Newsletter Dezembro 2018

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


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Mau Humor

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JA e outras organizações da sociedade civil confrontam a SASOL na sua reunião geral anual A JA foi a única organização a levantar uma questão sobre operações da empresa fora da África do Sul, – mais especificamente, nos campos de gás de Temane – na Central de Processamento da SASOL Petroleum Temane, na província de Inhambane, no sul de Moçambique.

Em Novembro, a empresa Sul Africana de petróleo e gás, SASOL, realizou a sua reunião geral anual (AGM) no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo. A JA, a par de algumas outras organizações, participou da AGM para levantar questões sobre as operações da SASOL. Composta pela South Durban Community Environmental Alliance (Aliança Ambiental Comunitária do Sul de Durban ou SDCEA), pela Women in Mining (Mulheres na Mineração ou WoMin) e pelo Centre for Environmental Rights (Centro para os Direitos Ambientais) – uma organização legal com sede na Cidade do Cabo, esta foi a primeira vez que a sociedade civil esteve presente numa AGM da SASOL.

As questões levantadas basearam-se especificamente num relatório de 2017, escrito pela organização moçambicana Centro de Integridade Pública (CIP) e intitulado SASOL continuará a enriquecer e o Estado Moçambicano a “vaca leiteira”.1 A matéria do relatório centrava-se em duas questões: 1 https://cipmoz.org/wp-content/uploads/2018/08/Texto-Sasol-FINAL-.pdf

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1. A SASOL compra gás à sua própria entidade – a SASOL Petroleum Temane – que extrai o gás, a preços muito baixos que se fixou. 2. Em seguida, ela vende-o na África do Sul a um preço muito mais alto, obtendo enormes lucros.

trabalho permanentes foram mantidos desde o início nos nossos vários negócios em Moçambique, a maioria na Província de Inhambane. A SASOL e os seus parceiros estabeleceram um Fórum de Ligação Comunitária, em Maimelane, no distrito de Inhassoro, na Província de Inhambane, que ajuda Uma flagrante transferência de preço. nas oportunidades de emprego para as 22 áreas circundantes do Centro O projecto é gerido pela SASOL de Processamento Central (CPF). Petroleum Temane Limitada (SPT), Aproximadamente 600 empregos pela Companhia Moçambicana foram alocados para membros dessas de Hidrocabonetos (CMH) e pela comunidades até hoje”. International Finance Corporation (Corporação Financeira Internacional Perguntámos qual era a diferença entre ou IFC). empregos “permanentes” e “alocados” e como era possível que, em 16 anos A SASOL respondeu ao relatório no seu de operação do projeto, eles criassem website e a JA optou por levantar duas apenas esse pequeno número de questões em particular: uma sobre o empregos em todo o país. emprego de moradores locais e outra sobre impostos. A sua resposta inicial foi “colocar em contexto” os participantes sobre o A SASOL não divulgou detalhe algum trabalho que a SASOL está a fazer das suas declarações anuais de em Moçambique, onde explicaram impostos, em vez disso, divulgou que são o maior contribuinte fiscal, apenas uma declaração geral, e nós que construíram clínicas e escolas havíamos planeado exigir acesso às e trouxeram moçambicanos para suas declarações anuais. No entanto, posições de gestão. foi-nos recusada a oportunidade de fazer a pergunta sobre impostos e só Foi só depois do membro da JA se pudemos focar-nos em empregos, pois levantar e gritar para ser ouvido, – eles insistiram que só podíamos fazer insistindo que o conselho oferecesse uma pergunta cada um. uma resposta adequada às perguntas – que eles finalmente responderam Uma das questões levantadas no explicando que os 300 empregos relatório foi que a SASOL não forneceu permanentes eram referentes a muitos empregos às comunidades funcionários que trabalham diretamente locais. A resposta dada pela SASOL na central e cujos salários são pagos a essa alegação em seu website diz o pela SASOL. Contudo, os 600 empregos seguinte: alocados são referentes a pessoas que “Até à data, mais de 300 postos de trabalham nas clínicas e escolas que a

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SASOL construíu para as comunidades, mas que não figuram na folha salarial da SASOL pois são pagas pelo governo moçambicano. Disseram então que a razão pela qual apenas 300 empregos foram criados na central é que “a central precisa de apenas 300 trabalhadores de cada vez”.

No geral, a AGM foi bem-sucedida por alguns motivos – surpreendemos a diretoria executiva, já que foi a primeira vez que eles foram diretamente confrontados pela sociedade civil numa reunião de acionistas. Eles foram forçados a responder perguntas na hora e, embora as suas respostas fossem vagas e até um pouco A SASOL criou-nos um grande condescendentes, ficou claro que obstáculo – embora tivéssemos estavam inseguros e com o pé atrás. Eles legitimamente providenciado a entrega certamente não esperavam deparar-se de formulários de participação aos com uma questão sobre Moçambique, membros da SDCEA e da WoMin, a e estavam claramente confusos sobre empresa não os reconheceu como como responder. Forçados a responder, representantes, alegando que seria trouxeram informações técnicas que, necessária uma carta da SASOL para o ainda assim, não explicam como, efeito – o que não nos foi comunicado sendo o maior contribuinte fiscal do antecipadamente e, como tal, privou- país, este permanece um dos mais os da oportunidade de colocarem as pobres do mundo – uma vez que não suas perguntas. conseguiram fazer qualquer diferença no problema do desemprego, mesmo A SDCEA lidera a luta contra a SASOL nas comunidades onde operam. na província costeira de Kwazulu Natal. Lá, a SASOL é responsável por dois A lição aprendida, no entanto, foi grandes derramamentos de petróleo, que é importante ter membros das e a par da empresa italiana Eni, está comunidade presentes para fazer agora a explorar novamente petróleo perguntas de experiências pessoais. no mar. O SDCEA tentou previamente Embora a contribuição da sociedade envolver-se diretamente com a SASOL, civil seja imperativa, a experiência mas foi recebido com hostilidade. Eles pessoal é imprescindível. minaram totalmente a contribuição da comunidade, criaram poluição atmosférica extremamente tóxica e os derrames de petróleo levaram a uma destruição massiva do ecossistema e da flora e fauna costeiras. A WoMin vem lutando contra as operações da SASOL em Secunda e Sasolburg há muitos anos. Estas regiões são as que mais sofrem às mãos da maior poluidora do país.

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Comunicado Acabámos de saber, que o jornalista moçambicano Estacio Valoi e dois jornalistas estrangeiros foram detidos pelas Forças Armadas de Defesa de Moçambique em Palma, na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Isto aconteceu na manhã de 17 de Dezembro de 2018. Os jornalistas tinham permissão das autoridades locais e provinciais para realizarem o seu trabalho de reportagem, mas foram detidos. Seu equipamento foi apreendido. Nós, a Justiça Ambiental, enquanto organização moçambicana da sociedade civil, não podemos aceitar este violação da liberdade de imprensa. Nós cidadãos temos o direito de deslocar-nos no nosso país e o direito de observar e relatar o que está a acontecer no nosso país, especialmente violações dos direitos humanos e outras injustiças. Se os jornalistas e a sociedade civil não tiverem a liberdade para investigar e monitorar, e forem oprimidos pelo estado e pelo exército, então a verdade será constantemente oprimida. Isto é inaceitável. Palma é o local onde o governo e as empresas moçambicanas estão a extrair gás. Isso está a afectar a vida e a subsistência das comunidades na área, está também a afectar a biodiversidade e certamente irá piorar a crise climática. Já começamos a ter impactos negativos e tanto os jornalistas como a sociedade civil têm o direito de monitorar a situação. Sem esta visão geral, a situação em Cabo Delgado poderá transformar-se numa crise humanitária. Nós dizemos “não” ao estado e aos militares que tentam impedir que a verdade seja exposta. Exigimos o reconhecimento dos impactos e injustiças que já ocorrem na área devido à iminente extracção de gás. Nós exigimos a libertação destes jornalistas imediatamente! Exigimos o direito dos jornalistas e da sociedade civil de monitorar os impactos e que esses impactos sejam abordados, discutidos e corrigidos. Denunciamos o conluio do Estado com as forças do capital privado, o que resulta na impunidade das empresas e na deterioração da vida da maioria dos moçambicanos. Justiça Ambiental Maputo 18 de Dezembro de 2018

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Quem beneficia das modificações genéticas como uma forma moderna de biotecnologia?

(Artigo apresentado na Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB COP14) no Egipto, 18.11.2018 por Kwami D. Kpondzo Oficial de Campanha / Amigos da Terra Togo Ponto Focal da Global Forest Coalition na Região Africana) O mundo está a sofrer porque a sua biodiversidade é mal protegida e mal preservada. A pergunta permanece, como planeamos preservar a biodiversidade para uma melhor vida na terra? Será por meio dos conhecimentos tradicionais ou da tecnologia moderna? Realmente, hoje em dia, a biotecnologia moderna é apresentada como a solução para melhorar a vida dos seres humanos na terra. Esta tecnologia invade o sector agrícola, forestal e de pesca, com o objectivo de melhorar a sua produtividade. Está na origem da destruição da biodiversidade e no desequilíbrio da harmonia na natureza. Além disso, a adopção de biotecnologias, tais como organismos genéticamente modificados (OGM’s), biologia sintética e modificações genéticas (tecnologias de informação de sequência digital) têm impacto nos meios de subsistência das comunidades. Os OGM’s foram inicialmente divulgados com a afirmação de que estes beneficiariam a população e a biodiversidade, mas este não é o caso. O exemplo do fracasso do algodão BT (algodão transgénico) na Índia e Burkina mostram-nos que não precisamos destas tecnologias arriscadas e falhadas.

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Na Índia, a Andhra Pradesh Coalition, no seu relatório intitulado “O algodão BT continuou a fracassar em Andhra Pradesh em 2003-2004?”, investigou os casos de 164 pequenos agricultores em três distritos de Andhra Pradesh, entre 2003 e 2004. O relatório indica que o algodão BT não aumentou a produtividade das colheitas de forma significativa. De uma forma geral, os lucros dos agricultores que cultivam o algodão BT diminuíram 9%. Em África, um relatório da COPAGEN (Coligação para a Defesa do Património Genético Africano) intitulado “O Algodão BT e nós- A Verdade dos Nossos Campos!”, publicado a 29 de Abril de 2017, demonstra uma conclusão condenatória. O relatório descreve as consequências do cultivo de algodão genéticamente modificado pela Monsanto, na Burkina Faso. A pesquisa de campo feita num período de três anos, que involveu 203 produtores de algodão, mostrou claramente que na época de colheita de algodão de 20142015 e 2015-2016, a produção foi menor que a produção tradicional do algodão. Estes exemplos mostram o perigo do uso destas biotecnologias modernas na agricultura. Existe aqui, claramente, um conflito de interesses entre a conservação da biodiversidade e o uso de organismos genéticamente modificados e outras formas modernas da biotecnologia, tais como modificações genéticas. Estas modificações genéticas, podem ter um grande impacto na saúde humana, no meio-ambiente e na biodiversidade. Com base em várias descobertas relativas ao uso da biotecnologia moderna na agricultura, temos boas razões para acreditar que os promotores da biotecnologia moderna estão a beneficiar desta. Nós dizemos NÃO às modificações genéticas e às falsas soluções para a crise da biodiversidade.

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7 Perguntas a Anabela Lemos, a Directora da Justiça Ambiental Antes de mais, como foi 2018 para a Justiça Ambiental? Fale-nos do que marcou o vosso ano, pela positiva e pela negativa. Pela negativa, destaco as frustrantes decisões de desenvolvimento do nosso governo; o apertar do cerco ao espaço da sociedade civil; as constantes ameaças de que somos alvo fruto das nossas posições; o antagonismo entre algumas organizações da sociedade civil; a postura do governo – que prefere tratar como inimigos todos que questionam ou discordam das suas decisões, em vez de nos tratar como parceiros com ideias diferentes; o regresso do projecto da barragem de Mphanda Nkuwa; e a captura das nossas florestas pelo Banco Mundial; entre outros. Pela positiva, destaco em primeiro plano a nossa escola de Justiça Ambiental em Nampula e a escola agroflorestal no monte Mabu, na Zambézia, que valeram, acima de tudo, pela satisfação de ver o interesse e o envolvimento dos participantes. Destaco também que os nossos Tribunais tenham finalmente ordenado a Jindal a realocar as comunidades que ainda vivem dentro da mina e deliberado que a Mozal passe a divulgar os seus planos ambientais e as suas emissões – mesmo que até à data não tenhamos recebido qualquer informação e apesar da Mozal ter recorrido da decisão. Destaco ainda o lançamento do nosso pequeno documentário sobre o gás e os avanços alcançados pela campanha internacional de que fazemos parte, cujo fim é a elaboração de um tratado para acabar com a impunidade corporativa. Resumidamente, acho que este ano conseguimos fincar as nossas posições, consolidar as nossas campanhas e manter-nos firmes nesta luta para garantir o futuro deste planeta e por um Moçambique justo e soberano, para os nossos filhos, netos, bisnetos e todas as gerações vindouras – o que, tomando em conta as adversidades que enfrentamos e o contexto em que trabalhamos, é sem dúvida uma vitória.

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E como acha que foi 2018 para o país? O que teve de melhor e de pior? De melhor: a ordem dos advogados estar a defender os direitos das comunidades; o caso do DUAT da anadarko ser considerado ilegal; a continuação da proibição de exploração das madeiras Pau-ferro, Mondzo, Nkula, Inhamarre e Mbuti. De pior: os aumentos na energia, combustíveis… no custo de vida em geral; a impunidade concedida aos responsáveis pelas “dívidas ocultas”, a impunidade concedida aos autores de recorrentes violações dos direitos básicos das comunidades rurais; a impunidade concedida a empresas internacionais em prol de interesses económicos; o aumento da pobreza; os conflitos em Cabo Delgado; as isenções fiscais e outras regalias concedidas às companhias que vão investir no gás; as inconsequentes “mexidas” na legislação para melhor acomodar investimentos estrangeiros; as eleições autárquicas. O que pensa a Justiça Ambiental da intenção do governo de alavancar a economia nacional com os projectos de gás da bacia do Rovuma (inclusive da sua intenção de usar eventuais dividendos para amortizar as dívidas do país)? Uma decisão errada – como o carvão, as plantações de monoculturas exóticas em lugar das nossas florestas, as dívidas ilegais – entre muitas outras. Os contractos feitos com as companhias, não vão resultar em dividendos alguns nos primeiros 30 anos, e depois disso sabe-se lá o que acontecerá... É uma ilusão acreditar que os dividendos vão pagar a dívida. Os impactos ambientais e sociais da exploração do gás serão irreversíveis, e o que perdermos, será para sempre: falo de ecossistemas únicos e que mantêm o equilíbrio ambiental. Não há negócio ou dinheiro algum que pague essa perda. Em termos sociais, a perda ou roubo de terras às comunidades pesqueiras e camponesas, equivale à perda de meios de subsistência, de vida e de direitos dessas comunidades, aumentará a sua pobreza, resultará no diminuir do seu nível de escolaridade, piorará o seu acesso à saúde e atentará aos seus direitos básicos. Por outro lado, continuamos a focar-nos quase que exclusivamente na indústria extrativa como via de desenvolvimento, em vez de diversificarmos a nossa economia. Como muitos outros países africanos e do chamado Sul Global, continuamos a seguir o caminho da maldição dos recursos. Será que não deveríamos aprender com os outros e ser mais sábios? Se fizéssemos as escolhas certas – como investir na educação, na saúde, nas energias renováveis e descentralizadas, no apoio à agroecologia camponesa, na descentralização dos processos de produção, em conservar as nossas florestas e recursos hídricos – poderíamos ser um exemplo em África. Mas não. Não estamos interessados em soberania energética, alimentar, económica e política. Uma das críticas mais recorrentes que a JA faz em seus artigos de opinião é à apatia da sociedade civil moçambicana. Acha que essa crítica está a surtir algum efeito? Os moçambicanos estão a “acordar”? Espero que sim, porque só questionando o nosso governo e as suas decisões é que poderemos viver num país livre e transparente, em que as decisões do tal de “desenvolvimento” não sejam impostas por uma minoria, e totalmente alheias ao que o povo moçambicano realmente quer. Como diz o velho ditado: “Nada para nós, sem nós”. Para aqueles que fazem parte da pequena elite de privilegiados, está tudo bem. Afinal,

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são eles os grandes responsáveis pela situação actual do País. Abaixo deles, os pequenos burgueses, fazem tudo para manter os seus privilégios, e como tal, não querem saber. Não lhes interessa a mudança. Como os três macacos sábios, não veem, não ouvem e não falam. Não estão interessados em resolver qualquer problema ou injustiça. Não acredito que esses possam deixar de viver na apatia. Sobre os restantes, tenho plena consciência que existe muito medo de falar em certos assuntos. Medo que algo possa acontecer, ou medo que marcar uma posição possa simplesmente parecer mal. Para mim, esse medo é simples cobardia. Todo o cidadão deve pronunciar-se quando perante uma injustiça, porque quem cala consente. Penso o mesmo sobre os activistas que evitam entrevistas, ou assinar petições, mesmo concordando, por medo de represálias. Ceder ao medo só piora a situação. Mas a luz ao fundo do túnel continua a brilhar. Hoje vejo muitos jovens mais abertos, mais interessados nos problemas ambientais e sociais, mais lúcidos em termos de valores. Exemplo disso foi a reação e a solidariedade de muitos deles face à noticia sobre a prisão do jornalista Estacio Valoi e outros, em Palma. Não nos podemos calar quando nos deparamos com injustiças, só assim poderemos acabar com elas. Há quem teorize que o desacelerar da economia nos últimos anos, abrandou também a corrida à nossa terra. O que acha desta teoria e qual o ponto de situação de casos como o ProSavana, a Portucel ou a Green Resources? A corrida à nossa terra continua porque a nossa terra é dada de mão beijada a investidores estrangeiros. Poucos países “doam” terra como o nosso: usurpando-a a quem de direito lá vive – seja por meio de falsas promessas ou simplesmente à força. O Prosavana ilustra precisamente isso, pois apesar da vasta maioria dos afectados ser contra o programa, o governo mostra-se incapaz de tomar uma posição consonante com a vontade do povo. O mesmo acontece com as várias plantações florestais país a fora, que só têm trazido conflitos e mais pobreza para o camponeses, enquanto os nossos governantes continuam a ignorá-los e a dar mais terra a companhias que estão constantemente a violar os direitos das comunidades directamente afectadas. As companhias transnacionais e o investimento directo estrangeiro são vistos, frequentemente, por países como Moçambique, como “messias económicos”. Qual é a sua opinião em relação a esta política de desenvolvimento? Uma ilusão. As transnacionais não vêm ajudar o país. Vêm sim, enriquecer-se mais à custa dos nossos recursos, e vêm ajudar a enriquecer mais ainda a nossa já privilegiada elite. E quando os recursos terminarem – porque tanto o petróleo, como o gás, o carvão, e outros, não são recursos renováveis – vamos ficar com um país ainda mais pobre, poluído, repleto de ecossistemas destruídos e com um povo sem terra. Entretanto, durante a sua exploração, vão violar constantemente os direitos humanos e os nossos bens comuns e destruir o nosso ambiente. Enquanto as companhias transnacionais continuarem a actuar com impunidade e a ter como prioridade o lucro em vez do bem estar dos seres humanos e seus bens comuns, não haverá “desenvolvimento” para Moçambique ou qualquer outro país.

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Vocês são frequentemente rotulados de radicais ou contra o desenvolvimento. Acha que essa vossa postura poderá estar a melindrar a vossa relação com o Estado e a privar-vos de uma relação mais colaborativa e produtiva com este? A título de esclarecimento, nós somos rotulados de “radicais” pura e simplesmente porque somos fiéis ao que acreditamos. Se achamos que algo está errado, não cruzamos os braços e aceitamolo. Isso não é ser radical, é ter ética. Para mais, acreditamos que as posições que assumimos em relação às várias questões com que trabalhamos, não têm nada de radical; antes pelo contrário, por serem pela vida e pela sobrevivência do planeta, as nossas posições deveriam ser vistas como absolutamente consensuais. Radical é colocar esses princípios em segundo plano. Vivemos numa época de crises, como por exemplo a crise climática, que apesar de ser uma ameaça cientificamente incontestável à sobrevivência do planeta e das futuras gerações, continua a ser ignorada pela maioria dos países – que preferem continuar a enveredar por soluções falsas e distrações ao problema real, quando a solução para o problema é simples: parar com os combustíveis fósseis. Mas nós é que somos os “radicais”... Por outro lado, os primeiros a levantarem as suas vozes contra a escravidão, contra a descriminação racial ou pela igualdade de direitos das mulheres, também foram considerados radicais. Talvez ser radical não seja assim tão mau. O tempo julgar-nos-á. No nosso país, apesar dos nossos avisos e dos exemplos mundo a fora que apontam para o abandono de energias fósseis – cada vez mais obsoletas – como a opção sensata a tomar, depois do carvão chega agora a vez do gás... Desenvolvimento? Olhem para Tete. Vejam “tudo” o que o carvão trouxe a Tete. Em 2004/5, nós os “radicais contra o desenvolvimento” fizemos a advertência e poucos acreditaram. Hoje, a maioria já começa a perceber o triste desfecho que se adivinha. Onde está esse desenvolvimento de que tanto falaram? Pior que isso, aparentemente não aprendemos nada, e o gás em Cabo Delgado é a prova disso. Respondendo à sua pergunta, estamos cientes que a nossa postura incomoda muita gente. E infelizmente, na maioria dos casos, é efectivamente muito difícil ter uma relação colaborativa e produtiva com o nosso governo porque os nossos diferendos – por exemplo em relação às questões climáticas, às plantações de monoculturas exóticas, às escolhas de recursos energéticos, entre vários outros – são inconciliáveis. As escolhas do nosso governo nessas matérias são, em nossa opinião, fundamentalmente erradas e só virão agravar a crise climática; como tal, sentarmo-nos à mesma mesa para discutir ajustes não faz qualquer sentido. Sinceramente, isto entristece-nos; mas em alguns casos pontuais até conseguimos colaborar. Resumidamente, não podemos dizer que estamos a desenvolver-nos quando a pobreza aumenta, a educação piora e o apoio à saúde é mínimo. O que se está a passar em Moçambique não é desenvolvimento, pois quando um país se desenvolve, a vida dos seus cidadãos melhora, e não é isso que está a acontecer.

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Declaração Universal dos Direitos Humanos fez 70 anos Há 70 anos, a 10 de Dezembro de 1948 a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Esse documento é um dos mais importantes para todos os seres humanos, porque são direitos que são atribuidos a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à paz e ao direito ambiental entre e muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação. A sua principal função é garantir a dignidade de todas as pessoas. Hoje, para comemorar uma data tão importante na história da humanidade, a Ordem dos Advogadas, JA!, Hikone, Adecru, Lambda, entre outras organizações, organizaram uma feira com o lema “Recursos Naturais, Corrupção e Direitos Humanos em Moçambique” - Livres e Iguais. A feira teve exposição de livros, teatro, relatórios, assistência jurídica, feira de saúde e até emissão de BI’s. Passámos o dia em palestras e debates sobre as violações dos direitos humanos, e com os testemunhos das comunidades afectadas pelo mega-projectos nas províncias de Tete, Zambézia e Cabo Delgado, ilustrando a necessidade de um tratado vinculativo para acabar com a impunidade das empresas transnacionais. “Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, … a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações…” - Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

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Notícias Internacionais Alemanha diz adeus à sua última mina de carvão A última mina de carvão da Alemanha, na bacia do Ruhr, será fechada na sexta-feira, pondo fim à história de uma indústria-chave na Europa, que tornou possível o milagre econômico alemão. Antes que os 1.500 mineiros de Prosper-Haniel pendurem seus capacetes e uniformes brancos, será montado simbolicamente um último bloco de carvão, durante uma cerimônia na presença do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. “Em breve tudo isto terminará, e só restará uma grande tristeza”, disse ao jornal Bild Thomas Echtermeyer, mineiro com 30 anos de experiência. As minas de carvão e os altos-fornos nas colinas renanas, em auge desde o século XIX, alimentaram a indústria alemã. “Durante 150 anos, o carvão foi o principal recurso energético e a matéria-prima mais importante do país: na química, na indústria, para aquecer a casa, durante as duas guerras e em todas as negociações de pósguerra”, comenta o historiador Franz-Josef Brüggemeier. Nos vestiários dos mineiros tiveram origem grandes lutas sociais alemãs. As greves de 1919 e 1968, lideradas pelos poderosos sindicatos mineiros, estabeleceram as bases das primeiras políticas social-democratas na Alemanha. Em nível europeu, foi em volta do carvão do Rhur que começou, em 1951, a integração econômica entre países ex-inimigos, com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mas desde os anos 1960, o carvão renano está morrendo, incapaz de competir com os preços do exterior. O governo manteve o setor com enormes subsídios, incluindo um bilhão de euros em 2017. Berlim decidiu pôr fim aos gastos em 2007 e se deu o prazo de 11 anos para se preparar para a conversão socioeconômica de sua bacia mineira. A Alemanha deixará de extrair seu próprio carvão, mas não o abandonará. Quase 40% da rede elétrica alemã é alimentada pelo carvão em suas duas formas: a hulha e seu primo poluente e barato, o linhito. O país tem grandes minas de linhito a céu aberto, uma delas ocupada por ativistas ambientais na Floresta de Hambach. E as usinas com carvão importado da Austrália ou da China operam plenamente, inclusive no Ruhr. A Alemanha está embarcando em uma transição energética perigosa e precisa do carvão para apoiar a eliminação da energia nuclear, enquanto as energias renováveis apresentam problemas de transporte e armazenamento. Por seus compromissos climáticos, frustrados pelas emissões associadas ao carvão, o governo alemão anunciará em fevereiro o esquema de seu plano para abandonar gradualmente esta fonte de energia, com limite previsto para 2050. https://www.msn.com/pt-br/noticias/meio-ambiente/alemanha-diz-adeus-%c3%a0-sua-%c3%baltimamina-de-carv%c3%a3o/ar-BBRbCZ0 Acabar com os subsídios para o sector de carne e soja é fundamental para deter o desmatamento, mostra novo estudo Incentivos para produzir e exportar carne e rações animais como a soja nos principais países produtores como Brasil, Paraguai e Argentina são uma das principais causas de desmatamento e perda de biodiversidade, diz um novo documento [1] Coalizão Florestal (GFC) [2] na Convenção de Biodiversidade (CBD) da Conferência das Partes no Egito hoje [3]. Tais subsídios devem ser eliminados até 2020 para conservar a biodiversidade, de acordo com a Meta de Aichi 3 [4], enquanto incentivos positivos devem ser desenvolvidos para apoiar alternativas, diz o documento. A indústria pecuária e de matérias-primas (principalmente a soja), no que o jornal chama de os três países da ‘United Soy Republic’, estão recebendo incentivos significativos, como subsídios e cortes de impostos. O Brasil, por exemplo, continua sendo um dos países com as maiores taxas de desmatamento do planeta. Entre 2005 e 2015, o governo brasileiro investiu US $ 3,18 bilhões na pecuária, dos quais 90% foram para apenas três corporações. Em 2017, 48 bilhões de dólares foram para empresas do agronegócio na forma de crédito barato [5]. Em comparação, apenas 115,6 milhões de dólares foram alocados para combater o desmatamento e a degradação florestal. https://globalforestcoalition.com

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