Newsletter Dezembro 2016

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Boletim Informativo da Justiça Ambiental

Dezembro 2016 existe neste campo, a captura corporativa do processo em si é também um dos maiores receios das OSCs envolvidas. Intervenções como as do Dr. Michael Hopkins, representante do Corporate Social Responsibility Finance Institute (Instituto Financeiro e de Responsabilidade Social Corporativa), que afirmou que regulamentar é bom desmente que não lese o negócio, demonstram taxativamente não só o tipo de pressão exercida pelos representantes do mundo corporativo no processo, mas também o quão descontraidamente prepotente é a postura do sector. Sempre polémico, Hopkins chegou mesmo a questionar o que poderiam as empresas esperar dos Estados em troca de uma maior responsabilidade corporativa. Uma premissa chocante: esperar ser recompensado por agir com decência e responsabilidade. Como se não fosse sua obrigação... De um modo geral, em nossa opinião, o encontro do Grupo Intergovernamental de Trabalho deste ano foi satisfatório. Como já se esperava, são notórias as divergências entre os diferentes intervenientes, mas a agenda avançou sem comprometer o processo, e isso era fundamental. O maior engajamento de todas as partes envolvidas no processo espelha a relevância que este tem vindo a ganhar, bem como as expectativas depositadas no mesmo. De louvar, o trabalho desenvolvido pelas OSCs europeias que disseminaram o processo e forçaram um maior envolvimento das delegações do velho continente. De lamentar, (apesar do forte papel assumido pela África do Sul na condução do processo) a paupérrima presença de delegações de Estados Africanos nas plenárias. A delegação Moçambicana? Nem vê-la... Mas ainda vamos a tempo. O próximo encontro, no ano que vem, será vital. Dele espera-se que resulte o primeiro draft do instrumento legal em apreço. Até lá, muito trabalho em mãos.

Justiça Ambiental no Palácio das Nações Dois anos volvidos após o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ter adoptado a resolução 26/9 sobre a elaboração de um instrumento legal internacional vinculativo que garanta o respeito pelos direitos humanos por parte das corporações transnacionais e outros negócios, e pouco mais de um ano após o primeiro encontro entre as várias partes no Palais des Nations, nas Nações Unidas em Genebra, a bela cidade helvética situada na extremidade sul do Lago Lemán voltou a ser palco de nova reunião do Grupo Intergovernamental de Trabalho encarregue de dar forma ao mecanismo. E se no ano passado as sessões de trabalho ficaram marcadas pela lamentável fraca aderência de delegações dos Estados membros, mas também pelos entraves ao processo criados pelas contribuições tardias do bloco da UE, este ano as coisas correram um pouco melhor. Para começar, se a participação de delegações dos países membros foi desta feita significativamente maior, a de Organizações da Sociedade Civil foi notoriamente muito maior. Mais de 60 representantes de OSCs de 29 países diferentes – na sua maioria articuladas à Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo – participaram activamente nos trabalhos, tanto através de intervenções orais durante as discussões, bem como enquanto painelistas convidados pelo grupo de trabalho. A JA, como parte integrante da delegação da Amigos da Terra Internacional, contribuiu para o processo denunciando os casos específicos da Vale e da Jindal em Moçambique, fundamentando com o seu testemunho a necessidade que Moçambique e África em geral têm que um instrumento legal de carácter obrigatório que regule as acções das corporações transnacionais seja instituído. Sem surpresa, com discursos em tudo idênticos ao da JA, vários foram os representantes de organizações de países do Sul Global que relataram casos em que os mecanismos legais dos seus Estados – na maioria das vezes porque capturados por corporações cujo volume de negócios é muitas vezes superior ao PIB do seu país – são incapazes de controlar as acções dessas empresas. Aliás, no âmbito desta missão de criar um mecanismo de Direito Internacional que preencha o vazio legal que

Petição Contra Plantações Florestais Para: Green Resources A. C.: Director – Sr. Mads Asprem The Navigator Company/Portucel Mozambique A. C.: Presidente da Comissão Executiva Sr. Diogo da Silveira Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Moçambique A. C.: Exmo. Sr. Ministro, Celso Correia Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar de Moçambique A. C.: Exmo. Sr. Ministro José Pacheco

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C.C. Gabinete do Presidente da República Assembleia Geral da República Procuradoria Geral da República Governador da Província de Zambézia Governador da Província de Niassa Governador da Provincia de Nampula

longo período de seca que vem afetando grande parte da região. Empresas de plantação e governos muitas vezes prometem oportunidades de emprego a comunidades afectadas pelas plantações industriais. No entanto, os trabalhos que se concretizam costumam ser temporários e mal pagos, e não compensam a perda simultânea de terras agrícolas e soberania alimentar. Os impactos já graves das plantações industriais de árvores sobre as comunidades são ainda mais graves para as mulheres, que são responsáveis pela produção de alimentos e a coleta de água em muitas comunidades. Os muitos impactos negativos causados pelas empresas de plantação não impedem que estas obtenham certificação para as suas plantações. O Conselho de Maneio Florestal (FSC, Forest Stewardship Council) é um dos esquemas de certificação muito usados na indústria de plantações. É uma ferramenta poderosa nas mãos das empresas de plantação, pois declara que as plantações dessas empresas são “sustentáveis”, ou seja, sugere que estas não causam danos nem violam os direitos das comunidades – enquanto, em muitos ou na maioria dos casos em que foram estabelecidas grandes monoculturas de árvores, o que acontece é o oposto. Esse certificado tornou-se um pré-requisito cada vez mais importante para as empresas de plantação, com vista a garantir o financiamento de investidores de capital financeiro do Norte. No entanto, as comunidades afectadas pelas plantações que são certificadas por empresas de consultoria credenciadas pelo FSC – cujos serviços são pagos pelas empresas plantadoras – continuam a enfrentar a maioria dos mesmos problemas de antes da certificação, pois o FSC não considera o caráter de “grande escala” e “monocultura” das plantações industriais de árvores, nem os conflitos de terras não resolvidos, como um obstáculo para a certificação. No entanto, essas são exatamente as principais características responsáveis pela maior parte dos impactos negativos das plantações. Na prática, as empresas de plantação se beneficiam do FSC, que ajuda a pintar uma imagem bonita, mas falsa, de uma dura realidade. É esse quadro cor de rosa de “sustentabilidade” que ajuda as empresas de plantações a garantir o dinheiro dos investidores e continuar a expandir.

Cada vez mais empresas e investidores de capital financeiro do Norte consideram os países do leste e do sul da África atractivos para obter lucros fáceis ao se cobrirem grandes áreas de terra com monoculturas de árvores, como eucalipto e pinheiro. As empresas são atraídas por terra e mão de obra baratas, regras ambientais menos rígidas e produtividade da madeira por hectare bem maior do que, por exemplo, na Europa. As condições favoráveis ao cultivo são resultado da disponibilidade e do acesso a terras férteis e água, bem como de um clima benéfico. Devido a essas características, as terras férteis de interesse para empresas de plantação em países do leste e do sul da África tendem a fazer parte dos territórios nos quais as comunidades garantem e reproduzem suas vidas e seus meios de subsistência, e abastecem os mercados locais com os produtos alimentares que cultivam. Com frequência, a conversão dessas terras em plantações de monoculturas de árvores resulta em graves conflitos de terra onde as comunidades resistem à invasão de seus territórios. Infelizmente, em vez de defender os interesses das comunidades rurais camponesas, os governos nacionais no leste e no sul da África facilitam o acesso das empresas de plantações a áreas com terras férteis, embora estas geralmente sejam controladas e usadas pelas comunidades locais. Em vários lugares, o estabelecimento de plantações de árvores levou à deslocação imediata ou gradual de comunidades inteiras. Onde as comunidades conseguem resistir e defender as suas casas, mas perdem seus territórios para as plantações de monoculturas de árvores de uma empresa, em algum momento começam a perceber os impactos no das mesmas no abastecimento de água, entre outros. Ao longo dos anos, a experiência sulafricana com grandes monoculturas de árvores de eucalipto e pinheiro, que afectam em muito as fontes de água no país, tem sido um exemplo preocupante e muito didático. Esse uso excessivo de água pelas monoculturas de árvores é ainda mais preocupante no contexto das mudanças climáticas e do recente e muito

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Gostaríamos de destacar duas entre as muitas empresas que promovem grandes plantações industriais de árvores em países do leste e do sul da África: a norueguesa Green Resources (GR) e a Portucel Moçambique, de propriedade da empresa portuguesa The Navigator Company. A GR opera em vários países da região. A razão para destacar essas empresas é que ambas estão entre as mais activas na região e, portanto, as suas atividades já apresentam graves impactos negativos sobre as comunidades locais, os quais serão agravados ainda mais se a expansão anunciada por essas empresas não for interrompida. A Green Resources (GR) opera em Moçambique, na Tanzânia e em Uganda. Em Moçambique, a empresa adquiriu, entre 2005 e 2009, os títulos de uso sobre 264.898 hectares de terra em três províncias: Nampula, Niassa e Zambézia. Até hoje, cerca de 10% do total da área foram plantados, a maioria muito próximo a aldeias, estradas principais e recursos hídricos usados pelas comunidades locais. Não houve uso de terras marginais ou degradadas, ao contrário do que empresas e governos normalmente afirmam. Todas as comunidades visitadas durante a investigação de campo que resultou em um relatório a ser lançado neste mês de setembro têm feito várias queixas, que vão de falsas promessas sobre benefícios a usurpação de terras. A Portucel Moçambique, por sua vez, anunciou a construção de uma enorme fábrica de celulose e, portanto, está a expandir as grandes plantações de árvores em Moçambique, visando uma área de 356.000 hectares nas províncias centrais de Zambézia e Manica. Embora apenas uma pequena parte da área total tenha sido plantada até o momento, já existem conflitos com comunidades locais, principalmente devido a processos inadequados de consulta às comunidades, falsas promessas de emprego e melhoria das condições de vida, concentração de terras e competição por terras férteis usadas para produção de alimentos, indemnizações inadequadas por terras perdidas para a empresa e queixas sobre menor disponibilidade de água após o estabelecimento da plantação. Muitas vezes, há resistência por parte de comunidades no leste e no sul da África que, em função do estabelecimento de plantações por empresas como GR, Portucel e outras, perdem o controle sobre os seus

territórios e veem se cercadas por plantações. Em muitos casos, estas resistem com muito pouco ou nenhum apoio externo e, portanto, as suas lutas permanecem invisíveis. A tendência é que cada vez mais comunidades enfrentem essa situação, como resultado de vários dos chamados grandes planos de “reflorestamento” lançados nos últimos anos, tais como a Iniciativa para a Restauração da Paisagem Florestal Africana (AFR100). A AFR100 foi lançada em paralelo à conferência do clima na França, no ano passado, e tem acesso a um bilhão de dólares do Banco Mundial, além de contribuições de outros financiadores públicos e privados. A AFR100 afirma que irá apoiar a mitigação das mudanças climáticas e melhorar os meios de subsistência. Mas a experiência com projetos e planos de “reflorestamento” feitos de cima para baixo e com fins lucrativos, promovidos pelo Banco Mundial e a FAO no Sul Global nas últimas décadas – e a AFR100 parece ter muitas das mesmas características – mostra que esses projetos resultam em mais monoculturas de árvores em grande escala, as quais beneficiam um grupo muito pequeno de empresas, fundos de investimento e consultores, enquanto ameaçam a grande maioria das comunidades rurais que vivem nas áreas visadas por esses projetos e planos de “reflorestamento”. Como resultado dessas iniciativas, as comunidades tendem a permanecer sem terras, sem comida e sem água. Nós, organizações, grupos, movimentos e indivíduos abaixo assinados, por ocasião do 21 de setembro, Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores, expressamos a nossa solidariedade e nosso apoio às comunidades que lutam contra a expansão dessas grandes plantações. Exigimos que a Green Resources, a Portucel e todas as outras empresas e investidores de capital financeiro que estão a usurpar terras ou a planear apoiar a concentração das terras agrícolas férteis para monoculturas de árvores no leste e no sul da África as devolvam às comunidades. Ao fazer isso, podem contribuir para impedir novos conflitos entre as companhias de plantação e governos e resolver os muitos já existentes em toda a região. Exigimos que o Governo de Moçambique mantenha sua Lei de Terras e garanta que os direitos das comunidades a terra, água e alimentos sejam

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devidamente respeitados. 21 de Setembro – Plantações não são florestas!

Encontro com as Comunidades de Tete: A Luta Continua

Nota: Esta petição, contendo 12332 assinaturas de várias organizações nacionais e estrangeiros, bem como singulares, em solidariedade e apoio às comunidades que lutam contra a expansão das plantações de monocultivos de árvores em Moçambique, foi entregue aos destinatários identificados no documento dia 30 de Setembro de 2016. Os que a firmaram demandam que “a Green Resources, a Portucel e todas as outras empresas e investidores de capital financeiro que estão tomando terras ou planejando apoiar a concentração das terras agrícolas férteis para monoculturas de árvores no leste e no sul da África as devolvam às comunidades. Ao fazer isso, podem contribuir para impedir novos conflitos com as comunidades e resolver os muitos já existentes em toda a região. Exigimos que o Governo de Moçambique mantenha sua Lei de Terras e garanta que os direitos das comunidades a terra, água e alimentos sejam devidamente respeitados.” A petição foi lançada como parte de várias actividades por ocasião ao dia 21 de Setembro, Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores que celebra a resistência no mundo das comunidades que vivem no campo à usurpação de suas terras por causa de grandes projetos de plantações de monoculturas de árvores como o eucalipto, uma tendência crescente também nos países do Leste e Sul da África que gera uma série de impactos negativos sobre as comunidades, como explica a carta. Novos mega-projetos e incentivos como, por exemplo, a Iniciativa para a Restauração da Paisagem Florestal Africana (AFR100) tendem a agravar estes impactos ainda mais No mesmo dia 21 de Setembro do corrente ano em Maputo, paralelamente à entrega desta petição, foram lançados dois importantes relatórios que alertam sobre situações de disputa e violação de terra das comunidades locais por parte das empresas que operam no ramo das plantações de monoculturas, nomeadamente a Lúrio Green Resources com sede na Noruega e a Portucel Moçambique/ The Navigator Company com sede em Portugal. O primeiro relatório lançado denomina-se “O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique” e foi produzido pelas organizações moçambicanas Livaningo, UNAC (União Nacional dos Camponeses) e Justiça Ambiental; e o segundo “Portucel - O Processo de Acesso à Terra e os direitos das comunidades”, e foi elaborado pela Justiça Ambiental em parceria com a World Rainforest Movement.

Em Novembro de 2016, a Justiça Ambiental (JA) deslocou-se a Tete, no centro de Moçambique, para uma visita de campo às comunidades afectadas pelas empresas mineiras com quem tem trabalhado nos últimos anos. A visita tinha três propósitos principais: 1. Explicar e relatar o processo com o Tribunal Permanente dos Povos (TPP), que começou este ano e levou alguns representantes dessas comunidades a expor directamente aos jurados do tribunal a sua situação; 2. Relatar de forma sucinta o nosso trabalho durante a Semana de Mobilização dos Povos em Genebra; e 3. Realizar uma sessão para juntos elaborarmos estratégias e pensarmos em acções futuras, no que tem funcionado e nos principais obstáculos com que nos temos deparado no acesso à justiça. A reunião de um dia e meio reuniu mais de sessenta pessoas de dez bairros/comunidades diferentes afectadas pelas transnacionais Vale, Jindal e ICVL. Os problemas que enfrentam – alguns deles há já cinco anos – são praticamente os mesmos em todas as comunidades, tanto nas novas aldeias de reassentamento como Cateme (Vale) e Mualadzi (ICVL), como nos bairros que já existiam e para os quais essas pessoas foram reassentadas, lutando para se adaptar e coexistir de forma pacífica e sustentável com os moradores mais antigos. Este encontro visava não só informar as pessoas dos progressos e dificuldades que encontramos ao longo de 2016 (incluindo uma reflexão sobre o TPP e a importância que tem nestas lutas), mas também dar a palavra a estas comunidades, escutar o que têm a dizer e quais as suas expectativas para o futuro. Pese embora seja realmente importante saber sobre as estratégias locais que têm vindo a utilizar para resolver os seus problemas, é igualmente importante estar ciente das frustrações e dificuldades com que se têm debatido. Para explicarmos o que fizemos em 2016, foi fundamental que algumas das pessoas que em Agosto deste ano participaram na audiência do TPP na Suazilândia tenham comparecido e se disponibilizado a

“Os brancos vieram ao régulo. Primeiro chamaram a população a avisar a chegada dos brancos. A população reuniu-se e eles vieram pedir o terreno dos camponeses. Mas estávamos assustados porque pensamos que vinham levar nossa terra, mas os brancos disseram ‘’Trazemos a paz para vocês. Vamos resolver a vossa situação. Vamos identificar um terreno para poderem continuar a cultivar, todos vocês. Tudo o que fizer falta, fazendo o pedido, nos vamos satisfazer-vos. Ficamos contentes, mas afinal nos mentiram” Membro da Comunidade de Nicara, Mecuburi no encontro do dia 21 de Setembro de 2016

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relatar às suas comunidades e vizinhos o que viram e aprenderam com o processo. A relevância e competência do TTP, bem como o apoio que ele pode dar a todo este processo foram também amplamente abordadas. Queríamos ter certeza de que era claro que, sendo um tribunal de opinião, o TPP não tem a competência legal para sentenciar as grandes corporações que estão a violar os direitos dos povos, embora desempenhe um papel crucial em expor e difundir as violações e a impunidade destas empresas. Por fim, a última sessão da reunião foi dedicada à preparação de breves apresentações – uma por cada comunidade – sobre os problemas que estas enfrentam e as estratégias que estão a usar para resolver esses problemas, mas também a uma avaliação do que está e não está a funcionar. Embora a maioria dos problemas seja extensiva a todas as comunidades – poluição e degradação ambiental, violência e abuso sexual, falta de acesso a serviços de saúde e educação, aumento da pobreza e mudança de meios de vida, impunidade e falta de disponibilidade para dialogar da empresa e do governo – as respostas dadas a esses problemas variam de um lugar para outro. De barricadas a linhas férreas para exigir o cumprimento de promessas feitas à criação de associações comunitárias que permitam engajar em negociações com empresas e governo, muitas estratégias estão a ser postas em prática. A Associação de Mulheres em Mualadzi, por exemplo, encontrou uma maneira engenhosa de abordar a falta de vendedores (e consequentemente de produtos) no seu mercado local: de vez em quando, cada um dos membros da associação doa uma pequena quantia perfazendo um pequeno fundo de investimento que é posteriormente doado a alguém da comunidade. Essa pessoa terá então o dinheiro e a responsabilidade de comprar alguns produtos na cidade mais próxima e revendê-los em Mualadzi, e assim, o mercado ganha um novo vendedor. De tudo o que foi discutido e exposto na reunião, uma das principais mensagens difundidas foi a de que é importante ser perseverante. Embora seja profundamente frustrante ver os anos passar sem mínimo sinal de respeito ou demonstração de interesse por parte da empresa ou do governo em lidar com estas situações, é fundamental que a persistência, a partilha de informação e a integridade e união daqueles

que lutam para mudar esta situação se mantenha inabalável. Todos continuamos a ter uma enorme quantidade de trabalho em mãos – e as comunidades podem contar ainda com muitas dificuldades e contrariedades por enfrentar – no entanto ninguém parece disposto a fugir ao desafio. O único caminho é para a frente. Declaração de Tete Activistas de Justiça Ambiental e de Direitos Humanos e representantes de comunidades de Moçambique, África do Sul, Botswana e Suécia, reuniram-se em Tete, Moçambique, a 3 e 4 de Novembro de 2016, para abordar os impactos da exploração de carvão mineral na África Austral e para reflectir sobre as necessárias respostas a esses impactos. No final das deliberações acordou-se que África e seus recursos estão a ser pilhados, os seus povos estão a ser oprimidos e a sua dignidade como seres humanos está a ser colocada em causa. O encontro serviu também para constatar o quanto a drástica destruição do meio ambiente nas áreas de actividade mineira tem contribuído para a injustiça ambiental e climática. A reunião concluiu que, ao longo dos séculos, África tem sido extremamente saqueada e os graves impactos dessa depredação de recursos, bem como os conflitos relacionados se fazem sentir ainda hoje. Na reunião, constatou-se ainda que os abusos de direitos humanos e ambientais na África Austral afectam negativamente os seus povos, lesando a sua capacidade de viver num ambiente saudável e harmonioso, lesando a sua saúde e privando as gerações vindouras da possibilidade de um futuro saudável. Condenou-se também o fosso cada vez maior entre os nossos governos e as organizações de base e comunidades locais, bem como o aumento da captura corporativa dos governos e instituições públicas em África, cada vez mais comprometidos em defender e representar os interesses privados das corporações em detrimento dos interesses do povo. Estes factos constituem obstáculos à obtenção de justiça social, económica, ambiental e climática para os nossos povos. Entendemos que a longa caminhada para a justiça

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social e ambiental requer a educação em massa da nossa população, bem como dos nossos decisores políticos sobre os problemas reais da mineração; bem como a vigorosa afirmação dos nossos direitos. Requer também lutas colectivas e populares para resistir ao sistema injusto e ao neo-colonialismo, a novas formas de opressão e novas manifestações de violência – incluindo a criminalização de activistas, movimentos sociais e qualquer outra forma de organização que vise a defesa dos direitos humanos e ambientais. Com justiça e igualdade como mínimo irredutível, o encontro observou e declarou ainda o seguinte: 1. Todas as nações e povos devem agir em conjunto para garantir a protecção dos direitos humanos, justiça social e ambiental e dignidade humana; 2. Repudiamos toda e qualquer forma de opressão de povos e perseguição de activistas, sobretudo de comunidades locais; 3. Exigimos o fim de todos os sistemas opressores e injustos; 4. Dizemos não à mineração, uma vez que vivíamos melhor sem actividades extractivistas extremas; 5. A nossa terra é o nosso presente e futuro e nós rejeitamos a usurpação de terras em todas as suas formas, em especial os chamados projectos de “investimento” que estão a pavimentar o caminho da usurpação de terras para uma total usurpação do continente; 6. Antes do uso de suas terras para qualquer tipo de projecto, deverá haver um completo, transparente e total consentimento informado das comunidades; 7. Em todos os casos, o bem-estar das comunidades locais e o meio ambiente deverão ter prioridade sobre os lucros das companhias de investimento. Desta forma, os participantes do encontro fazem as seguintes exigências: 1. Os governos deverão assegurar que as necessidades, interesses e prioridades dos povos e das famílias locais, produtores locais e mulheres – incluindo no que diz respeito a serviços sociais, transportes, saúde, educação e assistência às crianças – deverão estar acima dos interesses das corporações multinacionais e dos interesses privados das elites politicas e económicas; 2. Exigimos que não se concedam novas licenças de exploração de minas de carvão a fim de preservarmos o

nosso meio ambiente e para que nos mantenhamos em linha com as demandas por parte da ciência que os combustíveis fósseis sejam deixados no subsolo para evitarmos uma mudança climática catastrófica; 3. Exigimos que as comunidades directamente afectadas e a sociedade civil sejam envolvidas e participem nas negociações e processos de tomada de decisões sobre os projectos a serem implementados nas suas comunidades; 4. Os governos deverão agir de forma a defender os direitos e interesses dos seus povos; 5. Os governos deverão apoiar a produção alimentar e garantir os direitos das comunidades sobre a terra, a fim de promover a segurança alimentar no contexto da soberania alimentar. Reconhecemos a terra como um bem comum e todos devem beneficiar dela; 6. O direito à água potável deve ser respeitado em todos os países africanos; 7. Os governos devem travar a privatização da água e restaurar o controle público até nas reservas já privatizadas; 8. Os governos têm o dever de responsabilizar as corporações pela degradação do ambiente e de ecossistemas por actividades poluidoras e extractivas históricas ou em curso. As corporações responsáveis pela degradação do ambiente ou ecossistemas deverão pagar pela sua restauração, mas esse pagamento não lhes dará qualquer direito sobre essas áreas; 9. Os governos deverão garantir que os custos de males sociais e de saúde resultantes da actividade mineira não serão externalizados para as pessoas e para o ambiente; 10. Os governos deverão assumir a responsabilidade de fornecer hospitais, escolas e outros serviços sociais, e não deverão deixar que as empresas os providenciem como parte da sua responsabilidade social corporativa ou quaisquer outros actos de green wash (lavagem verde); 11. Os governos e corporações devem devolver a dignidade e justiça às pessoas reassentadas de forma injusta, conforme já aconteceu em outras partes do mundo. Os participantes da conferência decidiram trabalhar com outros movimentos em África e no mundo para derrubar o sistema opressor capitalista promovido e protegido pelas instituições financeiras globais, pelas

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corporações e pela elite global, para assegurar a sobrevivência dos seres humanos e o direito da Mãe Natureza de manter os seus ciclos naturais.

documentos mostram igualmente a estratégia dos governos envolvidos, colocada em prática pelos consultores da JICA com o objectivo de dividir a sociedade civil moçambicana, marginalizar e excluir as organizações que fazem parte da “Campanha Não ao ProSAVANA” desde o processo de criação de mecanismo de “diálogo” no âmbito da reformulação do Plano Director (PD) do ProSAVANA , mesmo considerando que a “Campanha” foi a única entidade que elaborou e publicou uma análise crítica à versão zero do PD . Dada a irregularidade, secretismo, ilegitimidade e obscurantismo que caracterizou o estabelecimento do “mecanismo de diálogo”, a “Campanha” publicou dois comunicados a denunciar estes aspectos. Agora com os documentos vazados da JICA -que financiou na totalidade este processo - tornam-se evidentes a tentativa de cooptação e divisão das organizações da sociedade civil Moçambicana. A Acta do encontro realizado no escritório da JICA logo após a criação do “mecanismo”, onde estavam presentes, entre outros, o coordenador do Mecanismo (também do coordenador da ONG Moçambicana, SOLIDARIEDADE MOÇAMBIQUE e Vice Presidente da Plataforma Provincial da Sociedade Civil de Nampula: PPOSC-N) e o funcionário da WWF, coordenador da Aliança das Plataformas e os membros do ProSAVANA, revela que os actores discutiram como canalizar “indirectamente” fundos ao mecanismo, e o coordenador do mecanismo mencionou que: “…houve um trabalho ao nível de Maputo e das províncias no sentido de sensibilizar as ONGs e outros intervenientes que apoiavam a “Campanha Não ProSAVANA” para se juntarem à visão e objectivos do Mecanismo”. Todas estas acções levadas a cabo directa ou indirectamente pelos governos de forma obscura violam claramente os direitos humanos garantidos através da Declaração Universal de Direitos Humanos e outros acordos internacionais, a Constituição da República de Moçambique e as Diretrizes das Considerações SocioAmbientais e de Cumprimento da JICA. Ao se forçar a implementação do ProSAVANA, estar-se-á a violar o direito das comunidades à informação prévia e ao consentimento livre. Mesmo perante todas estas irregularidades já

Tete, aos 04 de Novembro de 2016 Assinantes: 1. Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Cateme – Comunidade de Cateme , Tete 2. Comunidade de Cassoca - Distrito de Marrara, Tete 3. Comunidade Reassentada do Bairro 25 de Setembro - Distrito de Moatize, Tete 4. Comité de Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento de Mualadzi - Comunidade Mualadzi, Tete 5. Comunidade de Benga – Tete 6. Comunidade de Ntchenga – Tete 7. Associação dos Oleiros – Moatize, Tete 8. Comunidade de Chipanga – Tete 9. Associação dos Atingidos pela Mineração – Tete 10. Associação Kubecerra – Tete 11. Parlamento Juvenil – Tete 12. Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades – Tete 13. Associação de Mulheres Paralegais – Tete 14. União Provincial de Camponeses – Tete 15. KEPA – Maputo 16. Activistas do Botswana Contra o Carvão – Botswana 17. Earthlife Africa - Johannesburg, Província de Gauteng, África do Sul 18. groundWork, Amigos da Terra África do Sul - Pietermaritzburg, Província de KwaZulu Natal, África do Sul 19. Highveld Environmental Justice Network - Região de Highveld, Província de Mpumalanga, África do Sul 20. Justica Ambiental (JA!), Amigos da Terra Moçambique - Maputo, Moçambique 21. Rede de Justiça Ambiental Khwezumkhono - Newcastle, Província de KwaZulu Natal, África do Sul 22. Organização de Justiça Ambiental da Comunidade de Mfolozi - Fuleni, Província de KwaZulu Natal, África do Sul 23. Vaal Aliança de Justiça Ambiental - região de Vaal, província de Gauteng, África do Sul 24. Fórum de Justiça Ambiental de Waterberg - região de Waterberg, Província de Limpopo, África do Sul 25. Sociedade Sueca para a Conservação da Natureza - Suécia

Comunicado:

Campanha “Não ao ProSAVANA” considera fraudulento o processo de Redesenho e de auscultações públicas do Plano Director do ProSAVANA A Campanha “Não ao ProSAVANA”, junto com 83 organizações do mundo, publicou no passado dia 27 de Agosto de 2016 o “Comunicado Conjunto e Questionamentos da Sociedade Civil de Moçambique, Brasil e Japão sobre o ProSAVANA com Relação aos Documentos do Governo Recentemente Vazados”. O comunicado acima referido salienta os factos revelados pelos documentos vazados e a forma como este programa triangular tem planeado e levado a cabo acções contra as organizações que questionam o programa através da “Estratégia de Comunicação do ProSAVANA” estabelecida pelo fundo da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) . Os referidos

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denunciadas, os governos de Moçambique, Brasil e Japão avançam com o processo de “Redesenho” do Plano Director, conforme se pode verificar no Comunicado do Mecanismo de Coordenação da Sociedade Civil para o Desenvolvimento do Corredor de Nacala (MCSC-CN) lançado no passado dia 28.10.2016, que traz informações problemáticas de como será conduzido o processo de revisão do Plano Director e as auscultações públicas. Do anúncio do concurso público de Consultoria para revisão do Plano Director do ProSAVANA e do Comunicado do Mecanismo de Coordenação da Sociedade Civil para o Desenvolvimento do Corredor de Nacala (MCSC-CN) importa referir que: 1. Os governos de Moçambique, Brasil e Japão concordaram em implementar o Programa ProSAVANA, o que é incoerente com o facto do Plano Director não ter sido aprovado, logo não pode ser implementado, bem como com o facto de ter sido contratada uma entidade para proceder à sua revisão. Considerando que os governos em questão já concordaram em implementar o ProSAVANA, não há fundamentos plausíveis para a revisão do Plano Director, que culminaria com a aprovação ou não do mesmo. 2. A coordenação do processo de revisão do Plano Director foi atribuída à Solidariedade Moçambique, num processo que, apesar de ter sido resultante de um concurso tornado público, nada mais se sabe sobre os mecanismos de seleção. Para efeitos do concurso em questão, a Solidariedade Moçambique não reúne os devidos requisitos, senão vejamos: a) Não é imparcial na medida em que é parte integrante do MCSC-CN; b) É uma das organizações que mais tem defendido publicamente e em inúmeras circunstâncias o Programa ProSAVANA; e c) É uma associação sem fins lucrativos onde os serviços de consultoria não se enquadram no seu escopo. Com efeito a seleção da Solidariedade Moçambique no contexto do concurso público “Consultoria para revisão do Plano Director do ProSAVANA” mostra-se irregular, pelo que deve ser declarado nulo e de nenhum efeito. 3. Ainda que, por hipótese meramente académica, o processo de selecção da Solidariedade Moçambique tivesse sido regular há que se reflectir no carácter

fantoche em que se apresenta a proposta de redesenho do Plano Director conforme resulta do Comunicado de Imprensa do MCSC-CN supra mencionado. 4. Para além de que uma vez mais o referido contrato é celebrado com a JICA que tem tido um papel fundamental no financiamento de actividades que visam como já demonstrado dividir a sociedade civil moçambicana e criar conflitos entre as mesmas, através da cooptação das mesmas com financiamentos; e que apesar de já terem sido solicitados os termos de referência, valores envolvidos e processo de seleção deste concurso ao nível do Japão estes ainda não foram disponibilizados; 5. O mapeamento dos grupos de interesse e das organizações de base comunitária que irá guiar o processo de consultas públicas na Área do Corredor de Nacala deve ser tornado público bem como a metodologia utilizada na elaboração do mesmo. O MCSC-CN tem actuado como um braço do próprio programa ProSAVANA. Nos seus pronunciamentos e posicionamentos, é evidente que está a favor do Programa nos moldes em que actualmente se apresenta através da última versão pública do Plano Director pois tanto quanto temos conhecimento não existe outra versão. Esta evidente concordância com o Programa ProSAVANA e a constante defesa de um programa que em inúmeras circunstâncias já foi recusado pelos principais afectados, os camponeses e camponesas ao longo do Corredor de Nacala, é bastante preocupante e contraria de forma gritante as pretensões de que seja um processo inclusivo e participativo. 6. O comunicado refere-se ainda a uma nova iniciativa que visava mudar o cenário “Não ao ProSAVANA”, no entanto, ao que se sabe não houve qualquer mudança estrutural no modelo do Programa, tampouco na forma como este tem sido impingido às comunidades locais e à sociedade no geral. 7. O cronograma que consta do Comunicado é inadequado, discriminatório e não permite a ampla e inclusiva participação dos interessados. Apesar do longo período em que o MCSC-CN supostamente trabalha “visando melhorar a comunicação e coordenação entre as OSC’s, MASA, e seus parceiros internacionais para desenvolver de forma inclusiva e participativa um Plano Director para o Desenvolvimento

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Dezembro 2016 Sapporo Freedom School ‘YU’, Japão Hokkaido NGO Network Council, japão NGO No War Network Hokkaido volunteers, Japão Justiça Global, Brasil La Via Campesina, Japão Movimento de Mulheres Camponesas – MMC, Brasil ODA Reform Network, Japão Rede Mulheres Negras para Segurança e Nutricional, Brasil TPP Citizen Coalition, Japão CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES AGRICULTURA FAMILIAR DO BRASIL. - CONTRAF-BRASIL

da Agricultura do Corredor de Nacala…” a situação no terreno, a arrogância e prepotência com que o Programa ProSAVANA é tratado mantém-se. Para além de que não existe ainda qualquer versão do ProSAVANA que seja um redesenho de moçambicanos para moçambicanos, e o referido documento simplificado que supostamente será discutido nas consultas que se prevê iniciarem a 23 de Novembro não é público. Exigimos que toda a documentação deste Programa e processo seja tornada pública, que sejam distribuídas cópias de todos os documentos às comunidades ao longo do corredor de Nacala e a todos os interessados com um período de tempo aceitável para prévia análise. Exigimos que a JICA anule o contrato estabelecido com a Solidariedade Moçambique pelas claras irregularidades mencionadas e que os Governos de Moçambique, Japão e Brasil respeitem os direitos humanos das comunidades do Corredor de Nacala garantidos através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição da República de Moçambique e as Diretrizes das Considerações Sócio Ambientais e de Cumprimento da própria JICA. Não haverá consultas comunitárias, nem encontros regionais, nem conferência alguma com base em documentos simplificados, não iremos legitimar um processo obscuro e carregado de ilegalidades, onde o que se pretende é mascarado em simples intenções e em nada definidas como compromissos sérios e vinculativos. Não ao ProSAVANA!!!

TRABALHADORAS

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Nota: O Jornal Notícias em Maputo, recusou-se a publicar o comunicado acima, mesmo sendo como anúncio e mediante pagamento, por segundo os mesmos ir contra a sua linha editorial. Recusou-se igualmente a dar por escrito esta informação, alegando não ter que justificar a recusa.

Posicionamento sobre a entrada em vigor do Acordo de Paris e a COP 22 Assinalou-se no dia 4 de Novembro de 2016 – três dias antes do início da COP 22, que decorreu em Marraquexe de 7 a 18 de Novembro – a entrada em vigor do Acordo de Paris, ratificado por 113 dos 197 países que o assinaram, e que representam estimadamente 55% das emissões globais. Contudo, a Plataforma Nacional das Organizações da Sociedade Civil para Mudanças Climáticas vê este momento com muita preocupação, pois a seu ver o Acordo de Paris é fraco e não contribui em quase nada para a justiça climática. Para além de ter apenas objectivos gerais fracos, o acordo não estipula obrigações específicas concretas para garantir a redução de emissões, nem contempla financiamento para transformação e justiça para os povos afectados. Ou seja, o acordo não tem o mínimo carácter vinculativo. A sua natureza é meramente voluntária. Desprovido de qualquer mecanismo que responsabilize ou sancione os países que não cumpram com o acordado, o documento torna os países assinantes livres de fazer o que quiserem e lhes for conveniente. Livres de determinar nacionalmente a sua contribuição. Livres de ignorar a ciência. Para mais, o acordo dá muito pouca importância a questões de perdas e danos e ao respeito pelos direitos humanos. Além de fraco – e também muito por culpa da sistemática negação das recomendações científicas dos vários movimentos que têm trabalhado e lutado por justiça climática em todo mundo – o acordo entra em vigor tarde demais tendo em conta a urgência em resolver este problema e as mudanças necessárias para

Moçambique, 8 de Novembro de 2016 Assinantes: ADECRU – Associação Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais, Moçambique Fórum Mulher, Moçambique Justiça Ambiental – JA! – Amigos da Terra, Moçambique Liga dos Direitos Humanos, Moçambique Livaningo, Moçambique União Nacional de Camponeses, Moçambique Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula, Moçambique Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Nacala, Moçambique Marcha Mundial das Mulheres, Internacional Africa Japan Forum (AJF), Japão No! to landgrab, Japão APLA/Alternative People’s Linkage in Asia Comissão Pastoral da Terra – CPT FASE - Solidariedade e Educação, Brasil Japan Family Farmers Movement, Japão Japan International Volunteer Center, Japão ATTAC Japão Concerned Citizens Group with the Development of Mozambican-Japan, Japão Concerned Citizens Group with TPP, Japão

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parar a crise climática. Em nosso entender, este não é um momento de celebração, uma vez que milhares de pessoas em todo o mundo continuam a sofrer com os impactos das mudanças climáticas provocadas pelo Homem e causadas sobre tudo pelas emissões dos países ricos. Ainda por cima, o acordo em questão ignora sistematicamente a ciência e continua, de forma recorrente, a promover soluções falsas baseadas em mecanismos de mercado como o REDD+, entre outras soluções perigosas como a geoengenharia. Estes mecanismos servem apenas para permitir que os países ricos – os maiores responsáveis pelo problema – continuem a emitir livremente gases de efeito estufa. A Plataforma defende ainda que só será possível resolver o problema e/ou minimizar os impactos das mudanças climáticas com um acordo ambicioso, vinculativo, justo e que, acima de tudo, garanta que o aumento da temperatura média global não exceda os 1,5 graus célsius. Qualquer valor acima destes 1,5 graus célsius resultará numa catástrofe climática. Será um pacto suicida. O objectivo de manter o aquecimento global “bem abaixo” de 2 graus célsius e de enveredar esforços para cingi-lo aos 1,5 graus expressos no Acordo, desprovido de meios para garantir que tal aconteça, na realidade coloca o mundo no caminho certo para um aumento de 3 a 4 graus célsius. Esses números sujeitariam África a um aumento médio de temperatura de 5 a 8 graus célsius, que traduzir-se-ia em terríveis ondas de calor, secas e cheias; condenaria as nossas cidades costeiras a serem engolidas pelas águas e destroçaria os nossos sistemas alimentares e ecológicos condenando à morte centenas de milhões de pessoas. Ademais, qualquer medida de adaptação a ser levada a cabo só será possível caso o aumento da temperatura média global não exceda esses 1,5 graus célsius, acima disso não há adaptação possível. A Plataforma Nacional das Organizações da Sociedade Civil para Mudanças Climáticas, entre outras Organizações da Sociedade Civil de Moçambique que trabalham na área das mudanças climáticas, continuam preocupadas com a forma leviana como este assunto tem sido abordado. Entendemos que reconhecer a existência do problema e fazer discursos expressando boas intenções não basta. É preciso agir e

urgentemente. São necessárias acções concretas que visem a redução drástica e imediata de emissões por via de uma transição energética que conduza ao abandono da queima de combustíveis fósseis. Transição essa que beneficiaria imenso de um acordo audaz, com objectivos claros e soluções reais (como por exemplo a agro-ecologia) que garantam rigorosamente que o aumento da temperatura média global não exceda os tais 1,5 graus célsius. Porque este ignora a ciência e não responde à urgência em agir justa e drasticamente para evitar uma maior catástrofe climática, a entrada em vigor do Acordo de Paris não vem resolver problema algum. O aumento da temperatura média global em 3,5 graus célsius que se estima que acabará por resultar das fragilidades deste acordo, terá impactos extremamente catastróficos para o planeta e para milhões de pessoas em todo mundo. Em Moçambique, e na maioria dos países africanos – que por serem mais vulneráveis (e conforme já explicámos, porque esse aumento de temperatura média global significará um aumento de 5 a 8 graus célsius em África) – esses impactos inviabilizarão qualquer produção alimentar e dizimarão a agricultura camponesa e familiar, principal fonte de subsistência da maioria da população do continente. Frisamos portanto a nossa exigência que os países ricos – principais responsáveis pelos problemas climáticos que enfrentamos – façam sim o que justamente lhes compete para reduzir de forma drástica as suas emissões e, porque é sua obrigação face à sua responsabilidade histórica, disponibilizem o financiamento necessário para acelerar a deveras necessária transição energética nos países em desenvolvimento. Entendemos ainda que tais medidas deverão ser tomadas com urgência, como forma de garantir que nem nós africanos, nem qualquer outro povo seja sacrificado. Exigimos que não sejam aprovados mais projectos de energias sujas como o carvão, o petróleo, o gás, grandes barragens, fracking e outros; bem como, que se incentivem e promovam projectos energéticos limpos e renováveis, assentes num sistema descentralizado e sobre o qual o povo e as comunidades locais tenham poder, garantido desta forma justiça climática e energética para todos. Exigimos também que a entrada em vigor deste acordo

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Dezembro 2016 CMA – Comunidade Moçambicana de Ajuda Fórum Mulher GDMR – Grupo para Desenvolvimento da Mulher e Rapariga JA – Justiça Ambiental Kulima Kuwuka – JDA KSM – Associação Kwaedza Simukai de Manica LVC – La Via Campesina LDH – Liga dos Direitos Humanos – Gaza Livaningo MMM - Marcha Mundial das Mulheres NAFZ – Núcleo das Associações Feministas da Zambézia UPC – União Provincial dos Camponeses – Nampula UPC – União Provincial dos Camponeses – Niassa

não sirva para que os governos promovam e invistam em soluções falsas como são os mercados de carbono, a geoengenharia, o REDD e a energia nuclear entre outras, que também têm implicações graves sobre a Terra e seus povos (sobre tudo nas comunidades locais) e de forma alguma garantem a redução de emissões na base. Mas acima de tudo, exigimos que os governos de todo o mundo dêem ouvidos e trabalhem de facto para defender e proteger os direitos e interesses dos povos, e para servir e satisfazer as suas necessidades e não as das corporações multinacionais. Por fim, e porque a COP 22 não tomou em conta os aspectos acima mencionados, não tendo trazido as respostas necessárias para um problema tão grave como este, voltamos a reiterar que para que o aumento da temperatura média global não exceda 1,5 graus célsius, é fundamental que se priorizem unicamente soluções reais para esta crise, tais como: • Reduções drásticas e urgentes das emissões de carbono; • Que se pare de promover e investir em energias sujas e combustíveis fósseis e, através de um financiamento público para transformação e transição energéticas, se invista em alternativas energéticas limpas, sustentáveis e centradas nas pessoas; • A transformação dos sistemas de produção e de consumo de produtos e serviços globais; • A transformação dos insustentáveis sistemas industriais de produção agrícola, usando mecanismos baseados em agricultura sustentável – que não só servem para produzir alimentos saudáveis, mas também ajudam no arrefecimento do planeta; • A alteração dos hábitos de consumo dos países ricos, que consomem mais do que a sua justa cota parte; • A criação, aprovação e implementação de mecanismos que visem fiscalizar e sancionar os Estados em caso de incumprimento das suas obrigações, com vista a reduzir efectivamente emissões e garantir justiça climática para todos.

Nota Editorial: Busy! Busy! Boas Festas!! Caros amigos, Antes de mais as nossas sinceras desculpas pela demora. O último trimestre deste ano foi extremamente trabalhoso para nós e, sem mãos a medir – apesar da enorme e acumulada vontade de partilhar convosco o que temos andado a fazer – aos poucos o nosso querido boletim foi sendo empurrado para o fim do ano. Embora duro, este ano foi muito importante para o trabalho que temos vindo a desenvolver. Entre panfletos, posters e outros outcomes, lançámos 4 casos de estudo, cada um representando o culminar de anos de trabalho de campo, de pesquisa, de viagens, reuniões e entrevistas. Ainda este ano, participámos em duas sessões do Tribunal Permanente dos Povos, onde denunciámos o comportamento das mineradoras de carvão da Província de Tete. Organizámos também várias reuniões nacionais e internacionais em vários pontos do país, além das várias visitas de campo que realizámos também país a fora. Foi um ano preenchido, e antes que termine, gostaríamos de agradecer a todos os que de alguma forma contribuíram e/ou contribuem para que, com maior ou menor dificuldade, possamos continuar a fazer o nosso trabalho. Bem hajam. Boas festas para todos vós e vemo-nos para o ano! Equipa da JA

Assinantes: AAAJC – Associação de Ajuda e Assistência Jurídica às Comunidades – Tete ACUDES – Associação Cultural para o Desenvolvimento Sustentável – Inhambane ADECRU – Acção Académica para Desenvolvimento das Comunidades Rurais AMA – Associação do Meio Ambiente – Cabo Delgado AMOR – Associação Moçambicana de Reciclagem ANARN – Associação dos Naturais e Amigos Residentes de Namaacha CARE Moçambique CEDES – Conselho Ecuménico para Desenvolvimento Sustentável

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