Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
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Mau Humor
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Factos Reais das Barragens Os rios, bacias hidrográficas e ecossistemas aquáticos, são os motores biológicos do planeta e a base da vida e do sustento de inúmeras comunidades locais. A criação de um novo lago, através da construção de uma barragem, resulta numa inevitável sequência de mudanças ecológicas, com maior ou menor impacto no ecossistema, biodiversidade e nas comunidades locais. Entre os vários potenciais impactos salientam-se alguns referentes a: 1. Ecossistemas e biodiversidade A construção de uma barragem e a subsequente inundação da área do reservatório causa: • destruição de plantas terrestres; • destruição de habitats únicos afectando inúmeras espécies de plantas e animais com maior impacto sob espécies raras ou em perigo de extinção. • alterações na periodicidade, duração e frequência do fluxo de água natural e redução da quantidade de nutrientes e sedimentos transportados ao longo do rio, comprometendo os aspectos da dinâmica dos rios que são fundamentais para a manutenção dos ecossistemas aquáticos e sobrevivência de comunidades de plantas e animais. • alterações na temperatura e composição química da água. • redução do transporte de sedimentos ricos em nutrientes a jusante da barragem que leva à erosão e degradação do canal do rio e de terras húmidas. • Favorece o desenvolvimento de espécies não nativas e exóticas de plantas, peixes, insectos, caracóis e outros animais, que poderão competir com espécies nativas levando por vezes ao desaparecimento destas, e ainda • a barragem em si age como uma barreira que interrompe o movimento de espécies, provocando alterações na sua composição a montante (lago artificial) e a jusante da barragem, conduzindo ao seu desaparecimento. Muitas espécies de peixes que habitam os rios apresentam vários padrões de migração e precisam de diferentes ambientes para as principais fases do seu ciclo de vida. 2. Actividade Pesqueira A pesca e a agricultura constituem um importante meio de subsistência para as comunidades rurais em países em desenvolvimento, como é o caso em Moçambique. O bloqueio da passagem de sedimentos e nutrientes, a alteração do regime de fluxo do rio e a eliminação do regime natural de cheias tem impactos negativos na pesca e na agricultura a jusante da barragem. 3. Efeito de Estufa A emissão de gases (que provocam o efeito de estufa) dos reservatórios resultantes da vegetação em putrefação e da interrupção do fluxo de carbono a jusante, foi recentemente identificada como um dos vários impactos das barragens. 4. Sismicidade Induzida por Reservatórios A construção de lagos artificiais pode gerar tremores de terra, sendo este fenómeno denominado sismicidade induzida por reservatórios. A criação de um lago artificial altera as condições estáticas das formações rochosas do ponto de
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vista mecânico (em virtude do próprio peso da massa de água) e do ponto de vista hidráulico (em consequência da infiltração da água na sub-superficie, que causará pressões internas nas camadas rochosas profundas). A combinação das duas acções pode desencadear distúrbios tectónicos e eventualmente gerar sismos, em condições locais propícias. Mesmo que o peso da água em reservatórios com mais de 100 metros de profundidade seja insuficiente para fracturar as rochas da base, a coluna de água exercerá uma pressão hidrostática, empurrando o líquido através dos poros das rochas e de fracturas pré-existentes, processo este que poderá levar meses ou mesmo anos. No entanto, quando a pressão alcança zonas com um elevado nível de fractura, a água é forçada para o interior das rochas, reduzindo o esforço tectónico e facilitando o deslocamento de blocos falhados. Este processo é aumentado pela acção lubrificante da água, que reduz a fricção ao longo dos planos das fracturas e falhas. A água tem ainda o papel de agente químico, pois ao hidratar certas moléculas enfraquece o material e favorece a formação de novas fissuras que levam-na a penetrar ainda mais profundamente no interior do maciço rochoso. 5. Efeitos Cumulativos Os impactos cumulativos, apesar de pouco analisados, ocorrem quando várias barragens são construídas ao longo de um mesmo rio, afectando tanto as variáveis físicas, tais como o regime do fluxo e a qualidade da água, assim como a produtividade e a composição específica do rio. Os consequentes impactos podem aumentar à medida que mais barragens são construidas num mesmo sistema resultando numa perda ainda maior e cumulativa de recursos naturais, qualidade de habitats, sustentabilidade do meio ambiente e da integridade do ecossistema. Quanto maior for o número de barragens num sistema, maior será a fragmentação dos ecossistemas do rio. Estando Moçambique numa corrida desenfreada rumo ao “desenvolvimento”, a construção de barragens parece ser para muitos um dos caminhos necessários para alcançar esse “desenvolvimento”. Estamos numa fase de discursos com palavras bonitas e politicamente correctas, onde não faltam “desenvolvimento sustentável”, “gestão integrada”, “participação pública” “envolvimento comunitário”, entre muitos mais; Apesar destes serem conceitos inovadores, muitas vezes estes discursos são ocos, sem significado...mas quem poderá questionar tão nobres intenções? Os que ousam questionar os caminhos apresentados são muitas vezes conotados como “anti patriotas”, “ignorantes”, “defensores de minhocas” e até acusados de defender interesses externos em detrimento dos interesses de Moçambique, daí que é importante afastarmo-nos das nossas opiniões e ideologias e analisar o que são os factos, o que nos diz a experiência de outros países, o que nos dizem os peritos na questão. Não estamos a inventar a roda! O que está exposto acima não é novidade, são apenas os factos sobre os impactos negativos das barragens!
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O “ABC” das Grandes e Mega Barragens O que são grandes e mega barragens senão enormes muros de cimento, que param o curso de um rio? Etimologicamente, a palavra dam (barragem) deriva da palavra grega taphos, que significa “túmulo”. Parece-nos apropriado, pois uma barragem nada mais é que uma lápide para um rio. Pela Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB), grande barragens são barragens superiores a 15m, enquanto mega barragens têm mais de 100m. A maioria das mega barragens mundo a fora são usadas para produção de energia. Apesar de na última década as mega barragens terem sido o centro de muita controvérsia, entre 1930 e 1970 o boom das mega barragens foi sinónimo inequívoco de desenvolvimento económico e símbolo da capacidade humana para domar a natureza. A verdade veio à tona quando os seus impactos negativos se começaram a sentir. Foi então que as barragens se tornaram objecto de vários debates, estudos e pesquisas em torno de seus impactos ecológicos e sociais, e da sua relação custos vs benefícios. Se por um lado, os proponentes das barragens as defendem como fontes de energia e ferramentas para o desenvolvimento; por outro, os seus opositores afirmam que os seus benefícios são largamente suplantados pelos seus danos, tais como a perda de meios de subsistência de comunidades e a perda de ecossistemas dos rios, citando apenas alguns exemplos. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por grandes protestos, controversos debates, e enormes campanhas – da sociedade civil, de movimentos sociais e de comunidades atingidas por barragens – que visavam acabar com o financiamento de mega barragens. A pressão gerada por estas campanhas, aliada á ampla difusão de informação sobre a violação de
direitos humanos perpetrada por projectos hidroeléctricos, levou algumas instituições financeiras a reduzir o seu financiamento a projectos de mega barragens encabeçados pelo Banco Mundial. Consequentemente, em Abril de 1997, foi criada uma comissão independente para pesquisar os impactos ambientais, sociais e económicos de mega barragens a nível mundial. Sob a presidência de Kader Asmal – o então Ministro dos Recursos Hídricos SulAfricano – e composta por membros da sociedade civil, académicos, bem como por representantes do sector privado, de associações profissionais e do governo, fundou-se a Comissão Mundial de Barragens. Com o apadrinhamento de Nelson Mandela, em Novembro de 2000 a CMB lança o seu relatório final com as suas conclusões e recomendações sobre barragens e desenvolvimento sustentável. O Relatório constata que “as barragens têm dado um contributo importante e significativo para o desenvolvimento humano, e os benefícios derivados delas foram consideráveis”, mas “em muitos casos um preço inaceitável e muitas vezes desnecessário foi pago para garantir esses benefícios, especialmente em termos sociais e ambientais, pelas pessoas deslocadas, pelas comunidades a jusante, pelos contribuintes e pelo ambiente natural.” O estudo compreende ainda um conjunto de directrizes para o futuro, assentes em 5 valores chave e organizadas em 7 prioridades estratégicas. Valores • Equidade, • Sustentabilidade, • Eficiência, • Tomada de Decisões Participativa, e • Responsabilidade. Prioridades Estratégicas • Ganhar aceitação pública,
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• Avaliação de opções abrangente, • Abordar barragens existentes, • Preservar rios e meios de subsistência, • Reconhecer direitos e partilhar benefícios, • Assegurar o cumprimento, e • Partilha de rios para a paz, desenvolvimento e segurança. Durante algum tempo, a noção de que as mega barragens acarretam demasiados custos pareceu estar a impor-se, a ganhar força, a tornar-se realidade; mas de repente, com a chegada da crise climática, as barragens reinventaram-se, promovendose audaciosamente como “solução para as mudanças climáticas”. Mas nada mudara. As barragens, repletas de problemas, continuavam e ser solução para coisa nenhuma. Em resposta, começamos a chamá-las de “falsas soluções”. Na nossa mais recente reunião sobre justiça climática – “Semeando Justiça Climática II” – realizada em Maputo há cerca de um mês, convidámos Rudo Sanyanga, Directora da International Rivers em África, para nos falar dos impactos das barragens sobre o clima. Na sua apresentação, Rudo desmontou categoricamente esse mito que as mega barragens como fontes de energia são a solução para a crise climática. Sem sequer abordar os impactos sociais e ambientais conhecidos, a nossa oradora iniciou a sua apresentação perguntando: “As hidroeléctricas fornecem energia limpa?” “Não o fazem. Não é verdade! Antes pelo contrário, elas exacerbam as mudanças climáticas!” – continuou. As barragens, especialmente barragens em regiões tropicais, podem muitas vezes produzir enormes quantidades de metano e dióxido de carbono a partir de biomassa em decomposição nos seus reservatórios. Além disso, as secas e cheias podem afectar bastante a produção de energia hidroeléctrica, e consequentemente
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depender de energia hidroeléctrica num clima em mudança pode ser imprudente. Rudo falou ainda sobre Um Clima Arriscado para Barragens na África Austral, uma pioneira pesquisa feita em 2012. O documento sofreu forte oposição e foi amplamente atacado pela classe política. Houve até quem acusasse publicamente a International Rivers de assustar as pessoas, garantindo que nada do que diziam iria acontecer. 4 anos volvidos, o problema é real e visível. Este ano, o Lago Kariba – o maior reservatório de água feito pelo homem – não atingiu nem 20% da sua capacidade, a barragem de Katse, no Lesotho atingiu apenas 63%. A Zâmbia, que dependia em 80% de energia hidroeléctrica, devido a uma seca que dura há 2 anos, está a virarse para a energia solar. Isto é real. Os países na Bacia do Zambeze vão ver o rio reduzir o seu caudal. Muitos estudos estimam que até 2050 haverá uma diminuição de escoamento de entre 26% a 40%. Ninguém está a tentar assustar ninguém. Já está a acontecer e só irá piorar. Lembramo-nos bem como foi em 2012, quando Rudo veio a Maputo para apresentar os resultados deste estudo. No lançamento, fomos copiosamente atacados pela maioria dos participantes do governo. Foi um autêntico boicote ao evento. Um comportamento não só desrespeitoso como também profundamente improdutivo. Como pode Moçambique sequer considerar construir Mphanda Nkuwa? Uma barragem tão arriscada para o meio ambiente e para as comunidades, que acarreta riscos sísmicos, para não falar no risco económico e nas alterações climáticas. Estará o nosso governo a considerar seriamente estes riscos? Ou estará novamente certo o estudo ao afirmar que “o planeamento
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hidroeléctrico negligencia os riscos climáticos – com uma abordagem que só se poderá denominar ‘esperar para ver’ ou ‘cabeça na areia’.” Muito me espanta o quão difícil ainda é para as pessoas, verem e entenderem o que realmente são as mega barragens: uma monstruosidade que destrói vidas, meios de subsistência e ecossistemas de água doce entre outros. De certa forma, entendo que ao contrário do que acontece quando as pessoas olham para uma central eléctrica a carvão, cuja feiura é flagrante; quando olham para uma mega barragem possam ver uma colossal obra de engenharia, um lago, ou uma enorme muralha que cospe água com uma força incrível fazendo um ruído tremendo que faz qualquer um sentir-se pequeno. Entendo. Com certeza uma barragem parece muito melhor que qualquer central eléctrica de carvão... Mas é tudo fachada. Basta perguntar aos 40-80 milhões de pessoas deslocadas por barragens. Ou seja, as barragens não são solução para as alterações climáticas, não são benéficas ao meio ambiente, nem nos protegem de secas e cheias – a não ser que tenham esse exclusivo propósito. Basta pensarmos um bocado: As hidroeléctricas retém o máximo de água possível (pois água = energia), consequentemente, se houver uma enchente não há margem de manobra. Convém esclarecer que as barragens edificadas para irrigação e para nos proteger de cheias são normalmente barragens pequenas e nunca mega barragens. Em 2009, a JA lançou um estudo sobre fontes de energia renováveis para Moçambique – outro estudo que foi atacado pelos participantes do governo de tal forma que o autor teve dificuldades para concluir a sua apresentação face a tantas interrupções. O estudo mostrou que não precisamos de Mphanda Nkuwa, e que há outras maneiras de gerar
energia para todos com menos impactos. A solução não é difícil. Precisamos de começar com sistemas descentralizados de energia, energia limpa, energia solar, eólica, e até mesmo pequenas barragens hidroeléctricas. Uma mistura de fontes de energia que deve ser acessível a todas as pessoas. Podemos e devemos pensar mais sobre as soluções para combater e minimizar os impactos das mudanças climáticas, ao invés de insistir em trilhar o caminho sinuoso que nos colocou onde estamos. Para ultrapassarmos esta crise, temos de ser inteligentes e tomar decisões sensatas. Temos muitas opções e sabemos bem quais os erros que cometemos no passado. Que não os repitamos. Alguma informação sobre barragens que mudaram o mundo: Chixoy: a sepultura no Rio Negro Comunidades atingidas por barragens, sofrem muitas vezes repressão e violações dos seus direitos humanos. Em 1982, mais de 400 homens, mulheres e crianças indígenas foram massacrados para abrir caminho à Barragem de Chixoy na Guatemala – um projecto do Banco Mundial. Em 2014, numa medida histórica, o governo do país assinou um acordo de indemnização às comunidades afectadas no valor de $154 milhões. Banqiao: a barragem que a água levou Quando as barragens não são adequadamente construídas ou mantidas, podem quebrar. Naquele que foi o maior desastre de barragens de sempre, o colapso da barragem de Banqiao na China matou cerca de 171.000 pessoas em 1975. Em mais de 100 casos, os cientistas conseguiram associar a construção de barragens a terramotos. Fortes evidências sugerem que terramoto de Sichuan, na China, que matou 80.000 pessoas em
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2008, pode ter sido desencadeado pela barragem de Zipingpu. Yacyretá: o monumento à corrupção As grandes barragens são muitas vezes projectos de estimação de ditadores. A falta de prestação de contas conduz a corrupção maciça e a derrapagens de custos. Em média, as grandes barragens experimentam derrapagens de custos de 96% e não são económicas. O custo da barragem argentina de Yacyretá cresceu rapidamente de $2,5 bilhões para $15 bilhões. Um ex-presidente chamou Yacyretá “um monumento à corrupção”. Merowe: quando os construtores de barragens chinesas se globalizaram Em 2003, o governo chinês decidiu financiar a Barragem de Merowe, no Sudão, como seu primeiro grande projecto hidroeléctrico no exterior. A barragem deslocou mais de 50.000 pessoas e causou graves violações dos direitos humanos. Bancos e empresas chinesas estão agora envolvidos em cerca de 330 barragens em 74 países, encabeçando um boom global na construção de barragens sem precedentes. Glines Canyon: a barragem que veio abaixo Barragens têm sérios impactos ambientais, e os seus benefícios diminuem à medida que envelhecem. Desde 1930, os Estados Unidos removeram mais de 1.150 barragens para restaurar os ecossistemas fluviais e habitats particularmente de peixes. Em 2014, o paredão de 64 metros de altura da barragem de Glines Canyon, no rio Elwha, noroeste do Pacífico, foi quebrado, naquela que foi a maior remoção de uma barragem até à data. Patagonia: as barragens que nunca foram construídas Nos últimos anos, as energias solar e eólica
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têm começado a obter sucesso comercial. Estas fontes de energia renovável são mais limpas do que o carvão ou a energia hidroeléctrica e podem ser instaladas onde as pessoas precisam de eletricidade. Mesmo longe de uma rede eléctrica. Sob forte pressão pública, em 2014 o Chile cancelou a construção de cinco barragens na Patagónia e aprovou a edificação de 700 megawatts de novas projectos de energia solar e eólica. Kariba: a barragem que acabou com a pobreza na África Austral (mesmo!?) A barragem de Kariba, no Zambeze, foi construída na década de 1950 para alimentar o corredor de cobre da Zâmbia. Foi a primeira grande barragem financiada pelo Banco Mundial. Kariba foi considerada o símbolo de um “admirável mundo novo”, em que controlar a natureza traria desenvolvimento económico rápido. No entanto, as 57.000 pessoas que foram deslocadas pela barragem sofreram de fome e ainda estão empobrecidas. Sardar Sarovar: a barragem que derrotou o Banco Mundial A barragem de Sardar Sarovar, no rio Narmada, na Índia, deslocou mais de 250.000 pessoas, principalmente indígenas. O Banco Mundial teve de retirar-se do projecto em 1994, depois de uma revisão independente ter descoberto violações sistemáticas das suas políticas sociais e ambientais. Após esta experiência humilhante, o banco afastou-se de mega barragens durante mais de uma década.
Referências: •https://en.wikipedia.org/wiki/World_Commission_on_Dams •https://energypedia.info/wiki/World_Commission_on_Dams_(WCD)_Report •http://www.unep.org/dams/documents/Default.asp?DocumentID=663 •https://www.internationalrivers.org/campaigns/the-world-commission-ondams •http://www.unep.org/dams/WCD/report/WCD_DAMS%20report.pdf •https://www.internationalrivers.org/questions-and-answers-about-large-dams •https://www.internationalrivers.org/blogs/227-3
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As barragens representam perigo de cheias num planeta em aquecimento Por Patrick McCully
Num período em que Moçambique enfrenta as piores cheias desde a independência, o Presidente Guebuza afirma que a solução é construir mais barragens. No entanto, as barragens são tão boas quanto os seus operadores, desenhistas e técnicos de manutenção – e nenhum destes foram particularmente bons em Kariba. E não existe nenhuma garantia que as barragens que já possuímos sejam capazes de suportar um clima em constante mudança. As nações do Zambeze devem aprender com os erros das outras nações e adoptar um conjunto de técnicas mais flexível, efectivas e sofisticadas, de forma a melhor lidar com as cheias. As cheias são, entre os desastres naturais, as mais destrutivas, mais frequentes e com maior custo. E este facto piora a cada dia. As cheias no Zambeze já afectaram centenas de milhares de pessoas. Mais pessoas morrem a cada dia, na sua grande maioria por doenças causadas pela água contaminada. Ao menos parte deste sofrimento tem prevenção. No entanto, parece que actualmente, a barragem de Cahora Bassa tem vindo a ser operada de forma mais cuidada, o que não acontece com a barragem de Kariba. Foi admitido pelos operadores da barragem de Kariba que no pico da nossa época de chuvas, a barragem estaria 100% cheia, de forma a maximizar a provisão de energia eléctrica às minas. Os residentes a jusante irão sofrer com esta má gestão. Este não é o primeiro caso da má gestão de barragens que aconteceu em África. Centenas de pessoas foram mortas e centenas de milhares foram afectadas quando, em 1999 e em 2001, os operadores da barragem Nigeriana abriram as suas comportas sem aviso prévio. O desastre das cheias do ano passado no Gana tornou-se bastante pior quando os operadores de Burkina-Faso abriram as suas comportas para impedir que a barragem de Bagre transbordasse após intensas chuvas. Esta água libertada correu a montante, em direcção ao Gana, pelos rios Volta Branco e Negro, embatendo com grande intensidade nos habitantes à margem do rio. Neste caso – bem como em outros por todo Mundo – as barragens que supostamente iriam auxiliar a diminuir as cheias tornaram a situação pior. Os danos causados pelas barragens tem pairado internacionalmente nas últimas décadas, em parte devido ao facto do aquecimento global estar a causar tempestades cada vez mais intensas, e também porque cada vez mais pessoas vivem e trabalham em planícies aluviais. As Nações Unidas(ONU) estimam que até 2050, o número de pessoas em risco de desastre de cheias irá aumentar até 2 biliões. Um factor importante por detrás destes desastres em espiral são as mesmas medidas de controlo que supostamente deveriam proteger contra estas calamidades. As barragens e represas não conseguem ser sempre à prova de falhas, e quando estas falhas acontecem, ocorrem de forma espectacular, e por vezes são
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catastróficas. É criada uma falsa percepção de segurança que encoraja projectos de desenvolvimento arriscados em planícies aluviais vulneráveis. Em demasiados casos de controlo de cheias através de barragens, os habitantes a jusante são colocados em risco por agências que estão mais interessadas em espremer a maior quantidade possível de energia ou de água para irrigação dos reservatórios, do que manter os níveis de água baixos o suficiente para absorver as águas das cheias. As limitações das formas de controlo convencionais irão se tornar mais evidentes à medida que se realizarem testes às barragens e represas, de forma a testar os seus limites programados, através da indução dos efeitos do aquecimento global. O autor Jacques Leslie descreve de forma apta as barragens como “armas carregadas apontadas aos rios”. As barragens matam, não só pela negligência e falha dos operadores de barragens em avisar as pessoas a jusante quando as comportas são abertas subitamente, mas também porque estas se desmoronam (em 1975, na China Central, pelo menos 230,000 pessoas morreram devido a uma sequência de falhas de barragens). Várias barragens de grande porte desmoronaram na Nigéria com consequências mortais, destacam-se a Barragem Bagauda no estado de Kano, em 1988; a Barragem de Cham no estado de Gombe, em 1991 e, a Barragem de Bagoma no estado de Kaduna, em 1994. Os planos de controlo convencionais de “caminho duro” costumam ignorar os trajectos complexos dos rios e costas. As barragens, represas, o estreitamento e dragagem dos rios desencadeiam mudanças profundas no fluxo da água e sedimentos ao longo das bacias. Os danos das cheias aumentam quando os engenheiros dos projectos reduzem a capacidade dos canais dos rios, bloqueiam os escoamentos naturais, aumentam a velocidade das inundações, causam subsidência dos deltas e erosão costeira. Adicionando a isto, os planos de controlo convencionais de “caminho duro” normalmente diminuem a saúde ecológica dos rios e estuários. Existe uma forma de lidar com estas inundações – o “caminho suave” na gestão de risco de cheias. A gestão de risco de cheias assume que todas as infra-estruturas anti-cheias podem falhar, e, estas falhas devem ser planeadas. O “caminho suave” também é baseado num entendimento de que alguma inundação é necessária para a saúde dos ecossistemas ribeirinhos. Em vez de gastar biliões de dólares em vão a tentar erradicar as cheias, nós devemos reconhecer que as cheias irão acontecer, e aprender a viver com este facto da melhor maneira possível. Isto significa tomar medidas de forma a diminuir a sua rapidez e tamanho dos rios (por exemplo, restaurar os mangais e o serpentear do curso o rio) e duração
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(melhorando por exemplo a drenagem). Isto significa proteger os nossos bens mais valiosos, construindo casas em montes ou sobre pilares, defender áreas urbanas com represas planeadas e mantidas de forma cuidadosa. Isto também significa fazer tudo o que for possível para sair do caminho destrutivo das cheias através de um aviso atempado e medidas de evacuação. Tais práticas estão em uso em várias partes do mundo. Na China, estão em curso esforços para efectuar a restauração de 20.000 quilómetros quadrados do mangal de Yangtze, de forma a actuar como área de absorção de inundações. Estão a ser realizados testes com descargas de hídricas artificiais na Nigéria como meio de reavivar os ecossistemas dos mangais a jusante, desde as Barragens do Tiga e de Challawa Gorge. Neste momento, estão a ser propostas alterações na gestão de águas para a Barragem de Cahora Bassa que poderão reduzir o impacto de grandes inundações e restaurar os ecossistemas a jusante. Nos Estados Unidos, está em curso no rio Napa, na Califórnia, um projecto de 10 anos, que tem como objectivo reduzir as cheias e restaurar as marés pantanosas, bem como retirar alguns edifícios da zona de inundações e recuar represas de forma a dar mais espaço ao rio para este se estender. As comunidades que vivem ao longo do rio mais longo de França, o rio Loire, conseguiram persuadir o governo a esboçar um plano de “controlo de inundações” que favorecesse a restauração do rio e com um sistema de prevenção. Apesar do consenso Mundial crescente de que a única politica realística de controlo de cheias é a mitigação e não a eliminação, persistem ainda facções poderosas devotas a métodos de controlo de cheias “duros” e obsoletos. Existe um triângulo de políticos, burocratas e construtores de barragens que continua a prometer a salvação através de represas e barragens após ocorrência de cheias (mesmo quando as cheias se tornaram piores – ou foram causadas – por barragens ou represas já existentes). No lugar de seguir métodos de gestão de inundações que fracassaram em outros pontos do Mundo, África pode aprender através dos erros de outras nações, e adoptar um conjunto de técnicas mais flexíveis, efectivas e sofisticadas, de forma a lidar melhor com as cheias.
McCully é o autor de “Depois do Dilúvio: Lidando com cheias num Clima em Mudança”, que foi publicado pelo International Rivers Network (IRN)Rede Internacional de Rios . Pode baixar este relatório na seguinte morada electrónica http://tinyurl.com/yo3oug
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Notícias Internacionais ONU Meio Ambiente lista seis questões ambientais para ficar de olho em 2018 A ONU Meio Ambiente listou as principais ameaças ambientais que precisarão ser enfrentadas este ano. Entre elas, estão os danos provocados nos recifes de corais, a poluição por plástico dos mares e oceanos, entre outras. Veja a lista completa. 1. Recifes de coral Com três quartos dos recifes de corais do mundo já sob risco — devido a ameaças que vão desde espécies invasivas à acidificação do oceano e poluição por protetores solares — a hora da ação é agora. A Iniciativa Internacional para os Recifes de Coral escolheu 2018 como o Ano Internacional dos Recifes de Coral. As ações já começaram em Fiji, com o anúncio governamental de importantes locais de preservação. A ONU Meio Ambiente já começou uma análise detalhada da situação dos recifes de coral no Pacífico. Aguarde mais notícias e ações sobre o tema durante o ano. 2. Poluição por plástico Com base no impulso gerado pela Assembleia Ambiental da ONU do ano passado, um grande foco será dado este ano no sentido de combater a poluição por plástico — eliminando as sacolas descartáveis, banindo os microbeads (micropartículas de plásticos) nos cosméticos e promovendo o uso de alternativas sustentáveis. A expectativa é de que haja mais notícias e importantes anúncios sobre este tema, incluindo de companhias multinacionais, em 2018. 3. Deixar o mundo dos esportes mais verde Com as Olimpíadas de Inverno em Pyeongchang, na Coreia do Sul, no mês que vem, a Copa do Mundo da Rússia, em junho e julho, e os Jogos Olímpicos de Verão da Juventude, em Buenos Aires, em outubro, 2018 será um ano esportivo. Fique atento aos anúncios de novos compromissos de sustentabilidade de importantes organizações esportivas. Com bilhões de fãs de esporte no mundo todo, o impacto potencial é enorme. 4. Meio ambiente e migração Em dezembro, a comunidade internacional irá se reunir nos Marrocos para tentar fechar um novo pacto para migrantes e refugiados. As mudanças climáticas e a degradação ambiental já foram oficialmente reconhecidas como impulsionadores da migração — um fato que, corroborado pelos desastres relacionados ao clima, continuam a gerar manchetes na imprensa. 5. Cidades e mudanças climáticas Um importante tema de 2018 será como as cidades do mundo podem liderar a redução da emissão de gases do efeito estufa e desenvolver formas inovadoras de se adaptar às mudanças climáticas. Momentos importantes nessa frente será a Conferência de Cidades Resilientes que ocorre em abril em Bonn, na Alemanha, e a Cúpula de Ação Global para o Clima, que será realizada em setembro em São Francisco, nos Estados Unidos. 6. Grandes felinos No último século, o mundo perdeu 95% de sua população de tigres. Em apenas 20 anos, a população de leões na África caiu mais de 40%. Leopardos da neve, onças e espécies similares também estão em perigo devido à perda de seus habitats, à caça e outros tipos de ameaças. Em 2018, a expectativa é de que haja novas iniciativas para proteger os grandes felinos do mundo. https://nacoesunidas.org/onu-meio-ambiente-lista-seis-questoes-ambientais-para-ficar-de-olho-em-2018/
“Desastre ambiental no Pará é embaraçoso para Noruega” Em entrevista à DW, pesquisadora avalia silêncio de Oslo após vazamentos de rejeitos minerais em fábrica norueguesa no Pará. Grande investidor no combate ao desmatamento da Amazônia, país nórdico é sócio da mineradora. A mineradora norueguesa Hydro Alunorte está envolvida num dos mais recentes desastres ambientais no Brasil. Desde a confirmação no final de fevereiro de vazamentos de rejeitos minerais de uma de suas instalações na cidade de Barcarena, região metropolitana de Belém do Pará, o governo da Noruega, dono de 34,4% das ações da empresa, mantém silêncio, apenas alega não ter envolvimento na gestão da companhia. O escândalo ganhou nova dimensão na segunda-feira (12/03), quando a Hydro admitiu a um jornal norueguês que realizou vazamentos controlados, sem autorização, num canal que passa ao lado da refinaria desde 17 fevereiro, após uma forte chuva que atingiu a região. A companhia alega, porém, ter avisado as autoridades brasileiras e rejeita ser um acidente ambiental. Outro fator que adicionou polêmica ao escândalo foi a morte, na última segunda-feira, de um líder comunitário que denunciava irregularidades nas operações da mineradora. Não há pistas do assassinato, e a polícia investiga o caso.
http://www.dw.com/pt-br/desastre-ambiental-no-par%C3%A1-%C3%A9-embara%C3%A7oso-paranoruega/a-42963085
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Benga faz “sangrar” a Rio Tinto No dia 17 de Outubro de 2017, enquanto no Reino Unido a Financial Conduct Authority (Autoridade para a Conduta Financeira) comunicava à multinacional anglo-australiana Rio Tinto a sua decisão final em multá-la em £27,4M – valor que até compreendia um desconto de 30% em virtude da companhia ter aceite a penalização logo no início do processo – face à sua violação das regras de divulgação e transparência quando detinha a Mina de Benga, em Tete, Moçambique; do outro lado do Atlântico a estadunidense Securities Exchange Comission (Comissão de Valores Mobiliários) emitia um comunicado de imprensa anunciando ter submetido queixa contra a mineradora num Tribunal Federal em Nova Iorque, acusando-a e a dois dos seus ex-executivos de fraude. Em causa, outra vez a mina de Benga em Moçambique. Eis, resumidamente, o que alegadamente se passou: A Rio Tinto adquiriu a mina de Benga quando, em 2011, comprou a Riversdale Mining por US$3.7B. Ao longo dos meses que se seguiram, Thomas Albanese e Guy Elliot (que então ocupavam na Rio Tinto os cargos de presidente executivo e director financeiro respectivamente, e que foram os principais responsáveis e impulsionadores da aquisição) ocultaram do conselho de administração do grupo provas de que o projecto de Benga se estava a desvalorizar vertiginosamente – fruto, entre outros motivos, do chumbo do projecto de navegabilidade do Zambeze e consequentes constrangimentos de escoamento da matéria prima, da desvalorização do carvão, da conjuntura económica do mercado de commodities e (especula-se) da constatação de que a real qualidade e volume do carvão da mina eram bem inferiores ao inicialmente calculado. Entretanto – apesar de Albanese e Elliott saberem que uma re-avaliação recente do projecto o cotava então em US$680M negativos – nos EUA, com base no valor inflacionado do projecto, a Rio Tinto angaria mais de US$5.5B em ofertas de dívida. Está concluída a alegada fraude.
JA | Fevereiro 2018
Em 2013 Albanese e Elliott são finalmente denunciados e convidados a demitirse, a Rio Tinto assume a depreciação de Benga e vende-a à indiana ICVL por $50M para grande espanto de todos. Três meses depois de “estourar a bomba”, a 17 de Janeiro deste ano, a Rio Tinto e os seus dois ex-funcionários vieram a público negar todas as acusações de que são alvo e anunciaram que pretendem que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA retire a queixa. Vamos ver no que vai dar...