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Bérénice

Berenice fugiu um fim de semana só para assistir à peça com o seu nome. Recebera a newsletter do teatro que tinha visitado uma vez em Paris e ficou curiosa. Não procurou versões no you tube ou excertos dos versos em português. Fez uma pesquisa sobre o texto e o autor e desafiou o namorado para um fim de semana diferente, uma forma de celebrar o 14 de fevereiro. Ele não se chama Titus. No entanto, tem sempre muitas reuniões e decisões a tomar. Seria assim nesse fim de semana, como nos últimos cinco anos. Sem chegar a gerir um império, o seu Titus tem sobreposto o poder ao amor. De alguma maneira, Berenice sabia que não podia exigir mais. Também já tinha passado por fases em que só via os processos que lhe cobriam a secretária. O poder não era exercido no seu interesse ou para ganhar mais dinheiro, era exercido em nome do povo. De todo o modo, um sentido de urgência que demorou a conciliar com a sua vida pessoal, mas que ao fim de alguns anos alcançou.

A nossa Juíza comprou a viagem e aterrou no Charles de Gaulle. Apanhou um táxi, sozinha. A sala estava cheia. As palavras começaram a soar. A grandiosidade dos textos clássicos manifesta-se ao vivo, na beleza das palavras ditas por atores que as entregam ao público prontas a degustar. A grandiosidade dos textos clássicos está na forma como se persente a vida de todos os dias, quando cada espectador, trezentos e cinquenta anos depois, se consegue identificar com a personagem e fazer com ela a viagem. Berenice fez a viagem de um fôlego, antecipando, melancólica, o que iria acontecer quando regressasse a Lisboa, a separação de vidas que já eram incompatíveis.

Como não tinha lido os 1507 versos, foi surpreendida com a reação que a personagem teve à separação que lhe era imposta. Não pôs fim à vida. Escolheu viver.

- Je vivrai, je suivrai vos ordres absolus. Adieu, Seigneur, régnez, je ne vous verrai plus (1493, 1494) – Bérénice, ob. cit.

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