JUP Julho 2010

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Jornal da Academia do Porto || Ano XXIII || Publicação Mensal || Distribuição Gratuita || Directores: Tatiana Henriques || Director de Fotografia: José Ferreira || Directora de paginação: Mariana Teixeira || Chefe de Redacção: Mariana Jacob

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|| Destaque 2 || Educação 6 || Sociedade 10 || JUPBOX 13 || U.Porto 14 || FLASH 16 || Desporto 18 || Estatutos 21 || Cultura 22 || Cardápio 28 || Opinião 29 || Devaneios 31 ||

Nos trilhos do inacessível

na Universidade do Porto


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Hoje é um dia como os outros. Levantas-te de manhã, sais de casa, há obras no passeio e é hora de ponta – tens de contornar, descer e subir, parar e voltar a andar. Apanhas o metro directo para a faculdade. Chegas à estação de desembarque e tens uma longa escadaria pela frente ou uns quantos degraus, no mínimo. A preguiça ocupa a mente de algumas pessoas que, ainda que não precisem, enchem o elevador. Nova confusão nas ruas. Chegas à faculdade mesmo à hora da primeira aula. Não, espera. Faltam-te mais umas quantas escadas e a sala é no 2 andar. O percurso é longo, mas fizeste-o rápido e despreocupadamente. Foi fácil. No entanto, para o Pedro

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médicos, o que revela a falta de conhecimento deles próprios acerca do meu caso”. Ainda benjamim, não percebeu as implicações da sua condição. “Quando entrei na escola primária, aí sim, percebi que era diferente e tinha muitas limitações no meu dia-a-dia. Mas o maior choque e as dificuldades em aceitar a deficiência foram surgindo com o passar dos anos e em particular na adolescência”. Pedro relata particularmente o dilema de sair com os amigos, em mais uma prova de que Portugal não está preparado para receber pessoas com mobilidade reduzida. “Tinha de me preocupar se havia casa de banho adaptada, se não havia degraus no sítio em questão e com o transporte à vinda para casa, pois trans-

a que me retraísse durante imenso tempo e hoje não tenho dúvidas em afirmar que sou uma pessoa mais amarga e com algum medo de conviver com os outros” - desabafa. Ele próprio criou uma barreira, desta feita ao contacto mais íntimo. “Ainda assim, de há uns 2 anos para cá, tentei adoptar uma postura diferente, encarar as coisas de forma positiva e tentar ignorar o preconceito, as barreiras arquitectónicas e os meus próprios receios. Acho que com esta atitude consegui alcançar uma paz espiritual, porque entendi que a deficiência não é tão castradora como pensava”. Mas a nível social e educacional esperavam ao Pedro ainda muitos desafios. As pessoas não sabem ainda lidar com

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As (In)acessibilidade A Universidade é para todos e a igualdade é muitas vezes o mote. Mas parece não estudantes, que vivem uma autêntica odisseia todos os dias. este percurso pode facilmente tornar-se numa encruzilha infindável. O Pedro, tal como tantos outros alunos da Universidade do Porto, tem dificuldades de mobilidade. A história deste estudante de Ciências da Comunicação começa cedo. “Aos 3 anos foi-me diagnosticado um tumor na medula que, apesar de ser benigno, já estava bastante desenvolvido”. Foi impossível a cirurgia não deixar sequelas que o impossibilitam de andar pelo próprio pé. Serve-se de uma cadeira de rodas que provavelmente continuará a acompanhá-lo, quem sabe, até ao resto da vida. Ainda assim, como o próprio refere, tem vindo a “recuperar de uma forma improvável, contrariamente aos prognósticos dos

portes públicos estão fora de questão e não queria estar a incomodar constantemente os meus familiares”, conta. O problema parece residir no facto de ainda não existir uma comunicação perfeita entre o mundo dos projectistas e o das pessoas que usufruem dos serviços deles. Porém, tanto os arquitectos como os engenheiros são obrigados a submeter as próprias obras a uma série de normas técnicas que se preocupam com as dificuldades motoras de alguns indivíduos. Mas parece não ser suficiente. E as barreiras não se ficaram por aqui. Todas as dificuldades por que passou influenciaram também a sua forma de encarar a vida, e os outros. “Todos estes entraves levaram

este tipo de situações. “Recordo especialmente um episódio que se repetia ano após ano nas aulas de educação física, onde era visível o pânico dos professores quando me viam ali equipado como qualquer outro aluno. Davam-me tarefas redutoras, trabalhos escritos que não lembravam ao diabo, o que não deixava de ser irónico, estando eles perante um jogador de basquetebol adaptado que integra os quadros da selecção nacional júnior... perdoemme a arrogância”. A entrada na Universidade Na Universidade esperavase maior sensibilidade a este tipo de casos, uma vez que Pedro paga propinas precisa


Os corredores da Faculdade ainda não estão preparados para pessoas com mobilidade reduzida

mente para ter os serviços de que necessita à sua disposição, assim como todos os outros alunos. Mas não foi assim. Tudo começou com a escolha do curso. Pedro pratica basquetebol adaptado há dois anos e meio. “O desporto foi sempre uma paixão. Recordo-me de desde os meus 5 anos assistir a todo o tipo de eventos desportivos pela televisão e de jogar futebol de gatas com os meus amigos. Uma carreira na alta competição é algo que ambiciono”. Foi esta ambição que levou a que a primeira opção, ao invés do Jornalismo, tivesse sido a Faculdade de Desporto. “Eu não tinha uma área definida, mas queria desporto”. O entrave é que “aqui em Portugal, exigem que seja com pro-

vas físicas e isso claro que não podia ser. Logo aí, barram a entrada a pessoas com deficiência”. Mas admite que isto “é uma contradição porque eles têm desporto adaptado no 3º ano, reabilitação e assim”. Decidiu-se então por Ciências da Comunicação, mas as dificuldades continuaram. “Antes de vir para a faculdade, a minha experiência pelas escolas por onde passei dizia-me com uma certeza quase matemática que o cenário também não ia ser animador no capítulo das acessibilidades. Antevendo isso mesmo, eu e os meus familiares fizemos uma visita à faculdade acompanhados pela engenheira Paula Oliveira e a Dra. Alice Ribeiro, responsável pelo estatuto do aluno com deficiência”. “O que retenho de essencial des-

estando avariados eu não consigo chegar lá. Tem de ser através do estúdio de rádio onde tem aqueles dois degraus, e eu preciso de ajuda para descer”. Normalmente são os colegas de curso que lhe dão uma “mãozinha”. “A avaria dos elevadores tarda em ser reparada. Por isso, tenho sido obrigado a recorrer à ajuda de colegas e até de professores para conseguir aceder ao anfiteatro quando aí se realizam exames. Fico naturalmente grato por essa disponibilidade em ajudar, mas é algo que não me agrada e me faz sentir dependente dos outros. Sempre fui habituado desde muito pequeno a ser completamente autónomo, desde a higiene pessoal a vestir-me, pois tenho familiares que pensam

Destaque

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Novo dia, novo desafio Actualmente, cada dia representa um novo desafio, ainda que as condições de mobilidade do Pólo de Ciências da Comunicação tenham melhorado bastante depois da chegada do Pedro Correia. Um desses desafios é almoçar. O Pedro não consegue ir à cantina, até porque só tem acesso por fora do edifício e o caminho é complicado de se fazer. O pólo de Ciências da Comunicação também não tem bar, por isso a faculdade não fornece possibilidades. Acaba por ter de levar almoço ou dirigir-se imediatamente a casa, em Gaia, após as aulas. O estudante nunca teve grandes problemas com as pessoas. “Discriminação nua e crua não posso dizer que

es na Universidade existir efectivamente. A prova disso é o condicionamento à mobilidade de alguns

Pedro Correia é aluno de Ciências da Comunicação

“O que retenho de essencial dessa visita é uma sugestão feita entrelinhas à minha mãe de que se calhar seria melhor procurar um curso mais “adequado” à minha condição física” pedro correia

sa visita é uma sugestão feita entrelinhas à minha mãe de que se calhar seria melhor procurar um curso mais “adequado” à minha condição física”. Para além desta situação incómoda, o cenário não era animador. “Havia uma série de degraus na entrada para algumas salas, os estúdios de rádio e televisão e a régie eram inacessíveis. Escrevemos uma série de cartas, encaminhámo-las para a reitoria, falámos com o professor Rui Centeno e foi feito o que foi possível”. O que é certo é que o estúdio de televisão continua inacessível, assim como a régie. Já para o estúdio de rádio “não há problema, basta ir pelo elevador que tem rampa”. Mas surgiu um novo entrave: o anfiteatro 2, “porque os elevadores

muito à frente do seu tempo. Mesmo os elevadores que estão em funcionamento, confesso que não me suscitam dificuldades, mas sei que uma pessoa com uma lesão de maior gravidade não tem o equilíbrio necessário para lhes conseguir aceder, pois são elevadores de porta”. Curiosamente, Pedro conta uma história semelhante à sua, mas com um final bem diferente. “Algo que me deixou igualmente perplexo foi saber que não era o primeiro estudante com deficiência a ingressar no curso e que uma aluna na mesma situação se via quase forçada a desistir por nada ter sido feito no sentido de dotar a faculdade das adaptações necessárias”.

senti, mas já me trataram com grande insensibilidade”, explica. “Lembro-me de uma ocasião, ainda no secundário, em que precisei de ir à casa de banho numa aula e a professora negou-me o pedido, dizendo que se eu não queria ser tratado de forma diferente dos outros, também não era aqui que o ia fazer. Não atendeu sequer à minha explicação de que a minha lesão implicava ir à casa de banho com maior regularidade”. À parte disso, “da parte dos colegas nunca houve uma atitude preconceituosa ou cruel, apenas o impacto natural de terem um colega diferente”. Na faculdade parece não haver problemas de maior, mas existe ainda uma certa curiosidade incomodativa. “Na


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faculdade, até então nunca senti discriminação por parte de colegas ou professores. A única coisa que me irrita, por vezes, é o olhar indiscreto dos estudantes, o que é altamente preocupante, já que afinal são estes os futuros jornalistas, aqueles que têm a incumbência de zelar por uma sociedade de direitos iguais”. Com os professores é o contrário. Não percebe como é possível haver uma serenidade tão grande em relação à existência clara destas diferenças a nível de acesso. “Sendo muitos deles [os professores] jornalistas, seria de esperar maior consciência social. Ficaria deliciado se um dia abrisse o jornal e lesse que um professor de uma qualquer universidade lutou arduamente, sem qualquer experiência pessoal com pessoas com deficiência, para que esta se tornasse um bem possível a todos”. “Tudo o que é edifício público não tem acesso” Mas Pedro garante que isto não acontece só na Universidade do Porto. “São tantos os edifícios públicos, que nem os consigo enumerar. Tudo o que seja edifício público não tem acesso”. Segundo o Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto, em “edifícios e instalações escolares e de formação” (Capitulo 3) os corredores deverão ter uma largura não inferior a 1,8m e os novos edifícios com vários pisos (destinados aos “formandos”) deverão incluir elevadores e rampas enquanto, no caso de edifícios existentes, como condição mínima é prevista “pelo menos uma sala de cada tipo acessível de nível, por ascensor ou por rampa”. Nas instalações que albergarão actividades sócio-culturais é estabelecida uma relação numérica entre os lugares “especialmente destinados a pessoas em cadeiras de rodas” e os restantes. Aliás, são previstas uma serie de normas particularmente favoráveis para a distribuição física desses

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Lembrando que, quando se fala de acessibilidade, temos que a entender num sentido quanto mais possível geral, ou seja: para cidadãos de mobilidade completa ou condicionada. O que falta é só descobrir porque, ainda hoje, não sempre temos uma esperada... sensação de acessibilidade. lugares, tendo também em conta intervenções em salas já existentes. Lendo as disposições contidas no mesmo decreto, é possível chegar à conclusão de que existem instrumentos (perfectíveis) para tornar acessível o mundo arquitectónico no qual vivemos. Lembrando que, quando se fala de acessibilidade, temos que a entender num sentido quanto mais possível geral, ou seja: para cidadãos de mobilidade completa ou condicionada. O que falta é só descobrir porque, ainda hoje, não sempre temos uma esperada... sensação de acessibilidade. Nada disto constitui uma novidade, mas é surpreendente como estes problemas básicos ainda persistem. Segundo Pedro, “trata-se de uma questão de mentalidade. Os outros países fizeram jus à máxima da sociedade inclusiva, Portugal escolheu fechar as pessoas com deficiência em casa”. O problema parece então não residir apenas na mobilidade e na acessibilidade, “em Portugal, é muito difícil ser bem sucedido numa cadeira rodas e, sobretudo, sê-lo com a nossa sanidade mental intacta. É preciso uma força devastadora, um apoio incondicional daqueles que nos rodeiam para enfrentar uma sociedade que se diz inclusiva, mas prefere a compaixão à preocupação com as pessoas com deficiência e só esta última conduz a acções concretas”. Como o próprio refere, por tudo isto, o futuro não se avizinha cor-de-rosa. “Pretendo ingressar num campeonato

estrangeiro mal termine o curso e conciliar o jornalismo com a actividade desportiva. Se tal não for possível, não tenho dúvidas que a escolha recai sobre a carreira como basquetebolista, pois a longevidade de um atleta é curta e há que aproveitar as oportunidades. Mas a percepção geral das pessoas é de que o desporto de alta competição para pessoas com deficiência é uma miragem e verdadeiramente aborrecido de se assistir. Os portugueses vêem-no como uma espécie de obra de caridade com que a sociedade brinda os deficientes. Não é assim. Na vizinha Espanha, onde o campeonato é profissional e milita Hugo Lourenço (jogador português), as pessoas enchem os pavilhões e conseguem ver além das fachadas, ou seja, em vez de se preocuparem com a deficiência de A, B ou C, querem é ver basquetebol de qualidade e a espectacularidade do choque e da velocidade das cadeiras, ingrediente extra que torna a modalidade fascinante. Para se ter uma ideia da dimensão mediática que o basquetebol adaptado atinge, os jogos são transmitidos pela televisão, realidade impensável no pequeno Portugal”. A esperança de uma nova mentalidade Ainda assim, espera-se que ao longo do tempo, os portugueses comecem a preocupar-se com estes problemas reais e presentes na vida de todos. A verdade é que estas situações não passam despercebi-

das aos colegas que convivem diariamente com alunos de mobilidade condicionada. Mariana Ferreira, estudante do 2º ano de Educação Social, convive diariamente com pessoas de mobilidade reduzida que, tal como Pedro, “demonstram sentir-se, no geral, um pouco revoltados com a existência de barreiras arquitectónicas que lhes impossibilitam a realização de algumas das actividades quotidianas, autonomamente”. Mas tal como Pedro, Mariana constata que o problema não se detém apenas na Universidade. “A cidade do Porto é ainda possuidora de muitos entraves que influenciam negativamente as pessoas portadoras de mobilidade reduzida”. A UP e o IPP têm conferido uma importância superior à criação de estruturas de apoio a estudantes com pouca mobilidade, tal como a estudante afirma, “penso que esta é uma preocupação

crescente e cada vez mais tomada em consideração. Não são as pessoas com incapacidades motoras que tem de se adaptar ao meio, mas o meio que tem o dever de se adaptar a estas pessoas. Relativamente à Escola Superior de Educação, esta possui as infra-estruturas mais adequadas desde, elevadores em todos os edifícios (com acesso a todos os pisos), rampas de acesso, casas de banho adaptadas, entre outros.” A aluna da ESE, afirma no entanto que também existem alguns problemas, mais ligados com os recursos humanos, “visto que, por vezes, este tipo de incapacidades leva a que seja necessário o acompanhamento [dos alunos com deficiência] por uma funcionária”. liliana pinho júlia rocha mariana catarino


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O olho do arquitecto - Como age, e pensa, quem deveria criar espaços mais acessíveis. “A cidade do Porto é ainda possuidora de muitos entraves que influenciam negativamente as pessoas portadoras de mobilidade reduzida” mariana ferreira

O homem com deficiência motora nunca é a base de um projecto de arquitectura. Nunca se pensa num espaço em função daquele tipo de homem, ao menos em casos específicos (hospitais, centros de saúde ou de assistência etc.) ou quando o projectista é chamado explicitamente para adequação do edifício às normas técnicas de acessibilidade. Temos decretos para ser respeitados - e que são respeitados - mas em geral um arquitecto tem quase sempre como referência um homem privado de particulares problemas físicos. Não é uma daquelas tantas manias que, por vezes, constroem a fama dessa categoria: trata-se simplesmente de uma questão cultural. Existe a possibilidade de explorar por inteiro o problema da acessibilidade quando, por

exemplo, um cliente “debilitado” pede a construção de uma casa completamente acessível. Nesse caso, o arquitecto não poderá escapar ao assunto e, aliás, a particularidade do tema será provavelmente o leme para arguir o seu próprio engenho. Foi o que aconteceu ao arquitecto da Casa da Música do Porto, o holandês Rem Koolhaas, com o projecto para uma habitação em Bordeaux. O cliente era uma pessoa que tinha sofrido um acidente de viação e desde então necessitava de uma cadeira de rodas. A particularidade do projecto foi a criação de uma plataforma “habitável” que atravessava verticalmente os vários andares da casa por meio de um sistema hidráulico. Portanto era de facto o espaço (ou uma sua parte significativa) que mudava de configuração para se adequar às exigências do habitante e das suas dificuldades. Nos espaços e nas construções públicas, que devem prestar-se ao uso de milhares de pessoas ao longo do dia, não se aplica o mesmo tipo de princípio. Os indivíduos que sofrem de limitações (motoras ou de outro tipo) parecem constituir um número exíguo da população nacional e portanto, além do respeito das normas técnicas do caso, os arquitectos não sentem o dever de ir mais além. Por vezes, são os próprios arquitectos a queixarse de um excesso de regulamentos. Por exemplo, voltando ao campo habitacional, o arquitecto Souto de Moura numa recente entrevista publicada pela revista Archinews relata que “os promotores fazem as casas como exige a lei para os deficientes e depois não as vendem. As pessoas não gostam.”. Temos de fazer de tudo para não tornar a arquitectura uma luta entre direitos marcada por normas e disposições. Óbvio que não se pode incentivar a anarquia mas, se aos arquitectos fosse deixada maior liberdade de acção, eles poderiam recompensar respondendo ao estímulo de criar uma arquitectura mas “especifica”. Se os arquitectos andam geralmente à procura de novos desafios, porque não tentar criar uma arquitectura mais à medida de pessoas com deficiência e ao mesmo tempo cativante para as pessoas ditas “normais”? Edgardo Cecchini


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Estudantes, exames e stress de m SUORES FRIOS, TREMURAS E MÁ DISPOSIÇÃO. O STRESS É O MAIS ASSÍDUO Para ti que és estudante, a fase de exames tem muito que se lhe diga. Ficas em stress. Tu e os que convivem contigo. O teu quarto mais parece um cenário de guerra, os teus pais arranjam motivos absurdos para discutir contigo, os teus horários ficam todos trocados. As dores de cabeça atacam-te constantemente, choras compulsivamente sem nenhum motivo aparente, o teu coração bate demasiado rápido e as mãos transpiraram disparatadamente. Como admite a Marta Costa, aluna da Faculdade de Letras, a época de exames é uma fase em que se sente “muito mais ansiosa”. É normal.

“há períodos em que tenho de tomar algum medicamento para conseguir dormir melhor”, Marta Costa O acumular destes pequenos factores destabilizadores leva a uma sobrecarga no nosso organismo. A origem do stress. Esta tensão nem sempre é negativa, uma vez que os estudantes se mostram empenhados e envolvidos na realização das suas tarefas e muitas vezes tornamse mais produtivos. Mas tudo o que é em excesso é prejudicial. E afigura-se a situação mais complicada: lidar com o stress e aprender a tirar partido dele. É verdade que “parece que os dias encolhem. Deixo de ter tem-

po para fazer tudo aquilo que preciso fazer”, esclarece Marta. Embora normalmente a solução encontrada por alguns estudantes passe por métodos pouco ortodoxos, podemos garantir-te que os medicamentos, as vitaminas e os complementos por si só não são solução. Mergulhar os pés em água fria para não adormecer também não. E os fósforos nos olhos já passaram de moda. Na maior parte dos casos, dar uma boa gargalhada todos os dias é o suficiente. Uma rotina saudável contra o nervosismo e a ansiedade Mas uma vida saudável é o ideal para combater o stress. Uma vez que estás predisposto para estudar, começa por acorda mais cedo e aproveita melhor as manhãs. Toma um duche revitalizante e um bom pequeno-almoço. Escolhe a fase do dia em trabalhas melhor para fazeres os projectos que exigem mais concentração e criatividade; faz uma lista de prioridades e tenta cumpri-la. A Marta garante que ajuda. “Dáme sempre algum descanso saber que se cumprir as metas estipuladas o exame me vai correr bem”. Marta conta ainda que “há períodos em que tenho de tomar algum medicamento para conseguir dormir melhor” mas este não é um caso de auto-prescrição. “Sempre tive problemas de ansiedade, então falei com o meu médico de família em relação a isso. É um medicamento muito leve, é mesmo só para acalmar”. Nestes casos, pode ajudar. Mas apenas com prescrição médica. Ao fim do dia toma um banho demorado e relaxa; fala com as pessoas mais próximas de ti para não deixares acumular a tensão. Não te isoles. A Marta não concorda. “Nunca fui adepta do estudo em grupo”. Na época de exames, “isolo-me bastante. Faço-o apenas porque

me distraio facilmente com os outros. Mesmo que diga que apenas vou tomar um café e vou fazer uma pausa de 30 minutos, acabo sempre por perder uma tarde inteira. Sou bastante autoritária comigo mesma”. A verdade é que os teus amigos, ainda que muitos possam acreditar ser um factor de desconcentração, são essenciais. Aproveita que têm todos o mesmo objectivo e promove a entreajuda. É necessário apenas alguma responsabilidade e vontade. O autoritarismo pode ser usado para impor um estudo rigoroso em grupo e não propriamente um isolamento. Outro elemento essencial na fase de exames é a nutrição. Marta admite que se descuida um pouco com a alimentação. “Sou capaz de saltar algumas refeições para estudar. Em época de exames, os cereais são os meus aliados.” A alimentação é fundamental para a assimilação de conteúdos Os cereais não são maus de todo, até porque são essenciais. Mas não chegam. O ideal é ter uma alimentação equilibrada e rica em hidratos de carbono de absorção lenta, também conhecidos como açúcares lentos ou amidos (devem contribuir com cerca de 55 a 60% do total das calorias ingeridas diariamente). É o caso dos cereais e derivados como o pão, arroz, milho, cereais de pequeno-almoço, massas e outros, das leguminosas (feijão, grão, ervilhas, lentilhas, favas), da batata e das frutas e legumes. Ingerir alimentos destes a todas as refeições, garante que será posta em circulação e de forma contínua, a glicose necessária para o cérebro. Se na época de exames é normal exigimos mais do nosso cérebro, é muito importante manter os níveis de glicose estáveis. Como?

Fazendo várias refeições por dia com um intervalo máximo de 2,5-3 horas, de pequeno volume para não sobrecarregar o estômago, impedindo que surja um estado de sonolência, mas que por outro lado permitam manter o poder de concentração. Também os alimentos ricos em Ómega 3 são aconselháveis nesta fase, uma vez que aumentam os níveis de memorização. A cafeína, ao contrário do que a maioria dos estudantes pensa, deve ser reduzida na dieta dos estudantes, visto que aumenta o nervosismo e acelera o batimento cardíaco. Outro factor importante que por vezes passa despercebido é a ingestão de líquidos, preferencialmente água, chás e infusões. Ao manter uma boa hidratação vamos garantir um melhor funcionamento do cérebro. Praticar desporto é também uma mais-valia, contudo para os que não têm este hábito uma caminhada pode ajudar. O exercício físico ajuda a que seja segregada serotonina (também conhecida como a “hormona do bem-estar”) durante o sono. Neste caso, Marta é exemplar. Costuma “beber muito chá e fazer alguns exercícios de relaxamento”, que ajudam “sobretudo a descansar e a dormir melhor”. As directas – o teu pior inimigo Quanto às horas ideais para estudar, essas variam de pessoa para pessoa, contudo há um erro frequentemente cometido na época de exames - as directas. Não são nada aconselháveis nem tão pouco deverão ser um recurso. O cérebro e o resto do corpo precisam de tempo de repouso para se reconstituírem. Ao efectuar uma directa vamos acabar por acumular horas de repouso no dia seguinte fazendo com que haja uma grande quebra de rendimento. Marta dá o

exemplo. “Se não dormir o suficiente passo o dia seguinte ensonada e acabo por não cumprir os objectivos que estabeleci”. A estudante admite que não consegue estar sem estudar no dia anterior. “Na véspera do exame opto por dar uma vista de olhos e consciencializar-me daquilo que realmente sei. Faço bastantes esquemas no meu estudo que acabam por ser bastante úteis no dia anterior ao exame”. Ainda assim, não descura do descanso e opta sempre por “uma boa noite de sono, sem dúvida alguma”. Ainda assim, e como Marta refere, é algo relativo. Há pessoas que se dormirem pouco não têm problemas em estudar no dia seguinte. É algo que depende bastante do aluno em questão”. A boa notícia para os que gostam mais de estudar à noite, é que se a matéria for estudada antes de dormir, vai ficar memorizada mais facilmente pelo simples facto do cérebro ter tempo de “arrumar” a matéria de forma organizada evitando as falhas de memória. “Em relação à convivência (ou falta dela), mais uma vez acredito que é relativo. No meu caso,


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mãos dadas até meados de Julho DURANTE A ÉPOCA DOS EXAMES, MAS NEM TODOS SABEM LIDAR COM ELE. é algo indiferente. No entanto, acredito que seja prejudicial naqueles casos em que os alunos estão habituados a ter uma vida social bastante activa e, de um momento para o outro, trancamse em casa a estudar”, constata. Ainda assim, não passes o dia todo colado à cadeira. Tira 5 minutos para ti. Dança, canta, vai arejar. A Universidade oferece alternativas Se não te sentes à vontade para o fazer, existe sempre alguém para te receber. Os Serviços de Acção Social da Universidade do Porto têm à disposição de qualquer aluno da Universidade um Gabinete de Psicologia que pode ajudar a resolver alguns dos teus problemas e mesmo ajudar a criar alguns métodos de trabalho mais eficazes. Existe ainda um gabinete de apoio em cada faculdade. Na Faculdade de Engenharia, por exemplo, existe a Unidade de Orientação e Integração. Da responsabilidade da Dra. Helena Lopes, tem como objectivo o apoio psicológico aos alunos, o aconselhamento vocacional e a formação. Mas caso não te sintas à vontajosé ferreira

de para pedir ajuda de terceiros, temos outras opções. Para quem gosta de estudar com música, é importante evitar as músicas com grandes batidas por minuto pois estas vão colocar o sistema auditivo em permanente alerta, o que pode ajudar a prejudicar o estudo. Ouvir música erudita (clássica) pode ser uma fonte de calma. “Yoga e Exames sem Stress” Ou segue o exemplo da Marta e faz alguns exercícios de relaxamento. Talvez Yoga. Esta é uma sugestão do Departamento Jovem da Confederação Portuguesa do Yoga, que tem levado a cabo a iniciativa “Yoga e Exames sem Stress”. Com apenas uma toalha e uma roupa confortável, as aulas ajudam a aliviar o stress e encarar os exames com mais calma. As aulas são gratuitas, estão abertas a alunos e professores e permitem aos participantes experimentarem técnicas do Yoga (que equivalem a várias horas de sono), permitindolhes assim estudar e trabalhar durante mais tempo e de forma mais lúcida e produtiva. A iniciativa conta com o apoio das instituições de Ensino Superior que acolhem as aulas, bem como das autarquias locais. A primeira aula na Academia do Porto decorreu a 18 de Maio no relvado da Faculdade de Engenharia. Levar uma rotina com alguns cuidados é suficiente. E até pode ser muito agradável. O teu corpo agradece, e os resultados compensam. E Marta finaliza: “O importante é alimentar as nossas necessidades e estabelecer sempre um equilíbrio no nosso dia-a-dia”.

liliana pinho josé ferreira


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miguel ramos

YES Meeting terá lugar nos dias 24,25 e 26 de Setembro

O Young European Scientist Meeting, é um encontro internacional de jovens estudantes organizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Ocorre ainda na Fundação Eng. António de Almeida. Como refere o presidente do evento no site respectivo, o projecto surge com três objectivos principais: a educação de estudantes de Biomédica, a apresentação de trabalhos académicos de

investigação nesta área e a criação de uma rede de estudantes em todo o mundo. Tem como público-alvo os estudantes pré-graduados de Biomedicina e de áreas associadas. É um evento organizado por estudantes para estudantes. Para participares e apresentares o teu trabalho, a data limite de submissão do abstract é 30 de Junho. Caso pretendas apenas assistir ao evento, a data limite é dia 1 de Setembro.

O YES Meeting começou em 2006 e vai já para a quinta edição, nos dias 24, 25 e 26 de Setembro. É constituído por diversas sessões, palestras, workshops, apresentações de alunos e uma série de actividades para todos os gostos. Algumas das áreas abordadas são, por exemplo, a evolução na Medicina ou a Terapia Oncológica. Em cada área abordada, o YES Meeting pretende conceder aos participantes a oportunidade de aprender de uma forma diferente – mais informal e através da troca de conhecimento e experiências. Possibilita ainda que os estudantes apresentem os seus trabalhos, promovendo a investigação entre o público académico. Este ano centram-se em temas como a Oncologia e a Biologia Molecular ou a Medicina Clínica. Mas o Yes Meeting dá ainda primazia à componente social deste encontro, fomentando diversas actividades culturais, como visitas pela cidade e passeios de barco, que complementam a parte científica. O programa e mais informações em http://www.yesmeeting.org/

O YES Meeting volta já em Setembro com mais formação e troca de experiências Entre 24 e 26 de Setembro, o YES Meeting marca novamente presença na Faculdade de Medicina e promete trazer novidades.

O JUP vai de férias... ... mas volta contigo às aulas em Setembro! Contamos contigo para colaborar com o JUP! Para saberes mais vai a: http://issuu.com/jup_njap http://espacosjup.blogspot.com/ http://www.facebook.com/group.php?gid=89130608991&ref=ts

direito de resposta Direito de resposta ao artigo “8ª Mostra da Universidade do Porto”, publicado na edição de Abril/Maio: A organização da participação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FCEUP) esteve a cargo de Sofia Marques da Silva e Inês Nascimento, bem como o projecto “Olha p’ra dentro e faz-te ao mundo”. A caixa preta, resultado final do projecto, teve a responsabilidade de Sofia Marques da Silva do lado aberto da mesma, enquanto Inês Nascimento assumiu a organização dentro da cabine fechada.


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Nunes Ferreira é o novo Provedor do Estudante da Universidade do Porto O novo provedor tomou posse no passado dia 28 de Maio. Para o Professor Nunes Ferreira, o provedor complementa o trabalho feito nas unidades orgânicas. direitos reservados

Fernando Nunes Ferreira é professor Catedrático da Faculdade de Engenharia no Departamento de Engenharia Informática desde 1993. Realça que os problemas devem ser resolvidos junto dos docentes nas faculdades, recorrendo apenas em último lugar ao provedor do estudante. Contudo a sua função não deixa de ser importante e fulcral na Universidade a nível de recepção e resolução dos problemas dos estudantes. A Provedoria do Estudante, criada em 2002, tem como objectivo defender os direitos dos estudantes da UP. Cabe ao Provedor tentar resolver possíveis situações de conflito que envolvam os estudantes. Para ter a ajuda deste órgão da Universidade do Porto, os estudantes podem apresentar sugestões e queixas, que estejam relacionadas com a universidade. Outra das funções do Provedor do Estudante é elaborar um relatório anual, onde descreve a actividade que desenvolveu e onde constam dados como o número de queixas recebidas e sobre o que dizem respeito. Isto tudo é feito de modo garantir compromisso de confidencialidade entre o Provedor e os estudantes que a ele recorrerem. Esta e outras considerações sobre as funções do Provedor estão presentes no Regulamento do Provedor do Estudante da Universidade do Porto. De acordo com este documento, o Provedor deve oferecer um bom ambiente para conseguir ter uma discussão informal e calma com os estudantes que lhe apresentem os seus problemas. Para além disso, deve analisar as reclamações e enviar recomendações para resolver as situações conflituosas. Mas também existem algumas coi-

Professor Nunes Ferreira é o novo Provedor do Estudante

sas que o Provedor não pode fazer. Entre elas está o facto de este não poder decidir quem é culpado ou inocente, nem poder dar aconselhamento jurídico, nem pode intervir nos resultados concretos da avaliação escolar dos estudantes. Este pode ser procurado quando, em situações de conflito, os intervenientes não encontram soluções possíveis. Mais concretamente, deve ser consultado o Provedor quando há dificuldade na relação com os docentes ou com outros estudantes.

De destacar que a altura que os estudantes mais recorrem à figura do Provedor do Estudante é na inscrição em exames e lançamento de notas. Quem pretende recorrer os seus serviços, o Provedor do Estudante pode ser contactado através do e-mail disponibilizado. provedor@reit.up.pt. Fernando Nunes Ferreira sucede a Maria de Lurdes Correia Fernandes. IRina ribeiro e júlia rocha direitos reservados


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Liberdade de andar de mãos dadas Com a chegada da Marcha do Orgulho LGBT Porto, no próximo dia 10 de Julho, o JUP foi falar com estudantes homossexuais e saber como é a vida dentro e fora da Universidade. São noites de Verão empenhadas na organização da Marcha Orgulho LGBT Porto (MOP). Em dias do Mundial de futebol ainda se ouve os gritos dos adeptos nos Aliados, mas é na rua do Almada que se reúnem as associações que dão vida a uma das maiores celebrações da comunidade LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Trangéneros – do Porto. As reuniões realizam-se na sede da SOS Racismo. Marta Pereira, uma das responsáveis, explica que a associação considera todas as formas de discriminação são condenáveis, o que os leva a apoiar a luta pela defesa do universo LGBT. É necessário chocar de forma positiva: “Vir para a rua é uma forma de confrontar as pessoas, além de dar visibilidade à comunidade LGBT”, defende a activista. Passar à acção directa Pedro Varela, de 19 anos, é outro dos participantes na reunião. Estudante de Sociologia na Faculdade de Letras da UP, assumiu a sua homossexualidade aos 15 anos. Está aqui em representação do Bloco de Esquerda, embora faça também parte das actividades dos Panteras Rosa, um movimento não institucional que actua em campanhas de acção concreta. No Verão passado, por exemplo, manifestaram-se contra o Ministério da Saúde devido à polémica de homossexuais que foram proibidos de doar sangue no Hospital Santo António do Porto. Tiago Braga, dos Panteras Rosa, também considera que é preciso sair à rua para defender os seus direitos. “O trabalho dos Panteras é mesmo de acção directa, de dizer ‘isto está mal, queremos outra coisa’”, explica. O movimento não se conforma apenas com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que foi um “meio avanço”, e admite que ainda há muito tra-

balho a fazer, por exemplo, para a legalização da adopção por casais homossexuais e a lei de identidade de género, que permitirá aos transexuais mudar o seu nome e identidade sexual nos documentos oficiais. Mesmo os que não fazem parte de associações participam nas actividades organizadas. É o caso de Rita, 19 anos, estudante de Tecnologias de Comunicação Audiovisual (TCAV) na ESMAE. “Faço sempre questão de ir à Marcha. É um momento muito bonito e é a luta por algo que me diz respeito e que pode influenciar a minha vida futura”, explica. Pedro Varela explica que a acção pode passar por outras actividades de sensibilização, como sessões de poesia ou a apresentação de livros infantis que contam a história de duas princesas. “É o conjunto do trabalho que tem vindo a chamar a atenção dessas temáticas”, considera o estudante de Sociologia.

Homossexualidade na universidade O ambiente universitário parece não oferecer grandes resistências aos estudantes homossexuais. “Nunca fui gozada ou mal tratada, basicamente tenho uma vida universitária igual à de qualquer estudante”, explica Rita, que acrescenta que isso também está relacionado com o facto de frequentar cursos em que as pessoas têm, tendencialmente, uma mentalidade mais aberta, na sua opinião. Rita fez o seu “coming out” (assumir a sua orientação sexual perante os outros) há cerca de quatro anos com todo o apoio dos amigos, muitos deles também homossexuais. Helena Costa, de 19 anos, é estudante de Turismo no Instituto Superior de Administração e Gestão de Gaia (ISEG). Apesar de se ter assumido como bissexual aos 16 anos e ter percebido com relativa naturalidade que gostava só de raparigas

há menos de um ano, explica que a maioria dos colegas aceita sem problemas quando lhes conta que é lésbica, embora ainda haja quem ache que é uma coisa errada e para outros seja, simplesmente, indiferente. Carla Barbosa é estudante de Psicologia na FPCEUP e tem uma amiga que se declarou lésbica há quatro anos. Explica que a amiga “num primeiro momento escondeu, mas depois, quando disse que afinal não tinha um namorado mas uma namorada, foi exactamente igual”. Para a futura psicóloga, o importante é que as pessoas encontrem a melhor maneira de serem felizes. Achou escandaloso quando descobriu há pouco tempo que conhecia jovens universitários tão preconceituosos como pessoas mais conservadoras ou mais velhas. “Acho perigoso, sendo nós a próxima geração a integrar o mercado de trabalho, que ainda haja discriminação baseada nas preferências sexuais”. Parada Gay a descer a rua Passos Manuel, no Porto

direito reservado

Apesar de nunca negar a sua sexualidade, Pedro Varela assumiu-se “oficialmente” perante todos os colegas da turma apenas quando participou numa reportagem televisiva sobre homossexualidade. Não teve problemas sérios de discriminação, apesar de saber que alguns colegas não aceitam totalmente a sua orientação sexual, pela forma como foram educados ou por causa da sua religião. Rosilda Portas é cristã e já era avó quando decidiu tirar o curso de Sociologia, onde conheceu Pedro e outros colegas homossexuais. A Igreja Luterana, da qual Rosilda faz parte, baseia-se na Bíblia para defender que a homossexualidade não deve ser praticada, apesar de acolher com alguma compreensão os que têm essa tendência. No entanto, Rosilda pensa que a compreensão deve ser mais profunda, na medida em que “não nos cabe julgar”. Pergunta-se sempre como seria se fosse o caso de um dos seus filhos, e confessa que isso a faz ”ver a situação de forma mais tolerante. Sem incentivo, mas também sem crítica e, principalmente, sem querer afastar essas pessoas.” A estudante pensa que a aceitação depende dos valores incutidos através da educação de cada pessoa. Explica ainda a dificuldade que tem em lidar com a situação actual de transição na sociedade, por exemplo, na altura de explicar aos netos o que é a homossexualidade: como explicar que é permitida e que deve ser respeitada, ao mesmo tempo que não vê o casamento como uma opção válida? Meios de quebrar barreiras A mudança de mentalidades é muito lenta. Alguns, como Rita, acreditam que iniciativas públicas como a Marcha ou a simples acção de um casal homossexual que passeia de mãos dadas são passos igualmente importantes para lutar contra


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Acho perigoso, sendo nós a próxima geração a integrar o mercado de trabalho, que ainda haja discriminação baseada nas preferências sexuais. carla barbosa preconceitos. “É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”, defende a estudante de audiovisuais. Para Catarina Castanheira, uma das representantes da Juventude Socialista na organização da Marcha, o caminho da aceitação passa largamente pela via legal. A estudante da Faculdade de Ciências da UP considera que “o que tem mais efeito são as medidas que são tomadas na lei”. Explica que, depois da aprovação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, notou-se mais à-vontade entre as pessoas, levando muitos homossexuais em mostrar-se mais abertamente, “havia mais casais a andar de mãos dadas na faculdade”. Contudo, a estudante da FCUP também reconhece que é necessário sair à rua: “Há aquelas pessoas a quem custa mais, que até se sentem mal por terem esse preconceito, mas foi assim que foram habituadas”. Catarina acredita que os homossexuais devem mostrar-se, pois é esse o caminho para a aceitação por parte das outras pessoas. “Fico contente porque daqui a alguns tempos as pessoas não têm sequer que pensar que têm esse direito, já vai ser uma coisa natural”, espera a jovem. Para João Paulo, fundador e editor do site PortugalGay.pt, todos estes factores são complementares. “Todo o trabalho ao longo de todos os anos são degraus que subimos e às vezes atingimos alguns patamares, como o casamento homossexual”, explica. Apesar de haver ainda muito preconceito, João confessa que o apoio, muitas vezes, vem de onde menos se espera. Na primeira festa do Porto Pride, em 2001, no Porto Rio, João saiu “com receio porque foi a primeira vez que se fez um evento gay de forma aberta, declarada, e tenho consciência da ci-

dade onde vivo. E foi precisamente o contrário daquilo que pensava”, relembra. O editor do PortugalGay conta que recebeu imenso apoio moral, havendo muitos jovens para quem a festa foi “mais um passo, mais um degrau que subiram”. João Paulo recorda ainda que, quando foi feito uma espécie de barómetro no mercado do Bolhão por altura da primeira Marcha do Orgulho LGBT no Porto, as pessoas reagiam ao facto de se ter decidido organizar a MOP só depois da morte da Gisberta (transexual assassinada em 2006). “Porque só agora? Foi preciso aqueles rapazes terem feito o que fizeram?” Casamento homossexual João reconhece que o alargamento do direito ao casamento para casais homossexuais é um passo importante na vida destes, permitindo pensar nas relações como um projecto de vida. Rita, estudante da ESMAE, concorda plenamente com a ideia, pois a orientação sexual não retira – ou não deveria retirar – direitos aos cidadãos. A estudante afirma que, já que “as famílias deveriam ser formadas com base no amor e no apoio mútuo entre um casal, porque é que os casais homossexuais não podem ver a sua situação oficializada? O amor é o mesmo!”. Quando perguntamos o que pensa um jovem de 19 anos em relação ao casamento, Pedro responde que a alteração da lei tem um significado simbólico. O facto de a lei existir não significa que o casamento passe a ser necessariamente uma hipótese, mas é um factor que traz

xuais. André Almeida tem 20 anos e frequenta um curso profissional na Escola Secundária da Maia. É homossexual assumido desde os 16 anos. André é contra a aprovação da lei da adopção por casais homossexuais, pelo menos por enquanto: a sociedade ainda não está preparada para aceitar crianças de pais que ainda são considerados diferentes. “A primeira ficha que toda a gente recebe é para preencher com o nome do pai e da mãe, a partir daí já começa mal. A criança torna-se ridícula perante a comunidade da escola”, defende o estudante.

é diferente causa-nos dificuldade de aceitação. Além da dificuldade em terem de aceitar, também é saber o sofrimento que poderá vir daí”. Foi no sentido de defender o futuro dos seus filhos que foi criada a Associação Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual. A AMPLOS procura esclarecer e promover a aceitação da homossexualidade entre pais que descobrem a orientação sexual dos filhos e também por parte das outras pessoas. A AMPLOS nasce, assim, da preocupação em criar condições para que os filhos sejam aceites pela sociedade.

A reacção dos pais Se os problemas surgem na escola, assumir a homossexualidade também não é fácil em família. Como em alguns exemplos acima, a aceitação dos pais nem sempre é pacífica. Rita, a estudante da ESMAE, pensa que é necessário existir uma certa estabilidade emocional e até uma independência para que os pais não pensem que é “só uma fase”. Explica: “já tive simplesmente demasiados exemplos de amigos e conhecidos para saber que esperar nunca fez mal a ninguém”. Pedro Varela conta que não teve problemas mais sérios com os pais, mas acha natural que, no início, a reacção seja “contrariar a tendência”, chamando a atenção para pessoas do sexo oposto na esperança que se interesse por elas. O estudante compreende que existem certas expectativas criadas pelos pais – que os filhos cresçam, casemse e sejam felizes, criando também os seus filhos – que podem entrar

“Coming in” Aceitar a homossexualidade pode ser difícil também para quem começa a tomar consciência da sua orientação sexual. Pedro Varela explica que, para além da pressão para não quebrar as expectativas dos pais, existe a própria dificuldade em pensar num futuro diferente daquilo que se considera “normal”. Para Rita, o “coming in” (o período de aceitação pelo qual um indivíduo passa para tomar consciência da sua homossexualidade) pode ser complicado, especialmente quando, mesmo dentro do universo LGBT, somos diferentes dos outros. “No mundo heterossexual, se somos ligeiramente ‘desligados’ ou difíceis de agradar, não deixamos de ser heterossexuais. Mas e se isso acontece quando já nos afirmamos como homossexuais?” Rita acha que a sua experiência deixa abaixo o preconceito de que o meio homossexual gira à volta de sexo. E explica: “Descobri que lá porque não somos ou temos a necessidade constante de ser sexualmente activos, não quer dizer que não estejamos abertos para encontrar alguém que nos complete”.

Reunião do MOP

marcha do Orgulho LGBT Porto A MOP nasceu em 2006, fruto da iniciativa de alguns movimentos já existentes. A organização tem vindo a crescer e, apesar de muitos mais movimentos se juntarem à Marcha no dia 10 de Julho, são estas as associações que fazem desta MOP a maior de sempre. Bloco de Esquerda Caleidoscópio LGBT CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos Grupo Identidade xy - Sindicato unificado da Polícia Juventude Socialista Mica-me Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia Partido Humanista Poly-Portugal Ponto Bi PortugalGay.pt REDE PJIOMH - Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores SOS Racismo UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta Para saber mais sobre a MOP, consulta o site www.orgulhoporto.org

aline flor

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segurança para pensar num futuro com menos preocupações. Um futuro por preparar Pensar no futuro é uma das partes mais complicadas para os homosse-

em conflito com a “nova realidade”. Rosilda Portas, que já é avó, explica que a maior dificuldade para os pais pode não ser apenas a sexualidade dos filhos, mas a preocupação com o seu bem-estar: “Tudo o que

“É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”. rita Rita laValérie


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Descobrir o Porto sobre rodas Pelos caminhos desta cidade, contando histórias, desvendando segredos, uma viagem de autocarro pode-se revelar uma agradável descoberta. Porque há sempre mais Porto para conhecer. Sé do Porto é um dos locais mais apreciados pelos turistas

daniela teixeira

A Avenida dos Aliados num dia do fim do mês de Maio, às nove e meia da manhã é dos turistas e das pessoas que correm apressadas de pasta na mão. Sandálias nos pés, óculos de sol na cabeça, máquina fotográfica ao peito: o Porto é uma cidade prestes a desbravar. O funcionário do posto de City Sightseeing Tour estende longos mapas desdobráveis, fala inglês e esbraceja. Na Rua Infante D. Henrique o autocarro que se prepara para iniciar a rota “Porto das Pontes” conta já com algumas pessoas. Os passageiros ligam os headphones oferecidos pelo condutor do autocarro ao banco da frente. A história do Porto pode ser ouvida em seis idiomas diferentes. Percorrer as diferentes faixas é um exercício engraçado. A viagem está prestes a começar. A Ponte D. Luís é a primeira atracção do roteiro. A história da ponte sopra ao ouvido dos passageiros. O trajecto segue pelas pontes D. Maria, do Infante e do Freixo. Avista-se o Museu de Imprensa, o autocarro pára para

entrarem mais passageiros. O autocarro entra agora na via rápida e sai em S. Roque da Lameira, subindo, em direcção ao Estádio do Dragão. Assim que o veículo se aproxima do estádio há a reacção imediata dos turistas: pescoços esticados, máquinas a disparar, alguns até se levantam para tentar ver o interior do edifício. O estádio fica cada vez mais longe, mas ainda há quem olhe para trás… A viagem prossegue pela Praça Francisco Sá Carneiro, outrora conhecida como Praça Velasquez, por S. Crispim, até ao Campo 24 de Agosto. Ao atravessar a Ponte do Infante, rumo à Serra do Pilar, o espanto perante a vista privilegiada da zona ribeirinha fez-se notar. As máquinas fotográficas tentaram captar a paisagem. Depois de uma curta passagem pelo centro de Gaia, o autocarro ruma à ribeira da cidade. À medida que se desce em relação ao rio, a voz que vai dando informações ao ouvido de cada um dos viajantes avisa que se aproxima uma das perspectivas mais marcantes da ribeira do Porto.

O Douro é uma linha curva, reflectindo luz. Barcos rebelos estão ancorados justo à margem. No aglomerado de pequenas casas de telhados laranjas escuros pode-se distinguir a Torre dos Clérigos, parte da Sé e a cúpula do Palácio de Cristal. Ao fundo vê-se a Ponte da Arrábida. No outro extremo a Ponte D. Luís. Dois passageiros do Reino Unido dizem que o Porto é uma cidade única. Adoram o clima, a simpatia dos portuenses, o marisco e as caves de vinho do Porto. “É uma alegria visitar esta cidade”, afirmam. O autocarro volta a estacionar na Rua Infante D. Henrique. A viagem chegou ao fim. A próxima rota é a “Porto Antigo”. Já passa do meio-dia. A primeira preocupação quando o autocarro arranca é conectar os auscultadores ao rádio incorporado no banco da frente. Desta vez há uma inovação em relação à vez anterior: há música portuguesa a passar. Cada vez que a voz que nos fala dos cantos e encantos desta cidade se cala,

entra o fadinho. “Preciso de uma razão, para não ir naquela nuvem. Preciso de uma razão que o vento não leve não”. Mas no céu não há nuvens. E vento, só o provocado pelo andamento do autocarro. A primeira paragem da rota é a Praça da Liberdade. Entram mais pessoas. O autocarro segue em direcção à igreja de Santa Clara, subindo para a Batalha. A Rua de Santa Catarina é uma azáfama. Passeios em dias de sol, compras em dias de sol e de chuva. Sacos plásticos coloridos abanam nas mãos de várias pessoas. Depois de passar pelo Rivoli, pela Câmara do Porto e pela Trindade, o autocarro ruma até à Reitoria da Universidade do Porto, segue o compasso do eléctrico. Passando pelo Museu Soares dos Reis e pelo Palácio de Cristal o autocarro vai até à Boavista. A Casa da Música é a atracção da zona. Muitas crianças ocupam as escadas da entrada principal do edifício. Este diamante já está na história do Porto. E “diamonds are forever”… Duas francesas dizem gostar do Porto por ser uma cidade pequena. “Conseguimos ver muitos monumentos, tudo a pé”, diz uma delas. A parte seguinte da viagem adianta já parte do percurso da próxima rota: a passagem por Serralves, e todo o percurso da foz até à ribeira.” Nem negros nem azuis são os teus olhos, meu amor, seriam da cor da mágoa, se a mágoa tivesse cor”. Uma turista da Malásia diz que “é muito bonito. Estou a adorar Portugal, a cultura do meu país é muito diferente. Este é um sítio especial para mim”, afirma no fim desta viagem. O local de embarque da rota “Porto dos Castelos” é ao lado do Palácio da Bolsa. A rota dos castelos conta com a passagem por três fortalezas historicamente importantes na história do Porto: o Castelo da Foz, o Castelo do Queijo e o Castelo

de Leça. A maior parte do caminho é feita à beira-mar. O mar está cheio de surfistas, alguns banhistas e no areal muitos são os que apanham banhos de sol. No autocarro um senhor aproveita também para desapertar a camisa: barriga de fora, calções de praia, meias verdes puxadas para cima, dorme agora a sesta. O passeio prossegue. Em Leça entram no autocarro os primeiros portugueses desta viagem. A paisagem é agora apreciada em silêncio, calmamente. “O Fado não é da terra, o fado criou-o Deus. O fado é andar doidinha, perdida pelos olhos teus”. A calçada junto à praia é aproveitada para caminhar, para trocar beijos apaixonados, para fazer exercício físico. Depois de uma passagem pela Quinta da Conceição e da Quinta de Santiago, avista-se o Porto de Leixões. O autocarro dá a volta e regressa pelo caminho já percorrido: do clube náutico até ao Castelo do Queijo. Aí segue em direcção à zona da Boavista: o Estádio do Bessa merece a atenção dos turistas. Na Praça da República, velhos e jovens preferem a sombra ao sol tórrido. Tórrido como em dias de Agosto. A viagem acaba onde começou. Uma multidão de idosos espanhóis aguarda o esvaziamento do autocarro para que possam entrar. Risos multiplicados, conversas sem fim. Uma alegre convivência. Na busca pela eterna novidade do mundo nas águas do Douro, nos contornos da Torre dos Clérigos ou na Ponte D. Luís, europeus, americanos do norte e do sul e até asiáticos marcaram presença nesta viagem pela antiga, mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto.

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rita gouveia

João Monteiro, Direito, FDUP

Paulo Pereira, Ciências da Comunicação, FLUP

Pedro Silva, Arqueologia, FLUP

manuel marques, engenharia física, Fcup

A união homossexual, apesar de lícita e admissível, apresenta características incompatíveis com aquelas que são requerimento essencial para existir um casamento. [A solução passava ela criação de uma figura em tudo idêntica à do casamento, ressalvando, no entanto, as características que são únicas ao casamento.]

Não tenho nada contra, faz-me confusão a adopção, mas com o casamento estejam perfeitamente à vontade.

Concordo, somos todos iguais e partilhamos todos os mesmos sentimentos humanos e vontades sociais.

Se são felizes dessa forma, não vejo mal nenhum em oficializarem o acto. Agora, talvez não deva ser chamado de casamento, porque é uma noção bem diferente do casamento dito “clássico”!

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O que achas do casamento homossexual?


UPorto

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Museu das Belas Artes reabre com arte internacional O Museu da Faculdade de Belas Artes reabriu, mais qualificado, com arte contemporânea de sabor internacional.

UPorto mais eficiente em termos energéticos

FOTO: FBAUP

a história da academia, mas também um testemunho da evolução do ensino artístico em Portugal em Portugal e no mundo. Inaugurado em 1996, o Museu da FBAUP reúne as melhores obras dos estudantes que passaram pela Academia de Belas Artes, desde a sua fundação, em 1836. Do seu espólio fazem parte nomes incontornáveis como Dórdio Gomes, Júlio Resende, Soares dos Reis e até Leonardo Da Vinci. A entrada para a exposição Inhabiting Spaces é livre e contou com o apoio da Embaixada do Canadá.

Após a reabertura com a exposição “Mobilidade”, composta por trabalhos de estudantes de 27 instituições de ensino e de 12 países, que estiveram no Porto ao abrigo de programas de mobilidade, a inauguração oficial decorreu a 22 de Junho, com arte contemporânea do Canadá. Tanto uma, como outra iniciativa surgem no âmbito das comemorações das comemorações dos 230 anos da FBAUP, que serão assinalados até final de 2010. Inhabiting Spaces, Arte Contemporânea do Canadá, esteve patente em Gdánsk (Polónia) e a “digressão” europeia, após a exposição no Porto até 17 de Julho, terminará na cidade finlandesa de Porvoo, em Agosto. Comissariada por Bozenna Wisniewska, Professora de Arte no

Breves

direitos reservados

O Reitor da Universidade do Porto, reeleito tomou posse no passado dia 29 de Julho, assumindo prioridades ao nível da consolidação

Alberta College of Art and Design em Calgary no Canadá, esta mostra reúne obras recentes de quatro dos mais respeitados artistas canadianos da actualidade. A unir Helena Hadala, Katie Ohe, Greg Payce e Laurel Smith está a sensibilidade para temáticas relacionadas com o ambiente. Antes, a exposição “Mobilidade” constituiu um testemunho da forte presença dos estudantes estrangeiros na Universidade, que no caso da Faculdade de Belas Artes, representam já 12% da população estudantil. Até 18 de Junho, foram vistas dezenas de trabalhos, entre desenhos, pinturas, esculturas, vídeos, fotografias e instalações. A FBAUP, assim, volta a abrir as portas de um espaço onde se guarda, não só

do estatuto da U. Porto enquanto Universidade de investigação reconhecida internacionalmente, e agente activo no desenvolvimento económico e social da região e do país. A primeira meta passa pela afirmação no ranking das 100 melhores universidades da Europa já em 2011, ano do centenário da U.Porto. José Marques dos Santos foi director da Faculdade de Engenharia entre 1990 e 2001. No ano seguinte assume uma das vicereitorias da U.Porto, percurso que, em 2006, culminaria com a eleição como 17º reitor da maior uni-

[close-up] O projecto “We are Ready for our [close-up]” de divulgação de trabalhos de finalistas das Belas Artes da UPorto inclui uma exposição, festas e debates. A exposição decorrerá de 1 a 11 de Julho na antiga sede da RDP. A festa [close-up] está programada para o Plano B dia 2 de Julho a partir das 23h30. O talk-show a “Empregabilidade no Mercado Criativo” decorrerá a 7 de Julho, na antiga sede da RDP a partir das 15h. Às 17h terá início “Os Projectos Culturais Independeentes na Regionalização dos Centros Urbanos”. As short-talks decorrerão no mesmo dia, no mesmo local, a partir das 19h.

versidade portuguesa, cargo para o qual foi reconduzido no passado dia 28 de Maio de 2010. O IV Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens já conta com 130 voluntários que contribuirão para as diversas tarefas associadas à preparação e ao desenrolar da prova. O número de voluntários deixa muito satisfeita a organização que recebeu com orgulho os rasgados elogios da Federação Internacional de Desporto Universitário (FISU) sobre a preparação da prova e a certi-

A Universidade do Porto tem vindo readaptar-se para se tornar mais eficiente em termos energéticos e está à beira de concluir a primeira fase das obras de adaptação. Há cerca de um ano foi assinado um protocolo os Ministérios das Finanças, Ensino Superior e da Economia e as Universidades do Porto e Aveiro e ainda os Politécnicos de Bragança e Leiria que permitiu o financiamento, num total de 32 milhões de euros, de um conjunto de iniciativas que permitiram a adaptação das instituições às necessidades de redução de consumo e eficiência energética. A Universidade do Porto recebeu um apoio de 6,5 milhões de euros.

foi a instalação de painéis solares para aquecimento de águas nas residências, cantinas e na Faculdade de Desporto, estruturas com maior consumo de água quente. Outra, foi a mudança para lâmpadas de consumo reduzido. Foram ainda instaladas alguns equipamentos de monitorização de consumos. Já prevista está uma central fotovoltaica, que depende da autorização de outras entidades. Um dos locais em estudo é o Pólo II da Universidade, na Asprela. A estratégias estabelecidas prevêem medidas de gestão e monitorização de consumos que deverão tornar-se permanentes.

Numa fase inicial, foi realizada uma auditoria aos edifícios da Universidade, do ponto de vista energético e de qualidade do ar, permitindo estabelecer planos de monitorização e de mudança comportamental. Mediram-se consumos, partindo então para a programação de intervenções de adaptação, de manutenção e redução. Em simultâneo foram realizadas obras de construção civil ao nível dos revestimentos, das coberturas, das fachadas e caixilharias que têm vindo a decorrer nos diversos edifícios. Uma das medidas para reduzir os consumos

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ficação do relvado do Estádio do Bessa. As 32 selecções (20 masculinas e 12 femininas) começarão a chegar dia 17 e a prova decorrerá de 21 a 24 de Julho.

pois de vencer a França por 10-0 nas meias-finais e sem uma única derrota, a selecção de Hóquei em Patins chegou à final vencendo a Itália por 6-2.

A equipa de hóquei em patins da U.Porto venceu o Torneio Internacional de Chamberry, em França. A U.Porto, para além da medalha de ouro, traz ainda para Portugal os troféus de melhor jogador, melhor marcador e equipa Fair Play. Neste torneio participaram equipas oriundas da Alemanha, Itália, Espanha e França. De-

Serviço de Comunicação e Imagem Reitoria da Universidade do Porto Telefone: 220408000 Email: ci@reit.up.pt


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CineÁguia, Charlot e Cineclube As outrora mais consagradas salas de cinema da cidade do Porto encontram-se agora em decadência e ao abandono. São espaços com uma enorme capacidade cultural, desaproveitados, e que espelham agora os momentos mais áureos de uma cultura de cinema que deu nome ao Porto e agora está relegada ao esquecimento.

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Antigo espaço do CineÁguia. Espaço em actual construção

- Sala de cinema do Cineclube do Porto agora sem funcionamento. Pormenor.

Pormenor da Sala de projecção da Sala Cinema Charlot.

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Antigo espaço do CineÁguia. Pormenor das máquinas de construção.

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Antigo espaço do CineÁguia.

Bastidores da Sala Cinema Charlot agora sem funcionamento.

Vista geral da Sala Cinema Charlot.

texto e fotos de igor gonçalves


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Armando Cunha ensina uma das técnicas do SSD

Street Self Defense: novas técnicas de auto-defesa A nova modalidade desportiva tem origem no Porto. Saber como se defender de um ataque inesperado é um dos objectivos.

Se alguém o atacar na rua, como é que se defende? Não reage? Resiste? Ou foge? É a resposta para estas perguntas que o Street Self Defense tenta oferecer. O SSD pretende munir os seus praticantes de técnicas básicas de defesa e tornar as pessoas mais capazes de defenderem-se perante um confronto de rua, inesperado mas real. No Street Self Defense tudo é permitido, porque na rua também não há limites. Por isso, entra neste sistema cabeçadas ou golpes nos genitais. Os praticantes podem até morder-se. O único limite é a integração física de cada atleta. Neste sentido, assemelha-se muito ao Vale Tudo, uma modalidade brasileira conhecida pela agressividade nos combates. Contudo, o SSD ainda não está


presente em nenhuma competição. Não foi feita para a prática no ringue, como a maioria das artes marciais. O fundador e instrutor-chefe do Street Self Defense é Armando Cunha, guarda prisional e mestre das artes marciais. Pratica Karaté Goju Ryu, Muay Thai e Kick Boxing. Foi também a experiência nestas modalidades que contribuiu para a criação das técnicas do Street Self Defense. Esta modalidade é considerada a verdadeira auto-defesa de rua que, no fundo, é o “ringue” mais perigoso de todos. Armando Cunha surpreende-se com o aumento do número de participantes: “inicialmente não pensei que fosse crescer tanto”. O mestre refere ainda a grande procura de mulheres nesta modalidade, para as quais “não há diferença no ensino”. Os actuais 60 praticantes vestem um kimono negro com o símbolo vermelho da Associação Portuguesa de Street Self Defense. As aulas são divididas em treinos para Forças de Segurança, SSD Kids - onde as crianças aprendem a ter mais disciplina - e Elite, que é um treino personalizado para os melhores atletas. Renato Presas, vigilante de 23 anos, é um desses casos: “gosto de treinar assim, até ao limite”. São sete as máximas do SSD: coragem, respeito, honra, empenho, honestidade, disciplina e humildade. Armando Cunha realça estas valores: “A minha filosofia é treinar com potência máxima e com muito realismo”. O mestre considera que este não é um desporto violento, já que “a violência lá fora é pior do que a que treinamos cá dentro”. A base técnica do SSD é a mistura do Karaté Goju Ryu e Muay Thai. O Goju-ryu é de origem japonesa. É um estilo de Karaté que procura ser suave mas resistente. O pressuposto é conseguir desviar-se dos obstáculos a partir de golpes curtos e circulares, com muita flexibilidade e controlo na respiração. Já o Muay Thai é de origem tailandesa e é con-

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Locais para praticar SSD

• Power Fitness, Porto • Don Kinguell Academy, Vila Nova de Gaia • Academia Impacto, Leça do Balio • E. G. U. Dojo, Estádio de Gulpilhares, Vila Nova de Gaia • Academia Impacto, Águas Santas, Maia

Apesar de parecer violento, qualquer um pode participar

siderada uma das mais duras e violentas artes marciais. Os golpes passam pelo o uso dos punhos, cotovelos e joelhos, que resulta em movimentos certeiros em locais vitais do corpo. O Street Self Defense procura ser a junção destas duas artes marciais, usando o controlo do Karaté Goju-ryu e a rapidez e eficácia do Muay Thai. Contudo, no Street Self Defense não há restrição de movimentos, típica das artes marciais tradicionais. As técnicas de SSD pretendem ser de aprendizagem rápida, directa e simples, de forma a que seja fácil a sua concretização. Mas também exigem muita prática e treino, como salienta Rena-

to Presas: “É necessário trabalhar bastante para adquirir algumas sequências”. O Street Self Defense é transversal, pode ser praticado desde o cidadão comum até a um agente de forças de segurança. Aliás, a maioria dos seus praticantes são vigilantes ou seguranças, como Vasco Couto, um segurança de 32 anos: “É um tipo de exercício que pode dar para a minha actividade e para a minha defesa”. A Associação Portuguesa de Street Self Defense garante um seguro aos seus praticantes. Oferece como garantias o retorno financeiro aos familiares em caso de morte ou incapacidade permanente,

despesas de tratamento ou funeral. Estas garantias estão designadas em todos os dojos, estágios, demonstrações e treinos realizados pela Associação. Não obstante, há alguns casos de ferimentos dos praticantes durante as aulas. Mas, para Renato Presas, este facto não é motivo para desistir, pois “uma pessoa raramente se aleija. E é normal quando tal acontece. Faz parte do processo de endurecimento”. Uma das técnicas específicas do Street Self Defense é a Gestão de Stress ou de Pânico, que consiste num exercício de luz apagada que tenta simular o mais possível uma situação real. Um dos praticantes tenta

O único limite é a integração física de cada atleta esquivar-se dos outros, que o atacam até ao mestre mandar parar. E é aqui que fica patente um dos principais objectivos do SSD. O praticante foge dos outros, mas não fica no local para tentar vencer a batalha. Afinal, nunca sabemos o que o nosso atacante pode ter guardado, como uma faca ou arma. Por isso é aconselhado apenas a auto-defesa. Uma vez a salvo, deve-se fugir do local o mais rapidamente possível.

tatiana henriques


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Antevisão: Bessa XXI recebe Mundial Universitário de Rugby Sevens Entre 21 e 24 de Julho, o Porto recebe a quarta edição do Mundial Universitário de Rubgy Sevens. O campeonato realiza-se no Estádio do Bessa e a entrada é livre. Simone Almeida

O 4º Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens é um evento desportivo organizado pela FISU (Federação Internacional de Desportos Universitários), FADU (Federação Académica de Desportos Universitários), UP (Universidade do Porto) e pelos Comités de Honra, Consultivo e Executivo. É uma competição inédita em Portugal, que chega à cidade Invicta no final do mês de Julho. A Federação Internacional de Desportos Universitários foi criada em 1948, no Luxemburgo e oficialmente fundada em 1949, em Itália. Actualmente, é composta por 144 federações universitárias nacionais e é uma das mais importantes organizações desportivas. Em 2004, decidiu trocar o Rugby de 15 pela variante de Sevens ao nível do campeonato universitário. O objectivo era, essencialmente, envolver mais os países na modalidade e atenuar as disparidades entre as equipas emergentes e as de topo. Por outro lado, a Federação Académica de Desportos Universitários surgiu em 1990 pela mão de um grupo de estudantes, com o objectivo de promover e organizar eventos desportivos. A FADU visa a competição, socialização e a troca de experiências entre os

O Rugby Sevens (ou Rugby de Sete) foi criado na Escócia em 1883. É jogado por sete jogadores em cada equipa, em dois tempos de sete minutos cada.. estudantes do Ensino Superior. A Universidade do Porto, também integrada na organização, apresenta-se como a maior universidade

Rugby Seves terá lugar no Estádio do Bessa XXI

PROGRAMA DE ACTIVIDADES: 21 de Julho 09h às 16h – Início da competição 18h – Cerimónia de abertura 22 de Julho 10h às 20h – 2º Dia de competição

do país. Surgiu em meados do século XVIII e é hoje a universidade com mais alunos, áreas de investigação e mais unidades estudantis. O último Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens, o terceiro até ao momento, realizouse em Córdoba, em 2008. A África do Sul ocupou o primeiro lugar do pódio nas equipas masculinas, seguindo-se a Espanha e a Rússia. Nas equipas femininas, a Espanha foi a vencedora, seguida do Canadá e da Grã-Bretanha. Foi em 2008 que Portugal se estreou no Campeonato Mundial Universitário de Rugby Sevens, tendo ocupado o décimo lugar nas classificações finais das equipas masculinas.

CLASSIFICAÇÕES FINAIS (EQUIPAS MASCULINAS): 2004 (Pequim, China) 1º – França 2º – Taiwan 3º – Rússia 2006 (Roma, Itália) 1º – França 2º – Grã-Bretanha 3º – Espanha 2008 (Córdoba, Espanha) 1º – África do Sul 2º – Espanha 3º – Rússia

Para esta quarta edição, as equipas estão divididas em oito grupos, dos quais três são femininos. Assim, no Grupo A, composto por equipas femininas, encontra-se Portugal, Itália, Brasil e Rússia; o Grupo B, também constituído por elementos do sexo feminino, é constituído pelas selecções do Canadá, Grã-Bretanha, Guam e Noruega; o Grupo C, igualmente formado por selecções femininas de Rugby, engloba as equipas de Espanha, França, África do Sul e Ucrânia. Os restantes cinco grupos são constituídos por selecções masculinas. Ora, o Grupo D inclui Portugal, Quénia, Canadá e Hungria; o Grupo E conta com a presença da África do Sul, França, Japão e Bélgica; o Grupo F tem a participação da Grã-Bretanha, Marrocos, Taipei Chinesa e Polónia; No Grupo G estão as selecções masculinas de Espanha, Itália, Estados Unidos e Ucrânia; por fim, o Grupo H reúne as equipas da Rússia, Austrália, Líbano e Noruega. O 4th World University Championship Rugby Sevens 2010 está presente nas redes sociais, nomeadamente no Facebook e no Twitter. Miguel Lopes Rodrigues e Teresa Castro Viana

21h – Recepção oficial do Presidente da Câmara Municipal do Porto 23 de Julho 10h30 às 20h – 3º Dia de competição 21h – Recepção oficial pelo reitor da Universidade do Porto 24 de Julho 10h às 19h – Último dia de competição 19h30 – Cerimónia de encerramento 21h – Jantar oficial do evento RUGBY

RUGBY SEVENS

15 jogadores titulares 7 jogadores titulares 7 reservas 5 reservas 2 tempos de 40 minutos 2 tempos de 7 minutos 10 minutos de intervalo 1 minuto de intervalo 8 jogadores no scrum 3 jogadores no scrum Cartão amarelo – 10 minutos de Cartão amarelo – 2 minutos de suspensão suspensão


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Estatutos

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Estatuto Editorial O JUP é uma publicação académica, gratuita, com periodicidade mensal, de informação geral e de cariz jornalístico. Apesar de geral, a informação do JUP assume claramente a sua aproximação à Academia, ao meio académico e à região do Porto, afigurando-se como um espaço de debate e de confronto de ideias. O JUP não tem fins lucrativos, sendo a sua redacção constituída única e exclusivamente por estudantes da Academia do Porto, de qualquer tipo de licenciatura, pós-graduação, mestrado ou doutoramento. Em casos excepcionais, será também admitida a colaboração de antigos alunos ou pessoal com afinidade à Academia do Porto. O JUP parte da Academia para a Academia, funcionando para os seus estudantes como uma oficina de Jornalismo, Fotografia e Design. O JUP assume-se como um jornal plural e independente, orientando o seu trabalho pelos valores éticos e deontológicos do Jornalismo no sentido de apresentar aos seus leitores uma informação isenta, transparente, diversificada e de qualidade, almejando contribuir, desta forma, para a formação de uma opinião pública livre e para uma Academia bem informada e esclarecida. O JUP repudia todo e qualquer tipo de censura ou pressão, seja a mesma de carácter institucional, económico, político, cultural ou religioso, assim como rejeita e combate o sensacionalismo. O JUP bater-se-á sempre pelo direito à liberdade de expressão, à liberdade de informação e à liberdade de opinião. Apesar de não ter profissionais na sua redacção, o JUP não confunde a falta de profissionais com falta de profissionalismo, assumindo o lema: “voluntários na opção – profissionais na acção”.

fonte: http://sites.google.com/site/wikijup/missao/estatuto-editorial s


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Livrarias vs Feira do Livro A Avenida dos Aliados recebeu, de novo, mais uma edição da Feira do Livro. Os preços são convidativos, a localização é excelente, há visitantes e vendas. Mas como encaram as livrarias independentes este período de forte concorrência? O JUP foi tentar descobrir.

«Mesmo que uma livraria queira vender livros na feira é muito difícil, porque os custos de aluguer de espaço são muitíssimo altos por aqueles vinte dias e as editoras têm um controlo forte pelos preços baixos que conseguem oferecer»

Desta vez o JUP saiu à rua, mais concretamente ao centro da cidade, e foi até à Feira do Livro do Porto que se realizou mais uma vez na Avenida dos Aliados, em frente à Câmara Municipal. A 80ª Feira do Livro decorreu entre os dias 1 e 20 de Junho e contou com uma grande quantidade de editoras que participam regularmente na feira. Aliás, quem por ali passa não pode ficar indiferente à sua magnitude, já que esta ocupa toda uma avenida em que constantemente se vêm pessoas de um lado para o outro à procura do «Livro do Dia», simplesmente para ver, ou ainda para assistir a sessões de debates com personagens ilustres, ou até para uma sessão de autógrafos. A presença de duas editoras em particular saltam à vista, a Porto Editora e a Leya – os dois maiores grupos editoriais portugueses que se reúnem em duas praças, controlando assim um espaço muito superior ao das outras editoras. A Feira do Livro é um acontecimento que não deixa, portanto, as pessoas indiferentes, mais que não seja pela sua posição no coração da cidade, o que faz com que qualquer pessoa por ali passe com facilidade nas suas deslocações quotidianas. Mas, o que é que acontece às restantes livrarias nesta altura do ano? Ou, no resto do ano todo em função destes vinte dias? É a Feira do Livro prejudicial a estes negócios locais ou estes vivem em esferas separadas, sem serem prejudicados? Foi isso que fomos tentar perceber, falando tanto com responsáveis por bancas de livros na feira, como com os organizadores do evento e com os livreiros da cidade. A polémica vem de trás, da Feira do Livro de Lisboa, que levanta um prob-

lema análogo, isto é, segundo os livreiros locais, as pessoas deixam de comprar livros durante outros períodos do ano para o fazer nos dias da feira, por causa dos descontos. Ora isto faz com que algumas livrarias vejam a sua vida muito dificultada durante o tempo da feira. Bancas de Livros na Feira Na banca de livros do Clube Literário do Porto dizem-nos que nesta altura, durante a feira, vendem-se mais livros, as promoções, e a quantidade de pessoas que por ali passa tornam o volume de vendas maior. Sandra Silva diz-nos que a livraria do Clube Literário é mais reservada e com públicos diferentes dos que encontra a respectiva banca na feira. «No Clube Literário temos a livraria mas não só, o piano bar, duas galerias, um auditório», procura-se portanto dar resposta

«A questão coloca-se de certa forma e, de facto é normal» «os livreiros não beneficiam nada com a feira do livro» Carlos Beirão

a outro tipo de necessidades e é a partir daí que «faz sentido o Clube Literário ter uma banca sua na feira». Assim, esta livreira diznos que não estabelece uma relação directa entre o baixo número de vendas durante muitos meses do ano e a Feria do Livro, pelo menos no caso do Clube Literário do Porto. «Não existe uma relação directa», refere. Existem também os alfarrabistas que, pelos livros que vendem em segunda mão e pelo teor mais particular que apresentam na

sua estrutura de negócio, apresentam uma opinião alternativa. Na Martinho Alfarrabista, Vítor Martinho diz-nos que, para ele, a questão passa ao lado. Ele vende em várias feiras e é de Lisboa, curiosamente tal como todos os alfarrabistas presentes na Feira do Porto. Não compra, portanto, os seus livros a editoras. Diz: «a dificuldade [em vender livros em certas alturas do ano] é capaz de existir mas é com as livrarias que compram os seus livros a editoras». De facto, parecem ser estas as


pessoas que mais perdem. Já que os livros que vendem tornam-se mais baratos nas promoções das feiras, não compensando para as livrarias vender nas feiras, tal como para os consumidores não se torna vantajoso comprar nas livrarias. «Quem ganha de facto com as feiras são as editoras»,

grar livrarias no feira, o que deixa estas pessoas de fora. Carlos Beirão diz-nos ainda: «A questão coloca-se de certa forma e, de facto é normal», falando de uma certa inimizade entre livreiros e editores, «os livreiros não beneficiam nada com a feira do livro», sendo que ainda «perdem durante igor gonçalves

Feira do Livro do Porto Espaço Leya

diz-nos ainda Vítor Martinho. Na banca da APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros – falamos com Carlos Beirão. Este grupo constitui o núcleo que organiza a Feira do Livro. Começa por dizer-nos que os contractos que existem entre livreiros e editoras funcionam à consignação, isto é, a livraria recebe apenas uma percentagem por cada livro que vende. Sendo assim, se as editoras vêm elas próprias vender para a feira do livro, deixa de fazer sentido inte-

vinte dias». Segundo Carlos Beirão, o problema é «antigo e há-de continuar a existir», já que não existe muito a fazer para o remediar. «As feiras do Livro não vão acabar aliás, existem cada vez mais», e, diz ainda, concluindo, «talvez a única coisa a fazer seja educar as pessoas a comprar mais livros. Eu compro livros todo o ano». Os transeuntes Falando com as pessoas que por ali passam encontramos opiniões de todo o género. Desde aqueles

que estão à pressa para ir para casa ou para chegar ao trabalho depois da hora de almoço, aos que se demoram longamente a observar com cuidado, na esperança de encontrar alguma raridade a um preço baixo; as que levam os filhos e observam os livros coloridos ou até miúdos a correr em frenesim. Falámos com algumas pessoas que se dispuseram a, durante alguns segundos, responder às nossas perguntas. Joana Faria diz-nos que gosta de passear pela feira mas que não costuma comprar muito. «É difícil gastar muito dinheiro em livros, porque muitas vezes não dá para tudo». Um senhor de mais idade, José Costa, caminha com um saco com dois ou três livros dentro. Diz-nos: «Gosto bastante da feira e de livros no geral.» e ainda «costumo comprar aqui mas também compro durante o ano todo». A ideia que fica é que muitas pessoas compram de facto, até pelo que os representantes nas bancas diziam. Mas, os visitantes compram especialmente a partir das 23 horas, a chamada “Hora H”, altura em que os livros atingem descontos de 50%, o que torna a sua compra especialmente vantajosa. Catarina Soares, que por ali passa, fala-nos um pouco desta hora de promoções, “Só compro na Hora H, vale realmente a pena, os livros atingem valores baixíssimos!”. Os livreiros Posteriormente subimos pela Rua das Carmelitas em direcção à livraria Lello. Verdadeiro ícone em termos históricos e culturais na cidade do Porto, sendo um dos pontos de venda de livros mais antigos e mais bonito, a descobrir tanto pelos habitantes como pelos turistas que rumam a este local em grandes quantidades. Junto da porta, por trás do balcão, encontramos um livreiro a quem interrogamos se poderíamos fazer algumas perguntas acerca do assunto. Mal referimos as palavras Feira do Livro, este diz-nos que não pode falar sobre esse assunto, impedido

por ordens expressas do dono da loja, que insiste que seja ele a falar do assunto. Antero Braga, o responsável, não se encontrava na livraria, por motivos de saúde. O funcionário revela-se interessado na nossa abordagem e valoriza este trabalho que «nunca é feito por jornais de distribuições maiores». Infelizmente, foi impossível entrevistar Antero Braga, contudo, pela conversa que retivemos do encontro com o seu funcionário, percebemos que na feira do livro, onde o monopólio das editoras é acentuado, o valor das livrarias locais sai prejudicado. «Mesmo que uma livraria queira vender livros na feira é muito difícil, porque os custos de aluguer de espaço são muitíssimo altos por aqueles vinte dias e as editoras têm um controlo forte

Cultura

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pelos preços baixos que conseguem oferecer». As livrarias independentePara as livrarias Lumiére, Poetria e Gato Vadio a feira do livro passa completamente ao lado. Os preços de aluguer são demasiado altos para sequer se preocuparem com ela e a feira não oferece vantagens para estes pequenos estabelecimentos. Além disso, o seu público é outro, os livros que vendem são outros, a sua localização é outra. Estas livrarias vendem para pessoas que procuram determinados assuntos, como no caso da Poetria que vende livros de poesia e dramatologia unicamente. «Os nossos clientes são sempre os mesmos. Vendemos pouco, portanto» dizem-nos com um sorriso na cara dentro do pequeno espaço da loja. Além igor gonçalves

Livraria Poetria

«a dificuldade [em vender livros em certas alturas do ano] é capaz de existir mas é com as livrarias que compram os seus livros a editoras» Vítor Martinho

disso, encontram-se em zonas muito específicas da cidade, em ruas que são frequentadas por pessoas que seguem uma certa tendência cultural, menos visível numa camada exterior do núcleo social. «A nós, a feira não nos afecta, somos uma livraria especializada em determinados assuntos. Como nós existem outras livrarias», dizem-nos na Livraria Lumiére, sem um ar de grandes preocupações. Como se esse facto fosse, no fundo, o espírito da livraria.

IGOR GONÇALVES


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“Coliseu do Porto abre as portas ao Fado de Coimbra” O projecto da Antologia do Fado de Coimbra surge em 2009, no Porto, devido ao espírito académico que nos caracteriza. Juntando diversos grupos de Fados da nossa Academia, esta iniciativa surge com o objectivo de exaltar a tradição do fado estudantil.

A noite de actuações no Coliseu foi também uma noite de homenagem. O Professor Dr. António Braga foi distinguido pelo seu papel na Academia do Porto e na Medicina. A revelação foi feita por António Manuel de Almeida Dias, Presidente da CESPU, entidade patrocinadora deste projecto. A Antologia do Fado representa uma iniciativa cultural da Academia do Porto, em parceria com a Câmara Municipal, desenhada em torno da canção coimbrã. Referências como o Prof. Dr. Francisco Carvalho Guerra, o Dr. António de Almeida Santos e o Prof. Dr. Armando Luís de Carvalho Homem, surgem como os embaixadores desta iniciativa que assenta em três pilares fundamentais: a formação pessoal, a tradição cultural e a homenagem. Assim, o projecto da Antologia do Fado de Coimbra preconiza uma viagem pela génese do Fado, passando pelas diferentes gerações, marcado por personalidades que o identificaram. Personalidades estas que são alvo de homenagem nesta iniciativa: o Dr. Luís Góis, compositor, intérprete e poeta; e o Dr. Camacho Vieira, elemento fundamental para a Academia do Porto e uma referência da música coimbrã na Invicta.

O Grupo de Fados da Faculdade de Direito da UP abriu o espectáculo no Coliseu

Ambos marcaram gerações e fizeram do Fado de Coimbra uma referência a nível nacional. No entanto, este projecto não se resume apenas a um espectáculo, mas sim à mobilização de toda a massa estudantil da Academia do Porto. E assim aconteceu em Abril do ano passado num concerto na Casa da Música que ultrapassou, em larga escala, as expectativas da organização. O segundo concerto realizado no âmbito desta iniciativa aconteceu no passado dia 26 de Junho, no Coliseu do Porto e o JUP esteve presente na iniciativa. O espectáculo contou com a actuação de diversos Grupos de Fados de algumas casas da Academia do Porto, bem como com as actuações de Nuno Oliveira Montalto, mentor do projecto, que deu ao Fado uma roupagem diferente, mais direccionada para a vertente jazz – Nuno Montalto Jazz. O orientador e produtor da iniciativa define a Antologia do Fado de Coimbra como “um pro-

jecto cultural que representa a união de todas as instituições superiores da Academia do Porto” Afirma ainda que “o Fado de Coimbra é uma cultura portuguesa” e defende que a Antologia do Fado tem que continuar, uma vez que é “um projecto da Academia do Porto para a Academia nacional” Por outro lado, Américo Martins, Dux Veteranorum da Academia do Porto, define o projecto da Antologia do Fado como a Revolução do Algodão, que se faz “devagarinho, lentamente e calmamente” e afirma que a principal finalidade é chegar a todas as Academias e a toda a comunidade portuguesa espalhada pelo mundo. Deste modo, o projecto da Antologia do Fado de Coimbra pretende glorificar a memória cultural da canção de Coimbra e de todas as tradições académicas por ela cultivadas. teresa viana

Foi do passado dia 18 até ao dia 20 de Junho que o Auditório de Serralves recebeu uma selecção de filmes integrada na terceira edição do 8 ½ Festa do Cinema Italiano. Após ter estado em Lisboa, Coimbra e Abrantes, chegou a vez da Invicta mostrar o melhor do cinema italiano contemporâneo. Para o festival, foram seleccionados filmes de vários géneros cinematográficos que passaram o último ano em exibição nos principais festivais de cinema, da autoria dos cineastas considerados como o futuro desta arte em Itália. O cinema italiano não é elitista sendo aprovado pelas críticas mais exigentes e comprovado pelos inúmeros prémios ganhos nos festivais de cinema internacionais mais importantes. A título de curiosidade, a indústria cinematográfica italiana produz aproximadamente uma centena de longas-metragens por ano, que muitas vezes têm uma afluência de público que chega a ser concorrencial das grandes produções americanas.

a indústria cinematográfica italiana produz aproximadamente uma centena de longasmetragens por ano O Festival contou com outros eventos além do cinema como foi o caso do Sarau Literário que contou com a leitura de textos de autores italianos ligados ao cinema, que teve lugar no espaço Triplex. Nesta 8 ½ Festa do Cinema Italiano foi atribuído o Prémio Pirelli – Melhor Filme que teve como Júri um conjunto de personalidades portuguesas e italianas ligadas ao mundo das artes, cinema e cul-

tura. Os membros do Júri foram o músico Paulo Furtado, mais conhecido como The Legendary Tigerman, Paolo Pinamonti que trabalha há mais de uma década como director de teatros e festivais de renome, a actriz Isabel Ruth uma referência do cinema português e internacional e a fechar o Júri, Valter Hugo Mãe, vencedor do Prémio José Saramago com o romance Remorso de Baltazar Serapião. A abrir o festival tivemos o filme La Doppia Ora a primeira longametragem do realizador Giuseppe Capotondi, apresentada a concurso na 66ª Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica di Venezia em Setembro de 2009 e que foi a única obra trazida ao Porto que esteve a concurso. Depois de terminada a sessão, a festa continuou no Triplex com a Festa Italiana que contou com gastronomia italiana e a presença do DJ Kokomo. No dia 19 de Junho o Cartaz teve 4 obras, Esercizio di Lingua, do português David Barros, Canto da Terra d’Água, de Adriano Smaldone Francesco Giarrusso, rodado em Portugal, La Paura, de Pippo Delbono e, a fechar o segundo dia, Videocracy, de Erik Gandini. Para o último dia ficaram as obras Valentina Postika in Attesa di Partire, de Caterina Carone, e o filme Baarìa, de Guiseppe Tornatore, realizador do clássico Cinema Paraíso.

O vencedor do Prémio Pirelli – Melhor Filme foi Good Morning Aman (2009), de Claudio Noce. Edgardo Cecchini E Luís Navarro

A festa do Cinema Italiano Depois de Lisboa, Coimbra e Abrantes, foi a vez do Porto ser invadido pelo cinema italiano. O Auditório de Serralves acolheu no mês passado o 8 ½ Festa do Cinema Italiano.


CULTURA || 25

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Maria Inês Castro e Silva flup

Festa Encoberta: o silêncio não existe

Ana Pelaez

para saber mais

josé ferreira

conta-me como é...

...ser Lolita Mesmo sem os laços e folhinhos que associamos às lolitas, Ana não foi difícil de reconhecer. O cabelo esticado, as sobrancelhas perfeitamente desenhadas e os dois piercings abaixo da boca denunciam uma preocupação estética. As suas maneiras são educadas e, ao inicio, até um pouco reservadas. A entrevista decorre numa pastelaria, que serve deliciosos macarrons de todas as cores. Estes discos de doce à base de farinha de amêndoa e clara de ovos batidas com açúcar, e recheados com tudo a que pastelaria tem de bom, são a escolha de eleição das lolitas. Pistáchio, café, chocolate, framboesas, mirtilos e limões; ‘Sugar, spice and all that’s nice’, dizem os americanos que é a receita da qual se compõe as meninas. E as lolitas são um pouco disso; muito de carácter, muito de menina-mulher. O estilo lolita nasceu no Japão nos anos 80, no bairro de Harajuku, o epicentro das modas juvenis mais expressivas dos último s 30 anos. E na última década, o estilo chegou a Portugal através de Joana Bárbara, reconhecida pela comunidade como a primeira lolita portuguesa, e, hoje, detentora de uma loja exclusiva na baixa do Porto. Mas a lolita que viemos encontrar hoje é a Ana Cardoso, de 19 anos. A primeira coisa que salta à vista é que

hoje não está de lolita. «Nem tenho guarda-roupa para ser lolita todos os dias» ri-se Ana. A entrevista começa exactamente com a história de como Ana aderiu ao estilo. «Tomei conhecimento deste estilo na internet. Sobretudo através do Mana [guitarrista da banda visual kei Malice Mizer, e hoje no projecto solo Moi Dix Mois e criador da marca Gothic-Lolita MoiMême-Moitié ]». Inicialmente, sem poder gastar muito dinheiro, Ana foi usando as poupanças do aniversário e Natal. Arranjou um part-time e pôde comprar alguma roupa, sem ter de sobrecarregar os pais. Foi uma decisão que tomou sozinha. Hoje, o seu grupo de amigos é diversificado, e as suas amigas lolita surgem já como uma consequência da sua entrada neste mundo: «as comunidades lolita [que geralmente se baseiam em fóruns na net] existem para estarmos juntos com o estilo, e a amizade acaba por vir depois. Mas é mais fácil em comunidade, até para fazer encomendas e dividir custos de envio». Estas comunidades, que se estendem ao mundo todo, servem de janela para «comentar o estilo, mostrar a roupa, os conjuntos, as marcas e os acessórios que compramos e usamos, trocar conselhos e ideias, partilhar fotos, marcar encontros».

E o lolita, é uma moda, ou uma cultura? «Existe de facto um lifestyle lolita, mas não em Portugal. É uma moda, apesar de existirem regras rígidas para o que se usa e como se usa, relativamente a roupa. Esse tipo de máximas de comportamento em Portugal nem são bem aceites, as raparigas até fazem os possíveis para se afastar delas. Eu não deixo que a minha personalidade se altere, mas automaticamente ao usar lolita tenho outro comportamento e outra postura. Mas é uma questão estética: se me sinto bem vestida de lolita, não faz sentido sentar-me numa cadeira toda torta! Mas não há regras quanto ao que uma pessoa acha que é ser lolita: para mim é só ‘eu gosto por isso uso’». As lolitas definem-se pela modéstia e, sobretudo, pela qualidade dos tecidos e acessórios, e pelo cuidado nos detalhes. Na rua as pessoas mostram-se curiosas, e até gostam de tirar fotos. «Muitas raparigas importam-se.. eu nem por isso, já sei que quando ando de lolita chamo atenção, senão, ficava de lolita em casa!» Quanto a origem do nome lolita, o ocidental não pode deixar de pensar naquela Dolores de 12 anos, apelidada Lolita, que seduz um homem bastante mais velho… «Não tem nada a ver. O nome já vem importado do Japão.

• Lolita Handobook no Live Journal - http://lolita-handbook. livejournal.com/ • Uma reportagem do Jornal da Noite - http://www.youtube. com/watch?v=UchmDN494OA • No ionlien, outra reportagem muito interessante - http:// www.ionline.pt/conteudo/38699voces-sao-do-rancho-folcloriconao-somos-lolitas---video • O Site da Améthyste - http:// www.amethyste.pt.vu/ • Uma Comunidade Lolita em Portugal - http://community. livejournal.com/egl_portugal/

Uma teoria que existe, é que o estilo surge como uma forma de revolta das jovens contra o sistema japonês. Por exemplo, o sapato de plataforma tornava as raparigas mais altas que os homens japoneses. Para além disso, contrariava a tendência das mulheres exporem cada vez mais o corpo». Como muitas, é uma teoria, mas parece plausível num Japão que importava massivamente referências europeias. Porque o estilo lolita, embora surgido no Japão, é sem duvida, um estilo inspirado na cultura ocidental. Do vitoriano ao rococó, do estilo marinheiro (Sailor Lolita) ao Campestre (Country Lolita), do gótico ao Hime (estilo princesa) ou ao Punk Lolita, as referencias são nitidamente europeias, mesmo que nos deixe de olhos em bico. Mas, no fundo, no fundo, é só moda. Levada ao extremo, sim, porque tudo é ‘Big in Japan’, e ainda maior em Harajuku.

ANA PELAEZ

A cidade não conhece a noite. A cidade conhece, frequentemente, a noite. A biblioteca não conhece o silêncio. As luzes altas que inundaram a urbe proibiram a grossa escuridão, deixando somente espaço para uma noite interior. A biblioteca tem teclas que nunca param, mexem-se, fazem barulho. As pessoas não caminham silenciosamente nas bibliotecas. Personagens sem nome caem dos livros e andam matematicamente sobre as estantes e o silêncio continua a não existir. Todos os dias procuramos um grau zero que não existe, como se o mundo fosse começar e, afinal, nunca começa. O silêncio é um problema: nunca tivemos oportunidade de o conhecer na biblioteca e falamos sobre ele como se algum dia o tivéssemos conhecido. Livros que se folheiam, sussurros que não conseguimos conter, excentricidades que não falando, falam e até o desgraçado riso não consegue colocar-se de parte nesta festa encoberta. A biblioteca é o grande laboratório do voyeur: escondem-se atrás das lombadas para mirar desinteressadamente; deixam cair os livros; dizem “Bom dia”; tiram fotocópias; arrastam cadeiras; espirram; mexem em telefones; FAZEM BARULHOS. O silêncio da casa dos livros existe somente no íntimo de cada livro, um silêncio impenetrável que não consegue resistir aos longos diálogos com páginas que nunca mais terminam.

“O silêncio é uma escuridão insonorizada. (...) O silêncio está no princípio e no fim do mundo.” (Fernando Gandra, O Sossego como Problema; Peregrinatio ad Loca Utopica)

“Silencio. No hay banda. No hay orquestra.” (David Lynch, Mulholland Drive)


26 || CULTURA filipa mora

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gourmet das tascas

Requiescant(...) Era uma vez uma perda. Em determinados momentos da vida, naqueles momentos de perda – seja do que for –, há sentimentos estranhos que teimam em pairar. E por mais perdas que aconteçam, por mais ausências que se sintam, é como se ela a experimentasse pela primeira vez, uma por uma. Sem interpretações precipitadas – não obstante de cada perda ter a legitimidade intrínseca a cada uma delas – ela teima em não perder cada perda que tem. Ainda que com contornos muito específicos, ainda que com a falsa noção de conhecer e identificar as fases do sofrimento, ainda que... Sim, que se admitam as fases. Ela não acha que valha a pena ignorá-las, independentemente da forma como com elas, eventualmente, vai lidar. Nessas alturas, ela deixa-se abater por um sentimento estranho que nem é próprio daquilo que sente ou da perda em si. Antes pelo ritual. Por aquele ritual. O que reúne estranhos, família, familiares, beatas, conhecidos, desconhecidos e anónimos. A legitimidade daquilo que se sente – partilhado o sentimento, ou não – parece a única matéria-prima comum. Aquela dor, aquele conceito abstracto que tudo reúne para parecer real. Arrebata, paralisa e entorpece. Ou não. Ou sim. A única coisa que lhe parece real é a confusão. Ao início, ficava revoltada. Não encontrava respostas, não compreendia. Continua sem compreender. Mas agora, aceita a incompreensão. E que alivio que sente em estar confortável com o enleio.

mariana teixeira

Sardinhas na telha assadas em forno a lenha

sardinha A sardinha portuguesa é pequenina, gorda, saborosa e agora até certificada. Desde Janeiro, a sardinha capturada na costa portuguesa é a única espécie da Península ibérica com certificação de qualidade sustentável. Uma grande percentagem da produção nacional de sardinha vai receber a etiqueta do Marine Stewardship Council. Esta é uma ONG internacional que supervisiona o sector para denunciar e encontrar soluções para a sobrepesca, sendo responsável pelo único programa de certificação mundial do pescado.

No número 11 da Travessa dos Congregados, no Porto, existe uma “Flor” com 161 anos de idade. A Flor dos Congregados já foi uma afamada casa de pasto e hoje afirma-se um restaurante com boa comida caseira.

Este pequeno restaurante de dois andares tem paredes de pedra, tecto de madeira e a decoração consiste em utensílios vários que representam toda uma tradição cultural e social de Portugal. No mesmo espaço reúne-se o rústico e o moderno num compromisso bem conseguido, há cerca de cinco anos, pelo filho, arquitecto, dos proprietários. A Flor dos Congregados tem uma origem que remonta a 1849 como petisqueira, onde os rojões eram o petisco principal. Neste espaço beberam um copo, comeram um petisco e confraternizaram, em diferentes épocas, personalidades como Aurélio da Paz dos Reis, o Conde de Covilhã, Fernando Magalhães, o pintor José Cruz, Raul Solnado, o engenheiro Rui Barbosa e inúmeros estudantes da Universidade do Porto. Neste restaurante existe uma oferta variada de pratos regionais que são muito apreciados:

Flor dos Congregados chanfana de vitela ou cabrito; tripas à moda do Porto bem condimentadas com cominhos; filetes com arroz de feijão; costeletas de boi com batata a murro; vários peixes na brasa. Existem ainda alguns pratos só disponíveis em certas alturas do ano como é o caso do arroz de Lampreia ou Lampreia à Bordalesa (entre Janeiro e Abril) e o arroz de Míscaros (entre Novembro e Dezembro). Finalmente, para sobremesa, destaca-se o Queijo Dourado (doce à base de ovos moles) e a tradicional Pêra com Vinho do Porto. Na época dos Santos Populares usa-se com frequência o provérbio «No São João a sardinha pinga no pão». E, claro que, nesta época, na Flor dos Congregados não poderia faltar a sardinha portuguesa. O proprie-

tário deste espaço afirma «aqui confecciona-se a receita mais saudável de sardinhas porque conserva todo o ómega 3». Ao contrário da maior parte dos restaurantes aqui a sardinha não é assada nas brasas, mas sim na telha dentro de um forno a lenha. Este é o segredo da sardinha mais saborosa que até hoje provei.

Travessa dos Congregados, 11 Contacto: 222 002 822 Horário de funcionamento: Segunda a Sábado das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 22h00.


Críticas

CULTURA || 27

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9/10

O Morgado de Fafe Amoroso Teatro Experimental do Porto O TEP (Teatro Experimental do Porto), a companhia de teatro profissional mais antiga de Portugal, levou a palco O Morgado de Fafe Amoroso, de Camilo Castelo Branco e teve encenação, cenografia e figurinos de Susana Sá, co-autoria da cenografia de Lia Oliveira e desenho de luz e sonoplastia de Eduardo Brandão. São intérpretes: Afonso de Melo, Diogo Bastos, Eva Fernandes, José Cruz, Luís Trigo, Margarida Machado, Nuno Martins e Rute Pimenta. Já na sua última semana de representações, o crescendo de público verificado nos últimos dias foi ainda mais intenso. “Um Morgado asinino e euforicamente alvar. Uma Pôncia casamenteira, rebiteza e realista. Um João amador de estilo vazio de fundo e de vontade. Uma Vicência pernóstica e sofisticada à procura de marido rico com canções idiotas e literatura romântica. Um Bernardo batoteiro e crava sem pudor. Um Heitor Falcão brutamontes e ingénuo. Uma Hermenegilda bonitinha, comilona, virtuosa e paroxisticamente burra (a mulher mais estúpida de todo o teatro do mundo), e para contraponto, um criado que me apeteceu imaginar soturno e funerário naquela pensão da Foz”, foi assim que António Pedro, de quem o TEP inicias as comemorações do centenário do nascimento, imaginou as personagens. Susana Sá conseguiu pegar num clássico e transforma-lo numa comédia com uma dinâmica de palco muito interessante e com uma mensagem perfeitamente actual. Vão ao Teatro! Luís Navarro

6/10 Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo Mike Newell Prince of Persia: The Sands of Time é a nova produção da Disney e de Jerry Bruckheimer, os mesmos produtores de Piratas das Caraíbas. O filme conta a história de Dastan (Jake Gyllenhaal), um órfão que vive nas ruas da capital da Pérsia do século VI. Um dia, o Rei da Pérsia está a passar a cavalo pela praça municipal e testemunha o jovem a salvar a vida de um amigo que foi acusado injustamente. Vendo que Dastan possui um coração puro e é corajoso, o Rei decide tirá-lo das ruas e adoptá-lo como seu terceiro filho, tornando-o assim no Príncipe da Pérsia. Passados alguns anos, os Persas invadem uma cidade sagrada, tida como suspeita de estar a criar armas para os seus inimigos. Dastan lidera a invasão e limita o número de baixas do lado do seu povo, deixando o seu pai, Rei Sharaman, muito contente. Mais tarde descobre-se que a invasão à cidade sagrada foi orquestrada pelo tio de Dastan, Nizam, interpretado por Ben Kingsley, que pretende encontrar as Areias do Tempo. Estas, têm o poder de fazer com que o portador do punhal que contém as areias volte atrás no tempo. Dastan envolve-se com a Princesa Tamina (Gemma Arterton) – protectora das Areias do Tempo – a fim de impedir que o plano do seu tio siga em frente. O filme é baseado na série de jogos de vídeo que já existe desde 1989, apesar do argumento ser directamente inspirado pelo jogo de 2003 com o mesmo nome. Muita aventura, romance, mistério e comédia fazem deste, um bom filme para um sábado à tarde. Miguel Lopes Rodrigues

8/10

História Literária do lights and darks Porto, através das rita redshoes suas publicações Rita Redshoes lançou, no passado Alfredo Ribeiro dos santos O autor Alfredo Ribeiro dos Santos, nasceu em 1917 no Porto, onde continua a residir. Desde cedo conviveu com figuras destacadas das cultura portuguesa e manteve uma vida política activa destacando-se a oposição ao regime salazarista. Para além da sua formação em Medicina, nunca deixou de ser um bibliófilo e coleccionador de revistas, publicações periódicas entre outras. Desta colecção construída ao longo de anos nasce esta obra que constitui o levantamento mais exaustivo publicado até hoje sobre os movimentos culturais e as correntes literárias da Cidade, em particular nos últimos dois séculos. Da Gazeta Literária ao Ultra-Romantismo, de A Águia às publicações de expressão vanguardista dos anos 90, o autor vivifica através destas páginas um quadro histórico, referencial e de conteúdos (documentado em sinopses e notas biobibliográficas dos principais colaboradores) que permite aferir os ambientes culturais, as linhas de pensamento traduzidas em acção doutrinária e cívica, os matizes literários e singularidades artísticas que projectaram o Porto para um lugar de destaque na vida portuguesa. A importância destas publicações nos meios cultos e letrados portuenses – mas cuja repercussão e influência foi também transversal a toda a vida social, culta e literária portuguesa – volve-se deste modo alicerçada nas suas fontes. O contributo de Alfredo Ribeiro dos Santos, na sequência de outros seus trabalhos anteriores, perfila-se fundamental para quem procure conhecer o que foi o ambiente estético, as correntes de pensamento, trajectória literária, artística e cultural do nosso país, na transição dos dois últimos séculos Pedro Ferreira

dia 14 de Junho, um novo álbum de originais. Lights and Darks foi integralmente composto pela cantora, que nos mostra uma abordagem mais madura à música em relação ao seu primeiro álbum, “Golden Era”. As novas músicas confirmam a ruptura definitiva com a imagem da rapariga que fazia parte dos Atomic Bees e, mais tarde, da banda de David Fonseca. Lights and Darks é, como o nome indica, um álbum de contrastes, ou pelo menos, de diferenças. Do alinhamento fazem parte músicas como «I’m on the road to happiness», «One cold day», «I’ll remember to forget» e «It’s a honeymoon». Depois do êxito de Golden Era, «Lights and Darks» parece também estar no bom caminho. O primeiro single lançado, «Captain of my soul», está a ter sucesso tanto nas rádios como nas bocas dos portugueses. Este é um albúm que, ainda que continuando a ser pop, parece ter algumas influências de outros estilos musicais, o que pode ajudar a alargar o público fiel às músicas de Rita Redshoes. Para que esta nova aproximação a outros estilos funcione, foram escolhidas novas sonoridades para Lights and Darks. Aqui estão presentes instrumentos, como o banjo, que não se encontram em Golden Era. Além disso, nota-se muito mais a presença da guitarra neste álbum. Lights and Darks traz ainda novidades como os músicos convidados, por exemplo Paulo Furtado e Dana Colley, dos Morphine, que ajudam a confirmar a abordagem mais madura que é feita à música. Irina Ribeiro


Cardápio

JUP || julho 10

música

teatro

Eventos

Vários

1 de julho

29/maio a 11/julho

2/julho a 10/Outubro

junho/julho

souls of fire + natiruts Coliseu do Porto 21horas

“a casa dos anjos” Teatro Aberto, Novo grupo de teatro CRL Quarta a Sábado às 21h30; Domingo às 16h

Marlene dumas Museu Serralves Visitas guiadas 8 de julho - 18h30 15 de julho - 18h30 20 de julho - 18h30

inscrições abertas para a universidade de verão 2010 Pólos de Arouca, Baião e Porto

2 de julho ana carolina Coliseu do Porto 22 horas

9 de julho Orquestra ao luar Casa da Música

15,16 e 17 de julho Festival marés vivas ‘10 Vila Nova de Gaia

julho “annie de filipe la feria” Rivoli Terça a Sábado às 21h30; Domingos e feriados às 17h

16 de julho “yourcenar/cavafy” Teatro Nacional de São João 21h30

18 a 20 de junho 8 1/2 festa do cinema italiano Auditório Serralves

5/JUNHO a 24/Julho

18 de junho

kevin lynch Porto, Serpente, Galeria de Arte Contemporânea Terça a Sábado das 15h às 19h Entrada Livre

“la doppia ora” Giuseppe Capotondi, 22h

11/junho a 28/julho

A.Smaldone, F. Giarrusso, 18h

Like tear in rain Porto, Palácio das Artes, Fábrica de Talentos Segunda a Sexta das 9h30 às 19h Entrada Livre

5/junho a 31/julho made in Portugal Porto, Galeria Mariana Jones Segunda a Sábado das 14h30 às 19h30 Entrada Livre

24 de julho

29/maio a 3/julho

maria bethânia Coliseu do Porto 22horas

pintura de maria carmen calviño Galeria Vieria Portuense, Largo dos Lóios

29 de julho

19 de junho “ESERCIZIO DI LINGUA CANTO DA TERRA D’AGUA”

“La Paura” Pippo Delbono, 22h “Videocracy”

20 de junho VALENTINA POSTIKA IN ATTESA DI PARTIRE, 18h baarìa, 22h

Caetano veloso Coliseu do Porto 22 horas

28/julho a 1/agosto Campeonato do Mundo de Voleibol de Praia - Sub19 Praia do Edifício Transparente Entrada Livre

caetano veloso vai actuar no Coliseu do Porto a 29 de julho


Opinião

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obituário de josé saramago

O dia em que o cão das lágrimas chorou Amado ou odiado mas nunca ignorado. José Saramago foi, até ao fim, uma voz incómoda no mundo. Nascido na pequena aldeia da Azinhaga em 1922, fez-se homem como serralheiro mecânico mas foi como laureado Nobel que morreu. Saramago nasceu tarde para a literatura. O primeiro romance, é certo, foi publicado em 1947 (Terra do Pecado), quando tinha apenas vinte e cinco anos, mas foram precisos outros dezanove para que voltasse a publicar. Pelo caminho, foi fazendo de tudo um pouco, desde mecânico a funcionário público, tradutor e jornalista. De convicta ideologia comunista, afastou-se muitas vezes da política seguida pelo PCP, defendeu primeiro e criticou depois o regime cubano de Fidel Castro, propôs, por várias vezes, a criação de uma União Ibérica que servisse os interesses portugueses e espanhóis. José Saramago foi um homem fiel às suas ideias e convicções. Mas não é pela polémica que rodeou a sua figura pública que recordaremos Saramago. A sua obra literária destacouse internacionalmente como uma das mais importantes da sua geração e numerosos críticos apontam Saramago como o grande mestre da narrativa contemporânea. Harold Bloom, autor do polémico Cânone Ocidental, descreveu Saramago, em 2003, como sendo o maior romancista vivo; James Wood, em declarações ao The New York Times em 2008, classificava o autor português como, simualtaneamente, um vanguardista e um tradicionalista e admirava a complexidade dos seus narradores aparentemente ingénuos. O típico narrador de Saramago é, de facto, um personagem complexo dentro das convenções literárias. Heterodiegético, não

deixa, contudo, de tecer considerações ou súmulas morais sobre o que narra. A sua voz aproxima-se muito mais da de um contador – isto é, da de um enunciador de contos populares – do que da de um narrador. A forma acompanha e molda essa mesma voz, e por isso, a dificuldade que muitos leitores têm ao deparar-se com parágrafos de várias páginas e frases de proporções anormais. Esse alongamento enunciativo proporciona uma oralidade própria à leitura e cria uma sensação de proximidade e envolvimento do leitor, para além de sugerir a continuidade de toda a narrativa. José Saramago atingiu a aclamação crítica em 1982 com o famoso Memorial do Convento, a excêntrica história de Baltasar e Blimunda, do padre Bartolomeu Lourenço que queria voar e da construção do convento de Mafra. Nesta obra fulcral, que desde 2006 faz parte do currículo da disciplina de Português do 12º ano de escolaridade, podem já encontrar-se alguns dos temas centrais da primeira fase da ficção saramaguiana: a crítica religiosa, a reescrita da história, a aclamação do proletariado. Ficou famosa a passagem em que o narrador nomeia os trabalhadores anónimos e que é, em si, quase um manifesto: «já que não podemos falarlhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais». É com o sucessor de Memorial do Convento que Saramago publica aquele que é considerado o seu opus magnum: O Ano da Morte de Ricardo Reis (1986). Narra o regresso a Portugal de Ricardo Reis, meses após a morte de Fernando Pessoa, tendo como pano de fundo a guerra civil espanhola e o início do regime fascista em Portugal. Não é apenas o alargado espectro de questões que a premissa narra-

tiva engloba que torna este num romance brilhante. É claro que a corporização de um espectro (Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa) que fala com o fantasma do seu criador implica já tremendas consequências metaliterárias, mas também no olhar agudo do médico perante a decadente situação do país e da Europa, ao mesmo tempo que, do alto do seu pedestal literário vai lidando com as mundanidades de manter como amante a criada de quarto, se mostra o génio do romancista português. Em 1992, com a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, José Saramago entra definitivamente na esfera mediática. A obra narra a vida de Jesus Cristo do seu próprio ponto de vista, narrando os conflitos adolescentes do jovem Jesus, especialmente a culpa pela morte das crianças de Belém, herdada do seu pai, e a ligação carnal com Maria Madalena. Livro e autor são acusados de blasfemos e desrespeitadores, são criticados pela igreja católica e criticados por grande parte do país. O coup de grâce vem do poder político num episódio com cheiro a censura: Sousa Lara, secretário de estado da Cultura do governo de Cavaco Silva, bane o livro da lista de candidatura portuguesa a um prémio europeu de literatura – Saramago é, agora, um escritor maldito. A polémica repetir-se-ia em moldes semelhantes com a publicação de Caim, em 2009, particularmente quando numa sessão de lançamento José Saramago classificou a Bíblia como um «manual de maus costumes». Com a publicação de Ensaio sobre a Cegueira, de 1995, a obra de Saramago inicia a sua segunda fase. Os romances vão-se formando em atmosferas alegóricas, despidos de referentes e partindo de premissas improváveis. De novo existe uma re-

flexão metaliterária, ainda que pouco explorada, quando a um romance se dá o título de ensaio. Uma cidade sem nome, num país não identificado, povoada por habitantes que são apenas referidos pelas suas marcas distintivas, é afligida por um surto de uma inexplicável cegueira branca. O medo de contágio leva os órgãos de poder a criar zonas de quarentena que rapidamente se enchem. A sociedade cai, os homens retornam ao seu estado animal. A tudo isto assiste a «mulher do médico», como é chamada, que nunca chegou a cegar. O romance foi levado ao grande ecrã em 2008 por Fernando Meirelles, realizador de Cidade de Deus. Ainda nesta atmosfera alegórica, Saramago publicará, entre outros, Todos os Nomes (1997), Ensaio sobre a Lucidez (2004) e As Intermitências da Morte (2005). «Bem-vindos à Academia. Este ano, a Academia atribui o prémio Nobel da Literatura ao escritor português José Saramago. José Saramago que, através de parábolas sustentadas pela imaginação, compaixão e ironia, nos permite apreender continuamente uma realidade ilusória». Foi com estas palavras que o mundo tomou conhecimento da nomeação do primeiro prémio Nobel da Literatura atribuído a um português. Saramago dirá ao seu editor Zeferino Coelho que não foi feito para este tipo de glória e centrará o seu discurso de aceitação, proferido na Academia Sueca a 7 de Dezembro de 1998, nas suas raízes humildes e na figura dos seus avós. Como com todos os laureados Nobel, a nomeação de Saramago não foi pacífica: a Igreja Católica reprovou a nomeação de um ateu convicto, ouviam-se rumores de a escolha de Saramago ter tido razões políticas – não esqueçamos que o autor português era ideologicamente comunista; além de que Portugal organizara, nesse mesmo ano,

a exposição mundial Expo 98, o que aumentou a visibilidade do país na política internacional – e, mesmo dentro da pequena comunidade literária portuguesa, os nomes de Agustina Bessa-Luís ou António Lobo Antunes – simples exemplos – eram apontados como mais indicados para o prémio. O que era inegável, contudo, era a qualidade literária da obra de José Saramago, e a renovada atenção que o mais prestigiante dos prémios literários internacionais veio trazer à literatura portuguesa foi do agrado de todos. Saramago continuaria a publicar até bem perto da sua morte. O último, Caim (2009), reacendeu a polémica com a Igreja Católica e a falange conservadora portuguesa. Quando foi surpreendido pelo fim, em Junho passado, o autor tinha já as primeiras páginas de um outro livro. O homem José Saramago morreu, deixou muitos amigos e talvez muitos mais inimigos, foi amado por uns, odiado por outros, desconhecido por muitos. O que o homem deixou, contudo, foi uma obra impressionante, detentora de vida própria e que deve, tanto quanto possível, ser apreciada sem preconceitos criados na figura do seu autor. Saramago tem agora a resposta a uma das questões que mais problematizou ao longo da vida: a morte e a existência, ou inexistência, de deus. Infelizmente, não já não a poderá partilhar com os seus leitores. Lembremo-lo como queria ser recordado, como o criador do «cão das lágrimas»: «A mulher toca-lhe na cabeça, passa-lhe a mão pelo lombo encharcado, e o resto das lágrimas chora-as abraçada a ele. […] só o cão que tinha bebido as lágrimas acompanhou quem as chorara». Agora, foi a vez do cão chorar.

Tiago Sousa Garcia


30 || OPINIÃO

JUP || julho 10

Era uma vez em Serralves Era uma vez uma casa, um jardim e um museu a que se chamou Fundação de Serralves. Essa Fundação tem uma uma recepção e 18 pessoas que asseguram o seu funcionamento. Estes/as trabalhadores/as estavam ilegalmente contratados/as a falsos recibos verdes. E não, não foram felizes para sempre. Ser trabalhador/a independente, realidade vulgarmente designadada como ‘recibo verde’, significa trabalhar para si mesmo/a, não ter hierarquia, horário ou local definido para exercício da actividade. Quando trabalhamos a recibos verdes e não decidimos nada disto, somos falsos recibos verdes, ou seja, deveríamos ter um contrato de trabalho.

Será fácil perceber que um espaço como a Fundação de Serralves tem horário para abrir e para encerrar, motivo pelo qual será evidente que quem assegura as funções de recepção ao público tem um horário de trabalho. No caso da Fundação de Serralves, as 18 pessoas que asseguravam este serviço tinham também normas para o vestuário, trabalhavam em equipa e tinham hierarquia.

endedorismo” (sic) destes/as trabalhadores/as, coagindo-os/ as a constituirem-se como empresa, para poderem continuar a trabalhar. Esta chantagem, inaceitável e ilegal, foi denunciada pelos movimentos contra a precariedade FERVE e Precários/as Inflexíveis. Denunciámos à comunicação social, aos partidos políticos com assento parlamentar, à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).

Ao longo de anos, a Fundação de Serralves escusou-se a cumprir a lei e a celebrar contratos de trabalho com os/as seus/suas recepcionistas. Em contrapartida, em Fevereiro deste ano, achou por bem “incentivar o empre-

Fizeram-se notícias sobre o assunto. Houve perguntas feitas por partidos políticos (Bloco de Esquerda e JS). Houve envios massivos de mensagens de correio electrónico. Houve contestação. Houve uma inspecção da ACT

mas o relatório tardou em chegar. Assim, no dia 12 de Abril, estas pessoas foram ilegalmente despedidas. Neste mesmo dia, FERVE e Precários Inflexíveis divulgaram uma carta aberta, assinada por diversas personalidades da área da cultura, solidárias com estes/as trabalhadores/as. A ACT notificou a Fundação de Serralves mas, curiosamente ou não, apenas no dia 13 de Abril, dia seguinte ao despedimento, apesar de o relatório ser datado de 11 de Março e confirmar a ilegalidade destas contratações. Tivemos acesso a este relatório, que divulgamos, e, aquando do Serralves em Festa, estivemos à porta da Fundação de Serralves, dando a conhecer a situação a que foam sujeitos estes/ as trabalhadores/as, o relatório da ACT e recolhendo assinaturas para uma carta que foi enviada à Administração de Serralves. Não deixaremos que este assunto caia no esquecimento. Não abandonaremos estes trabalhadores/as. Não permitiremos que a Fundação de Serralves branqueie estes despedimentos ilegais porque todos somos trabalhadores/as, porque somos solidários/as e porque não podemos aceitar que a chantagem e a ilegalidade sejam a linguagem corrente no mundo laboral. josé ferreira

FICHA TÉCNICA DIRECÇÃO DIRECÇÃO DO NJAP/JUP - PRESIDENTE Ricardo Sá Ferreira VICE-PRESIDENTE Catarina Cruz TESOURARIA José Henrique Guedes VOGAIS Nuno Moniz (JUP) || Eurico Sá (aguasfurtadas) || José Henrique Guedes (galerias) DIRECÇÃO DO JUP Tatiana Henriques DIRECTORA DE PAGINAÇÃO Mariana Teixeira DIRECTOR DE FOTOGRAFIA José Ferreira chefe de redacção Mariana Jacob EDITORES E SUB-EDITORES EDUCAÇÃO Liliana Pinho SOCIEDADE Aline Flor CULTURA Tiago Sousa Garcia OPINIÃO Nuno Moniz DESPORTO Tatiana Henriques COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Aline Flor || Ana Pelaez || Cristina Andrade || Daniela Teixeira || Edgardo Cecchini || Filipa Mora || Igor Gonçalves|| Inês Castro || Irina Ribeiro || José Ferreira || Júlia Rocha || Liliana Pinho || Luís Navarro || Luís Mendes || Mariana Catarino || Mariana Jacob || Miguel Lopes Rodrigues || Nuno Moniz || Pedro Ferreira || Tatiana Henriques || Teresa Castro Viana || Tiago Sousa Garcia imagem da capa Arquivo JUP Depósito Legal nº23502/88 Tiragem 10.000 exemplares Design logo JUP Bolos Quentes Design Editorial/Grafismo Joana Koch Ferreira Paginação Mariana Teixeira Pré-Impressão Jornal de Notícias, S.A Impressão NavePrinter - Indústria Gráfica do Norte, S.A. Propriedade Núcleo de Jornalismo Académico do Porto/Jornal Universitário Redacção e Administração Rua Miguel Bombarda, 187 - R/C e Cave 4050-381 Por-

Cristina Andrade

to, Portugal || Telefone 222039041 || Fax 222082375 || E-mail jup@jup.pt Apoios Reitoria da Universidade do Porto, Serviços da Acção Social da Universidade do Porto, Universidade Lusófona do Porto, Instituto Português da Juventude.

editorial Pé ante pé, ele traça o seu caminho, entre pedregulhos e obstáculos contornáveis. Pé ante pé, ele acaba por cair algumas vezes, mas logo se levanta e segue o seu percurso. Pé ante pé, ele abre a porta e resolve os seus enigmas. Já ela tenta a muito custo abrir a porta, demasiado distante, demasiado inantigível. A Universidade abre portas para o futuro, rumo a uma sociedade mais aberta e intelectualizada. Mas, apesar de a Universidade ser para todos, estas mesmas portas não estão ao acesso de todos os que dela fazem parte. Diariamente, as inacessibilidades arquitectónicas são enfrentadas por muitos jovens, iguais a tantos outros, mas que são obrigados a tornar estes obstáculos como parte da sua convivência diária. Embora seja este o local por excelência para a mudança das mentalidades, ainda há muito a fazer quanto aos acessos para as pessoas com deficiência. Mas desistir não deve ser o caminho a seguir. Muito pelo contrário. A propósito, José Saramago escreveu a tantas páginas do seu completo espólio: “Cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança”. Também o escritor, para sempre recordado e eternizado nas suas obras, sempre se mostrou convicto dos seus ideais. Para a história, fica alguém que não cegou, que nunca mostrou sinais de desistência. A verdade é que “o caminho faz-se caminhando”, como disse António Machado. Pé ante pé, ele já chegou ao seu destino. E ela, apesar de não conseguir caminhar pelo seu próprio pé, também já conseguiu abrir a porta. Mais um obstáculo ultrapassado, mais uma vitória sobre a diferença.


JUP || JULHO 10

Devaneios O sangue não ferveu. O ideal morreu. A luta não permaneceu. A crença não cresceu. O olhar não apareceu. O berro não estremeceu. A criança não venceu. Plebeu? A ganância não perdeu. Nem a Terra tremeu. A vida não se mexeu. A morte bateu Crime seu (Oh, apogeu!) A praga se abateu Sobre nós! Mas não vamos baixar as mós Nem descruzar nós. Não estamos sós. Continuamos. Vamos para a foz... Até ao após. Da guerra: Vivida, trazida, moída Embutida, mal-atraída Inútil. Temos fome. Que a luz nos traga, Que a justiça tome. A paz sagrada, A virtude amada. O pecador

OPINIÃO || 31


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