Publicação da Escola Despertar
REVISTA
Despertar
“Olhar, imaginar, construir o futuro com os olhos das crianças” ALDO FORTUNATI
ENTREVISTA Aldo Fortunati Confiança, oportunidade, tempo AUTORES CONVIDADOS Alice Proença Bruna Ribeiro Ferruccio Cremaschi
Número 4 | Ano 4 | Dezembro de 2021
Sumário
EXPEDIENTE EQUIPE DIRETIVA Andrea de Souza Juliana Abulé Prudencio Juliana Johannpeter Friedrich Paula Baggio CONSELHO EDITORIAL Equipe Diretiva Despertar EXECUÇÃO E PRODUÇÃO EDITORIAL Deliamaris Fraga Acunha Revisão Ortográfica Julia Wilhelm Design gráfico Sergio Zenoni Acervo da Despertar 2.000 exemplares Tiragem Envagraf Impressão
vindas 3 Boas • Juliana Friedrich e Paula Baggio
4 Editorial • Andrea de Souza e Taís Oliveira para 2041 6 Carta • Andrea de Souza AUTORES CONVIDADOS
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“Experiências que acolhem, o acolhimento que sensibiliza” • Alice Proença
escuta como matéria prima da pedagogia da(s) infância(s) 11 A• Bruna Ribeiro jogo entre as partes 13 O • Ferruccio Cremaschi ENTREVISTA com o autor de Confiança, oportunidade e tempo 16 Entrevista • Entrevista com Aldo Fortunati RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
23 Banco de palavras • Juliana Abulè
24 O Corpo lúdico na sala de aula contemporânea • Fabiane Etges
26 A importância do desenho no processo de desenvolvimento da criança • Joyce Conceição e Verônica Borges
compartilhada: um lugar ao qual não estamos acostumados 28 Docência • Jéssica Eufrasio e Micaela Alves oásis de calma 30 Nosso • Fernanda Osório REFLEXÕES E PESQUISAS
32 Educar-se para Educar: Despertando novas possibilidades para a educação das crianças! • Daniela de Abreu
36 Matriz socioemocional: sendo e desenvolvendo uma humanidade compartilhada • Juliana Abulè, Lindsay Guimarães e Luanna Taborda
FALE CONOSCO (51) 3388-4238 | (51) 3388-8830 despertar@escoladespertar.com.br www.escoladespertar.com.br
da Motivação na Aprendizagem 41 Implicações • Daniella Marrone a crianca está preparada para qualquer "escola dos grandes"? 43 Toda • Rochelle Fonseca e Luiz Rohde NARRATIVAS POÉTICAS - 20 ANOS DE DESPERTAR Narrativas poéticas - 20 anos integrando estudo e a ação
47 • Juliana Abulè , Cleo Medeiros, Leonardo Cabral, Marina Viegas e Priscila Faleiro poéticas - 20 anos deixando marcas em nossos alunos 51 Narrativas • Marina Viegas, Sophie Sel, Rafaela Baggio Xavier
@despertareducacaoinfantil Rua Armando Pereira Camara, 110 Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
poéticas - 20 anos Da Despertar para o mundo 54 Narrativas • Patricia Simonetti, Claudia Amarante, Cristine Quadros poéticas - 20 anos de parceria com a comunidade: um lugar de inclusão 59 Narrativas • Vanessa Pereira GALERIA DA COMUNIDADE DESPERTAR
61 20 anos de história 64 Momentos que marcaram 2021
Boas vindas Querida comunidade, Esse ano de 2021 é muito especial para a Despertar! Há exatos 20 anos, o nosso sonho em oferecer um espaço de qualidade que promovesse o desenvolvimento integral da criança se tornou realidade. Ao longo desses anos, com o trabalho e a dedicação de uma equipe profissional e sensível, a escola foi ganhando força, e nossos desejos foram sendo ampliados. Hoje, sonhamos com um espaço que - além de ser um projeto educativo comprometido com as infâncias - proporcione à comunidade oportunidades de trocas de experiências, estudos e vivências que contribuam para o desenvolvimento pessoal e profissional dos adultos envolvidos com a educação das crianças, educadores e pais. Entre tantos sonhos que nos abastecem e nos fortalecem, está o comprometimento com a comunidade local, com a educação não só dos nossos alunos, mas de todas as crianças, com a formação profissional dos educadores desse imenso Brasil e com a sustentabilidade do planeta. Para garantir que as práticas e saberes adquiridos ao longo desses 20 anos sejam compartilhados com a comunidade, organizamos, através da gestão do conhecimento, a promoção de documentações, publicações e participações em eventos de formação que divulguem nossas pesquisas relacionadas à infância. Esse compromisso de disseminação do conhecimento fortalece a nossa crença de que é possível promover uma cultura da infância com olhar sobre suas potências e protagonismo, transformando a educação de um país. Temos uma enorme gratidão em poder contar com uma comunidade tão plural, consciente e dedicada. Que se engaja neste sonho comum de transformação e de desenvolvimento.
com carinho, Juliana e Paula
Que o conteúdo e imagens presentes nesta quarta edição da nossa revista inspire afetos e ações para um trabalho ainda mais qualificado junto às suas famílias, colegas, crianças e comunidades.
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Juliana e Paula
Editorial A quarta edição da revista Despertar comemora especialmente os 20 anos de existência da nossa escola, e este momento nos remete a pensar sua trajetória e relacioná-la com o título do livro CONFIANÇA, OPORTUNIDADE, TEMPO, lançado este ano por Aldo Fortunati e traduzido pela nossa diretora Paula Baggio. Fortunati, o entrevistado desta edição, nos faz refletir sobre a capacidade da criança de interpretar o mundo de forma curiosa e criativa. Ele destaca que o educador tem papel fundamental na construção de condições que favorecem o protagonismo ativo das crianças nos processos que levarão ao desenvolvimento de suas relações, seus conhecimentos e sua aprendizagem. A Despertar nasceu de um sonho de tornar a educação da primeira infância um lugar de qualidade, respeito e escuta. A CONFIANÇA, princípio fundamental na relação com nossa comunidade, foi constituída através de OPORTUNIDADES, que agregaram nossas experiências, e do TEMPO, que foi nosso aliado na construção de nossa identidade. OLHAR, IMAGINAR, CONSTRUIR O FUTURO COM OS OLHOS DAS CRIANÇAS é o tema da nossa edição, traduzido através da imagem da capa que nos inspira a vislumbrar a partir do olhar do Vicente um futuro promissor. Nossas diretoras, Juliana e Paula, nos recebem com um lindo relato de boas vindas, destacando a dedicação da equipe fortalecida a partir de um trabalho que hoje, além de ser um projeto comprometido com as infâncias, proporciona à comunidade trocas de experiências, estudos e vivências, oportunizando uma cultura de infância com olhar sobre suas potências e protagonismo. Andrea de Souza, nossa coordenadora pedagógica, instiga-nos a pensar sobre o futuro. Como estará a Despertar em 2041? Através de uma carta, ela conta sobre este espaço e compartilha alguns momentos vividos até aqui. Entre os autores convidados, Alice Proença nos faz refletir sobre o papel do adulto na infância, a importância de termos uma escuta com acolhimento sensível às crianças. Em um texto sobre as abordagens participativas, Bruna Ribeiro destaca o compromisso com o diálogo e com a participação de todos os envolvidos no processo educacional. Ferruccio Cremaschi convoca o compromisso que todos nós, como responsáveis pelas crianças, devemos ter, a fim de garantir os direitos e necessidades dos pequenos. A seção Relato de Experiências inicia com o Banco de Palavras que foi desenvolvido pela equipe de psicologia da nossa escola no período de pandemia, para cuidar de quem cuida, pois garantir a palavra e a escuta e construir um legado de relacionamentos seguros sempre foram princípios que alicerçaram nossas ações e propostas. Fabiane Etges, professora psicomotricista, apresenta um pouco de sua história e de sua trajetória de formação acerca da educação e da importância da escuta e da percepção da criança de forma integral. As professoras Joyce Conceição e Verônica Borges destacam, em seu texto, a
importância do ato de desenhar, seja em momentos livres ou com intervenções significativas planejadas previamente pelo educador. Já suas colegas Micaela Alves e Jéssica Eufrásio optaram por apresentar a docência compartilhada, seus desafios e riquezas. Fernanda Osório, mãe do aluno Martin, reflete sobre a escola, relacionando-a a um oásis de calma e ao ditado africano o qual afirma que, para educar uma criança, é necessário uma aldeia. Em Reflexões e Pesquisa, a educadora Daniela de Abreu nos convida a pensar sobre como criar nossos filhos numa perspectiva respeitosa, remetendo à esperança de uma sociedade melhor. Juliana Abulé, Lindsay Uellner e Luanna Taborda abordam os benefícios de ter uma matriz de desenvolvimento socioemocional bem desenhada, a fim de aproximar o conteúdo da experiência através de uma comunicação que traduza a realidade de que “a escola é feita de pessoas, sendo imprescindível assegurar um ambiente de relações saudáveis”. A doutora Daniela Marrone fala sobre as implicações da motivação na aprendizagem e como ela se desenvolve com base no desejo do indivíduo. As Narrativas Poéticas 20 anos estão divididas em 4 seções que evidenciam histórias de quem fez e faz parte da escola, seja como estagiário, aluno e colaborador. Histórias que resgatam memórias e fortalecem a vida pessoal e profissional de todos até hoje. Estagiários de psicologia retratam a interação entre escola e universidade como forma de ampliar os saberes a partir das oportunidades cotidianas de encontro e interação com a cultura da infância. Ex-alunas descrevem a emoção de terem feito parte das primeiras turmas da Despertar, suas memórias e a emoção de hoje estarem atuando como membros da equipe da escola. Professoras que fizeram parte de nossa equipe e que hoje atuam na educação das crianças em diferentes partes do mundo recordam alguns momentos maravilhosos vividos com as crianças e com os adultos que compõem a comunidade Despertar e se referem à escola como um local de vivências e de aprendizagens para a vida toda. Vanessa Pereira, nossa recepcionista, conta sobre os caminhos percorridos desde 2008, quando a Despertar tornou-se um lugar muito especial em sua vida, transformando-se em palco de crescimento e amadurecimento pessoal e profissional. A galeria que homenageia os 20 anos de história da Despertar apresenta algumas das inúmeras recordações que fizeram parte de nosso percurso, enquanto a galeria 2021 traz momentos importantes e marcantes deste segundo ano vivenciando as restrições da pandemia e os desafios para a retomada das atividades presenciais. Desejamos que as leituras e as imagens presentes nesta edição especial abasteçam, enriqueçam e fortaleçam o respeito pela infância e tudo que ela nos proporciona. Boa leitura!!! Andrea de Souza e Taís Oliveira
Carta para 2041 Prezado e aguardado 2041, espero que essa carta te encontre bem. Que a vida na Terra esteja mais tranquila, que a natureza esteja se recuperando e que as crianças de 2021 estejam contribuindo para uma existência de paz e de alegria. Que esses 20 anos que precisaremos percorrer até chegar em 2041 sejam de muitas aprendizagens, sensibilidade e crescimento. Para chegar até você, ano de 2041, muitas histórias e muitas experiências foram vividas, cada giro da Terra em torno do Sol, cada nascimento de uma nova vida no planeta foi necessário, todos os mínimos gestos de cuidado foram importantes. Escrevo para você enquanto as crianças de 2021 estão conversando no refeitório, enquanto se alimentam, vivem esse momento da rotina, repleto de afeto e de descobertas coletivas. As vozes delas disparam lembranças das muitas histórias da Despertar. Quantas histórias vividas cabem em 20 anos? Quantos sonhos, experiências, sorrisos, percursos, aprendizagens e relações foram construídos? Vou contar um pouco do que percorremos até aqui e o muito que ainda desejamos viver. Foi no desejo de viver as infâncias em sua inteireza que nasceu a Despertar em 18 dezembro de 2001, após um caminho percorrido por suas ges(tantes)toras com muita entrega, cuidado, expectativas e afeto. A infância do Dudu1 foi tempo de brincar com a extensão e a intensidade de uma infância simples, uma infância de quintal. Um quintal no qual cabiam escaladas, pé na lama, riso solto, moradia de insetos, construções, cidades e cenários a partir dos elementos que ali se encontravam. Uma infância de fantasias, representação de papéis onde o faz de conta e a função que cada um teria eram suficientes para ocupar a tarde toda com narrativas e sonhos. O Dudu viveu experiências significativas nesse brincar ao construir significados e constituir propósitos, e seus amigos foram parceiros fundamentais, pois, com eles, inauguraram os sentidos de coletividade e de cidadania. O tempo, as ideias, a troca e a experiência serviam como elemento fundante de suas estruturas e assim procuravam compreender o mundo e as ações humanas do cotidiano. Assim, no faz de conta todos, desejavam algo e apostavam no possível de ter uma solução criativa para ser, ter e viver o que se desejava, já que eram esses enredos ou situações que atribuíam significados diversos às vidas que ali pulsavam. O brincar era a função divertida naquele local, e assim o Dudu se apropriava do mundo nas possibilidades do seu quintal. Os adultos que ali estavam, fizeram daquele espaço um laboratório do aprender e, instigados pela curiosidade, desejo e brilho no olho de cada infância ali presente, foram-se constituindo educadores. * O Dudu cresceu e, em 2021, completou 20 anos, carregando a criança que brincava no quintal em suas diferentes formas de experimentar e representar o mundo. A organização participativa e, em parceria com as crianças e com as famílias, tornou-se uma forma eficiente de favorecer a interação a partir das diferentes propostas que pensa a infância e seus componentes, as crianças, como elementos que mudam constantemente e permitem sua evolução e transformação histórica. Nesse local habitado por pesquisas e estudos acerca da infância, surgiram espaços de convívio em que as crianças participavam ativamente da vida coletiva, tendo sua opinião e sua voz como elementos fundamentais para constituir espaços efetivos de experiências, intervenção, curiosidade e relações. 1O
apelido Dudu foi dado pelas crianças que, em um dia em roda, estavam cantando e esta canção brincava com o nome dos que estavam presentes naquele dia. Em um momento, uma das crianças citou o nome Dudu e, quando a professora questionou quem era, já que não havia nenhuma criança com este apelido, as crianças apontaram para o boneco de seus uniformes e disseram que este era o Dudu e assim surgiu o apelido do nosso mascote da Despertar. Hoje, as crianças se referem à Despertar carinhosamente como o Dudu.
Nestes 20 anos, a Despertar continua sendo um espaço instigante, com brinquedos e elementos que acolhe e convida a brincar, pesquisar, mexer. Junto com as crianças, os educadores perceberam que a constituição de um ambiente não diz respeito apenas ao seu aspecto espacial, mas com o modo como ele é habitado. E como é ser professor em um local habitado por histórias tão distintas e desejos? Cotidianamente, os educadores se desafiam em suas reflexões, que se tornam decisivas para as formas e escolhas que farão para resolver as situações e desafios que enfrentarão. As infâncias foram tomando formas aos olhos de cada educador e o dar-se conta foi essencial em cada percurso, entendendo a escola das infâncias onde cada criança é uma parte do conjunto de infâncias que constroem e enriquecem este espaço assim como os elementos que cada uma traz possibilitam a construção de diversas e qualificadas aprendizagens. E, nessa interação, tem papel fundamental o contato das crianças umas com as outras, algo essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem. Muito além disso, a Despertar é repleta e se constitui dos itinerários, ou seja, das experiências de cada criança que faz parte dela, por isso as descobertas, as interrogações e os desejos delas são constituidores do nosso cotidiano. É também um espaço constituído e constituidor das infâncias, do cuidado/educação, da participação e das culturas infantis. Nesse lugar habitado por famílias, educadores e crianças, inaugurou-se um olhar pautado no respeito à diversidade que constitui os indivíduos que ali transitam. Educadores que privilegiam e respeitam as diversas formas de se constituir criança, compreendendo e respeitando o tempo de cada uma delas. O Dudu que brincava no quintal hoje continua aprendendo e se constituindo escola a partir das palavras, gestos, sorrisos e olhares de cada um que aqui habita. E quanto cabe em mais 20 anos? Como estará o Dudu? Sabemos que nestes 20 anos, o tempo trouxe algumas respostas e muitas perguntas. Respostas que oportunizam experiência, caminhos e sentimento de gratidão; perguntas que lhe impulsionam, comovem e renovam e a certeza de que, antes de ser belo, há de ser terno. Lanço as palavras desta carta para você ano solar de 2041, e que a generosidade do tempo mantenha as infâncias e os sonhos de nossas crianças nos adultos que eles serão quando te encontrarem.
Andrea
DE SOUZA Coordenadora Pedagógica da Escola Despertar
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AUTORES CONVIDADOS
A ESCUTA QUE ACOLHE, O ACOLHIMENTO QUE FAVORECE A ESCUTA:
Alice*
PROENÇA
RELAÇÕES AFETIVAS PROMOTORAS DE APRENDIZAGENS.
“Sem emoção não tem aprendizagem. É na busca de sentidos, no brilho nos olhos que uma criança se preenche de conhecimentos” Imagem: Acervo Despertar
AUTORES CONVIDADOS
Loris Malaguzzi, articulador da abordagem italiana de Reggio Emilia para a educação infantil, reconhecida internacionalmente como uma experiência de sucesso, constrói sua filosofia educacional após o término da Segunda Guerra Mundial. Tem como base o valor que atribui à reciprocidade das relações humanas, às ações compartilhadas entre a comunidade e a escola, em especial, na visão de que todos os sujeitos são especiais e têm muito a contribuir na construção de aprendizagens significativas. Parte de uma imagem de criança competente, forte, com desejo de conhecer o mundo e a cultura a que ela pertença, capaz de expressar-se por meio de cem linguagens, diferentes modos de se comunicar e de explorar tudo aquilo que deseja conhecer, ou que a intrigue e que desafie sua curiosidade. Para isso, destaca a importância do papel dos adultos e demais crianças com os quais ela conviva cotidianamente e que estejam disponíveis a entrar em relação, escutar o que ela deseja comunicar e criar contextos para suas brincadeiras exploratórias. Sua abordagem educacional é chamada de Pedagogia da Escuta e das Relações Humanas, com princípios pautados em valores éticos, estéticos e políticos, os quais serão abordados mais adiante. Escutar é um verbo ativo, que vai além de uma simples audição, “representa ouvir o pensamento - ideias e teorias, questões e respostas das crianças e dos adultos; significa tratar o pensamento de forma séria e respeitosa; significa esforçar-se para extrair sentido daquilo que é dito, sem noções pré-concebidas sobre o que é certo e apropriado (Rinaldi,2012:43)
Portanto, escutar o outro representa uma postura ética e afetiva de demostrar um interesse genuíno no que ele quer saber, investigar, experenciar, em especial, compartilhando trocas interativas que contêm a possibilidade de gerar novos conhecimentos para todos os envolvidos. A escuta vai além de uma percepção sensorial aliada à visão, ao tato, ao paladar e ao olfato, tornando-se uma postura compromissada de alguém que se envolve e se encanta com as curiosidades das crianças. O educador assume uma atitude de observador atento, curioso, que aposta na potência do que vem da criança em suas experiências cotidianas. Segundo Christian DUNKER, a habilidade socioemocional que condiciona todas as outras é a escuta. ESCUTAR é sair de si, despojar-se de sua posição de
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autoridade e de poder, ir ao lugar do outro, ver as coisas do ponto de vista do outro, reconhecê-las em si, ser afetado por isso e fazer algo. Num exercício de empatia, juntos, educadores e crianças, descobrem novos modos de conviver, de pesquisar e de se apropriar da cultura na qual estão inseridos. A postura de escuta do educador em relação às crianças e suas famílias, aos demais educadores e à comunidade parte de uma abertura afetiva e cognitiva do educador, que acolhe a potencialidade do ser humano, que constrói conhecimentos e ressignifica aqueles de que já se apropriou ao longo de sua vida, no momento em que se sente acolhido para vivenciar desafios, provocações e novas aprendizagens. São tempos e espaços construídos coletivamente para acolher o outro a partir do valor atribuído ao que o outro tem a me dizer: “conte para mim a sua história, brincadeira, pergunta e pensamentos que juntos vamos descobrir!”. Educadores que acolhem e que são acolhidos fortalecem relações de cumplicidade e de interesses compartilhados no coletivo, construindo a possibilidade de um grupo que aprende e ensina o tempo todo, no cotidiano da escola. A escuta sensível relaciona-se com a observação do educador ao que as crianças fazem, dizem, percebem, demonstram sentir. Essa atitude requer a presença atenta e por inteiro do adulto, a atenção a detalhes, o registro das observações para interpretá-las e devolver às crianças, por meio de novas perguntas desafiadoras, ou na construção de contextos de aprendizagens para que vivam suas experiências. A devolutiva do educador, de uma forma ou de outra, mostra à criança o valor atribuído ao que ela quer saber, acolhendo suas pesquisas, fortalecendo sua autoestima. As brincadeiras espontâneas de “faz de conta” das crianças, seus jogos simbólicos de apropriação de mundo, revelam suas formas de interpretar as situações nas quais estão inseridas e os significados a elas atribuídos. Da mesma maneira, suas narrativas também revelam seus desejos, curiosidades e conflitos, transformando-se em potentes campos de escuta e acolhimento para as propostas que são feitas nos projetos desenvolvidos na educação infantil. As “cem” linguagens expressivas da criança, como Malaguzzi as nomeava, apontam a música, a arte, a literatura, entre outras, como caminhos de comunicação e expressão da criança para conhecer o mundo. Muitas vezes, o vínculo do educador com seu grupo permite que as interpretações possam ser feitas, pois são experiências significadas a partir de um convívio diário, enriquecido pelas observações e pelos registros dos educadores.
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Imagem: Acervo Despertar
Com esse mesmo olhar, adultos precisam de acolhimento e de escuta sensível para suas questões, dúvidas, conflitos, angústias e encantamentos a fim de dar continuidade às pesquisas e investigações em busca de qualificação da própria docência. Como afirmava Wallon, somos geneticamente sociais e precisamos dos outros para nos acolher e problematizar nossas ações, num convívio harmonioso com a diversidade de posturas e pontos de vista para potencializar, respeitosamente, a aprendizagem e novos conhecimentos. A ética se mostra um princípio norteador de relações de convívio e um convite à participação de todos na vida social.
A escuta e o acolhimento sensíveis podem vir a promover aprendizagens significativas e dar visibilidade às relações humanas, nas quais há um interesse verdadeiro pelo bem-estar de todos que compõem o grupo, de tal forma que se fortaleça uma ciranda formativa capaz de ressignificar as ações cotidianas, criando novas oportunidades para viver em sociedade. A escuta que acolhe e o acolhimento para escutar fortalecem a oportunidade do encontro entre crianças e adultos com a cultura, função social da escola que cuida e que educa com a intenção de oportunizar aprendizagens com sentido para todos.
Dunker, Christian. Thebas, Claudio. O Palhaço e o Psicanalista. Como escutar os outros pode transformar vidas. São Paulo: Planeta Brasil, 2019 Rinaldi, Carla. Diálogos com Reggio Emilia. Escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2012
* Alice Proença é doutora em Educação e Currículo pela PUC/SP, mestre em Didática pela FE-USP,
historiadora. Fundadora do GEP, grupo de estudos sobre projetos na abordagem de Reggio Emília, professora da pós graduação do Instituto Singularidades, e coordenadora do projeto Paz se faz com Arte em parceria com MAM e Aliança pela Infância. Autora do livro Prática Docente e de artigos em revistas especializadas. Avó de 4 tesouros.
AUTORES CONVIDADOS
A ESCUTA COMO MATÉRIA-PRIMA DAS ABORDAGENS PARTICIPATIVAS
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Bruna* RIBEIRO
Significa nos despirmos de todos os aparatos e modismos pedagógicos e nos questionarmos sobre o que há de mais essencial e fulcral na pedagogia. Nessa perspectiva, as pedagogias de matriz participativa oferecem um grande contributo em nossa busca por respostas ao situar os sujeitos e as relações como o âmago desse modo de pensar/fazer educação. As pedagogias de matriz participativa, ao se centrarem nos sujeitos e nas relações, estão comprometidas com a restauração do diálogo e da participação, em contraposição ao monólogo e ao silêncio, provenientes da pedagogia transmissiva. A instauração no cotidiano de uma pedagogia coerente com a imagem de criança potente, capaz, produtora de cultura pressupõe a desconstrução da Pedagogia Transmissiva, ainda fortemente arraigada na cultura escolar brasileira, e o fiar cotidiano de uma pedagogia dialógica e participativa.
Imagem: Acervo Despertar
Nós adultos falamos muito sobre as crianças, mas pouco com as crianças e, sobretudo, as escutamos menos ainda. (MALAGUZZI, 1994, p.55)
Em tempos de transição de paradigmas, tempos difíceis de entender e de percorrer, como os atuais, é fundamental voltarmos às coisas simples e à nossa capacidade de formular perguntas simples, como afirma Boaventura Sousa Santos (2008). E o que significa retornar à simplicidade (esta entendida como “o último grau da sofisticação”, como postula Da Vinci), às coisas simples, mas fundamentais no âmbito da Educação Infantil?
No entanto, esse fiar cotidiano só pode ser feito se confiamos nos outros... Confiar, no sentido etimológico da palavra, significa exatamente isso: me fio no outro. Segundo Vergara (2012), “a participação exige confiança nos outros”, confiança de que todos os sujeitos envolvidos no processo educativo são capazes e têm uma contribuição a dar, sejam os profissionais, as crianças, as famílias ou a comunidade. A educação é uma tarefa participativa por excelência, é preciso haver propósitos compartilhados, é preciso haver a participação de todos, inclusive das crianças, desde bebês. Se eu confio que as crianças são capazes, potentes, eu propicio que elas sejam coconstrutoras do processo educativo. E isso só é possível se aprendermos a escutá-las. Uma escuta, entretanto, que vai além de nosso sentido auditivo para estar relacionada a uma disponibilidade permanente em relação à fala do outro, às
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AUTORES CONVIDADOS
ações, aos gestos e às diferenças do outro. Escuta como sinônimo de disponibilidade e de acolhimento. A escuta autêntica é ativa e não meramente contemplativa, nem se restringe a ações e momentos pontuais, e sim se caracteriza como uma atitude permanente e cotidiana que nos leva a compreender como as crianças pensam, sentem, desejam, resolvem conflitos, fazem teorias; por conseguinte, é um elemento essencial para melhor conhecermos as crianças. Nesse sentido, a escuta é entendida como a matéria-prima essencial não só da ação pedagógica, mas da própria Pedagogia da(s) Infância(s), uma pedagogia necessariamente participativa.
Escutamos para ajudar as crianças e a nós mesmos no processo de crescimento e de transformação (transformação para melhor, como nos lembra Bondioli). Nesta perspectiva, a aprendizagem da escuta se torna condição sine qua non para todos aqueles e aquelas que almejam uma pedagogia que atue no sentido do respeito às crianças e às suas infâncias. Escutar é derrubar o muro que separa os adultos das crianças.
Hoyuelos (2009) nos alerta que, sem escuta, o adulto perde as ferramentas imprescindíveis de seu trabalho, ou seja, perde a capacidade de se assombrar, de se maravilhar, de refletir e a alegria de estar com as crianças. Assim, se não aprendermos a escutar as crianças, será difícil (senão impossível) compreendermos o papel da educação infantil e o significado da docência nessa etapa da educação. E aqui usamos uma expressão chave: aprender a escutar. Sim, porque a escuta também é uma atitude que precisa ser aprendida, refletida, estudada, debatida e, principalmente, vivenciada. A escuta como matéria-prima está comprometida com a qualificação da práxis pedagógica e com a instituição dos direitos da criança no cotidiano, reconhecendo crianças e adultos como coconstrutores de significado.
Imagem: Acervo Despertar
HOYUELOS, A. La ética en el pensamento y obra pedagógica de Loris Malaguzzi. Barcelona: Octaedro, 2009. MALAGUZZI, L. Tribute to Loris Malaguzzi, Young children, jul, 1994. RIBEIRO, Bruna. A escuta como matéria-prima das Pedagogias Participativas: a construção de saberes praxiológicos de uma pedagogia que escuta (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo/USP, 2021. ______________. A escuta como matéria-prima das Pedagogias Participativas (no prelo). São Carlos: Pedro e João Editora, 2021 (no prelo). SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2008. VERGARA, O. R. A participação como maneira de viver a Educação Infantil. Infância Latinoamericana: Revista digital da Associação de Professores ROSA SENSAT, n. 4, abril/2012.
* Bruna Ribeiro é Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialista em educação Infantil. Atuou como consultora da Divisão de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, MEC, UNESCO e em diversos municípios brasileiros. Atuou como pesquisadora na Fundação Carlos Chagas e atualmente pesquisa as possibilidades da participação e escuta de crianças, desde bebês, na educação infantil. Coordena o Centro de Estudos e Pesquisas Pachamama, um espaço de (trans)formação educacional.
AUTORES CONVIDADOS
O JOGO ENTRE AS PARTES Il gioco delle parti
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FERRUCCIO* CREMASCHI
Imagem: Acervo Despertar
A criança não nasce sozinha e não vive em uma proveta: falar sobre a condição infantil é trazer esse assunto para a pauta e envolver fortemente as instituições, os pais, os educadores e os estudiosos em um extenso trabalho de discussão e de verificação.
Il bambino non nasce solo e non vive in una provetta: parlare della condizione infantile è mettere in gioco e coinvolgere in un ampio lavoro di discussione e verifica le istituzioni, i genitori, gli operatori, gli studiosi.
Retomo, neste artigo, o título do editorial que há 45 anos inaugurou o primeiro número da "Zerosei", a revista fundada ao lado de Loris Malaguzzi e Francesco Tonucci. Ao reler o artigo depois de tanto tempo, descobri que os conceitos permanecem fundamentais e úteis e se prestam a uma reflexão que ainda hoje é relevante.
Riprendo il titolo dell’editoriale con cui 45 anni fa si apriva il primo numero di “Zerosei”, la rivista fondata con Loris Malaguzzi e Francesco Tonucci. Rileggendo l’articolo a distanza di tempo, trovo che i concetti restano fondamentali e utili e si prestano a una riflessione tuttora attuale.
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AUTORES CONVIDADOS
Lidar com a infância requer uma escolha básica: é fundamental assumir um projeto específico, tomar partido (o das meninas e dos meninos) e se comprometer a desenvolver esse projeto, apoiando-o e adaptando-o de modo que ele seja viável em suas articulações. Podemos inspirar-nos no pensamento dos que nos precederam, dos grandes mestres da pedagogia, mas, sobretudo, devemos trabalhar e dialogar com o nosso grupo específico, com a equipe com quem partilhamos o projeto. E, acima de tudo, devemos estar abertos e dispostos a nos questionar, a acolher vozes, opiniões, percepções que surgem com o andamento do projeto.
Occuparsi di infanzia richiede una scelta di fondo: chiede di assumere un progetto preciso, schierarsi da una parte (quella del/della bambino/a) e impegnarsi a sviluppare questo progetto, a sostenerlo e a declinarlo nelle sue articolazioni. Possiamo ispirarci al pensiero di chi ci ha preceduto, ai grandi maestri della pedagogia, ma dobbiamo soprattutto lavorare e dialogare con il nostro gruppo di riferimento, con l’équipe con cui condividiamo il progetto. E soprattutto, dobbiamo essere aperti e disponibili a rimetterci in discussione, ad accogliere voci, pareri, intuizioni che nascono dal procedere del progetto.
O "jogo" envolve o risco de que a escolha inicial se torne demasiadamente intensa, de nos fecharmos num sistema estático, que se torna abstrato porque perde de vista os destinatários (as crianças reais que estão presentes todos os dias com a sua personalidade, as suas necessidades, sua evolução, crescimento, mudança). O olhar não pode estar voltado para as instituições, ainda que boas e necessárias, mas para a criança que as frequenta. O nosso "jogo" deve, então, levar em conta e envolver todos os que estão ao redor da criança como tutores, como defensores, mas também como agressores, como exploradores. Temos que envolver pais, administradores, urbanistas, educadores, policiais, médicos... Na educação você não pode copiar. Buscam-se experiências, orientações, opiniões a serem confiadas à verificação e à tradução da práxis de cada um.
Il “gioco” comporta il rischio che la scelta iniziale diventi troppo assorbente, di chiuderci all’interno di un sistema statico, che diventa astratto perché perde di vista i soggetti destinatari (i bambini reali che sono presenti ogni giorno con la loro personalità, le loro esigenze, il loro evolversi, crescere, mutarsi). L’occhio non può essere puntato sulle istituzioni, pur buone e necessarie, ma al bambino che le utilizza. Il nostro “gioco” deve allora tener conto e coinvolgere tutti coloro che stanno intorno al bambino come tutori, come difensori, ma anche come aggressori, come sfruttatori. Dobbiamo coinvolgere i genitori, gli amministratori, gli urbanisti, gli educatori, i vigili urbani, i medici… In educazione non si può copiare. Si ricercano esperienze, orientamenti, opinioni, da affidare alla verifica e alla traduzione della prassi di ciascuno.
O profissionalismo do educador estará presente: • no espaço reservado à experiência direta que surge na prática e nas instituições; • na circularidade e troca de ideias e informações; • no conhecimento das condições de trabalho, organização educacional e problemas sindicais; • no confronto das intuições e das questões; • na reflexão sobre os problemas da socialização dos conteúdos e métodos (e sobre as formas e possibilidades de inová-los) e sobre questões da participação dos pais e cidadãos; • na verificação das interações culturais alcançadas ou alcançáveis com o ambiente físico e cultural; • e principalmente na discussão sobre o quadro de referências dos valores educativos que competem às crianças e que podemos condensar em termos de felicidade, liberdade e responsabilidade.
La professionalità dell’educatore sarà lo spazio riservato: • all’esperienza diretta che nasce nella pratica e nelle istituzioni; • alla circolarità e allo scambio delle idee e delle informazioni; • alla conoscenza delle condizioni di lavoro, dell’orga nizzazione didattica e dei problemi sindacali; • al confronto delle intuizioni e delle cose, alla riflessione sui problemi di socializzazione dei contenuti e dei metodi (e dei modi e delle possibilità di innovarli) e su quelli della partecipazione dei genitori e dei cittadini; • alla verifica delle interazioni culturali realizzate o realizzabili con l’ambiente fisico e culturale; • e innanzitutto alla discussione sul quadro di riferimento dei valori educativi che competono ai bambini che possiamo condensare nei termini di felicità, libertà e responsabilità.
Justamente numa perspectiva de confronto e diálogo, dedicamos recentemente alguns artigos da nossa revista Zeroseiup a Paulo Freire (cujo centenário do nascimento se dá um ano após o centenário de Loris Malaguzzi), a fim de recordar que, em 1990, ele foi convidado pela Reggio
Proprio nell’ottica del confronto e del dialogo, in questi giorni abbiamo dedicato alcuni articoli della nostra rivista a Paulo Freire (di cui ricorre il centenario
AUTORES CONVIDADOS
Imagem: Acervo Despertar
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Imagem: Acervo Despertar
Emilia para uma grande conferência internacional a fim de confrontar reflexões sobre a infância e sobre abordagens educativas nas quais os presentes estavam ali para aprender uns com os outros. No final da conferência, Freire deixou uma breve mensagem para as crianças italianas:
della nascita a un anno di distanza dal centenario di Loris Malaguzzi) per ricordare che nel 1990 fu invitato a Reggio Emilia in un grande Convegno internazionale per confrontare riflessioni sull’infanzia e approcci all’educazione in cui tutti erano presenti per imparare gli uni dagli altri. A conclusione del convegno, Freire lasciò un breve messaggio per i bambini italiani:
Bom amigo Malaguzzi
Buon amico Malaguzzi
Criança eterna, você me pede para escrever algumas palavras dedicadas às meninas e meninos italianos antes de voltar ao Brasil.
Bambino eterno, mi chiedi di scrivere alcune parole dedicate alle bambine e ai bambini italiani prima di tornare in Brasile.
Não sei se posso dizer algo novo a respeito desse pedido: o que mais eu poderia dizer aos meninos e meninas desta virada de século? Em primeiro lugar, o que posso dizer com base na minha longa experiência neste mundo é que temos que torná-lo cada vez mais bonito. Sempre com base na minha experiência, repito: não deixemos morrer as vozes de meninos e meninas que estão crescendo.
Non so se saprei dire qualcosa di nuovo rispetto a questa richiesta: cosa potrei dire ancora ai bambini e alle bambine di questa fine secolo? Per prima cosa, quello che posso dire in base alla mia lunga esperienza in questo mondo è che dobbiamo renderlo sempre più bello. Basandomi sempre sulla mia esperienza, lo dico ancora: non facciamo morire la voce dei bambini e delle bambine che stanno crescendo.
(Paulo Freire, abril de 1990).
(Paulo Freire, aprile 1990).
A meu ver, essa mensagem parece colher a síntese do objetivo do nosso “jogo”: queremos - devemos querer um mundo melhor e só o conseguiremos dando voz às meninas e aos meninos, apoiando-os em seu crescimento. Bom trabalho.
In questo messaggio mi sembra di cogliere la sintesi dell’obiettivo del nostro “gioco”: vogliamo – dobbiamo volere – un mondo migliore e lo otterremo solo dando voce alle bambine e ai bambini sostenendoli nella loro crescita. Buon lavoro.
Ferruccio Cremaschi, diretor da revista Zeroseiup
Ferruccio Cremaschi, direttore della rivista Zeroseiup
* Ferruccio Cremaschi , italiano com formação em direito, iniciou sua carreira como editor em 1964, trabalhando com
materiais pedagógicos para a escola primária. Nesse período, conheceu os pedagogos das cidades mais atuantes daquela época, como Sergio Neri de Modena, Francesco Tonucci e Loris Malaguzzi de Reggio Emilia. Com Malaguzzi, fundou a revista Zerosei, que anos depois se tornou Bambini, e trabalhou a seu lado até seu falecimento em 1994. Sempre muito próximo de pedagogos e de pesquisadores italianos e europeus, foi diretor da revista Bambini in Europa em uma parceria muito estreita com Rosa Sensat e Irene Balaguer. Em 2015, fundou a nova revista Zeroseiup e, desde então, realiza percursos formativos para educadores de diversas universidades italianas em parceria com instituições em toda a Europa.
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ENTREVISTA
ENTREVISTA COM ALDO FORTUNATI
ALDO*
FORTUNATI
O escritor italiano e especialista em desenvolvimento de políticas públicas para a primeira infância Aldo Fortunati realiza, desde 2008, inúmeros projetos de colaboração com nossa escola e com diversas instituições brasileiras. Ao longo desses anos, o autor visitou a Despertar em diferentes oportunidades, trabalhando diretamente com o nosso grupo de educadores e, inclusive, participando como consultor do projeto de construção da sede atual. Em parceria, realizamos o lançamento e edição de seus livros mais recentes em diversas ocasiões de formação em diferentes estados brasileiros e em países sul-americanos. Seu lançamento mais recente é CONFIANÇA, OPORTUNIDADE e TEMPO - olhar, imaginar e construir o futuro com os olhos das crianças, traduzido por nossa diretora Paula Baggio, membro do comitê científico internacional de La Bottega di Geppetto - Centro de pesquisa e documentação sobre a infância Gloria Tognetti, de San Miniato, Itália, instituição da qual o professor Fortunati é presidente. Entre suas publicações mais recentes, estão A Educação das Crianças como Projeto da Comunidade, Abordagem de San Miniato para a Educação Infantil, Por um Currículo Aberto ao Possível e As Crianças e a Revolução da Diversidade, que foram traduzidos para o inglês, espanhol e português. É com grande alegria que trazemos aqui um texto escrito pela professora Maria Carmen Silveira Barbosa, no qual essa querida amiga, estudiosa e defensora das infâncias nos brinda com uma linda apresentação de Aldo Fortunati, contextualizando sua experiência com a história da educação infantil na Itália. É com grande alegria que trazemos aqui um texto escrito pela professora Maria Carmen Silveira Barbosa, no qual essa querida amiga, estudiosa e defensora das infâncias nos brinda com uma linda apresentação de Aldo Fortunati, contextualizando sua experiência com a história da educação infantil na Itália.
Introdução por Maria Carmen Silveira Barbosa
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Conheci o trabalho de Aldo Fortunati através de um evento na escola de verão da Associação de Professores Rosa Sensat, em Barcelona. Algum tempo depois, tive um contato mais profundo com seu trabalho através do livro A educação infantil como projeto da Comunidade, recentemente reeditado. Nele, o professor Fortunati nos mostra o processo de construção coletiva de um sistema educacional para 0 a 3 anos, na cidade de San Miniato, localizada na Toscana, que, ao longo dos anos, foi crescendo e conseguindo manter, ou ainda, melhorar a qualidade do atendimento. Aldo Fortunati foi observador, fomentador, mediador e narrador dessa experiência. Observa-se nesse contexto uma feliz articulação entre atores educacionais com conhecimento profundo do desenvolvimento humano, especialmente de bebês e de crianças bem pequenas e, ao mesmo tempo, com uma visão sobre o desenvolvimento social das famílias e da comunidade. Experiência pedagógica através da qual crianças, infância, escola e política pública se encontram e potencializam o desenvolvimento de todos. Um projeto que nasce de valores, de um compromisso muito grande com as crianças e seus direitos humanos, sociais e, até mesmo, políticos. Três eixos ficam evidentes: a importância, no processo educativo, do protagonismo das crianças; a construção de um novo modo de pensar a participação e a presença das famílias na gestão da escola e, por fim, a organização de um sistema aberto com atendimento plural. Nessas instituições, as crianças têm direito a um ambiente de qualidade educativa extraordinária onde a teoria pedagógica foi sendo elaborada em estreita relação com a prática.
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Imagem: Acervo Despertar
A Itália viveu, na década de 60, o desenvolvimento das cidades e grandes transformações no papel da família e da mulher na sociedade. Essas mudanças levaram à necessidade de ampliar e de qualificar o atendimento de bebês e de crianças bem pequenas no ambiente extrafamiliar. Essa perspectiva de construir uma creche de novo endereço, como dizia Malaguzzi, foi um desafio colocado para muitas cidades no Norte da Itália, que procuraram construir sistemas de educação pública para crianças de 0 a 3 anos. Além da questão da expansão, havia a centralidade em construir uma creche de excelência, um espaço de cuidado e de educação que potencializasse o desenvolvimento de todos os envolvidos: crianças e adultos, famílias e comunidade. Para refletir sobre esse desafio e construir alternativas ou, como diria Paulo Freire. inéditos viáveis, foi construído um coletivo, o Grupo Nacionale Nidi-infanzia, no qual o professor Fortunati é membro sênior, um grande laboratório de investigação, discussão, reflexão, troca de experiências, diálogo e partilha entre muitas cidades. Cada uma delas com sua história singular, mas todas articuladas por princípios e valores. O projeto de San Miniato, que será apresentado por Aldo Fortunati, nos evidencia que a educação de crianças pequenas não é uma ação aleatória, mas uma pedagogia que se faz com intencionalidade clara dos docentes, porém na perspectiva de uma ação indireta, sutil, que acontece principalmente no modo de construir contextos, ambientes onde as crianças tenham uma multiplicidade de oportunidades educativas, tempo para relacionar-se com as pessoas ao seu redor, espaços para brincar, para viver a vida. Essa escola exige educadores competentes, abertos à inclusão das diversidades das famílias e das singularidades de cada bebê ou criança pequena, pessoas que assumam com seriedade e alegria a tarefa docente. A exigência pedagógica para a construção dessa proposta e sua continuidade em termos de atualização e qualificação contínua fez com que fosse criada, em 1999, La Botegga di Geppetto - Centro de pesquisa e documentação sobre a infância Gloria Tognetti, do qual o professor Fortunati é presidente. Um centro de formação que atende tanto as demandas internas do município, construindo uma proposta pedagógica que nasce imersa na realidade local e atua junto à comunidade educativa, mas também que recebe pessoas de diversos países do mundo para estágios, residências, pesquisa e formação.
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Além do trabalho intenso em San Miniato, Aldo Fortunati também atua como diretor da área da Infância e da Adolescência do Istituto degli Innocenti em Florença. Esse instituto, que surgiu em 1445, com o acolhimento das crianças abandonadas, hoje tem relação com a UNICEF e realiza pesquisas, monitoramento de políticas públicas, exibições e estudos que promovem a Cultura da Infância. Há, no Instituto, um belíssimo Museu da infância, um arquivo com documentos históricos e uma biblioteca. Um trabalho de formação intersetorial para profissionais de diversas áreas que trabalham com crianças, jovens, famílias e pais. O Instituto também promove estudos e publicações como o livro “A abordagem Toscana e a educação da primeira infância”, no qual são sistematizadas experiências de diferentes cidades, livro organizado pelo Aldo e por outro incrível mestre italiano chamado Enzo Catarsi. O Professor Fortunati também trabalha na Universidade de Florença e é especialista do Eurosocial, em programas de cooperação internacional, e Representante Nacional da Itália na World Forum Foundation. Nos últimos 20 anos, coordenou projetos de pesquisa e atividades de monitoramento de políticas em nome do governo nacional italiano e dirigiu programas de cooperação internacional na América Latina. Entre suas publicações mais recentes, estão: Finalizo a apresentação do prof. Aldo Fortunati com uma linda poesia escrita por ele há mais de 20 anos: Por uma ideia de criança Por uma ideia de criança Por uma ideia de criança rica, na encruzilhada do possível, que está no presente e que transforma o presente em futuro. Por uma ideia de criança ativa, guiada, na experiência, por uma extraordinária espécie de curiosidade que se veste de desejo e de prazer. Por uma ideia de criança forte, que rejeita que sua identidade seja confundida com a do adulto, mas que a oferece a ele nas brincadeiras de cooperação. Por uma ideia de criança sociável, capaz de se encontrar e se confrontar com outras crianças para construir novos pontos de vista e conhecimentos. Por uma ideia de criança competente, artesã da própria experiência e do próprio saber perto e com o adulto.
Aldo Fortunati Imagem: Acervo Despertar
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Por uma ideia de criança curiosa, que aprende a conhecer e a entender não porque renuncie, mas porque nunca deixa de se abrir ao senso do espanto e da maravilha.
ENTREVISTA
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Como surgiu o interesse em estudar e em realizar "pesquisa-ação" (que unem a prática diária das escolas infantis e a teoria) na primeira infância? AF: O ponto de partida foi uma reflexão filosófica sobre as formas e modalidades pelas quais o conhecimento e a descoberta científica se desenvolvem. Em seguida - com a evolução dos estudos relacionados à neurociência e os desenvolvimentos mais atualizados sobre as modalidades de construção na idade de evolução das habilidades simbólicas e de linguagem - o tema de interesse passou a ser entender como, nos primeiros anos da vida, expressam-se competências e potencialidades extraordinárias que dão origem à construção progressiva de uma competência cognitiva complexa, capaz de interpretar o mundo de forma curiosa e criativa: o que já afirmamos, há algum tempo, quando salientamos que, nos primeiros anos de vida, existem processos de desenvolvimento expansivo que não acontecem em nenhuma outra fase da vida da pessoa. Para entrar nessa perspectiva e aprofundá-la, é obviamente necessário não apenas fazer teoria, mas sim vincular a elaboração da teoria aos caminhos de pesquisa que acontecem em campo e, em particular, observando o comportamento das crianças em contextos da vida cotidiana nos quais as competências e o potencial se expressam de forma plena e articulada: as escolas de educação infantil constituem, portanto, um contexto de pesquisa-ação verdadeiramente formidável.
Como os diferentes agentes (sujeitos) envolvidos na tarefa educacional contribuem para que a pesquisa com crianças tão pequenas aconteça e se torne instrumento para qualificar e comunicar as práticas dentro dos espaços coletivos de educação? AF: Costumo dizer que o ponto principal diz respeito a uma mudança de perspectiva em que o compromisso não seja mais o de pré-definir os conteúdos que constituem o objetivo da ação educativa (as crianças devem saber fazer isto ou aquilo), mas sim o de construir condições para favorecer o protagonismo ativo das crianças nos processos que levarão ao desenvolvimento de suas relações, seus conhecimentos e sua aprendizagem. Por isso, torna-se crucial a boa organização do espaço, ou seja, o contexto em que as experiências se desenvolvem, o que geralmente chamo de “ecologia educacional”: a educação, em suma, não deve ser um processo de transmissão de competências de quem as conhece (o adulto) para aqueles que ainda não as possui (a criança), mas sim um processo em que o adulto oferece um cenário organizado de oportunidades capaz de estimular as crianças - e cada criança de uma forma diferente e original - a construir e a desenvolver suas habilidades.
Que momentos foram mais marcantes na trajetória do La Bottega di Geppetto? O que permanece após a longa parceria ao lado da querida Gloria Tognetti, o que você gostaria de destacar? AF: Vamos começar com a segunda parte da pergunta. O fato realmente memorável foi encontrar e conhecer Glória, com quem desenvolvi uma parceria profunda que nos permitiu construir aventuras educacionais que acredito terem contribuído para trazer à tona alguns aspectos marcantes para o nosso pensamento atual sobre a educação e as formas de educar as crianças pequeninas. Nosso encontro originalmente, nos permitiu medir a importância absoluta de trazer teoria e prática lado a lado; eu, em particular, vim do mundo da pesquisa acadêmica e estava me aproximando da prática do trabalho educativo e ela tinha uma experiência importante na área em que eu estava concluindo os estudos universitários. O que resultou foram algumas experiências inovadoras dentro das escolas 0-3 anos de diferentes realidades toscanas, só para citar alguns aspectos, a escolha dos grupos mistos, o investimento na organização do espaço, a documentação. Já San Miniato, representava o contexto em que a obra se encontrava, capaz de se desenvolver com maior continuidade ao longo do tempo desde a primeira metade da década de 1980. La Bottega di Geppetto - a instituição internacional que leva o nome de Gloria - em homenagem a ela, que partiu tão cedo - simplesmente representa o reflexo desse trabalho e a ideia de que é importante continuar a desenvolvê-lo, torná-lo conhecido, torná-lo a base para um diálogo a ser cultivado e mantido vivo com outras realidades na Itália e no mundo, como efetivamente vem acontecendo desde então.
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Quais os fundamentos básicos da abordagem de San Miniato? AF: É preciso, necessariamente, lembrar que a experiência de San Miniato é, antes de tudo, uma experiência que envolveu toda a comunidade no reconhecimento da importância da educação infantil como interesse público, para tornar as oportunidades amplas e acessíveis de forma generalizada e equitativa, uma perspectiva que ainda tarda em se afirmar nas políticas nacionais de muitos países do mundo. Alguns elementos ajudaram a comprovar a abordagem adequada: • a constatação de que cada vez que observamos as crianças em um contexto onde elas tenham condições para expressar seu potencial, percebemos que elas são tudo menos passivas. Pelo contrário, elas são naturalmente orientadas por uma curiosidade exploratória que constitui o pré-requisito para a construção ativa de seus esquemas interpretativos da realidade; • aos poucos, fomos percebendo que a tarefa do adulto não é tanto a de oferecer modelos a serem copiados, mas a de construir condições que acolham o protagonismo das crianças; não tanto a necessidade de falar e de explicar, mas a de escutar e de observar a natural atividade construtiva das crianças; • a ideia de que o espaço, sempre considerado pela escola exclusivamente como o lugar onde o adulto ensina (fala) e o aluno aprende (escuta), representa, antes de mais nada, a placenta que alimenta a relação entre os diferentes sujeitos, oferecendo oportunidades organizadas para que a relação com os objetos e com as pessoas conduza ao desenvolvimento das experiências e conhecimentos. Disso decorre a ideia de que, para educar, não são necessárias somente as palavras do adulto, mas principalmente o que costumo chamar de "ecologia educacional", um entrelaçamento entre oportunidades organizadas e relações capazes de acompanhar e de sustentar de forma progressiva e expansiva a estrutura dentro da qual as habilidades e as potencialidades das crianças são provocadas em direção à experimentação ativa e construtiva. Daí também deriva a ideia de uma "pedagogia indireta" em que o adulto aprende a falar menos e a ouvir e observar para entender como apoiar e ampliar as ações e processos que as crianças vivenciam e na qual os adultos, em geral, se empenham em uma ação “mediada” de planejar oportunidades ao invés de propor e sugerir modelos de ação a serem repetidos e internalizados. E, assim, finalmente surge a ideia de que a educação deve reconhecer e valorizar - como dissemos anteriormente todas as formas de diversidade, pensando que, como disse Gloria Tognetti, as crianças são competentes, porque são capazes de reconhecer as diferenças, de interpretar intenções e projetos, subvertendo a ordem e o tempo propostos -– e, muitas vezes, impostos -– pelo adulto e, sobretudo, que as crianças sejam competentes pelo que são e não pelo que deveriam ser, seja qual for a diversidade que expressem.
Fale um pouco sobre a formação dos educadores e sua importância sobre a qualidade da prática nas escolas, destacando as principais competências a serem desenvolvidas pelo profissional da educação. AF: A questão da formação de educadores deve, antes de tudo, conquistar a atenção que merece. Os educadores que trabalham com crianças pequenas são menos pagos do que os professores que trabalham nos colégios de ensino fundamental e recebem um treinamento básico menos complexo, como se o trabalho de educar as crianças pequenas fosse uma coisa simples. A realidade é que tanto os colégio quanto as universidades não dispõem de instrumental teórico adequado para tratar do tema da educação desde a infância, frequentemente oscilando entre a tendência de falar da criança pequena do ponto de vista dos cuidados necessários para garantir sua saúde e bem-estar físico, de falar sobre ela em termos de relação de apego com a figura adulta nutridora e, de outro modo, tratando-a como se fosse um aluno eficiente e reativo a ser conduzido pelos percursos de aprendizado.
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Por isso, afirmar o princípio de que se exija uma formação universitária para trabalhar com crianças pequenas é obviamente válido, mas também não deve ser considerado como o único objetivo. Por exemplo, em San Miniato todos os educadores já se formaram há vinte anos, mas não paramos na formação básica, garantimos aos educadores um tempo de trabalho para documentar, um tempo de trabalho para discutir juntos, um tempo de trabalho para conhecer outras experiências. Somente uma perspectiva usual de reflexão - pelo costume da documentação - e do diálogo - na dimensão colegiada do grupo de trabalho -– pode, de fato, sustentar um profissionalismo capaz de ocorrer e de se fortalecer no tempo, evitando a repetitividade rotineira e irrefletida de hábitos, abrindo-se ao território da experimentação e da pesquisa inovadora.
Como a abordagem de San Miniato se tornou conhecida fora da Itália e como você se sente por ela ser hoje fonte de inspiração e referência para educadores de tantos lugares diferentes ao redor do mundo, inclusive no Brasil? AF: San Miniato não é a única abordagem italiana que investe em formas de turismo pedagógico, tanto visitando outras realidades educativas ao redor do mundo, como propondo programas de visitas e atividades de estudo para educadores e pesquisadores estrangeiros. E o Centro Internacional Gloria Tognetti certamente tem favorecido e incentivado esta atividade que atualmente nos coloca em contato com cerca de uma centena de organizações em todas as partes do mundo. Certamente devemos ser cautelosos ao pensar sobre o que poderia ser a contribuição de uma experiência e de uma abordagem nascida e criada em uma comunidade local para ser um ponto de referência e inspiração, até mesmo, para o mundo inteiro. Mas também é verdade - de um certo ponto de vista - que estamos falando de uma experiência que há muito tenta se alimentar em sua evolução a partir do confronto com outras experiências no mundo - no Brasil, e em especial, a Escola de Educação Infantil DESPERTAR, é uma das experiências com quem os intercâmbios têm sido mais intensos e prolongados ao longo do tempo. Além disso, a questão da educação infantil é um tema que se destaca como determinante para o desenvolvimento civil das nossas comunidades sociais, de forma transversal aos diferentes contextos geográficos e culturais. Em todo caso, o dilema a que me referi quando falei da oscilação entre orientação ao cuidado como assistência e orientação à educação como instrução é o principal problema conceitual que percebo quando penso na educação de crianças de 0 a 6 anos. Gostaria de acreditar que a contribuição da nossa abordagem ajuda a construir uma dimensão de complementaridade na relação entre educação e cuidado, superando os limites acima mencionados e resgatando a unidade de uma abordagem que reconhece que não há educação sem cuidado com a relação e não há cuidado com a relação que não seja, ao mesmo tempo, educação. É óbvio que o ponto fundamental de tudo isto é a nossa capacidade em reconhecer a identidade e o potencial de protagonismo das crianças no processo educativo e diria que este é o principal elemento de encantamento que espero que a nossa abordagem manifeste, ou, pelo menos, é o que me parece, quando percebo que o interesse por esse aspecto - o foco no protagonismo das crianças - atinge positivamente os estrangeiros que observam nossa experiência. Há meninas e meninos protagonistas por trás de todo bom projeto de educação e, se o enfoque de San Miniato nos ajudar a difundir essa ideia, significará que é uma ideia vencedora, não só - e em primeiro lugar - para as crianças, mas, em geral, para nossa capacidade de cultivar, através do olhar das crianças, uma imagem promissora do nosso futuro.
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ENTREVISTA
Como você percebe a caminhada da educação infantil Brasileira e, se pudesse dar algumas dicas aos nossos educadores, o que você diria? AF: Eu diria três coisas em particular: • a primeira é pensar que o trabalho educativo com meninos e meninas, junto com suas famílias, é um trabalho fundamental e importantíssimo e que é fundamental vivê-lo com o orgulho dessa consciência, sem nunca ceder ao pessimismo e ao cansaço que pode se apresentar diante de nós em nossa experiência diária de engajamento; • a segunda é que a boa educação não é uma tarefa individual, mas sim um projeto coletivo e, para isso, devemos construir alianças, com as famílias, dentro da comunidade, construindo relações com outras realidades e, em geral, evitando o risco de isolamento que pode tornar-se premissa para uma sensação de solidão a qual pode prejudicar nossa motivação e paixão; • a terceira é que o Brasil é um país - pelo que pude conhecer e compreender - extraordinariamente rico em potencial e paixão educacional em tantas mulheres e homens que trabalham nesse campo todos os dias e que essa extraordinária energia positiva é também a premissa das nossas experiências. Se soubermos desenvolvê-las mantendo a cabeça unida ao coração, elas nos farão construir, junto com as meninas e os meninos, um futuro melhor.
"o prazer do espanto e da maravilha são condições de experiência a serem conservadas nas crianças e nos adultos..." Aldo Fortunati
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Imagem: Acervo Despertar
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
BANCO DE PALAVRAS
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JULIANA* ABULÈ
EQUIPE DE PSICOLOGIA
Cuidar de quem cuida, garantir a palavra e a escuta, construir um legado de relacionamentos seguros sempre foram princípios que alicerçaram nossas ações e propostas. Em nossos momentos com a comunidade escolar o entendimento da escola como um potente espaço de acolhimento para todos que ali traçam percursos de encontros faz um convite ao sentido de coletivo, assegurando o senso de pertencimento e importância a cada um, para seguirmos essa caminhada de respeito a vida e o cuidado com a infância. Durante a pandemia, firmar esses princípios foi ainda mais essencial. O sentimento de que fazemos parte de uma rede de relacionamentos, de encontros diários, de descobertas, de suporte mútuo nos possibilitou diminuir distâncias e aproximar os corações. A necessidade de buscar ações concretas e práticas para abastecer a nossa equipe e construir narrativas que dessem sentido ao que concebemos sobre Cuidar de quem cuida deu vida ao BANCO DE PALAVRAS. Em tempos difíceis, buscar sentidos no cotidiano e usar a criatividade é essencial, atitudes simples permitem resgatar e redescobrir vivências! O banco de palavras traz dicas sobre saúde mental para a nossa comunidade e pode ser retroalimentado por todos! Nos traz o senso de pertencimento e nos coloca uma pergunta: Qual é o seu sonho que nos permite sonhar juntos? No banco de palavras encontramos indicações de leituras, filmes, documentários, músicas, trabalhos manuais e serviços de atendimento emocional que podem auxiliar no crescimento pessoal e profissional dos educadores.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
O CORPO LÚDICO NA SALA DE AULA CONTEMPORÂNEA
FABIANE* ETGES
Imagem: Acervo Despertar
Quando entrei na Despertar, em 2007, a escola ainda estava na sede antiga, e iniciei minha relação com este espaço como professora de balé. Eram momentos em que as crianças se envolviam muito com as propostas e com o trabalho, compreendo o corpo lúdico como aquele surgido com as colocações de Johan Huizinga (2004), sobre o Homo ludens: “é o corpo que se diverte, é o corpo que brinca, joga, se entrega a um arrebatamento embebido em prazer e divertimento” (NHARY, 2013). Quando falamos em criança, pensamos em um ser criativo, ativo, dinâmico. Mas como ser criativo, ativo e dinâmico sem ludicidade, jogo e brincadeira? A ludicidade faz parte da vida da criança, da vida de todos nós. Arrisco inclusive perguntar o que seríamos sem ela. Nosso ano culminava com a apresentação às famílias das coreografias e movimentos que construímos durante o ano. Entendia que, quanto mais criativas e atrativas eram as aulas, mais as crianças se sentiam
integradas com o processo. Nos estudos que permeiam minhas escolhas, destaco a importância do brincar para a criança e para o adulto, pois os ajuda a explorar o seu lado lúdico e criativo, o que, para os estudiosos, é muito importante para a vida. Assim, o aprendizado se torna mais divertido. No entanto, não basta apenas propor momentos de ludicidade para esses corpos a fim de que se tornem lúdicos. Uma aula pode ter uma estrutura de conteúdos fortes adaptados para a idade com a qual estamos trabalhando, mas é necessário repensar constantemente essa estrutura e os conteúdos trabalhados para desenvolver esse corpo lúdico que é tão singular e único. E, mesmo assim, a aula não pode ser constituída de qualquer forma, apenas aplicando as brincadeiras. Qualquer um que observar com curiosidade as crianças enquanto realizam suas experiências em contextos que lhes dão suporte, facilmente se dará conta e será levado a refletir sobre o fato de que as crianças sabem e podem fazer muitas coisas. (FORTUNATI, 2019, p.16)
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Aprendi muito desde que entrei na Despertar, quando ingressei na escola tinha acabado de terminar a pós- graduação em Psicomotricidade Relacional com o Airton Negrine. Os cursos e formações oportunizados pela escola me auxiliaram muito na forma de ver a criança como capaz, curiosa e pesquisadora, ressignificando meu olhar para o seu desenvolvimento e legitimando o papel de um adulto mediador e disponível para o imprevisto. Muitos autores se dedicaram ao longo da história a estudar a ludicidade nas aulas, com os mais variados fins. Kellermann (2012) destaca que “o homem é lúdico por natureza. Somos uma oficina de criatividade visto que existe dentro de nós a vontade de criar, de jogar” (p. 48). Por isso, vejo a importância de desenvolver tais aspectos nas aulas. Salomão e Martini (2007) destacam que “a aula tem o lúdico como um dos métodos para aprendizagem, é uma aula que está voltada aos interesses do aluno sem perder seus objetivos, jogos e brincadeiras”. Isso sempre respeitando a faixa etária de cada criança. Através do brinquedo, conseguimos escutar e perceber a criança com maior profundidade, pois, muitas vezes, elas ainda não conseguem se expressar pelas palavras, mas através de um jogo ou brincadeira. Kellermann (2012) reitera: “seja capaz de viver intensamente as sensações advindas de suas experiências, e aprender com suas brincadeiras”. Boff (2017) também coloca: “por que criança não é verbo se é
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movimento? Criançar tem a ver com explorar, experimentar, inventar. Brincar a vida” (p. 24). Assim, podem vir a ter melhor noção do seu corpo ,e futuramente, poderão realizar os movimentos com mais naturalidade. Em 2015, com o término do balé, me tornei psicomotricista da escola e me sinto muito privilegiada em ter acompanhado o processo dos pequenos que, mesmo nos momentos remotos, reafirmaram este espaço como lúdico, criativo e que imprime liberdade de movimento. Dessa forma, percebe-se que se pode despertar, a partir do brincar, o desenvolvimento cultural, afetivo, social e psicológico da criança, assim como ajudar no desenvolvimento de ensino-aprendizagem. Duarte (2015) destaca que “com as atividades sendo essencialmente lúdicas, conseguimos muito da empolgação das crianças, mas é possível fazer algo mais”. “[...] o brincar não deve ser despercebido como um elemento diferente no processo de ensino aprendizagem da criança, ele deve ser apreciado como um componente relevante em todas as etapas de desenvolvimento infantil." (SANTOS; SILVA; MAIA, 2016, p. 3).
Sou muito feliz e grata por fazer parte da equipe da Despertar por tantos anos e quero continuar fazendo parte desta equipe maravilhosa que muito contribui para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Imagens: Acervo Despertar
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Fabiane Gutierres Etges é formada em Educação Física pela Universidade Luterana do Brasil, pós graduada em Psicomotricidade Relacional pela UniLasalle e pós graduada em Dança, Cultura e Educação pela Faculdade Sogipa. Atualmente trabalha com Psicomotricidade Relacional na Escola Despertar e com Ballet e Jazz no Ballet Gutierres.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
A IMPORTÂNCIA DO DESENHO NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
JOYCE*
CONCEIÇÃO
VERÔNICA* BORGES
Imagem: Acervo Despertar
O desenho infantil se constitui muito além dos riscos, rabiscos, traços, formas que a criança registra no papel, na areia, na tela; por meio dele, essencialmente, deseja comunicar-se, pois ali, na sua criação, permite-se representar seu estado emocional, cognitivo, psicomotor e social. Para Leite (1998.p.131), “O desenho é um diálogo permanente entre a criança e o mundo, uma constante busca de inteligibilidade e comunicabilidade”. Ao desenhar, a criança estabelece sua relação com o mundo real e com o imaginário, utiliza seu processo
criativo para se expressar e coloca vida nos seus registros gráficos, apresentando suas preferências, suas vivências, porque ela está falando de si, do seu corpo, do ambiente em que está inserida, demonstrando sua capacidade de expressão. Por meio do desenho, a criança se comunica, representa suas ideias, expressa emoções e sentimentos. Segundo Derdyk: Seus rabiscos provêm de uma intensa atividade do imaginário. O corpo inteiro está presente na ação, concentrado na pontinha do lápis. Esta funciona como uma ponte de comunicação entre o corpo e o papel. (DERDYK, 1989, p. 63).
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Na educação infantil, o educador, tem um papel relevante nesse processo de experiências, descobertas, interesses da criança pelo desenho, porque será aquele adulto que oportunizará diferentes suportes e/ou materialidades para que essa relação da criança com o grafismo aconteça da maneira mais prazerosa possível, sem cobrar o belo, o perfeito, mas que ela possa usar sua imaginação. Por isso, a importância de ser diário o ato de desenhar, seja em momentos livres, seja utilizando-se de intervenções significativas planejadas previamente pelo educador. Estimular o desenho na infância não significa que a criança vá se tornar um artista na vida adulta, mas certamente desenvolverá habilidades emocionais, cognitivas e sociais que vão lhe auxiliar para enfrentar novas experiências e desafios. Na turma N3A, os pequenos de 3 a 4 anos têm demonstrado, no manejo com o lápis, uma coordenação motora fina mais firme, conseguem ter um controle maior do espaço e vão simbolizando no papel o que lhes causa prazer e diversão. Alguns apresentam traços desordenados, outros trazem a figura humana, quase sempre representando a família; há também os que observam figuras que estão disponíveis no banco de imagens e as reproduzem conforme suas preferências. Às vezes, as cores se
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misturam entre si; em outras, o desenho tem somente uma cor, porém o que as crianças gostam é de poder criar, recriar, brincar, conversar nesses momentos em que estão desenhando. As crianças de 4 a 5 anos da turma N4B demonstram prazer no ato de desenhar, a cada rabisco um novo processo se desenvolve, e inaugura-se uma nova criação. O banco de imagens vem sendo um recurso utilizado para ampliar o repertório gráfico do grupo de crianças, a partir dele, elas fazem uma releitura das imagens, buscando observar e inserir novos detalhes em suas produções. O desenho é algo que a criança pode ir aprimorando, mas, para isso, é preciso um olhar atento por parte de um professor crítico e reflexivo, que deve propor diversas intervenções pertinentes à faixa etária do grupo, a fim de enriquecer e ampliar seu repertório, para que os traçados se desenvolvam cada vez mais. Esse educador deve planejar atentamente cada proposta, repensando os materiais, o espaço físico e a repetição de algumas intervenções, pois a repetição traz aprofundamento, um novo olhar, através do qual a criança cria novos detalhes, mergulhando num universo de experimentação.
Imagens: Acervo Despertar
* Sou a Joyce, estive no Dudu, no período de 2012-2015. Retornei à Despertar em 2019. Tenho formação em Magistério
e Pedagogia. A Educação Infantil foi a área que escolhi para poder estar mais próxima aos bebês e crianças pequenas. Destaco o quão é significativo participar das formações continuadas, palestras que a Escola possibilita para seus colaboradores.
* Me chamo Verônica, trabalho na Despertar desde 2016, sou formada no Magistério e Pedagogia.
Atualmente curso pós-graduação em Alfabetização e Letramento . Escolhi Pedagogia porque acredito que a educação é a base do desenvolvimento humano que inspira e transforma pessoas.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
DOCÊNCIA COMPARTILHADA:
JESSICA* EUFRÁSIO
MICAELA* ALVES
UM LUGAR AO QUAL NÃO ESTAMOS ACOSTUMADOS
Imagem: Acervo Despertar “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça” ( LARROSA, 2002)
Receber uma turma, pensar sobre quais serão as tuas escolhas, ser responsável por ela, dialogar com os familiares, construir documentos, organizar os espaços, pensar e pensar quais serão os primeiros passos, estabelecer vínculos, tudo isso e mais um pouco é o que um professor responsável anseia ao iniciar o ano letivo. Partindo da ideia de não pensar durante esse processo reflexivo sobre técnicas, mas sobre o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca, como diz Larrosa, questionamo-nos, dessa forma, sobre o que em nós foi preciso deixar o outro transforImagem: Acervo Despertar
mar ao trabalharmos, juntas, a docência em uma turma. Esse é o espaço em que poucos podem estar, na docência compartilhada: uma forma de aula com a qual não estamos acostumados. O primeiro grande momento é dar-se conta de que nem tudo irá se concentrar em uma só pessoa, mas sim, se permitir transformar, ouvir, se dispor, ou perceber que uma grande dificuldade de comunicação, de compreensão pode acontecer. É preciso estar receptivo e querer aprender, sabendo que existem momentos nos quais o teu ponto de vista parece ser melhor, porém é necessário buscar olhar pelo ponto de vista do outro, de forma prática, no cotidiano, e entender que a relação e as escolhas que se estabelecem se dão para o todo.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Iniciamos juntas no N5A, após um grande período de portas fechadas, em nosso retorno ainda em pandemia era tudo diferente, nos conhecíamos apenas pelos corredores da escola e agora teríamos de partilhar, construir e nos responsabilizar. Viemos de um lugar desconhecido, lidando com o novo, inquietações, perguntas e mais perguntas surgiam:
“Será que a escola segue aberta até o final do ano? Como vai ser na hora de pensar sobre as propostas? Como vamos planejar juntas? Vamos concordar em tudo? E se não concordarmos? Essa turma se forma no final do ano, quais as nossas expectativas?” Nós nos constituímos indivíduos por meio do outro, acreditamos na ideia de cada um ter o seu tempo, suas particularidades, jeitos, vontades, julgamentos, percepções. Compreendemos que não somos iguais, mas completamente diferentes. Um dia, na escola em rodas de conversa com as crianças, falávamos sobre as diferenças, Matheus de 05 anos levantou a mão, ansioso para falar o que estava pensando, quando a voz foi dada a ele, firmemente me olhou e disse: “Tudo bem ser diferente, ser diferente nos faz especial”.
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É incrível como as experiências, as palavras, como Larrosa diz, em seu texto, criam em nós algo especial. Buscamos desenvolver nas crianças as habilidades que elas possam levar para a vida. E em nós docentes? Essas habilidades estão sendo ao menos construídas, vividas e experienciadas em nós? Ouvir o outro sem julgar, compreender, conversar e usar da sinceridade para comunicar seus pontos de vista, questionar, buscando descobrir juntas uma solução para um determinado problema. Janaina Tokitaka, autora e ilustradora, em seu livro “De noite, na cidade”, de 2010, pág.15, diz assim:
“Fico ao seu dispor, E mostro que, assim como o dia, A escuridão tem mais cor Do que antes parecia…” Construímos uma relação com a docência compartilhada. Quando iniciamos, nos encontrávamos em uma escuridão, mas, com o tempo, compreendemos que, nessa escuridão, as cores podiam se destacar. Organizamo-nos na rotina diária, desafios foram enfrentados, conversas e mais conversas sobre as crianças, espaços e propostas passaram a fazer parte do cotidiano, erros, tentativas, acertos, incertezas permeiam essa relação. Durante esse tempo que estamos vivendo a docência compartilhada, continuamos nesse processo e permitimos, no dia a dia, conforme Larrosa transcorre em seu texto, a demora nos detalhes, a arte do encontro, o calar muito, a paciência, o dar-se tempo e espaço.
* Sou Jéssica Eufrásio, estou na Despertar desde Setembro de 2014, cursei o magistério, e anos mais tarde ingressei na Faculdade de Educação pela UFRGS. Busco a formação continuada como um lugar constante de reflexão e aprendizado. Sou apaixonada pela infância, o ser criança.
* Meu nome é Micaela Alves, tenho 23 anos, trabalho
na despertar desde Janeiro de 2019. Atualmente sou professora do Nível 5 juntamente com a professora Jéssica. Sou formada em magistério e formanda do curso de pedagogia da Uniritter. Apaixonada pela profissão e pelo estudo da infância.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
NOSSO OÁSIS DE CALMA
FERNANDA* OSÓRIO
“(...) uma casa acolhedora, aconchegante, com jeito de “lar”, unida à ideia de profissionalismo e responsabilidade (...). Um “oásis de calma” (...) que se reflete numa brincadeira livre, na flexibilidade da rotina, numa refeição tranquila, num tempo para parar e observar a formiguinha passeando pela grama, a chuva caindo e o amigo pedindo ajuda (...).” (Escola Despertar. Projeto Político Pedagógico) Depois que me tornei mãe do Martin, percebi como é fácil dar conselhos para os outros criarem seus filhos sem enfrentar na pele essa realidade tremendamente complexa sobre a melhor maneira de criar uma criança, a fim de que se torne uma pessoa bondosa, forte, com habilidades para enfrentar esse mundo tão competitivo e, não raras vezes, injusto. Por outro lado, sempre me lembro do ditado africano o qual diz que “é necessária uma aldeia inteira para educar uma criança”. Afinal, ninguém cresce sozinho. A escola, principalmente de educação infantil, faz o papel da aldeia, não só para as crianças, que brincam e aprendem, mas também para os pais, que precisam de suporte e de apoio para criar seus filhos e filhas. A escolha da escola (da aldeia), para nós, implicaria diretamente no despertar do desejo de aprender, na possibilidade de estabelecer relações verdadeiras com professores (as) e colegas, um lugar de rituais, de construção de hábitos e conhecimentos. Levando em consideração essas implicações, buscamos conhecer as histórias e práticas das escolas de educação infantil. Numa visita à Despertar, conhecemos a estrutura da escola: espaçosa, com bastante verde e espaços aberto, número adequado de alunos e presença de assistentes em sala de aula, ótima qualificação dos profissionais. Mas o que nos fez optar por essa escola foi sua proposta político pedagógica. Além da estrutura e do ambiente rico simbolicamente, os trechos deste documento que propõe um modelo de escola “com jeito de lar”, como um “oásis de calma”, nos
apresentaram uma filosofia educativa diferente de todas as outras: que acredita no protagonismo das crianças, das famílias e dos educadores; que respeita o ritmo e o tempo de cada criança; que sensibiliza crianças e adultos para que, em momentos simples do cotidiano, reconheçam o valor da humildade, do ser em lugar do ter, da delicadeza de atitudes. Cheios de expectativas, matriculamos o Martin na Despertar e iniciamos o processo de adaptação. Essa experiência não foi nada fácil para a nossa família e, particularmente, sofri com a ansiedade e com o medo das reações do meu filho. Nesse momento, não me interessava a teoria, e o fundamental foi a comunicação eficiente, sensata e sincera que estabeleci com professoras, psicólogas e toda a equipe da Despertar, que se envolveu nesse processo de orientação e de auxílio na nossa ambientação a esse novo mundo, sem pressa, sem fórmulas mágicas, mas com respeito ao ritmo do Martin e às nossas dúvidas e inseguranças. “(...) neste momento eu percebi que você estava muito feliz por estar de volta naquele lugar que já era tão seu”. Esse trecho da trajetória do Martin, escrito pela professora da turma N2C, no final do primeiro ano de Despertar, retratando o período de adaptação, revela que a Despertar se tornou para a nossa família, de fato, uma “casa aconchegante, com jeito de lar”, “um oásis de calma”, capaz de construir memórias repletas de afeto e significado. São memórias que
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Imagem: Acervo Despertar
se tornaram fundamentais para enfrentarmos o período de incertezas da pandemia. Em tempos tão difíceis, sentimos a escola do Dudu próxima de nós. Foram meses em que as aulas virtuais, os lanches e as lembranças que recebemos na porta das nossas casas nos aproximaram das rotinas, das professoras e nos ajudaram a compreender melhor o tempo, a valorizar cada momento juntos e a explorar possibilidades de um jardim, de uma casa e dos encontros, sejam eles virtuais ou rápidos e com poucas pessoas. Ainda percebemos a relação de confiança e respeito que a Despertar cultiva com as famílias ao estabelecer, por meses a fio, o honesty box como método de cobrança das mensalidades. Desconheço outra escola que tenha adotado um sistema de “pague o quanto puder”. A gestão democrática, a participação das famílias, além do apoio emocional, social e pessoal, são propostas da Despertar que se traduzem em ações concretas.
Para encerrar esse pequeno e insuficiente relato da nossa história com a Despertar, um registro: a tarefa de narrar toda a trajetória escolar do nosso Martin, de apontar os motivos que nos levaram a optar pela escola do Dudu e nela permanecer até o último nível, sabe-se, não foi cumprida devido à riqueza de experiências vividas. Primeiro, pela impossibilidade de traduzir em uma página a sucessão de acontecimentos e de experiências que foram vivenciadas pelo Martin e pela nossa família que, nestes últimos quatro anos, fizeram da escola do Dudu um mundo de “pequenas coisas que tornam inconfundível na lembrança um tempo de alegria, um tempo em que conhecemos a felicidade sem ao menos nos apercebermos dela”. Segundo, porque foi preciso reservar um espaço para agradecer a todos (as) da Despertar pela oportunidade de compartilhar trechos da história escolar do nosso filho que nos enche de orgulho e, finalmente, elogiá-los (as) publicamente, registrando nossa profunda gratidão e admiração.
* Fernanda Corrêa Osório é mãe do Martin, de seis anos e da Aurora,
de dois meses. Advogada, professora da Escola de Direito da PUC-RS e doutoranda em Ciências Criminais no PPGCCRIM da PUC-RS.
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REFLEXÕES E PESQUISAS
DANIELA*
EDUCAR-SE PARA EDUCAR:
DE ABREU
DESPERTANDO NOVAS POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS!
Esta reflexão que compartilho com todos os pais, mães e educadores que fizeram a escolha de se responsabilizar pela educação de crianças e de adolescentes surgiu de uma fala recente de meu filho Antônio. Ele hoje vive a fase da adolescência e , como todo adolescente no auge de seus 14 anos, faz questionamentos muito oportunos: “Tudo tem mudado, a tecnologia, a medicina, os relacionamentos, os celulares, menos a escola. Meu professor me mostrou uma tela com imagem de uma sala de aula em 1850, e ela era igual às de hoje.”
Hoje, porém, as relações estão cada vez mais horizontais. Deixamos um pouco para trás as hierarquias verticais: as mulheres conquistando direitos sociais iguais aos dos homens; as crianças tendo direitos humanos como os adultos.
E como isso se deu? Através de muitos movimentos sociais pela busca de direitos humanos. Hoje temos documentos e legislações que oficializam esses
Realmente, muitas escolas estão iguais às do passado, física, organizacional e comportamentalmente. Há sim aspectos que ainda estão atuais, sem necessidade de mudança. Porém todos nós sabemos que existem práticas escolares as quais hoje não agregam mais valor ao trabalho educativo. Além disso, podem gerar conflitos e fragilidade nos elos de confiança entre estudantes e professores, pais e escola, tão necessários para o sucesso do processo educativo. E em casa? As coisas mudaram? Continuamos educando
nossos filhos como “no tempo de nossos pais?” No tempo dos nossos pais, as relações hierárquicas verticais eram naturais: o pai obedecia ao chefe no trabalho; a mãe fazia o que o pai determinava ou pedia, pois, via de regra, o homem provinha financeiramente e a mulher cuidava da casa e dos filhos; e os filhos aprendiam por imitação, ao seguir os exemplos dos pais e das mães. A família era espaço onde, desde pequenos, aprendíamos e nos preparávamos para viver em conformidade com o modelo social de hierarquia e obediência.
Imagem: Acervo Despertar
REFLEXÕES E PESQUISAS
direitos como, por exemplo, a Declaração dos Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Outro fator preponderante para essa mudança de paradigmas são os avanços da ciência, com destaque para a ciência tecnológica e a neurociência. Com a evolução tecnológica, através dos meios de comunicação, passamos a ter outros referenciais de comportamento, por exemplo. Pudemos conhecer mais outras culturas, outras maneiras de nos relacionarmos, de educar e de transmitir valores e princípios de vida. A neurociência tem trazido contribuições fundamentais para as áreas do desenvolvimento e comportamento humano, da educação e dos processos de aprendizagem. Para ilustrar, a importância da neurociência aplicada à educação, trago uma passagem de Daniel Siegel, pediatra, psiquiatra e sistematizador de vários conceitos e abordagens a respeito do desenvolvimento de crianças e de adolescentes a partir de seus estudos sobre comportamentos, emoções e memória no âmbito familiar: Normalmente, os pais são especialistas em relação ao corpo dos filhos. Sabem que temperaturas acima de 37,5°C significa febre. Sabem como limpar um corte para não infeccionar. Sabem quais tipos de alimento podem deixar os filhos mais agitados antes de dormir. Mas mesmo os pais mais cuidadosos e esclarecidos costumam não ter informações básicas sobre o cérebro de seus filhos. Não é surpreendente? Especialmente quando levamos em consideração o papel central que o cérebro desempenha em todos os aspectos da vida de uma criança que importam para os pais: disciplina, tomada de decisão, autoconhecimento, escola, relacionamentos. O cérebro determina quem somos e o que fazemos. Como ele – o cérebro dos filhos – é significativamente moldado pelas experiências que oferecemos como pais, saber a forma como o cérebro muda em resposta à nossa forma de criar os filhos pode nos ajudar a torná-los mais fortes e resilientes. (Daniel Siegel, 2015)
Com esse panorama, quando temos a intenção de construir relacionamentos fortes com nossas crianças e adolescentes ao ponto de contribuir para formar o cérebro deles e de proporcionar-lhes uma base melhor para uma vida saudável, podemos entender porque o modelo de obediência com o qual fomos educados mostra-se cada vez menos compatível e eficiente, além de cada vez mais questionado. A construção de uma sociedade melhor se dá a partir do desenvolvimento de seres humanos com habilidades de vida, com capacidade de resolver problemas, cooperativos e participativos. A família e a escola são os primeiros espaços sociais nos quais temos
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ou não a possibilidade de desenvolvermos essas características. Se nossos filhos só forem obrigados a obedecer quando estão em casa, não conseguirão dar conta dos desafios que o mundo exige atualmente. Por outro lado, se acreditarmos que a solução é fazermos de tudo para que eles sintam-se sempre felizes e evitarmos ao máximo que enfrentem situações desafiadoras, também estaremos negligenciando a oportunidade de fortalecerem algo vital no seu pleno desenvolvimento, como nos diz Jane Nelsen, fundadora da abordagem da Disciplina Positiva: o músculo da frustração. Aqui cabe destacar uma constatação importante feita pelos estudiosos e criadores de abordagens educativas, embasadas nestes novos paradigmas. Tanto a educação permissiva quanto a educação autoritária, tão divergentes, mas igualmente extremistas, tendem a gerar pessoas inseguras. Do lado autoritário, podemos criar pessoas dependentes da condução externa, que não tomam decisões sem esperar aprovação ou comandos de pai, chefe, mãe, amigo, marido, esposa. Do lado permissivo ou negligente, também são grandes as chances de criarmos pessoas inseguras para levar adiante seus sonhos e projetos, porque não receberam de seus pais a validação de suas pequenas conquistas e limites claros, positivos para se desenvolverem com segurança.
E como praticar uma educação ancorada nestes novos paradigmas? O primeiro passo é estarmos dispostos a mudar o foco. Eu brinco que precisamos mudar a lente de nosso olhar. Precisamos estar abertos para olhar para a educação de nossos filhos a partir de outra perspectiva. Eu lhe convido a pensar a educação com foco no que queremos que nossos filhos aprendam e não apenas, como era no tempo de nossos pais, o que queremos ensinar. Com o foco no ensinar, podemos correr o risco de repetir padrões, estratégias que parecem ter funcionado sempre, afinal, estamos aqui adultos saudáveis, bem- sucedidos, não é mesmo? Porém, quando enfocamos no que queremos que nossos filhos aprendam, com esse enfoque, vem junto o permanente questionamento: como eu faço para ele aprender melhor? Com esse questionamento, desenvolvemos mais nossa habilidade de observar. Observar o que sentem, pensam e decidem nossos filhos a partir da maneira como os educamos.
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REFLEXÕES E PESQUISAS
Imagem: Acervo Despertar
Para isso ficar mais claro, eu lhe convido a um exercício prático:
1. Busque nas suas memórias de infância, um momento em que você teve algum comportamento que seus pais desaprovaram e o que você ouviu deles que ainda hoje você lembra. Com um papel e uma caneta, registre o que você ouviu e qual idade aproximada você tinha. 2. Após resgatar essa situação, escreva o que você lembra que SENTIU ao ouvir o que seus pais disseram. 3. Agora registre o que PENSOU a respeito da situação. 4. Por último, registre o que você DECIDIU, a partir do que você sentiu e pensou ao ouvir o que ouviu de seus pais. Após esse exercício, reflita se a fala de seus pais fizeram você se sentir pior ou melhor? A fala deles lhe encorajou a mudar seu comportamento ou você se sentiu desencorajado, pensando que não era capaz de fazer as coisas corretas? O que você aprendeu com essa experiência? Essas falas impactam ou ressoam nas decisões que você toma hoje para conduzir a educação de seus filhos? Com esse exercício, espero que eu tenha lhe ajudado a perceber que nossas atitudes como pais impactarão fundamentalmente as decisões que nossos filhos tomarão na sua vida futura, da mesma maneira que nossas decisões de hoje, como adultos, são impactadas, positiva ou negativamente, pela forma de educar de nossos pais.
O segundo passo é aprender novas habilidades parentais, ou seja, novas maneiras de educar seus filhos a partir de sua intencionalidade enquanto pai e mãe. Para isso, proponho mais um exercício reflexivo: registre que características e habilidades de vida espera que seus filhos tenham na vida adulta? Essas habilidades de vida terão mais chances de serem desenvolvidas pelos nossos filhos, e eles aprenderão a praticar comportamentos adequados, quando nossas atitudes como pais e mães transmitirem congruência e consciência. Uma das estratégias é educar - com firmeza e gentileza - juntas. Firmeza através do respeito a suas intenções, necessidades e limites como pai, e gentileza, compreendida como o respeito às necessidades do filho. Quando equilibramos as necessidades de ambos, estamos praticando a parentalidade consciente. E o que é respeitar as necessidades dos filhos? Eles não ficarão cheios de vontades? Necessidade não é sinônimo de desejo. Praticar uma parentalidade consciente consiste em aprender a identificar essas necessidades e estudar novas maneiras de atendê-las, já que agora entendemos que métodos educativos extremistas não fazem isso. Temos, como seres humanos, quatro tipos de necessidades fundamentais: aceitação e reconhecimento, pertencimento e importância, justiça e imparcialidade, capacidades e habilidades. Você pode até estar se perguntando: “O quê? Vou ter que estudar para ser pai?”. Sim! Se você estuda, se aprimora para desempenhar melhor a sua profissão,
REFLEXÕES E PESQUISAS
por que não estudar para desempenhar melhor o papel mais profundo entre todos que você tem: o de pai ou de mãe? Se você continua se questionando: “Vou ter que sentar em uma classe e deixar alguém papagaiando na minha frente?”. “NA NA NI NA NÃO”, como diria meu filho. Lembra que isso, segundo meu filho, era ´da escola´ dos séculos passados? Para te dar algumas pistas do que compreende Estudar ou Aprender no nosso contexto de pai e mãe: • Aprender a praticar a presença plena: não podemos estar presentes o tempo inteiro com os filhos, mas, quando estivermos com os filhos, que estejamos por inteiro. Busque conhecer o midfulness, o cerne dos relacionamentos acolhedores. • Abrir-se para aprender ao longo de sua vida: ter filhos é ter esta oportunidade de crescermos e nos desafiarmos. Comece a encarar os erros, seus e dos filhos, como momentos ricos de oportunidades de aprendizagem. As aprendizagens das experiências com erro moldam nossas conexões neurais e moldam nossa mente. Ao errar ou se deparar com um comportamento desafiador de seu filho, escolha corrigir, reparar e não julgar! • Agir com flexibilidade e com respostas refletidas: hoje se fala muito em habilidades socioemocionais e inteligência emocional. Comece por você e pratique com seus filhos o reconhecimento das emoções; o acolhimento de todas emoções, as agradáveis e as desagradáveis; a reflexão sobre essas emoções e sobre as decisões que vamos escolher seguir frente ao que nos causa tamanha emoção. Exemplo: vejo que você está triste porque gostaria de ficar mais no parque da escola e agora precisamos ir para casa. Amanhã você brincará novamente. Esse exemplo retrata uma situação vivida por muitos pais e que, se
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não for refletida, pode ter desfechos desastrosos quando temos respostas reativas como ameaçar, punir, desqualificar e outras tantas reações que temos como: Agora, chega! Você não aprende mesmo! Se não vier agora, não ganhará o pão de queijo que comprei para você e que está no carro! • Comunicar assertiva e afetivamente: comunicar significa falar com o outro e não falar para alguém. Comunicar-se de forma assertiva, positiva e afetiva envolve a escuta ativa. Falar com os filhos exige que estejamos dispostos a ouvir mais do que falar. Ouvir ativamente para acolher, para entender, para conhecer, para se conectar. A educadora parental e Coch Familiar, Loraine Thomaz, que foi a consultora do filme Divertidamente, diz que, para praticarmos a escuta ativa, precisamos ouvir com os ouvidos, olhos e coração. Experimente! Pratique! A partir dessa lição de amor, compartilho com vocês o combinado que fiz com meu filho para aprendermos e praticarmos juntos a escuta ativa: toda vez que um de nós quiséssemos conversar com o outro, só começaríamos a falar quando estivéssemos olhos nos olhos. Posso garantir que nossa comunicação está mais assertiva e, fundamentalmente, mais afetiva e empática. Com essas dicas e exemplos de como podemos aprender novas formas de agir sem precisar sentar numa classe escolar tradicional, tenho o desejo de que você possa construir um olhar mais curioso e esperançoso frente às inúmeras possibilidades que se apresentam quando nos deparamos com os infindáveis desafios que temos como pais e mães. Ao aprendermos a agir diferente e melhor, também estamos permitindo que nossos filhos aprendam ao seguir nossos exemplos. Para encerrar, lhe convido a pensarmos juntos que criar nossos filhos numa perspectiva respeitosa para ambos faz com que os pais e as mães contemporâneos vejam com olhar esperançoso a seguinte máxima:
“Educar-se para Educar!”
* Daniela de Abreu é Pedagoga, Mestre em Educação pela UFRGS; Educadora Parental
Consultora Educacional; Mentora de Profissionais Parentais; Coach Familiar e Co-autora dos livros Professores Extraordinários e Habilidades Socioemocionais na Primeira Infância. Face/inta: @danieladeabreueducadora Site: www.danieladeabreu.com.br
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REFLEXÕES E PESQUISAS
Juliana* ABULÈ
LINDSAY*
GUIMARÃES
MATRIZ SOCIOEMOCIONAL: SENDO E DESENVOLVENDO UMA HUMANIDADE COMPARTILHADA
Imagem: Acervo Despertar
Como podemos ajudar as crianças a tirarem proveito do futuro? O que é educar para a totalidade? Como criar uma vida cotidiana digna? Como possibilitar que a vida de uma criança espelhe quem ela é?
LUANNA* TABORDA
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Sir Ken Robinson em uma conferência do TED, organização sem fins lucrativos que se dedica a divulgar ideias ao redor do mundo geralmente na forma de palestras, essa intitulada “As Escolas Matam a Criatividade”, traz a seguinte reflexão: “Não existe um sistema educacional no planeta em que se dance todos os dias da mesma forma que se aprende matemática, por quê?”. Segundo esse autor o sistema educacional está baseado na ideia das habilidades acadêmicas e existe um motivo para isso: disciplinas mais úteis para o trabalho estão no topo. A educação tem o papel de nos conduzir para o futuro, quais competências são necessárias para o atual contexto de trabalho? De repente, diplomas não valem para mais nada, há um processo de inflação educacional, indicativo de muitas mudanças.
também onde é coletado o nome próprio e a legitimação da voz.
Em 2019, Word Economic Fórum transcorreu no Relatório do Capital Humano com o subtítulo “Preparando Pessoas para o Futuro do Trabalho”, apontando que 65% das crianças que ingressam na escola primária hoje acabarão trabalhando em tipos de empregos completamente novos que ainda não existem. Isso deve ser motivo de preocupação quando se olha para o conjunto de habilidades exigidas na Quarta Revolução Industrial, sendo essas: habilidades na resolução de problemas complexos, pensamento crítico, criatividade, inteligência emocional e flexibilidade.
a) estimular conexões de sentidos e significados; b) contribuir para relações honestas; c) desenvolver competências para a vida: desenvolvimento de habilidades que repercutem na totalidade de uma vida, realmente tocando o futuro; d) possibilitar diálogos circulares e colaborativos; e) contemplar o Currículo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018) no que tange as aprendizagens da Competência Socioemocional; f ) assegurar a saúde mental: criação de espaços de escuta, momentos de acolhimento, diálogos colaborativos entre membros da comunidade escolar, formações continuadas aos educadores.
Jinpa (2016) nos traz questionamentos interessantes sobre o mundo atual: devemos seguir reduzindo a educação infantil ao desenvolvimento acadêmico ou devemos buscar o desenvolvimento pleno da criança, envolvendo tanto o cérebro quanto o coração? Precisamos capacitar todas as escolas ao redor do mundo para ensinar habilidades de vida para as nossas crianças.
Portanto, “devemos ensiná-las a administrar a própria mente e a cuidar do coração – delas e dos outros” (GERHARDT, 2017). Dessa forma, constitui-se uma comunidade de aprendizagem em que todos os envolvidos aprendem, assim como ensinam. Quais os objetivos? O objetivo central da matriz é aproximar o conteúdo da experiência através de uma comunicação que traduza a realidade de que “a escola é feita de pessoas, sendo imprescindível assegurar um ambiente de relações saudáveis” (HAMPSHIRE, 2021).
Por que se faz necessário uma Matriz de Desenvolvimento Socioemocional? Alfred Adler descreveu o “interesse social” como uma preocupação real com os outros e um desejo sincero de contribuir para o coletivo. À medida que as crianças entram na vida de suas famílias e escolas, o senso de pertencimento e de aceitação é um desejo (NELSON, LOOT, GLENN, 2017). E uma das maneiras poderosas de obter um senso de pertencimento é coletar uma contribuição significativa para o bem-estar de si e de outras pessoas, sendo esse um envolvimento significativo de conexões. Contudo, a escola é onde a importância do coletivo é aprendida, mas
Imagem: Acervo Despertar
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REFLEXÕES E PESQUISAS
A matriz Com o intuito de organizar uma prática afetiva e efetiva no que tange desenvolvimento socioemocional, construímos um documento que contempla três aspectos: Identidade, Convivência e Coletividade. Esses três eixos não exigem que sejam pensados cronologicamente, já que eles se sobrepõem e existem concomitantemente no cotidiano escolar. Ao experimentar os poderes e limites de seu corpo, imagina seus encantos e descobre seus desejos (identidade), põe à prova hipóteses sobre o seu entendimento, dos outros (convivência) e do mundo (coletividade). Concomitantemente, a criança vai construindo crenças de si mesma, crenças das pessoas com quem convive e sobre outras que ocasionalmente encontra, sobre como é esse mundo social. Imagem: Acervo Despertar
Eixos
IDENTIDADE Quem eu sou?
CONVIVÊNCIA Quem é o outro?
COLETIVIDADE Que mundo é esse?
Habilidades Autoconhecimento Autoestima Sexualidade Autonomia Comunicação Iniciativa pessoal
Habilidades sociais • Empatia • Cooperação • Competência nas relações • Honestidade emocional • Expressividade emocional • Autorregulação • Comunicação não violenta • Negociação • Assertividade Ética Moralidade
Consciência social Sustentabilidade Relação com a natureza Responsabilidade
REFLEXÕES E PESQUISAS
Identidade O ser humano, durante a infância, além de utilizar o potencial criativo para atingir uma adaptação ao mundo, está comprometido com a constituição da identidade pessoal, considerada a obra mais criativa de uma vida, visto que todas as outras realizações serão embasadas nesta primeira. Para Winnicott (1975), o potencial criativo é inato e torna-se presente no relacionamento do indivíduo com o mundo, sendo o principal responsável pelo sentimento de que a vida é significativa. A criança nunca aprenderá a tomar decisões, a adquirir novas habilidades ou a desenvolver estima se os desafios da vida não forem oportunizados. Desenvolver autonomia e iniciativa estão entre as primeiras habilidades da primeira infância. É na infância que o ser humano saudável realizará as experiências reveladoras de aspectos subjetivos que lhe são próprios, um estilo próprio de ser e fazer. Convivência Segundo Gerhardt (2017), é através do engajamento com outras mentes que as emoções se tornam organizadas, sendo essenciais os padrões de experiência emocional com outras pessoas, estabelecidos de forma marcante na infância. Isso não significa que os padrões são inalteráveis, mas que são mais difíceis de serem rompidos. A criança que exercita o jogo do relacionamento social experimenta o ato de tomar a iniciativa do convite ao envolvimento afetivo, investindo nas identificações subjetivas das diversificadas relações que estabelece com os outros. Isto é, ao mesmo tempo que as relações servem como um contexto para o desenvolvimento da regulação das emoções, também a regulação das emoções é a componente básica para relações socialmente competentes (BELL; CALKINS, 2000). Coletividade Poucas são as certezas, porém existem alguns indícios que nos contam sobre o impacto do coletivo no desenvolvimento individual e vice-versa. Em 2006, se potencializava na internet um importante movimento nomeado “Do it yourself” - Faça você mesmo, que acabou por evoluir para “Do with the others” Façamos todos juntos. Essa mudança no movimento do eu para o nós nos
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impulsiona a refletir sobre a matriz e seus impactos na educação: impactos na aprendizagem; no desenvolvimento integral das crianças para estarem e serem no mundo, a possibilidade de serem críticos, atuantes e decidir pautados na ética e moralidade; na promoção da equidade, dialogando com as necessidades da sociedade; na mudança cultural, contribuindo para o desenvolvimento da conscientização emocional. Assegura-se, assim, o aprendizado das habilidades essenciais para florescerem nesse novo mundo que nos define como membros da mesma família humana, uma humanidade compartilhada. Em 2013, o Mind and Life Institute, que é uma organização que tem Dalai Lama como cofundador, iniciou um desafio relacionado às questões morais, buscando estudar o que a ética secular poderia proporcionar à sociedade. Em termos conceituais, entende-se que a ética secular busca uma abordagem para a ética, sendo aceitável por todos: tanto os que têm fé quanto o que não tem e que estaria relacionada à capacidade humana de receber, experimentar e oferecer a compaixão. Nesse sentido, até o devido momento, a pesquisa teve como resposta “que o nosso instinto de cuidado é a base do sentimento moral e de que nosso desenvolvimento social e moral é definido por três categorias principais de cuidado: o que recebemos dos outros, o que estendemos aos demais e o cuidado de si” (Jinpa, 2016). Portanto, para o autor referido, o desenvolvimento das próximas gerações, que se faz diante dos desafios de nosso mundo interconectado, é influenciado diretamente pela forma como educamos nossas crianças hoje, dependendo de nós se elas crescerão “com um senso coletivo de responsabilidade e corações que se importam com o destino de nosso mundo ou não”. Quais são os princípios fundamentais para educarmos nossas crianças para o novo mundo pós- pandêmico? Para um futuro tão imprevisível, a dádiva da criatividade e a competência ganham destaque no cenário futuro. O Teste Torrance de Pensamento Criativo é frequentemente citado como um exemplo de como o pensamento divergente das crianças diminui com o tempo. As crianças na Educação Infantil são “gênios criativos”, elas podem pensar em oportunidades infinitas de como usar uma caixa de papelão, por exemplo. O que é mais preocupante em relação à questão do capital humano é que, nos últimos 31 anos, o Teste Torrance mostrou uma diminuição na originalidade entre as crianças (da educação infantil ao 3º ano do Ensino Fundamental).
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REFLEXÕES E PESQUISAS
As crianças estão, constantemente, se aventurando na construção de perguntas e hipóteses, não se detendo tanto no medo de errar. Para elas, essa caixa de papelão pode ser um trem, um esconderijo, um carro e, até mesmo, um objeto para guardar seus itens mais preciosos. Com isso, mostram-nos que a originalidade é fundamental no pensamento criativo. Infelizmente, nosso contexto social busca, de diversas formas, abolir a possibilidade de errar, afetando na iniciativa pessoal. Segundo Ken Robinson, estamos sendo educados para abandonar a criatividade. Contudo, o paradoxo se faz presente ao pensarmos que é exatamente a criatividade que nos ajudará nesta adaptação coletiva e, até mesmo, a prosperar no novo mundo do trabalho (LINKEDIN LEARNING WORKPLACE LEARNING REPORT, 2021) e no novo mundo pós-pandêmico. FranKlin, uma universidade na Suíça, tem em sua missão capacitar os estudantes para serem: culturalmente alfabetizados, eticamente conscientes e intelectualmente corajosos, preparando-os (e presumivelmente vivendo de acordo com esses padrões) para se tornarem líderes responsáveis, compassivos e colaborativos.
A escola é para as crianças o que o local de trabalho é para nós: uma criança escutada respeitosamente na Infância por seus educadores e por seus colegas poderá desenvolver a habilidade de escuta ativa, respeitosa e honesta em espaços laborais? Uma criança autônoma na escola poderá desenvolver a criatividade por vias de tentativas e erros no mundo do amanhã? Uma criança assegurada de espaços colaborativos e intencionalmente abertos para diálogos sobre os seus sentimentos poderá usar a capacidade natural de empatia de forma construtiva em suas relações? Uma criança protagonista em suas fases do desenvolvimento poderá se beneficiar do sentimento de pertença no coletivo. A escola que acolhe, então, é aquela que escuta e oferece experiências para, intencionalmente, desenvolver as habilidades para a vida de todos aqueles que habitam esse lugar de encontros, encontro de si, do outro, encontros... Sobretudo um espaço que assegure a infância e torne o futuro um lugar habitável.
BELL, K. L; CALKINS, S. D. Relationships as inputs and outputs of emotion regulation. Psychological Inquiry, 11, 3, p. (160–163), 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. GERHARDT, S. Porque o amor é importante: como o afeto molda o cérebro do bebê. Porto Alegre: Artmed, 2017. HAMPSHIRE, J. Por que a escola é importante. In: Escola que Sente. LIV, 2021. E-book (não paginado). JIMPA, T. Um coração sem medo. Sextante, 2016. LINKEDIN LEARNING WORKPLACE LEARNING REPORT. Workplace Learning Report 2021. Disponível em: https://learning.linkedin.com/resources/workplace-learning-report/download-report/3qc. Acesso em: 26/08/2021. NELSON, J; LOOT, L; GLENN, H. Disciplina positiva em sala de aula: como desenvolver o respeito mútuo, a cooperação e a responsabilidade em sua sala de aula. 4.ed. Barueri, SP: Manole, 2017. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. WORD ECONOMIC FORUM. Human Capital Report, 2019.
* Juliana Abulé Prudencio é psicóloga, especialista em psicologia clínica (Contemporâneo - Instituto de Psicanálise e
Transdisciplinaridade) da infância, adolescência, casal e família. Educadora Parental pela Positive Discipline Association. Atua como psicóloga clínica no consultório e psicóloga escolar na Escola Despertar.
* Lindsay Guimarães Uellner é psicóloga formada pela UFRGS. Especializanda em atendimento psicoterápico de
orientação psicanalítica da infância e adolescência (ITIPOA). Psicóloga clínica de crianças, adolescentes e adultos.
* Luanna Taborda é graduada em Psicologia na PUCRS, 2015. Atuando como Psicóloga Clínica - Formação em Terapia Sistêmica Integrativa, INSTITUTO DA FAMÍLIA, 2017 e Psicóloga Escolar - CAPE, 2018. Formação e Supervisão em Mindfulness e Educação Socioemocional, PROGRAMA SENTE. Educadora Parental, POSITIVE DISCIPLINE ASSOCIATION. Cursando Pós-Graduação em Desenvolvimento Infantil. Estagiária na Escola Despertar no ano de 2014 e atuando como Psicóloga Escolar nessa instituição há seis anos.
REFLEXÕES E PESQUISAS
IMPLICAÇÕES DA MOTIVAÇÃO NA APRENDIZAGEM
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DANIELLA* MARRONE
Imagem: Acervo Despertar
O que motiva as crianças ou qualquer indivíduo a aprender? Essa é uma pergunta complexa que a ciência vem, há bastante tempo, tentando responder. Houve, inicialmente, a hipótese de que seriam necessários estímulos externos atuando como reforçadores para atingir-se um determinado comportamento (Lepper & Henderlong, 2000). Entretanto, há indicativos de que o uso desse tipo de estímulos pode não ser tão efetivo (Lepper & Henderlong, 2000). Qual seria, portanto, a melhor forma de motivar e de promover uma aprendizagem mais plena? Antes de responder a essa pergunta, é fundamental diferenciar os tipos de motivação. De acordo com a Teoria da Autodeterminação (TAD), existem diferentes tipos que vão desde a amotivação, motivação externa até a motivação intrínseca. A amotivação denota uma total falta de motivação para realizar qualquer tarefa (Ryan & Deci, 2000). A motivação externa, por sua vez, subdivide-se em quatro tipos: 1) regulação externa
(acontece quando há um estímulo externo e/ou recompensa para a motivação); 2) regulação introjetada (caracteriza-se por envolver sentimento de culpa ou necessidade de reconhecimento); regulação identificada (quando acontece identificação com algum valor ou atitude que acaba sendo acolhido como seu); 4) regulação integrada (o comportamento acontece conforme necessidades e valores do indivíduo) (Deci & Ryan, 2000). Já a motivação intrínseca envolve prazer na ação e a recompensa baseia-se no sentimento de autonomia e eficácia (Deci & Ryan, 2000). É importante salientar que cada pessoa possui diferentes tipos de motivação em diferentes áreas da sua vida. Por exemplo, Maria pode se sentir intrinsecamente motivada na realização de atividades físicas, no entanto pode ser que nas aulas de matemática ela se motive por algum tipo de recompensa externa como, por exemplo, passar de ano. Nesses diferentes
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REFLEXÕES E PESQUISAS
tipos de motivação, os comportamentos envolverão maior ou menor nível de autonomia e sentimento competência, assim, quanto mais intrinsecamente motivado, maior senso de autonomia e de competência. A motivação intrínseca costuma ser predominante nos anos iniciais da escola, porém, conforme as crianças crescem, essa situação muda e predomina a motivação por motivos externos (Harter, 1981; Cordova & Lepper, 1996; Lepper, Corpus & Iyengar, 2005, Boruchovit, 2008; Rufini, Bzuneck & Oliveira, 2012). Agora podemos voltar à pergunta anterior, então, como promover maior motivação para o aprendizado? A TAD entende que para promover formas mais autônomas de motivação, seja através de motivação externa identificada ou integrada, seja motivação intrínseca, é fundamental que sejam atendidas as necessidades básicas de autonomia, competência e relação. Essas necessidades são consideradas universais, pois representam requisitos inatos ao invés de motivos adquiridos. O indivíduo é considerado como ativo no seu desenvolvimento, ou seja, dentre outros aspectos, se houver um ambiente que dê suporte a essas necessidades, assim ele desenvolve plenamente suas habilidades. Porém, se o ambiente falha nessa provisão, é provável que seu desenvolvimento seja inibido (Ryan & Deci, 2017; Deci & Ryan, 2000). A autonomia envolve desejo e experiência de autoendosso (Ryan & Deci, 2017). Quando, em um movimento autônomo, é vivenciada uma experiência de que não há pressões externas ou internas para alcançar um determinado objetivo, este é vivido como de total acordo com o desejo do indivíduo (Reeve & Tseng, 2011). A competência refere-se ao sentimento de eficácia e de efetividade nas trocas com o meio social e apoio para o crescimento, expressão e ampliação de talentos e capacidades (Deci & Moller, 2005, Ryan & Moller, 2016, Ryan & Deci, 2017). Já o sentimento de relação remete ao sentimento de conexão e pertencimento a um grupo que é sentido como apoiador e responsivo às necessidades do indivíduo. (Baumeister& Leary, 1995, Deci & Ryan, 2000, Ryan & Deci, 2017).
No curso do desenvolvimento, essas necessidades serão atendidas em maior ou menor grau, dependendo do ambiente. Além do cuidado oferecido pela família, a escola exerce importante papel na manutenção dessas necessidades, já que se faz presente em um período importante e decisivo do desenvolvimento que se estende da infância até a adolescência. Nesse sentido, a forma como a escola e o professor encaminham o desenvolvimento de suas atividades e acolhem as necessidades dos alunos são fundamentais na motivação para a aprendizagem. Tem-se como exemplo um estudo que diferenciou dois tipos de comportamento dos educadores: “controlador” e “apoiador de autonomia”, e obteve como resultado o predomínio de comportamentos mais intrinsecamente motivados nos alunos de professores com perfil que apoiava o funcionamento autônomo em sala de aula (Deci, Schwartz, Sheinman & Ryan, 1981). Professores tendem a uma melhor conexão com os alunos à medida que se permitem relacionar-se com a perspectiva deles, proporcionando, assim, maior iniciativa dos alunos ao questionamento e busca por respostas e oportunizando suporte à autonomia (Ryan & Deci, 2017). Existem evidências de que as crianças, quando percebem o suporte para a autonomia, demonstram maiores níveis de autonomia, menor controle, maior sentimento de competência e melhor desempenho escolar (Lee, Yu, & Choi, 2012). Quando há um favorecimento à autonomia, oportuniza-se um incremento da motivação intrínseca, possibilita-se que sejam propostas tarefas que estejam de acordo com o nível de competência e, com isso, haja um maior engajamento do aluno no processo de aprendizado (Grolnick & Ryan, 1987). Considerando esta breve exposição acerca da motivação e da satisfação de necessidades consideradas básicas para o desenvolvimento, podemos concluir que, para que a escola seja um ambiente propício ao pleno desenvolvimento, é importante que professores possam agir de forma ativa e criativa, atentando para o livre pensar dos alunos. Dessa forma, será possível criar um ambiente de relacionamento propício à construção do conhecimento, valorizando interesses e, consequentemente, preservando o senso de autonomia e competência dos alunos.
Confira as referências * Daniela Bergesch D’Incao Marrone é psicóloga, especialista em psicologia clínica (Contemporâneo Instituto de Psicanálise e Transdisciplinaridade) da infância, adolescência, adultos, casal e família. no QR Code Possui mestrado e doutorado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como psicóloga clínica, professora no Instituto Contemporâneo e colaboradora no Laboratório de Mensuração na UFRGS.
REFLEXÕES E PESQUISAS
PROJETO ESCOLA CERTA:
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ROCHELLE* FONSECA
RECONHECENDO A PRONTIDÃO ESCOLAR PARA O DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS
Imagem: Acervo Despertar
Equipe Escola Certa: Dr. Luis Augusto Rohde, Dr. Thiago Rocha (psiquiatria), Sônia Moojen (fonoaudiologia e psicopedagogia) e Dra. Rochele Paz Fonseca (psicologia, fonoaudiologia e neuropsicologia) Quem nunca se preocupou ou, no mínimo, parou um tempo para pensar frente a uma das mais impactantes decisões da vida de uma mãe ou de um pai - em qual escola matricular meu filho/minha filha? Pergunta de diferentes e desafiadoras respostas, com um leque de fatores a se considerar. Tentarei responder considerando todos os meus papéis, mãe de 2, neuropsicóloga, psicóloga e fonoaudióloga clínica e
professora universitária/pesquisadora, aplicando-os em um projeto muito inovador de serviço, contribuição para a sociedade e pesquisa: ESCOLA CERTA. Nas trilhas dessa resposta, um especial destaque será dado para um conceito antigo mas que precisa ser revisitado e reconhecido novamente: prontidão escolar!
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REFLEXÕES E PESQUISAS
A vida pré-escolar no oficial ciclo de Educação Infantil das crianças tem duas trajetórias tradicionais: (1) a criança faz boa parte ou todo o ciclo em uma escola especializada em Educação Infantil e segue para uma Escola de Ensino Fundamental e Médio ou (2) já inicia a Educação Infantil em uma “escola dos grandes”. A decisão de para qual instituição os pais vão “entregar temporariamente”, compartilhar cuidado e formação inicial na Educação Infantil já é difícil, mas sem dúvidas a etapa mais “puxada” é a do Ensino Fundamental, pois aí começa o ciclo das crianças “maiores”, da sonhada e também temida alfabetização, das novas regras sociais e de aprendizagem formal. Mapeando por anos como médicos psiquiatras essa difícil trilha, Drs. Luis Rohde e Thiago Rocha se uniram, criando uma plataforma de apoio a esta decisão: Escola Certa (escolacerta.com.br). Tal projeto, além de pioneiro, é de grande relevância para os pais neste processo de tomada de decisão. Podem ser escolhidos alguns fatores, motivos ou razões, como segurança, abordagem baseada em religião, proximidade, atividades extraclasse, entre outros, para nos ajudar na balança de, ao menos, triar ou pré-selecionar algumas escolas a serem contatadas e visitadas. Para poucos, essa decisão torna-se mais facilitada quando é um valor familiar transgeracional, isto é, avós e pais estudaram naquela escola e já está pré-escolhida para seus filhos. A pergunta de base é: toda escola está pronta para qualquer criança e toda criança está pronta para qualquer escola? Não e não são as respostas corretas. Tais respostas vão contra as expectativas do mundo “politicamente correto” do que se espera ouvir ou ler, mas é uma resposta baseada em evidências científicas e em muita prática clínica e educacional. O desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças pode ocorrer em trajetórias distintas, de um contínuo como se fosse uma régua de muita facilidade a uma grande dificuldade em vários desfechos como correr, pular, se manter sentado fazendo uma atividade por uma hora, gostar e engajar em uma história contada ou lida, em uma tarefa que precisa de maior criatividade ou de maior repetição, entre outras. Do mesmo modo, há diferentes escolas, com diferentes abordagens e métodos, diferentes metas e focos na formação de seus estudantes. Há casamento perfeito? Não, mas na tomada de decisão podemos tentar ter ajuda para identificar quais são as características de cada
escola que são mais positivas ou menos benéficas, versus o que conhecemos de nossas crianças para que esta união seja a mais promissora para a evolução dela da infância à adultez. Até mesmo o que significa para cada um de nós “ser mais promissor” varia muito, podendo ir desde ser feliz, a tirar nota mínima tal, aprender a fazer amigos de diferentes características, a respeitar autoridade, a ser estimulado à liderança, à criatividade, às futuras avaliações para ingresso no mundo acadêmico ao profissional. Além desta plataforma de acesso público a quem quiser ajuda, baseada em dados científicos e de informações oferecidas pelas próprias instituições educacionais de Porto Alegre, o projeto Escola Certa, pensando na prontidão escolar e, inicialmente, nas crianças no final da Educação Infantil prestes a ingressarem no 1o. ano do Ensino Fundamental, montou um serviço de acolhimento de pais e filhos para esta tomada de decisão: qual escola para meu filho/minha filha? Unindo psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia e psicopedagogia, é feito um mapeamento das características de desenvolvimento de cada criança e, a partir das escolas já pré-pensadas pelos pais, auxilia-se na análise de sincronia ou de melhor encontro entre o perfil de cada criança e o perfil de cada escola/abordagem/método. O que é, então, a prontidão escolar? É um conjunto de características da criança, da escola e da comunidade ao redor delas que prepara melhor cada indivíduo em fase pré-escolar para ingressar no mundo da alfabetização, da matemática e da aprendizagem mais formal e sistemática. A resposta não é dicotômica ou simples, de sim, está pronta, ou não, esta criança não está pronta para o 1o. ano e para esta escola que vocês almejam; ao contrário, é complexa e personalizada: quais características são mais sugestivas de sucesso escolar e pessoal no 1o. ano desta escola que vocês querem ou para este grupo de escolas que pré-escolheram? Mais uma vez, devemos pensar em um contínuo de desenvolvimento motor, emocional, de linguagem, de funções executivas (inibição, memória para duas ou mais informações ou tarefas ao mesmo tempo, flexibilidade de pensamento e de pontos de vista), de memória, de autonomia e independência, de experiências pré-escolares vividas.
REFLEXÕES E PESQUISAS
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Imagem: Acervo Despertar
Quais são as características de prontidão escolar a serem mapeadas em cada criança? Seguem alguns exemplos para ilustrar este domínio de desenvolvimento geral da infância:
LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
Reconhece a relação entre sons das palavras, entende e usa rimas (consciência fonológica)? Ouve histórias e as reconta? Começa e mantém uma conversação? Consegue mudar seu jeito de conversar e o conteúdo de acordo com diferentes pessoas e contextos de comunicação?
MOTRICIDADE Consegue pegar adequadamente um lápis para desenhar e/ou escrever? Consegue recortar? Faz colagens com objetos maiores e menores? mantém equilíbrio em atividades físicas e brincadeiras motoras? Apresenta alguma noção de partes do corpo, espaço entre seu corpo e diferentes ambientes e direita e esquerda?
PRÉ-LEITURA, PRÉ-ESCRITA E PRÉ-MATEMÁTICA
Tem noção se existem letras, números, forma geométricas e cores e que são diferentes entre si? Associa um número falado ou desenhado à quantidade real do que representa (2 = 1 pato + 1 pato)? Tem interesse por letras do seu nome e pelo ato de escrever para comunicar algo como cartões, etiquetas de presentes, cartas para datas especiais e listas para o mercado? Reconhece o papel inicial da leitura na vida das pessoas como um valor da família e da sua escola?
ATENÇÃO E FUNÇÕES EXECUTIVAS
Consegue se manter nas tarefas pelo tempo que é necessário até terminá-las? Adia ganhos ou prefere se envolver naquilo que lhe dá um prazer mais imediato? O quanto consegue alternar entre ficar mais agitado e às vezes mais calmo para se envolver com atividades do grupo? Se coloca no lugar do outro e passa a falar, pensar, sentir e agir de acordo com o que percebe desse outro (teoria da mente)?
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REFLEXÕES E PESQUISAS
seus valores, suas vivências e suas expectativas com o futuro de seus filhos na escola; cada escola tem seus pontos de maior e de menor investimento e seus limites também, pois nenhuma pessoa e nenhuma instituição é perfeita, e considerar essas diferentes histórias, trajetórias e os diferentes alcances de desenvolvimento cognitivo e socioemocional é respeitar o direito de cada criança e seu potencial a ser estimulado e potencializado por sua história escolar.
Imagem: Acervo Despertar
Essas são apenas algumas das facetas da prontidão escolar que por muito tempo foi tida como “Betty, a feia” da educação e da saúde e nada mais é do que o mapa das condições de cada criança com respeito às suas forças e às suas eventuais fraquezas para cada momento e cada contexto de aprendizagem escolar. Cada criança tem suas particularidades, seu jeito de ser, sua personalidade em formação; cada família tem
Falando nisso, como estimular a prontidão escolar do seu filho/de sua filha? Brincando, lendo, conversando, se mantendo ativo, dormindo bem, se alimentando bem, e trocando afeto/o maior amor possível do mundo. Só que nós, pais, também somos indivíduos, e com isto trazemos uma bagagem e demandas pessoais e profissionais próprias, que nem sempre nos ajudam a conseguir nos experimentar e investir em todas estas ações o quão bem quanto gostaríamos. Felizmente existem as escolas de Educação Infantil, como a Despertar, para serem nossas parceiras nesta sociedade do gerenciamento mais caro do mundo em todos os sentidos: formar nossos filhos para a vida! O projeto Escola Certa, em suas facetas de serviço, pesquisa e conscientização/compartilhamento com a comunidade familiar e escolar, espera poder contribuir cada vez mais e melhor com a tomada de decisão que nos inquieta: em qual segunda casa nosso pimpolho ou nossa pimpolha passará os próximos anos, alicerces, de sua formação e de seus laços pessoais e sociais? Que nossos caminhos sejam os melhores possíveis rumo a uma aprendizagem e manutenção de saúde mental e física para o futuro individual e de nossa sociedade!
* Rochele Paz Fonseca, representando a equipe Escola Certa. Mãe da Victória (6 anos e 9 meses, ex-aluna ainda
em fase de separação do “mundo” Escola Despertar) e do Henrique, 4 anos e 3 meses, aluno da Despertar. Psicóloga, fonoaudióloga e neuropsicóloga, professora titular e pesquisadora da Psicologia da PUCRS. Presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp), Membro do Science Committee da International Neuropsychological Society (INS) e da Coordenação da Rede Nacional de Ciência para a Educação (CpE).
NARRATIVAS POÉTICAS
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20 ANOS
INTEGRANDO ESTUDO E A AÇÃO
Relatos de Percursos afetivos e itinerários profissionais construídos no Estágio de Psicologia na escola Despertar A interação escola e universidade deve ser contínua, ampliando os saberes a partir das oportunidades cotidianas de encontro e interação com a cultura da infância. A escola como uma grande comunidade de aprendizagem, é um lugar em que todos ensinam e aprendem juntos, no qual predomina o diálogo, a cooperação e a troca entre aqueles que fazem parte do cenário educativo. Imagem: Acervo Despertar
Cleo Medeiros
Autônomos, nunca automáticos.
Imagens: Acervo pessoal
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NARRATIVAS POÉTICAS
Autonomia. No dicionário, “capacidade de governar-se pelos próprios meios”. Durante minha experiência de estágio na Escola Despertar, no ano de 2018, sem dúvidas, essa foi uma das palavras que mais cruzou o meu caminho. Mas de que autonomia se falava? Escolhi a Despertar, em 2018, em um momento no qual pululavam em minha mente perguntas sobre o desenvolvimento infantil, a constituição do psiquismo e o papel da Psicologia no ambiente escolar. O trabalho com a infância me encantava, o ambiente escolar me intrigava. Qual o meu lugar aqui? Que escuta eu tenho para oferecer? Sem dúvida, não é a mesma do fazer clínico, para o qual somos mais preparados durante os anos de graduação. Como eu posso contribuir para a produção de conhecimento, o olhar para a infância, a compreensão dos processos de maturação e de aprendizagem? Perguntas para as quais, já aviso de antemão, até hoje não encontrei respostas satisfatórias. Talvez justamente por não haver resposta possível quando tomamos a infância como o campo do enigma, do inesperado. Sempre há algum traço que nos escapa, por mais completas que sejam nossas teorias, por melhores que sejam as nossas aproximações, algo da criança sempre escapa e retorna para nos surpreender. Mas voltemos à autonomia. Nas semanas iniciais no estágio, assoberbada pela imensidão de informações que recebia, escutei inúmeras vezes essa palavra. O trabalho do estagiário, diziam-me, não era de forma alguma, engessado, burocrático. Me seria confiada a sensatez de, a partir do meu olhar e da minha escuta, optar por onde seguir. Foi assim que, junto com a equipe de psicologia, iniciamos o trabalho de elaboração de uma Matriz Socioemocional. Essa matriz, tão complexa, acabou mostrando que o fim de meu estágio chegou antes da sua finalização. Chamo-a de complexa, não por fastio, mas sim porque ela desvelou
a importância capital de um olhar pormenorizado para a infância e seus atores. Com seus eixos, subeixos e indicadores, apontava para um trabalho comunitário na formação de um pequeno sujeito. Já diz o provérbio africano: “é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. Uma aldeia, eu não saberia dizer, mas sem dúvidas uma escola inteira, das educadoras aos funcionários da limpeza, do administrativo à cozinha, passando pela recepção e pelas outras crianças que ali estão. Aqui, entra outra dimensão da palavra autonomia. Nessa polissemia tão potente, me vi imersa em uma compreensão da infância em que este conceito era o norte. Autonomia nos movimentos, autonomia na exploração, autonomia para empreender testes, aventuras, para nomear vontades e estabelecer ritmos. Se foram os tempos de tábula rasa, de folha em branco, naquele momento, eu aprendi que podia aprender mais, que, inclusive, poderia aprender muito se não me deixasse levar pelo furor de antecipar uma vivência pela criança e apenas a observasse. Observar, aprendi, também é muito difícil. É uma presença que se faz muito mais silenciosa, sem alardes, sem luzes estroboscópicas ou música alta. Um olhar implicado, extremamente ativo na sua opção de não se fazer excessivo. Encerro este escrito referenciando seu título. Autônomos fomos todos. Eu, os companheiros de estágio, as crianças. Preocupados, porém, em nunca nos deixarmos cair nos automatismos de um fazer estagnado e cheio de si. Quando se fala de autonomia na Escola Despertar, entendo que se trate da escolha radical especialmente em um contexto de tanta rapidez - de respeitar o seu próprio tempo, seu desejo e de agir de acordo com o que a experiência vai fazendo aparecer na miudeza de um dia a dia que não tem pressa para acontecer.
Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora no Núcleo de Estudos em Psicanálise e Infâncias (NEPIs/UFRGS). Auxiliar de Psicóloga Escolar na Despertar.
Cleo
MEDEIROS
NARRATIVAS POÉTICAS
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Leonardo Messias da Silva Cabral
Nutrindo raizes
Imagens: Acervo pessoal
Atualmente eu trabalho como psicólogo clínico em consultório particular, atendendo crianças, adolescentes e adultos. A experiência de estágio na despertar me impactou de tal forma que essa influência é visível ainda hoje no meu trabalho, no profundo respeito que tenho pelas crianças. Pude ver como as crianças têm uma capacidade surpreendente de imaginação que muitos artistas cobiçam, de percepção sensível da existência que deixaria filósofos pensativos, e como florescem quando lhes são dadas condições que favorecem sua experimentação, curiosidade e confiança. Essas condições citadas são possíveis pela abordagem pedagógica que incentiva um aprender através do encantamento com o mundo, pela abordagem psicológica que ampara as relações e facilita a comunicação afetiva e, sobretudo, pela disponibilidade, sabedoria e
amor que as professoras lhes dedicam. Com essas educadoras valiosas, eu pude ver o desafio diário que é educar e como elas podem ser determinantes no desenvolvimento de uma criança, pois tal como o adulto a vê, assim ela se verá. Na época do estágio, passamos por uma adaptação, assim como um novo aluno na escola. Aos poucos vamos observando, reconhecendo o lugar em busca de segurança, fazendo contatos e fortalecendo vínculos nas salas, no refeitório, nas reuniões de pais, nos momentos de supervisão, planejamento e conversa em equipe. Com o tempo, iniciamos pequenos projetos a partir da nossa relação com o ambiente, assim vamos pertencendo mais, ganhando em confiança e capacidade, tal como aquele outro aluno menor vivencia. É uma experiência marcante, de aprendizados que
Psicólogo formado pela PUCRS, especialista em Psicologia Clínica Junguiana (IJRS/FATO), em Formação no método Somatic Experiencing®. Atua há mais de dez anos como psicólogo clínico em consultório particular e na modalidade online. Experiência como psicólogo no Projeto Social WimBelemDon, no Hospital-dia do HEPA.
Leonardo CABRAL
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Marina Viegas e Priscila Faleiro
Despertar para os afetos Como tudo em tempos de pandemia O estágio não começou da forma habitual Conhecemos a escola primeiramente por um tour virtual Quando foi possível o retorno presencial O uso das máscaras foi indispensável A distância se fez essencial Porém o acolhimento permaneceu imutável Desde o início já havia muita admiração Pela forma como a escola lida com a educação Valorizando o afeto e a presença E que o olhar atento da psicologia faz toda a diferença Uma das atribuições do estágio é a observação Dedicado às crianças e ao seu processo de escolarização Cada turma apresenta sua singularidade Mas todas demandam nossa sensibilidade Atentando ao processo de adaptação Observamos o desenvolvimento com muita atenção Vemos as crianças brincando com muita alegria E desenvolvendo sua autonomia No Dudu nos sentimos acolhidas Quando estamos nas salas somos bem recebidas A curiosidade das crianças nos incentiva E o seu olhar nos cativa Aqui as crianças criam histórias com muita liberdade Imaginam cenários e vários personagens Voltamos para casa lembrando de todas as imagens E ao final do dia só fica a saudade
Imagens: Acervo pessoal
Marina Reckziegel Viegas, 21 anos, estudante do oitavo semestre de psicologia na PUCRS. Mora em Porto Alegre RS. É ex aluna da escola e atualmente estagiária de psicologia.
Marina VIEGAS
Priscila FALEIRO
Priscila de Oliveira Faleiro, 21 anos, estudante do oitavo semestre do curso de psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mora em Cachoeirinha RS. Atualmente é estagiária de psicologia da Escola Despertar.
NARRATIVAS POÉTICAS
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20 ANOS
DEIXANDO MARCAS EM NOSSOS ALUNOS Rafaela Baggio Xavier
Sempre com a Despertar: Educação infantil, shows de talento, projetos sociais e seu primeiro trabalho
Imagens: Acervo pessoal
Meu nome é Rafaela, sou ex-aluna da Despertar (2004-2008) e, atualmente, colaboradora da escola na parte de comunicação e mídia, além de ser filha da Paula, uma das fundadoras da escola. A Despertar sempre representou algo importante na minha vida, pois, quando eu nasci, minha mãe e a tia Ju haviam fundado a escola há pouco mais de um ano. Assim que eu completei um ano de vida, já iniciei a frequentar a escola como aluna. Foi lá na sede antiga da escola, um lugar colorido e acolhedor, que criei minhas primeiras memórias e aprendizados. Lembro ainda da tia Carla no balcão de entrada, da Ester no computador e das profes rondando a escola com sorrisos marcantes no rosto. Hoje em dia, apesar da troca de cenário e também da mudança de vários rostos, a chegada na Despertar continua com a mesma alegria, começando com um comprimento animado dos porteiros, seu Sebastião, Nelson ou o seu Luiz, e depois um "Oi, Rafa!" bem acolhedor da Vanessa que, entre as entregas de pertences e adesivos para as crianças, me pergunta sobre o que eu ando fazendo da vida. Não posso esquecer, é
claro, do cheirinho delicioso das comidinhas gostosas da tia Vânia. Lembro de tanta coisa bacana que fazíamos na escola... das brincadeiras com água no pátio, das festas típicas, dos pôneis que vieram na escola na semana Farroupilha, do sentido de colaboração e de valorização sempre presentes nos educadores e da sensação de alegria que eu sentia quando chegava a hora de ir para a escola encontrar meus amigos. Apesar de ter-me despedido da Despertar como aluna em 2008, nunca abandonei por completo esse lugar encantador, muito antes pelo contrário. Assim que cheguei na escola das "crianças grandes", reconheci alguns rostos de coleguinhas minhas que me acompanharam desde a Despertar até nossa formatura do colégio em Junho deste ano, e que se tornaram minhas melhores amigas da vida toda. Enquanto frequentava a Despertar, meus aniversários eram sempre festejados ali, ao lado de professores e coleguinhas, e mesmo, mais tarde, até o início da adolescência, era lá que comemorava a maioria deles. Por diversos anos,
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comparecia semanalmente na escola para apresentar, ao lado de duas amigas, nossas danças e coreografias imitando a novela infantil, Chiquititas. As crianças assistiam aos nossos "shows" com os olhos brilhando, achando que nós fazíamos parte do elenco da série a que elas assistiam na televisão. Ultimamente minhas visitas à escola foram também para “me aproveitar” das delícias da cozinha, pois. quando eu cansava da comida do colégio, ia a pé até a Despertar para comer a comidinha da tia Vânia, que preparava o meu pratinho com muito amor. Outra coisa que me enchia de orgulho e de que eu estava sempre querendo participar era dos projetos de doações que a escola realizava. Nessas ocasiões, eu acompanhava o pessoal da Despertar ajudando na distribuição das arrecadações para as pessoas das comunidades da nossa cidade. Resumindo, eu sempre achei alguma desculpa para continuar frequentando a escola. Em 2020, com 17 anos e no último ano do colégio, escutei uma conversa da minha mãe com a tia Ju em que elas estavam discu-
tindo o que fazer sobre o Instagram da escola, pois a empresa que vinha trabalhando seria dispensada. Logo fiz um tipo de autopropaganda para minha mãe, listando minhas capacidades e os motivos pelos quais ela deveria me deixar assumir o trabalho de produzir conteúdo e fazer o layout para as postagens do Instagram da escola. No começo, ela não parecia muito confiante na ideia, mas depois falou com a Ju, e elas acabaram me dando uma chance. Hoje já faz mais de um ano que estou trabalhando com isso e percebi o quanto eu gosto desse trabalho! Isso me ajudou a decidir sobre o que eu queria cursar na faculdade. Neste momento, estou começando a faculdade no exterior e continuo trabalhando a distância no Insta da escola. Vou levar todo o aprendizado da Despertar tanto quando aluna quanto profissional e, principalmente, como cidadã do mundo. Espero poder espalhar o carinho e os valores que a Despertar me ensinou e continuar fazendo parte dessa comunidade tão especial.
Marina Viegas
Uma trajetória com muita história, vínculos e continuidade.
Imagens: Acervo pessoal
Meu nome é Marina Viegas, sou ex-aluna da Despertar e atualmente atuo como estagiária de psicologia na escola. Quando a Despertar abriu em 2001, fui uma das primeiras a ser matriculada. Minha mãe viu na Paula e na Ju muita dedicação em realizar esse sonho da melhor forma possível, acreditou no projeto e confiou que eu estaria em ótimas mãos. Ela estava certa. A Despertar foi, e ainda é para mim, uma segunda casa. As lembranças que levo da minha infância na Despertar são de puro afeto. Eu continuo muito próxima até hoje dos amigos que fiz lá no nível 1 e durante toda minha trajetória na escola. A comida da tia Vânia ocupa um espaço especial na memória e só de sentir o cheiro é como se pudesse voltar no tempo.
Hoje, atuando como parte da equipe, consigo sentir ainda mais orgulho dessa escola que cumpre com o seu propósito e tem o vínculo como maior aliado na Educação Infantil. É notório o esforço de cada funcionário para que a escola funcione do modo mais favorável possível. Sua dedicação à tarefa de acolher e de educar sempre com muito afeto é visível e, com certeza, merecem o reconhecimento pela diferença que fazem no futuro dos pequenos. A escola mudou de endereço, mudou de estrutura, pode estar mais moderna, mas a essência permanece a mesma de anos atrás na sua abertura e na simplicidade dos encontros se mantêm. Sou muito grata por fazer parte dessa história. Obrigada Despertar!
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Sophie Sel
Experiências na Educação Infantil que marcaram uma trajetória
Imagens: Acervo Despertar
A Escola Despertar sempre teve um papel muito importante na minha vida. Ingressei como aluna na primeira turma da escola em 2001 e permaneci lá até chegar o momento de ir para o ensino fundamental. Nesse período, conheci pessoas e fiz muitos amigos com os quais, até hoje, mantenho a amizade e a cumplicidade que resultaram dos momentos inesquecíveis do nosso convívio e das brincadeiras diárias. Atualmente, sou estudante de Psicologia e realizei estágio na Despertar. Na minha rotina de trabalho na escola com as crianças, interagindo em um espaço tão especial, relembrava de uma etapa única da
minha vida e percebi que o carinho que recebi como aluna permanece vivo no ambiente da escola. Apesar de hoje a Despertar estar em outro local, mais amplo e moderno, especialmente projetado para proporcionar bem-estar a todos, pude diariamente renovar a minha memória de momentos da infância em cada atividade que realizamos. Mas como a memória também é olfativa, sempre que chega a hora do lanche, e o aroma das refeições elaboradas pela Tia Vânia estão prontas, me permitia viajar ao passado para ativar os sentimentos que somente uma infância alegre pode proporcionar.
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20 ANOS DA DESPERTAR PARA O MUNDO Patrícia Simonetti
Trajetória na Despertar
Imagens: Acervo Despertar
“Há escolas que são gaiolas, há escolas que são asas.” Rubem Alves Difícil colocar no papel, ou tentar explicar o quanto a Despertar fez e ainda faz parte da minha vida. Fico pensando por onde começar, como descrever o tanto que vivi e cresci nesse ambiente. Enfim, como nossa história é linda, acho que vale começar como começam as clássicas. Era uma vez uma estudante de pedagogia que, com 19 anos de idade, pôde conhecer a Despertar e ter ainda mais a certeza de que havia escolhido a profissão certa! Eu estudava na UFRGS, encantada pelas reflexões que meus professores fantásticos estavam me possibilitando na época, decidi estagiar logo no primeiro ano de faculdade. A Despertar era uma extensão da UFRGS, todas as minhas colegas já tinham passado ou passariam por lá! Além de espaços de formação que a Despertar já nos proporcionava, levávamos nossas experiências e práticas para trocas nas salas de aula. Isso sempre foi muito bem visto por Paula e Juliana acreditavam nesse contato com as universidades, como mais uma possibilidade de desenvolvimento.
Logo nos primeiros anos de Despertar, fui entendendo o quanto os valores de Ju e Paula se alinhavam com os meus, valorizando muito mais o SER, a maneira como cada educador se disponibiliza na ESCUTA para com o outro, conectando-se ao que realmente importa do ser humano, sua essência. Portanto, os pingos na roupa fazem parte sim de uma das minhas narrativas com a Despertar somente para dar detalhes à história, dar mais ludicidade, veracidade, também colaborando para reflexões ainda mais belas sobre o que esta escola representa. E, assim, construímos uma história de 8 anos com muita troca, sintonia e crescimento! Iniciei esse percurso como estagiária, auxiliar de professora da turma em que a filha de Paula estava, a linda Rafinha. Logo em seguida, assumi como professora de turma sempre muito satisfeita com a possibilidade de colocar em prática tudo que havia recém estudado na universidade, práticas de alta referência pedagógica. Era um prazer enorme ser professora num local que valorizava tanto a infância, a escuta responsável, atenta e sensível do professor. A Despertar só fortalecia meu encanto pela profissão e
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A Despertar só fortalecia meu encanto pela profissão e me fazia acreditar num trabalho de extrema competência, qualidade e respeito à educação infantil. Assim, como eu via crianças se desenvolvendo felizes, encantadas, tendo sua infância extremamente respeitada, também sentia meu lado profissional e pessoal se desenvolvendo da mesma maneira. Foi então que veio mais uma surpresa boa. Lembro-me bem do dia em que a equipe diretiva me chamou para me contar que a coordenadora pedagógica na época estava precisando-se desligar. Convidaram-me, então, para assumir essa função. Fiquei sem palavras, eu nunca havia pensado em coordenação pedagógica, achava que meu chão era só sala de aula. Mas, na Despertar, foi diferente, e pude me encantar com essa nova função, liderar a equipe de professores juntamente com a Equipe Diretiva tão responsável e também apaixonada pela educação. Foi uma oportunidade única, linda e de crescimento enorme, tanto pessoal como profissional. Dessa forma, começou mais um lindo capítulo na Despertar. Atuei como coordenadora pedagógica por 5 anos. Nesse período, tive a oportunidade de aprender outros aspectos mais gerenciais e extremamente importantes para o andamento da escola; de me aproximar dos alunos, dos professores, valorizando ainda mais a troca; de realizar diversos cursos, grupos de estudos e de viver o lindo projeto que foi a construção da nova sede. Toda a equipe, na época, envolveu-se muito nos estudos arquitetônicos para a construção de uma escola que atendesse e correspondesse fisicamente a nossa prática pedagógica. Sem dúvida, foi a Despertar que também despertou em mim o desejo pelo estudo, pela pesquisa, alinhado à necessidade de conhecer outros lugares, outras culturas por meio de diversos seminários. Foi com a Despertar que fiz minha primeira viagem para fora do Brasil, fomos para Argentina, depois Itália e outras tantas cidades para estudar e apresentar práticas desenvolvidas na escola. Enfim, foram anos de diversas e maravilhosas histórias
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na Despertar, experimentadas com crianças e com adultos que compõem essa linda família, essa comunidade escolar tão especial. Cresci muito na instituição, como pedagoga, mas também muito mais como ser humano. Essa escola de amor faz com que nós, profissionais da educação, nos sintamos orgulhosos de nosso ofício e também faz com que busquemos ser pessoas cada vez melhores para a sociedade. Saí da Despertar para morar em São Paulo e, atualmente, moro no Rio de Janeiro. É tão lindo ver o quanto, para cada cidade que vou, para cada escola, para cada novo grupo de pessoas que eu conheço, cada novo ciclo de relações que se estabelecem, com crianças ou adultos, eu levo a Despertar comigo. Tudo que aprendi com Juliana e Paula e com toda a brilhante equipe de profissionais que trabalharam comigo, desde a equipe de gestão, sala de aula, cozinha, portaria, limpeza, tudo está em mim até hoje. São memórias tão lindas e potentes que vão além de aprendizagens do campo pedagógico. Aprendi valores éticos, aprendi sobre a importância da empatia, da escuta, da observação respeitosa ao outro, que pode levar a diversos outros pontos de reflexão ou de estudo… Muitas coisas Despertaram em mim, para sempre! Agradeço profundamente ter vivido tudo isso, ter o jeito Despertar em mim, levando um pouco dessa escola de amor, de aventuras e de magias para outras escolas desse Brasil. Meu sonho era ter uma Despertar aqui no Rio de Janeiro, mas, como, por enquanto, isso não faz parte de nenhum plano, fica a certeza de que um pouco da Despertar eu carrego comigo no meu dia a dia por aqui. Como diz Rubem Alves, sobre as escolas que são asas, a Despertar incentiva, fomenta, alimenta, encoraja e dá base para que cada um que compõe sua comunidade possa lançar voos de crescimento, possa libertar sua criatividade, seu pensamento crítico, buscando desenvolver-se sempre. Foi isso que fizemos, em equipe, todos esses anos nos quais trabalhei lá. E ainda sigo fazendo, muito pelo que aprendi lá. Obrigada Despertar, pelo sustento às minhas asas!
É graduada em Pedagogia com ênfase em Educação Infantil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional (UNIRITER) e Gestão de Pessoas (ESPM). Atua como professora há 12 anos, especialmente na educação infantil em escolas de referência nas cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2008 atuou como Coordenadora Pedagógica da Escola Despertar por 5 anos, além ter vivido também lindos anos anteriores como professora da instituição. Durante esse período, aperfeiçoou seus estudos na filosofia de Reggio Emilia e San Miniato, participando de seminários e grupos de estudos. Atualmente, é professora da última etapa de Educação Infantil e segue encantada por todas as etapas deste segmento.
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Cláudia Amarante
Carta especial
Imagens: Acervo pessoal
Nasci no interior do RS, na cidade de Passo Fundo. Aos 27 anos, o AMOR me levou para Porto Alegre e lá, por acaso ou destino, fui morar próxima à Escola Despertar. Mas o Dudu só entrou na minha vida quando estava há 2 anos em POA. Um belo dia (sorte a minha!!!), estava procurando uma colocação profissional no mercado de trabalho e, de repente, nos classificados do ZH, vejo o anúncio de uma escola fazendo processo seletivo. Sim, naquela época os classificados eram uma fonte de comunicação muito forte! E, para minha surpresa, era a minha escola vizinha... Logo fui até lá e, na recepção, um sorriso contagiante me recebeu, “Tia Carla”. Meu primeiro contato foi com a Juliana e, depois de conversarmos, fiquei aguardando um retorno que veio logo em seguida através de uma ligação: “Você aceita trabalhar conosco?” (Isso aconteceu em abril de 2002). Meu coração ficou acelerado, expectativas, uma grande oportunidade e um universo a ser descoberto. Escrevendo agora me veio à mente palavras que a Paula marcou em um livro que me presentearam falando sobre os caminhos da educação e de um professor: PAIXÃO, INTELIGÊNCIA, COMUNICAÇÃO E CRIATIVIDADE. É PRECISO APAIXONAR-SE. PAIXÃO PELA UTOPIA E PELAS PESSOAS QUE NOS SÃO CONFIADAS. E foi exatamente o que aconteceu comigo, uma paixão e um amor pela Primeira Infância, pelas crianças despertado através da DESPERTAR. E, a partir dessa
oportunidade, cresci como ser humano, como profissional, porque SIM foi através da Despertar que tive a chance de cursar uma universidade, de participar de vários cursos de capacitação profissional. A Despertar foi o meu “primeiro chão da sala”. Nesse ambiente especial, aprendi a acolher, a escutar, a educar e a cuidar, a ter consciência da individualidade de cada criança, percebendo que assim cada uma tem a oportunidade de “saborear ser quem é”. Na Despertar, pude sentir a Confiança, a Oportunidade e o Tempo de muitas vivências, aprendizados e afetos através de cada atividade, cada projeto desenvolvido, cada brincadeira, cada momento especial com as crianças e seus familiares e com a equipe de professores e de gestores sempre tão atentas às necessidades de todos nós! Meu tempo na Despertar durou 3 lindos e maravilhosos anos. Quis o destino que, em 2005, eu fosse morar em Florianópolis atendendo a uma proposta de trabalho do meu marido. Quando eu recebi a notícia, fiquei com o coração apertado! E agora? Como assim? Como irei trabalhar em outra escola? Será que lá será como na Despertar? Será que irei me adaptar? Mas a experiência vivida no Dudu, os afetos impregna-
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dos, os aprendizados e o AMOR me fortaleceram e “foram e são” a minha base como uma educadora da Primeira Infância. E já se passaram 16 anos! E eu sigo aqui com a minha missão de sustentar as crianças em suas possibilidades, ouvindo-as, acompanho suas iniciativas, amparando-as em suas tentativas, elevando-as diariamente! (...) “Seguir buscando sempre encontrar alguma coisa que possa nos surpreender... E, assim, defender a infância e querer sempre enxergar, sem que nos assuste, a riqueza das crianças, dentro e fora de nós”. Viu, Paula? Mais um dos teus ensinamentos através das belas literaturas que compartilhas comigo.
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A Paula e a Juliana, assim como várias amizades que fiz no Dudu, estão comigo até hoje, nas minhas doces lembranças, nas interações através dos estudos, em um telefonema, nos e-mails, nas redes sociais... enfim, eternizadas em meu coração! Gratidão é privilégio de quem vê a vida com o coração... para, quem sabe, ver nas coisas mais simples imensidão... Carinhosamente, Claudinha
Formada em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí Univali-SC e pós-graduada na área Educação pela Unisinos
Cláudia
AMARANTE
Cristine Quadros
Despertar: um lugar para se sentir pertencente para sempre, onde quer que você esteja.
Imagens: Acervo pessoal
Falar da minha trajetória na Escola Despertar não é tarefa fácil, principalmente no momento em que estamos vivendo, em que certas recordações vêm carregadas de saudades. Mas, ao mesmo tempo, escrever sobre a minha história nessa escola remete a sentimentos muito positivos, como amor e gratidão, preenchendo meu coração enquanto digito este texto.
Comecei a trabalhar na Despertar em 2004 quando eu era bem jovem, iniciando minha graduação em Educação Infantil, sem nenhuma experiência em escola, mas cheia de vontade de aprender e de entender melhor, na prática, tudo o que eu estava estudando na faculdade. Como eu fiquei feliz de ter sido aceita e acolhida pela Paula, pela Ju e por toda a equipe. Assim também
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DE PARCERIA COM A COMUNIDADE: UM LUGAR DE INCLUSÃO
Vanessa Pereira
Despertar: um lugar para se sentir acolhido
Imagens: Acervo Despertar
Minha história na Despertar iniciou em agosto de 2009 e perdura até hoje. Lembro que, quando cheguei na Escola, me deparei com um espaço acolhedor, com jeitinho de casa e com uma energia muito boa. A Despertar, carinhosamente chamada de “Dudu”, tornou-se um lugar muito especial na minha vida. Foi aqui que eu cresci, amadureci e muito aprendi, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Minha história com a Despertar iniciou antes mesmo de ser contratada. Eu já a conhecia, pois o Alessandro,
meu marido, trabalhava como porteiro e falava muito sobre a escola. Um belo dia, surgiu uma vaga para serviços gerais, e ele prontamente me indicou, foi aí que a minha trajetória realmente começou. Iniciei com a função de auxiliar de serviços gerais, depois de algum tempo, fui promovida a fazer parte da equipe de apoio, minhas tarefas eram arrumar as caminhas para o sono das crianças e dar um suporte para os educadores, quando era necessário. Atualmente, sou a recepcionista, função de extrema responsabilidade. Trabalho integralmente na escola recebendo as crianças e seus responsáveis com
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carinho, acolhendo todos com cuidado, assim como os entregando, no final de cada turno, para os responsáveis autorizados. Nos momentos em que percebo a insegurança dos pais ao entregarem o seu filho e ele ficar chorando, espero um tempo e verifico com as professoras como a criança está e entro em contato com o pai/mãe para tranquilizá-los. Nesta ligação, compartilho como ela está, o que está fazendo e se está mais calma. Assim, estreitamos nossa relação de confiança e de transparência com nossas famílias. Deixar o filho chorando na escola e ter que ir embora é algo que deixa o coração de pai/mãe apertado e o sentimento de angústia prevalece. Realizar essa ação faz com o que a família se sinta segura e acolhida para poder seguir com a sua rotina.
Esse é o nosso ritual, as crianças passam na recepção e escolhem um adesivo que geralmente é colado na mão da criança, de seus pais e, até mesmo, nas mochilas.
Também ministro medicações quando a criança necessitar fazê-lo aqui na escola e dou o suporte necessário em outros setores (cozinha, portaria, sala de aula). Ah, e não posso deixar de mencionar que guardo todos os pertences perdidos, as crianças já sabem onde encontrá-los, assim como sabem para quem entregar algo que encontram pela escola.
O “Dudu” é uma escola onde permeia o respeito um com o outro, independente da cor, da raça, do cargo, um lugar que acolhe e que nos proporciona lindas histórias regadas de memórias afetivas.
No final de cada turno, entrego com muito carinho para cada criança um adesivo do “Dudu e seus amigos”.
Com carinho, Vanessa Pereira.
Imagem: Acervo Despertar
A Despertar possui diversos projetos sociais extremamente importantes e que contribuem para a nossa sociedade. Sou muito grata por fazer parte desses momentos, participando ativamente deles como organizar brechós e entregar doações. São ações como essas que nos abastecem e nos fazem refletir sobre nossas atitudes. Se cada um de nós fizer um pouquinho, o resultado dessas ações será gigantesco. E é um prazer imenso poder fazer parte disso junto com a Despertar.
Fica aqui meu agradecimento por todas as oportunidades que tive e pela caminhada que construí até agora.
GALERIA 20 ANOS DE HISTÓRIA
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20 ANOS DE HISTÓRIA Nossa escola foi inaugurada em 18 de dezembro de 2001. A Despertar é a concretização dos sonhos que fomos construindo durante as nossas trajetórias. Foram muitos momentos marcantes e tantas mudanças e oportunidades de crescimento nesses 20 anos de história. Nessa galeria, trazemos imagens da sede que abrigou nossa escola entre os anos de 2002 a 2012 na rua Barão de Ubá, da construção e da mudança para a nossa nova moradia no bairro Petrópolis, dos passeios, festividades e experiências que marcaram nosso percurso até aqui. Somos imensamente gratos aos tantos colaboradores, parceiros, famílias e crianças que de alguma forma acreditaram em nosso sonho e participaram de sua realização. Convidamos vocês a conhecerem um pouco mais da nossa história através desses registros.
Juliana e Paula
2002 • Sede antiga
2002 • Copa do mundo
2002 • Visita dos coelhos
2004 • Fundação Thiago Gonzaga
2003 • Festa de anivers]ario
2005 • Ingresso em dia de festa
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GALERIA 20 ANOS DE HISTÓRIA
2005 • Ponte do Pátio
2005 • Semana da Pátria
2005 • Jardim Botânico
2007 • Estudos na Itália
2007 • Alunos na Escola
2006 • Sede antiga 2008 • Festa de fim de ano 2009 • Equipe diretiva
2010 • Formação com Fortunati
2011 • 10 anos Despertar
GALERIA 20 ANOS DE HISTÓRIA
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2012 • Educadores visitam a obra
2011 • Visita à nova sede
2012 • Obra da nova sede
2013 • Fesa de encerramento 2018 • Lançamento Revista Despertar
2014 • Verão na nova sede
2019 • Educadores em San Miniato
2016 • Quinta da Estância 2018 • Pátio da Dona Tylla
2019 • Painel artista Pirecco 2020 • Brincadeiras no pergolado
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GALERIA MOMENTOS QUE MARCARAM 2021
MOMENTOS QUE MARCARAM 2021
Lançamento do livro
• Visita com representantes das Secretarias de Educação de São Paulo, São Bernardo e Novo Hamburgo
Mostra Infâncias
Confira mais imagens da Mostra Infâncias no QR Code
Visita especial do Felipe
GALERIA MOMENTOS QUE MARCARAM 2021
Momentos especiais
• Festa dos Pais
• Festa Junina
• Churrasco Farroupilha
• Família a escola
• Semana da Pátria
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GALERIA MOMENTOS QUE MARCARAM 2021
Encontros com educadores
Passeios
• Passeio no parque
• Picnic na praça
• Integração família e escola na fazenda
GALERIA MOMENTOS QUE MARCARAM 2021
Pandemia
• Entrega dos kits
• Distribuição de lanches
• Adesivos do Dudu
• Encontro com professores
• Encontro na praça
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