Newsletter Setembro 2016

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


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Mau Humor

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NOTA: Semeando Justiça Climática II

Este número do nosso boletim é dedicado ao tema das Mudanças Climáticas, especialmente à segunda edição da nossa reunião Semeando Justiça climática, que teve lugar nos dias 31 de Agosto, 1 e 2 de Setembro de 2016 em Maputo.

as ameaças e impactos das mudanças climáticas, da energia suja e da usurpação das suas terras. Com vista a juntos discutirmos os vários problemas que afligem o Continente Africano no que concerne às mudanças climáticas e suas causas e impactos, a reunião contou ainda com a participação de vários especialistas, de funcionários governamentais, de alguns membros de comunidades sul africanas que enfrentam problemas similares, bem como de activistas que trabalham na construção do movimento internacional de justiça climática. Destacamos e agradecemos também a presença e disponibilidade de sua excelência o Ministro da Terra e Desenvolvimento Rural Celso Correia, que nos deu a honra de fazer a abertura da reunião.

Este evento, surge da necessidade de dar continuidade a um processo de construção de um movimento de justiça climática em Moçambique, que teve início com a primeira conferência desta natureza, realizada em Abril de 2015 em Maputo. O objectivo principal deste evento, foi o de permitir a partilha de experiências e conseguir reunir membros de diferentes comunidades de todas as províncias de Moçambique que têm enfrentado

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Lançamento de caso de estudo sobre o impacto do carvão na economia Moçambicana A economia do carvão: Onde estão os benefícios? é um relatório que acaba de ser lançado pela Justiça Ambiental/ Amigos da Terra Moçambique, e que procura oferecer uma análise aprofundada ao sector do carvão em Moçambique; mais concretamente às preocupações económicas em redor de uma indústria que já foi propalada como a chave de ouro para a prosperidade económica e eficiência energética do país. Em todo o continente, o boom do carvão que testemunhámos na última década foi resultado da crescente demanda por esta mercadoria, principalmente na Índia e na China. Tinha muito pouco a ver com a demanda local. Mas nos últimos anos o abrandamento da economia chinesa, acoplado às realidades de uma economia global ainda em recessão, às vulnerabilidades de um modelo económico extractivista, bem como aos problemas de uma dependência excessiva dos mercados de commodities, expôs países como Moçambique a sérias adversidades. Esta realidade está a ser replicada em todo o continente. Tim Jones, da Campanha da dívida do Jubileu e autor deste relatório diz o seguinte sobre os perceptíveis benefícios económicos da mineração de carvão em Moçambique, “o alegado boom económico do carvão nunca chegou. O governo de Moçambique está a receber menos de $60 milhões por ano, menos de 1% da receita total gerada pelo carvão. A maioria desses $60 milhões são impostos pagos pelos trabalhadores, em vez de pelas empresas. Essa receita é também significativamente menor do que a dívida que o governo assumiu para financiar infra-estruturas para as minas, como transportes.” Desde meados de 2000 que as exportações e os preços das mercadorias têm estado a subir vertiginosamente graças ao notável crescimento económico da China, impulsionado pelas suas indústrias transformadoras e de construção. Mas, nos últimos 5 anos, o preço dessas mercadorias caiu a pique, em parte devido à pós recessão económica global de 2008 – da qual o mundo ainda está a recuperar – e ao abrandamento da própria economia da China. Moçambique é um dos países mais dependentes de commodities do mundo, elas representam mais de 90% das suas exportações. A queda na demanda por commodities abalou severamente o país. A produção mundial de carvão atingiu o seu pico em 2013, com 8,075 milhões de toneladas, e tem vindo a diminuir paulatinamente desde então. Por sua vez, os preços do carvão têm vindo a diminuir desde 2011. O relatório chama a atenção para os impactos económicos imediatos desta conjuntura, destacando o facto que a moeda de Moçambique, o Metical, caiu drasticamente em relação ao dólar desde que o preço mundial do carvão caiu, tornando assim o valor real das dívidas em moeda estrangeira muito maiores. Na verdade, Moçambique está agora em conversações com o FMI sobre um novo programa de empréstimos e ajustamento estrutural para ajudar a resgatar a economia, que está em absoluto descontrolo. Ao mesmo tempo, surgem notícias que o Banco Mundial vai emprestar ao governo moçambicano $50 milhões para assistência técnica destinada a ajudar a gerir os seus sectores de mineração e gás. O relatório também desmascara o mito sobre a capacidade do sector do carvão em Moçambique fornecer uma grande quantidade de postos de trabalho, especificamente empregos permanentes no país, uma narrativa que foi fortemente propalada pelo governo – funcionários do governo de Moçambique afirmaram que 13.000 empregos foram criados em Tete na construção das minas de carvão que agora estão em exploração.

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“Sempre que questionamos o raciocínio por trás das decisões e modelos de desenvolvimento que o nosso governo toma unilateralmente, especialmente quando relacionadas com extrativismo, somos excluídos das discussões, marginalizados e rotulados de radicais contra o desenvolvimento. Então decidimos fazer um estudo sobre a economia de carvão, para descobrir quais são esses benefícios económicos. Este relatório baseia-se em pesquisas anteriores feitas pela JA, detalhando os impactos ambientais e sociais da mineração de carvão em Moçambique. O que este relatório faz é dar um passo adiante e desafiar a narrativa dominante que os benefícios económicos da mineração de carvão superam, e podem até mesmo ‘corrigir’ a degradação ambiental associada à mineração. Este relatório mostra claramente que os benefícios económicos da indústria são uma miragem e, portanto, não podem ser usados para justificar o tipo de ambiente, tampouco as violações de direitos humanos que têm vindo a ser associados à indústria de carvão em Moçambique.” – disse sobre este estudo Anabela Lemos, da Justiça Ambiental. Em 2012, a Vale informou à EITI que apenas 1,101 moçambicanos – principalmente em cargos temporários – estavam a trabalhar na mina de Moatize, além de 323 expatriados. Em 2013, o mesmo número de funcionários foi relatado à BBC. A Minas Moatize disse que havia 214 moçambicanos e 12 expatriados a trabalhar na sua mina. A Rio Tinto recusouse a revelar quaisquer números. Na mina de Chirodzi, especula-se que os moçambicanos ganhem quase quatro vezes menos do que os indianos que fazem o mesmo trabalho, o que traz à tona as desigualdades estruturais em torno das práticas de trabalho que são predominantes no sector de mineração em Moçambique. O relatório também analisa as mudanças relacionadas com o regime tributário, bem como as isenções aduaneiras sob a nova lei de mineração do país que entrou em vigor em Janeiro de 2015. É óbvio que muito pouco mudou. Sob a nova lei, a importação de equipamentos relacionados com prospecção, pesquisa e exploração goza de uma isenção de direitos aduaneiros e de IVA durante 5 anos, os serviços relacionados com a perfuração, exploração e construção também gozam de isenção de IVA, e o imposto sobre a produção mineira sofre um corte de 50% se o carvão for destinado à indústria local, mas como a maior parte do carvão é para exportação, isto pouco faz pela economia local. Em 2014, o governo de Moçambique recebeu apenas $59,2 milhões de receita das minas de carvão, menos $15,6 milhões que em 2013, apesar do aumento de produção. Desse total, 75% foram, na verdade, imposto de renda pago pelos trabalhadores das minas. Apenas $8,3 milhões (13%) foram imposto de renda corporativo, e $7,9 milhões (12%) imposto de produção. Tanto o imposto de renda corporativo como o imposto de produção diminuíram substancialmente em 2014, presumivelmente devido à queda no preço do carvão. Os $59,2 milhões recebidos em 2014 correspondem a apenas 1% da receita do governo. Sobre o estudo do qual é co-autor, Daniel Ribeiro, da Justiça Ambiental escreve: “Este relatório não tem um público alvo específico. (...) O propósito deste relatório é quebrar barreiras e eliminar mentiras.” Maputo, Setembro de 2016

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Itaipú, Brasil Fotografia: Erika Mendes

O ABC das grandes Barragens O que são grandes e mega barragens senão enormes muros de cimento, que param o curso de um rio? Pela Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB), grande barragens são barragens superiores a 15m, enquanto mega barragens têm mais de 100m. A maioria das mega barragens mundo a fora são usadas para produção de energia. Etimologicamente, a palavra dam (barragem) deriva da palavra grega taphos, que significa “túmulo”. Parece-nos apropriado, pois uma barragem nada mais é que uma lápide para um rio. Apesar de na última década as mega barragens terem sido o centro de muita controvérsia, entre 1930 e 1970 o boom das mega barragens foi sinónimo inequívoco de desenvolvimento económico e símbolo da capacidade humana para domar a natureza. A verdade veio à tona quando os

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seus impactos negativos se começaram a sentir. Foi então que as barragens se tornaram objecto de vários debates, estudos e pesquisas em torno de seus impactos ecológicos e sociais, e da sua relação custos vs benefícios. Se por um lado, os proponentes das barragens as defendem como fontes de energia e ferramentas para o desenvolvimento; por outro, os seus opositores afirmam que os seus benefícios são largamente suplantados pelos seus danos, tais como a perda de meios de subsistência de comunidades e a perda de ecossistemas dos rios, citando apenas alguns exemplos. As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por grandes protestos, controversos debates, e enormes campanhas – da sociedade civil, de movimentos sociais e de comunidades atingidas por barragens – que visavam acabar com o financiamento


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Prioridades Estratégicas • Ganhar aceitação pública, • Avaliação de opções abrangente, • Abordar barragens existentes, • Preservar rios e meios de subsistência, • Reconhecer direitos e partilhar benefícios, • Assegurar o cumprimento, e • Partilha de rios para a paz, desenvolvimento e segurança.

de mega barragens. A pressão gerada por estas campanhas, aliada à ampla difusão de informação sobre a violação de direitos humanos perpetrada por projectos hidroeléctricos, levou algumas instituições financeiras a reduzir o seu financiamento a projectos de mega barragens encabeçados pelo Banco Mundial. Consequentemente, em Abril de 1997, foi criada uma comissão independente para pesquisar os impactos ambientais, sociais e económicos de mega barragens a nível mundial. Sob a presidência de Kader Asmal – o então Ministro dos Recursos Hídricos SulAfricano – e composta por membros da sociedade civil, académicos, bem como por representantes do sector privado, de associações profissionais e do governo, fundou-se a Comissão Mundial de Barragens. Com o apadrinhamento de Nelson Mandela, em Novembro de 2000 a CMB lança o seu relatório final com as suas conclusões e recomendações sobre barragens e desenvolvimento sustentável. O Relatório constata que “as barragens têm dado um contributo importante e significativo para o desenvolvimento humano, e os benefícios derivados delas foram consideráveis”, mas “em muitos casos um preço inaceitável e muitas vezes desnecessário foi pago para garantir esses benefícios, especialmente em termos sociais e ambientais, pelas pessoas deslocadas, pelas comunidades a jusante, pelos contribuintes e pelo ambiente natural.” O estudo compreende ainda um conjunto de directrizes para o futuro, assentes em 5 valores chave e organizadas em 7 prioridades estratégicas.

Durante algum tempo, a noção de que as mega barragens acarretam demasiados custos pareceu estar a impor-se, a ganhar força, a tornar-se realidade; mas de repente, com a chegada da crise climática, as barragens reinventaram-se, promovendose audaciosamente como “solução para as mudanças climáticas”. Mas nada mudara. As barragens, repletas de problemas, continuavam e ser solução para coisa nenhuma. Em resposta, começamos a chamá-las de “falsas soluções”. Na nossa mais recente reunião sobre justiça climática – “Semeando Justiça Climática II” – realizada em Maputo há cerca de um mês, convidámos Rudo Sanyanga, Directora da International Rivers em África, para nos falar dos impactos das barragens sobre o clima. Na sua apresentação, Rudo desmontou categoricamente esse mito que as mega barragens como fontes de energia são a solução para a crise climática. Sem sequer abordar os impactos sociais e ambientais conhecidos, a nossa oradora iniciou a sua apresentação perguntando: “As hidroeléctricas fornecem energia limpa?” “Não o fazem. Não é verdade! Antes pelo contrário, elas exacerbam as mudanças climáticas!” – continuou. As barragens, especialmente barragens em regiões tropicais, podem muitas vezes produzir enormes quantidades de metano e dióxido de carbono a partir de biomassa em decomposição nos seus reservatórios.

Valores • Equidade, • Sustentabilidade, • Eficiência, • Tomada de Decisões Participativa, e • Responsabilidade.

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Além disso, as secas e cheias podem afectar bastante a produção de energia hidroeléctrica, e consequentemente depender de energia hidroeléctrica num clima em mudança pode ser imprudente. Rudo falou ainda sobre Um Clima Arriscado para Barragens na África Austral, uma pioneira pesquisa feita em 2012. O documento sofreu forte oposição e foi amplamente atacado pela classe política. Houve até quem acusasse publicamente a International Rivers de assustar as pessoas, garantindo que nada do que diziam iria acontecer. 4 anos volvidos, o problema é real e visível. Este ano, o Lago Kariba – o maior reservatório de água feito pelo homem – não atingiu nem 20% da sua capacidade, a barragem de Katse, no Lesotho atingiu apenas 63%. A Zâmbia, que dependia em 80% de energia hidroeléctrica, devido a uma seca que dura há 2 anos, está a virarse para a energia solar. Isto é real. Os países na Bacia do Zambeze vão ver o rio reduzir o seu caudal. Muitos estudos estimam que até 2050 haverá uma diminuição de escoamento de entre 26% a 40%. Ninguém está a tentar assustar ninguém. Já está a acontecer e só irá piorar. Lembramo-nos bem como foi em 2012, quando Rudo veio a Maputo para apresentar os resultados deste estudo. No lançamento, fomos copiosamente atacados pela maioria dos participantes do governo. Foi um autêntico boicote ao evento. Um comportamento não só desrespeitoso como também profundamente improdutivo. Como pode Moçambique sequer considerar construir Mphanda Nkuwa? Uma barragem tão arriscada para o meio ambiente e para as comunidades, que acarreta riscos sísmicos, para não falar no risco económico e nas alterações climáticas. Estará o nosso governo a considerar seriamente estes riscos? Ou estará novamente certo

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o estudo ao afirmar que “o planeamento hidroeléctrico negligencia os riscos climáticos – com uma abordagem que só se poderá denominar ‘esperar para ver’ ou ‘cabeça na areia’.” Muito me espanta o quão difícil ainda é para as pessoas, verem e entenderem o que realmente são as mega barragens: uma monstruosidade que destrói vidas, meios de subsistência e ecossistemas de água doce entre outros. De certa forma, entendo que ao contrário do que acontece quando as pessoas olham para uma central eléctrica a carvão, cuja feiura é flagrante; quando olham para uma mega barragem possam ver uma colossal obra de engenharia, um lago, ou uma enorme muralha que cospe água com uma força incrível fazendo um ruído tremendo que faz qualquer um sentir-se pequeno. Entendo. Com certeza uma barragem parece muito melhor que qualquer central eléctrica de carvão... Mas é tudo fachada. Basta perguntar aos 40-80 milhões de pessoas deslocadas por barragens. Ou seja, as barragens não são solução para as alterações climáticas, não são benéficas ao meio ambiente, nem nos protegem de secas e cheias – a não ser que tenham esse exclusivo propósito. Basta pensarmos um bocado: As hidroeléctricas retém o máximo de água possível (pois água = energia), consequentemente, se houver uma enchente não há margem de manobra. Convém esclarecer que as barragens edificadas para irrigação e para nos proteger de cheias são normalmente barragens pequenas e nunca mega barragens. Em 2009, a JA lançou um estudo sobre fontes de energia renováveis para Moçambique – outro estudo que foi atacado pelos participantes do governo de tal forma que o autor teve dificuldades


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para concluir a sua apresentação face a tantas interrupções. O estudo mostrou que não precisamos de Mphanda Nkuwa, e que há outras maneiras de gerar energia para todos com menos impactos. A solução não é difícil. Precisamos de começar com sistemas descentralizados de energia, energia limpa, energia solar, eólica, e até mesmo pequenas barragens hidroeléctricas. Uma mistura de fontes de energia que deve ser acessível a todas as

pessoas. Podemos e devemos pensar mais sobre as soluções para combater e minimizar os impactos das mudanças climáticas, ao invés de insistir em trilhar o caminho sinuoso que nos colocou onde estamos. Para ultrapassarmos esta crise, temos de ser inteligentes e tomar decisões sensatas. Temos muitas opções e sabemos bem quais os erros que cometemos no passado. Que não os repitamos.

Alguma informação sobre barragens que mudaram o mundo: Chixoy: a sepultura no Rio Negro Comunidades atingidas por barragens, sofrem muitas vezes repressão e violações dos seus direitos humanos. Em 1982, mais de 400 homens, mulheres e crianças indígenas foram massacrados para abrir caminho à Barragem de Chixoy na Guatemala – um projecto do Banco Mundial. Em 2014, numa medida histórica, o governo do país assinou um acordo de indemnização às comunidades afectadas no valor de $154 milhões. Banqiao: a barragem que a água levou Quando as barragens não são adequadamente construídas ou mantidas, podem quebrar. Naquele que foi o maior desastre de barragens de sempre, o colapso da barragem de Banqiao na China matou cerca de 171.000 pessoas em 1975. Em mais de 100 casos, os cientistas conseguiram associar a construção de barragens a terramotos. Fortes evidências sugerem que terramoto de Sichuan, na China, que matou 80.000 pessoas em 2008, pode ter sido desencadeado pela barragem de Zipingpu. Yacyretá: o monumento à corrupção As grandes barragens são muitas vezes projectos de estimação de ditadores. A falta de prestação de contas conduz a corrupção maciça e a derrapagens de custos. Em média, as grandes barragens experimentam derrapagens de custos de 96% e não são económicas. O custo da barragem argentina de Yacyretá cresceu rapidamente de $2,5 bilhões para $15 bilhões. Um ex-presidente chamou Yacyretá “um monumento à corrupção”. Merowe: quando os construtores de barragens chinesas se globalizaram Em 2003, o governo chinês decidiu financiar a Barragem de Merowe, no Sudão, como seu primeiro grande projecto hidroeléctrico no exterior. A barragem deslocou mais de 50.000 pessoas e causou graves violações dos direitos humanos. Bancos e empresas chinesas estão agora envolvidos em cerca de 330 barragens em 74 países, encabeçando um boom global na construção de barragens sem precedentes.

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Glines Canyon: a barragem que veio abaixo Barragens têm sérios impactos ambientais, e os seus benefícios diminuem à medida que envelhecem. Desde 1930, os Estados Unidos removeram mais de 1.150 barragens para restaurar os ecossistemas fluviais e habitats particularmente de peixes. Em 2014, o paredão de 64 metros de altura da barragem de Glines Canyon, no rio Elwha, noroeste do Pacífico, foi quebrado, naquela que foi a maior remoção de uma barragem até à data. Patagonia: as barragens que nunca foram construídas Nos últimos anos, as energias solar e eólica têm começado a obter sucesso comercial. Estas fontes de energia renovável são mais limpas do que o carvão ou a energia hidroeléctrica e podem ser instaladas onde as pessoas precisam de eletricidade. Mesmo longe de uma rede eléctrica. Sob forte pressão pública, em 2014 o Chile cancelou a construção de cinco barragens na Patagónia e aprovou a edificação de 700 megawatts de novas projectos de energia solar e eólica. Kariba: a barragem que acabou com a pobreza na África Austral (mesmo!?) A barragem de Kariba, no Zambeze, foi construída na década de 1950 para alimentar o corredor de cobre da Zâmbia. Foi a primeira grande barragem financiada pelo Banco Mundial. Kariba foi considerada o símbolo de um “admirável mundo novo”, em que controlar a natureza traria desenvolvimento económico rápido. No entanto, as 57.000 pessoas que foram deslocadas pela barragem sofreram de fome e ainda estão empobrecidas. Sardar Sarovar: a barragem que derrotou o Banco Mundial A barragem de Sardar Sarovar, no rio Narmada, na Índia, deslocou mais de 250.000 pessoas, principalmente indígenas. O Banco Mundial teve de retirar-se do projecto em 1994, depois de uma revisão independente ter descoberto violações sistemáticas das suas políticas sociais e ambientais. Após esta experiência humilhante, o banco afastouse de mega barragens durante mais de uma década.

Referências: https://en.wikipedia.org/wiki/World_Commission_on_Dams https://energypedia.info/wiki/World_Commission_on_Dams_(WCD)_Report http://www.unep.org/dams/documents/Default.asp?DocumentID=663 https://www.internationalrivers.org/campaigns/the-world-commission-on-dams http://www.unep.org/dams/WCD/report/WCD_DAMS%20report.pdf https://www.internationalrivers.org/questions-and-answers-about-large-dams https://www.internationalrivers.org/blogs/227-3

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“COP21 - um breve olhar sobre o seu fracasso” Precisamos de ficar abaixo de um aumento de temperatura média global de 1.5ºC. Qualquer coisa acima disso colocar-nos-á face a uma catástrofe climática. Antes do COP21 havia um sonho. O sonho que um acordo viria de Paris. Um acordo com base na ciência, transparente, responsável e devidamente apetrechado para ser implementado. Em vez disso, aparentemente a principal proeza do acordo de Paris... foi ter havido um acordo. Um acordo que “aconselha” os países sobre a necessidade de mantermos o aumento da temperatura média global entre 1.5ºC e 2ºC, mas que não responsabiliza quem não o cumpra. Um acordo em tudo voluntário. Um acordo que permite que se faça tanto quanto se quiser fazer. Ou seja, um acordo em que os países se comprometem a fazer algo, não com base na ciência, mas na conveniência. Não há solução para a crise climática que não passe pela redução de emissões. Em Paris, 100 países em desenvolvimento exigiram que o aumento da temperatura fosse mantido abaixo de 1.5ºC. O Grupo Africano apelidou o acordo sobre um aumento de 2ºC de “pacto de suicídio”, mas foi ignorado. Para piorar as coisas, a esses países em desenvolvimento são apresentadas soluções como os mercados de carbono e o REDD, entre outras – que nada mais são que esquemas para permitir que os países desenvolvidos mantenham as suas emissões em virtude de “créditos” ganhos em projectos alegadamente ecológicos nesses países em desenvolvimento. Já foi calculado que se os países fizerem aquilo que se comprometeram a fazer, teremos um aumento de 4ºC acima dos níveis pré-industriais e, como Paul Salon – ex-Negociador-Chefe do clima para a Bolívia – disse: “O acordo de Paris forçarnos-á a escolher quais dos nossos filhos sobreviverão, porque num mundo 3°C mais quente, não poderemos viver todos”. No entanto, o acordo de Paris não tomou isso em consideração. Abaixo de 1.5ºC, ainda é possível falar de adaptação, acima não. Há muitas alternativas que devem ser implementadas para permitir que este cenário mude. Por exemplo: a agro-ecologia, o abandono do carvão e do petróleo, entre outros. Para muitos o acordo de Paris foi um passo à frente. Mas de que vale um passo à frente se estivermos a caminhar na direcção errada? É que um acordo sem regulação legal, sem compromissos e sem consequências, não nos parece mesmo que seja o rumo correcto.

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Variação da Temperatura (ºC)

Temperatura Global desde 1850

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Notícias Internacionais Janeiro de 2016 foi, de longe, o mês mais quente da história

Apertem os cintos e ajustem o ar-condicionado: 2016 começou com tudo e janeiro já bateu o recorde de mês mais quente da história. De longe. De muito longe. Segundo dados da Nasa divulgados pelo blog Future Tense, da revista americana Slate, o mês passado foi 1,13oC mais quente em relação do que a média do período 1951-1980. Os cientistas chamam isso de “anomalia de temperatura”, que significa simplesmente um desvio em relação à média de um determinado período. O primeiro mês deste ano deixou no chinelo o recorde anterior, pertencente a janeiro de 2007 (0,95oC)., e muito no chinelo janeiro de 2015, o então segundo colocado – o ano passado, lembrese, foi também por folgada margem o mais quente já medido desde que os seres humanos começaram a marcar dados globais de temperatura com termômetros, em 1880. Em janeiro de 2015 a anomalia foi de 0,81oC. A agência meteorológica do Japão confirmou a anomalia, mas usa períodos diferentes de comparação: segundo os japoneses, o desvio em janeiro foi de 0,52o C em relação à média 19812010 e de 0,91oC em relação ao século XX. Até os parafusos dos satélites da Nasa já sabiam que as perspectivas para este ano eram de superar o recorde de 2015. Isso se deve em parte ao El Niño, que começou no ano passado e deve exercer a maior parte de seu estrago climático cíclico neste ano. Os climatologistas, porém, dizem que há um sinal inequívoco de aquecimento global nos recordes – e que, mesmo sem El Niño, 2015 seria o ano mais quente. E outros se sucederão a ele, enquanto nada for feito a sério para cortar emissões de gases de efeito estufa. Site http://blog.observatoriodoclima.eco.br/#sthash.i4sZlmT0.dpuf

Concentração de CO2 bate novo recorde, de novo

OK, nós sabemos, isso está ficando repetitivo. Pedimos desculpas aos leitores, mas temos de reportar mais um recorde climático negativo: a concentração de dióxido de carbono chegou a 402,1 partes por milhão (ppm) na primeira semana de janeiro de 2016. Feliz Ano Novo pra vocês também. O índice foi registrado no Observatório do Mauna Loa, no alto do vulcão homônimo no Havaí, onde desde 1958 cientistas americanos medem a variação na concentração do principal gás de efeito estufa na atmosfera. Como fica no meio do oceano e longe de fontes de poluição, o Mauna Loa é considerado um sítio representativo das concentrações de CO2 da Terra. O número importa porque a concentração de CO2 no ar é um indicador de aquecimento global. Temperatura e CO2 sempre variaram simultaneamente nos últimos 800 mil anos, e nos últimos 800 mil anos (e possivelmente nos últimos 3,5 milhões de anos) a concentração desse gás-estufa jamais ultrapassou 300 ppm. Os modelos climáticos sugerem que dobrar a concentração de CO2 na atmosfera em relação ao período pré-industrial (ou seja, atingir algo em torno de 550 ppm) fará o planeta esquentar 3 graus Celsius. Para manter a temperatura dentro de limites nos quais é possível a humanidade se adaptar, é preciso limitar a concentração a, no máximo, 450 ppm. Em 2014 nós ultrapassamos o limite das 400 ppm pela primeira vez, e começamos 2016 com 402,1 ppm. Por enquanto, trata-se de uma flutuação sazonal. É inverno no hemisfério Norte, que concentra a maior parte das terras e da vegetação do globo, e o CO2 sobe devido à queda e à decomposição das folhas nas florestas temperadas, para cair de novo na primavera. Só que, mantido o ritmo de aumento da concentração desse gás no ar visto na década passada, teremos atingido o limite de 450 ppm em cerca de 20 anos. A boa notícia é que, nos últimos dois anos, esse ritmo parece ter desacelerado. Em 2014, o crescimento foi de apenas 0,6%, e em 2015 a previsão é também de crescimento baixo ou até mesmo de uma queda de 0,6%. São números cheios de incerteza e não indicam necessariamente uma tendência, mas desacelerar o crescimento da concentração de carbono no ar agora ajudaria a humanidade a ganhar tempo para implementar o Acordo de Paris — e, quem sabe, evitar os piores cenários de aquecimento global. site http://blog.observatoriodoclima.eco.br/#sthash.i4sZlmT0.dpuf

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