difícil. Responsavelmente, no dia 5 de Junho votarei pela estabilidade política, pela consolidação orçamental, pelo crescimento económico e pelo estado social. Dia 5 de Junho, para defender Portugal e construir o futuro, votarei PS. •

Diogo Faria —Militante da JS, Estudante da FLUP

João Paulo Meireles — JSD Porto

José Soeiro — sociólogo, deputado Francisco José Peres Filipe Mota — CDS-PP

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Geração Erasmus EM 2012, O PROGRAMA ERASMUS COMPLETA 25 ANOS DE EXISTÊNCIA. CONSIDERANDO TODOS OS PROGRAMAS DE MOBILIDADE – QUER NO ESPAÇO EUROPEU, QUER FORA DELE – ESPERA-SE, EM 2013, ALCANÇAR OS 3 MILHÕES DE ESTUDANTES. por Raquel Teixeira, Joana Borges e Henrique Figueiredo fotografia cedida por Ana Almeida

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Universidade do Porto é, a nível nacional, a instituição que mais alunos envia para estudar no estrangeiro. Em pouco mais de 20 anos, inserida no programa ERASMUS, a UP enviou cerca de 8 mil alunos em mobilidade. Juntamente com a Universidade de Coimbra, a UP é também instituição de preferência para estudantes estrangeiros. Cristina Ferreira, directora do serviço de Relações Internacionais, lembra que esta experiência pode fazer a diferença no futuro de qualquer estudante: “É algo que vai enriquecer a sua formação enquanto indivíduo: a parte académica sim, como é óbvio, na área em que estão a estudar; mas também é um saber viver sozinho, uma autonomia que se ganha, uma experiência que enriquece o crescimento do jovem.” Estudantes universitários, docentes e mesmo ex-alunos que tenham já completado um nível de graduação universitária contam, hoje, com um conjunto de programas que lhes permite uma vivência académica e profissional internacional. Ana Almeida, estudante de 2ºano da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, escolheu Roma para o seu período de mobilidade. A estudante considera-se privilegiada pela oportunidade de fazer parte deste programa e explica que decidiu “fazer ERASMUS pela experiência em si e por julgar que seria uma óptima oportunidade para crescer a vários níveis – pessoal, académica, social e culturalmente. A ideia de viver sozinha, noutra cidade, noutro país, pareceu-me desde sempre bastante aliciante; via nela a possibilidade de me conhecer… uma oportunidade de me desafiar a mim mesma.” Muitos estudantes universitários reconhecem que esta é uma oportunidade única de explorarem diferentes culturas, aprenderem novas línguas e abrirem caminho para o seu futuro. São cada vez mais os estudantes estrangeiros que escolhem o Porto como cidade de destino. Teresa Medeiros, responsável pela mobilidade IN da UP, considera que “a cidade do Porto reúne todas as condições a nível de custo de vida, de universidade/instituição que os alunos procuram.” Teresa reforça que “é uma cidade fácil de se viver, de se movimentar… O feedback é sempre bastante positivo.” Francesco Di Vincenzo e Ainhoa Fernandéz são dois alunos que estudam na UP ao abrigo do programa ERASMUS. Ainhoa veio de Espanha, e Francesco é italiano. As motivações que os levaram a fazer um período de mobilidade na nossa cidade variam, mas ambos encontraram resposta positiva às suas expectativas. “Escolhi o Porto porque queria aprender português. É a quarta ou quinta língua mais falada no mundo e, como jornalista, acho que é relevante saber falar a língua lusa” referiu Ainhoa. Já Francesco conta: “o meu primo esteve cá a fazer ERASMUS, e eu vim visitá-lo. Gostei da cidade, do mundo ERASMUS daqui (…) Para além disso, percebi que o Porto não é uma cidade muito cara, então decidi estudar cá”. Francesco confessa ainda apreciar o ambiente e o espírito académico da cidade, “todos os jovens se encontram no Piolho, todas as noites falas com alguém, reunimos e acabamos por ir dançar juntos!”

Para além do apoio que encontram junto das instituições, ou junto de antigos estudantes ERASMUS, portugueses e estrangeiros descobrem no Erasmus Student Network (ESN) um ponto de ajuda muito importante na fase de integração e ao longo de todo o seu período de mobilidade. O ESN é um grupo voluntário internacional, composto por alunos das cidades de acolhimento, que recebe os estudantes ERASMUS. João Pereira é o presidente do ESN Porto e recorda como surgiu o grupo na cidade: “Em 1961 surgiu o INET, um grupo criado pela Reitoria do Porto, composto por alunos das Faculdades que tinha como objectivo ajudar na integração e na criação de actividades para os alunos internacionais. Esse grupo foi evoluindo e, em 2002, o INET passou a chamar-se ESN Porto. Foi criado pela Comissão Europeia com o intuito de melhorar o contacto entre os alunos”. No gabinete do ESN, os estudantes ERASMUS encontram ajuda, sobretudo a nível de integração. O programa de financiamento do programa ERASMUS é um programa anual. É feito um pedido à Agência Nacional, que, com base nos números de previsão de execução de mobilidades

» MUITOS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS RECONHECEM QUE ESTA É UMA OPORTUNIDADE ÚNICA DE EXPLORAREM DIFERENTES CULTURAS, APRENDEREM NOVAS LÍNGUAS E ABRIREM CAMINHO PARA O SEU FUTURO.

no ano seguinte, avalia que verba atribuir a determinada instituição. “A UP tem vindo a apresentar uma execução crescente (…) penso que somos a Universidade que recebe maior financiamento”, refere Cristina. Para além da bolsa ERASMUS “que não é uma bolsa de estudos, é uma bolsa de compensação para ajudar nos gastos inerentes à deslocação”, existem vários tipos de financiamento, nomeadamente uma bolsa adicional para estudantes com dificuldades económicas. “Até há uns anos atrás, não havia montantes mínimos e máximos, havia uma tabela recomendada e uma afectação ou não de bolsa. Nestes últimos anos, temos conseguido pagar bolsa de tabela mínima a todos: 200 euros para estudos e 246 euros para estágio. Há uma uniformidade de utilização de financiamento.” Cristina Ferreira não considera que a situação actual do país afecte esse financiamento. “O dinheiro da bolsa ERASMUS não é um financiamento que saia do orçamento de estado, portanto eu acredito que vamos ter para este ano pelo menos o mesmo que tivemos o ano passado.” Cristina teme que a conjuntura actual venha a afectar, não pela modificação do financiamento, mas pela mudança das realidades familiares. Embora ainda não se sintam esses efeitos, “o esforço familiar necessário pode não ser possível, atendendo à actual circunstância do país… pode afectar a autorização, aquela luz verde que diz: podes ir que nós suportamos!” Cristina relembra ainda a situação de antigos estudantes bolseiros que perderam este ano o apoio, apesar de continuarem em situações de carência, “um aluno não bolseiro pode ter uma situação familiar muito difícil, mas por não atingir um determinado patamar fica numa situação que não ajuda. São situações difíceis de aferir.” Apesar das dificuldades, Albino defende que, hoje em dia, “temos que marcar a diferença”. Cristina acrescenta a importância da experiência internacional neste sentido: “as pessoas ficam muito mais preparadas… o saber enfrentar obstáculos, o saber procurar ajuda, reconhecer a

diversidade”, conclui: “a pessoa ganha percepção da assertividade da expressão quanto mais sei, mais sei que nada sei: quanto mais conhece, mais vê que tem um montão de coisas por conhecer. Isso é incrivelmente importante para a correcta percepção da realidade.” Vivemos, de facto, numa geração ERAMUS, onde não todas as pessoas de todas as idades começam a valorizar e a reconhecer esta realidade. “A cidade sente estas alterações, esta movimentação. O ERASMUS mudou a mentalidade e a vivência Europeia”, declara Albino. Cristina completa, “todos os estudantes universitários pensam nisso, pelo menos. Podem ALBINO não fazer, mas sabem que está ali e que é uma hipótese com a qual podem contar. A vivência nas Faculdades, por outro lado, já é uma realidade que reconhece uma população estrangeira que está cá. Isto enriquece quem fica… reforça este factor de internacionalização, de novas aberturas, de novas vivências, de interculturalidade. Eu acho que se pode falar de Geração ERASMUS nos dois sentidos: quer pela abertura que se faz na recepção de alunos estrangeiros – ERASMUS e outros – quer pela oportunidade que se dá aos nossos em ir para fora.”

O ERASMUS MUDOU A MENTALIDADE E A VIVÊNCIA EUROPEIA.


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EDUCAÇÃO

A NAME for health – Cooperação e Educação

fotografia cedida por Vanessa Santos

A FACULDADE DE MEDICINA NA UP ASSOCIOU-SE A UM PROJECTO PARA MELHORAR OS CUIDADOS DE SAÚDE EM PAÍSES AFRICANOS. O ENSINO DA MEDICINA TAMBÉM RECEBE UM CONTRIBUTO, NESTE PROJECTO QUE ENVOLVE UNIVERSIDADES ANGOLANAS E MOÇAMBICANAS. O JUP FALOU COM A PROFESSORA DOUTORA MARIA AMÉLIA FERREIRA, COORDENADORA DO PROJECTO.

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projecto “A NAME for health” (A Network Approach in Medical Education for the Pursuit of Quality of Higher Education Institutions and Health System) consiste num plano de contribuição aos cuidados de saúde das populações de Moçambique e Angola. A Universidade do Porto está presente neste projecto através da coordenação da Faculdade de Medicina. Desde Dezembro de 2008 que a FMUP, juntamente com a Universidade Agostinho Neto de Luanda, a Universidade Eduardo Mondlane de Maputo e a Universidade de Lúria em Nampula Moçambique colaboram neste projecto e tentam reforçar competências académicas, assim como especialidades clínicas. Co-financiado pelo EDULINK, o principal objectivo é melhorar a formação de médicos nos países parceiros, sendo que, alguns representantes têm vindo a visitar a própria FMUP e o Hospital de S. João. Esta cooperação é vista por todos os parceiros no projecto como positiva e com um nível de aproveitamento humano altíssimo no que toca a melhoria de condições de saúde no continente africano, especificamente em países lusófonos. A coordenadora do projecto, a Professora Doutora Maria Amélia Ferreira considera que um dos passos do mesmo é precisamente dotar as instituições uni-

versitárias de Angola e Moçambique no que toca à capacidade de formar profissionais médicos. O estreitamento de relações entre os países tem sido um ponto positivo a apontar. Maria Amélia Ferreira destaca que “com vista à crescente internacionalização da Universidade do Porto, a Cooperação tem vindo a ganhar cada vez mais destaque, quer através do envolvimento da Universidade em programas de mobilidade, como é o caso do Erasmus Mundus, quer através de candidaturas a financiamentos específicos para a Cooperação.” A entreajuda e cooperação entre países lusófonos são as palavras de ordem, num projecto que “reforça o papel da FMUP enquanto instituição promotora da melhoria da Educação Médica e Prática Clínica”. “A NAME for health” decorre de actividades de projectos anteriores levadas a cabo desde 2005, como por exemplo Programa de Cooperação entre a FMUP e a Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto, em Angola, ao abrigo de protocolos entre Portugal e Angola. A Faculdade de Medicina é responsável pela coordenação deste programa, sendo que tem para isso uma equipa específica: “A FMUP reúne uma equipa de coordenação constituída por um Coordenador Geral de Projecto e um Coordenador Científico; uma equipa

clínica constituída por três coordenadores clínicos das áreas da Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e Doenças Infecciosa; uma equipa de execução constituída por um gestor de projecto, um gestor de informação e comunicação e um técnico de ciências de educação.”, como nos explicou Maria Amélia Ferreira. Várias infra-estruturas têm sido também associadas a este projecto como Centros de Educação Médica, Gabinetes de Apoio ao Estudante e até uma Plataforma Tecnológica que permite uma comunicação mais rápida e uma partilha de conhecimentos entre as instituições participantes. A Fundação Calouste Gulbenkian e o próprio Hospital de São João são parceiros neste projecto, que tem vindo a estreitar relações entre países irmãos.or isso, muitas vezes esquecido pela sociedade.• Júlia Rocha

Ainda do Brasil, ao escolher candidatar-me para a Universidade do Porto, na altura tinha uma parca consciência de que me lançava para uma nova fase: onde pessoas, lugares e sensações desconhecidas cruzariam o meu caminho. Certamente, entretanto, o que não imaginava era deparar-me com grandes diferenças culturais em um país considerado amigo de língua e acordo ortográfico, descobridor do nosso território e responsável por heranças de influência histórica e social. Mas encontrei, sim, grandes diferenças. Desde a praxe, tradição acadêmica inexistente no Brasil, até o orgulho nacionalista forte, que no Brasil está em falta, e as diferenças linguísticas – maiores do que imaginava que seriam. Os portugueses engolem vogais na fala. Além disso, consideram-se hospitaleiros, mas pouco se abraçam. E aqui há mais idosos do que jovens. Foi na faculdade onde mais percebi diferenças, em comparação com a minha Universidade Federal do Ceará. Logo na primeira semana, tive aulas com professores a falar por duas horas ininterruptas. “Por que os alunos não debatem?”, questionava-me. Veio-me à lembrança, em alguns momentos da aula, um mestre do meu curso, Ronaldo Salgado, professor de Jornalismo Impresso II e de Laboratório de Jornalismo Impresso, com quem sempre troco ideias. O diálogo começa: “Olá, professor, o senhor tem um tempinho para mim?”, ao que ele responde: “Minha filha, o senhor está no céu, eu sou 'tu'”. Após algumas risadas, passei a me forçar a tratá-lo pela segunda pessoa do singular. Aqui existe uma distância entre aluno e professor. Tenho certeza de que o motivo é cultural, mas os estudantes deveriam trocar opiniões, conversar e tirar dúvidas em sala; é essa capacidade de debater que faz a diferença numa graduação. Outra diferença é o pouco tempo que os estudantes têm, durante a graduação, para estagiar em meios de comunicação “de verdade”. Em termos de experiência, o recém-formado sai perdendo. Um ponto positivo é a cultura geral dos estudantes; política, economia e história são assuntos comuns numa conversa entre os jovens portugueses. Nisso, os estudantes brasileiros aqui no Porto deveriam se motivar pelos colegas lusitanos a adquirir. Só tenho dúvidas de que reste tempo, entre viagens desenfreadas pela Europa, para que os brasileiros percebam que a hora de trocar experiências acadêmicas e culturais, em um país tão diferente do nosso, é agora. texto e fotografia Juliana Diógenes

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“O voluntário é aquele irmão mais velho que está ali e que os ouve, que lhes dá conselhos” O PROJECTO VOLUNTARIADO ESTUDANTIL TUTORIAL FAZ PARTE DO PROGRAMA PORTO DE FUTURO, DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO. A IMPORTÂNCIA DESTE PROJECTO FOI-NOS CONTADA PELA COORDENADORA DO PROGRAMA.

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projecto tem cerca de três anos e visa combater o insucesso escolar em alguns agrupamentos portuenses. Segundo Maria Clara Martins, coordenadora do programa de voluntariado estudantil tutorial, o projecto “nasceu de um desafio que a Câmara Municipal do Porto lançou a três universidades, que somos nós (Universidade do Porto), o IPP e a Católica, no âmbito do projecto Porto de Futuro”. Este programa, como explica Maria Clara Martins “tem como parceria (…) universidades/escolas do ensino básico e secundário, enquanto o Porto de Futuro consiste num projecto mais alargado, nomeadamente ao mundo empresarial”. A Universidade do Porto tem como parceiros o Agrupamento de Escolas de Rodrigues de Freitas e o Agrupamento de escolas Dr. Augusto César Pires de Lima. Este projecto ajuda “meninos referenciados em escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), as escolas que são territórios prioritários de intervenção, mais problemáticas”. De acordo com a coordenadora do projecto, o grande objectivo é “o combate ao insucesso e ao abandono escolar nas escolas do ensino básico e secundário”. Os voluntários pretendem “ajudar

aqueles meninos que estão em risco de não transitar de ano, aqueles que estão em risco de abandonar a escola, trazê-los à escola e ajudá-los a melhorar o seu desempenho e os seus projectos de vida”. Maria Clara Martins acrescenta ainda que “o voluntário não é só aquele irmão mais velho que os ajuda a estudar, é também aquele irmão mais velho que está ali e que os ouve, que lhes dá conselhos. É uma referência para aqueles meninos cujo projecto de vida termina muitas vezes no nono ano”. Neste projecto, o elemento principal são as crianças das escolas, porém Maria Clara Martins afirma que “o voluntário também sai enriquecido e se calhar vai descobrir competências que não sabia que tinha”. Isto acontece, uma vez que, embora as crianças sejam difíceis, são também crianças “muito carentes de afecto e o voluntário acaba por lhes dar esse lado que, por vezes, não têm no seu seio familiar”. Segundo a coordenadora do projecto, desde que o programa começou “nunca houve nenhum incidente”. Porém, há situações pontuais que “nos põe um bocadinho tristes” como os voluntários “chegarem, por exemplo a meio do projecto, e saírem porque arranjaram trabalho ou porque

vão para Erasmus e não nos avisaram com antecedência”. De resto, o balanço é positivo já que há voluntários que “começam com determinados horários e depois até nas férias deles vão para lá porque os meninos têm aulas”. De acordo com Maria Clara Martins novas escolas podem concorrer para fazer parte do projecto “desde que haja aceitação de ambas partes”. A coordenadora do projecto refere ainda que a divulgação do programa é feita através da “página (da internet) e por e-mail dinâmico para toda a universidade, pelas associações de estudantes, via Twitter e Facebook, e cartazes que enviámos para as faculdades”. A nível de inscrições no projecto, Maria Clara Martins considera que “a adesão tem sido muito boa” e que “é um bocado passa-a-palavra, porque uns vão, têm a experiência, depois falam dessa experiência e acaba por se pegar um bocadinho o bichinho”. Os estudantes da UP que estejam interessados em inscrever-se neste programa podem fazê-lo através da ficha de inscrição que se encontra na página de Voluntariado na Universidade do Porto. •Irina Ribeiro

Medicina à Periferia PELA QUARTA VEZ CONSECUTIVA, DEZENAS DE ESTUDANTES DO ICBAS ACEITARAM O DESAFIO E LEVARA CONSIGO SAÚDE, SIMPATIA E MUITOS CONSELHOS AO SEIO DAS POPULAÇÕES MAIS ESCONDIDAS DO INTERIOR DO PAÍS.

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oi com empenho e entusiasmo que os futuros médicos do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar chegaram aos seus locais de destino. Em cada um dos seis concelhos seleccionados – Mesão Frio, Vinhais, Celorico de Bastos, Baião, Ponte de Lima e Vila Pouca de Aguiar – os estudantes garantiram o rastreio de alguns dos índices de maior incidência do século XXI. Para o despiste, foram efectuados testes à tensão arterial, glicemia, colesterol, índice de massa corporal (IMC) e perímetro abdominal. Os municípios envolvidos no projecto responderam positivamente à iniciativa, facultando todos os meios necessários à execução da actividade, bem como no auxílio à sua divulgação junto da população. Esta iniciativa não é inédita e constitui uma fracção importante do programa anual de actividades da ANEM (Associação Nacional de Estudantes de Medicina). Todavia, a procura tem superado largamente as expectativas da organização e o número de vagas permanece escasso. Portanto, e perante este cenário, a Associação de Estudan-

tes do ICBAS decidiu arrancar com um projecto semelhante e alargar os rastreios um pouco mais para norte. Este ano, o número de indivíduos rastreados rondou os 800, tendo uma significativa percentagem dos mesmos tendo sido encaminhada para o Centro de Saúde mais próximo, devido à anormalidade de um (ou mais) dos parâmetros avaliados. Esta decisão passava exclusivamente pelo estudante, uma vez que nenhum médico acompanhou as brigadas de rastreio. Contudo, e tendo sido as vagas alargadas a todos os anos curriculares do curso de Medicina, os alunos participaram numa formação prévia orientada pelo Dr. Pedro Vita, médico do Hospital Geral de Santo António. O projecto, afirma a participante e co-organizadora Carla Rebelo, é não só de grande interesse para a comunidade, mas também para os estudantes envolvidos: “Este tipo de iniciativas traz vantagens tanto para os alunos como para a população em geral, porque para além de ajudarmos as pessoas a tratarem da sua saúde, também nos permite ter um primeiro contacto com os doentes no qual es-

tamos por nossa conta e risco”. Carla realçou a pertinência desta actividade para alertar não só as populações a controlar a sua saúde, mas também os profissionais a estenderem o contacto médico-doente que é, na sua opinião, de extrema importância: “As pessoas saíam de lá contentes por alguém ter falado com elas sobre o seu estado de saúde e porque realmente havia uma conversa ‘sem um computador no meio’”. Esta crescente necessidade de humanização da Medicina é um dos principais objectivos da iniciativa, bem como a transposição da saúde até locais onde os cuidados primários são escassos. Por último, Carla apontou a importância da interacção interpessoal e da transmissão de conhecimento, não só entre o estudante e a pessoa rastreada, mas também entre alunos de vários anos curriculares, com diferentes experiências clínicas: “Foi muito divertido também pelo facto de podermos conhecer outras pessoas da nossa faculdade e que, no meu caso, tinham um pouco mais de experiência clínica que eu, o que permitiu a troca de conhecimentos”. • Diana Ferrão

Moção de censura à AEFLUP reprovada PARA SURPRESA DE MUITOS, INCLUSIVE DA DIRECÇÃO DA AEFLUP, UM GRUPO DE ALUNOS LANÇOU UMA MOÇÃO DE CENSURA À ASSOCIAÇÃO. MOÇÃO QUE FOI REPROVADA O PASSADO DIA 11 DE ABRIL.

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moção de censura, lançada contra a Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, insurge-se contra a atitude da própria AE. Segundo o documento enviado aos estudantes da faculdade, os alunos são “contra o populismo, contra a unipessoalidade, contra o ‘autismo social’” que parece ter atingido a direcção da AE. Criticam a falta de espírito crítico e a resignação a certos acontecimentos, principalmente tendo em conta a conjuntura actual, que afecta o ensino superior. Criticam bastante a “concentração de poder na figura do Presidente”, e falam de falta de transparência e afastamento do plano inicial da direcção. Francisco Mota, presidente da AEFLUP, numa carta enviada a todos os estudantes de Letras critica a moção e descreve todo o trabalho feito

pela AE, principalmente a nível da acção social e o aprofundamento das relações com a direcção da própria faculdade. Segundo a mesma carta, uma ruptura nestes momentos, traria instabilidade a uma faculdade que não precisa de mais problemas. Mesmo com mais cartas de grupos de alunos a criticar o trabalho da actual AE, principalmente a ligação muito próxima à FAP e acções tomadas no dia 24 de Março (Dia do Estudante), esta moção de censura foi reprovada no passado dia 11 de Abril, numa Assembleia Geral. Em cartas abertas, os estudantes criticaram a ida à DGES, uma entidade que nada tem a ver com a acção social, a principal causa de revolta. Resta saber se esta instabilidade vai continuar, numa associação formada há apenas 5 meses. • Júlia Rocha


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nº03 maio 2011

caderno cultural integrante do Jornal Universitário do Porto

Culturas Urbanas Dos tradicionais punks, hippies e góticos aos mais recentes emos e indies, é imenso o leque das chamadas tribos urbanas a que os jovens parecem aderir cada vez mais. A cultura é essencialmente, um modo de vida que compreende formas de agir, pensar e sentir. Sociologicamente, determina os valores e crenças dos indivíduos, assim como a forma como os seus pensamentos e sentimentos são expressados. }

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Correspondances Partindo do princípio de que cada pessoa é um aglomerado de matéria única e o que de mais relevante existe é a valorização estética, Héctor Olguin não atribui uma sexualidade definida a cada corpo e, uma vez que não se identifica com a separação entre géneros, interessou-lhe a ideia de extrair os corpos de si mesmos. }

Rui Xará

Aos 3 anos de idade pisa pela primeira vez um palco para contar uma anedota sobre freiras. Hoje, à conversa com JUP, Rui Xará, desmistifica o Stand Up Comedy em Portugal. }


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{ parêntesis jup maio 2011

das tribos alternativas aos estilos massificados

DOS TRADICIONAIS PUNKS, HIPPIES E GÓTICOS AOS MAIS RECENTES EMOS E INDIES, É IMENSO O LEQUE DAS CHAMADAS TRIBOS URBANAS A QUE OS JOVENS PARECEM ADERIR CADA VEZ MAIS. por Liliana Pinho ilustração Wasted Rita

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cultura é essencialmente, um modo de vida que compreende formas de agir, pensar e sentir. Sociologicamente, determina os valores e crenças dos indivíduos, assim como a forma como os seus pensamentos e sentimentos são expressados. A expressão “tribos urbanas” surge através do sociólogo francês Michel Maffesoli, em 1985, e caracteriza grupos de amigos ou jovens com afinidades e interesses em comuns, sejam estes políticos, musicais ou outros. Distinguem-se principalmente através da forma de se vestirem, mas devem ainda ser coincidente relativamente a determinados hábitos, valores e formas de agir ou pensar para serem realmente aceites como pertencentes a algum género específico. São verdadeiras culturas à parte, como o próprio nome indica. •

Conceitos: Underground vs Padrão Mariana Oliveira, de 21 anos, acredita que “ainda faz sentido” falar de culturas urbanas, mesmo que haja cada vez mais uma ““uniformização das pessoas e uma formatação na forma como pensas e te vestes, aos sítios onde vais”. Para a estudante da Universidade do Porto, “cultura urbana é um conceito muito abrangente, pode ir desde os movimentos ligados ao hip-hop e ao grafitti às tendências mais underground, digamos assim. É o que se passa nas cidades, é um pouco de tudo e nada em concreto. São jovens que têm formas diferentes de se expressar ou de ver o Mundo e que se reúnem” afirma. “Underground”, para Mariana, é “tudo o que sai da norma, da convenção”, apesar de achar que “é um rótulo um bocado idiota”. “Para mim não faz muito sentido mas utilizei o termo como eu acho que a maior parte das pessoas o entende”, explica. Mas ao contrário de Mariana, são muitos os jovens que se engasgam perante os conceitos de “underground” ou “tribo urbana”. Aparentemente, aqueles que seguem os “padrões standard”, como muitos os definem. Mariana Oliveira integrou um movimento gótico durante vários anos mas acabou por deixar. “Em grupos pequenos torna-se difícil viver. Depois, acaba por haver uma estupidificação e não um progresso de tudo o que o grupo valoriza ou reivindica. Continuo a ter o meu gosto pela música, pela arte, mas afastei-me das pessoas”. O gosto pelo gótico surge devido à paixão pelo século XIX, pelo vitoriano e pelo revivalismo. “Mas também pela música. A música faz parte da minha vida, não consigo viver sem música. Costumo dizer que a minha cabeça é uma jukebox”, explica Mariana. E muitas destas tribos urbanas parecem diferenciar-se principalmente pelo estilo de música e pela forma como se apresentam aos outros através da roupa, maquilhagem, acessórios e outros. “É através das roupas que te mostras aos outros, é o primeiro impacto e o que a pessoa vê. Apesar de dizeres que só valorizas o que a pessoa é, não é assim. Claro que depois te conhecem e percebe se tu também percebes se és aquilo que estás a tentar fazer passar”, explica.•

Nem todos sabem do que se fala quando a questão é tribos urbanas Joana é aluna da Escola Contemporânea de Artes do Espectáculo (ACE) e tem 17 anos. Está sentada no chão, à porta da escola, com um grupo de amigos todos diferentes entre si. Ouvem e produzem música étnica, jogam às cartas, conversam e riem. Joana tem rastas, distingue-se pela roupa colorida e pela pose descontraída. Dir-se-ia que tem um estilo de inspiração hippie, mas Joana acredita que o conceito de tribos urbanas não passa de um “estereótipo” e que “é basicamente dividir o pessoal em grupinhos, por causa da imagem”. Defende que é devido à propagação constante de imagens e ideias que os jovens “acabam por adoptar um bocadinho de cada uma ou virar-se só para uma”. “Mas eu acho que adoptar um bocadinho de cada uma é mais fixe”, garante rindo. Vítor Costa tem 18 anos, também frequenta a ACE e integra o grupo de Joana. Define tribos urbanas como grupos de pessoas que têm algum tipo de gosto em comum “como nós que estamos aqui a jogar às cartas, por exemplo”. Laura Del Río é despachada e não tem papas na língua. A amiga de Vítor, igualmente com 18 anos, é mais assertiva. Define tribos urbanas como “pessoas que têm os mesmo interesses, defendem os mesmo valores e portanto se juntam e desenvolvem actividades do seu interesse”. Acredita que se unem porque “as pessoas não gostam de se sentir sozinhas e eles têm algo em comum, portanto agrupam-se”. Tal como Vítor, acredita que se justifica “cada vez mais” falar de tribos urbanas na sociedade portuguesa, mas que “nem todas são saudáveis, porque há muitas que defendem valores errados”, do seu ponto de vista. “Por isso mesmo é que não pertencem ao meu grupo, porque não defendemos as mesmas coisas”, sublinha. •


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-> as tribos à lupa da curiosidade

Hippies

× O movimento hippie surge na década de 60, com a célebre frase “Paz e Amor”. × Ideias ligados à liberdade sexual, à prática do nudismo e às preocupações ambientais. × Tipo de vida comunitário, nómada e em comunhão com a natureza, baseado num socialismo anarquista que se levantava contra qualquer forma de poder governamental, nacionalismo, capitalismo massificação ou autoritarismo. × Apresentam-se com longos cabelos compridos e em desalinho cheios de flores. As roupas eram coloridas e largas, cheias de pequenos detalhes e bordados, conjugadas com malinhas de tiracolo e calças de cintura baixa à boca-de-sino. × O músico John Lennon foi uma das principais figuras do movimento e o Festival de Woodstock um dos auges da cultura hippie. •

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Headbangers (ou metaleiros) × Subcultura composta essencialmente por fãs de heavy metal e variantes, surge em finais da década de 60 e início da de 70. × Deep Purple e Black Sabath foram as bandas pioneiros do estilo. × O heavy metal era no início envolto numa aura de misticismo e visto como um movimento essencialmente machista, pela ligação ao militarismo – cintos com “balas” e calças camufladas. × O termo headbanger surge apenas na década de 80, em 1977, com a música “Suzy is a headbanger” dos Ramones, derivado do conceito de headbanging - uma dança que consiste em movimentar violentamente a cabeça ao ritmo da música mais pesada. × Identificam-se essencialmente através dos cabelos escuros e compridos, casacos e couro, emblemas de bandas, cintos, braceletes, pulseiras, gargantilhas e roupa essencialmente preta. × O preto surge em representação da ira e da inconformação, característica da subcultura. •

Estas tribos urbanas surgem essencialmente como uma forma de expressão contra as normas-padrão e o estilo estabelecido e massificado. Em Portugal alguns movimentos tiveram mais sucesso que outros, mas quase todos tiveram uma representação significativa. Para os mais distraídos, ficam algumas ideias gerais que caracterizam alguns destes grupos sociais.

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Hip-Hoppers × O Hip-Hop surge como uma cultura artística na década de 70, no seio das comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque. × São quatro os pilares da cultura hip-hop: o rap, o Djing, o breakdance e os grafittis. × O DJ Hollywood foi o primeiro a introduzir Mc’s nas festas, que animavam com rimas e frases, dando origem ao Rap. Tendo em conta o contexto, estes faziam sobretudo rimas ligadas à comunidade e a outros aspectos da vida quotidiana. × O breakdance surge como uma forma de canalizar a violência dos ghetos, competindo com passos de dança em vez de armas. Isto foi sugerido por Afrika Bambaataa, considerado o padrinho da cultura hip-hop. × A Zulu Nation é a primeira associação que começa a organizar batalhas entre gangues como competições artísticas, como forma de acabar com a violência. × Geralmente, as roupas utilizadas no hip hop são largas, para que os movimentos fiquem maiores, dando mais efeito visual à dança. •

04 Punks

× O movimento Punk surge a meados dos anos 70, como uma reacção à não-violência, a alguma inércia e optimismo da comunidade hippie. Vê a sua primeira genuína representação na banda The Ramones, em 1974. × Sustenta valores como o anti-machismo, a anti-homofobia, o anti-fascismo, o amor livre, e a liberdade individual. × O estilo punk pode ser reconhecido pela combinação de alguns elementos considerados típicos, como as calças jeans rasgadas, os blusões de cabedal, os piercings ou o penteado chamado moicano. Mas também há indivíduos intimamente ligados a esta cultura que se recusam a desenvolver uma aparência punk. × Desde sempre que, visto que esta surge arreigada à liberdade, se assume como apartidária e laica. •

05 Góticos

× A cultura gótica teve início no Reino Unido durante o final da década de 1970, derivado do género pós-punk. × Extremamente ligada à literatura filosófica e à música, principalmente gothic rock, pós-punk, darkwave e synthpop. × Atribui grande importância à estética das roupas, da maquilhagem e dos cabelos, normalmente desgrenhados e compridos. × Combina a cultura renascentista, com o vitoriano e o death rock, baseando-se essencialmente no preto e em temas ligados à decadência, ao niilismo e ao hedonismo. × Apesar de serem frequentemente ligados ao esoterismo, ao paganismo e ao anti-cristianismo, a subcultura Gótica é laica, e portanto cada indivíduo é livre de escolher a religião que pretender. •

06 Indies

× O Indie, ou Indie Rock surge enquanto género musical no Reino Unido e EUA durante a década de 80, com influências de rock alternativo e pós-punk. × O termo é associado aos meios de produção e distribuição de música underground independente de grandes editoras (feita essencialmente pela internet) de modo a manter a independência e o controlo da carreira pelos artistas. × O conceito de indie surgia ao invés de alternativo, mas rapidamente migrou do género musical para o social e o termo indie passou a ser usado para denominar bandas “da moda” ao invés das habituais underground. × Apesar de se associar uma cultura algo nerd e intelectual aos amantes de indie, esta ainda não é reconhecida formalmente. Até porque o conceito ainda não foi estoicamente estabelecido. •

07 Emos

× O Emo surge de uma forma semelhante ao Indie. Está ligado ao Rock, mas é caracterizado por uma musicalidade mais melódica e expressiva. × Surge com o hardcore punk em meados dos anos 80, comnhecido por emotional hardcore. Só no início da década de 2000 é que se torna uma subcultura, com a popularidade de bandas como Jimmy Eat World e Dashboard Confessional. × Actualmente emo surge como um conceito que define não só o género como os amantes do género e toda uma subcultura depressiva, emotiva e algo obscura. × Os fãs de Emo são normalmente associados a pessoas depressivas de orientação sexual questionável. × O próprio termo é por vezes usado como insulto devido ao surgimento e ascensão mainstream de bandas de pop punk - e não Emo, mas rotuladas como tal - com nível de qualidade musical questionável segundo certos grupos de fãs de outros géneros de Rock. •


“Falar de sexo põe as pessoas atentas” RUI XARÁ, QUE PARA UM PALCO PELA PRIMEIRA VEZ AOS 3 ANOS PARA CONTAR UMA ANEDOTA SOBRE FREIRAS. HOJE, O ANTIGO ALUNO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS DESMISTIFICA O STAND UP COMEDY EM PORTUGAL. texto e fotografia Lúcia Sousa


entrevista/04.05

2011 maio jup parêntesis }

(P) Como surgiu o Stand Up Comedy na sua vida? (R)Desde miúdo que sempre gostei muito de programas humorísticos, com especial destaque para aquilo que se fazia nos Estados Unidos e na Inglaterra. Não era habitual vermos nos países latinos um indivíduo sozinho a enfrentar uma multidão, a falar de temas que não sabe se vão cair bem ou não às pessoas que estão a ouvir. Esse tipo de risco pareceu-me muito apelativo na altura, mais até do que a perspectiva humorística. Stand up é um bocado fazer política no sentido original do termo, da acção da sociedade sobre ela própria. Pegar nas observações do dia-a-dia, desde os mais inócuos até aos mais polémicos e dizer as coisas com uma forma de piada. Depois, a minha ligação com o humor começou nos tempos de faculdade, com as praxes académicas. Alguns textos eram Stand Up puro, não tinha quase nada a ver com a praxe, mas com temas da actualidade. E depois nos saraus académicos que fui convidado para apresentar. Havia sempre momentos para improviso e para fazer algum Stand Up – no sentido de dizer algumas piadas para um público grande, em cima de um palco com um microfone à frente. Profissionalmente começou exactamente no dia 5 de Fevereiro de 1999, no Púcaros Bar, em Miragaia. Havia uma noite de poesia e eu lembrei-me de criar uma noite idêntica, mas sendo uma tertúlia humorística. O primeiro texto que foi feito e lido por mim foi um texto do livro do Woody Allen, “Para Acabar de Vez com a Cultura” e não resultou muito bem. A partir daí disse: “vamo-nos deixar de tretas e vamos fazer aqui uma tertúlia genuína”, no sentido de cada um lhe dizer o que apetecer desde que tenha piada. O mote é que tem de ter piada. Depois foram aparecendo miúdos com jeito. Grande parte dos humoristas do norte do País nasceram lá. (P) O que tem a dizer sobre o Stand Up Comedy, em Portugal? (R)Hoje em dia faz-se Stand Up comedy em Portugal, do bom. Na minha opinião, muito bom até. O stand up está adaptado à realidade portuguesa, pondo de parte aquela tradição da revista e da brejeirice, que é importante na mesma. Conseguimos ter humoristas que fazem stand up puro, no sentido da crítica social, com aquele humor muito subtil e muitas vezes difícil de entender. (P) Como prepara os espectáculos? (R)Não preparo.

EU GOZO COMIGO PRÓPRIO, PORTANTO A PARTIR DAÍ ESTOU À VONTADE PARA GOZAR COM O QUE QUER QUE SEJA

(P) Qual é a sensação de fazer rir as pessoas? (R) É do melhor que há. É das sensações mais fantásticas que pode haver. Fazer rir, quando dá para notar que as pessoas se estão a rir porque perceberam o que estava a dizer. Porque fazer rir é fácil. E isto é assim, eu não sou nenhum grande nome do conhecimento do público, mas já granjeei alguma fama sobretudo aqui no Grande Porto e já dei por mim, às vezes, a fazer rir as pessoas por dar um arroto ao microfone. Não vou dizer que fico triste com isso, não fico, mas não é a mesma coisa que fazer rir por dizer uma piada que até tem uma subtileza qualquer e as pessoas chegaram lá rapidamente, é completamente diferente. Nós vamos na rua e se uma velhinha se cair à nossa frente, a seguir vamos ajudá-la, mas a nossa primeira reacção é rir e não tem piada nenhuma. Nós rimo-nos pelos mais diferentes motivos, muitas vezes por desespero. Agora fazer rir quando notas que tens ali um público que está a entender, que está a acompanhar, é muito bom. Quando consegues um momento quando o riso vem na sequência de um grande silêncio e estás em palco, sentes que dominas completamente aquelas pessoas que estão ali, é perigoso. Há uma sensação de poder, naquele momento podias dizer o que quisesses.

O STAND UP ESTÁ ADAPTADO À REALIDADE PORTUGUESA, PONDO DE PARTE AQUELA TRADIÇÃO DA REVISTA E DA BREJEIRICE

(P) Mas há piadas pré-estabelecidas? (R) Muitas. Aliás, hoje em dia, para ser honesto tenho muito pouca coisa nova dos últimos dois, três anos. Acabei por não ter tempo por motivos profissionais, inerentes às outras áreas de trabalho, para me dedicar a escrever. As coisas novas que eu tenho e que são da minha autoria são coisas espontâneas que surgem num espectáculo que eu depois aproveito para outro. Não posso é ter aquelas pausas em que as pessoas se apercebem que houve uma branca. É aí que dá jeito ter as tais piadas pré estabelecidas, que nós sabemos que resultam quase sempre. E essas são muitas. Eu não sei, nem me interessam os recordes, mas não deve haver muitos humoristas que tenham estado a actuar seis horas seguidas, como eu fiz o ano passado na Associação de Estudantes de Engenharia. 6 horas com muito álcool à mistura, é certo.

(P) Quem são os seus ícones, a nível nacional? (R) A nível nacional, porque cresci com ele a rir-me como um perdido, o Herman José, obviamente! Brilhante! Tão facilmente criticado hoje em dia… Houve um período em que o Fernando Pereira também exerceu alguma influência. Mário Viegas, os filmes clássicos antigos de Vasco Santana também me marcaram de algum modo. Mas escolhendo um nome, sem dúvida que era o Herman. Agora nos tempos mais recentes, não é que me tenham influenciado, mas gosto muito mesmo do Ricardo Araújo Pereira. Não posso dizer que gosto dos Gato Fedorento, mas do Ricardo sim. Ele está numa dimensão completamente diferente e nota-se que há ali uma imensa capacidade de improviso e acutilância. Para mim é uma coisa que é fundamental e que o Herman e o Ricardo têm e o Bruno Nogueira também me parece que tenha, embora em menor escala.

(P) Quais são os melhores temas para fazer piadas? (R) O sexo é sem dúvida o melhor tema. É o tema que serve para tudo, porque em qualquer altura, se uma noite não estiver a correr como nós queremos, falar de sexo põe as pessoas atentas. Mal se fala no tema, mexe logo em qualquer coisinha no cerebelo, que nos faz sentir bem. E quando eu falo de sexo não é só sexo explícito, é falar também da dicotomia homens – mulheres, ou da dicotomia homens/ homens, mulheres/mulheres. Aliás, eu não tenho tabus, eu falo de qualquer tema. Eu gozo comigo próprio, portanto a partir daí estou à vontade para gozar com o que quer que seja. Gozar, no bom sentido do termo. Depois, no lado oposto, mas que também pode resultar muito bem: o futebol. Há 12 anos que ando um pouco pelo país todo e já fiz humor a falar de religião, política, aliás em todos os espectáculos falo nesses temas todos, nunca houve problemas com ninguém e já tive os públicos mais diferenciados que seja possível imaginar. Fala-se de futebol e as pessoas reagem de maneira diferente! É, sem dúvida, o tema mais polémico e mais quente da actualidade. É impressionante como católicos crentes não estão minimamente preocupados com piadas sobre Deus e sobre a Igreja mas diz-se uma coisa um bocadinho mais forte sobre o clube deles e reagem mal. Logo que falo de futebol, a manifestação das pessoas é exaltarem-se pelo seu clube. Não consigo entender isso, embora seja um fanático do futebol como desporto.

(P) É fácil ser-se humorista todos os dias? (R) Eu não posso considerar que seja humorista todos os dias. Sou humorista porque a vida me levou a este rumo, um bocado sem querer. A primeira vez que pisei um palco foi com 3 anos, para contar uma anedota sobre freiras e eu andava num colégio de freiras em Braga. Mas não sou humorista todos os dias. A maior parte do tempo estou a pensar noutras coisas, tenho outras preocupações. Eu costumava andar com um gravador e agora com o telemóvel, para gravar passagens que poderiam eventualmente dar um bom texto. E isso acontece em qualquer altura, às vezes a conduzir! Eu sou casado com uma algarvia, faço muitas viagens ao Algarve e aquelas horas de viagem já deram muito pano para mangas! O que é difícil é nós termos sempre vontade de fazer humor, no sentido de fazê-lo para um público. Eu costumo dizer sempre que actuo que não estou naquele espaço para divertir as pessoas, estou ali para me divertir a mim e se com isso conseguir divertir os outros, melhor! Há malta que pensa que isto é uma frase bonita, mas não é! No dia em que eu sentir que já não me divirto a fazer isto, eu deixo de o fazer! (P) Que projectos que está a abraçar neste momento? (R) Não posso responder só profissionalmente, porque o meu grande projecto chama-se Miguel! E isto tem tudo a ver com o resto que eu faço. Nós ouvimos sempre que aos 20 anos somos comunistas e quando temos 40 anos somos comodistas. Eu tenho quase 40 anos e continuo a ser comunista no verdadeiro sentido do termo. Nunca fui filiado nem militante e jamais o seria, mas ainda continuo a querer mudar o mundo com 40 anos. E como é que eu posso mudar o mundo? Educando o meu filho. E é o que todas as pessoas podem fazer. Podemos fazer as revoluções que quisermos, nós não vamos mudar o mundo. E as crianças podem sempre mudar o mundo. Profissionalmente, o humor continua a ser um grande projecto, o stand up, na perspectiva de continuar a fazer espectáculos e eventos. Estou a ponderar neste momento fazer eventualmente um grande evento com um resumo de tudo aquilo que já fiz. Gostava de fechar um bocadinho a porta ao que está por trás, porque já disse muitas vezes os mesmos textos. Depois não faço a mínima ideia do que vai acontecer em termos de novas oportunidades que surjam. Um dos meus sonhos é fazer o primeiro filme cómico português, à americana, não naquele sentido de consumismo mesmo. O grande projecto é então sem dúvida o humor, agora de que forma é que eu ainda não sei bem!.}


PARTINDO DO PRINCÍPIO DE QUE CADA PESSOA É UM AGLOMERADO DE MATÉRIA ÚNICA E O QUE DE MAIS RELEVANTE EXISTE É A VALORIZAÇÃO ESTÉTICA, HÉCTOR OLGUIN NÃO ATRIBUI UMA SEXUALIDADE DEFINIDA A CADA CORPO E, UMA VEZ QUE NÃO SE IDENTIFICA COM A SEPARAÇÃO ENTRE SEXOS, INTERESSOU-LHE A IDEIA DE EXTRAIR OS CORPOS DE SI MESMOS. DÁ-LHES A MESMA IMPORTÂNCIA E NÃO FAZ QUALQUER DISTINÇÃO ENTRE O CARIZ SEXUAL OU ORIENTAÇÃO SEXUAL. ASSIM, SURGE O PROJECTO CORRESPONDANCES. COMPOSTO POR QUATRO DIFERENTES SÉRIES, CADA QUAL INCLUI UM CONJUNTO DE 12 FOTOGRAFIAS. A ASSINATURA DE HÉCTOR OLGUIN RESIDE NA PERMANENTE TENSÃO ENTRE IMAGENS, EXPOSTA NA COR E MOVIMENTO E AS SUAS FOTOGRAFIAS ASSUMEM UMA FORTE INTENSIDADE QUE SE ENCONTRA INTIMAMENTE LIGADA À TESE DO MOVIMENTO. CORRESPONDANCES ENCONTRA-SE EM DESENVOLVIMENTO NO PALÁCIO DAS ARTESFÁBRICA DE TALENTOS, NO PORTO, ATÉ DEZEMBRO DE 2011. PODERÁS AINDA DAR UMA ESPREITADELA AO TRABALHO DE HÉCTOR NA LOJA DE ESTEFÂNEA R. DE ALMEIDA NO CENTRO COMERCIAL MIGUEL BOMBARDA. } fotografias Héctor Olguin www.hectorolguin.com


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08/breves

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S.P.O.T. a marcar posição na Cidade

Artistas de Rua: Escolha ou única opção? PELAS PRINCIPAIS RUAS DO PORTO, SÃO VÁRIOS OS ARTISTAS QUE ANIMAM A CIDADE LEVANDO A ARTE E A CULTURA AO ENCONTRO DE QUEM POR ALI PASSA. MAS SERÁ A RUA O PALCO ESCOLHIDO PARA DIVULGAREM A SUA ARTE OU A ÚNICA OPÇÃO QUE TÊM?

“Rivoluções” precisam-se

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arece não haver uma solução para a situação actual do Rivoli. Depois de ter estado quatro anos sob alçada de Filipe La Féria, a gestão do teatro está, novamente, entregue à Câmara Municipal do Porto. Muitas são as vozes de desacordo que se levantam contra a situação actual vivida por um dos espaços que, outrora, era sinónimo de versatilidade cultural. Ainda assim, a Câmara Municipal continua à espera que alguma companhia se candidate à gestão privada do espaço. Algo que não se tem revelado nada fácil, muito devido às condições impostas pela autarquia. O futuro é, pois, incerto, e o silêncio dos responsáveis autárquicos aumenta cada vez mais a contestação das entidades culturais e da sociedade civil. Sem funcionários fixos e com apenas um segurança, a escassa programação actual acontece a partir do aluguer do espaço para produções pontuais. Toda esta situação tem provocado a crítica da oposição política que, condenando a falta de um vereador da Cultura na Câmara Municipal do Porto, lamenta a actual situação daquele que é o Teatro Municipal do Porto. } Hernâni Zão e Miguel Barros

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lexandre Amorim, de 51 anos, é artista de rua há dez. Já actuou em espectáculos mas admite que agora a rua é o único palco disponível para expor a sua música. «Já actuei em cafés, era mais seguro e no final do dia tinha a certeza de que era pago. Agora, tanto posso fazer 20 euros num dia como não ganhar dinheiro nenhum.» Alcino, o seu companheiro diz, em tom de brincadeira, que «a sua profissão é procurar emprego». É na rua, com o seu Djembê, que ocupa os dias. «Não sei como seria viver sem isto», desabafa. Os dois músicos reforçam que não é fácil actuar na rua. Alexandre conta que há pessoas que reagem mal à sua presença. «Já me aconteceu dizerem para ir trabalhar em vez de ficar aqui sentado a ganhar dinheiro fácil». Alcino acrescenta: «nós tentamos ser agradáveis… às vezes temos medo de tocar demasiado alto para não incomodar». A seu ver, a arte de rua dá mais liberdade tanto ao artista como ao público. «Na rua só pára para ver, aplaudir e dar um pequeno contributo quem realmente está interessado na nossa actuação. Se as pessoas não estiverem a gostar da nossa prestação podem continuar o seu percurso, ao contrário de, por exemplo, uma sala de espectáculos onde é visto como uma ofensa alguém sair a meio da actuação.» «Sorrisos Gratuitos» Foi numa viagem a Inglaterra, em busca de mais oportunidades musicais, que Susana Silva se ligou à arte de rua. «Fiquei na rua em Londres e um artista, conhecido como o Charlin Chaplin das ruas londrinas, ofereceu-me uma guitarra com duas cordas, disse que eu tinha talento e fez com que começasse a cantar pela vida. A guitarra passou a ter mais cordas e depois um amplificador…» Para Susana, cantar na rua apenas é possível nos tempos livres. Durante a semana é agenciadora de eventos em Braga, emprego que conseguiu enquanto actuava. «A pessoa viu-me na rua e convidou-me, pela minha selecção musical, para a organização da agenda de eventos».

Apesar de afirmar que é na rua onde se sente bem, a jovem de 25 anos admite também que a vida de artista de rua nem sempre é fácil. «Existe um grande preconceito em relação aos artistas de rua. Toda a gente pensa que quem está a cantar na rua é uma pessoa necessitada ou um pedinte, mas vendo bem as coisas há pessoas que pagam 20 euros para ver um concerto, se eu apresentar algo que não é profissional, mas que o público gosta, não estou a pedir dinheiro, estou também a dar alguma coisa em troca”. A artista, já conhecida pelo seu projecto «Da Silva» prefere, no entanto, não se associar aos artistas de rua portugueses. «Há princípios que eu quero respeitar, mantendo-me fiel a mim própria. Por exemplo, eu sou fumadora e não concordo em apresentar-me ao público a fumar, ou com uma garrafa de vinho ao lado, ou mesmo sentada no chão como uma pedinte.»

Apesar de ter chegado ao grupo dos dez finalistas do programa televisivo «Ídolos», quando questionada sobre a decisão que tomaria se tivesse de optar entre uma carreira mediática e a performance de rua, Susana responde sem hesitar: «escolhia a carreira de rua porque me dá sorrisos gratuitos e não muda quem eu sou.» } Sandra Mesquita / fotografia Catarina Costa

O “Boom” da Baixa A NOITE DO PORTO ESTÁ CADA VEZ MAIS DINÂMICA, PRINCIPALMENTE POR CAUSA DOS ESTUDANTES. A BAIXA É O PERFEITO EXEMPLO DISSO. DO PIOLHO AO TENDINHA DOS CLÉRIGOS, EXISTEM OPÇÕES PARA TODOS OS GOSTOS.

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aquel Semedo é estudante na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e trabalha nas Galerias de Paris, mas é a zona do Piolho “o local de eleição” para sair à noite. A estudante aprecia especialmente o mítico Mais Velho, um dos cafés com esplanada fixa perto do Ancora D’Ouro. Já Gonçalo Lima, aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, o Tendinha dos Clérigos é a escolha ideal “especialmente pela boa música”, um registo mais alternativo e acentuadamente rock. O futuro engenheiro mostra-se também adepto do Feupcaffé, que decorre normalmente de quinze em quinze dias no edifício da Associação de Estudantes da FEUP. Esta é uma festa sem consumo obrigatório e com bebidas a preços académicos, o que joga muito a favor do estudante em tempos de troika. Bernardo Ferreira é aluno da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e diz preferir o Maus Hábitos na Rua Passos Manuel, caracterizando-o como “um projecto muito bom e muito rico a nível cultural” que “transcende os limites da noite”. Este espaço localiza-se no 4º andar de um velho prédio na rua do Coliseu do Porto e celebrou, no mês passado, uma década de existência. Este aniversário trouxe ao espaço uma panóplia de exposições, de hábitos consagrados da casa, como o Flea Market e de concertos que contaram com nomes como Pedro Abrunhosa e Blind Zero. } Alexandra Marques

CADA VEZ MAIS A S.P.O.T. SE TEM VINDO A AFIRMAR COMO UMA DAS PRINCIPAIS INSTITUIÇÕES DE DINAMIZAÇÃO DA CIDADE, MAS AINDA MUITO POUCOS SABEM EM QUE É QUE CONSISTE.

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S.P.O.T., Sociedade Portuense, Outras Tendências é uma entidade responsável por vários eventos, nomeadamente de intervenção urbana. A S.P.O.T. tem como um dos principais objectivos das suas intervenções “trabalhar o contexto cultural urbano da cidade do Porto”. É relevante referir como exemplo a intervenção sobre um eléctrico da STCP onde vários artistas plásticos intervieram, em 2008. Mais recentemente a S.P.O.T., entre outras entidades, é responsável pelo projecto “Música na Rua” o que demonstra que esta Sociedade tem comunicado com entidades relevantes na cidade do Porto para dinamizar os seus eventos. Uma das grandes preocupações da S.P.O.T. tem sido a criação de programas de formação dirigidos para público em geral, como por exemplo “Workshop Contentor Interferido” por Oliver Bishop-Young no qual os participantes intervieram sobre um contentor de construção civil. A S.P.O.T. é uma entidade bastante importante na Cidade, para a manter viva e activa. Apesar dos obstáculos burocráticos podemos ver ocasionalmente intervenções pertinentes na cidade do Porto.} João Cruz

Um ano depois, o Cineclube tem palco PASSADOS 66 ANOS, MUITOS PROBLEMAS FINANCEIROS E GRANDES REVIRAVOLTAS, O CINECLUBE DO PORTO PARECE ESTAR A RENASCER.

A

pós a tomada de posse da nova direcção, em Fevereiro de 2010, o Cineclube vive agora uma “fase de abertura e crescimento, com grandes expectativas em relação ao futuro”, como descreve o seu actual presidente, José António e Cunha. De facto, dinamização e variedade de projectos é o que não parece faltar. Ultrapassados os problemas financeiros, é agora importante reatar as projecções de cinema, já esquecidas. Paralelamente, nos próximos tempos, o Cineclube estará presente na Festa na Baixa, a convite do Centro Nacional de Cultura e na Feira do Livro do Porto, sempre com uma programação moldada à situação e ao local. No Verão, serão exibidas sessões de cinema ao ar livre no Breyner 85, e um Ciclo no Museu Soares dos Reis. Nos Maus Hábitos, ocorrerá um projecto de live cinema, um misto de performance e cinema e um projecto com smartphones com mostras e mesa redonda. O Cineclube, ao longo da sua existência, conseguiu “o difícil, criar uma identidade própria”, agora é necessário “regular o trabalho, oferecer a experiência de ir à sala”. E, com uma programação tão abrangente como tentadora, parece mesmo difícil ficar por casa.} Diana Martins


roteiro/09

2011 maio jup parêntesis }

Rosa Chock -> Rua do Almada nº 255 A Rosa Chock é certamente a loja de roupa e acessórios em segunda mão mais reconhecida do Porto. É na Rua do Almada – conhecida pelo seu crescente comércio alternativo e vintage – que nos deparamos com a inconfundível varanda da loja. Os vestidos coloridos e floridos, os folhos, as plumas e um estilo quase carnavalesco convidam-nos a entrar e denunciam o ambiente que iremos encontrar. E entre a confusão de camisas, casacos e sapatos existe ainda os vestidos, as malas e as malinhas ou os óculos de sol retro e outros mil e um acessórios. E sem falar nos corpetes e nas roupas de fantasia! Não existe peça de roupa que não se consiga encontrar. E não é apenas artigos usados que a loja vende, mas também se encontram muitas peças novas e exclusivas a preços simpáticos. Resultante do seu sucesso, nasceu em Janeiro passado uma segunda loja centrada particularmente anos 60/70, na Rua Formosa, nas traseiras do Coliseu.}

Zareca’s Story -> Rua Miguel Bombarda, nº 285 (no Centro Comercial Bombarda)

Em tempos de crise as lojas em segunda mão ganham cada vez mais adeptos. A maioria dos clientes é motivada pelos preços reduzidos, mas a verdade é que muitos também procuram peças alternativas ou de outros tempos.

texto e fotografias Diogo Martins

A Zareca’s Story é uma loja especializada em roupa e acessórios antigos e vintage em segunda mão. Faz já quatro anos que a loja abriu no Centro Comercial Bombarda e o seu sucesso foi crescente ao longo do tempo. Começou por ser um espaço onde a proprietária, Rosária Távora, vendia a sua própria roupa que já não usava mas que conservava qualidade. Actualmente, a loja vende à consignação, ficando com 50% do valor das peças. O lema, esse, manteve-se: todos os artigos para serem vendidos devem estar em bom estado. Aqui pode encontrar-se quase de tudo. Desde peças de roupa a chapéus, de calçado a carteiras, de bijuteria a óculos de sol e acessórios de todo o tipo. É também um excelente sítio para quem procura peças antigas ou de época. Devido à enorme quantidade de coisas e de pormenores, o truque é ver tudo com calma e atenção. Caso não encontre o que procura, basta perguntar que poderá ter sorte. É que a loja tem ainda um armazém onde são guardados outros artigos.}

Segunda mão -> Rua de Santa Catarina, nº 505 A “Segunda Mão” quase que passa despercebida na confusão da rua mais comercial do Porto. Mas a verdade é que a sua montra simples não faz adivinhar o mundo que se pode encontrar lá dentro. Roupas, malas, acessórios, loiças, livros, mobiliário, velharias e antiguidades. Verdadeiras preciosidades escondidas. Todos podem deixar as suas peças ou objectos na loja para venda, cabendo à proprietária aceitar e seleccionar o que quer vender. O valor de cada produto e a percentagem que irá para o proprietário não são definidos mas sim combinados conforme a marca, o estado e o interesse que o artigo tenha. De entre os objectos mais estranhos que já lá deixaram, destacam-se os pares de luvas e cartolas com mais de um século. A enorme variedade dos produtos reflecte-se também na variedade dos preços que podem ir desde camisolas de marca a 5€ até casacos de pele a 2000€. De segunda a sábado, das 10h às 19h, o convite fica feito.}


10/gadgets

{ parêntesis jup maio 2011

03

01 Acordar de manhã cedo é um problema para muitos e não é muito difícil encontrar quem se tenha um dia atrasado por ter desligado o despertador e voltado a dormir. É para os casos mais problemáticos que é agora possível adquirir um despertador helicóptero, que obriga a que uma pessoa procure o helicóptero para o voltar a encaixar no relógio antes de o poder desligar. O conceito do relógio é bastante simples: não permitir que o despertador seja desligado antes que o utilizador faça algo que o obrigue a sair da cama e a ficar bem acordado. A forma como o faz é que já é mais engenhosa. No topo do relógio encontra-se um pequeno helicóptero mecânico. Quando o despertador toca o helicóptero levanta voo, indo parar a um sítio imprevisível do quarto. Para desligar o despertador é então preciso procurá-lo e encaixá-lo de volta. A base do relógio funciona com 4 pilhas, estando o compartimento fechado com um parafuso, o que impede uma escapatória fácil de simplesmente cortar a energia da base. De resto o despertador funciona como um relógio vulgar, com um LCD que marca as horas, que pode ser iluminado para uma melhor leitura no escuro, e com várias músicas de alarme. Há ainda um botão para fazer o helicóptero levantar voo a qualquer altura, só para diversão. Seja como prenda para um amigo ou para uso pessoal, este despertador é uma peça interessante para qualquer quarto. Não será certamente o mais prático do mercado mas é exactamente esse o seu objectivo, podendo causar algum mau humor matinal. Encontra-se à venda a partir de 17€. www.thediscoverystore.co.uk

02 Lanterna LED de Dínamo Os tempos que as lanternas tinham que ser objectos grandes, alimentados por várias pilhas e que forneciam uma iluminação reduzida já lá vão. Actualmente a combinação de LEDs com um mecanismo de dínamo permite a construção de lanternas compactas, muito mais potentes e que dispensam baterias, funcionando só com a acção de uma mão sobre uma mola. Há diversos designs deste tipo de lanternas. O exemplo aqui dado obtém energia através compressão e descompressão repetida de uma mola, mas há também modelos que funcionam através da actuação sobre uma pequena manivela. O mecanismo de dínamo converte depois a energia deste movimento em energia eléctrica, que é temporariamente armazenada e pode ser utilizada apenas quando se liga o interruptor da lanterna. As lanternas de dínamo não são invenções propriamente recentes mas a utilização de LEDs veio torná-las práticas. De facto, a geração de luz com LEDs é muito mais eficiente do que com lâmpadas incandescentes tradicionais, conseguindo-se uma maior iluminação com menos energia. Assim, a energia gerada com algumas utilizações da mola fornece energia para bastante tempo de utilização, não sendo preciso um carregamento constante. Não constituindo nenhum bem de primeira necessidade, uma lanterna é quase sempre útil em diversas situações. Pela sua comodidade, em particular por não precisarem de pilhas, as lanternas de dínamo resolvem a maior parte das necessidades deste tipo. Encontrando-se a partir de 4€ em diversas lojas, este é o tipo de objecto que ficamos sempre a pensar que devíamos ter comprado quando falha a luz.

Todos esperamos pelo dia em que deixemos de estar dependentes dos combustíveis fósseis. Ainda não é perfeito mas o Freeloader Pico, um carregador solar, é certamente um passo nessa direcção, particularmente para quem acampa ou está, por alguma razão, longe de tomadas. O Freeloader Pico é um pequeno aparelho, com cerca de 10cm de comprimento, que incorpora um painel solar e uma bateria. A energia solar captada pelo painel é armazenada nesta bateria e pode depois ser usada para carregar aparelhos electrónicos que se lhe liguem. Para além disso pode ser usado como bateria de recurso, podendo para tal ser carregado ligando-o à porta USB de um computador. Em termos de compatibilidade, o Pico é essencialmente vocacionado para carregar telemóveis, trazendo pontas de ligação para modelos Nokia, Sony Ericsson e Samsung. Para além disso também pode ser ligado a aparelhos com porta Mini USB, cobrindo assim uma vasta gama de aparelhos, entre smart phones, GPSs e consolas portáteis. No que respeita ao funcionamento, este acumulador tem pontos fortes e fracos, revelando assim que a tecnologia ainda tem muito a evoluir. Se por um lado transfere a energia a um aparelho que se ligue em cerca de 30 minutos, o carregamento através de energia solar demora à volta de 10 horas. Assim, dificilmente é possível carregar mais do que um aparelho por dia. Resumidamente, o Freeloader Pico é um conceito interessante e talvez um indicador do que nos espera no futuro, mas não está ainda pronto para substituir as tomadas da rede eléctrica. De qualquer modo, com um preço de 20€, é sempre uma boa adição a uma mala de viagem. www.solartechnology.co.uk

04 Silverlit I-Bird Para quem gosta de aviões telecomandados ou para quem simplesmente se quer divertir um pouco a Silverlit tem uma proposta invulgar. O I-Bird, tecnicamente um ornitóptero, é um pequeno pássaro de controlo remoto que voa efectivamente batendo as asas. O conjunto é bastante simples, tendo apenas um comando e o ornitóptero, ambos com o mínimo de componentes possíveis. O I-Bird é extremamente leve, sendo feito de espuma de polietileno e as asas plásticas, embora resistentes a rasgos. Na cauda há um pequeno leme que orienta o voo conforme desejado. No interior há uma bateria, o que evita o peso de pilhas, que é carregada quando o ornitóptero é encaixado no comando para repouso. O comando tem dois botões deslizantes, um vertical, que controla a velocidade de batimento de asas e a altura, e um horizontal, que vira o I-Bird na direcção pretendida. Para além disso só um interruptor para ligar e desligar, um para escolher a banda (para poderem ser usados vários iBirds sem interferência) e um encaixe para carregar. O comando leva 4 pilhas AA. Em geral o I-Bird proporciona bons momentos de diversão, sendo que é suficientemente manobrável para poder ser utilizado tanto fora como dentro de casa. É no entanto, naturalmente, sempre necessário algum cuidado com objectos frágeis que possam estar no seu caminho. Posto isto há também que ter em conta que o I-Bird é ele próprio relativamente frágil, podendo ter uma vida curta caso sofra muitos choques violentos. Ainda assim, dado não ser muito caro, encontrando-se à venda a partir de 17€, é sempre um bom investimento para os tempos livres. www.silverlit.com Paulo Macedo

Despertador Helicóptero

Freeloader Pico


crítica/11

música

cinema

2011 maio jup parêntesis }

City Lights

de Roman Polanski

A história de City Lights gira em torno de um vagabundo, que conhece uma rapariga cega, vendedora de flores e acaba por se apaixonar por ela. A rapariga toma o vagabundo por um burguês e este para não a desiludir, finge ser rico. Para ajudar a rapariga Charlot varre as ruas e entra em lutas de boxe para conseguir dinheiro para pagar a operação da visão da pobre moça. Os seus actos são sempre altruístas, sem qualquer necessidade de obter uma retribuição. Pois a felicidade de Charlot resume-se à felicidade dela. Ao nível narrativo, os diálogos são reduzidos, mas em contrapartida os gestos falam por si, ilustrando e enriquecendo a história. Como é habitual nos filmes de Charles Chaplin este faz uso do seu próprio corpo como linguagem narrativa. Chaplin no papel do habitual vagabundo, constroi um conto de amor repleto de simbolismos, à mistura de situações hilariantes que transformam este filme numa obra singular, e intemporal.} Sara Lemos

Rosemary’s Baby é um filme de Roman Polanski, do ano de 1968, baseado num romance de Ira Levin, nomeado para o Oscar de Melhor Argumento Adaptado e considerado uma das melhores histórias de horror já mais vistas na tela de cinema. Polanski conta-nos a história de um jovem casal, em principio de vida a dois, que se mudam para um apartamento em Manhattan. Guy (John Casavettes) ambiciona uma carreira de actor e Rosemary (Mia Farrow) deseja ser mãe. Os sonhos concretizam, Guy avança com a sua carreira de actor e Rosemary engravida. No mesmo prédio residem um simpático casal idoso, inicialmente muito prestáveis, contudo aos poucos começam a dar indícios de alguma estranheza. O horror psicológico inicia-se, quando Guy e os vizinhos se tornam cúmplices desta gravidez que dará origem ao nascimento ao Diabo. Toda a atmosfera inicial do filme é melodiosa, no entanto através do carácter obscuro das personagens vai-se revelando uma narrativa surpreendentemente sobrenatural.} Sara lemos

Building Waves

Botswana

“You better watchout!” é o aviso que os The Glockenwise aprontam na simplicidade garage do tema de abertura Bardamu Girls, como daqui esperássemos o tudo e o nada ao mesmo tempo. Building Waves, primeiro longa-duração de quatro rapazes festivos oriundos do caldeirão rock barcelense, provoca a diversão desmesurada e despreocupada no sítio mais tedioso que nos rodeia. Frescura rock’n’roll captada aos Black Lips, amor lírico dos Beatles, pequenas pitadas psicadélicas de 13th Floor Elevators e o resultado são nove temas, onde oito são potenciais singles para cantarolar intensamente. Columbine (Out Of This Town) é hino ao tédio citadino, Local Song For Local People relativiza qualquer entrave, Scumbag é banda-sonora para boémios no caminho matinal para casa e Stay Irresponsible incita a ser irónico com a vida. Building Waves é uma injecção de quarenta minutos de boa disposição, descomprometida e libertina, para musicar os momentos de coolness do Verão que se aproxima, faça chuva ou faça sol. Surpresa nacional bastante recomendada. } Ilídio Marques

Os portuenses Botswana são uma espécie de super-grupo da música alternativa nacional composto por João Pimenta (ALTO!, Green Machine), Sofia Magalhães (Crisis), João Chaves (Dreams), Igor Domingues e Marco Castro (Throes). Na estreia discográfica da OU! Records, lançam Attila Atlas, EP de mão cheia de canções a beber no punk e na sua fase posterior. Descargas rítmicas furiosas – atenção à magistrada bateria – sobre guitarra dançáveis, coros para cantarolar e uma história por detrás de cada canção que desperta a curiosidade do ouvinte para mais uma volta. The Story Of Vlad, faixa de abertura, remete João Pimenta para um confronto com Mark E. Smith e os seus The Fall: não há queda, pelo contrário, há firmeza e rigorosidade, provada novamente na freakness de I Am Masada, You Are Yoko. Das reminiscências do pós-punk do início até ao deslizar final garage de We Are The Ramadans e Dead By A Thousand Dull Conversations (DFA79 sobem-nos à cabeça aos primeiros acordes), vai um salto curto. Quando estamos no ar, só pensamos o quanto ainda nos iremos deliciar e suar com Botswana. Estão debaixo de olho.

The Glockenwise

Attila Atlas

} Ilídio Marques

Nenhum Lugar

livros

Rosemary's Baby

de Charlie Chaplin

O Perfil do Monstro

de Ricardo Romero

de Arundhati Roy

Ricardo Romero é um jovem autor argentino que publicou em 2003 o seu primeiro livro, “Nenhum Lugar” que nos chega a Portugal traduzido por Patrícia Louro e editado pela Deriva. É editor da Gárgola Ediciones onde dirige uma colecção com o nome: “Laura Palmer no há muerto”, que ainda deve despertar atenções em Portugal. Romero traz-nos para um romance intrigante e envolto em fantástico, desde os cenários extremamente bem descritos ao comportamento do próprio personagem. Maurício viaja de táxi pelo sul da Argentina até ao momento em que se vai encontrar preso numa pequena vila. No meio do deserto a tentar a missão quase impossível de encontrar o motorista do táxi que o levou para ali. Pelo meio a confusão de várias perguntas que não tem resposta. Momentos em que não se consegue discernir entre o sono e a realidade. Romero descreve as acções e os lugares em que o personagem encontra um mundo castigado pelos ventos e vegetação esparsa. “O silêncio e a calma do deserto só eram interrompidos pelo chispar do seu isqueiro. Acendia-o e colocava-o em frente dos olhos esperando que o vento o apagasse.”. Um livro de interacções estranhas e assustadoras.} Pedro Ferreira

Autora conhecida pelo “O Deus das Pequenas Coisas”, autora de ensaios e argumentos, venceu o Booker Prize. Conhecida também pelo seu papel como activista nas questões da justiça social e desigualdade económica, que lhe valeram o Cultural Freedom Prize. O seu mais recente livro, “O Perfil do Monstro”, edição da Bertrand, é uma série de entrevistas que buscam compreender de onde vem as perspectivas de Roy, a vida antes da fama ou a lógica do activismo. Os diálogos fluem da política para o pessoal, explorando a relação entre a sua formação e o seu sistema de crenças. Seja a discutir o imperialismo americano ou o maoísmo, a conexão com os princípios fundamentais de Roy é nua e crua. A entrevista mais reveladora é a última. Roy fala sobre si mesma, a pessoa, a escritora e a celebridade e de todas as negociações privadas e públicas do que é a vida de uma activista que gosta de romancear. "Eu insisto no direito de ser emocional, ser sentimental, ser apaixonada", diz numa entrevista. Estas afirmações levam a que exista dois tipos de sentimentos em relação a si: amor e ódio. A verdade é que o mundo precisa, precisamos de Roy e de pessoas como ela. Este livro, em poucas palavras, é por isso e para esses.} Pedro Ferreira


12/cardápio

{ parêntesis jup maio 2011

em Maio MÚSICA

TEATRO

EXPOSIÇÕES

VÁRIOS

9 SEGUNDA-FEIRA

DE 8 A 9

ATÉ DIA 31

14 SÁBADO

Adriana Calcanhoto

A Flauta Mágica

A medida de todas as coisas

Workshop Marketing Online

CASA DA MÚSICA 22H00 — 30€

TEATRO CARLOS ALBERTO 21h30 — 20€

HARD CLUB

ENTRADA LIVRE

11 QUARTA-FEIRA

DE 11 A 22

ATÉ DIA 15

Marcelo D2

O Bom Ladrão

Behind the Surface

TEATRO SÁ DA BANDEIRA 20H30 — 18€

14 SÁBADO

TEATRO SÁ DA BANDEIRA Groundation

22H00 — 20€

20 SEXTA-FEIRA

TEATRO SÁ DA BANDEIRA QUARTA-FEIRA A SÁBADO ÀS 21H45; DOMINGO ÀS 16H00 7,50 A 10€

QUINTA E SEXTA DAS 17H00 ÀS 20H00 SÁBADO DAS 16H00 ÀS 20H00

ATÉ DIA 15

Porto Íntimo

A Morte do Palhaço

DE 21 MAI A 2 OUT

MOSTEIRO SÃO BENTO DA VITÓRIA QUARTA-FEIRA A DOMINGO, 21H30

PARQUE DA CIDADE

22 DOMINGO

CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA

Ken Vandermark

Por Terras de Sol e de Dor

22H00 — 10€

21H00 — DESDE 20€

30 SEGUNDA-FEIRA COLISEU DO PORTO

Sufjan Stevens

21H00 — DESDE 26€

TEATRO CARLOS ALBERTO Les Corbeaux

QUARTA E QUINTA ÀS 21H30 10 A 15€

MUSEU DE SERRALVES

ATÉ DIA 22

CASA DA MÚSICA

The National+Dark Dark Dark

ENTRADA LIVRE

18 E 19

TERÇA-FEIRA A DOMINGO E FERIADOS DAS 10H00 ÀS 20H00

22h00 — 27€

COLISEU DO PORTO

CENTRO PORTUGUÊS DE FOTOGRAFIA

DAS 14H30 ÀS 18H30 PREÇO ESPECIAL: 40€ (PAGAMENTO ATÉ 10 DIAS DO EVENTO) PREÇO NORMAL: 80€

Off The Wall/Fora Da Parede

Ivete Sangalo

23 DOMINGO

KUBIK GALLERY

HOTEL MELIÃ GAIA PORTO

ATÉ DIA 22 TEATRO RIVOLI

3 em Lua de Mel

QUINTA E SEXTA-FEIRA ÀS 21H30; SÁBADO ÀS 16H30 E 21H30; DOMINGO ÀS 16H30 10 A 25€

TERÇA A SEXTA-FEIRA DAS 10H00 ÀS 12H30 E DAS 15H00 ÀS 18H00 SÁBADO E DOMINGO DAS 15H00 ÀS 19H00

ATÉ DIA 31

MUSEU NACIONAL DA IMPRENSA Livros Proibidos da Ditadura

TODOS OS DIAS DAS 15H ÀS 20H00 2€ (C/DESCONTOS)

25 A 29

COLISEU DO PORTO Stomp

QUARTA A SEXTA-FEIRA ÀS 21H30 SÁBADO E DOMINGO ÀS 16H00 E 21H30 18 E 35€

ATÉ 30 DE JUNHO FUNDAÇÃO DE SERRALVES

Conferência O Imaterial: Os Novos Paradigmas da Contemporaneidade

QUINTA DAS 21H30 ÀS 23H00 5€

ATÉ DIA 29

TEATRO DO CAMPO ALEGRE À Beira do Fim

MENSAL

QUARTA-FEIRA A SÁBADO ÀS 21H30; DOMINGO ÀS 16H00 10 A 12,50€

CLUBE LITERÁRIO DO PORTO Atelier Instrumental SEGUNDA A SEXTA ÀS 17H30 25€ TAXA DE INSCRIÇÃO + 25€/MÊS (3 MESES) PARA CRIANÇAS DOS 5 AOS 14 ANOS

ATÉ 17 JULHO

JARDIM BOTÂNICO DO PORTO A Evolução de Darwin

TERÇA A SEXTA DAS 10H00 ÀS 18H00 SÁBADO E DOMINGO - 10H00 ÀS 19H00 4€ (COM DESCONTOS)

Adriana Calcanhoto


JUP — MAIO 2011

U.PORTO

Spie UP'11: Empreendedores à solta na U.Porto

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AGENDA 11 DE MAIO A 8 DE JUNHO

ATÉ 25 DE MAIO

OFICINAS MULTIMÉDIA

COLÓQUIO INTERNACIONAL TINHA PAIXÃO?

e-learning Café da Universidade do Porto / Asprela (junto à estação de Metro Pólo Universitário) Todas as quartas-feiras Inscrição (gratuita e obrigatória) e mais informações em http://elearning.up.pt

12, 19 e 26 DE MAIO CICLO DE CONFERÊNCIAS “CONHECIMENTO NA U.PORTO” Curso de Ciências da Comunicação da U.Porto (Praça Coronel Pacheco, 15), 17h30 A partir dos testemunhos de investigadores dos diversos centros de investigação da U.Porto, descobre o conhecimento que se produz na maior universidade portuguesa. Sempre à quarta-feira. Entrada livre. Sessões com transmissão - via streaming em directo na TVU. (http://tv.up.pt)

18 DE MAIO a 30 DE OUTUBRO

Todas as quartas-feiras, às 18h30 Ciclo de conferências e debates a decorrer em vários locais do Porto, com o objectivo de dar a conhecer alguns dos mais marcantes autores da literatura brasileira e africana do último século. Entrada livre. Programa e mais informações em http://tinhapaixao.blogspot.com/

28 DE MAIO VISITAS GUIADAS PELA HISTÓRIA DO PORTO “O Campo do Olival e a Origem da Universidade do Porto”, 18h30 Estreia do programa de visitas guiadas pelo historiador Joel Cleto a diversos locais históricos da cidade, a ter lugar até Março de 2012. Evento aberto ao público em geral. Inscrições e mais informações através do e-mail mgabriel@reit.up.pt ou do telefone 220408195.

EXPOSIÇÃO: “DOIS SÉCULOS: INSTRUMENTOS CIENTÍFICOS NA HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO” Museu Nacional Soares dos Reis, 11h30 (inauguração) Evento integrado nas comemorações do Centenário da U.Porto (http://centenario.up.pt) — Entrada livre.

Centenário: Criatividade a concurso

U SEMANA DE PROMOÇÃO DA INOVAÇÃO E DO EMPREENDEDORISMO DA U.PORTO DECORRE DE 19 A 21 DE MAIO. INSCRIÇÕES ABERTAS.

E

m tempos de crise, a inovação e a criatividade são formas de diferenciação no mercado de trabalho. Isto soa-te a lugar-comum? Pois bem, entre os próximos dias 19 e 21 de Maio, a Universidade do Porto leva as palavras à prática dando-te a oportunidade de conheceres as histórias de sucesso de alguns dos mais bem sucedidos empreendedores portugueses. O ponto de encontro será a Spie Up’11 – Semana de Promoção da Inovação e do Empreendedorismo da U.Porto, um dos maiores eventos nacionais dedicados ao empreendedorismo e que, pelo quarto ano consecutivo, convida à participação (gratuita!) de toda a comunidade académica da cidade. A Spie UP é uma iniciativa dos estudantes que integram o CEdUP – Clube de Empreendedorismo da U.Porto e assume então o propósito de cultivar a atitude inovadora entre a comunidade a partir do contacto com um conjunto de empreendedores com provas dadas nos mais diversos sectores. Ao longo de uma série de conferências, workshops e encontros descontraídos, caber-lhes-á "provocar" os participantes com as suas experiências, mas também reflectir sobre as novas tendências, os caminhos da inovação e o que de melhor se faz em Portugal e no mundo em matéria de empreendedorismo. Centralizado nos espaços da Universidade Pólo da Asprela (Faculdade de Engenharia, 19 de Maio) e Pólo do Campo Alegre (Faculdade de Ciências, 20 de Maio) – o programa da Spie UP'11 tem na diversidade de temas e formatos a sua imagem de marca. Assim, logo no primeiro dia (19 de Maio), aqueles que passarem pelos espaços da FEUP vão ter a possibilidade de conhecer diversos casos de Empreendedorismo Low Cost com representantes de empresas como a Ryanair ou o IKEA. Segue-se uma sessão "em bom português" liderada por um painel de convidados que demonstrarão como se pode Empreender na Tradição Portuguesa. Entre os exemplos abordados estará o da “Vida Portuguesa”, um projecto

criado pela jornalista Catarina Portas que aposta na dinamização nacional e internacional da imagem de várias marcas e produtos portugueses. Seguindo uma tendência em crescendo nos últimos anos, a Spie Up’11 afasta-se igualmente da frieza do mundo dos negócios para dar conta de casos bem-sucedidos noutras áreas. Enquadram-se nesse ciclo as conferências sobre empreendedorismo social e empreendedorismo jovem que vão dominar a tarde do segundo dia do evento. Numa passagem pela FCUP, poderás ainda saber "Como conquistar uma Audiência num workshop liderado pelo inglês Neil Mason, ou passar a noite num encontro descontraído com Luís Filipe Gaspar, Inácio Roseira e Helena Pimentel, protagonistas de uma sessão sobre “Viagens e Descoberta”. A culminar uma semana que pretende ser de “puro networking”, o último dia da Spie UP'11(21 de Maio) ficará marcado pela realização da Grande Conferência da Spie UP, a ter lugar pelas 17h30, na Fundação Cupertino de Miranda. O "Empreendedorismo: Solução de uma geração" é o tema de uma sessão que vai reunir Basílio Horta e Jorge Gonçalves, Vice-Reitor para a Inovação e Desenvolvimento da Universidade do Porto. O programa culminará com um jantar e uma festa de encerramento. Apesar de dirigida especialmente aos estudantes da U.Porto, a Spie-UP é encarada pela Universidade como uma forma de diamizar entre a sociedade civil uma rede de pessoas que querem "fazer acontecer.". Nesse sentido, qualquer pessoa poderá marcar presença nos diversos momentos do evento. Todas as iniciativas inseridas na Spie-Up`10, com excepção da conferência e do jantar encerramento, são de participação gratuita. Os interessados deverão apenas efectuar uma inscrição prévia no site do evento, em http://www.spie.up.pt/, no qual está ainda disponível o programa completo de iniciativas. De que é que estás à espera!? •

ma máquina fotográfica, um computador ou um telemóvel, e uma boa dose de talento inspirado na história da maior universidade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, isso é tudo o que precisas para participar nos dois concursos que a Comissão Organizadora do Centenário da Universidade do Porto acaba de lançar, no âmbito das celebrações dos 100 anos da instituição. O Concurso Literário de Micro-Contos de Ficção "Cem anos - 100 palavras" representa um desafio ao sintetismo e à imaginação dos participantes: escrever um micro-conto de ficção com apenas 100 palavras, sobre um aspecto relacionado com a U.Porto. Já o Concurso de Fotografia "Cem anos - 100 imagens" visa a recolha dos melhores "olhares" sobre a Universidade. O suporte proposto é a fotografia digital, podendo ser utilizada qualquer linguagem fotográfica (reportagem, documentário, paisagem, retrato, etc.). O concurso inclui ainda uma secção especial para trabalhos feitos através do telemóvel. Abertos a qualquer pessoa maior de idade, os dois concursos têm como atractivo adicional a distinção dos melhores trabalhos. No concurso literário haverá prémios para os autores dos três melhores micro-contos e está prevista a reunião

dos melhores 100 micro-contos em livro. Já no caso do concurso de fotografia, serão atribuídos prémios e menções honrosas, sendo que os melhores trabalhos vão integrar uma exposição pública, a ter lugar na FNAC de S. Catarina. Todos os fotógrafos e escritores em potência devem submeter a respectiva candidatura através do portal do Centenário da U.Porto (http://centenario.up.pt), até aos dias 30 de Setembro e 31 de Outubro, respectivamente. Os trabalhos para o concurso literário podem também ser entregues em envelope fechado na Reitoria da U.Porto, ou enviados por correio para "Concurso Cem Anos 100 Palavras" para a Reitoria da Universidade do Porto (Praça Gomes Teixeira, 4099-002 Porto). Para mais informações, consulta o regulamento de cada concursos, disponível em http://centenario.up.pt/concursos. Sublinhe-se que esta iniciativa dá seguimento ao programa de comemorações que a U.Porto preparou no sentido de assinalar os seus 100 anos de vida. Assim, e já depois das celebrações do Dia do Centenário (22 de Março), a festa prossegue ao longo de 2011 com várias propostas nos campos da música, arte, literatura, desporto e literatura. O programa de eventos pode ser acompanhado em http://centenario.up.pt/programacao.•

Liberta o realizador que há em ti

E

ntre os próximos dias 6 e 8 de Outubro, os melhores vídeos do mundo, produzidos em contexto universitário, vão estar reunidos no Porto (Teatro Rivoli). Se queres estar entre eles e te sentes à altura do desafio, então mãos à obra! Está aberto o prazo para submissão de candidaturas à 4ª edição do U.FRAME; Festival Internacional de Vídeo Universitário, uma iniciativa promovida pela Universidade do Porto, em parceria com a Universidade da Coruña (Espanha), a University of Texas at Austin (EUA) e outras instituições de ensino superior internacionais. De regresso ao Porto após uma edição na Corunha, o U.FRAME assume-se como rampa de lançamento para jovens que estão a iniciar a carreira na realização. Ao mesmo tempo, pretende-se criar um espaço de convívio entre estudantes e profissionais do meio audiovisual.

Para participares, deves submeter os teus trabalhos originais a uma das quatro categorias que integram a Competição oficial do festival: Documentário, Ficção, Animação e Experimental. Para além da distinção dos melhores trabalhos em cada modalidade, serão ainda atribuídos o Grande Prémio do Júri à melhor obra da Competição Oficial e os Prémios do público. A pré-inscrição das obras é gratuita e aberta a todos os estudantes do Ensino Superior e graduados, que tenham acabado o curso há menos de um ano à data do Festival. Pode ser efectuada através do preenchimento da ficha disponibilizada no site do festival, e do envio da obra até 15 de Julho de 2011. Para mais informações, consulta o Regulamento do U.FRAME em http://www.uframe.org/ • textos Tiago Reis/ Gabinete de Comunicação da Reitoria da U.P.


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JUP — MAIO 2011

SOCIEDADE

25 de Abril: Revolução dos Cravos à imagem de um país enrascado OS JOVENS PEDEM O FIM DA PRECARIEDADE. OS PRESIDENTES DA REPÚBLICA PÓS 25 DE ABRIL APELAM À UNIDADE NACIONAL. UNS DIZEM QUE O PAÍS PRECISAVA DE UMA NOVA REVOLUÇÃO, OUTROS DIZEM QUE APENAS FALTA CUMPRIR O ESPÍRITO DE ABRIL. O 25 DE ABRIL É CADA VEZ MAIS UM ÍCONE DA DEMOCRACIA, LIBERDADE E IGUALDADE SOCIAL NA SOCIEDADE MODERNA.

por Inês Guedes e Miguel Barros fotografia Angela Ribeiro

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spalhados pelos vários cantos da cidade do Porto, várias foram as formas de comemorar a Revolução dos Cravos. O JUP foi até aos Aliados para acompanhar os eventos comemorativos que se previam para a tarde de 25 de Abril. Logo desde o início da tarde, começam-se a ver os vários preparativos para a manifestação. No palco já montado, no fundo da avenida, uma banda faz o sound checking com cantigas de intervenção, com algumas interrupções por razões técnicas à mistura. Ouve-se alguém a perguntar “Olhe! Quando é que começa a música mesmo?”, ao que respondem: “Ainda é cedo, amigo. Só lá prás 5 e tal depois de passar o cortejo!”. De um lado e do outro, vêem-se vários vendedores de cravos. Aqui e ali, já se vêem crianças e outras pessoas a segurar algumas destas flores vermelhas, enquanto passeiam pela Avenida. São maioritariamente pessoas idosas que aqui circulam. A Polícia começa a fazer cortes ao trânsito na Avenida e, à hora estipulada pelo programa - as 16 horas –, um pequeno grupo de bombos inicia o cortejo. À frente de um grupo de alinhados que prosseguem em marcha na rua, entre filas pouco densas de pessoas a assistir, quatro pessoas seguram uma faixa decorada com desenhos de cravos nos cantos e que diz, em letras grandes e vistosas, “Abril é o Futuro. Democracia, Liberdades e Direitos”. Não se encontram jovens neste grupo de manifestantes e, mesmo entre aqueles que assistem, poucos se vêem. Ao altifalante, uma masculina voz vagarosa pronuncia frases de liberdade como “25 de Abril sempre!”, ao que os restantes respondem

“Fascismo nunca mais!”. Depois, em uníssono, todos repetem continuamente “Não queremos mais injustiças sociais!”. Entre eles, outros cartazes circulam: “Defender e fazer cumprir a constituição!”, “Lutar por um Serviço Nacional e Universal de Saúde”! Rapidamente, o primeiro grupo de manifestantes passa. Um senhor diz “São tão pouquinhos este ano. Nem parece que estamos na crise em que estamos”. Os assistentes da marcha começam agora a dirigir-se para o outro lado da avenida, onde novos grupos de manifestantes começam a circular. O McDonalds rapidamente parece ter ficado vazio, as pessoas começam a aglomerarse nos contornos da rua. As frases que ecoam nas ruas são as mesmas, com outros à mistura. “O que faz falta é animar a malta!”, “O que faz falta é acordar a malta!”, “O que faz falta é alertar a malta!”, vão alguns deles repetindo sucessivamente. Rute Azevedo, estudante de 19 anos do curso de Ciências da Comunicação, está entre um dos grupos de manifestantes .A jovem disse ao JUP que o que a leva ali é o verdadeiro significado do 25 de Abril, que deve ser comemorado. Salienta ainda que os portugueses têm consciência dos problemas do país e que a juventude deve lutar sempre pelos seus direitos, daí a relevância deste tipo de organizações. Outro estudante de 20 anos, Tiago Ralha, quando questionado sobre as razões que o levam até à manifestação, diz que é preciso cumprir sempre a tarefa de corpo presente nas comemorações do 25 de Abril. Afirma não ser da opinião de que o país precisa de um novo 25 de Abril, pois a Revolução dos Cravos foi algo único e felizmente serviu para pôr fim a uma etapa diferente daquela em que nos encontramos agora. Contudo, acha que é necessário que o país continue a manifestar-se e que uma Revolução bem organizada pode ser essencial em Portugal,

já que a Democracia, dentro do país, também tem vindo a ser posta em causa já há algum tempo. Agora com vários jovens à mistura, dos quais uma pequena porção a usar traje académico, a marcha dos manifestantes termina. É então que as pessoas se começam a dirigir para o palco. Um jovem desempregado de 23 anos, recém licenciado em Arquitectura, afirma que o país precisava de dez revoluções como a do 25 de Abril para sair da crise multi-abragente em que se encontra. Carlos Soares refere ainda que a democracia actualmente, em Portugal, está a ser posta em causa de dia para dia, revelando ainda a sua incompreensão perante o facto do partido socialista ser “um suposto partido de esquerda, mas agir cada vez mais de acordo com a ideologia de Direita. O País está de pernas para o ar e o futuro dos jovens é cada vez mais garantido lá fora do que aqui dentro. Isto não é preocupante?”. Começa então o espectáculo. São entoadas músicas de intervenção e declamados poemas sobre liberdade. As pessoas, dos quais raros os jovens, parecem assistir com atenção. Mas, quando começa a entardecer, muita gente começa a ir embora. De minuto a minuto a Avenida dos Aliados vai ficando mais deserta e, quando o concerto acaba, já poucos são os que se encontram neste espaço. Enquanto que num lado do Porto se promoviam formas alternativas de festejar a Revolução dos Cravos, como um passeio de ciclo turismo, a Avenida dos Aliados ficou-se pela tradicional marcha e a música ao vivo. Contudo, este ano, não se assistiu apenas a um festejo aos “cravos” nem um simples ode à liberdade, mas antes a uma contestação pública sobre a forma como Portugal é governado, hoje, e sobre o pessimismo português em relação ao futuro do país.

mote para a manifestação de muitos jovens por esse país fora. Foi o caso das comemorações da revolução dos cravos na Avenida dos Aliados no Porto. Se bem que em minoria, os jovens fizeram-se ouvir, principalmente pela questão que mais os preocupa – o crescente desemprego. Este, como tantos outros problemas resultantes da crise económica e social em que o país mergulhou leva à necessidade de mudança.

UM APELO À CLASSE POLÍTICA

Numa tentativa nítida de reunião consensual dos partidos polípticos, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, reuniu em Belém todos os presidentes do pós 25 de Abril para discursarem nas comemorações oficiais da Revolução dos Cravos. Uma vez dissolvida a Assembleia, o habitual discurso foi feito em Belém e não na Assembleia da República. Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva formularam discursos com o mesmo propósito: apelo à união nacional e à cooperação entre partidos políticos no sentido de ajudar o país a sair da situação crítica em que se encontra. Nota para o discurso

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS E A GERAÇÃO À RASCA

Apesar de muitos acharem que o 25 de Abril perdeu o significado e que os jovens não dão valor ao estado democrático em detrimento da ditadura, certo é que o estado social e económico actual do país suscita nos jovens um novo espírito de intervenção. São muitas as iniciativas levadas a cabo pelos mais jovens no sentido de despoletar uma juventude dinâmica e alerta para os problemas que surgem no caminho. Um dos mais conhecidos movimentos denomina-se “Geração à Rasca” e já reuniu milhares de adeptos entre os portugueses. O protesto organizado pela marca a 12 de Março de 2011 foi anunciado via Facebook e reuniu não só os jovens mas também as suas famílias, num acto de protesto pela precariedade dos jovens. A manifestação foi um êxito e a organização avançou com 200 mil participantes. Ao mesmo protesto juntaramse, por exemplo, os “Homens da Luta”, representantes portugueses na Eurovisão com a música “Luta é Alegria”. A manifestação ganhou relevo e a expressão “geração à rasca” é já bem familiar dos portugueses. Nos dias de hoje, o 25 de Abril, símbolo da liberdade e revolta de uma geração, torna-se o

do actual Presidente da República, Cavaco Silva, que dirigiu invocou uma campanha eleitoral sóbria nas próximas legislativas. O povo não foi esquecido, pelo que o presidente da República pediu aos portugueses para não descurarem das suas responsabilidades ao praticar o seu direito de voto. •


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SOCIEDADE

Um abrigo na UP

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UP conta com o desenvolvimento autónomo de diversos projectos, dedicados à acção social, nomeadamente junto dos sem-abrigo. A VO.U., Associação de Voluntariado Universitário, é uma organização que surge em Junho de 2008, e que conta com mais de 400 estudantes universitários. Os projectos desta instituição dividem-se em três planos: Plano da Vida (promoção da saúde), Plano da Ponte (acompanhamento social) e Plano Mundo (auxílio internacional). O Banco de Voluntariado Universitário é um dos projectos que permite o envolvimento de jovens em diversas actividades, tendo em conta as suas áreas de interesse, disponibilidade e nível de experiência. O Voluntariado da Universidade do Porto engloba dois projectos de apoio aos sem-abrigo da cidade. Ana Oliveira, Vice-Presidente na direcção destes

projectos, faz a distinção entre eles: “No projecto C.A.S.A fazemos apenas a mobilização e o que esta associação faz é a distribuição de comida pelos sem-abrigo da zona centro do Porto. O “Albergues Nocturnos do Porto”, que ainda não entrou em fase de execução, consiste em actividades de promoção de saúde junto da população residente nos albergues e também em algum acompanhamento social.” Ana Oliveira afirma que na distribuição de refeições contam com cerca de 20 a 25 voluntários e define esta experiência como um “crescimento pessoal, de conhecimento e consciencialização de realidades que são muitas vezes desconhecidas” na qual existe uma “preocupação em ajudar o próximo e a aplicar todo o seu tempo livre neste apoio.” O projecto GAS (Grupo de Acção Social do Porto) subdivide-se em dois gru-

pos: o Grupo de Jovens e o GAS Abrigo. Susana Nunes está ligada a estes projectos há 7 anos e faz parte da Direcção do Grupo GAS Abrigo. Sublinha a preocupação em ter sido criado um projecto para quem já não estuda: “O GAS Abrigo nasceu para colmatar esta falha de pessoas com idade superior aos 26 anos, pela questão da disponibilidade que as pessoas que os procuravam tinham.” Em relação ao grupo de jovens, a responsável pelo Grupo GAS Abrigo refere que actuam num Lar de idosos, com um Centro Juvenil, em apoio domiciliário no Bairro do Aleixo, entre outros locais. Susana Nunes afirma que, sem esta experiência, os sem-abrigo “não teriam alguém cuja única preocupação é ajudar” e confessa que o voluntariado “faz trabalhar muitas coisas em cada um de nós”.• Maria Eduarda Moreira, Maria João Silveira e Raquel Teixeira

País precário sai do armário

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ão 13h15, o céu está escuro e ameaça chuva, eu caminho apressado para a Praça dos Poveiros, local de onde vai partir o projecto MayDay, um movimento pelos trabalhadores precários, em direcção aos Aliados, foco de concentração das manifestações do dia do trabalhador. Chego ao local para encontrar um grupo de cerca de 10 pessoas, munidos de um par de megafones, pastas, cartazes, cartolinas e marcadores. O grupo divide-se entre o convívio e a criação de novos cartazes. Junta-se uma palete de cores e frases no chão; lêem-se frases como «BPN às costas, FMI à perna», «Terrorismo social não» ou «Sou precário e não vou emigrar». À medida que a hora vai avançando, vão-se juntando mais pessoas ao grupo. Perto das 14h, abre uma pequena banca que serve um prato de cachupa aos vários colaboradores. As pessoas que vão passando não conseguem conter os olhares. Alguns chegam mesmo a parar para ler os cartazes ou ficar a ver o que os participantes do movimento fazem. Uma senhora comenta com a filha que «são as pessoas que trabalham que se manifestam contra o governo. Hoje é dia do trabalhador.». Essa frase despertou a minha curiosidade, fui falar com Ricardo Coelho, um dos fundadores do MayDay Porto, e questionei-lhe se esta mani-

festação era direccionada apenas para quem trabalha. Na sua opinião, a situação de precariedade é um limbo entre o trabalho e o desemprego, e que portanto abrange praticamente toda a população activa; mesmo aqueles que se encontram numa situação laboral mais estável correm risco, visto que a precariedade avança a grande ritmo. Perguntei-lhe ainda se esta manifestação é importante para os alunos, ele respondeu que os estudantes estão à porta do mercado de trabalho, e que em pouco tempo poderão vir a entrar numa situação de precariedade, sendo que se torna necessário um esforço de cruzamento feito pelas associações de estudantes e pelos sindicatos, como forma de ligar mais os estudantes ao mercado de trabalho. Poderá então o estudante ser um estudante precário? Ricardo Coelho acredita que sim, ilustrando essa situação com o número crescente de trabalhadores-estudantes que, diante dos cada vez maiores valores das propinas se vêem forçados a trabalhar em call centers, centros comerciais ou cadeias de fast food. As pessoas vão-se aglomerando junto dos meios de comunicação social que se encontram no local. Um pouco mais tarde, abre-se o microfone à população: são manifestadas várias preocupações dos cidadãos, como as desigualdades

laborais por sexo e por país de origem, a generalização do trabalho precário ou os contratos não remunerados à experiência para os jovens. A par disso, também se expressaram outras organizações ou movimentos que se associaram ao MayDay, como a Maldita Arquitectura ou a Assembleia Popular do Porto. Finalmente, inicia-se a caminhada rumo aos Aliados. De forma pacífica e bem-humorada, cerca de uma centena de cidadãos cortam o trânsito de Passos Manuel e 31 de Janeiro. Munidos de guarda-chuvas vermelhos, bandeiras pretas e vermelhas e com diversos cartazes criados durante a tarde, atravessam as ruas a dizer frases como «Precários nos querem, rebeldes nos terão!», «Recibos verdes no ecoponto azul!» ou «País precário, sai do armário!». O projecto a que hoje assisto, surgiu em Lisboa em 2007, tendo-se realizado pela primeira vez no Porto em 2009 e pretende ser visto como uma alternativa viável ao panorama actual. Para isso, o projecto lançou recentemente uma petição por uma «lei contra a precariedade», uma iniciativa legislativa a ser votada na Assembleia da República, e com o objectivo de combater dois eixos de precariedade: os falsos recibos verdes e a contratação a prazo e o trabalho temporário. • Gonçalo Marques Recolha de Informação : Mariana Sousa

ilustração Maria Helena

fotografia Mafalda Moura

OS PROGRAMAS DE VOLUNTARIADO NA UNIVERSIDADE DO PORTO PROMOVEM E DIVULGAM A AJUDA HUMANITÁRIA NA QUAL OS ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS SE COMPROMETEM, DE FORMA VOLUNTÁRIA, A APOIAR E EXERCER UMA CIDADANIA ACTIVA.

Redes Sociais NÃO SABES QUE A REVOLUÇÃO NO EGIPTO FOI TWITTADA? NÃO SOUBESTE QUE HAVIA UM GRUPO NO FACEBOOK PARA O PROTESTO DA GERAÇÃO À RASCA? BEM-VINDO AO SÉCULO XXI!

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hama-se “Tweets from Tahrir” o livro que reúne as micropostagens publicadas a partir da Praça Tahrir, no Cairo, durante a revolução no Egipto – uma acção que cresceu a partir de um grupo no Facebook, depois de revoltas populares na Tunísia. Esta é apenas a mais recente das histórias que nos confrontam com o papel que as redes sociais adquiriram no mundo de hoje. Em Portugal, no final do ano passado, uma onda de indignação voltou-se contra a Ensitel, depois de a empresa tentar obrigar uma blogueira a apagar posts em que contava a sua má experiência após a compra de um telemóvel. A Ensitel tornou-se um “modelo” do que não fazer em caso de crise. Nas semanas que antecederam o 12 de Março, vimos o primeiro sinal de que o país está a acordar através do Facebook: foi criado o grupo que convocava a “Geração à Rasca” para um protesto apartidário que se estendeu a toda a população. Mudanças de raiz? A questão que se põe é: as redes sociais foram um veículo para partilhar rapidamente ideias ou, de facto, estamos a assistir a alterações de fundo nas pessoas à nossa volta? A socióloga Paula Guerra, do instituto de sociologia da FLUP, explicou ao JUP que “os dados que temos até agora apontam para uma certa inércia e conformismo – resta saber se esta situação vai despoletar também

uma mudança ao nível dos valores que pautam esta geração. Para já é um bom indicador de que pelo menos há uma ideia, uma intenção de mudança”. E relembra alguns teóricos que diziam que “as redes sociais poderiam despoletar alguns mecanismos de contestação social e de movimentação social”, pela forte componente de interacção entre utilizadores. “Porque é que a próxima revolução não vai ser twittada?” Podemos, no entanto, encontrar vozes que discordam dos entusiastas das redes sociais. Malcom Gladwell é um deles – colaborador da revista New Yorker, é um dos homens que tenta revolucionar a nossa maneira de pensar. “É importante não sermos apanhados numa onda de determinismo tecnológico”, explicou recentemente numa visita a Portugal, “e não pensarmos que é a tecnologia o motor da mudança”. Facebook e Twitter “são simplesmente uma forma de comunicar melhor do que o telefone.” Resumindo, tudo remete à necessidade de as pessoas partilharem, de facto, valores que conduzam à mudança. As redes sociais são uma ajuda, claro – mas não definem o que será ou não dessa possível revolução. Aqui, aplica-se bem o que já se disse sobre outros assuntos: não é a tecnologia que faz as coisas acontecerem. “As pessoas é que o fazem.” • Aline Flor


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INTERNACIONAL E ECONOMIA

Estudar em zonas de conflitos ÉCADAS DE CONFLITOS NO IRAQUE E NO IRÃO PRODUZIRAM REFORMAS AVASSALADORAS NO SISTEMA DE ENSINO DESTES PAÍSES. MAS NEM SEMPRE A REALIDADE DESTES ESTUDANTES É VISTA POR NÓS COM O OLHAR CERTO. texto Irina Castro ilustração Silvia Rodrigues

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ão mais de 500 milhões de pessoas que no mundo vivem em zonas de conflito. Entre guerras civis, conflitos internacionais e tensões politicas estas pessoas sobrevivem. Imaginar o seu quotidiano é uma tarefa por vezes demasiado árdua para nós. Mas conhecer essa realidade pode por vezes tornar-se reveladora. O Iraque foi durante muitos anos o centro da educação do Médio Oriente. Até 1984 o Iraque tinha um sistema de ensino com uma taxa de 100% de inscrição no ensino primário, o analfabetismo entre os 15-45 anos era apenas de 10% e a paridade era uma realidade das escolas Iraquianas. O investimento na educação era visível, 620 dólares média por aluno, num sistema de ensino público, gratuito e obrigatório. No entanto em 1984 a guerra com o Irão desviou os recursos públicos para gastos militares e em 1990 a Guerra do Golfo e as sanções económicas enfraqueceram ainda mais as instituições de ensino. Por outro lado, quando em 2003 os Estados Unidos da América invadiram o Iraque, uma das primeiras medidas foi a proibição do partido Baath, partido de Saddam mas também o partido responsável pela nacionalização das empresas de petróleo e pelo combate às multinacionais. O processo que ficou conhecido como HYPERLINK "http:// en.wikipedia.org/wiki/De-Ba'athification"De-Ba'athification levou ao afastamento de muitos professores e funcionários das Universidades, com um grande peso para o ensino, ao mesmo

tempo que a frequência de estudantes cai drasticamente pelo medo. Durante a invasão vários conflitos levaram à pilhagem de bibliotecas e universidades e a corrupção e a fraude tomaram conta da gestão diária das instituições. Depois da invasão, a presença Norte Americana abriu espaço à criação massiva de universidades privadas. Só entre 2003 e 2007 abriram 10 novas Universidades privadas face às 3 públicas. Actualmente existem 31 universidade públicas e 21 privadas, com áreas de ensino semelhantes às Europeias. 40 anos de conflitos fizeram do melhor sistema de ensino do Médio Oriente num sistema doente, desigual, que afasta cada vez mais as mulheres e que reduziu o seu investimento médio por aluno de 620 dólares para 47. Hoje em dia, o ensino básico Iraquiano está nas mãos de instituições como a UNESCO e o ensino superior nas mãos de privados. O Irão esteve em guerra com o Iraque durante 8 anos, numa disputa territorial e politica em que os Estados Unidos da América apoiavam, na altura, o recém chegado presidente Iraquiano Saddam Hussein. Durante os conflitos muitas foram as mulheres privadas de frequentar o ensino, mas hoje em dia, apesar do sentimento sobre o conflito ainda ser visível para os iranianos, 65% dos estudantes universitários são mulheres. Ahmad veio estudar para o Porto, apesar de concordar que poderá haver uma minoria de estudantes que se deslocam para outros países por motivos políticos, Ahmad alerta-nos que a maioria dos estudantes Iranianos decidem ir estudar para outros países na busca de novos conhecimentos, culturas, contactos internacionais e perspectivas

cientificas. Há uma grande diferença entre o Irão dos Iranianos e o Irão da Imprensa Internacional. Segundo Ahmad, o Irão tem um sistema político estável e independente com base numa democracia em progresso. Muito desse progresso deve-se à educação da população. O sistema educativo Iraniano baseia-se em 5 anos de ensino primários, 3 de acompanhamento, 3 de ensino secundário e 1 pré universitário para aqueles que querem entrar na Universidade. “É um sistema de ensino extremamente competitivo”, afirmou-nos Ahmad, “Para mestrados e doutoramentos existe um exame nacional. Só muito bons alunos conseguem entrar nas melhores universidades que são, já agora, gratuitas. Mas as privadas também existem”, e acrescenta, “É mais fácil entrar nas Universidades Portuguesas, mas estudar em Portugal exige mais tempo e concentração”. Mas isto não significa que o nosso ensino seja melhor. Por exemplo, a Universidade de Sharif foi considerada pelo Presidente do Departamento de Electrotecnia da Universidade de Standford a melhor Universidade do

mundo no ensino de Engenheiros Electrotécnicos. As tensões politicas e religiosas são também um outro exemplo dos “dois Irão”. Estas tensões são mais sentidas na Imprensa Internacional do que realmente nas escolas Iranianas. Os conflitos quase destroem os sistema de ensino, mas não o tornam impossível.s, nem do impacto que resultará a nível mundial.

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m mês e meio depois da tragédia que assolou o Japão, os últimos números oficiais indicam que morreram cerca 13 mil pessoas e 14 mil desaparecidos, principalmente na cidade de Sendai, no noroeste do país, a zona mais afectada pelo sismo e tsunami. Contudo, depois deste drama surge outra ameaça: o perigo nuclear de Fukushima. A Organização Mundial de Saúde afirma que as consequências são de baixo risco para a saúde, mas o Governo nipónico já garantiu que irá proceder a indemnizações aos trabalhadores da central e às famílias que tiveram de ser evacuadas. A verdade é que este incidente veio promover a discussão mundial sobre os prós e contras deste recurso. A World Nuclear Asssociation refere, no seu site, que o nuclear está presente em 30 países e, que asseguram 15% da electricidade mundial. Indica que não tem emissões de dióxido de carbono ou outros gases que contribuem para o efeito de estufa. Devido ao baixo custo do combustível, a maior eficiência resultante torna o recurso pouco dispendioso.

Já a International Physicians for the Prevention of Nuclear War, premiada com o Nobel da Paz em 1985, avisa que o contributo do nuclear é insignificante, comparando com a quota das energias renováveis. Informam que as reservas de urânio vão esgotar em poucas décadas e os resíduos produzidos são perigosos para a vida, pelo que têm de ser armazenados em aterros podendo continuando a ser ameaças. Por fim, lembra que muitos países que construíram armas nucleares iniciavam sempre as actividades neste campo sob um programa nuclear civil. Em Abril foi decretado o nível 7, o mais elevado da Escala Internacional de Ocorrências Nucleares, escala que mede a gravidade dos acidentes nucleares de 0 e 7. Até então, Chernobyl, em Abril de 1989, tinha sido o único incidente a atingir este nível, quando durante um teste de segurança, que ficou descontrolado, provocou uma explosão. A interrupção da central tardia levou à emissão de 200 toneladas de resíduos, numa nuvem radioactiva que atingiu a Europa e Rússia e obrigando à evacuação de 135 mil pessoas.

A discussão sobre a energia nuclear aumentou de interesse, motivando muitos países europeus a mudarem as suas políticas. A Alemanha suspendeu a construção de novas centrais, para fazerem uma reavaliação dos modelo e a Suiça, apesar de ter cinco centrais está a estudar a possibilidade de abandonar completamente a exploração deste tipo de energia. A Áustria é um dos países que já aboliu a utilização do nuclear, depois de um referendo em 1978. Em reunião de emergência dos ministros da Energia da União Europeia para discutir as condições de segurança das centrais nucleares, Humberto Rosa, o representante nacional, garantiu que a nossa “politica energética está muito clara em não optar pelo nuclear, mas, pelo reforço das renováveis”.l.• Vasco Mota

infografia Filipa Rodrigues

Japão e a questão núclear


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INTERNACIONAL E ECONOMIA

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FMI e o ensino

fotografia Pedro Ferreira

fotografia Pedro Ferreira

PORTUGAL ANUNCIOU A 6 DE ABRIL O SEU PEDIDO DE AJUDA FINANCEIRA À UNIÃO EUROPEIA E AO FMI E OS REPRESENTANTES DESTAS INSTITUIÇÕES JÁ SE ENCONTRAM EM TERRITÓRIO NACIONAL PARA PROCEDER À AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO REAL. QUE CONSEQUÊNCIAS TERÃO AS SUAS DECISÕES? E NO ENSINO SUPERIOR, SEREMOS AFECTADOS?

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s líderes da “troika”, alcunha que ficou, são Poul Thomsen – pelo Fundo Monetário Internacional, Jürgen Kröger – pela Comissão Europeia, e Rasmus Rüffer – pelo Banco Central Europeu. Eles iniciaram na semana de 18 de Abril a primeira ronda de reuniões com os responsáveis nacionais: partidos políticos com assento parlamentar, com a exceção do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português que ambos recusaram essa reunião, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) e União Geral dos Trabalhadores (UGT), Confederação de Comércio e Serviços (CCP) e com os cinco principais bancos a atuarem em Portugal (BPI, BCP, BES, CGD e Santander Totta). O resultado destas reuniões, assim como das negociações que lhes irão suceder com o governo, definirão as medidas a ser aplicadas em Portugal a troco do empréstimo concedido. As condições de ajuda permanecem, para já, ainda desconhecidas. Todavia as prévias intervenções em Portugal de 1977 e 1983, assim como os casos recentes da Grécia e da Irlanda podem esclarecer os presentes acontecimentos. Jean-Claude Junker salienta a unicidade do caso português em declarações à Agência Bloomberg: "existem enormes diferenças entre os irlandeses e os portugueses" e "enormes diferenças entre gregos e portugueses". Na opinião do presidente do Eurogroup a crise portuguesa é o resultado de uma falta de crescimento económico ao longo da década pas-

sada ao passo que a crise irlandesa é uma crise bancária. Êrnani Lopes, ministro das Finanças no Governo de Mário Soares, disse ao Jornal de Notícias que "o programa de estabilização 1982/83 e a situação atual pouco têm de comum, a não ser a leitura superficial dos sintomas, mas o quadro geral da situação, à época e agora, é profundamente diferente". "O euro mudou tudo, a adesão à CEE tudo mudou, e os instrumentos de política económica são outros". Todavia os instrumentos a utilizar seriam muito semelhantes aos usados em 1983, "os programas de estabilização não têm grande inovação”, financeiramente, o que se pode fazer continua a ser: usar “as quatro políticas de regulação - monetária, orçamental, cambial e de rendimentos e preços - em simultâneo, de modo convergente, para atuarem num período relativamente curto de forma a obter um resultado que corrija um mau comportamento acumulado de vários anos" explicou o ex-ministro. Sendo assim, as medidas a tomar poderão afectar o sector do Ensino Superior? Em contacto com Luís Rebelo, Presidente da Federação Académica do Porto, o JUP tentou apurar quais os receios e expectativas que o atual contexto económico-financeiro do país provoca nos dirigentes estudantis. Tratando-se de um problema transversal à sociedade portuguesa, a FAP receia igualmente o impacto que pode advir das medidas impostas pelo FMI. “As restrições orçamentais poderão vir a afectar seriamente o ensino supe-

rior nos próximos anos. Não só através do financiamento direto estatal, bem como através das propinas e da ação social” afirma Luís Rebelo. No que toca à Universidade do Porto, com a conclusão das grandes obras das novas instalações do ICBAS, da FFUP e da FMUP, e considerando a situação financeira saudável da Universidade, os próximos anos advinham-se relativamente estáveis. Todavia, a U. Porto representa apenas uma parte do Ensino Superior no Porto. “A situação que mais nos preocupa é a do Instituto Politécnico do Porto. O ensino Politécnico é tradicional e erradamente subfinanciado pelo Estado [...] e tem sido particularmente difícil aos Institutos Politécnicos reorganizarem o seu funcionamento para acomodarem estes cortes” manifesta o líder da FAP. Sabendo que, inevitavelmente tempos mais austeros vem aí para Portugal, a preocupação da FAP é “assegurar que no caso de haver cortes no financiamento ao Ensino Superior, que haja uma análise à Rede de Ensino Superior. Pode haver efetivamente uma racionalização e um ganho de eficiência elevado se repensarmos a rede de instituições e a própria organização governativa interna das mesmas. Existe uma elevada replicação de departamentos e serviços que contribuem para pouca massa crítica e para um despesismo exagerado” conclui Luís Rebelo. Não havendo para já, publicamente, medidas concretas a aplicar ao Ensino Superior devido à vinda do FMI, a previsão do que irá acontecer é difícil de fazer. • Christian A.F. Lopes

Que futuro para a ciência? ASSOCIAÇÃO DE BOLSEIROS DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ELEGEM NOVA DIRECÇÃO POLITICA

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o passado dia 27 de Março, em Lisboa, realizou-se mais uma Assembleia Geral da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), com vista a apresentação de programas e eleição dos novos órgãos para o próximo ano. Criada em 2003, a ABIC tem assumido um papel de representação dos bolseiros de investigação, que, pela sua condição, não podem estar sindicalizados. Com bolsas desde Integração na Investigação até Pós-Doutoramento, estima-se que o número de bolseiros seja hoje superior a 20 mil, com tendência a aumentar nos próximos anos. Esta aposta na investigação temse reflectido no número de projectos e publicações científicas, o que nos permite assistir ao centenário das universidades do Porto e Lisboa com a convicção de que a produção em ciência nunca foi tão grande como agora. No entanto, por parte da ABIC e dos seus bolseiros, ouvem-se as vozes daqueles que reclamam a integração no regime geral da Segurança Social e uma actualização do valor das bolsas que, diga-se, não sofrem aumentos há quase 10 anos. Para além disso, exigem que esta produção cientifica de que são autores, e que determinará os

avanços civilizacionais do futuro, lhes seja reconhecida como trabalho. De facto, os investigadores portugueses, ao contrário do que é prática na europa, não têm contrato de trabalho, o que implica não terem direito aos subsídios de férias e de natal nem a qualquer tipo de protecção no emprego. As bolsas eternizam-se na vida daqueles que fazem investigação e é comum encontrarmos doutorados, alguns com mais de quarenta anos, envolvidos nesta teia de insegurança laboral. As Universidades, afogadas no subfinanciamento do Ensino Superior, não são capazes de os incluir nos seus quadros e a recente aprovação do estatuto de “professor voluntário”, que pretende incentivar alguns bolseiros a leccionarem sem remuneração, é a machadada final naqueles que levam a vida a trocar ciência por precariedade. Chegou a hora de nos perguntarmos se todo o investimento feito em ciência não estará agora a ser deitado por terra com este clima de insegurança e chantagem que paira sobre os cientistas. Uma coisa é certa: a ABIC e um cada vez maior número de bolseiros continuarão a lutar por uma mudança de rumo na ciência em Portugal. • Miguel Heleno

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DESPORTO

na preparação deste Oporto cup.”, lembra. Seria preciso esperar até 2008 para a selecção portuguesa voltar a disputar um torneio internacional, em Manchester. No ano seguinte, em 2009, dá-se a primeira participação de Portugal numa competição oficial, o Europeu C, em Albufeira, “a única” até então, acrescenta Mário. A projecção à escala mundial é assim reduzida e Tiago Ferreira socorre-se dos números e de um exemplo peculiar para ilustrar a disparidade do goalball português face aos seus homólogos. “Se se comparar Portugal com o campeão paraolímpico, que foi a China, eles são 10, nós somos meio. E somos meio por ter um campeonato, se não éramos 0.”, enfatiza. “Na Lituânia, a campeã do mundo, fala-se de basquetebol e de goalball, aqui fala-se de futebol e futebol. Se o goalball ainda fosse uma actividade para pessoas “normais”, tudo bem, agora sendo um desporto para deficientes, acho que é um sonho, uma utopia isso acontecer cá.”, afirma o treinador com a perplexidade de quem o soube no momento.

> INTEGRAÇÃO SOCIAL E A MENTALIDADE PORTUGUESA

Quando sentir vale mais do que ver texto Pedro Bártolo fotografia Márcio Carneiro

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maioria dos que assistem a um jogo de goalball, provavelmente sentem-se traídos. Partem com a expectativa de encontrar um espectáculo de comiseração compartilhada, onde, pelo menos, se pode actuar como figurante e adoptar a mágoa alheia para se tomar o papel de cidadão exemplar. Desenganem-se. O goalball é um desporto. Como os outros. O JUP foi assistir a um treino da equipa do Académico FC, equipa que ingressou no campeonato nacional apenas em 2005, mas que tem nas suas fileiras atletas com vasta experiência na modalidade. António Santos, de 53 anos, é um deles. Santos, como é conhecido entre os colegas, dedica-se ao goalball “praticamente desde que (o desporto) chegou a Portugal, no início dos anos 90”. “Um grupo de pessoas juntou-se na ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal); começou-se com meia dúzia. Inscrevi-me e comecei a jogar”. Uma carreira que, antes do compromisso com o Académico FC, contou ainda com passagens, de um ano, por uma equipa formada no Instituto dos Cegos de S. Manuel e de “5/6 épocas” pelo Boavista. O Futebol de 5, o Atletismo, o Ciclismo e a Natação de recreio fazem também parte do seu currículo desportivo. A veterania não o impede de ser um dos que vive mais intensamente o Goalball. A devoção que lhe presta fica bem patente numa revelação espontânea e insólita. “Dos jogos não gosto tanto, dos treinos eu gosto. Porque os jogos são mais parados. Há os timeouts, as substituições, enquanto aqui num piso como este nós jogamos muito rápido, porque a bola nem vai para longe”. ”Os jogos são 10 minutos para cada lado. Normalmente demoram entre 40 a 50 minutos”, desabafa com um sorriso. Embora encare a actividade desportiva como uma prática de lazer, tal não significa que despreze a competição. “Quan-

do a nossa equipa está a jogar ninguém gosta de perder”, rematou. Questionado sobre o que mais o deslumbra no Goalball, António Santos responde sem demora. ”É a capacidade de orientação que temos dentro do campo e o tempo de reacção às bolas. Fascina-me ver a bola e conseguir atirar-me para o sítio certo”. O caminho de Mário Lopes, companheiro de equipa, cruzou-se com o Goalball de uma forma que o próprio classifica como irónica. No decorrer do seu estágio, foi diagnosticada ao futuro professor de educação física retinopatia pigmentar, doença que implica a perda progressiva da visão. Por isso, Mário entendeu que devia procurar outras pessoas com deficiência visual para que “pudesse vivenciar e tentar aprender alguma coisa com elas”. “Na altura em que me mudei para o Porto – eu estudei em Coimbra e sou de Lamego -, achei que devia oferecer os meus préstimos como treinador à ACAPO”. O prazer de jogar que experimentou ao longo da sua primeira época fez com que descartasse sem arrependimento as funções de timoneiro. “Aquilo não durou muito, durou um ano e meio, porque comecei a gostar de jogar. Logo no primeiro campeonato em que participámos eu já joguei com eles. E depois fui a contratação milionária do Académico”. (risos)

> O QUE SEPARA PORTUGAL DO MUNDO

“Falta o mesmo que falta ao Liechtenstein no futebol: base de recrutamento; somos muito poucos, muito poucos. E são muito poucos aqueles que têm qualidade para participar a nível internacional.” É com estas palavras lacónicas que Mário traça a realidade competitiva nacional e nos explica por que é que uma participação paraolímpica continua a ser uma hipótese ilusória. Para o atleta, “o factor humano ainda é o principal” entrave ao crescimento do Goalball, em Portugal. “ É preciso alguém com vontade que goste mesmo da modalidade e que comece a angariar gente nova, porque a idade média da população que joga goalball já começa a ser um bocadinho ‘avançadota’”, afirma algo apreensivo. Contudo, Mário Lopes não deixa de louvar, numa esperança contida, o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido em Lisboa no capítulo da divulgação e captação de novos praticantes. O atleta de 35 anos, valendo-se da sua experiência de 7 anos enquanto professor de educação física, propõe até a

inclusão do Goalball nos programas escolares para que os mais novos se vinculem com naturalidade à actividade física adaptada. “Eu, como professor de educação física, acho que a modalidade se insere perfeitamente e as reacções que temos tido sempre que fazemos uma demonstração junto de miúdos têm sido positivíssimas”.

Tiago Ferreira, estudante da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) e treinador da equipa, partilha da opinião de Mário e lamenta o escasso dinamismo em torno do Goalball, refutando que os apoios económicos sejam o principal problema. “Não acho que falte bem apoio, acho que falta vontade que é diferente. Porque se calhar se houvesse mais vontade, provavelmente começava a haver mais apoio.” O técnico não se coíbe de apontar o dedo à Associação Nacional de Desporto para Deficientes Visuais (ANDDVIS). “Algumas pessoas da associação estão empenhadas, outras têm mais interesses pessoais, não em divulgar e melhorar o goalball do país”. No que respeita aos aspectos materiais, Tiago acredita ser esta postura apática que impede o cumprimento dos requisitos mínimos para a prática da modalidade.”Uma bola custa 70 euros e não há ninguém a querer dar 70 euros por uma bola para 6 “ceguinhos”, como se costuma dizer. Não é fácil. Depois, conseguir pavilhão também é difícil: acho que o desporto adaptado em geral tem essa dificuldade”. O rol de obstáculos que o Goalball enfrenta faz com que a modesta participação da selecção nacional em competições internacionais não seja surpreendente. O atleta Márcio Carneiro, que representa as cores lusas, aponta o II Oporto cup, realizado no Palácio de Cristal, em 1998, como aquele que marcou a entrada em cena de Portugal. “Antes disso, Portugal já tinha ido a Londres

Boa parte da desvalorização a que tem sido condenado o Goalball encontra justificação nas barreiras impostas pela mentalidade portuguesa em relação à deficiência visual. Mário enaltece as “muitas acções de divulgação” e acredita “que tem havido preocupação em legislar”, mas que esta “ainda não produz grande efeito junto da sociedade”. Reforçando que esta é a concepção dominante, o atleta conta que o contacto próximo com casos de deficiência visual mais profunda alterou a sua perspectiva. “Bastou vir aqui uma ou duas vezes e ver uma pessoa cega a levar-me daqui ao Metro do Carolina Michaelis. Era de noite, e eu vejo muito mal à noite; essa pessoa conhece isto como a palma da sua mão e levou-me: ‘Mário cuidado aí. Aí está um poste; agora vem um carro; Aqui tens uma passadeira’. Mudou a minha maneira de ver as coisas”. “O deficiente visual é (visto como) uma pessoa diminuída. Por vezes, até associam a deficiência visual a outro tipo de deficiências. “ Das suas palavras depreende-se que não crê em alterações a curto prazo na forma de pensar dos portugueses. “Estamos a falar de crenças que as pessoas se habituaram a construir de determinada maneira. O deficiente visual é (visto como) uma pessoa diminuída. Por vezes, até associam a deficiência visual a outro tipo de deficiências. A pessoa por ser deficiente visual, não é surda, nem deficiente mental”, salienta em tom amargo. Um ponto de vista que é partilhado por António Santos. Tal como Mário, o atleta reconhece que “têm sido feitas várias campanhas, mas a mentalidade custa um bocado a mudar. Eu confesso que, e eu já tenho 50 e tal anos, em relação a quando eu tinha 20 ou 30 nota-se alguma diferença, mas não muita.”, admite a custo. No entanto, António realça que há uma abertura ténue das pessoas na convivência com deficientes visuais. “Ao início, não sabem o que um cego faz, do que é capaz, à medida que vão convivendo connosco aí a opinião já muda.” Revisor de braille na “Imprensa Braille” - a única empresa no país para este efeito -, no Porto, a António Santos revolta um pouco a percepção da actividade profissional de um cego. “Para 90% de quem não convive com cegos, um cego não faz nada. Está em casa quietinho.” Ainda assim, a sua limitação traz momentos de humor ao quotidiano. “Entro num autocarro e começam a dizer: ‘deêm lugar que vai aqui um “invisível”’. (risos) O técnico Tiago Ferreira também não imaginava a autonomia do deficiente visual. “Depois de lidar mais com eles, mudou tudo, tudo, tudo. Eu achava que um cego era minimamente independente, mas tanto nunca pensei”. Quando começou a treinar equipa, Tiago lembra que a capacidade de orientação dos seus jogadores foi o que mais o impressionou. “O primeiro choque foi eles orientarem-se melhor que eu. Foi um choque, não vou dizer que não. Mesmo as bolas sem guizos, eles sabiam onde elas estavam.” Essa é a beleza do Goalball. E não é preciso o resguardo académico para perceber o poder dos sentidos e da plasticidade humana. Basta-nos a sensibilidade para compreendermos. Tiago compreendeu. Espera-se que outros também. •


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DESPORTO

ilustração Marian, A Miserável

Modalidade: Lacrosse

Cruijff falou e o Tiki-Taka murchou

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ārlis Kļaviņš is a 3rd year student in „Vidzeme University of Appliec Sciences” in Latvia and agreed to this interview, because he is passionate for a game called Lacrosse. Although Kārlis has started only his third season in Latvian Championship of Lacrosse, it has already taken a major part in his life: ”Before my studies in the University I played volleyball. I tried also other types of sport, but nothing meant as much as volleyball... until I tried Lacrosse. If at first volleyball was my priority, then now it is just a mere hobby. Lacrosse has become my number one priority!” It all started 3 years ago, when some friends of his tried it. At that moment in Latvia were only three Lacrosse men teams, barely anyone knew the game, not to mention - tried playing. But at ”Vidzeme University” one had played it and was full of enthusiasm to teach it to others. He gathered all of his friends, including Kārlis, and they started practicing. As more and more friends liked it, they formed an official team. That is how you make sport out of things you simply love doing. Friends and team-mates apraised Kārlis’s skills and body built, which ”made me want to continue playing more”, laughs Kārlis. Now Kārlis is one of the trainers during the practices and second by importance on the field after the team captain. Kārlis remembers that the first time he saw the game was during the famous American teenage movie ”American Pie”, then suddenly more and more people around him started to talk about it; ”and I asked

myself - Why not? I am a huge nerd new and interesting things.” Now in Latvia altogether there are six teams for men and three for women. ”It is very interesting type of sports, because you can use force, and tactics are similar to those used in ice-hockey. The danger of Lacrosse you can actually see just by looking at the way the player is complected - helmet to protect the head, shoulder and arm pads to protect the player’s shoulders and avoid hand and elbow injuries, gloves and the stick, not to mention a rib pad to save the player from broken ribs. As I said – very interesting!” says Kārlisa with a big grin. For those who don’t know: in Lacrosee there are nine players - 3 are defence, 3 are midfield – these guys run the most and 3 attackers, plus a goalie. The size of the field is almost the same as in football and practice takes place about two or three times a week. In Kārli’s opinion Lacrosse could become one of the most popular types of sports, given some time. The biggest minus of this sport are the costs, because the equipments costs enormous amount of money. It is not just that they would be expensive, but that you need to change your gear quite often, because everything brakes, gets scratched and hit during the game. ”Also for the viewers watching the game is an adrenalin rush, because players run, punch and push each other - don’t know why, but people really like the agression and speed. Sometimes it overtakes their minds more than the actual score.”

”Our team right now is very anxious” tells Kārlis, ”because of rumors going around that Lacrosse could become an optional subject in the University. I would be extactic to receive credit points for playing and doing something I love! Not to mention the opportunity to attract more players and get more financial aid.” For what kind of people Lacrosse is made for? ”Mainly Lacrosse is for young people who are full of energy and enthusiasm, who like to run, aren’t afraid to push others and get some punches themselves. People who are the opposite and can’t bear any bruises and pain, they wouldn’t stand a chance - on the field it is easy to get micro-traumas and pushing each other is a consistent ingredient of the sport.” Although right now it is unreal to make living with professional Lacrosse or even get more finance for games, Kārlis is optimistic to one day get sponsors and raise the game in a more international level. At this point everything happens on self-volunteer and self-paid/hobby basis, but it at least it happens! ”I see new players coming and joining, I see the joy and fun they are having, I see that they like it and once you start to like it, it is impossible to get out of your system. It stays. And that is what makes the rest of us move forward, get better and improve ourselves, because nobody wants to get rusty and get slow. All I hope is just that by doing something I like, I can also do something good – introduce a new type of sports and share the feeling with others!” • Ieva Balode

“Gracias. Me gusta ser un entrenador de títulos”. Cáustico e irónico. Por outras palavras, Mourinho. Foi assim que o técnico português respondeu a Johan Cruijff depois de arrecadar o seu primeiro troféu enquanto treinador do Real Madrid. A antiga estrela do futebol mundial tinha acusado “Mou” de ser um “treinador de títulos e não um treinador de futebol”. Registo com agrado que haja ainda quem se preocupe com a qualidade do futebol praticado, mas temo que a perspectiva romântica de Cruijff, mais do que um reflexo de um homem de convicções fortes, seja sintomática de alguma falta de lucidez. Os tempos das tácticas revolucionárias preconizadas por Herbert Chapman ou Márton Bukovi já lá vão. Os triunfos obtidos inscreveram os seus nomes e ideias nas páginas douradas do desporto rei. Porque é isso que dita quem fica na história: os resultados. Antes de contestar as fórmulas tácticas utilizadas por José Mourinho, Cruijff devia lembrar-se que os princípios nucleares desta equipa do Barcelona, os pioneiros do “Tiki-Taka”, remontam à era de Frank Rijkaard como treinador dos catalães. Portanto, são 8 anos com rotinas de jogo semelhantes e até com algumas caras do plantel a atravessarem este longo período de sucesso. Andrés Iniesta, Xavi Hernández e Carles Puyol são três desses exemplos. Nada mais, nada menos do que dois dos melhores centro campistas do mundo e o capitão da equipa. José Mourinho não prima pela inovação do sistema táctico, nem decerto a forma de jogar de alguma das suas equipas será eternizada, como o “Tiki-Taka” do Barça, mas não é isso que o agora treinador merengue pretende. Mourinho é o “The Special One”, porque sabe explorar como ninguém as potencialidades dos jogadores de que dispõe e ajustar continuamente a postura do seu conjunto em função do valor do adversário. Por isso ganha mais. E mesmo com um grupo em que a falta de um terceiro avançado tardou a ser resolvida; o lateral esquerdo, Marcelo, de início, não enchia as medidas; e onde os médios suplentes estão longe de satisfazer, venceu a Taça do Rei e logrou o apuramento para as meias-finais da Liga dos Campeões. O lirismo futebolístico de Cruijff enternece todos os amantes da modalidade, lote no qual me incluo, só que a concepção do mago holandês esquece-se de que aproveitar as fraquezas dos oponentes e esconder as nossas também faz parte do jogo. Johan Cruijff foi um dos mentores do futebol total da “Laranja Mecânica”, um jogador de pensamento e execução rápida, de movimentos e toque refinado que deixava embevecidos os que tinham o privilégio de o ver jogar. E é assim que o quero recordar.• Pedro Bártolo

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CRÓNICAS

COLHER.NET

Beatriz Cóias Colher é uma plataforma de divulgação do Design Gráfico Português que pode ser acompanhada on-line em www.colher.net. Ao longo de cada número do JUP vamos dar a conhecer um estudante universitário do Porto a frequentar a área do design gráfico. Já está á venda em shop.colher.net a primeira publicação do Colher dedicada á ilustração nacional. Neste terceiro round convidamos Beatriz Cóias, natural de Lisboa, estudante finalista da FBAUP e recém-chegada de Bruxelas. O seu trabalho inspirado em tattos e skate, reflecte os seus gostos e interesses pessoais.

entrevista Eurico Sá Fernandes (via e-mail) imagens Beatriz Cóias

Quem é Beatriz Costa e de onde advem a tua paixão pelo skate e tattos? Ainda estou a descobrir. O skate e as tatuagens estao relacionados com um estilo de musica e de vida com que sempre me identifiquei.. Andava de skate quando era mais nova e acho que quando vim para o Porto, onde existe uma grande comunidade de skaters, fez com que voltá-se a pegar na tábua.

Como é que achas que neste momento o design gráfico e a sociedade portuguesa vê as fanzines? Não creio que as fanzines sejam vistas como algo de muito relevante e sério, apesar de a pouco e pouco parece-me que vão tomando maior destaque e despertando um maior interesse dentro do mundo do design e das galerias. É de qualquer maneira, óptima forma low cost de mostrares e divulgares o teu trabalho e tens a liberdade para fazer o que quiseres.

Qual é para ti as diferenças de ensino na FBAUP em Bruxelas? E qual preferes? Noto que existe uma muito melhor preparação teórica lá fora. Na Fbaup existe uma ligação com as artes-plásticas que premite um maior nivel de experimentação no design, o que deve ser valorizado na minha opinião. Fbaup ftw. Conta-nos a tua primeira visita ao Porto e o que te levou a vir estudar para o Porto. Tenho familia no Porto por isso sempre foi hábito vir cá. Depois de 18 anos a viver em Lisboa achei que estava na altura de mudar de ares e viver sozinha.. além disso, também tinha a faculdade de Belas-Artes do Porto em melhor conta do que as outras faculdades em Lisboa onde poderia igualmente tirar o curso de design. Foi uma escolha feliz : )

tenho uma serie de coisas amontoadas que nem sei bem o que são.. suponho que nao sou muito organizada. O que fazes quando não tens ideias? Pesquiso, debato ideias.. páro e faço outra coisa completamente diferente. Diz-nos algo que ninguém saiba. Gosto de filmes de domingo á tarde. Respostas flash: Grelhas ou sem grelha? Nada dessas coisas. Designer / Ilustrador favorito? Mike Giant, Ricardo Cavolo, Eduardo Recife, Caleb Everitt.. Leif Podhajsky! Sites e revistas preferidas? A Sang Bleu é a minha revista preferida. Sites relacionados com design, ilustraçao, musica, skate, tatuagens.. o normal. Tens algum trabalho que te tenha dado um gozo especial? O que estou a acabar agora. A imagem para um evento de skate que vai acontecer no Porto neste mês de Maio, o Rise & Flow. Realizado dentro do estúdio onde estou de momento a estagiar - This is Pacifica.

Descreve-nos a tua secretária ou local de trabalho. Neste preciso momento tenho: computador, tetris, bolachas, um vestido, cadernos, folhas, canetas, verniz, flores e

Qual a tua personagem de desenhos animados preferida quando pequena? Era a Sailor Moon! Mas devia ser a Bia, a Pequena Feitiçeira.

CONTA-ME COMO É…

… ser um estudante embriagado

O

s dias vão passando, os prazos de entrega dos trabalhos igualmente, mas não permito que passem sem uns copos pelo caminho. A somar a essas duas tarefas árduas, não posso deixar de referir o emprego miserável que sustenta os estudos e o álcool, emprego esse que dificulta exaustivamente a “ressaca” diária. O despertador inicia o martírio, distante, mas não me vou levantar. Recordo-me de ter programado o aparelho demoníaco para despertar alguns minutos antes da hora crítica, para poder apelar à preguiça mais uns minutos. Oiço novamente o toque irritante, que já iniciou umas ligeiras mas incomodativas dores de cabeça. Vejo as horas e apercebo-me que, certamente, a última cerveja da noite (leia-se: poucas horas antes) fez-me alterar o despertador para mais tarde e por consequência esquecer-me disso. Levanto-me com uma energia duvidosa, que, num espaço de segundos, assume a forma de lentidão certeira. Tomo um banho para despertar, mas, que em vez disso, me faz sentir um relaxamento reconfortante e comunica a todos os músculos do meu corpo que já estava na hora de dormir novamente. Resisto. Agarro um pão seco e saio rapidamente em busca do autocarro. As minhas viagens de transportes públicos conseguem ser extraordinariamente surpreendentes, pois não

há nada que já tenha visto que não tenha observado dentro dum autocarro. As coisas mais espectaculares, mais tristes e mais cómicas fazem-se em transportes partilhados por mais de 5 pessoas. Será escusado dizer que durante um estado alcoólico crítico ou numa ressaca de contornos especialmente agressivos, andar enfiado num veículo repleto de pessoas aos encontrões não se torna tarefa fácil. Saio do autocarro, depois de uma viagem angustiante e sinto um peso pesado a praticar pugilismo contra a parte central do meu cérebro. Entro na faculdade e dirijo-me rapidamente para a sala. Já vou significativamente atrasado e começo a ouvir um barulho indescritível de pessoas que têm por hábito falar o mais alto possível às oito da manhã, o que me dá uma vontade enorme de voltar para trás e ir para o café afogar-me em cafeína até a ressaca acalmar. Encho-me de coragem e entro repentinamente na sala e sem olhar para ninguém apodero-me da última fila. Não consigo ver absolutamente nada para o quadro, uma quantidade industrial de miúdos semelhantes a piolhos aos saltos e araras em cantoria desafinada e, como se isto não bastasse, começo a sentir-me enjoado. A professora lança um grito que me penetra um tímpano como uma bala, fura um pé ao pugilista, que continua imparável e sai pelo outro lentamente. De repente faz-se silêncio absoluto. Deus existe.

A aula decorre calmamente e tiro alguns apontamentos. O silêncio mantém-se. Demasiado silêncio. Um olho insiste em fechar e o outro em imitá-lo. Muito silêncio. O caderno cai ao chão e acordo sobressaltado. Fim da aula. As restantes aulas não variam muito desta perspectiva, sempre acompanhadas por um ou dois cafés amargos e sôfregos cigarros nos intervalos. Fim das aulas. Todos se dirigem para suas casas. Mas eu não. Possivelmente a pessoa em pior estado físico e com mais desejo de descanso é das únicas que ainda vai exercer um ofício. Nesta altura a ressaca já é confundível com o sono e posso afirmar, convictamente, que esta é uma fusão muito pouco aconselhável para quem tem pela frente seis horas de trabalho num local semelhante a um pardieiro, mas com um barulho infernal e pessoas com ataques de hiperactividade constante, que não primam pela descrição. Encaminho-me rapidamente para o autocarro, para mais uma esplêndida e animada viagem e chego ao trabalho absolutamente estafado. Pouco comi o dia todo e sinto algumas tonturas de fraqueza, mas só me resta tempo para me deliciar com um apetitoso petisco de uma máquina poeirenta e que, por vezes, “desvia” moedas. Optei por uma sandes e a máquina estava operacional, mas, quando a levo à boca, penso ter feito uma troca infinitamente injusta da minha moeda pelo bocado de pão seco, miseravel-

mente recheado. Começo a visualizar uma cerveja a levitar à minha frente a transmitir-me uma mensagem acolhedora: “empurra esse pão seco comigo que estou gelada!”. Noto que na sala de refeição estavam todos a olhar para mim de forma penetrante e algo estranha. O trabalho decorre com um sofrimento tortuoso e ingiro três cafés de golada no intervalo. Felizmente não adormeci, pelo menos que me recorde. Aproxima-se a hora de saída e parece que algo desperta dentro de mim. Uma vivacidade que não senti o dia todo apodera-se do meu ser, acompanhada de uma sede insaciável. Saio do trabalho repleto de energia e reparo que me enviaram uma mensagem com uma tentativa de me desencaminhar para um bar. Ia descansar mas já é tarde. Está uma temperatura convidativa e sinto uma necessidade desesperada de uma esplanada. Estou prestes a terminar a quarta cerveja e certifico-me, com uma promessa feita à minha consciência, de que a partir de amanhã não bebo e vou cedo para casa, até porque tenho alguns trabalhos para iniciar e vou estar num estado lastimável. Mas agora está na altura de me deliciar com um whisky. Com duas pedras de gelo, por favor. • António Celestino

Como te vês daqui a uns anos? Num pais tropical. Recta final: Qual é a tua opinião acerca do Colher? É importante finalmente existir uma plataforma apenas dedicado ao design em Portugal e que expõem também o trabalho de estudantes que só agora é que estão a começar. É bom como forma de divulgação assim como é bom ficar a conhecer o trabalho de colegas que actuam na mesma área.. também há muitos bons trabalhos e ideias no nosso pais. Antes de mais muito obrigado pela entrevista. Quais são as ultimas palavras para os leitores? Skate or die.


ilustração Marian, A Miserável

JUP — MAIO 2011 DEVANEIOS

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