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RESISTIR às empresas de PLANTAÇÕES de árvores? Uma brochura informativa para comunidades
COMO RESISTIR ÀS EMPRESAS DE PLANTAÇÕES DE ÁRVORES? Uma brochura informativa para comunidades Realização: Justiça Ambiental e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) Diagramação: Flavio Pazos Fotos e ilustrações: WRM (a não ser que seja indicado o contrário) Organizações que apoiam/contribuíram para esta publicação: União Nacional de Camponeses (UNAC) União Provincial de Camponeses de Nampula União Provincial de Camponeses de Niassa União Provincial de Camponeses da Zambézia Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) Fórum Mulher – Marcha Mundial das Mulheres Livaningo Comissao Arquidiocesana de Justica e Paz de Nampula-CAJuPaNa Este trabalho foi possível graças às contribuições da Misereor (Alemanha) e da Agência Sueca de cooperação para o desenvolvimento internacional (Sida) através da Swedish Society for Nature Conservation (SSNC, Sociedade Sueca para a Conservação da Natureza). As visões expressas neste documento não reectem necessariamente as visões e opiniões dos contribuintes ou dos seus nanciadores. Justiça Ambiental – JA! Rua Kamba Simango, N° 184 Maputo, Moçambique. Tel: +258 21 496668 E-mail: jamoz2010@gmail.com - website: http://ja.org.mz Blog: ja4change.wordpress.com WRM – Secretariado Internacional Av. Gral María Paz 1615/3 CP 11400 Montevidéu Uruguai. Ph: +5982 6056943 e-mail: wrm@wrm.org.uy - website: http://wrm.org.uy Montevideo, Uruguay, maio de 2017 (1ª. Edição)
CONTEÚDO
O porquê desta brochura
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Introdução. O que são plantações de árvores?
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Quais os problemas que as plantações causam às camponesas e camponeses?
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As mulheres camponesas enfrentam ainda mais problemas
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O modus operandi das empresas antes de chegarem às comunidades
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As tácticas das empresas para entrar nas comunidades e se apropriar de suas terras.
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Táctica 1: Pressionar e cooptar autoridades locais e lideranças tradicionais Táctica 2: Prometer "só plantamos em terras degradadas ou marginais" Táctica 3: Organizar consultas comunitárias para ngir que a comunidade concorda Táctica 4: A promessa de melhorar a infraestrutura Táctica 5: Atribuir casas melhoradas a quem ceder as terras Táctica 6: Ser "parceiro" da empresa: a falsa promessa de emprego Táctica 7: Convite para ser "sócio" e car rico a plantar eucalipto Táctica 8: Promessas de melhoria do acesso a fontes de água para esconder o impacto do eucalipto Táctica 9: Plantio de “orestas” justicado como forma de combater desastres naturais Táctica 10: Conseguir um "selo verde" para a empresa poder dizer que é uma empresa boa
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Considerações nais
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Outros materiais recomendados
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O PORQUÊ DESTA BROCHURA
A ideia desta brochura surgiu durante uma visita de campo ao interior de Moçambique em 2015. As lideranças de algumas Uniões Provinciais de Camponeses lamentaram a falta de materiais simples e didácticos para poderem fazer um trabalho de formação e informação com as comunidades que se defrontam com empresas de plantações de árvores nos seus territórios. Sem informação, ca muito mais difícil para essas comunidades avaliar devidamente o que as plantações de árvores signicam para a sua vida e futuro. Fica também mais difícil saber como reagir às muitas promessas que vão ouvir por parte das empresas. Nas conversas com a população durante a visita em 2015, percebeu-se de facto uma carência de informações sobre quem são estes seus novos vizinhos que chegaram a dizer que são os donos das suas terras, mesmo naquelas comunidades que já vivem cercadas de plantações há alguns anos. De onde vêm essas empresas e o que querem? Quais são as estratégias e tácticas que usam para se instalarem nos territórios das comunidades?
Através deste material informativo, esperamos poder contribuir para que as comunidades estejam mais bem preparadas para a luta em defesa do seu território e dos seus direitos. Esperamos também que o material não tenha só utilidade para as comunidades em Moçambique, mas também que possa ser usado em outros países no Leste e Sul de África, onde outras comunidades passam por situações parecidas. Recomendamos que utilizem este material como um instrumento de trabalho, por exemplo, para preparar e fazer encontros de formação na comunidade. E apesar do foco desta brochura ser as empresas de plantações de árvores, esperamos que também sirva para quando comunidades enfrentam outros tipos de apropriação ou usurpação de terras. Isto porque as estratégias e tácticas que as empresas usam para se apropriar das terras das comunidades são, muitas vezes, parecidas.
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INTRODUÇÃO O que são plantações de árvores? As plantações de árvores, também chamadas de monoculturas industriais de árvores, são plantios de um único género de árvore, muitas vezes não originária do país (exótica) como o eucalipto ou o
pinheiro. São árvores de rápido crescimento, plantadas juntas e muitas vezes de forma sistemática em grandes áreas, e por isso tendem a ter a mesma idade e tamanhos semelhantes. Além disso, as plantações são manuseadas de forma intensiva, com recurso a fertilizantes químicos e também a agrotóxicos muitas vezes venenosos.
Numa monocultura industrial de árvores cresce apenas uma única espécie, por isso é chamada de “deserto verde”.
Para que são usadas as plantações? As empresas que promovem as plantações fazem isso com um único objectivo: ganhar muito dinheiro com a madeira produzida. A madeira destas plantações é sobretudo utilizada para a produção de celulose, a matéria-prima para fazer papel. Mas também pode ser usada para outros
ns, como para produzir postes eléctricos ou para fabricar carvão para queimar e gerar energia. As empresas também recebem dinheiro para estabelecer plantações para outras empresas de países industrializados que poluem muito. Há um entendimento dos governos a nível internacional, para que possam continuar a poluir, que permite a
As fábricas de celulose causam diversos impactos sociais e ambientais nos lugares onde elas se instalam.
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essas empresas estrangeiras ou países poluidores comprar o direito de poluir pagando determinado valor às empresas de plantações. Usam o argumento de que as árvores em crescimento ajudam a reduzir os efeitos da poluição e que isso reduz os impactos das mudanças climáticas. Essas mudanças climáticas afectam o mundo com o aquecimento global, com o aumento das épocas de seca e chuva, e da imprevisibilidade destes eventos, o que afecta especialmente os camponeses. Trata-se de uma falsa solução para os problemas climáticos. As plantações não ajudam a melhorar o clima porque, passados alguns anos, todas as árvores serão cortadas. Além disso, elas causam uma série de problemas ambientais e outros, sobre os quais iremos tratar ao longo do documento.
Quem é que promove as plantações? As plantações de eucaliptos ou de pinheiros costumam ser propriedade de empresas privadas como a Portucel, a Lurio Green Resources, entre outras; por sua vez nanciadas por outras empresas – os chamados investidores – que incluem bancos privados e estatais como, por exemplo, o Banco Mundial. São geralmente empresas de capital estrangeiro, muitas vezes da Europa ou dos Estados Unidos. Essas empresas e os bancos entram em colaboração com os governos nacionais e estes, por sua vez, atribuem licenças que permitem às empresas iniciarem as suas actividades de plantio. No caso de Moçambique, o governo aceita a entrada dos investimentos orestais com a justicativa de que irão criar
empregos, aumentar a renda das famílias e contribuir para o crescimento da economia. Para além das empresas privadas existem, em alguns lugares, plantações que são propriedade do Estado, mas isso é cada vez menos frequente. As plantações de árvores nunca são controladas por ou de propriedade de famílias camponesas ou comunidades.
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Porque vêm essas empresas investir nos países Africanos? As empresas de plantações, na sua maioria, não são de nenhum país Africano. Chegam a África por uma questão muito simples: conseguem ganhar muito mais dinheiro em países Africanos ao estabelecer as suas plantações de árvores do que em países da Europa ou nos Estados Unidos. Isso tem a ver com o facto que nos países do Leste e Sul de África, as terras e o clima são óptimos para plantar e cultivar árvores e, por isso, as árvores crescem muito rápido. A produção de madeira por hectare costuma ser elevada e bem maior quando comparada com o crescimento das árvores e a produção de madeira em países do norte da Europa ou nos Estados Unidos – países que têm um clima muito mais frio. Além disso, os países Africanos oferecem outras vantagens às empresas: o acesso a terra é barato, a mão-de-obra também e as regras ambientais costumam ser menos exigentes e mais exíveis.
complicado. Por respeito com aqueles que entendem combater uma plantação que é vital para este tipo de empreendimentos, acabámos por cair em Moçambique e achamos que para eles vai ser muito importante". Ou seja, a existência de terras aráveis e a baixo custo em África, faz com que alguns países que têm muito dinheiro – os ditos desenvolvidos – usem as terras africanas como sua machamba para produzir matérias-primas como pinheiros e eucaliptos para alimentar as suas indústrias.
Em muitos países da Europa, essas empresas não conseguem plantar as suas monoculturas de pinheiros e eucaliptos porque as regras ambientais são muito exigentes e isso torna o investimento muito caro. No dia 8 de Setembro de 2015, durante a cerimónia de inauguração do viveiro da Portucel na Zambézia, em Moçambique, Queiroz Pereira – o presidente desta empresa – disse, segundo a Lusa, que "em Portugal, há uma tendência para criticar o eucalipto, é difícil plantar, mesmo que exista, é 7
QUAIS OS PROBLEMAS QUE AS PLANTAÇÕES CAUSAM ÀS CAMPONESAS E CAMPONESES? As plantações industriais de árvores costumam ocupar áreas muito extensas com apenas uma de duas espécies de árvore: o eucalipto ou o pinheiro. Por essas áreas serem tão grandes, elas tendem
também a causar grandes problemas e danos às comunidades. Vejamos alguns dos principais problemas sobre os quais as comunidades mais reclamam:
A perda de suas terras As empresas procuram sempre terras planas, férteis e boas. Estas são exactamente as terras que as comunidades costumam usar. Por isso, quando as empresas de plantações se estabelecem, as comunidades perdem as suas terras. Normalmente,
quem resiste e ca, acaba por ser cercado por eucalipto e por enfrentar grandes diculdades para continuar a fazer a sua machamba. O resultado da perda de terra gera outro grave problema: uma redução signicativa da área e da produção de alimentos, que resulta em problemas de fome, insegurança alimentar, perda de oportunidades económicas e de geração de rendimento para a comunidade e aumento da vulnerabilidade social das comunidades e futuras gerações. Comunidade rural na província de Niassa, Moçambique, cercada por eucalipto.
A perda de fontes de água As árvores de eucalipto e pinheiro, crescem muito rápido e consomem grandes quantidades de nutrientes do solo e de água. Quando as árvores começam a crescer, as comunidades começam a perceber que as suas fontes de água estão a secar e a água começa a faltar. Além disso, há também o problema de contaminação da água por agrotóxicos utilizados nas plantações, que afecta o
consumo de água das pessoas, dos animais, e a disponibilidade de água para a rega das machambas. O cenário torna-se muito mais grave quando não chove na época prevista ou quando a chuva é insuciente, pois embora o ser humano possa resistir à escassez de alimentos por algum tempo, ninguém consegue sobreviver sem água.
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Lago seco em função do plantio de eucalipto na região da empresa Plantar, Curvelo, estado de Minas Gerais, Brasil.
O desmatamento e perda de áreas de oresta Onde as plantações se instalam, causam desmatamento, o que afecta as práticas de colecta
de lenha e de outros produtos orestais não madeireiros das famílias camponesas. Cria também o desaparecimento de plantas medicinais usadas por comunidades para o tratamento de diversas doenças.
Restos do desmatamento praticado pela empresa Suzano no estado de Maranhão, Brasil.
Os poucos e precários empregos nas plantações Contrariamente às promessas das empresas, na prática estas criam poucos postos de trabalho e a maioria destes duram muito pouco tempo – somente enquanto são precisos trabalhadores para desmatar as áreas de cultivo e plantar mudas de
eucalipto ou pinheiro. Depois disso, garantem apenas empregos precários e perigosos, como por exemplo a tarefa de aplicar o agrotóxico nas plantações. Os agrotóxicos são venenosos, não só matam as chamadas ervas daninhas e as formigas que comem as folhas, mas também causam graves males à saúde dos trabalhadores que os aplicam, mesmo que estes utilizem os equipamentos individuais de protecção. O veneno também pode contaminar a água que a comunidade consome. Trabalhadores em Cambodia, na Ásia, saindo ao trabalho de aplicar agrotóxicos, sem proteção.
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AS MULHERES CAMPONESAS ENFRENTAM AINDA MAIS PROBLEMAS Nas comunidades são geralmente as mulheres que tratam da machamba e são elas que garantem a água para as famílias camponesas. São exactamente estas as actividades que são mais fortemente afectadas pelas plantações de árvores. Ao mesmo tempo, em muitos países são também as
mulheres quem, em comparação com os homens, menos direitos têm, por exemplo, sobre a terra. Por isso, é muito importante que as mulheres participem na luta em defesa do território da comunidade.
A sustentabilidade do lar As mulheres são as primeiras a sofrer os impactos da usurpação de terras. As tarefas por elas desempenhadas são geralmente as que garantem a sustentabilidade da vida familiar, desde a produção e preparo dos alimentos à colecta de água e lenha para consumo. Com a usurpação de terras e a contaminação dos rios, as mulheres
ressentem-se de imediato da ausência dos recursos necessários para manter o bem-estar quotidiano das suas famílias. Têm de caminhar distâncias longínquas à procura de água e são ainda expostas ao contágio de doenças resultantes do uso de agrotóxicos. Para além de que, devido ao desconhecimento da real origem dos problemas, em muitos casos as mulheres são mesmo responsabilizadas pela deterioração da gestão da casa, acusadas de mau desempenho do seu papel, e não raramente vítimas de actos de violência às mãos de seus esposos e/ou expulsas de casa.
Mulheres no Brasil lutando para defender as florestas e rios contra o avanço da monocultura de eucalipto e soja.
A saúde das mulheres Os poucos empregos criados por estes projectos não beneciam as mulheres, sendo que os homens
são considerados ideais para trabalhar fora do âmbito doméstico. Assim, na "melhor das 10
hipóteses" as mulheres acabam por ser exploradas através do emprego precário e expostas ao mundo da prostituição por falta de alternativas. Por sua vez, o aparecimento de empresas de plantação de árvores promove o aparecimento de um grande número de trabalhadores emigrantes que
deixaram as suas famílias nas suas cidades e que, dentro das comunidades, impulsionam o mercado da prostituição, os casamentos prematuros e o sexo transaccional. Esta situação causa impactos graves na feminização do HIV/SIDA, fístulas obstétricas e mortalidade materno-infantil.
Exclusão das mulheres da vida pública Devido à cultura patriarcal que atribui ao homem o papel de liderança, de chefe e guardião do nome da família, este tem o privilégio de ter posse sobre os bens familiares incluindo a terra, e de cuidar desses assuntos. Por isso é que as mulheres são frequentemente excluídas dos processos de negociação entre as empresas e a comunidade. A negociação (caso aconteça) estabelece-se entre as empresas e os líderes comunitários, que geralmente são homens. Ou seja, apesar das terras também lhes pertencerem por direito, muitas vezes a opinião das mulheres em processos de venda/concessão de terras não é tomada em conta.
As empresas de plantação de árvores promovem também sistemas de privatização que, por sua vez, inuenciam a redução do investimento público nas áreas sociais (saúde e educação e protecção social). Isso afecta também as mulheres, uma vez que acrescenta ao seu papel de cuidado doméstico, o cuidado primário para com os doentes, mulheres grávidas, idosos, órfãos, etc., aumentando a sua carga de trabalho e reduzindo assim a sua possibilidade de participação na vida pública e nas actividades produtivas.
Protesto das mulheres da Via Campesina contra as plantações de eucalipto no Brasil. Foto: La Via Campesina
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O MODUS OPERANDI DAS EMPRESAS ANTES DE CHEGAREM ÀS COMUNIDADES Os trabalhos das empresas de plantações de eucaliptos ou pinheiros não começam quando os seus representantes aparecem pela primeira vez na comunidade, os seus trabalhos começam bem antes, visando um único objectivo: conseguir acesso barato a terras férteis, aquelas onde as árvores
podem crescer rápido, garantindo também a segurança e o apoio do governo do país. Eis algumas das acções/actividades que as empresas de plantações realizam para alcançar os seus objectivos:
Identicar países que oferecem as melhores condições: Com a ajuda de empresas especializadas – empresas de consultoria – as empresas de plantações procuram recolher dados, muitas vezes privilegiados, sobre terras férteis disponíveis e a legislação de terras em cada país de seu interesse. Estas empresas procuram saber qual é o país ou os países que oferecem mais e melhores incentivos e benefícios, e então escolhem um ou mais países onde ir em busca de terras para implementar os seus projectos. Documento da empresa Finlandesa de consultoria Poyry, recomendando às empresas investir na Africa
Quando a empresa chega a um desses países, primeiro procura o gover no central (preferencialmente a própria presidência), para apresentar o seu plano ou projecto de plantações. Fazem promessas de gerar muitos empregos e melhorar o bem-estar da população, e normalmente são muito bem recebidos por governos desejosos de investimentos estrangeiros para melhorar a situação económica da população
e do país. A empresa e o governo começam então a negociar condições para a empresa aceder a terra fértil em grande quantidade, sendo que a empresa procura sempre obter as melhores vantagens possíveis. Geralmente, a chantagem faz parte das técnicas e estratégias utilizadas pelas empresas, que chantageiam o governo para assegurar as condições que pretendem, ameaçando em caso contrário levar o seu investimento para outro país.
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Após a negociação inicial, começa a preparação de um acordo que garanta a concessão de terras do Estado para a empresa. Para tal, a empresa e/ou o governo procuram identicar e chegar a um acordo sobre a localização e limites das terras onde a empresa irá instalar o seu projecto de plantações. Então a empresa e o governo acordam o valor de arrendamento (geralmente irrisório) e a duração do Acordo. Este tipo de negociação e acordo, normalmente, não são tornados públicos. Tudo é feito atrás de portas fechadas e nada é divulgado. Parte importante do acordo entre o governo e a empresa é a documentação do processo de concessão da terra, necessária para que a empresa possa ir ao campo e começar a trabalhar. Este documento dá à empresa o direito de fazer uso da terra por um largo número de anos –geralmente 50 ou mais. No caso de Moçambique esta documentação é chamada de DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra), enquanto em outros países se usam outros nomes.
Com a garantia do acesso à terra, a empresa avança também no detalhamento do seu projecto de plantações de árvores para poder conseguir o
nanciamento por parte de investidores interessados como bancos ou fundos de investimentos.
Geralmente, nanciamento trabalhar no nanciamento identicar as
quer fazer as primeiras plantações. É somente neste momento que a empresa aparece na região e começa a visitar as autoridades provinciais e distritais e as comunidades em cujas terras pretende estabelecer a plantação.
a empresa não consegue o de uma só vez, mas começa a terreno assim que consegue um inicial suciente para começar a terras dentro da concessão onde
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As diferentes acções/actividades relatadas nos parágrafos acima mostram que quando as autoridades provinciais e distritais e depois as comunidades tomam conhecimento do plano da empresa para implementar um determinado projecto de plantação de árvores, a empresa normalmente já tem assegurado o seu acesso à terra através de acordos com o governo central sem que as famílias que vivem naquela região e que normalmente detêm os direitos sobre a terra tenham sequer conhecimento do projecto ou
tenham qualquer oportunidade de participar no processo de tomada de decisão. Esta é a principal estratégia que as empresas de plantações usam para conseguirem implementar os seus projectos de plantações. É uma estratégia do topo para a base, que garante que as principais decisões são tomadas em gabinetes fechados na capital do país enquanto as comunidades se defrontam com factos consumados.
O QUE PODE SER FEITO? Fazer uma campanha para exigir transparência ao governo nacional para que este divulgue publicamente o teor dos processos de negociação e o conteúdo dos acordos de terras firmados com essas empresas privadas, geralmente estrangeiras,
para projectos de plantações de árvores e outros que incidem sobre os territórios da comunidade. Essa divulgação permitiria que a (i)legalidade desses acordos e concessões de terra fosse discutida e questionada o quanto antes.
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AS TÁCTICAS DAS EMPRESAS PARA ENTRAR NAS COMUNIDADES E SE APROPRIAR DE SUAS TERRAS As empresas que precisam das terras das comunidades para começar a plantar árvores sabem muito bem que o seu projecto gera muitos problemas e conitos com essas comunidades. Para começar, a terra que essas empresas pretendem utilizar é sempre terra que está a uso pelas comunidades locais. É por isso que as comunidades podem querer opor-se ao projecto e é isso que a empresa obviamente tenta evitar.
Posto isto, as empresas pensam bem sobre como irão chegar à comunidade e o que irão dizer. Denem estratégias e aplicam uma série de tácticas para conseguirem o apoio da comunidade, procurando ignorar qualquer problema ou conito que a plantação possa causar, e esforçando-se por mostrar que seu projecto é muito bom e que gerará muitos benefícios para a comunidade. Vejamos algumas destas tácticas que mais têm sido usadas pelas empresas:
Plantação de monocultura de árvores na provincia de Zambézia, Moçambique. 15
TÁCTICA 1 Pressionar e cooptar autoridades locais e lideranças tradicionais Quando a empresa chega à região, primeiro e preferencialmente de surpresa, visita as autoridades máximas do governo local – como por exemplo o governador da Província – mostrando o seu projecto e a autorização do governo central; depois a empresa segue para a autoridade abaixo do governador, e assim por diante até chegar ao chefe do governo local a nível da comunidade. A mesma táctica é usada no caso da organização tradicional dos líderes das comunidades. As empresas visitam primeiro a principal liderança tradicional do povo na região para explicar o projecto e dizer que estão em poder de uma concessão de terras, depois o chefe que está abaixo do líder principal, até chegarem ao nível mais baixo que é o chefe local da comunidade. Essa táctica é muito vantajosa para as empresas por vários motivos, mas acima de tudo porque a aprovação de um líder superior para o seu projecto intimida o líder de um escalão inferior a colocar qualquer obstáculo à empresa, e assim, quando a empresa chega ao nível mais baixo de autoridade, ou seja, à comunidade onde a empresa pretende se estabelecer, o líder ou régulo local dicilmente vê qualquer possibilidade de evitar que a empresa se estabeleça, sabendo que todas as autoridades superiores, a começar pela presidência do país, já concordaram com a proposta da empresa e
garantiram a terra necessária para o projecto. Um membro de uma comunidade em Niassa, Moçambique, disse assim: “Eles vêm a mando do presidente”. Quando o líder local se sente tão pressionado que acaba aceitando a empresa, muitas vezes ele ou ela nem consultam a comunidade, por acharem que nada mais há a fazer. Porém, quando um chefe local resolve resistir ao projecto da empresa e mostra estar em dúvida se vai ou não dar o seu aval, as empresas usam várias outras tácticas. Para aumentar ainda mais a pressão, a empresa pode, por exemplo, mandar o administrador do distrito pressionar o líder tradicional da comunidade, ou a própria empresa pode resolver voltar para uma segunda conversa com o líder local, desta vez em companhia do chefe ou estruturas locais, distritais ou mesmo provinciais de governo. Outra táctica muito aplicada é tentar corromper ou cooptar o chefe local, por exemplo oferecendo-lhe emprego e/ou a seus familiares, ou simplesmente encarregando-o de denir quem da comunidade será empregado pela empresa quando esta estabelecer a sua plantação nas terras da comunidade. Outra forma de corromper o líder é repassar recursos para algum projecto social para ele administrar a favor da comunidade. É obvio que quando o 16
líder recebe um recurso da empresa para aplicar na comunidade, ele é menos inclinado a reclamar sobre os problemas que a mesma empresa causa quando começa a invadir terras dos camponeses.
Sempre que o líder autoriza a empresa a plantar eucaliptos ou pinheiros no território da comunidade, a comunidade ca numa situação muito difícil porque, tradicionalmente, os chefes são muito respeitados e, portanto, as suas decisões não costumam ser facilmente questionadas.
O QUE PODE SER FEITO? Uma vez que a perda de controle sobre o território é uma questão tão grave e tão fundamental é primordial que, quando uma empresa apareça, a comunidade e seus chefes se reúnam e procurem juntos avaliar a situação. É
um momento importante para tentar unir forças em defesa dos direitos e do futuro da comunidade. Sobretudo nesta fase, é crucial que os chefes também conversem entre eles.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR Há alguns anos atrás na província de Niassa, Moçambique, vários régulos, depois de perceberem que as empresas de plantações começavam a ocupar as terras férteis próximas às comunidades, procuraram o apoio da União Provincial dos Camponeses. Esta, por sua vez e em parceria com a União Nacional dos Camponeses (UNAC), organizou um evento de formação para o qual foram convidados todos os régulos da região – tanto aqueles cujas comunidades já estavam a ser afectadas pelas plantações, como outros que aparentemente ainda não– para juntos partilharem informações, discutirem o que representam as plantações em termos de impactos para as comunidades e trocarem experiências sobre o que aconteceu nas comunidades já afectadas. Esta actividade foi fundamental para que vários régulos não autorizassem mais o plantio de eucalipto ou pinheiro no território das suas comunidades.
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TÁCTICA 2 Prometemos que "só plantamos em terras degradadas ou marginais" Numa fase inicial, as empresas usam a táctica de garantir que não vão expulsar ninguém e que só plantarão eucalipto em terras degradadas, marginais ou abandonadas. Isso é mentira e não tem lógica ou cabimento algum. Nenhuma empresa plantaria eucalipto em terras degradadas, abandonadas ou marginais. Pura e simplesmente porque teria uma produção baixa e não teria lucros.
Comunidade na província de Zambezia, Moçambique, que perdeu suas terras férteis mais próximas à comunidade para as empresas do eucalipto.
disso, o eucalipto precisa de grandes quantidades de água e nutrientes do solo, por isso não coexiste com as culturas de alimentos em machambas vizinhas, compete. Outro problema é que as pragas que atacam o eucalipto (como por exemplo as formigas e o cupim) podem ameaçar também as culturas das famílias. Por último, as plantações de eucaliptos ou pinheiros são também muito susceptíveis a queimadas, o que também pode colocar em riscoas culturas dos camponeses ou até mesmo as suas casas. O que eles chamam de "mosaico" e "harmonia" é, na verdade, uma armadilha. O que pretendem é cercar ou encurralar a comunidade; fazer com que, com o passar do tempo, as pessoas e famílias se sintam desanimadas com o declínio das suas colheitas e comecem a abandonar as suas casas e machambas e a entregá-las às empresas. As empresas usam ainda outra táctica para dar a entender que se preocupam com o bem-estar das
É por isto que os conitos de terra se arrastam um pouco por todo o mundo. Porque as empresas disputam a terra das comunidades de forma desigual e desleal e, como tal, quando a empresa promete criar um "mosaico" ou "harmonia" entre as áreas de habitação da comunidade, as machambas e as áreas de eucalipto ou pinheiro, é impossível acreditar. Para começar, é muito comum o uso de agrotóxicos nas plantações de eucaliptos. Além
Eucalipto queimado na província de Nampula, Moçambique.
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comunidades locais: permitem que as pessoas cultivem os seus alimentos no meio da plantação. Fazem-no porque, na prática, isso é muito difícil e só é possível nos primeiros anos porque uma plantação de eucalipto não é uma oresta. Uma plantação de eucalipto ou de pinheiros, é um plantio de uma só espécie – por isso o chamamos de monocultura. Na plantação, usam produtos químicos que são venenosos e que também afectam os alimentos que serão consumidos pelas famílias camponesas. Para mais, 1 ou 2 anos
depois torna-se impossível plantar alimentos no meio do eucalipto porque este já cresceu demais e porque por sua causa há menos disponibilidade de água. Além disso, tanto o eucalipto como o pinheiro não permitem o crescimento muito próximo de outras plantas. Ambos produzem naturalmente substâncias químicas que inibem a germinação e crescimento de outras plantas nas proximidades.
O QUE PODE SER FEITO? Resistir ao estabelecimento de plantações em terras férteis onde as comunidades produzem os seus alimentos, incluindo as terras em
pousio. Exigir que as plantações sejam estabelecidas longe das machambas, longe das principais fontes de água e que sejam de menores dimensões.
EXPERIÊNCIAS PARA CONTAR Hapale, Socone, em Moçambique Um dos membros da comunidade de Hapala, em Socone, que se recusou a ceder a sua terra à empresa Portucel, viu a sua habitação e machamba serem completamente rodeadas por eucaliptos, e por essa razão acabou por ter de abandoná-las. Segundo o mesmo, a terra já não produzia, e os eucaliptos, já grandes, mantinham a sua machamba na sombra. Hoje, esse senhor não tem terra, não tem onde cultivar e não sabe o que fazer, pois toda a sua vida foi camponês e sempre viveu da terra. Vereda Funda, Minas Gerais, no Brasil Há mais de 30 anos atrás, uma área superior a um milhão de hectares da região norte de Minas Gerais no Brasil foi usurpada por empresas que exploram a monocultura de eucalipto para a produção de carvão, fonte de energia para as indústrias de ferro-gusa. As empresas queriam principalmente as áreas planas conhecidas como chapadas. Essas terras eram usadas pelas comunidades tradicionais da região, chamadas de geraizeiras, para soltar o gado e para a colecta de muitos frutos e plantas medicinais do Cerrado. Como resultado da invasão do eucalipto, as comunidades caram presas nos vales, e seus cursos de água e 19
nascentes secaram. Cada vez que tentavam colectar lenha nas chapadas, elas eram privadas da liberdade de ir e vir em seu próprio território e até mesmo criminalizadas. Motivadas pelos encontros promovidos pela Rede Alerta contra o Deserto Verde, - uma frente de acção composta por várias comunidades, bem como por organizações que as apoiam a defender e retomar as suas terras invadidas por empresas de eucalipto - várias comunidades do norte de Minas Gerais, incluindo as 130 famílias da comunidade de Vereda Funda, começaram a organizar-se para recuperar o seu território, que havia sido arrendado pelo governo estadual à Companhia Florestaminas. Em 2005, após o término do contrato e inspirada por outras lutas, a comunidade mobilizou-se e, com o apoio da Via Campesina, reocupou o seu território tradicional de cerca de 5.000 hectares.
Visita de intercâmbio de delegação da União Nacional dos Camponeses (UNAC) ao Brasil, visitando comunidades em Minas Gerais, inclusive Vereda Funda, em 2010.
Depois de muita luta, confronto e perseguição, a comunidade conquistou o controle da área pressionando o Estado de Minas Gerais a transferi-la para o Incra – a instituição federal para a reforma agrária – e a estabelecer um assentamento. No assentamento, cada família tem a sua própria área para plantar, e há também áreas colectivas para a produção agroextractivista e pastagem. Com apoio do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Pardo de Minas e do Centro de Agricultura Alternativa de Minas Gerais, a comunidade elaborou um plano de reocupação do território e um mapa indicando onde a vegetação deveria ser reabilitada e onde as machambas seriam plantadas. A recuperação do seu território deu novo alento à comunidade, principalmente aos membros mais velhos, já que, uma vez removidas as plantações de eucalipto, as nascentes voltaram a uir e os animais selvagens começaram a voltar. A liberdade foi uma das principais reconquistas da comunidade. Hoje, membros da comunidade de Vereda Funda praticam sistemas agroorestais e voltaram a plantar, eles próprios, os seus alimentos – milho, feijão, mandioca e outras culturas. Eles pretendem expandir a produção de alimentos de forma agroecológica, substituindo a monocultura de eucaliptos, que é dependente de produtos químicos. As mulheres da comunidade, que participaram activamente da luta, deram início a uma indústria de fabricação de geleias, gerando renda e criando empregos para si e suas famílias. 20
TÁCTICA 3 Organizar consultas comunitárias para ngir que a comunidade concorda O povo precisa da terra para poder se alimentar, para ter água, enm, para garantir o seu bemestar. Em muitos países, como em Moçambique e na Tanzânia, já existem leis que garantem o direito do povo à terra. As concessões de terra entregues às empresas sobrepõem-se, quase sempre, a terras em uso que pertencem por direito às comunidades. Pela lei, se a empresa quiser ocupar essas terras de forma legal precisa da aprovação explícita da comunidade. Precisa, também, não só de compensar as perdas de produção, mas de indemnizar a comunidade por suas terras, casas e outras benfeitorias, antes de poder sequer começar a trabalhar. Na prática, isso nunca acontece.
Essa "consulta comunitária" é usada pelas empresas para tentar demonstrar que a comunidade concorda com seu projecto. Para isso, usam várias tácticas. Primeiramente, as consultas comunitárias costumam ser realizadas com muitos convidados da própria empresa –entre os quais aliados seus como representantes do governo local de diferentes níveis e também alguma liderança tradicional importante –muitos deles escolhidos a dedo. A determinado momento, todos demonstram o seu apoio ao projecto. Não é raro ocorrerem consultas onde, entre os presentes, há mais pessoas de fora do que membros da própria comunidade. Outra forma de reduzir a participação da comunidade é organizar a consulta num lugar de difícil acesso para os membros de comunidade.
Encontro com membros e lideres das comunidades em Socone (Ile), reclamando suas terras usurpadas pela empresa Portucel Mocambique.
O que as empresas normalmente fazem para poderem dizer que conseguiram a aprovação da comunidade é organizar uma espécie de consulta comunitária. Tal ocorre também porque, muitas vezes, nanciadores como os bancos ou o próprio governo nacional, exigem que se obtenha o consentimento / aprovação das comunidades.
Outra das tácticas empregues pelas empresas consiste em realizar a consulta ngindo que o que deveria estar a ser discutido já está aprovado, e convidando a comunidade a debater e opinar apenas supostos projectos sociais prometidos pela empresa. Por exemplo, se se deveria construir primeiro o posto de saúde ou a escola. 21
Outra forma de assegurar uma "consulta" bem sucedida na perspectiva da empresa é garantir que todas e todos os presentes assinem a lista de presença. Essas listas são depois usadas para validar as "consultas comunitárias", como se fossem listas de assinaturas daqueles que aprovam o projecto. O resultado disto tudo é um processo de consulta viciado e manipulado.
Ficha de pagamento das compensações às comunidades afectadas pela empresa Lurio Green Resources em Lancheque/Meparara distrito de Ribaue
O QUE PODE SER FEITO? O uso e aproveitamento de território ocupado ao longo do tempo pelas comunidades não só garante a sua s o b r ev i v ê n c i a c o m o t a m b é m a preservação do seu modo de vida. Por isso, os direitos dessas comunidades sobre a terra são assegurados tanto por leis nacionais como internacionais. Com base nessas leis, as comunidades têm o direito de ser devidamente informadas e de decidir livremente se aceitam ou não que os projectos propostos sejam implementados no seu território. Mas se as empresas já chegam com a aprovação do governo central e em posse de concessões de terra obtidas sem a sua permissão, então já estão a
violar gravemente o direito territorial da comunidade. Quando tal acontece, é fundamental que se exija toda a documentação e informação sobre o projecto à empresa ou às autoridades governamentais, de modo a que a comunidade e seu régulo se possam informar e tomar uma posição fundamentada. É essencial não aceitar ou concordar com nada sem que toda a informação sobre o projecto tenha sido prestada e cuidadosamente analisada. Nesta fase, é muito importante ouvir experiências de outras comunidades afectadas para aprender com as suas experiências.
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EXPERIÊNCIAS PARA CONTAR Moçambique Em Moçambique, normalmente, a informação fornecida nas consultas comunitárias é apenas referente a "potenciais benefícios". Os potenciais impactos nunca são abordados. Para mais, detalhes como o tipo e número de empregos disponíveis e as qualicações necessárias para as pessoas se candidatarem a esses empregos também nunca são abordados. Premeditadamente, as empresas questionam e discutem com as comunidades os seus problemas e necessidades e propõem-se a ajudá-las sem, no entanto, rmar qualquer acordo por escrito discriminando o que fora combinado e/ou estipulando cronograma algum do que deve ser implementado. Esta conjuntura recorrente permite às empresas obter as terras das comunidades em troca de inúmeras promessas falsas.
Libéria A Sime Darby é uma grande empresa da Malásia que promove a plantação de monoculturas de dendezeiro – palmeira da qual se extrai o óleo de dendê, que por sua vez é exportado para os grandes mercados consumidores de óleos vegetais. Em 2009, a empresa conseguiu uma concessão de terras do governo da Libéria, no Oeste de África, de mais de 300 mil hectares. Começaram a plantar em várias áreas, como por exemplo no distrito de Garwula. Lá, apesar de terem organizado uma reunião com a comunidade – na qual prometeram empregos – não a informaram que iam ocupar as suas machambas e convertê-las em plantações de dendezeiro. Como se não bastasse, a empresa também não os informou que ia desmatar a oresta de onde tiravam os produtos orestais não-madeireiros que usavam para seu sustento. Segundo os membros da comunidade, a consulta que a empresa arma ter realizado não se realizou. A comunidade arma não ter acordado nada com a empresa. A empresa pagou apenas uma pequena compensação pelos cultivos e árvores frutíferas, porém insuciente quando comparada com o prejuízo imposto às famílias. Ou seja, as famílias não foram indemnizadas pela perda das suas machambas. Hoje, as famílias dizem que se a comunidade tivesse sido efectivamente consultada, nunca teria entregue as suas terras à empresa. Além do mais, dizem que os empregos oferecidos pela empresa são poucos, mal pagos e as condições de trabalho difíceis.
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TÁCTICA 4 A promessa de melhorar a infraestrutura Nas primeiras conversas entre a empresa e o chefe local do governo ou da comunidade, bem como nas "consultas comunitárias", são comuns as promessas de melhoria de infraestruturas sociais, como estradas, pontes, postos ou centros de saúde ou escolas. Essas promessas, em comunidades que muitas vezes precisam muito dessas melhorias é uma táctica importante para a empresa conseguir o apoio da comunidade.
Importa salientar que a construção ou obras de melhoria de infra-estruturas básicas é, na verdade, responsabilidade do Estado. Não é responsabilidade de empresa alguma, e é por isso que quando as empresas efectivamente constroem escolas ou postos de saúde, geralmente depois ocorrem problemas de todo o tipo, como por exemplo em relação a quem vai assumir os custos dos funcionários, os insumos para a escola ou para o posto de saúde e a manutenção dessas obras.
Na prática, porém, a empresa cumprirá apenas uma ou outra promessa para poder usar como propaganda e ilustrar os seus relatórios para os seus nanciadores. Mas a realidade, na grande maioria dos lugares, é a de poucas promessas cumpridas, ou seja, de poucas obras concretizadas. E enquanto a comunidade espera, a empresa instala-se no seu território, e uma vez instalada é muito mais difícil expulsá-la do que resistir à sua entrada logo à partida.
O QUE PODE SER FEITO? concretizadas. E enquanto a comunidade espera, a Exigir do governo serviços públicos empresa instala-se no seu território, e uma vez É de saúde e educação de qualidade. instalada é muito mais difícil estabelecido expulsá-la do quena um direito geralmente resistir à sua entrada logo à partida.de cada país. lei maior, na constituição Se uma empresa activa numa Importa salientar região que a construção obras de determinada prometeoumelhorar melhoria de infra-estruturas básicascomunidade, é, na verdade, a infraestrutura de uma rde e s puma o n s aregião, b i l i d a dée preciso d o E s t aque d o . garanta Não é responsabilidade de empresa alguma, e é por isso
também a manutenção dessa infraestrutura. Mas é inaceitável que a construção de um posto de saúde, hospital ou escola por parte de uma empresa de plantações de eucalipto ou pinheiro seja usada como moeda de troca para esta empresa se apropriar das terras da comunidade.
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Governo ignora camponeses burlados pela Portucel Moçambique. Foto: Savana.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR África do sul O Fórum Comunitário sobre Plantações é uma organização de moradores e trabalhadores inquilinos de vilas das empresas de monoculturas de árvores na região de Boland, na Província do Cabo Ocidental, África do Sul. O seu objectivo geral é conquistar a reforma agrária e oportunidades económicas locais para meios de subsistência sustentáveis. Historicamente, os trabalhadores das plantações de árvores nessa região têm sido alojados em vilas dentro das plantações, porque estas costumam estar longe de áreas residenciais e por causa da necessidade de ter trabalhadores no local para combater incêndios. A estas famílias, as empresas davam casas e forneciam serviços de saúde e educação. Nos anos 1990, a condição dessas vilas, o padrão de serviços e o fornecimento de estruturas começaram a declinar. As refeições foram sendo eliminadas e as clínicas de saúde, fechadas. Isso devido à demissão de trabalhadores resultante da terciarização das actividades dessas empreesas. Vilas inteiras ou parte delas são agora arrendadas a intermediários, que deveriam mantê-las, mas não o fazem. Em muitos casos, isso levou a uma deterioração da infraestrutura e dos serviços locais. Hoje, a prestação de serviços é fraca e, em alguns casos, inexistente. Além disso, muitos trabalhadores foram demitidos em função do programa de reestruturação do sector de plantação de árvores. No entanto, nos últimos anos, os moradores das vilas de trabalhadores orestais da província do Cabo Ocidental uniram forças e mobilizaram-se. As suas reivindicações incluem a participação de moradores da oresta em toda a tomada de decisões que os afecte; o m dos despejos; informação, transparência e acesso ao processo de licitação; bem como acesso e posse de terra suciente para que possam novamente produzir os seus alimentos; e uma prestação de serviços de boa qualidade. (http://wrm.org.uy/pt/artigos-doboletim-do-wrm/secao1/forum-comunitario-sobre-plantacoes-na-africa-do-sul-mobilizacao-dascomunidades-que-vivem-nas-plantacoes/)
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TÁCTICA 5 Atribuir casas melhoradas a quem ceder as terras Depois de fazer um levantamento das terras boas que pretende obter das comunidades, a empresa procura os membros comunitários a quem essas terras pertencem e negoceia a sua cedência. Uma táctica muito usada nesses casos é prometer às pessoas casas e terras melhores em outros locais, a par de uma pequena compensação só pelos plantios e árvores frutíferas que a família perderá com a mudança. As casas e terras em si não são objecto de indemnização porque as famílias supostamente serão compensadas com outra casa e terra melhor em outro lugar.
Este tipo de negociação é muito vantajosa para as empresas e sai muito caro às famílias camponesas. Além de geralmente a compensação paga ser muito pequena, a nova casa e terra normalmente são piores do que a terra e casa anteriores. O resultado é uma clara deterioração das condições de vida e do bem-estar das camponesas e camponeses. É importante que nos questionemos: se a terra onde pretendem que a comunidade se estabeleça é tão boa, porque não se estabelece lá a empresa? Não basta ter uma casa melhorada, é preciso que a terra seja boa para plantar, que haja disponibilidade de água, acesso a vias de comunicação e acesso a transporte.
Cajueiro, frutífera valiosa para comunidades rurais – provincia de Nampula, Moçambique
O QUE PODE SER FEITO? Considerando que a empresa de plantação não vai melhorar a vida da comunidade e tomando em conta os inúmeros impactos negativos que as plantações trazem, se, ainda assim, se decidir permitir que esta se estabeleça, é importante saber negociar
devidamente o que se pretende e como. Qualquer tipo de promessa, seja de habitação melhor ou outra qualquer, deve ser devidamente analisada. É importante que, apesar das negociações de habitação serem feitas
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a título individual com cada membro comunitário, a comunidade esteja unida e discuta muito claramente o que pretende e como. Mesmo que haja posições contrárias– se uns aceitarem ceder as suas casas e outros não – é preciso que se estabeleçam mecanismos para que a comunidade como um todo exija um contrato com condições muito bem definidas. No que diz respeito à habitação, há que definir claramente onde, como e
com que materiais esta será construída, e é fundamental ver e aprovar todos os planos. Não basta dizer que será melhor, até porque o melhor para uns pode não o ser para outros. Firmar acordos por escrito, com condições muito bem descritas, incluindo procedimentos e consequências em caso de incumprimento, é fundamental.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR Indonésia A empresa PT Pakerin recebeu do Ministro das Florestas uma licença de concessão de mais de 43.000 hectares destinados a plantações de madeira, e em 1992 iniciou a operação. A concessão tinha usurpado mais de 7.000 hectares de terra do povo na aldeia de Simpang Bayat. As famílias perderam suas casas, seus trabalhos e foram obrigados a viver à beira da estrada, em casas improvisadas. As promessas de melhoria da vida não foram cumpridas. Em 1997, houve um incêndio desastroso que destruiu as árvores da PT Pakerin, o que fez a administração da empresa interromper o negócio. Nos dez anos seguintes, a empresa não realizou qualquer actividade. Desde 2010, aos poucos, a comunidade de Simpang Bayat tem retornado à terra que costumava ser sua aldeia. A comunidade construiu pequenas casas, chegou a um acordo de gestão compartilhada da terra e começou a trabalhá-la para construir seus meios de subsistência. Até agora, dos 7.000 hectares de terra do povo da aldeia de Simpang Bayat que tinham sido usurpados pela PT Pakerin, aproximadamente 1.500 hectares foram recuperados pela comunidade. A comunidade de Simpang Bayat construiu em torno de 750 casas, que são habitadas por cerca de 400 chefes de família ou mais de 1.000 pessoas. Além da construção das casas, a comunidade também construiu colectivamente instalações comuns, como uma estrada, um local de culto e um secretariado da aldeia. Além destes, uma escola fundamental está a ser planeada. Hoje, a comunidade cria gado, produz carvão para venda, planta legumes, frutas, e a pensar a longo prazo também planta seringueiras. Para se organizar e consolidar a luta, a comunidade criou uma organização chamada Dewan Petani Sumatera Selatan (Conselho de Agricultores de Sumatra do Sul). Esta organização de agricultores locais estabeleceu, em conjunto com os agricultores, regulamentos para organização e uso da terra. (http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/indonesiasociedade-bayat-constroi-vida/) 27
TÁCTICA 6 Ser "parceiro" da empresa: a falsa promessa de emprego Outra táctica que as empresas usam no terreno para evitar o pagamento de quaisquer compensações e mesmo assim conseguirem acesso às terras das famílias camponesas é prometer-lhes "parcerias". Por outras palavras, propõem às pessoas substituir as suas machambas por plantações de eucaliptos ou pinheiros em troca de emprego nessas mesmas terras, permitindo-lhes que continuem a viver em suas casas.
A expectativa gerada pelas promessas de emprego é, provavelmente, o principal factor que leva as lideranças locais e as comunidades a acolherem com entusiasmo as empresas de plantações. Isto porque, em geral, as comunidades vivem num meio em que poucas pessoas têm emprego.
Na prática, quando os eucaliptos ou pinheiros crescem e deixam de precisar de muitos cuidados, os camponeses são dispensados e cam sem emprego e sem terra para produzir. Os camponeses, que logicamente pensavam que a "parceria" seria permanente, só então é que se apercebem que foram burlados.
Além do caso acima descrito, há outros: casos em que as empresas chegam mesmo a prometer emprego às pessoas da comunidade por largos anos ou até mesmo durante todo o período de concessão das terras, casos em que as empresas fecham portas ao m de determinado tempo ou em épocas de crise, entre outros. No entanto, todos esses casos têm o mesmo desfecho: os camponeses ou camponesas são demitidos e cam sem terra e sem emprego.
Enquanto isso, fazendo uso das suas tácticas, a empresa vai expandindo as suas plantações. E ainda alega lá fora que, não só não expulsou os camponeses das suas casas, como também benecia a comunidade empregando os seus membros.
Por sua vez, os empregos nas empresas de plantações, apesar de pagos em dinheiro, são muito mal pagos. E o facto da pessoa empregada já não ter disponibilidade e/ou terra para fazer a sua machamba faz com que esta tenha de comprar com o seu salário toda a sua comida.
Tristemente, a verdade é que o resultado das suas "parcerias" com os camponeses é um grande número de pessoas sem terra e sem trabalho, e comunidades inteiras que já não são capazes de produzir o seu próprio alimento.
Por último, uma vez que, geralmente, somente uma parcela da comunidade é que consegue emprego, essa divisão acaba por se tornar factor de desunião dentro da comunidade. vias de comunicação e acesso a transporte.
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Contrato de trabalho Green Resources, provincia de Nampula Moçambique
O QUE PODE SER FEITO? Exigir que no início das negociações se definam claramente quais os empregos que existem, quantos postos de trabalho são, quais as condições e os salários propostos, bem como quais as condições do contrato, qual a sua duração e quais as obrigações do contratado. A simples promessa de criação de postos de trabalho não basta, e garantias de prioridade no acesso ao emprego são igualmente inúteis. É
importante que se saibam logo de início os horários e condições de trabalho, para que saibam se poderão continuar a trabalhar nas machambas ou não; e saber o salário proposto é também fundamental para se calcular, considerando que o tempo para machamba será muito reduzido, se compensa trabalhar e ter de comprar todos os alimentos que anteriormente produziam.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR Moçambique Vários membros da Comunidade de Hapala em Socone, Moçambique, cederam as suas terras em troca de promessas de emprego. Fizeram-no sem saber quantos empregos seriam disponibilizados, quanto tempo teriam de trabalhar ou quanto iriam receber pelo seu trabalho. A grande maioria dessas pessoas trabalhou apenas 1 mês a limpar a área que cederam à empresa e recebeu pelo trabalho apenas 1.500 meticais. Ou seja, em troca de 1 mês de trabalho que rendeu apenas 1.500 meticais cederam grande parte da sua terra, e hoje estão rodeados de eucaliptos, sem emprego e com muito menos terra para cultivar. Terra essa cuja qualidade se espera vir a ser afectada pela proximidade das plantações de eucalipto. No entanto, hoje, ninguém ouve as suas reclamações. A empresa nega ter prometido empregos a todos e arma que os empregos são rotativos para abranger todas as comunidades conforme denido pelos líderes tradicionais. E assim as plantações vão semeando miséria, insatisfação e pobreza.
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TÁCTICA 7 Convite para ser "sócio" e car rico a plantar eucalipto Outra táctica usada pelas empresas para garantir lucro e apoio, é terceirizar as plantações. Prometer aos membros das comunidades que vão car "ricos", e assim passar para os camponeses toda a responsabilidade do cultivo das árvores. Algumas empresas tentam pôr as comunidades a produzir eucalipto também. Para começar, por exemplo, distribuem gratuitamente algumas mudas de eucalipto para as famílias plantarem no seu quintal. Fazem-no para que a comunidade se acostume à presença de árvores de eucalipto. É por isso que, em algumas comunidades, é comum ver eucaliptos plantados em torno das casas das famílias. Mas enquanto as árvores nativas ou frutíferas como as mangueiras dão muito mais sombra e frutos para as pessoas comerem, o eucalipto não serve para nada: não dá sombra nem fruta, e além disso seca rapidamente o solo. Uma táctica mais agressiva que também é usada pelas empresas consiste em convencer as camponesas e camponesesa tornarem-se seus
"sócios", prometendo-lhes que, se plantarem eucalipto e, além dos seus alimentos, plantarem também no meio da plantação outra cultura como por exemplo a soja –criando dessa forma uma espécie de agro-oresta – ganharão dinheiro suciente para comprar um carro ou uma moto. Ficarão ricos. No entanto, ao m de alguns anos, as pessoas não estão ricas mas frustradas, pois perto dos eucaliptos pouco ou nada cresce. Na verdade, conforme os eucaliptos vão crescendo, a produção alimentar vai diminuindo e o solo vai secando. Outros programas, como por exemplo a distribuição de sementes de soja – que supostamente visava contribuir para a segurança alimentar das comunidades – gerou problemas semelhantes. Primeiro porque a iniciativa requeria que os participantes devolvessem uma quantidade ligeiramente maior de sementes do que aquela recebida a partida – uma espécie de
(à esq.) Eucalipto plantada em frente a casa na província de Zambezia, Moçambique. (à dir.) Placa indicando projeto de plantação de eucalipto em terra de camponeses por Green Resources, província de Nampula, Moçambique.
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"juros" – e segundo porque a soja não faz parte do cardápio tradicional dos moçambicanos, e como
tal pouco ou nada contribui para a nossa segurança alimentar.
O QUE PODE SER FEITO? Se a empresa vier às comunidades falar de "parcerias"e prometer às pessoas que ficarão ricas, é muito importante que lhe solicitem todas as informações, por exemplo em relação ao contrato que cada participante terá de assinar. Depois de juntar todas
essas informações, é importante que a comunidade se reúna para debater o assunto. É igualmente importante saber se há quem já tenha firmado o mesmo acordo, e se sim, apurar como foi a sua experiência.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR
Indonésia Os aldeões do distrito de Buol, em Sulawesi Central, vêm lutando há 20 anos para recuperar as suas terras. Todas as terras e orestas consuetudinárias foram concedidas sem o seu consentimento a uma das famílias mais ricas e poderosas da Indonésia, para a criação de uma plantação de 22.000 hectares de dendezeiros. Quando a operação começou, em 1994, muitos moradores colocaram-se à frente de camiões e agarraram-se às árvores das orestas ao redor de suas aldeias para impedir que elas fossem cortadas. No entanto, devido ao apoio militar, eles pouco podiam fazer. Apesar das poderosas forças mobilizadas contra eles, os moradores do Distrito de Buol estavam determinados a recuperar as suas terras. Uma série de bloqueios de estradas, entre outras acções de protesto, forçaram a empresa a concordar em ceder cerca de 4.900 hectares de terras para compensar os moradores desalojados e estabelecer um programa de "parceria", através do qual a empresa iria preparar e plantar dois hectares de dendezeiros para cada família e comprar a safra a um preço acordado. Porém, o programa pouco se concretizou. Apenas 400 hectares foram alocados, e a maior parte dessas terras foram para políticos locais que apoiam a empresa. As condições de trabalho na plantação são péssimas. Os trabalhadores vivem em acampamentos deteriorados e o seu pagamento é feito de acordo com a quantidade que colhem. Mas o problema não são apenas os baixos salários, a empresa deduz também constantemente aos trabalhadores todo o tipo de despesas – desde a electricidade e a água que usam em suas casas, até às ferramentas e equipamentos de 31
segurança que precisam para trabalhar. Ao nal de cada mês, não sobra nenhum dinheiro. Além do mais, os trabalhadores precisam de aplicar pesticidas. Um desses pesticidas é o Gramaxone (paraquat), um herbicida proibido em mais de 30 países devido aos graves efeitos que tem na saúde humana. Mas a empresa não deu treinamento nem equipamento de protecção. Há casos de mulheres que fazem pulverização de pesticidas durante toda a sua gravidez e logo após o parto, uma vez que não podem dar-se ao luxo de ter folgas não remuneradas. Mas, em 2012, os trabalhadores das plantações formaram um sindicato e começaram a pressionar a empresa para assegurar melhores condições de trabalho. Juntos com outros aldeões de Buol, decidiram assumir a luta contra a empresa sob a bandeira do Fórum Tani Buol. Em 2012, organizaram um bloqueio de estrada e ocuparam o gabinete do conselho municipal. O governo e funcionários da empresa responderam prometendo procurar uma solução para o conito de terras, mas nada se concretizou. Em Março de 2013, camponeses e trabalhadores ocuparam a fábrica de processamento da empresa. O governo enviou militares para removê-los, mas não antes de eles lhes arrancarem a promessa de impor uma solução. Apesar dos anos de promessas não cumpridas, os moradores sentem-se optimistas quanto à possibilidade de recuperar as suas terras e estão até a começar a discutir o que farão com elas quando isso acontecer. Eles estão de acordo sobre as terras serem geridas colectivamente e não como propriedades individuais, e reconhecem que, para já, têm pouca escolha: têm de manter a produção de dendê até que as árvores actuais estejam totalmente maduras e possam ser substituídas por outras culturas. (http://wrm.org.uy/pt/uncategorized/indonesia-luta-contra-a-concentracao-de-terras-da-empresa-de-oleode-dende-pt-hardaya/)
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TÁCTICA 8 Promessas de melhoria do acesso a fontes de água para esconder o impacto do eucalipto
Uma das coisas que a comunidade vai perceber com o tempo é que o eucalipto compromete as fontes de água das quais a comunidade depende. As empresas, para disfarçar este impacto, usam a táctica de se apresentarem como quem veio para solucionar o problema do acesso à água, mascarando assim que são as próprias
plantações que causam a redução da disponibilidade de água. Para solucionar o problema, por exemplo, as empresas prometem fazer poços artesanais para fornecer água à comunidade. Na prática, no entanto, essa promessa muitas vezes ou não é cumprida ou é apenas parcialmente cumprida. E mesmo quando é cumprida, ao longo do tempo a disponibilidade de água reduz, e afecta não só a água para consumo mas também a água disponível nos solos para as machambas.
Carro-pipa para irrigar mudas de eucalipto, província de Nampula, Moçambique.
O QUE PODE SER FEITO? Não podem permitir que as plantações sejam estabelecidas próximas de fontes de água como rios, riachos, lagoas, etc. Elas que se estabeleçam o mais longe possível das habitações e fontes de água das comunidades locais. No Brasil, por exemplo, dependendo da largura dos rios, é estabelecida uma distância mínima de floresta nativa para
proteger cada fonte de água. Isso porque há muitos estudos que já mostram esses impactos graves (para mais informações consulte o documento de impactos sobre água na lista de materiais recomendados no final desta brochura) http://wrm.org.uy/pt/livros-erelatorios/impactos-das-plantacoesindustriais-de-arvores-sobre-a-agua/
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UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR Equador Há 20 anos, uma empresa holandesa – Profafor - pagou a várias comunidades para instalar uma plantação de pinheiros nas montanhas altas do Equador que "compensaria" a poluição gerada por uma usina termoeléctrica construída na Holanda. Josena Lema vive numa dessas comunidades, chamada Mojandita de Avelino Ávila. Ela pertence ao povo Otavalo, da nacionalidade quéchua e sua comunidade tem mais ou menos 200 habitantes. Há 20 anos, chegaram à sua terra pessoas oferecendo dinheiro para fazer plantações de pinheiros no Páramo, um ecossistema único das montanhas altas dos Andes. Prometeram emprego, renda e lucros que jamais vieram. Pelo contrário, não só a comunidade perdeu dinheiro, como os impactos sociais e ambientais resultantes das plantações de pinheiros perduram até hoje. O contrato dizia que se houvesse disputas contratuais ou incumprimento, a comunidade indígena teria que pagar um valor muito maior do que o que a comunidade recebeu da empresa.
A plantação secou muitas fontes de água e arrasou os nutrientes do solo, acabou com grandes extensões da oresta nativa e roubou-lhes energia e espaços sagrados ao acabar com nascentes de água. Mas há nove anos atrás, parte da plantação em torno da comunidade de Josena pegou fogo e queimou. Tempos depois, outro incêndio queimou o resto. A boa notícia é que Josena conta que depois disso as nascentes voltaram a uir. A empresa quis processar a comunidade, mas a acção não avançou. Em 2015, a comunidade de Mojandita enviou uma carta à empresa dando por encerrado o contrato. Certamente, a luta das mulheres dessa comunidade, lideradas por Josena Lema, para defender sua oresta e sua terra é um exemplo a ser seguido. (http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/josena-e-o-olho-dagua-contra-as-plantacoes-nosparamos-do-equador/)
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TÁCTICA 9 Plantio de “orestas” justicado como forma de combater desastres naturais Em muitos países as empresas e os governos têm dito às comunidades que o plantio de monoculturas de pinheiros e eucaliptos ajuda a prevenir a erosão e impede a degradação da oresta nativa. Porém, as mesmas substituem a
oresta nativa, afectam a terra para produção de alimentos e na verdade falham no combate à erosão devido ao processo de desorestamento que precede o plantio.
O QUE PODE SER FEITO? As comunidades devem mobilizarse para advogar junto do governo a promoção da reposição da floresta
nativa em vez da promoção de plantações industriais de árvores.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR Chile Depois da Rio+20, em muitas comunidades na República de Chile, em particular nas comunidades Mapuche, foi usado o argumento de que as plantações orestais ajudam a combater a erosão e protegem as orestas indígenas. Porém, foi se vericando que as mesmas degradavam as orestas indígenas porque a oresta industrial crescia na base de químicos. Nas mesmas comunidades, notou-se que as plantações não combatiam a erosão porque depois de crescerem eram abatidas e transportadas para fábricas de celulose. Esse processo de desorestamento não combatia a erosão, criava sim mais espaço para a sua ocorrência. (https://entitleblog.org/2016/07/19/struggling-for-land-and-water-resistances-to-tree-plantations-insouthern-chile/).
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TÁCTICA 10 Conseguir um "selo verde" para a empresa poder dizer que é uma empresa boa Outra táctica que as empresas usam para ganhar credibilidade é adquirir um dos chamados "selos verdes". Um dos mais conhecidos e usados é o selo do FSC (sigla em inglês para Conselho de Maneio Florestal). O FSC é uma iniciativa criada pelas próprias empresas, junto com algumas ONG's que são a favor das plantações de árvores. Supostamente, o selo garante que as plantações não causam nenhum impacto negativo para a comunidade e o ambiente, apenas benefícios. Sem este selo, as empresas têm mais diculdade em conseguir nanciamento. Mas se dizemos que as empresas e suas plantações causam muitos problemas, como é que é possível que consigam ser certicadas? Para começar, é a própria empresa quem contrata a certicadora, ou seja, não há independência. É o interessado no resultado da avaliação quem paga ao avaliador, o que por si só já levanta suspeitas sobre a seriedade do processo.
Depois, o selo verde não questiona a injustiça patente no facto das empresas ocuparem grandes áreas, não considera problemático o uso de produtos químicos, não condena o facto das plantações ocuparem terras férteis em territórios que pertencem a comunidades e que são utilizados por estas para produção de alimentos, nem todos os problemas que isso causa. Por m, os critérios que os certicadores usam são de tal forma amplos que mesmo as empresas que têm mil problemas podem ser certicadas. Na prática, muitas comunidades que vivem cercadas por eucalipto certicado nem sabem que a empresa é certicada porque a certicação FSC não obriga a certicadora a organizar reuniões públicas entre as comunidades afectadas e as empresas certicadas. Há um grande movimento de contestação à certicação e à forma como esta tem sido conduzida em benefício somente das empresas e concorrendo para o prejuízo cada vez maior das comunidades locais. Várias são as instituições que lutam contra estes processos.
Protesto no estado da Bahia, Brasil, contra a certicação FSC da empresa Suzano. Foto: MST.
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O QUE PODE SER FEITO? Como sabemos, as plantações são de empresas com muito dinheiro e poder, que geralmente contam com o apoio do governo local e central e tem à sua disposição muito mais recursos e mecanismos do que qualquer comunidade. Por isso, é fundamental estabelecer parcerias com organizações de camponeses e movimentos sociais, mas com alguma cautela, pois há organizações que são a favor destas. S e p o s s í ve l c o m o a p o i o d e parceiros de confiança, é preciso denunciar os problemas e a situação das comunidades aos líderes locais, às estruturas locais do governo, e ir subindo de nível (local, distrital, provincial, central) sempre que a estrutura abordada se revelar incapaz
de solucionar o problema. É igualmente importante ter aliados e assegurar que há união na própria comunidade, pois a discordância e desunião na comunidade coloca em risco aqueles que mais se expõem. É i g u a l m e n te i m p o r t a n te q u e a s reclamações ou queixas sejam feitas por escrito, com todo detalhe possível, e que a comunidade tenha sempre em sua posse uma cópia devidamente assinada, datada e carimbada de todos os documentos relevantes ao processo. Igualmente importante é a troca de experiências com comunidades que passam ou passaram pela mesma situação, para que juntos definam estratégias e aliem esforços para prevalecerem.
UMA EXPERIÊNCIA PARA CONTAR
Uganda No Uganda, a empresa de plantações “New Forests Company” obteve o selo do FSC, mesmo apesar de um relatório da ONG Oxfam ter denunciado em 2011 a empresa por esta ter expulso, entre 2006 e 2010, nada menos do que 22.000 pessoas de suas terras nos distritos de Kiboga e Mubende, em função da promoção de suas plantações. Em reacção a esta denúncia, o FSC declarou em 2010: “a empresa tem seguido meios pacícos e agiu responsavelmente” http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/plantacoes-industriais-de-arvores-invadindo-o-leste-eo-sul-da-africa/
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Como tentamos mostrar nesta brochura, em especial nas "experiências para contar", é de suma importância que a comunidade não desanime caso empresas de plantações de eucaliptos ou pinheiros surjam na terra que lhes pertence. Mesmo que a comunidade sinta que a empresa é muito mais poderosa e que não podem de forma alguma travar um projecto de tal dimensão, deve manter-se rme, ciente dos seus direitos e analisar cuidadosamente todos os aspectos do mesmo.
da comunidade são importantes, e é necessário envolver homens, mulheres e jovens também. É necessário que estejam organizados, que sejam determinados, e que saibam se articular e procurar apoio para ganharem força. Como as histórias ao longo do texto demonstraram, estas lutas de resistência levam imenso tempo, e é preciso ter em mente que ao longo desse tempo muitos perdem a esperança, outros abandonam a luta, e essas empresas sabem e usam isso para cansar as comunidades e fazê-las desistir.
O que tentamos mostrar com esta brochura é que há sim formas de resistir, de agir e de barrar este tipo de projectos. Muitas comunidades já o zeram. Para isso, é importante que a própria comunidade discuta e dena as suas próprias estratégias e tácticas. Mas antes disso, é fundamental conhecer bem as estratégias e tácticas que as empresas usam. A forma como a comunidade vai agir em seguida vai depender de caso a caso, não há como dar uma receita.
É importante resistir. Lutar por uma vida digna. Manter o controlo sobre a terra que nos sustenta e onde produzimos os nossos alimentos não é apenas um direito fundamental que nos pertence, é a base para o futuro do povo e isso precisa de ser defendido.
Esperamos que esta brochura seja útil para essa reexão na comunidade. Importa ainda lembrar que é fundamental a união, a comunidade ou comunidades devem manterse sempre unidos e concordar no que são as medidas a tomar. Todas e todos os membros
Por m, abaixo partilhamos convosco outros materiais que complementam a informação partilhada nesta brochura, como relatórios, estudos de caso e vídeos que relatam mais histórias e experiências de outras comunidades. 38
Outros materiais recomendados Impactos das plantações industriais de árvores sobre a água http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/impactos-das-plantacoes-industriais-de-arvores-sobre-aagua/
Plantações industriais de árvores invadindo o Leste e Sul de África http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/plantacoes-industriais-de-arvores-invadindo-o-leste-e-o-sulda-africa/
12 respostas para 12 mentiras sobre plantações de monoculturas de dendê http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/12-respostas-para-12-mentiras-sobre-plantacoes-demonoculturas-de-dende-novo-formato/
O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique http://wrm.org.uy/pt/outras-informacoes-relevantes/o-avanco-das-plantacoes-orestais-sobre-osterritorios-dos-camponeses-no-corredor-de-nacala-o-caso-da-green-resources-mocambique/
Portucel - O Processo de acesso à Terra e os direitos das comunidades locais http://wrm.org.uy/pt/outras-informacoes-relevantes/portucel-o-processo-de-acesso-a-terra-e-osdireitos-das-comunidades-locais/
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Mozambique
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