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O verdadeiro culpado Vive-se uma só vez Jean Douchet

O verdadeiro culpado

sobre Vive-se uma só vez Jean Douchet

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Publicado originalmente sob o título “Le Vrai coupable”. Cahiers du Cinéma no 81, março de 1958. Traduzido do francês por Luiz Soares Júnior. (n.e.) Eis que retorna às telas, após uma ausência de vinte anos, um dos mais belos filmes da história do cinema. Para aqueles que discordam — e eles existem —, eu retomaria simplesmente esta frase de Jacques Rivette sobre Suplício de uma alma (Beyond a Reasonable Doubt, 1956): “Quem não sai transtornado deste filme ignora tudo, não apenas do cinema, mas também do homem.” Suplício pode ser considerado, com efeito, como um remake aprofundado de Vive-se uma só vez (You Only Live Once, 1937).

Aqui, como ali, o homem agita-se num mundo onde a noite reina soberana. A sombra apropriou-se da luz; pior que isso: a luz absorveu totalmente a sombra, deixando de si mesma apenas um falso brilho, uma aparência enganosa. Opaca, enevoada, glauca, ela recobre os homens com um eterno nevoeiro, que os força a viver num universo fechado. (Foto de aquário no segundo filme; brumas, vapores lacrimogêneos, vidros embaçados, chuvas no primeiro.)

Esta me parece ser a “forma imaginativa” de toda a obra de Fritz Lang. A mais importante destas consequências: a ausência de dualismo dramática (caro a um Murnau ou a Hitchcock) entre a sombra e a luz. É isso o que conduz à pura tragédia, no interior da qual essa dualidade renasce. Com efeito, o homem carrega sobre ele os estigmas de sua maldição. Ele erra num mundo para sempre privado da verdadeira luz, cuja nostalgia o atormenta. Desesperadamente, mas em vão, tenta perfurar esta carapaça opaca para reencontrar a claridade a que aspira; ele se recusa a aceitar a maldição que faz de si um eterno condenado à morte.

Nós entramos assim de forma plena no mundo trágico da necessidade absoluta. Se o destino do homem se encontra paralisado, imutável, não pode existir nem drama nem progressão; apenas a constatação de fatos sucessivos decorrentes de uma dada situação, o registro da agitação furiosa do prisioneiro que se choca sem esperança contra os muros de seu cárcere.

Fritz Lang encena como uma aranha tece sua teia; tudo está implicado. Uma imagem — na qual cada coisa se situa num lugar imutavelmente destinado — determina a seguinte. Assim, Sylvia Sidney enche o tanque de gasolina, e nós sabemos que ela está roubando o posto; o plano seguinte, com efeito, mostra-nos os dois empregados do posto com os braços levantados — adivinhamos que sob a ameaça do revólver de Henry Fonda. A acusação de inverossimilhança, levantada frequentemente contra Fritz Lang, parece-me, portanto, desprovida de fundamento. Como se pode acusá-lo de inverossimilhança se nenhum fato se produz que não seja deduzido do precedente? Tomemos como exemplo a mamadeira, que chocou tantos belos espíritos. Fonda termina de escrever uma carta a sua cunhada, com o fito de marcar um encontro: no mesmo instante, ouvimos os vagidos do recém-nascido, o que implica pensar que este nascimento foi anunciado no início da carta. Devemos nos espantar de que, durante os preparativos para a fuga dos fugitivos, tenha-se pensado, por obra do reflexo mais natural do mundo, na nutrição da criança? Pode-se justificar da mesma maneira a presença do revólver sob o colchão da enfermaria.

Mundo terrificante, onde o acaso não tem vez, onde reina a estrita necessidade. Se assim é, se cada plano implica o próximo ou os seguintes, os primeiros planos dos filmes de Fritz Lang devem conter em premissa a obra completa. As maçãs, a mulher, o discurso que abrem Vive-se uma só vez estão lá como símbolos da tragédia de Adão e Eva a que vamos assistir. Vontade de reencontrar o paraíso perdido, recusa em aceitar a maldição — recusa que leva à revolta, e que conduz o homem a realizar o ato que justifica, mesmo a seus olhos, esta maldição. A partir daí, seu destino de pária aceito, o casal entrevê um vislumbre de felicidade paradisíaca, que só a morte lhes trará definitivamente.

Quem não vê, por exemplo, que a morte do pastor é duas vezes necessária? O homem, por puro orgulho, clama sua inocência (que nos lembremos dos olhares com um brilho implacável de Fonda na prisão, olhares que definitivamente absorveram a sombra). Ele não pode aceitar a graça que lhe oferecem, pois, inocente a seus próprios olhos, pensa que não deve recebê-la. Por outro lado, o padre — como o diretor do jornal de Suplício de uma alma — é culpado de presunção, ao crer que pode trazer a graça ao que é irremediável: esta verdadeira traição de sua missão merece necessariamente a morte. Toda e qualquer outra explicação — social, psicológica — reduz ao melodrama aquilo que é tão somente pura tragédia.

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