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Sexta-feira: 07 de Dezembro de 2007
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O País
O PAÍS VERDE Propriedade da JA! Justica Ambiental no, Rua Marconi 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz, ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos * Editor: Marcelo Mosse * Periodicidade: Mensal * 7 de Dezembro de 2007 * Edição nº: 6
Energia e ambiente
Nota Editorial A propósito de Mphanda Nkuwa ser oportunidade ou ameaça O conhecido jornalista Paul Fauvet, editor de língua inglesa da Agência de Informação de Moçambique (AIM), escreveu um artigo em que ataca veemente a Justiça Ambiental, dizendo que a nossa organização está a advogar contra o desenvolvimento sócio-económico de Moçambique. Num artigo sob o título “Mphanda Nkuwa: Ameaça ou oportunidade”, publicado no serviço inglês da AIM, a 26 de Novembro, Paul Fauvet diz que correntes ambientalistas moçambicanas – e menciona apenas a JA - estão a realizar uma campanha para privar Moçambique de uma das suas “mais atractivas potenciais fontes de electricidade”. Para ele, Mphanda Nkuwa não é um mau projecto porque: i) é uma fonte atractiva de energia ii) vai possuir uma albufeira menor que a de Cahora Bassa ou Kariba iii) vai desalojar apenas umas 1400 pessoas, as quais até vão ser compensadas e vão ter oportunidade de emprego na barragem iv) vai empregar na fase da construção 3000 trabalhadores temporários e 80 permantes na fase de operações e v) a albufeira vai ser alvo de pesca semi-industrial e vai haver novas estradas e uma ponte sob o rio na zona. Estas são respostas parciais à parte dos argumentos que temos vindo a rebater, os quais vão vão mais longe que os pontos que Paul Fauvet tenta responder. Por exemplo, o papel de Mphanda Nkuwa na mitigação das cheias vai ser nulo, justamente por causa do tamanho reduzido da sua albufeira. De contactos recentes com cientistas que lidam com rios e barragens podemos apurar o seguinte: não é provável que o pequeno reservatório a ser erguido em Mphanda NKuwa va conseguir conter cheias castatróficas no caso de as barragens de Kariba e Cahora Bassa libertarem imensas quantidades de água em tempo de cheias. Em suma: o argumento de que Mphanda Kuwa poderá acomodar as águas das cheias é incorrecto, pois a projectada barragem é, por desenho, aquilo a que os especialistas chamam de run-of-river, com poucas possibilidades de atenuação de cheias. E essa característica de run-of-river foi destacada com ênfase na apresentação recente do projecto e, por isso, parece completamente descabido estar ao mesmo tempo querer considerar-se que a barragem vai conseguir armazenar as águas que desçam da montante. O artigo de Paul Fauvet não responde às consequências nefastas que temos vindo a identificar ao longo destes anos. Temos vindo a falar de uma variedade de riscos (económicos, sísmicos, ecológicos, sociais) e as respostas às nossas inquietações ainda não foram dadas. Infelizmente, este espaço editorial é tão ínfimo para voltarmos a detalhar os nossos argumentos. Um dos pontos levantados pelo artigo da AIM é o de que a nova hidroeléctrica oferece soluções para uma crescente demanda de energia necessária para o desenvolvimento económico de Moçambique. A Justiça Ambiental tem sido acusada de estar numa barricada contra o desenvolvimento económico, mas isso não é verdade. A nossa missão é advogar para soluções energéticas amigas do ambiente. E em África temos, felizmente, precedentes de projectos que apontam para essa direcção, diferentemente de Mphanda Nkuwa. Podemos citar alguns: um projecto de central à base de energia solar com a capacidade de geração de 100 megawatts na África do Sul; um imenso projecto de natureza “geothermal” no Quénia; uma hidroeléctrica de escala reduzida no Uganda. A nossa abordagem não é contra o desenvolvimento do país; contra o combate à pobreza. A nossa abordagem é a favor de um desenvolvimento sustentável que contemple também as futuras gerações e a protecção da ecologia. Paul Fauvet pergunta que alternativas é que a JA propõe? Considerando que Moçambique pode ter reservas enormes de gás natural, a crer na avalanche prospesctiva que está agora a acontecer na bacia do Rovuma e no delta do Zambezia, mas também em regiões on shore à norte de Sofala, as alternativas podem vir daí. A quantidade potencial de gas natural pode ser uma fonte de energia eléctrica limpa e com limitados impactos ambientais.
Por Carlos Serra A questão energética tem vindo a tornar-se um assunto cada vez mais predominante nas agendas dos principais encontros internacionais, tendo presente o aumento das necessidades de consumo, associado às tendências planetária de crescimento populacional e desenvolvimento económico. A este respeito referiu Soromenho-Marques o seguinte: “o problema energético mundial é dos mais complexos, sem a sua solução de capital importância. Se até ao final do século XVIII a humanidade viveu sustentada na energia renovável da tracção animal e da lenha, a partir da Revolução Industrial começou a corrida para as energias naturais não renováveis, primeiro o carvão, depois o petróleo. Em pouco mais de dois séculos dissipouse a energia acumulada por processos naturais que requereram milhões de anos!” . Nos últimos tempos, particularmente, e com a subida do preço do petróleo no mercado internacional, em consequência do aumento da procura, a questão ganhou envergadura, despoletando a necessidade de equacionar seriamente o problema energético, buscando soluções para as necessidades crescentes, bem como para a ruptura que se avizinha quanto ao stock de energias fósseis. As escolhas energéticas que um país realiza reflectem-se necessariamente no respectivo estado do ambiente. A opção por uma energia não renovável provoca necessariamente a descida da qualidade ambiental de uma determinada região ou território. O que realmente se tem vindo a verificar, principalmente no pós Revolução Industrial, é o predomínio quase total da energia extraída de fontes fósseis, nomeadamente o carvão (a energia do Século XIX) e o petróleo (a energia do Século XX). Quer uma quer outra constituem energias não renováveis e bastante poluidoras, sendo o seu uso abusivo e crescente responsável pelo agudizar da situação ambiental à escala planetária . Contudo, não obstante já existirem imensos estudos comprovando a viabilidade económica e ecológica das energias alternativas (eólica, solar, térmica, biomassa, adequado uso dos recursos hídricos), bem como demonstrando o impacto ambiental gi-
gantesco do uso abusivo das energias fósseis, muitos dos governos continuam a apostar na busca de novos poços de petróleo, bem como, incrível, na abertura de novas centrais energéticas movidas a carvão mineral, e, consequentemente, na continuação da exploração de minas de carvão um pouco por todo o mundo . Mais, tudo isto acontece quando se sabe que tais fontes energéticas se irão esgotar num futuro mais ou menos próximo. Tal deve-se fundamentalmente ao poder que as grandes multinacionais do petróleo e carvão possuem, sendo capazes de desempenhar um bloco de força capaz de condicionar a política de inúmeros Estados, chegando inclusive a bloquear o alcançar de compromissos internacionais no domínio das energias alternativas. Exemplo paradigmático foi o insucesso registado na Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, no ano de 2002, no decurso da qual foi inviabilizada uma proposta apresentada pelo Brasil e pela União Europeia, conforme veremos adiante, e que teria constituído um precedente de enorme importância e que tornaria o Século XXI, quase certamente, o Século da Energia Renovável. Segundo o relatório Estado do Mundo 2003, “os custos ambientais adicionais na produção e consumo de energia convencional incluem a destruição oriunda de actividades extractivas; poluição do ar, solo e água; chuva ácida; e perda de biodiversidade. A energia convencional requer imensas quantidades de água doce. A mineração e a perfuração afectam o meio de vida e a própria existência de povos indígenas em todo o mundo”. Este trabalho vai mais longe ao acrescentar também os custos das alterações climáticas e as perdas globais por desastres naturais decorrentes do aquecimento global. Continuamos a apostar em energia com um pesado ónus não somente ambiental (factor ambiental), mas também económico, veja-se que se estima que os países africanos despendam aproximadamente 80% das suas receitas de exportação na importação de petróleo (factor económico). Além do mais, a realidade demonstra que, através do investimento em energias renováveis, se conseguem criar mais postos de emprego do que aqueles criados pelas energias convencionais (factor social). x
E é notável que o Governo esteja ja a trilhar por este caminho, nomeadamente através da autorização dada, este ano, pelo Ministério do Ambiente à Electricidade de Moçambique e à Intelec Holdings (empresa onde o Presidente Armando Guebuza é sócio, a par do homem forte da CTA Salimo Abdula) para avançarem com um projecto de instalação de uma Central Térmica à Gás Natural de Ciclo Combinado para a produção de energia elétrica até cerca de 1000 mw, usando as potencialidades do gás de Temane. A questão crucial aqui nem é o facto de essa parceria público-privada não ter ido a concurso público, mas simplesmente o facto de que se trata de um projecto de produção de energia numa perspectiva ambientalmente saudável. Coloca-se então a questão: este novo projecto, que envolve igualmente a construção de redes de alimentação que chegarão inclusive à Africa do Sul, mais a central norte de Cahora Bassa, não são suficientes para Moçambique satisfaça uma demanda enventualmente crescente de energia? E se encontrarem sinais concretos de existência de gas natural no Rovuma (como ja se encontraram sinas de petróleo), haverá razões económicas para se avançar com a famigerada barragem? Para nós, as estações à gás natural de ciclo combinado são uma clara alternativa às hidroeléctricas. E também cremos que o desenvolvimento da estação norte de Cahara Bassa seria uma opção mais cost-effective que Mpandha Nkuwa – se pensarmos não apenas sob o ângulo do desenvolvimento sustentável mas também sob a perspectiva da dívida pública, mesmo não sendo ainda claro que tipo de engenharia financeira o Governo está a pensar para trazer os bilhões de USD que a hidroelétrica de Mphanda Nkuwa precisa para ser erguida. Por último, devemos dizer ao Paul Fauvet que não é verdade que os documentos sobre Mphanda Kkuwa sempre estiveram disponíveis. A Justiça Ambiental tem vindo tentar obter o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) detalhado e nunca obteve uma resposta positiva. O acesso efectivo à informação pública não acaba na efemeridade de um seminário nem em consultas de gabinete de pouco mais de meia hora. O acesso à informação implica termos cópias integrais de toda a documentação referente ao projecto em causa e isso, caro Paul Fauvet, ainda não está a acontecer. Se o Paul Fauvet tiver uma cópia integral do EIA de Mphanda Nkuwa, por favor, partilhe-a connosco. Marcelo Mosse
AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND
A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa. O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França, são da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental
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Análise da Conferência sobre Barragens em África Conclusões e recomendações das apresentações de ONG’s africanas no workshop “Promovendo a transparência e o diálogo sobre as Barragens e o Desenvolvimento em Moçambique: aprendendo com as experiências de grandes barragens em África ”, que teve lugar em Maputo, Moçambique, de 19 a 21 de Novembro, 2007. “São os países em desenvolvimento quem menos podem cometer os erros do mundo desenvolvido.” Kader Asmal, presidente da Comissão Mundial de Barragens, 2000
Há alguns exemplos de processos positivos de gestão de barragens e da bacia do rio com os quais Moçambique deveria aprender. Um destes é a Barragem de Maguga, na Swazilândia e o envolvimento das comunidades afectadas no
em apoiar governos repressivos e autoritários que violam regularmente os Direitos Humanos dos seus cidadãos, como é o exemplo do Sudão. No entanto, a China está a priorizar projectos de desenvolvimento, dentro do território nacional, que são mais adequados para as necessidades de Moçambique. Energia solar e energia termal são dois exemplos do que Moçambique poderia estar a explorar. Trazer energia universal solar a todos os moçambicanos que hoje não tem electricidade seria menos dispendioso do que construir a Barragem de Mphanda Nkuwa. O Governo moçambicano
Rio deve considerar toda a bacia do rio para uma gestão adequada dos recursos hídricos, e envolver os interessados locais em todas as fases do planeamento para que as decisões não sejam tomadas somente pelas instituições regionais e internacionais (SADC). Isto é importante para minimizar os custos de todos e gerir uma distribuição equitativa dos benefícios. Externalidades ambientais e sociais devem passar a ser ‘internalidades’, ou componentes da análise e tão importantes quanto as preocupações económicas. Moçambique deve considerar o fenómeno de mudanças climáticas em todos os planos de energia e em todos os projectos de desenvolvimento. Prevê-se que as mudanças climáticas irão alterar severamente a hidrologia dos rios de Moçambique, trazendo mais secas e cheias inesperadas. O país deveria priorizar com urgência medidas de adaptação às mudanças climáticas nos sectores de água e energia e para a gestão das cheias. Alguns dos passos-chave são:
Membros da Sociedade Civil moçambicana e oficiais do Governo, comunidades africanas afectadas pelas barragens e peritos internacionais no desenvolvimento reuniram-se para discutir assuntos emergentes do desenvolvimento de grandes barragens em África, como aplicar as lições aprendidas nos passados projectos de barragens para melhorar o planeamento da energia em Moçambique, e de encontrar soluções futuras para o controverso projecto de Mphanda Nkuwa, de 2.5 biliões de dólares, que está agora no topo da lista de prioridades do Governo moçambicano. O que se segue são as lições-chave retiradas do legado africano em relação às barragens, que acreditamos que deverá guiar todos os futuros projectos de grandes barragens em Moçambique. Em toda a África, as grandes barragens tiveram significativos custos sociais, ambientais e económicos que deviam ser profundamente considerados e evitados em Moçambique, através do diálogo entre as várias partes interessadas a nível nacional, envolvendo igual representação de todas as partes interessadas. Estes impactos incluem: ▲ Custos económicos que muitas vezes são elevados, receitas que são muitas vezes inferiores ao esperado, e impactos sociais e ambientais que nunca são considerados nos custos económicos. Um exemplo em Moçambique é a redução na pesca de camarão no Banco de Sofala, resultante das alterações do fluxo natural do Zambeze, que contribui significativamente para as nossas exportações. ▲ Impactos ambientais nos ecossistemas a montante que ficam completamente alagados, ecossistemas a jusante que recebem menos sedimentos, que influencia negativamente a flora e a fauna do rio como o peixe, camarão e a vegetação ribeirinha. A redução da vegetação ribeirinha e as mudanças repentinas no fluxo contribuem para o aumento da erosão dos bancos do rio. A gestão das barragens para maximizar a produção de energia resultou em fluxos a jusante que causaram impactos significativos aos ecossistemas do Delta, incluindo intrusão salina e reduzindo assim a água doce disponível para estes sistemas. ▲ Custos sociais causados pela ruptura dos meios de subsistência das populações afectadas. As áreas de reassentamento raramente foram adequadas de forma a permitir o re-estabelecimento de meios de subsistência equivalentes; alterações no fluxo do rio a jusante da barragem e alterações nas quantidades de sedimentos impossibilitam as populações de continuar a praticar a agricultura no rio bem como provocam uma redução na pesca e muitas vezes tornam mais difícil o transporte ao longo do próprio rio. Uma vez destruídos os meios de subsistência, torna-se muito difícil a sua restauração.
processo de planeamento e reassentamento. Outro exemplo é a nova legislação de planeamento de água na Espanha, que já não permite o desenvolvimento de grandes barragens no país. Há também algumas boas lições a serem tomadas em conta dos diálogos das várias partes interessadas no nosso país vizinho, a África do Sul. Os processos de várias partes interessadas são a chave, mas para serem genuínos e eficientes, devem: • Ser inclusos • Ser transparentes • Ser contabilizados para as pessoas • Considerar todos os aspectos do projecto, não apenas aspectos económicos, mas aspectos sociais e ambientais • Ser feitos no princípio do processo, não no fim • Construir relações entre as partes interessadas Moçambique deve rejeitar o modelo de desenvolvimento extractivo, explorador e irresponsável oferecido pela China, e trabalhar com a China para levar a cabo projectos de desenvolvimento mais sustentáveis e a pensar no futuro. O número de projectos de barragens em África construídas pela China está a crescer, onde os standards de mitigação dos problemas ambientais e sociais tem sido negligenciados a favor de factores económicos. A China não tem problemas
deveria procurar activamente cooperações de desenvolvimento com a China que enfatizem os tipos de projectos de desenvolvimento de energia descentralizada que a própria China está agora a priorizar. O desenvolvimento da energia em Moçambique está neste momento fortemente virado para a exportação e para o crescimento de indústrias intensivas em energia. Esta abordagem não está a resolver as necessidades da maioria da população rural, nem está o país a beneficiar verdadeiramente do desenvolvimento da energia.
▲ É preciso imediatamente que sejam dados passos para diversificar o fornecimento de energia e reduzir os riscos económicos da dependência hidroeléctrica. Como a maioria dos países da SADC, Moçambique está agora demasiado dependente da energia hídrica para o fornecimento de electricidade. Os riscos de uma dependência hidroeléctrica contínua numa época de mudanças climáticas incluem o aumento dos custos económicos, ambientais e sociais, diminuição dos benefícios e aumento do risco de potenciais desastres.
Arriscamo-nos a ser vítimas da “maldição dos recursos”, que afligiu tantos outros países africanos que dependem profundamente da exportação da sua riqueza natural. A maldição dos recursos pode resultar no aumento do risco de um conflito interno, desperdício de oportunidades para a criação sustentável de postos de trabalho, corrupção, perpetuidade da distribuição injusta e não equitativa dos benefícios e dos custos do desenvolvimento. Para evitar a abordagem da maldição dos recursos, Moçambique necessita de encontrar um melhor equilíbrio entre o desenvolvimento de energia em grande escala e os programas descentralizados de electrificação para o desenvolvimento rural. O planeamento de energia a favor dos mais pobres que contribui para que Moçambique atinja os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio deve ser priorizado.
▲ Todos os projectos de energia e água propostos devem ser independentemente avaliados para a sua capacidade de ajudar Moçambique a adaptar-se melhor às mudanças climáticas e a uma hidrologia mais imprevisível.
O planeamento do Desenvolvimento da Bacia do
(Cont. na pág. seguinte)
▲ Deve-se priorizar soluções de energias renováveis e medidas eficientes de energia que ajudem o desenvolvimento de energia a chegar a áreas actualmente não electrificadas, ao mesmo tempo que se providencia segurança contra as mudanças climáticas. ▲ Grandes barragens, principalmente barragens hidroeléctricas, não são uma solução viável para o controle das cheias num tempo de mudanças climáticas. Soluções que não envolvam só a área de engenharia para a
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(Cont. da pág. anterior)
gestão das cheias devem ser priorizadas, como o melhoramento de sistemas de alerta e planeamento de resposta ao desastre para as comunidades a jusante da barragem, planos operacionais para a gestão de barragens que garantam espaço suficiente nos reservatórios para armazenar as cheias anuais durante a época chuvosa, restauração das terras húmidas e outras soluções de conduta suave para a gestão das cheias. ▲ Todas as barragens estão a tornar-se cada vez mais perigosas num clima em mudança. As avaliações de segurança das barragens deveriam passar a ser cada vez mais rigorosas e regulares, e devem ser feitos estudos para entender o impacto potencial da ruptura de barragens já existentes, e desenvolver planos de emergência para as áreas a jusante. ▲ Devem também ser priorizados projectos que melhorem a capacidade dos ecossistemas e das comunidades que dependem destes de suportar os impactos das mudanças climáticas. Um exemplo que apoiamos é a alteração da actual gestão da Barragem de Cahora Bassa para providenciar uma cheia anual no começo da época chuvosa. Os peritos defendem que isto pode ser alcançado sem qualquer custo na produção de energia, e com grandes benefícios para o Delta do Zambeze, que tem sido fortemente danificado pelas barragens a montante. Isto aumenta também a capacidade da Barragem de armazenar as cheias durante o resto da época chuvosa. Reassentamentos bem sucedidos e processos de restauração de rendimentos só podem acontecer com a compreensão e o envolvimento a tempo das comunidades afectadas. Virtualmente todos os programas de reassentamento de grandes barragens em África falharam na prevenção do empobrecimento das comunidades afectadas. O diálogo é um factor crítico para garantir que aqueles que mais perdem com o desenvolvimento das barragens acabem por ser os principais beneficiários dos projectos. O processo de planeamento de Mphanda Nkuwa deve ser mais transparente e participativo.
Senão, esta abordagem poderá resultar numa repetição dos problemas do passado, e num projecto que acaba por ser um fracasso total. Algumas das recomendações específicas para resolver este problema são: ▲ Começar imediatamente a incluir as comunidades afectadas no processo de planeamento. As autoridades moçambicanas que estão a planear o projecto da barragem devem desenvolver e implementar, com a cooperação das comunidades afectadas e da sociedade civil, um plano para trazer para a mesa as comunidades afectadas no projecto de Mphanda Nkuwa. ▲ A tomada de decisões no projecto deverá ser baseada numa análise completa de todos os assuntos chave, e num processo transparente de partilha de informação. As autoridades do projecto devem publicar agora toda a informação disponível e todos os estudos sobre o projecto. Informação crítica que ainda está em falta do estudo de 2002, como estudos de sedimentos e análises sísmicas, deve ser publicada sem mais demoras. ▲ A corrupção é um grande problema nas grandes barragens. Medidas de protecção como as recomendadas na Comissão Mundial de Barragens e na Transparência Internacional devem ser postas em prática para garantir que a corrupção não influencia o processo de planeamento e construção de Mphanda Nkuwa e futuras grandes barragens em Moçambique. Maior transparência baseada em princípios como “publique o que paga” deve também ser posta em prática em grandes projectos de desenvolvimento como Mphanda Nkuwa. ▲ Antes que Mphanda Nkuwa avance, os problemas das barragens já existentes devem ser resolvidos. Isto inclui avançar com o plano de restaurar fluxos ecológicos na barragem de Cahora Bassa, e estabelecer um processo das várias partes interessadas para resolver outros impactos ainda existentes nas comunidades, indústria e ecossistemas a jusante, resultantes da construção da barragem. Esta conferência foi realizada graças ao apoio de: Intermon Oxfam, International Rivers, Cooperação Francesa, Oxfam Novib e Action Aid. x
Exemplos de barragens em África Negativo
Projecto das Três barragens no Lesotho Um dos maus exemplos em África é o projecto para construção das três barragens (Katse, Mohale e Muela Hydropower) no Lesotho. A construção da barragem de Katse, por exemplo, terminou em 1996, mas depois de cheia, causou sismos de terras. Os fazendeiros que perderam suas terras com o projecto tiveram problemas em restabelecer novas propriedades. Além disso, há pouca terra arável no Lesoto para substituir tudo o que foi perdido. O abastecimento de água começou oficialmente em Janeiro de 1998, suprindo actualmente 30 m³/s de água para a vizinha África do Sul. Ironicamente, Lesoto recentemente precisou de ajuda para alimentar
sua população devido à seca nos últimos anos. Isso porque, apesar de haver imensos reservatórios em seu território, os fazendeiros locais não têm permissão para utilizar a água represada. Positivo
Barragem da Swazilandia Um dos bons exemplos que devem ser seguidos por Moçambique é da barragem de Maguga na Swazilandia. Seu grande diferencial é o envolvimento das comunidades afectadas no processo de reassentamento e planeamento. As comunidades foram “empoderadas” e conseguiram negociar seu reassentamento, além de terem tido um bom suporte de escolas, clínicas médicas e apoio para a actividade agrícola.
Cahora Bassa é nossa! A Justiça Ambiental fica feliz com a aquisição da maior parte do capital social de Cahora Bassa pelo Estado moçambicano. Desde o final de Novembro Moçambique passou a deter 85% das acções e Portugal 15%. Esperamos que nessa nova gestão seja feita uma administração eficaz que beneficie o nosso país e respeite as questões ambientais!
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Existem motivos para a formação de uma liga de protecção aos animais? Entrou, já de coração cortado e com medo da realidade… Entrou por obrigação profissional! Feliz ou infelizmente, o Matadouro Municipal era um local de passagem obrigatória. A teoria sobre os métodos de abate era, dentro do possível, ética e a realidade em nada se enquadrava com o que tinha aprendido…por isso ia presa à vontade de desaparecer. Entrou sem alma, com os olhos abertos mas fechados para a realidade, tentando não olhar para os lados e refugiando-se, enquanto possível, nas imagens vazias daquele local onde a vida é assassinada sem piedade. Lá dentro, dezenas de pessoas circulavam, conversavam, riam, falavam ao telefone e ouviam música, com o relaxar de quem deambula por um mercado ou parque de diversões. E, assim, com toda a naturalidade e paz de alma, acompanhavam todo o processo de abate, chegando por vezes a comandar e impor regras na inspecção. O espectáculo por que esperavam estava prestes a começar!!! De repente, como a chegada de uma “sulada”, que invade a costa, poderosa e dona de si, a temida realidade se lhe entranhou no corpo e rasgou-lhe a frieza que tentava manter…ela, a realidade, vinha já vestida de preto!! Os bovinos foram levados, em fila indiana, pelo corredor da morte. O ar trazia-lhes o cheiro acre a chacina sangrenta e o mugido fúnebre e sofredor dos que iam à frente. Os seus olhos arregalavam-se e as lágrimas escorriam; em alguns, à medida que eram forçados a seguir em frente, com pancadas fortes, inclusive na cabeça. Sim, as lágrimas escorriam-lhes pela face!!! A eles cabia-lhes assistir ao genocídio aterrorizador e ao esvair da vida dos seus, no mar da demência humana!!! Ao fim do corredor, um grupo de pessoas continha o animal assustado, enquanto o tentavam insensibilizar pelo método da choupa1. Entretanto o animal ia sendo perfurado, pelo martelo, sem humanidade, sem respeito, sem sensibilidade e com a simplicidade de um carpinteiro que prega uma madeira… No fim desta primeira etapa, teoricamente, o animal está insensibilizado, ou seja, não sente dor e apenas apresenta alguns reflexos motores, mas, naquele local perverso, esse pormenor parecia não ser importante. Aquele ser indefeso foi então contido, outra vez, por pessoas que cantavam aos berros, num lugar onde o silêncio é obrigatório, pelo menos, em teoria. Nesse momento, a imagem daquele cenário sangrento em nada diferia da que comummente se vê, em locais de trabalho duro, onde filas de homens cantam alto, à medida que carregam objectos pesados. Instintivamente, ELA olhou em direcção ao bovino que, absolutamente consciente, jazia contido e deitado no chão, a espernear desesperadamente. Os seus olhos estavam arregalados e o animal mugia alto, com a boca bem aberta e a língua estendida, enquanto um homem lhe serrava continuamente o pescoço com indiferença. E, assim, como uma pena que desliza suavemente pelos ares, a vida lhe escorreu lentamente por entre a dor e morreu afogada no seu próprio sangue. Ali, por entre as carcaças, as vísceras e o sangue daqueles que sofreram o mesmo ritual nojento e inconcebível, a sua vida foi enterrada pela insensibilidade gangrenada de gente sedenta de carne. Enquanto esperava pela próxima vítima, a morte chapinhava contente nas imensas poças de sangue existentes à volta do seu corpo desonrado, como criança feliz que salta nas poças de chuva. Frente a esta realidade, dentro DELA se fez silêncio…não se ouviu mais o som barulhento da música que esta gente cantava e o mugir agoniado do animal seguinte. Dos seus olhos escorreram lágrimas
que sangraram a impotência dos seus desejos. As garras aguçadas do vazio envolveram-na e dentro dela nada restou, se não a dor brutal da memória de uma morte sem dignidade. Mas, infelizmente, só sente e crê quem vê! Fora do matadouro, a realidade não é diferente. Os animais são geralmente o objecto essencial e o elo mais fraco deste jogo onde todos deveriam ter os mesmos direitos. Diariamente, dezenas de cães e gatos são maltratados de variadas formas, são espancados, apedrejados e morrem de fome e de sede. Habitualmente, cães e gatos são abandonados pelos donos de quem dependem e por quem, muitas vezes, dão a vida se for preciso. E, ao contrário das nossas atitudes, como seres humanos dotados de raciocínio complexo, eles agem instintivamente, oferecendo-nos o que de melhor têm: o seu amor incondicional e a sua presença amiga. Diariamente, em África e pelo mundo fora, milhares de animais de todas as espécies são usurpados do seu habitat natural e atirados para dentro de gaiolas, onde lhes é imposto um novo tipo de vida – a prisão perpétua, usualmente com direito a tortura. Essa é a nossa prenda para eles, pela admiração e adoração que lhes temos!! Concedemos-lhes a mesma vida que incutimos aos guardiães das trevas, feitores de crimes graves e promotores da morte. De um minuto para o outro, estes seres imaculados, são condenados pelo único pecado que cometeram, o de existirem, belos, exóticos e donos de esplendor exuberante. De um minuto para o outro os enclausuramos, por vezes em jaulas escuras, imundas, sem água e sem comida. Da sua vida anterior, nada fica enraizado senão a memória de um passado com asas. Nas nossas savanas, o espectáculo proporcionado pelas diversas espécies e suas variadas formas e cores é frequentemente dilacerado por caçadores furtivos, que exterminam milhares de animais, sob sofrimento intenso e nos mesmos moldes usados no matadouro. No mato, as catanas cantam e dançam sobre o desvanecer da vida. No mato, os animais são amputados vivos, por um dente, um corno ou uma mão…A sua vida é o preço que pagamos para ter em casa o luto alheio como objecto de adorno. Mil páginas não seriam suficientes para espelhar a vida que estes seres têm…!!! Mas um único parágrafo é razoável para lembrar que a fome que sentimos e a falta de meios para viver não justificam nunca os nossos actos cruéis e imperdoáveis!!! Não precisamos de abates desumanos e animais maltratados para sobrevivermos. Pelo contrário, por exemplo, a ausência de stress físico e emocional nos animais de produção é essencial para a qualidade da carne, e a existência de animais bem tratados, amigos, amados é essencial ao nosso bem-estar físico e psíquico, sendo por isso usados, actualmente, em tratamentos de crianças com doenças graves!!! É difícil perceber como é que somos capazes de tantas formas de monstruosidade. Como é que nos conseguimos desligar instantaneamente destes seres que diariamente nos mostram felicidade apenas por nos ver. Entendo menos ainda os que praticam estas barbaridades, quando têm meios económicos para sustentar eternamente os seus animais. É urgente protegermos o nosso património e os seres que nele habitam, de nós próprios. Continuamos ainda a precisar de mais motivos para criar uma liga de protecção aos animais?!!! Mónica Paisx
(Footnotes) 1 Método da choupa – método mecânico e precário de insensibilização, no qual um martelo, em forma de cogumelo, penetra no espaço atlantoccipital (na parte de trás da cabeça), através de uma pancada forte. Este método já não é usado na maioria dos países.
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Breves ★ Breves Breves ★ Breves
Desastres naturais quadruplicaram em 20 anos, diz Oxfam Nos últimos 20 anos, o número de desastres naturais quadruplicou, segundo um relatório da organização Oxfam, que recomenda que os governos e a ONU acelerem a concessão de ajudas humanitárias. O número de pessoas atingidas todos os anos por catástrofes naturais passou de 174 milhões, entre 1985 e 1994, para 254 milhões no período de 1995 a 2004, indica o documento, intitulado Alarme Climático. Desde 1980, a ocorrência de inundações multiplicou-se por quatro, passando de 60 para 240 em 2006, enquanto o número de episódios geotérmicos - terramotos ou erupções vulcânicas - se manteve relativamente estável. A directora da Oxfam, Barbara Stocking, afirmou que é preciso preparação imediata para enfrentar um número crescente de desastres naturais no futuro, pois, caso contrário, os organismos dedicados à ajuda humanitária se verão abarrotados de trabalho e jogarão por terra os avanços obtidos no sector. Fonte: Estadão
Mudanças climáticas são objecto de plano em Moçambique O Governo moçambicano vai aprovar até ao final do ano um plano de acção, com um horizonte de cinco anos, visando fazer face aos efeitos das mudanças climáticas através de acções de mitigação, prontidão e resposta. De acordo com a Vice-Ministra da Coordenação da Acção Ambiental, Ana Chichava, uma das questões tem a ver com a melhoria do Sistema de Aviso Prévio, com o fortalecimento da produção agrária, das zonas áridas e semi-áridas, combate à erosão e consciencialização da população sobre a problemática das mudanças climáticas. Estudos recentes indicam que África é responsável por menos de três porcento das emissões globais de dióxido de carbono desde 1900, no entanto, os seus 840 milhões de habitantes enfrentam alguns dos maiores riscos dos impactos das mudanças climáticas. Fonte: Jornal Notícias
Relatório da ONU pede corte de 80% na emissão de CO2 até 2050 O relatório de Desenvolvimento Humano 2007, divulgado no dia 27 de Novembro, pelas Nações Unidas, cobra dos países desenvolvidos as acções para tentar controlar o aquecimento global e propõe, para os próximos 40 anos, metas muito mais duras do que as definidas no Protocolo do Kyoto. Dos países ricos, a ONU pede uma redução de 80% nas emissões de carbono na atmosfera até o ano de 2050 para que se evite um aumento de mais de 2 graus centígrados na atmosfera terrestre. Aos países em desenvolvimento, pede uma redução de 20% no mesmo prazo. Para controlar as emissões, a ONU propõe cobrar taxas pelas emissões de carbono nos países ricos e intensificar os programas de compra de créditos de carbono - em que um país que excede sua cota pode “comprar” créditos de outro que não alcança a sua -, além de tornar mais rígida a regulamentação para emissão por veículos, construções e equipamentos electrónicos. Fonte: Estadão
Maputo precisa de USD 20 milhões para combater erosão O município de Maputo, capital moçambicana, precisa de 20 milhões de dólares americanos para resolver o problema da erosão costeira do oceano Índico que o ameaça. Enquanto os financiamentos não aparecem, a edilidade está, neste momento, a levar a cabo obras de pequena engenharia numa das zonas críticas, avaliadas em 50 mil dólares. A zona do bairro Triunfo é a mais crítica, e o município decidiu minimizar a situação através de obras de pequena envergadura que iniciaram à poucos dias. A intervenção do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental não passa de projectos que ainda aguardam aprovação do Conselho de Ministros para posterior busca de financiamento no exterior, segundo afirmou vice-ministra do referido ministério, Ana Paula Chichava. Fonte: Jornal O País
O Padrinho Angolano Kristin Reed, Dotourada (Autora de um livro ainda a publicar sobre a situação do petróleo em Angola.)
O mês passado, o Presidente de Angola José Eduardo dos Santos prometeu fornecer a perícia Angolana ao novo sector petrolífero de Moçambique. Mas para evitar a ‘maldição dos recursos naturais’ – onde a riqueza natural contribui para a desigualdade económica, estagnação política, prejuízo ambiental, e conflito social – o desenvolvimento deve ser feito através do povo, não dos recursos naturais. Portanto, os líderes de Moçambique devem avaliar quanta ‘perícia’ querem aceitar de dos Santos e se Angola serve como modelo ideal de desenvolvimento.
em Luanda, onde os executivos da indústria petrolífera arrendam apartamentos espaçosos na orla da baía por 15,000 dólares americanos por mês enquanto as famílias pobres ficam apinhadas em choupanas de dois quartos, na periferia, sem as mínimas condições de higiene e de conforto, por $100 por mês. No entanto, a influência do petróleo é mais insidiosa nas áreas rurais. Agricultores no planalto fértil não podem competir no mercado global porque o petróleo valoriza a taxa de câmbio real, prejudicando assim os termos de troca para a agricultura.
Eleito ao posto do presidente somente uma vez (em 1992), o Presidente dos Santos está agarrado ao poder por mais tempo que o Mugabe no Zimbabwe. Gastando os petrodólares para consolidar o seu poder através das relações de patronagem e a repressão violenta, dos Santos tem reforçado a dependência petrolífera de Angola. Para exemplificar a sua estratégia temos o cessarfogo de Julho de 2006 entre Bento Bembe, o líder expulso da FLEC (o movimento para a independência de Cabinda), e o General Sachipengo Nunda das Forças Armadas Angolanas. As autoridades angolanas tinham preso Bembe e foram-lhe apresentadas as alternativas: a pena de prisão perpétua ou fechar um negócio para autonomia limitada em Cabinda (sem conteúdo determinado, sem qualquer garantia legal ou eficácia política), acrescido dum prémio atractivo e postos governamentais para Bembe e seus amigos. Tão logo Bembe condescendeu, Presidente dos Santos declarou a paz e desdobrou um plano para a extracção do petróleo dos campos inexplorados no ‘onshore’ de Cabinda.
A promessa do ‘sweet crude’ angolano tem apodrecido. Antigos combatentes e crianças, símbolos do futuro e passado de Angola, passam fome, mendigando o pão na rua, apesar da produção petrolífera à taxa recorde de quase 2 milhões de barris por dia em 2007. Os lucros inesperados não alcançam aos pobres. Porquê? Ressaltando a discrepância de $4.2 biliões nas contas públicas descoberto pelo FMI em 2004, muitos angolanos culpam a corrupção.
Angola extraiu mais de 1.5 milhões de barris do petróleo diários em 2006, gerando $16 biliões de dólares de receitas para o governo. O resto da população angolana recebe poucos benefícios desta riqueza petrolífera. Arame farpado circunda as bases industriais e a segurança privada faz a guarda, despedindo os esperançosos que procuram trabalho. Mesmo que o governo de dos Santos tenha grande êxito na ‘Angolanização’ do sector petrolífero através da formação profissional, a indústria precisa de poucos trabalhadores. A companhia petrolífera nacional, Sonangol, emprega menos de 2,000 pessoas e a indústria angolana emprega somente 10,000 no total. Candidatos com melhores índices de educação e formação e com conexões mais altas têm preferência, estando excluída a maioria da população. Embora a taxa de crescimento económico seja de 18.6% em 2006, mais de dois terços da população vive na pobreza. As desigualdades entre os ricos e os pobres são evidentes
Grupos vigias e promotores da sociedade civil exigem transparência e responsabilização na gestão dos fundos públicos, mas fortes subidas no preço do petróleo tem isolado o governo das ameaças pela comunidade internacional e a desaprovação da população. A guerra civil consumiu 27 anos da história angolana e traçou uma cicatriz de terror silencioso no povo, mas corajosos activistas enraivecidos pelos relatórios sobre a corrupção expressam o seu descontentamento. Manifestantes enfrentam repressão, defensores de direitos humanos e jornalistas estão presos, são multados e ameaçados de violência por criticar o governo. A dependência do governo nas receitas petrolíferas está tão entrincheirada que os angolanos, considerados como contribuintes ou cidadãos, não importam mais aos seus líderes. Em 2001, o governo arrasou as casas de famílias empobrecidas numa terra de alto valor em Boavista, e outorgou o contrato de renovação – supostamente para um centro de compras de luxo – a um subsidiário de Sonangol, a companhia nacional de petróleos. Segundo a organização Human Rights Watch, o governo destruiu 3,000 casas e deslocou 20,000 pessoas de terrenos cobiçados em Luanda entre 2002 e 2006. A indiferença do e desprezo governo para com os cidadãos é mais evidente nas zonas da produção petrolífera. Pescadores e agricultores nas províncias de Zaire e Cabinda sofrem os efeitos de regulações ambientais que são débeis, mal aplicadas e sistemática e impunemente violadas. Eles falam da falência
de pesca, da diminuição da produção da castanha de caju, da mandioca e de outras culturas, e queixam-se do surgimento de doenças estranhas que assombram a população. Os pescadores com barcos a motor às vezes conseguem escapar a zona poluída, mas gastam muito na compra de combustível. Uma falta de transparência por parte do governo e das companhias petrolíferas exacerba o problema da poluição. Depois dum grande derrame no ‘offshore’ em 2002, Chevron prometeu construir e equipar um laboratório independente com cientistas formados para monitorar a qualidade da água marinha em Cabinda. O laboratório ainda não foi construído e o governo não permite que cientistas independentes façam avaliações da qualidade ambiental nas zonas petrolíferas. Os pescadores dizem que nem o governo nem as companhias alertam as comunidades locais quando ocorrem derrames – mas sim que os pescadores frequentemente anunciam estes derrames as autoridades provinciais. Os derrames longe da costa podem passar despercebidos pelos pescadores – e por isso ficarem ignorados – apesar dos seus efeitos devastadores nos ecossistemas marinhos. Os efeitos tóxicos de derrames do petróleo são bem conhecidos: os hidrocarbonetos no petróleo crude prejudicam as ecologias marinhas frágeis, dizimam a pesca, e apresentam sérios riscos para a saúde publica. Mesmo assim, as comunidades geralmente ignoram os outros perigos ligados à produção petrolífera. Os testes sísmicos durante a fase de pesquisa têm um impacto negativo na migração das baleias e tartarugas marinhas e provocam a fuga da pesca. A intrusão da água salgada ligada ao processo da extracção – tanto na terra como em campos pertos na ‘offshore’ – é capaz de destruir a agricultura na zona litoral. A disposição final da descarga de perfuração offshore contamina o fundo do mar com metais pesados como mercúrio, que podem atingir seres humanos através do consumo de peixe. Ingerir peixe contaminado com mercúrio pode causar defeitos congénitos, deficiências mentais nas crianças, prejuízo neurológico, perda da memória, e alto risco de ataque cardíaco em adultos. Em resumo, o modelo de desenvolvimento Angolano conduzido pelo petróleo dá um mau exemplo para Moçambique. O Presidente dos Santos aparentemente estima mais a riqueza petrolífera do que o próprio povo angolano. Esta abordagem errónea tem destruído o desenvolvimento democrático em Angola. Moçambique tem a opção de enveredar por outro caminho para o desenvolvimento que valoriza e investe em todos os cidadãos, desde as vendedoras de peixe até o presidente. Independentemente de quaisquer jazigos de recursos que consigam descobrir em Moçambique, um líder prudente sempre terá que ter a capacidade de reconhecer que os Moçambicanos são o recurso mais precioso do país.x
Boas festas! A Justiça Ambiental deseja a todos os leitores do País Verde um Natal repleto de alegrias e um 2008 cheio de paz e prosperidade! Para o próximo ano pretendemos continuar a debater e analisar com profundidade todas as questões que digam respeito ao meio ambiente e ao bem estar da população. Voltamos com muitas novidades em Fevereiro de 2008! Boas festas!
Para todas as crianças Este espaço é dedicado às opiniões, histórias e desenhos, relacionados com o ambiente, das nossas crianças! As crianças hoje são o nosso futuro amanhã, a percepção que tem destas questões é para nós muito importante! Agradecemos que envie para o nosso escritório que sita na Rua de Marconi Nº 110 1º Andar, ou por email para: ja-ngo@tdm.co.mz