Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
JA | Setembro 2017
Mau Humor
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Debaixo de Água
Conforme vos escrevemos, Mar-a-lago está encerrada por causa do furacão Irma. Mara-Lago é uma das propriedades com campo de golfe de Donald Trump, onde ele terá alegadamente passado quase 1 mês dos seus 7 meses e ½ de presidência (uma despesa custeada pelos contribuintes dos EUA, é claro). Oh! A ironia! O homem que chamou as alterações climáticas de boato chinês e que retirou os EUA do Acordo de Paris – como vos informámos no nosso Boletim de Junho de 2017 – no ano passado solicitou uma licença para construir um muro de protecção marítima para proteger a sua propriedade na Irlanda. Razão mencionada para a licença: aquecimento global e aumento do nível do mar. 2016 foi o ano mais quente de que há registo, quebrando todo o tipo de recordes. 2017 também não foi gentil. Houve uma onda de calor e uma seca no sul da Europa. Na Sibéria o permafrost está a derreter, desafiando o seu próprio nome: ‘perma’frost. Nada mais é permanente. Este é o novo normal. Não há normal. Este ano, depois de deslizamentos de terra fatais na Serra Leoa, o sul da Ásia foi devastado por cheias de monção que mataram mais de 1200 pessoas na Índia, no Nepal e no Bangladesh. Esta é 3 vezes a quantidade de muçulmanos Rohingya mortos no trágico massacre étnico que está a ocorrer no Myanmar neste momento. Todas essas mortes sem sentido são uma farsa, cada vida apagada, cada pessoa deslocada é uma tragédia. A JA envia a sua solidariedade para o outro lado do oceano e lamenta todas as vidas perdidas.
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Ao serem despolitizadas, essas mortes foram politizadas. Nos Estados Unidos, os jornalistas noticiam eventos climáticos extremos sem mencionar as mudanças climáticas, porque não querem “politizar” o problema. Mas os furacões no Oceano Atlântico, as inundações no sul da Ásia, a contínua seca no Corno de África, são altamente políticos. “Não digam que não vos avisámos”, dizem os cientistas climáticos. Porque fazem disto uma contínua surpresa? Estes impactos foram previstos pelos cientistas há décadas. Ignorar as causas dessas catástrofes deveria, portanto, ser um acto criminoso contínuo. “Isso deixa o público com a falsa impressão de que estes são desastres sem causa específica, o que também significa que nada poderia ter sido feito para impedi-los (e que nada pode ser feito agora para evitar que eles venham a piorar no futuro)”, diz Naomi Klein em The Intercept. Os cientistas sabem destes impactos há décadas. A Exxon também. Ainda no mês passado, pesquisadores lançaram um relatório que confirma que a empresa de energia suja Exxon estava ciente dos impactos climáticos, mas mentiu sobre isso durante cerca de 40 anos. Entretanto, a luta contra a energia suja continua. Em Julho, os movimentos da Irlanda levaram o governo a proibir completamente o fracking. O governo da Coreia do Sul diz que não dará mais licenças para centrais a carvão. Em Agosto fez um ano que os movimentos australianos forçaram o governo estadual de Victoria a banir o fracking. O novo plano energético do Sri Lanka também descartou o carvão. Depois de activistas processarem a usina de carvão de Cirebon, na Indonésia, com o intuito de a encerrar, a licença ambiental da usina foi anulada pelos tribunais. A Amigos da Terra do Togo acaba de lançar uma campanha contra a exploração de petróleo off-shore. A equipa da JA visitou as comunidades de pescadores do Togo que seriam afectadas pela extracção de petróleo. A JA também está a trabalhar activamente para travar a crise climática aqui, em casa. Sabemos que nosso país não tem responsabilidade histórica pela crise climática, mas a ciência climática mostra que todos nós temos que parar de emitir gases de efeito estufa. Devemos contribuir para a solução, não para o problema. A energia suja está a destruir vidas e meios de subsistência, a poluir o ar, a água, a terra e as pessoas. Está a gerar militarização e corrupção e não traz benefícios verdadeiros para as pessoas, certamente não para aqueles afectados por ela. Nós estamos a combater a mineração de carvão na província de Tete há mais de uma década. No ano passado, lançámos um relatório sobre a economia do carvão em Moçambique, que concluiu que o número de pessoas que perderam as suas terras devido à mineração é quase três vezes maior que o número de pessoas empregadas pelo sector de mineração, e que em 2015 a mineração de carvão representou apenas 1% da receita do governo. Nós estamos a combater a mega-barragem proposta em Mphanda Nkuwa há 17 anos, uma barragem que devastará o vale do rio, o seu delta e todo o seu povo. Agora, o nosso país depara-se com outra ameaça de energia suja: um grande campo de gás foi descoberto na nortenha província de Cabo Delgado. Previmos, há anos atrás, que a corrida ao gás levaria à devastação das pessoas locais, do meio ambiente e do clima. Ei-la. A única coisa que pode parar a crise climática, aqui em Moçambique e em todo o mundo, é o poder das pessoas. A luta continua.
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Comunicado de Imprensa 21 De Setembro Dia Internacional Contra as Plantações de Monoculturas de Árvores Assinala-se hoje, uma vez mais, o Dia Internacional Contra as Plantações de Monoculturas de Árvores, dia em que organizações da sociedade civil, redes e movimentos sociais de todo o mundo celebram a resistência contra a expansão de plantações de monoculturas devido aos seus inúmeros impactos sociais e ambientais. Ano após ano temos vindo a alertar para os graves impactos devido às plantações de monoculturas em Moçambique. No ano passado nesta data foram lançados dois relatórios. O primeiro relatório “O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique” foi produzido pelas organizações moçambicanas Livaningo, UNAC (União Nacional dos Camponeses) e Justiça Ambiental. O segundo relatório lançado “Portucel - O Processo de Acesso à Terra e os direitos das comunidades”) foi elaborado pela Justiça Ambiental em parceria com a World Rainforest Movement. De referir que estes relatórios podem ser acedidos através dos seguintes links: https://issuu.com/justicaambiental/docs/o_caso_da_green_resources_moc__ambi https://issuu.com/justicaambiental/docs/portucell_com_graficos_novos_
Ambos estudos apresentam situações de conflitos de terra e de grande insatisfação por parte das comunidades locais com a entrada destas empresas, e podem ser utilizados como uma ferramenta útil para as próprias empresas caso tenham interesse em colmatar as situações identificadas. Ainda no ano passado, a Justiça Ambiental em parceria com a World Rainforest Movement submeterem às empresas Green Resources na Noruega e Portucel/The Navigator Company em Portugal, bem como às instituições governamentais moçambicanas nomeadamente o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar uma petição com 12332 assinaturas de singulares e de organizações nacionais e estrangeiras, em solidariedade e apoio às comunidades que lutam contra a expansão das plantações de monoculturas de árvores em Moçambique (http://wrm.org.uy/pt/acoes-e-campanhas/parem-as-plantacoesem-mocambique/). Até ao momento a referida petição não teve resposta.
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Em grande parte as situações de conflitos de terra permanecem por resolver, daí que a Justiça Ambiental e a World Rainforest Movement, em colaboração com outras organizações da sociedade civil igualmente preocupadas, nomeadamente a Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Nampula-CAJuPaNa, Fórum Mulher – Marcha Mundial das Mulheres, Livaningo, União Nacional de Camponeses (UNAC), União Provincial de Camponeses da Zambézia, União Provincial de Camponeses de Nampula e União Provincial de Camponeses de Niassa elaboraram uma brochura “Como resistir às empresas de plantações de árvores? - Uma brochura informativa para comunidades” que visa essencialmente equipar as comunidades com conhecimento sobre as estratégias de entrada destes projectos de modo a auxiliar as comunidades locais nos processos de negociação de cedência de terra para grandes projectos de plantações de monoculturas de larga escala. Os conflitos de terra, a insatisfação com a actuação das empresas e de um modo geral a insistência por parte do nosso governo em promover a entrada de investimentos que requerem grandes extensões de terra, competindo directamente com terra fértil utilizada para produção de alimentos, urge que as organizações da sociedade civil promovam a partilha de informação com as comunidades locais sobre direitos e deveres, sobre estratégias de negociação para que possam salvaguardar os seus próprios direitos. É neste âmbito que surge a brochura “Como resistir às empresas de plantações de árvores? - Uma brochura informativa para comunidades” e pretende-se que contribua para uma melhor preparação das comunidades rurais para estes processos. A brochura está disponível em português através do https://issuu.com/justicaambiental/ docs/cartilha_mocambique_baixa_resolucao e brevemente estará disponível em Macua, Ci Yao e Ci Sena. Maputo, 21 de Setembro de 2017 Justiça Ambiental – JA!
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Camponês VS Ganância “Os ensaios em campos confinados do projecto WEMA anunciam o início de uma era de organismos geneticamente modificados em Moçambique, fenómeno que alterará por completo os seus sistemas de alimentação e agrícola, a sua biodiversidade e a sua cadeia de valor alimentar. (...) Culturas geneticamente modificadas resultarão no declínio da diversidade de sementes e, o mais certo, os camponeses não poderão semear sementes conservadas por eles. Isto terá implicações nefastas e consequências profundas no sistemas de sementes geridos por camponeses em Moçambique.” Em O Ataque do Milho Geneticamente Modificado em Moçambique: Minando a Biossegurança e os Camponeses, por African Centre for Biodiversity e Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais
No início de Setembro, colheu-se num campo experimental do Instituto de Investigação Agrícola de Moçambique (IIAM) no Chókwè, aquela que foi, alegadamente, a primeira safra de milho geneticamente modificado plantada no país. A safra, diz a imprensa, é composta por 14 variedades experimentais do famigerado milho WEMA, – sigla em Inglês para “Milho com Eficiência Hídrica para África”. Nós achamos lamentável. Mais um passo dado na direcção errada, mas já estávamos à espera. Era previsível. No entanto, garantimo-vos: o pior ainda está por vir. Os organismos geneticamente modificados não são compatíveis com a nossa agricultura e vão exterminá-la (a ela e aos nossos camponeses). Aqueles que são inocentes o suficiente para acreditar que são só “sementes melhoradas” para ajudar as populações, não estão a perceber que estão a ser burlados. Não estão a perceber que as “sementes melhoradas” são o fim da troca de sementes, dos bancos de sementes...
Não estão a entender que as “sementes melhoradas” jamais serão suas e que ao aceitá-las estão a colocar-se nas mãos de quem realmente as detém. Não sabem do que estão a abdicar. Mas não é disso que queremos falar hoje. Hoje queremos dizer-vos porquê que os nossos governantes estão a permitir que isto aconteça. É verdade que a produtividade agrícola do nosso país é muito baixa. Moçambique é um país de pequenos
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agricultores, onde predomina a agricultura familiar, grande parte da qual, de subsistência. A agricultura comercial é escassa por vários motivos: desde a falta de opções financiamento, a dificuldades de escoamento e transporte, à carência de infra estruturas como mercados, falta de meios para lidar com adversidades climatéricas, entre outros. Todos sabemos disso. É igualmente verdade que algo precisa de ser feito urgentemente para que esse cenário se reverta o quanto antes. Também sabemos disso. Entendemos também que, por vezes, “o óptimo é inimigo do bom” e para andarmos para a frente precisamos de fazer alguns sacrifícios e algumas cedências, mas sacrificar desnecessariamente o amanhã para garantir o hoje é uma burrice que só a ganância ou a preguiça e incompetência podem justificar. Nós gostaríamos muito de acreditar na tese da preguiça e incompetência. Muito mesmo. Muito nos agradaria poder dizer com convicção que, “havendo vontade política, bem feitas as coisas, estamos certos que poderíamos muito bem desenhar soluções inclusivas que nos permitissem produzir substancialmente, em quantidade e qualidade, sem exterminar o campesinato e sem promover a usurpação das suas terras ou deitar no lixo a riqueza e diversidade genética das nossas culturas.” Gostaríamos mesmo muito de poder crer nisso. Mas só quem não conhece a classe política do nosso país julga essa tese plausível... A
verdade,
infelizmente,
é
que
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estabelecer largas plantações de monoculturas expropriando centenas de milhares de camponeses e escancarar as portas do país a biotecnologia agrícola que está a ser banida mundo a fora, em Moçambique, não é incompetência. A verdade é que colocar 10 ou 20 mega projectos agrícolas ao encargo de quem pagar mais para os ter, em Moçambique não é preguiça, não é lavar as mãos da responsabilidade de governar esse território ao invés de trabalhar para reunir condições para que os 2 milhões de camponeses que o ocupam produzam o suficiente para comer e ajudar o país. Não é verdade. Pode parecer plausível para alguns, mas o problema do nosso sector agrícola não é a preguiça nem a incompetência de quem o rege. A verdade nua e crua é que o problema é mesmo ganância. O problema são os conflitos de interesse, são as “luvas” milionárias que os nossos governantes cobram a esses lesivos agronegócios que, como uma praga, vão despoletando pelo país, para que sejam devidamente acomodados. A verdade, é que é muito mais fácil e rentável cobrar “para facilitar” a meia dúzia de corporações do que ter de inventar maneiras de complicar ainda mais a vida a milhões de pequenos machambeiros. E pese embora haja por aí muito governante mascarado de preguiçoso e incompetente, não se deixem iludir, é apenas um disfarce, debaixo da sua máscara de inábil servidor público está certamente um mui hábil corrupto. Essa, meus amigos, é a triste verdade.
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Notícias Internacionais O homem é um estúpido’: a crítica do papa aos que negam mudanças climáticas. O papa Francisco citou a Bíblia para fazer duras críticas a líderes mundiais que se recusam a levar a sério as ameaças das mudanças climáticas. “O homem é estúpido, é um teimoso que não vê”, disse, atribuindo a frase a uma passagem do Antigo Testamento. Em seguida, emendou: “o homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra”. O pontífice disse que os recentes furacões Harvey e Irma mostraram que os efeitos das mudanças climáticas podem ser vistos “com seus próprios olhos”. “Quem nega as mudanças climáticas tem de perguntar aos cientistas. Eles são claros e precisos”, assinalou o líder da Igreja Católica em conversa com a imprensa na sua viagem de volta a Roma, após uma visita à Colômbia. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2017/09/12/
‘Toxitour’: O turismo pelas piscinas de petróleo no Equador Faz 30 anos que os fiéis de uma pequena igreja no município de Nueva Loja, no extremo norte do Equador, começaram a chegar para a missa muito preocupados. O bochicho na pequena cidade de cerca de 35.000 habitantes era porque os animais da região estavam morrendo em grande escala. Ninguém sabia o que estava acontecendo para que as vacas, bois, bezerros e cachorros morressem daquela maneira. Reclamavam para o padre, pedindo orações e buscando explicações. Até que um espanhol que vivia na comunidade levantou a lebre: “O problema é o petróleo”, disse ele. Ninguém podia acreditar numa coisa dessas. A cidade faz parte da região de Lago Agrio, uma área em plena Amazônia equatoriana e muito rica em petróleo. O local foi explorado pela antiga Texaco – adquirida pela Chevron em 2001 – ao longo de 26 anos. “Naquela época, em 1987, os engenheiros da Texaco diziam que o petróleo era bom para a saúde”, contou Donald Moncayo, 43, morador de Lago Ágrio, durante uma breve visita a São Paulo neste mês. “As pessoas passavam petróleo no corpo inteiro. Se lambuzavam com o óleo, enrolavam o corpo em um pano e iam dormir, por acreditar que aquela graxa fazia bem para a pele”. Mas o tal espanhol, que Moncayo recorda-se apenas do primeiro nome – Julio – estava correto. Em 1988 começaram as primeiras conversas sobre contaminação do local. Esse é o início da história de um dos maiores litígios ambientais dos últimos tempos e que já dura 20 anos. No centro da disputa estão os danos ambientais que teriam sido causados na Amazônia equatoriana entre 1964 e 1992 pela Texaco. A Chevron, ao adquirir a Texaco, herdou também a disputa legal. Os equatorianos afetados acusam a empresa de ser a responsável pela contaminação de 480.000 hectares de floresta amazônica, entre o solo e os rios locais, o que teria causado uma série de doenças como câncer e problemas de pele. A Chevron, por sua vez, diz que a Texaco recuperou as áreas proporcionais ao que explorou no local. E acusa os advogados dos moradores de fraude no processo. Parte desta história, cheia de idas e vindas, é contada no documentário Toxitour, do diretor brasileiro Raoni Maddalena, com previsão de entrar no circuito dos festivais no final deste ano. “Esta história é pública e notória no Equador”, conta Maddalena. https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/14/internacional/1500041681_599876.html
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