O Vale do Zambeze Condenado Pelas Barragens (2005)

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O VALE DO ZAMBEZE CONDENADO PELAS BARRAGENS Por: Daniel L.Ribeiro O Rio Zambeze é o coração de Moçambique, a bombear vida numa das planícies inundáveis tropicais mais produtivas e biologicamente mais diversificadas de África. O Rio Zambeze, de 2.660km de comprimento, drena sete países e a sua bacia hidrográfica tem uma área total de 1,570,000 km 2 24,33. Isso o torna o quarto maior rio de África e o maior sistema a fluir no Oceano Índico 24. O fluxo de água do Zambeze chega a atingir 22.000 m³/s

23

.

Figura 1: Mapa adaptado do Rio Zambeze. Baseado no mapa original de Dorn Moore, International Crain Foundation .

O baixo Zambeze em Moçambique alimenta o maior delta da África Oriental e apoia directamente por volta de 2.8 milhões de pessoas, a maioria das quais habitantes rurais63. Esta região possui uma paisagem muito diversificada, mudando de desfiladeiros estreitos para zonas de um entrançado de bancos de areia para canais de afluentes, terminando numa zona costeira de 290km de largura que forma um delta de 18 000 km2

2,24,60

.

Imponente como é o Zambeze, a passada e presente má gestão das suas barragens está lentamente a matar esta fonte de recursos e diversidade

20,24

. As vastas zonas


húmidas do delta do Zambeze e as grandes manadas (70 000 cabeças estão aos poucos a tornar-se coisas do passado

8,29

24

) de búfalos

. As primeiras mudanças

começaram há cerca de 100 anos atrás, com a construção de diques para conter o rio e prevenir cheias nas plantações de cana-de-açúcar 8. O impacto dos diques, no entanto, não se compara aos impactos da Barragem de Kariba (1958) e principalmente de Cahora Bassa (1974) 8. Barragem de Cahora Bassa O Governo Colonialista Português construiu a Barragem de Cahora Bassa entre 1969 e 1974. Com uma albufeira de 250km de comprimento que ocupa uma área de 2700 km2, e uma altura de 171 metros, foi considerada a quinta maior barragem do mundo 24,51

.

Como era normal nesta época, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi visto como um documento informativo. Realizado quando o projecto já ia avançado, o EIA não teve qualquer influência no desenho do projecto e mesmo indicando grandes falhas do projecto, estas foram geralmente ignoradas e continuam a ser ignoradas até hoje19-26. Com uma capacidade de 2075MW, o objectivo principal do projecto de Cahora Bassa era produzir energia hidroeléctrica para os países vizinhos, como a África do Sul

26,38

.

Desde os impactos causados pelo rápido enchimento da albufeira, que permite a produção de energia logo no início

24

, até a descarga demasiado regulada dessa

água num sistema dependente de cheias; a gestão da Barragem de Cahora Bassa está centrada em implicações económicas da sua energia hidroeléctrica com pouca consideração

para

com

as

necessidades ambientais de fluxo e os custos sócio-económicos14,19-26.

Regulamentação do fluxo Tradicionalmente, o Rio Zambeze tinha um fluxo altamente sazonal com um fluxo notavelmente fraco no Inverno e um fluxo bastante forte e causador de cheias no Verão

4,22,44

. A Barragem de Cahora Bassa alterou isto descarregando a água

armazenada durante a estação seca, para geração de energia, e utilizando o grande


fluxo durante o Verão para encher a albufeira preparando-se para o fluxo fraco no Inverno

23,57

. Apesar de a Barragem de Kariba também estar instalada no Zambeze, o

padrão de fluxo que entra na albufeira de Cahora Bassa é sazonal, ao contrário das suas descargas que são reguladas e constantes

13

(Figura 3). O baixo Zambeze já não

segue o regime natural de cheias, e as planícies inundáveis permanecem secas durante a estação seca, excepto nos anos mais húmidos 8.

Figura 3: As linhas solidas indicam a entrada sazonal de agua no reservatório de Cahora Bassa, enquanto a linha a tracejado indica a saida regulada do reservatório de Cahora Bassa 13.

O fluxo regulado do Zambeze tem secado as zonas húmidas que antes eram irrigadas pela água das enchentes do Zambeze

5,7,24

. No passado, a Ponte Dona Ana

tinha mais de 10 dos seus pilares na água do Zambeze, mas actualmente apenas 4 pilares chegam a tocar na água (Figura 4). Canais secos e bifurcações são cada vez mais

comuns

ao

longo

do

Zambeze,

muitos

dos

quais

já completamente

desconectados do canal principal do Rio (figura 10) 24. O Rio deixou de ser um rio de vários canais com bancos de areia e bifurcações constantemente mutáveis, e tornouse um rio com apenas um canal principal com ilhas, bifurcações e tranças estáveis

24

.

A água descarregada pela Barragem de Cahora Bassa arrasta muitos sedimentos, provoca a erosão dos bancos do rio e afunda o leito do rio, pois acumula muitos dos sedimentos necessários

10,24

. O afundar do leito do rio impede que as águas das

cheias arrastem os bancos e alimentem as secas planícies inundáveis com a água bem necessária

9,13,24,26

. À medida que o tempo passa, vão ser necessárias cheias

cada vez maiores para cumprir com o fluxo necessário para os pântanos e para as planícies inundáveis, tornando a reabilitação do Zambeze cada vez mais complicada 26

.


Figura 4: Ponte Dona Ana tirada no mesmo dia do ano, mas a fotografia da esquerda foi em 1975 e a As planicies inundáveis, agora a secar, fotografia da direita em 1997 26.

fizeram de uma paisagem outrora, remota, húmida e de dificil acesso, hoje acessíveis às pessoas. Consequentemente, a caça descontrolada nas planícies inundáveis atingiu níveis alarmantes

13,29

, reduzindo as grandes manadas de búfalos em 95% desde 1970 8. As

manadas restantes concentram-se nas áreas onde cheias sazonais de pequena escala ainda ocorrem devido a pequenos rios não regulados originários do planalto de Cheringoma

13

. Até a população de elefantes que antes ocupava os pântanos

permanentemente alagados no delta interior tornou-se acessível para os caçadores e agora quase que já não existem

13,29

. O mesmo se pode dizer em relação às manadas

de antílopes e zebras que antes eram abundantes

1,13,29

.

A seca das planícies inundáveis implica graves consequências para a biodiversidade, e a população animal não é a única em risco

24,26,35

. As planícies inundáveis mais

secas reduziram a quantidade de diversas espécies de ervas de pântanos e permitiram a invasão da savana de madeira. Os restantes herbívoros já não conseguem controlar o crescimento das plantas, transformando mais ainda a vegetação 59. Habitats costeiros e estuarinos Os habitats costeiros e estuarinos ligados ao Zambeze têm um papel importante na economia local e nacional

30,38,41

. Desde os peixes e a indústria lucrativa de camarão

até os extensos mangais e madeira de papyrus utilizada na construção local, os habitats estuarinos do delta são vitais para a subsistência da região. A redução drástica da carga de sedimentos ricos em nutrientes (cerca de 70%

24

) em conjunto

com os fluxos fracos durante o Verão fizeram com que o delta retrocedesse e permitiram que a água salgada do oceano entrasse, diminuindo a produtividade do


delta (ex. a pesca de camarão diminui 60% áreas de mangal

27

) e a saúde

1,58,60

34

), o tamanho (ex. redução de 40% nas

.

Camarão O camarão de Moçambique é conhecido internacionalmente e contribui com uma parte significativa na receita do país

41

. O fluxo regulado do Zambeze em conjunto

com a perda de sedimentos ricos em nutrientes têm tido efeitos devastadores na população e pesca de camarão

30,34,41

.

Estima-se que está a haver uma perda entre 10 a 30 milhões de dólares por ano devido à redução da quantidade pescada (Figure 5)

30,34

. Os camarões adultos

depositam os seus ovos no mar. Estes transformam-se em larvas e na época seca, quando a corrente do rio é fraca, são empurradas pela forte maré do oceano para os mangais e para outras áreas de água doce do delta.

Figura 5: Gráfico do declínio de 60% no esforço da apanha por unidade de camarão durante os últimos 20 anos. Tirado da base de dados de Hoguane 34 .

Com níveis mais altos de nutrientes do que o habitat marinho, este ambiente bastante bem protegido apoia o forte crescimento dos camarões pequenos, que se


tornam adultos

34,41

. Durante a época de cheias, a forte corrente do rio empurra os

camarões adultos para o rio, onde vão depositar os seus ovos e reiniciar o ciclo 34,41. Uma explicação adicional para a redução da população de camarões poderá ser a pesca dos camarões por parte de frotas comerciais de pesca

41

. Medidas como o

tamanho da malha, uma época maior sem pesca, e diminuição da quantidade total de pesca permitida foram implementadas na década de 80

41

. Contudo, estas

medidas de protecção não resolveram o problema da diminuição da população de camarão, e o consenso geral é que a principal causa desse declínio é o fluxo regulado e os sedimentos pobres em nutrientes

34,41

. Curiosamente, em contacto com

pescadores de camarão estes informaram que as maiores quantidades pescadas de camarão dos últimos 20 anos ocorreram depois das cheias de 2000 e 2001, reforçando a hipótese do fluxo e dos sedimentos 41,44. O actual padrão de fluxo da Barragem de Cahora Bassa é muito forte durante a época seca, impedindo as larvas de se fixarem no delta, e muito fraco para empurrar os pequenos camarões para o mar durante a época de chuvas

34,41

. Alguns estudos

mostraram que uma pequena enchente durante Dezembro ou Janeiro aumentaria a pesca de camarão em 20%

34,55

. Para além de afectarem o fluxo, as Barragens de

Cahora Bassa e Kariba funcionam como grandes depósitos de sedimentos e afectam negativamente os níveis de nutrientes do Rio Zambeze. Hoje em dia, o fluxo de sedimentos ricos em nutrientes do Baixo Zambeze depende das contribuições dos rios não regulados como o Luia, o Shire e do Planalto de Cheringoma

13,26

.

Peixes de água doce O peixe constitui uma parte vital da dieta das comunidades que vivem ao longo do Vale do Zambeze

61

. Não só o peixe é uma fonte rica de proteína, mas é uma das

únicas fontes de proteína disponíveis para estas comunidades. Devido à diminuição drástica das populações de grandes mamíferos, esta fonte de carne antes abundante já não se encontra facilmente disponível para a população rural pobre. O peixe de água doce possui também um papel vital nos mercados ao longo do Zambeze baixo Rio Shire, três espécies constituem 90% da pesca comercial

61

39,61

; no

. Em geral, os

três tipos de peixe mais importantes dos mercados locais ao longo do Zambeze são a tilápia de Moçambique (O. mossambicus), o “Manyame labeo” (L. altivelis) e o peixetigre (H. vittatus)

61

. As três espécies são altamente dependentes do fluxo do rio e

estão em declínio ao longo do Baixo Zambeze

39,61

.


Por exemplo, a tilápia moçambicana (O. mossambicus) é encontrada ao longo do rio e utiliza a vegetação inundada nas planícies inundáveis como fonte principal de nutrientes para se tornar adulta durante a época das cheias

61

. Depois, retorna ao

canal principal enquanto as águas começam a residir. Já foi mostrado que os benefícios para as populações de peixes de água doce são directamente proporcionais ao grau de inundações

39,61

.

Peixes de profundidade e caranguejos de estuário Tal como o peixe de água doce, os peixes de profundidade (como o peixe gato) e os caranguejos do mangal são uma fonte alimentar vital para os residentes locais e são muito importantes para os mercados costeiros 55. Para além disso, os caranguejos de mangal têm um nicho ecológico bastante importante como detritívoros que consomem matéria em decomposição, essencial para um estuário saudável. Eles também mostraram ter um papel vital na dieta de várias espécies de pássaros da zona intertidal

55

.

Tanto os peixes de profundidade como os caranguejos de mangal são altamente dependentes das cheias sazonais e dos sedimentos ricos em nutrientes que vêm com as cheias. Assume-se que a produtividade de ambas as espécies seja proporcional à área alagada do mangal, que mostrou uma redução de 40%

27

. Isto, por sua vez, tem

tido um efeito adverso nos peixes de profundidade e no caranguejo de mangal, razão pela qual a sua pesca diminuiu nos últimos 20 anos

13,44

.

Em mares pobres em nutrientes, como os dos trópicos, estuários que carregam grandes quantidades de nutrientes e sedimentos são áreas localizadas de alta produtividade, mas mostraram ser sistemas bastante frágeis. Por exemplo, o Rio Nilo era responsável por grandes quantidades de fitoplâncton no leste do Mediterrâneo durante as suas cheias anuais, que por sua vez

sustentavam uma indústria de

camarão e sardinhas altamente produtiva. Isto mudou drasticamente depois da construção da Barragem de Aswan, em 1965

48

. Se não forem implementadas

mudanças na actual gestão da Barragem de Cahora Bassa, este é o futuro mais provável para o Zambeze. Impactos sociais As implicações sociais da Barragem de Cahora Bassa não têm sido nada menos que devastadoras

38

. Durante a sua construção, os trabalhadores viviam em condições

inaceitáveis. Eles eram metidos em barracões galvanizados de lata (cerca de 12 por


2 x 4 metros) que ferviam durante o dia e congelavam durante a noite

38

. Não eram

dadas mantas aos trabalhadores e estes não tinham acesso a casa-de-banho nem instalações básicas. A morte devido a condições de trabalho precárias era uma ocorrência comum

38

. Como acontece com a maioria das barragens, o desalojamento

forçado é um dos impactos sociais principais

48

. Mais de um ano antes de barrarem o

rio, já tinham sido desalojadas mais de 42 000 pessoas

38

. Este número não inclui as

pessoas que foram para países vizinhos ou ficaram perdidos em vários bairros de lata ou no campo nos arredores de Tete e outras grandes cidades. Actualmente a degradação ambiental causada pela Barragem de Cahora Bassa e as descargas não naturais de água estão a causar mudanças culturais sérias e problemas de subsistência

14,38,43,44,56

. Tradições ambientalmente sustentáveis com

mais de cem anos que evoluíram com o funcionamento natural do sistema do Zambeze estão agora prejudicialmente adaptadas às mudanças causadas por Cahora Bassa

38,43,44

600mm

. A precipitação anual média ao longo do Baixo Zambeze é apenas

22,37

, com a maioria durante os meses mais quentes. Secas ocorrem

regularmente, muitas vezes com consequências prejudiciais para as plantações 43,44,45

.

Para compensar estas condições rigorosas, as comunidades cultivaram vários lugares localizados em diferentes zonas micro-ecológicas, utilizando sistemas agrários indígenas, o mais importante sendo a agricultura de recessão

38

. Durante a época das

chuvas, que começa em Dezembro e termina em Março, as águas das cheias ao refluir depositam sedimentos ricos em nutrientes (localmente chamados de solos makande) ao longo das planícies inundáveis

38,44,45

. Os solos makande ricos e escuros

das planícies inundáveis são os locais mais propícios da região para agricultura e têm um papel vital na segurança alimentar 38. Em preparação para a previsível época de cheias, as comunidades cultivam em solos mais acima

38

.

O fluxo regulado de Cahora Bassa encurrala estes sedimentos ricos em nutrientes e contem as cheias sazonais. Isto impede a agricultura de recessão e reduz drasticamente

a

produtividade

inseguranças alimentares

22,44,46

das

planícies

inundáveis;

causando

grandes

. A produtividade mais baixa das planícies inundáveis

em conjunto com a utilização excessiva forçada dos solos mais acima aumentou a rotatividade dos campos e portanto as técnicas de abate e queimada para desimpedir as zonas de densa vegetação

8,38

. Estas queimadas fogem várias vezes do

controle e causam efeitos prejudiciais na diversidade regional.


Padrões de assentamento No

passado,

o

regime

altamente

previsível

do

Rio

Zambeze

permitia

o

desenvolvimento de padrões de assentamento que estavam sincronizados com o funcionamento natural do rio. O actual regime regulado do fluxo no Baixo Zambeze causou grandes alterações nos padrões de assentamento das comunidades que vivem ao longo do rio

14

. O fluxo reduzido durante o Verão e a ausência de cheias

promoveu o assentamento permanente das margens do rio, bancos de areia consolidados, e áreas de planícies inundáveis que antigamente eram ocupados apenas sazonalmente

14,56

. O assentamento nestas áreas foi uma das principais

razões pelas quais as cheias de 2000-2001 foram tão graves; com mais de 700 pessoas mortas em um ano e mais de 500 000 que ficaram sem casa

3,14,16,26,47,52

.

Estes números poderiam ter sido bem piores se não fossem as rápidas e extensas operações de resgate da África do Sul e outros

3,16

.

Em comparação com o passado, houve mais de 10 cheias durante o século 20 que ultrapassaram a magnitude das cheias de 2000-2001 na região do delta do Zambeze 14

. Muitas destas cheias não resultaram em perdas humanas ou danos económicos

significativos

14

. A capacidade que Cahora Bassa tem de conter a maioria das cheias

fez com que as comunidades ao longo do Zambeze perdessem a sua memória de cheias

14,26,44

. Isto impede que as comunidades tenham a capacidade de gerir os seus

riscos visto que as cheias são imprevisíveis e apenas as maiores cheias não são contidas pela Barragem

14,26

. Embora a água a entrar na albufeira tenha normalmente

sido mais do que a água descarregada pela Barragem

16,50

, os seus padrões de fluxo

do passado tornaram as comunidades do Zambeze muito mais vulneráveis aos impactos negativos das cheias

14,26,52

.

Questões de saúde As alterações nos padrões de assentamento que tornaram as comunidades mais vulneráveis às grandes cheias e aumentaram o número de pessoas directamente afectadas pelas grandes cheias também tem graves implicações de saúde. Durante as cheias de 2000 mais de 500 000 pessoas ficaram sem tecto e isto colocou grandes concentrações de pessoas em campos de refugiados sem condições adequadas de saneamento e fornecimento de água e comida. Estas condições causaram grandes


problemas de saúde como cólera, febre tifóide, poliomielite, hepatite e várias doenças gastrointestinais Normalmente

a

18

.

maioria

relacionadas com a água

18

das

doenças

em

países

em

desenvolvimento

são

. Por exemplo, tanto os mosquitos portadores de malária

como os caracóis de água doce infectados com schistosomiasis dependem de um foco de água parada paradas

18,24,

18

. Grandes enchentes contribuem para acabar com as águas

. Isto não só melhora a qualidade da água destas águas e reabastece o

lençol freático, como tende a reduzir a produtividade de vectores como os mosquitos 18

. Estas cheias também aumentam as quantidades de peixe que se alimentam

destes vectores, reduzindo ainda mais o seu número

39,55,61

. Em zonas onde esses

focos de água parada secam de vez, as doenças relacionadas com a água diminuem significativamente

18

. Porém, isto forçou as comunidades que vivem nestas áreas

secas a estarem ainda mais dependentes do Rio Zambeze para tomar banho, água para beber, e outras actividades domésticas, fazendo com que se instalem mais perto do rio (e portanto aumentando o risco em caso de cheias)

18

. Isto fez com que

as populações estivessem também mais expostas a patologias e foi indicado como uma das razões para os vários ataques de crocodilos

18

.

Perda de plantações Para acrescentar às grandes e naturais cheias que tratam de fornecer energia a Cahora Bassa, pequenas e imprevisíveis enchentes durante a estação seca estão a aumentar as inseguranças alimentares ao longo do Zambeze

43,44,45

. Cahora Bassa

regularmente descarrega água armazenada durante a época seca para geração de energia eléctrica e a pedido de outros utilizadores influentes tais como as plantações de cana-de-açúcar e grandes ferry boats

26,43

. As maiores descargas são muitas vezes

durante o Inverno quando o fluxo de água é fraco e os utilizadores são mais exigentes

43

. Infelizmente é também nesta época que a plantação nas planícies

inundáveis é mais intensa, e portanto quando a barragem descarrega água que inunda estas plantações, as perdas são graves

38, 43

. Durante uma das visitas uma

comunidade perdeu entre 50% e 80% das suas plantações e foram registadas perdas até Caia

43,44

. Por vezes as plantações são perdidas, devido a estas cheias na estação

seca, apenas uma a duas semanas antes da colheita

43,44

. Se as comunidades fossem

alertadas destas mini-cheias, ou se estas descargas fossem previsíveis, as comunidades poderiam fazer a colheita em preparação ou até mesmo a tempo do plantio dos campos para que beneficiassem destas mini-cheias. Actualmente estas


descargas estão apenas a intensificar os problemas de segurança alimentar ao longo do Zambeze.

Figura 6: Campo a 500km a jusante de Cahora Bassa que ficou inundado provocado pela estação seca durante Outubro 2003.

Mphanda Nkuwa Explorar o potencial hidroeléctrico do Zambeze é visto como um importante componente do destrancar do vasto potencial de desenvolvimento da região e Mphanda Nkuwa é o primeiro passo em direcção a esse objectivo. A Barragem Hidroeléctrica de Mphanda Nkuwa será construída no Rio Zambeze apenas 70km rio abaixo de Cahora Bassa com um custo estimado de 2.5 biliões de dólares norte-americanos

28

. Esta barragem de 101metros de altura irá produzir 1348

MW de energia hidroeléctrica e comportará implicações sérias na futura saúde do Rio Zambeze

28,42,43,46

.

Não há dúvida que Moçambique está com uma necessidade desesperada de desenvolvimento. A luta pela independência e os 15 anos de Guerra Civil destruíram a pouca infraestrutura que existia. Menos de 5% da população moçambicana tem acesso à electricidade

66

. Os níveis de água e saneamento estão entre os mais baixos

do mundo e a segurança alimentar é um problema sério. Grandes barragens podem potencialmente providenciar soluções em termos de fornecimento de energia,


controle de comida e irrigação para a agricultura, mas muito frequentemente não cumprem com os seus objectivos

49

.

Figura 7: Desenho da Barragem de Mphanda Nkuwa pela UTIP.

Risco económico Qualquer projecto de barragem que custe cerca de 2.5 biliões de dólares norteamericanos é um risco, principalmente para um país do terceiro mundo como Moçambique. É certo e sabido que as barragens são famosas pelos seus custos excessivos, por não alcançarem totalmente as metas económicas projectadas e por apresentarem uma fraca recuperação económica dos custos financeiros

49

. O

promotor do projecto de Mphanda Nkuwa declarou que a energia produzida é direccionada à exportação e à energia doméstica de indústrias pesadas

28

.

Actualmente a região não possui indústrias pesadas, fazendo com que a África do Sul seja o único mercado forte em energia

37,42

.

A Eskom detém o monopólio na região do Sul de África em termos de fornecimento de energia e a situação de Cahora Bassa serve como bom exemplo dos problemas de fornecer um mercado glutted

37

. A Cahora Bassa vende a sua energia hidroeléctrica

para a Eskom (África do Sul), bem abaixo do preço de mercado (2 cêntimos contra 3.9 cêntimos sul africanos, três vezes menos que o valor de mercado e considera-se ser a exportação de energia mais barata do mundo.) A Eskom consegue manter este preço tão baixo por causa do seu excedente de energia e falta de mercados alternativos para Cahora Bassa

37

. Isto coloca sérias questões em relação à

viabilidade económica de Mphanda Nkuwa

28,42

.

Está claro que a produção de energia não é o problema principal em Moçambique, que tem um consumo de energia total estimado de cerca de 350MW (menos de 20% da produção de Cahora Bassa)

66

. Pelo contrário, é o fornecimento que falta em

Moçambique e o projecto de Mphanda Nkuwa não trata deste assunto, declarando que o projecto não será uma fonte de electrificação rural singnificativa

28

. Para além

disso, espera-se que o projecto apenas crie cerca de 30 empregos permanentes, mas afectará negativamente milhares de pessoas ao longo do Zambeze

28

.


Implicações ambientais e sociais

O Zambeze sofreu severamente com a já existente Barragem de Cahora Bassa, que Figure 8: Floodplain by Chitongolo near to the proposed Mphanda Nkuwa Dam

deixou uma devastação ambiental e social marcante. O projecto de Mphanda Nkuwa não só não lida nem procura ajudar resolver estas questões ambientais e sociais, como dificulta as actuais tentativas de aplicar descargas estipuladas com vista a restaurar as condições rio abaixo

28

impactos marcantes irreparáveis

26,28,42

. Na verdade foi referido que poderia tornar os . Se Cahora Bassa fosse a alterar as suas

descargas reguladas para descargas estipuladas que cumprissem determinadas exigências ambientais relativas ao fluxo, o projecto Mphanda Nkuwa teria impactos negativos

28,42

. Conforme declarado pelo Estudo de Viabilidade de Mphanda Nkuwa,

“descargas previamente estipuladas reduziriam a quantidade total de energia produzida pela barragem, e portanto, a sua viabilidade económica”

28

. Mphanda

Nkuwa não só falhará ao tentar resolver o actual problema causado pelas barragens já existentes, mas também colocará obstáculos na forma de resolvê-lo. Mais de 90% do fluxo da bacia hidrográfica do Zambeze é controlado pelas barragens de Kariba, Kafue Gorge e Itezhitezhi

35

. A de Cahora Bassa causou uma estimada

redução de 70% dos sedimentos transportados durante as cheias 24. Mphanda Nkuwa irá futuramente piorar a situação pois irá barrar o Rio Luia, um dos últimos fluxos não regulados com aproximadamente 28 000km 2 de área de drenagem

33

. Ainda se

desconhece a actual quantidade de sedimentos transportada, mas a contribuição para os depósitos de sedimentos ricos em nutrientes rio abaixo durante a estação de chuvas é considerada muito importante. O esquema de produção de energia intermitente sugerido de Mphanda Nkuwa também trouxe algumas preocupações, pois provoca pequenas cheias diárias. De acordo com o estudo de viabilidade, “o funcionamento intermitente das turbinas com uma grande variação diária do fluxo e do nível reconfiguraria o canal do rio... A reconfiguração do canal teria consequências significativas para a ecologia do rio, recessão da terra cultivada e actividades de residentes locais no canal.”

28

Os


impactos prejudiciais nas actividades de pesca e nas plantações nas planícies inundáveis iriam aumentar a insegurança alimentar na região. Ecologicamente, os impactos negativos do funcionamento intermitente das turbinas podem ser tão severos como documentados no exemplo do EIA: “o Rio Orange na África do Sul, entre as barragens de Gariep e de Van der Kloof e directamente rio abaixo, que recebe duas vezes por dia picos no fluxo da água para a produção de energia hidroeléctrica foi descrito como ‘um deserto ecológico’

28

.

Questões em torno da avaliação sísmica também foram levantadas. O estimado pico máximo de magnitude 6.1 na escala de Richter foi com base num registo curto de 42 anos

46

. Isto é bastante inferior (<30 vezes menos energia) que as duas zonas

sísmicas adjacentes que tiveram um pico de magnitude 7.1 e 7.3 na escala de Richter

36

. Diferenças tão grandes não são comuns em zonas sísmicas adjacentes

36

.

A falha pré-histórica de Bilila-Mtakataka no sul do Malawi foi julgada pelos seus descobridores como sendo a prova física do maior terremoto de falha normal no continente

36

. Considera-se que esta falha está demasiadamente perto ao local

projectado para a barragem

36

. Para alem disso, a falha activa de Estima atravessa a

albufeira apenas a 25 metros da parede da barragem

46

. Isto aumenta a chance de

ocorrerem terramotos devido à albufeira. Actualmente estas são apenas algumas das preocupações levantadas por peritos

36

, mas infelizmente não podem ser feitas

avaliações nem conclusões por peritos independentes devido ao facto de o relatório técnico, "Joint Venture, 2001, Report 024A", não estar fisicamente disponível para o público.

Mitigando riscos Baseadas no registo negativo de grandes barragens e nas experiências actuais da Barragem de Cahora Bassa, grandes preocupações em relação à construção de Mphanda

Nkuwa

9,13,26,36,38,43,47,54

foram

levantadas

pela

sociedade

civil

e

por

académicos

. O relatório da Comissão Mundial de Barragens (CMB) foi a crítica mais

profunda dos vários accionistas globais avaliando os impactos, riscos e sucessos de grandes barragens até a data de hoje

65

. Um dos principais objectivos do relatório da

CMB foi ajudar os accionistas a tomar decisões em torno de grandes barragens e identificar as necessidades, opções e riscos

65

. Baseadas nas conclusões, um

conjunto de directrizes na forma de sete estratégias prioritárias foram desenvolvidas com vista a ajudar a tomada de decisões e diminuir os riscos/problemas comuns associados a grandes barragens

65

.


A

CMB

atribui

grande

importância

na

conquista

conhecimento local e defesa dos direitos indígenas

65

da

aceitação

do

público,

. O projecto de Mphanda Nkuwa

não contou com um processo de participação significativa do público

42

. Audiências

foram realizadas apenas na área proposta para a albufeira, e baseadas em entrevistas realizadas em 2001 nas mesmas áreas

42

. A maioria das pessoas teve no

máximo um fraco entendimento do projecto, e um grande número não sabia absolutamente nada

42

. Mesmo depois do nosso projecto de capacitação que acabou

em 2004, ficou claro que é necessário ser feito muito mais antes das comunidades afectadas terem a capacidade de participar de forma eficiente e forte

43

.

No momento nenhuma repartição de benefícios é evidente e a maioria dos custos será suportada pela pobre população rural. Nem mesmo um plano claro de compensações foi feito

42

. A UTIP (Technical Unit for Implementation of Hydropower

Projects) declarou que é “algo que um potencial investidor tem que negociar com a população local”

33

.

Mphanda Nkuwa não observa nenhuma destas sete prioridades estratégicas e ignora em grande parte as directrizes da CMB, o que parece sugerir que está a seguir o mau 42

caminho das barragens anteriores

. O projecto apresenta um funcionamento

intermitente da turbina controverso que causa pequenas cheias diárias

28

. Bloqueia

os poucos sedimentos restantes e impede a possível restauração do baixo Zambeze através de descargas estipuladas

26

. Todas as seis opções dirigidas pelo EIA eram

barragens e até o EIA conclui que ampliar o vertedouro de Cahora Bassa é a melhor opção

28,42

. Esta opção poderia permitir também a restauração parcial das condições

naturais do fluxo do baixo Zambeze

28

. O projecto também levantou preocupações

relacionadas com a sua localização geotectónica e risco sísmico. O baixo nível de participação pública e a falta de partilha de benefícios coloca questões em torno da sua contribuição para diminuir a pobreza na região

42

. Baseado na informação

presente e na maneira como o projecto está a ser levado, grandes mudanças terão que ocorrer antes de a Barragem de Mphanda Nkuwa tornar-se benéfica para o desenvolvimento de Moçambique e a maioria da sua população. Passado, Presente e Futuro O vale do baixo Zambeze funciona em função do regime de fluxo sazonal do Rio Zambeze. Como com todos os ecossistemas, o Zambeze é produto de milhares de anos de evolução, sendo as cheias um factor vital para o seu funcionamento. Desde as práticas culturais mais antigas, tais como a agricultura de recessão, até a sincronização biológica e dependência dos seus ecossistema, as cheias são o coração


da passada, presente e futura saúde do Vale do Zambeze. As cheias trazem os sedimentos ricos em nutrientes, alimentam as secas planícies inundáveis com a tão necessária água, acabam com os focos de água parada e limpam os canais, as bifurcações e afluentes. A construção das Barragens de Kariba e de Cahora Bassa causou grandes alterações hidrográficas ao longo do Baixo Zambeze. As barragens afectaram gravemente as comunidades e os ecossistemas rio abaixo. A

seca

das

inundáveis

planícies

tornou

a

agricultura de recessão difícil e

aumentou

a

caça

aos

animais. A falta de cheias diminuiu as quantidades de peixe e causou perdas de cerca

de

30

milhões

de

dólares por ano na indústria de camarão. O assentamento permanente nas margens do rio, bancos de areia e áreas de planícies inundáveis consolidadas, que antes eram ocupados apenas sazonalmente, causaram a devastação e mortes Figura 9: O Rio Zambeze a entrada do Oceano Indico

durante as maiores cheias.

Isto diminuiu a capacidade das comunidades de gerir o risco de cheias. Em conjunto com algumas cheias imprevisíveis em época seca que acabam com as plantações causou uma mudança na visão das comunidades em relação à importância das cheias. A antes benção das cheias tem agora uma nuvem escura negativa a formarse à sua volta. Apesar de toda a informação em torno dos impactos negativos da regulação dos rios 31,40,53,62

; e a cada vez maior quantidade de estudos que mostram os impactos

negativos da Barragem de Cahora Bassa e as possíveis soluções para corrigir muitos destes impactos

4-6,23,30,63,64

, não foi feita nenhuma mudança para implementar estas

sugestões ou até mesmo incluí-las em futuros projectos de barragens no Zambeze. A Cahora Bassa ainda é controlada pelos portugueses e gerida da mesma forma pela qual foi originalmente planeada nos anos 70 e 80. “Como resultado, Cahora Bassa possui a dúbia distinção de ser a menos estudada e possivelmente o projecto de barragem menos ambientalmente aceitável em África” 15.


Figure 10: Blocked branch of the Zambezi River.

Infelizmente, os problemas já conhecidos associados às barragens não estão a ser tomados em consideração pelas práticas actuais e apenas irão exacerbar o problema, como visto com o projecto da Barragem de Mphanda Nkuwa. Para além de Mphanda Nkuwa, mais 5 barragens estão propostas para Moçambique. É vital que Moçambique desenvolva um sistema de apoio de decisões, baseado no relatório da CMB, a fim de identificar e diminuir alguns dos riscos associados às grandes barragens. Actualmente os EIA são vistos como um procedimento forçado e não como um processo para atingir a melhor decisão em direcção a um desenvolvimento mais sustentável e justo. Dentro do Governo, as considerações ambientais são vistas como anti-desenvolvimento e como um luxo que apenas os países desenvolvidos podem levar em consideração. Outra grande barreira para um Vale do Zambeze sustentável é a falta de coordenação entre os diferentes sectores, o preferência da gestão de água

em

direcção

navegabilidade desenvolvimento

e

a

determinados

indústria), fortemente

falta

de

sectores

económicos

participação

influenciados

pelas

pública

actuais

(energia e

práticas

hídrica,

modelos nos

de

países

desenvolvidos, que são confiantes em mega-projectos. Contudo, existem desenvolvimentos positivos a acontecer, que estão a lidar com alguns destes assuntos e tem havido progresso durante os últimos anos. Pesquisas extensas, como o Plano de Gestão de Marromeu, estão a ajudar a compreender o sistema do Zambeze e a desenvolver um plano de restauração para o Baixo Zambeze. Um aumento da consciencialização social devido a projectos de capacitação ajudou as comunidades ao longo do Zambeze a organizar-se e interessar-se em participar no desenvolvimento que os afecta. Novas políticas de água e uma Estratégia Nacional de Água estão a ser desenvolvidas, com o potencial de incluírem uma visão mais holística e integrada de futuros desenvolvimentos. A


intenção de criar a Comissão do Zambeze, ZAMCOM, poderia aumentar a comunicação entre os países vizinhos ao longo do Rio Zambeze. Após uma extensa consciencialização por parte da sociedade civil e de ONGs em torno do relatório da CMB, o Governo está a considerar iniciar um processo com os múltiplos accionistas para rever o relatório da CMB. Como foi mencionado anteriormente, este relatório possui o grande potencial de identificar e diminuir alguns dos riscos associados às grandes barragens. Sem boas directrizes e sistemas de apoio de decisão, as barragens continuarão a dificultar o desenvolvimento sustentável e a ficar aquém do seu potencial prometido.

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