REVISTA
Despertar
O cotidiano da Educação Infantil
AUTORES CONVIDADOS Maria Carmen Silveira Barbosa Aldo Fortunati ENTREVISTAS Isa Minatel Marcel Fukayama
Publicação da Escola Despertar Número 2 | Ano 2 | Dezembro de 2019
Sumário EXPEDIENTE EQUIPE DIRETIVA Andrea de Souza Juliana Abulé Prudencio Juliana Johannpeter Friedrich Paula Baggio CONSELHO EDITORIAL Loide Trois Equipe Diretiva Despetar EXECUÇÃO E PRODUÇÃO EDITOTIAL Deliamaris Fraga Acunha Revisão Ortográfica Julia Wilhelm Design gráfico
3 Despertamos. • Andréa Fortes 4 Boas vindas • Juliana e Paula 5 Editorial • Loide Trois AUTORES CONVIDADOS
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A BNCC e os campos de experiência • Maria Carmen Silveira Barbosa
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Trocas e confrontos de experiências como base de um projeto educacional de qualidade: o caso Despertar • Aldo Fortunati
ENTREVISTA sem limites - educação empreendedora 13 Crianças na primeira infância • Entrevista com Isa Minatel
15 Os sonhos que nos movem! • Entrevista com Marcel Fukayama REFLEXÕES E PESQUISAS e memórias - laços de afeto, intensidade e ensinamentos: 18 Emoção as vozes dos ex-alunos da Despertar • Loide Trois e Paula Baggio
23 Desenvolvimento Socioemocional: o sentir no cotidiano escolar • Luanna Taborda 27 A cultura infantil: cores e traços • Jéssica Eufrásio
Acervo da Despertar Fotos e imagens organizadas por Sergio Zenoni Daniel Santos Prudencio Imagem da capa 2.000 exemplares Tiragem Envagraf Impressão
30 O que é infâcia para você? • Gabrieli Juriatti RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS Nacional Comum Curricular (BNCC) 32 Base Um currículo construído por todos • Fabiane Roleto
34 Espaços de formação na Despertar: diálogo e escuta • Lilian Zianni 36 Infâncias e canções • Clarice Bourscheid e Crisley Mesquita 40 Ser pai e ser mãe na Despertar • Andrea de Souza Grupo Palavra: uma experiência de constituição de memórias
42 e identidade profissional • Juliana Prudêncio Abulé
Desenho infantil: a escuta, a observação e o acompanhamento
50 docente • Jéssica Fontela, Crisley Mesquita e Verônica Borges NARRATIVAS POÉTICAS FALE CONOSCO (51) 3388-4238 | (51)3024-6266 despertar@escoladespertar.com.br www.escoladespertar.com.br
54 O pátio da Dona Tylla: possibilidades de encontros intergeracionais • Luanna Taborda 57 Tecnologias, virtudes e relações • Juliana Johannpeter Friedrich 59 Histórias do cotidiano • Juliana Prudêncio Abulé GALERIA DE FOTOS
Rua Armando Pereira Camara, 110 Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil
64 Galerias
DESPERTAMOS. Somos Despertar. Acordamos, 20 anos atrás, de um sonho de fazer um tanto mais pelo mundo. Começaríamos pelas crianças. O sonho tornou-se real e trouxe com ele o tamanho da responsabilidade que é crescer na vida. Como nossos pequenos grandes mestres, temos crescido desde então. Como escola, como empresa e, principalmente, como seres humanos que somos e que nos tornamos a cada dia. A Despertar expandiu, ganhou novos ares, saberes e sabores. Levou tombos e, com os pés descalços, aceitou experimentar possibilidades. Passamos por fases, ciclos, portais. Passamos o bastão de entregar para o mundo crianças permeáveis e cheias de luz, desfraldadas, autônomas, únicas na sua diversidade, prontas para voar. Pegamos pais pela mão e demos colo também para nossas crianças internas. Entramos, juntos, em caixas de areia, de pandora, e apostamos corrida na rampa da vida para chegarmos mais longe. Comemos pão saído do forno, alimentamos nossas almas, tomamos banho de mangueira, de cultura, de casa de vó emprestada. Nos descobrimos floristas, pássaros, astronautas, pássaros, janelas vazias, telas em branco e, ao mesmo tempo, todas as cores. Fomos pequenos, tivemos nossas adolescências e, agora, crescidos, sabemos que há um mundo que nos espera. Nosso pequeno ser pede espaço. Um espaço de relação e, com isto, pede mais de todos nós. Nosso casulo pede passagem, cascas ficarão pelo caminho e lindas asas devem brotar. Asas intensas de escuta, de expansão, de afeto que afeta, comunhão, asas de transformação. Queremos ser e viver como uma empresa que gera benefícios para os meus, os seus, os nossos, para o mundo. Quem vem?
Andréa Fortes
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Comunicadora de formação e costureira de relações por vocação.
Boas vindas Mais um ano está terminando, e essa época nos convida a algumas reflexões sobre o que realizamos até agora e sobre o que ainda queremos realizar nos anos que virão. São muitos os momentos emocionantes como campanhas, atividades com a comunidade, interna e externa, oportunidades de formação e de crescimento pessoal ilustrados nessa edição, momentos que desejamos lembrar e que servem de inspiração para nossos sonhos. Queremos que a Despertar seja lembrada por toda a comunidade (pais, crianças, educadores, fornecedores e parceiros) como uma escola que está comprometida com a formação de uma sociedade mais humana, mais cuidadosa com as relações; onde o respeito e a responsabilidade estejam presentes em todas as atitudes, das pequenas às grandes, e onde todas as pessoas que fazem parte dela se sintam realmente pertencentes. Neste ano, tivemos uma grande conquista, que foi celebrada por toda nossa comunidade interna com grande alegria: certificamo-nos como uma Empresa B, o que significa que estamos comprometidos a transformar o mundo em um espaço onde todos tenham oportunidades, contribuindo para um mundo melhor. Também nos engajamos na definição do nosso propósito e na redefinição de nossos valores. Foi um trabalho lindo - realizado ao lado dos queridos amigos, Andrea e Paulo - e, através do qual, educadores, crianças e pais tiveram a oportunidade de pensar junto conosco o sentido da nossa existência. Desejamos a todos uma boa leitura.
Juliana e Paula
Editorial Nesta segunda edição da Revista Despertar, vamos refletir sobre o conceito de currículo na educação das crianças pequenas. Falaremos sobre um currículo que emerge das relações entre as crianças, entre os adultos e entre os objetos do mundo. A construção desse currículo acontece quando as experiências pedagógicas são envolventes e constituem sentido para as pessoas. Para aprender, é preciso que as necessidades das crianças, as suas experiências, os seus desejos, isto é, as suas vidas, entrem em sintonia com os saberes e com os conhecimentos das culturas onde estão inseridas. Portanto, acreditamos num currículo vivo, que prioriza a atitude de respeito à condição humana de buscar sentidos para viver em coletividade. Convidamos então a Professora Dra. Maria Carmen Barbosa que, nos textos A BNCC e os Campos de Experiência, nos fornece elementos para nossas reflexões curriculares. Também convidamos o pesquisador italiano Aldo Fortunati para discutir a interação, a troca e os confrontos entre a experiência de San Miniato e a experiência de nossa escola, a Despertar. Na seção de Entrevistas, Isa Minatel apresenta a educação empreendedora na primeira infância e Marcel Fukayama nos ensina sobre o sistema B e a economia mais inclusiva e sustentável. Na seção Reflexões e Pesquisas, compartilhamos as emoções e os debates feitos nos encontros com ex-alunos da escola Despertar no texto Emoção e Memória de Paula Baggio e Loide Trois; no texto Desenvolvimento Socioemocional, Luana Taborda explica sobre o sentir no cotidiano escolar; Jéssica Eufrásio nos brinda com as cores e com os traços da cultura infantil, apontando para a produção artística de Pirecco na Despertar e, por fim, Gabrieli Juriatti nos faz repensar sobre O que é infância para você?
Na seção Relatos de experiências e pesquisas, iniciamos com o relato do grupo de trabalho sobre a base nacional comum curricular, de Fabiane Roleto; no texto Espaços de Formação, a educadora Lilian Zianni explicita sua transformação profissional através de sua adesão e participação nos espaços formativos da Despertar. Clarice Bourscheid e Crisley Mesquita abordam a relação intensa e valiosa entre a música e a infância. O texto de Jéssica Fontela, Crisley Mesquita e Verônica Borges apresenta as etapas do desenho infantil e sua importância para o desenvolvimento humano. Na seção Narrativas Poéticas, Luana Taborda apresenta o diálogo estabelecido com Dona Tylla e os encontros interageracionais vividos em seu pátio; para reforçar a importância das relações mais humanizadas - e menos virtuais - Juliana Johannpeter Friedrich apresenta o livro Crianças Virtuosas de Aluá Kopstein. No artigo Histórias do Cotidiano, a psicóloga Juliana Abulé, com suas estagiárias Rhana Rodrigues, Vanessa de Vargas e Cléo Medeiros, nos apresenta as minúcias observadas no dia a dia da escola e o olhar cuidadoso e potente sobre as capacidades das crianças. Finalmente, na Galeria de Fotos, partilhamos os diferentes modos como a escola Despertar planejou e vivenciou seu currículo educativo. Um currículo que tem sido afetado e enriquecido pelas relações com a comunidade escolar e com os contextos sociais diversos. Desejamos que a leitura desta Revista seja inspiradora e possa contribuir com uma educação pulsante e feliz para todas as crianças.
Loide Pereira Trois
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Consultora técnica da Escola Despertar
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A BNCC E OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIA Maria Carmen Silveira Barbosa3
Em 1988, a Constituição Federal determinou que as instituições que atendessem crianças de 0 a 6 anos no âmbito da educação deveriam ser chamadas de centros ou escolas de Educação Infantil. Esta decisão foi complementada pela LDB (1996), posteriormente, nas revisões legais de 2013. Nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (1999, 2009), o currículo é considerado como o conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico da humanidade. Os bebês e as crianças pequenas precisam de companhia e de contextos ricos para se desenvolverem integralmente. O currículo baseia-se nas intenções, nas ações e nas interações presentes no cotidiano, na vida que acontece na escola (BARBOSA, 2010, p. 5).
ência da criança ao programa” e transformando “estudo” em fadiga e “lição” em tarefa. Por outro lado, os românticos acreditavam que a criança era como uma semente que, se fosse cuidada, poderia desenvolver-se a partir de seus próprios recursos. Alguns acreditavam que toda a intervenção poderia ser uma forma de interrupção a sua criatividade.
No início do século XX, J. Dewey debateu o tema fortemente com duas visões de currículo para a educação infantil presentes nos EUA. Por um lado, os Tradicionalistas e, por outro, os Românticos. Dewey (1967, p. 45, 46) problematizava as escolas que priorizavam “sua atenção na importância das matérias do programa, quando comparadas com o conteúdo da experiência da própria criança”, pois elas deixavam de lado a vida da criança, suas particularidades individuais, suas fantasias e suas experiências pessoais, subordinando “a vida e a experi-
A organização curricular em campos de experiência decorre da necessidade de oferecer aos profissionais da educação infantil um mapa que inspire a construção de múltiplos contextos de aprendizagem para as crianças. A partir da compreensão dos campos de experiência como contextos culturais e práticos que “amplificam” as experiências das crianças graças ao seu encontro com as imagens, palavras, indicações e “realces” promovidos pela intervenção da professora, é possível permitir a experiência infantil na escola. No entanto, não se
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Tendo em vista a procura de um caminho diverso, J. Dewey pensou no currículo como um lugar e como um tempo cujo foco inicial fosse a centralidade na ação e na participação da criança pequena e também a compreensão que, para se desenvolverem, os seres humanos precisariam ter referências identitárias, de pertencimento, isto é, estar inseridos em uma história e em uma cultura. Os sujeitos produzem cultura, mas também a cultura oferece elementos para a constituição dos sujeitos.
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e Pós-doutora pela Universitat de Vic, Catalunya, Espanha (2013). Atualmente é Professora Titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atua como Professora Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação. É editora da Revista Pátio - Educação infantil e da Revista Infancialatinoamericana em colaboração com oito países. Participa como Comitê Editorial e avaliadora ad-hoc em outras revistas científicas. Atua no Grupo de Estudos em Educação Infantil e Infância - GEIN e como Líder de Pesquisa no CLIQUE - Grupo de pesquisa em linguagens, Currículo e Cotidiano de bebês e crianças pequenas.
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pode esquecer que o mapa (campos de experiência) não é o território (o acontecimento, a experiência). Pensar em espaços de brincadeiras, interações, explorações a partir dos campos de experiência é dar início às possibilidades de ação, porém as crianças, além de se apropriarem de modo singular aos espaços, reconstroem, trazem novos elementos a eles. É importante construir ambientes onde as crianças cotidianamente se confrontem com situações ou com materiais que lhes provoquem reações sensoriais, motoras, cognitivas e que lhes exijam compreendê-los. Os contextos nunca são exclusivos de um campo de experiência, mas intercampos. A sugestão é planejar ambientes ricos de materiais, instrumentos, ferramentas, imagens, objetos, mecanismos que provoquem nas crianças atenção, exploração, comparação e outras ações. Esse planejamento propicia às crianças espaços para o “fazer e o agir próprios das crianças, dos quais o adulto torna-se um válido apoiador, observando atentamente o que acontece, aumentando a potencialidade da mesma ação, ajudando a colher os significados e as descobertas que constantemente se revelam.” (Zuccoli, 2015). Na relação educativa entre adultos e crianças pequenas, tudo inicia com o adulto que acolhe a criança pequena em um meio, em um ambiente. Mas o que contém este ambiente? Os campos de experiência são referências para a construção dos ambientes internos e externos das escolas. As crianças chegam e preenchem com sua ação, suas interações, suas brincadeiras aquele espaço que convida ao brincar. A partir da ação das crianças, a professora observa, registra, reflete, aprofunda sua compreensão e relança para as crianças a sua proposta. A intencionalidade educativa do docente numa
visão de arranjo curricular por Campos de Experiências é planejar, organizar e colocar à disposição das crianças tempos, espaços e materiais que suscitem a imaginação, o raciocínio e a expressão. Isto é, apoiar a construção de vínculos e de conexões na experiência das crianças que chegam à escola depende de seus conhecimentos próprios. Conforme suas experiências prévias, suas vivências em diferentes famílias de diversas etnias, classes sociais, gênero e com diferentes conhecimentos científicos, artísticos, tecnológicos, culturais, ambientais, será necessário levar em conta a diversidade para atender os interesses e necessidades de cada um.
Quando defendemos que a formação integral das crianças deve envolver o aspecto físico, psicológico, intelectual e social, é preciso afirmar que este desenvolvimento acontece em um contexto de interações com o meio - cultura, natureza, ciência, artes, matemática e língua. Por esse motivo, as DCNEI definem a experiência como o encontro da subjetividade das crianças, seus saberes e conhecimentos, com a diversidade dos patrimônios constituídos pela humanidade nas relações dialógicas com os pares, com a família e com a comunidade, isto é, com o local onde estão inseridos. W. Benjamin, importante crítico da cultura, apontou que nós, os modernos, temos que reconhecer a nossa pobreza de experiência. O autor comentava que, desde o início do século XX, havia uma grande divulgação de informações, e as crianças estavam plenas de vivências. Entretanto alertava que, para haver experiência, seria preciso relação e transmissão entre as gerações, tempo e continuidade e a construção narrativa em múltiplas linguagens, pois esse é o movimento necessário para assentá-las, tornando-as experiência.
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IL CASO DESPERTAR
LO SCAMBIO E IL CONFRONTO FRA LE ESPERIENZE COME BASE DELLO SVILUPPO DI UN PROGETTO EDUCATIVO DI QUALITÀ
O CASO DESPERTAR
TROCAS E CONFRONTOS DE EXPERIÊNCIAS COMO BASE DE UM PROJETO EDUCACIONAL DE QUALIDADE Aldo Fortunati
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Sebbene, nell’ultimo periodo di tempo, siano molte le occasioni in cui i documenti della politica rivolgono una rinnovata attenzione all’importanza degli investimenti sull’educazione a partire dai primi anni di vita, non sempre gli obiettivi definiti sono anche concretamente realizzati.
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Ainda que ultimamente inúmeras sejam as situações nas quais documentos legais deem uma maior e renovada atenção à importância dos investimentos para a educação a partir dos primeiros anos de vida, os objetivos definidos por eles nem sempre são concretizados.
Presidente BOTTEGA DI GEPPETTO, Centro internazionale di ricerca e documentazione sull’infanzia Gloria Tognetti (www.bottegadigeppetto.it)
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Anche la nuova normativa recentemente approvata dal Parlamento brasiliano sull’educazione nella prima infanzia è un esempio molto interessante che apre indubbiamente prospettive positive per lo sviluppo di buone politiche educative ma, in ogni caso, sono soprattutto le esperienze più avanzate quelle che – sul piano della realtà – costituiscono il miglior orientamento per puntare alla qualità dell’educazione. Il caso della scuola Despertar di Porto Alegre non è certamente unico e isolato ma ben rappresenta, nella sua specificità, un esempio di come sperimentazione, innovazione e qualità possano svilupparsi quando si intrecciano positivamente un buon progetto organizzativo, importanti investimenti sulle infrastrutture e – ultimo ma non ultimo – una permanente attenzione al tema della formazione e qualificazione del personale educativo. Così la scuola Despertar, pur essendo – come tante altre scuole – una struttura frequentata da ben 12 classi di bambini nei primi 6 anni di vita, presenta da subito un clima caldo in cui la cura della relazione personalizzata con i bambini e le famiglie si sposa con un tangibile investimento per rendere da subito accogliente e bello l’ambiente nel quale si svolgono le diverse esperienze della giornata. Al centro, il grande salone che, pur nel suo grande volume, ben rappresenta il palcoscenico di incontri, relazioni e condivisioni che coinvolgono tutti i bambini sia nelle opportunità offerte dallo spazio interno che in quelle organizzate nell’ampio spazio esterno direttamente comunicante; ne deriva l’impressione di un orizzonte di possibilità che integra interno e esterno e che si prolunga in possibilità di esplorazione offerte dall’ampio giardino attrezzato, facilmente raggiungibile.
A nova legislação - recentemente aprovada pelo governo brasileiro - sobre educação infantil é um exemplo muito interessante de diretriz que, sem dúvida, abre perspectivas positivas para o desenvolvimento de boas políticas educacionais. Entretanto, gostaria de ressaltar que são as boas práticas aquelas que efetivamente constituem a melhor orientação para focar na qualidade da educação. O caso da Escola Despertar, em Porto Alegre, certamente não é único e isolado, mas representa bem, em sua especificidade, um exemplo de como experimentação, inovação e qualidade podem-se desenvolver positivamente quando se entrelaçam um bom projeto organizacional, investimentos importantes em infraestrutura e - por último, mas não menos importante - uma atenção permanente à questão da formação e da qualificação da equipe de educadores. Assim, a escola Despertar, mesmo sendo - como tantas outras escolas - uma estrutura frequentada por mais de 12 turmas de crianças em seus primeiros 6 anos de vida, apresenta, desde a chegada, um clima caloroso através do qual o cuidado com o relacionamento personalizado com crianças e famílias é combinado com um visível investimento para tornar acolhedor e bonito o ambiente onde as diferentes experiências do dia ocorrem. No centro, o imenso átrio que, mesmo com seu grande volume, transforma-se em cenário para encontros, relações e partilhas envolvendo todas as crianças, tanto nas oportunidades oferecidas pelo espaço interno quanto nas experiências organizadas na ampla área externa que se comunica diretamente a este espaço, dando a impressão de um horizonte de oportunidades que integra o dentro e o fora e estende-se às possibilidades de exploração oferecidas pelo amplo e equipado pátio, facilmente acessível.
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D’altra parte, anche gli ambienti organizzati all’interno delle 12 classi sono il risultato di un pensiero orientato a mettere direttamente a disposizione dei bambini opportunità, materiali e giochi, nella prospettiva di renderli attivi protagonisti delle loro esperienze. Infine, i percorsi di comunicazione fra i diversi ambienti sono tutti connotati non tanto come semplici spazi di comunicazione, quanto come luoghi rappresentativi di esperienze e attività realizzate con la partecipazione attiva dei bambini e ben documentate in modo da lasciarne viva la memoria.
Do mesmo modo, os ambientes organizados nas salas de aula também são resultado de um pensamento que visa disponibilizar oportunidades, materiais e jogos diretamente para as crianças, com o objetivo de torná-las protagonistas ativas de suas experiências. Por fim, os percursos de comunicação entre os diferentes ambientes são todos considerados não apenas como simples espaços comunicantes, mas como locais importantes para a realização de experiências e de atividades com a participação ativa das crianças. Tudo bem documentado, de modo a manter viva a memória.
L’atelier – collocato in posizione baricentrica – non è dunque l’unico spazio dedicato alla creatività e all’espressività, sebbene, per le sue caratteristiche e per i materiali in esso presenti, offra possibilità straordinarie ai gruppi di bambini che lo frequentano con regolarità e continuità.
O ateliê - localizado em uma posição de destaque não é o único espaço dedicado à criatividade e à expressividade, embora, devido às suas características e materiais, contenha possibilidades extraordinárias para grupos de crianças que o visitam com regularidade e continuidade.
All’interno di questa cornice organizzata, i tempi di incontro e confronto fra gli educatori sono un’abitudine ricorrente e rappresentano occasioni preziose quanto indispensabili per garantire vitalità al progetto.
Nesse panorama organizado, os momentos de encontro e confronto de ideias entre os educadores são um hábito recorrente e representam ocasiões preciosas e indispensáveis para garantir vitalidade ao projeto.
Ma se il confronto e lo scambio fra gli educatori è la base per lo sviluppo positivo delle esperienze, la scuola Despertar raccoglie al suo interno evidenti echi di tante altre esperienze in corso di sviluppo in altre realtà del mondo, sia in Brasile che in altre aree con particolare riguardo all’Europa, all’Italia e alla Toscana.
Então, se o confronto e as trocas entre educadores são a base para o desenvolvimento positivo das experiências, a escola Despertar acolhe, em sua proposta, ecos significativos de muitas outras experiências desenvolvidas em outras realidades do mundo, tanto no Brasil como em outras áreas, com especial inspiração na Europa - Itália e Toscana.
Il sodalizio strutturale fra la scuola Despertar e La Bottega di Geppetto – Centro internazionale Gloria Tognetti – di San Miniato è probabilmente quello che si rende maggiormente visibile, ma – come detto – non il solo. Semmai è da rimarcare come proprio la scuola Despertar abbia svolto negli ultimi anni un importante ruolo di connessione fra le esperienze educative di San Miniato
A relação de apoio entre a escola Despertar e o Centro Internacional La Bottega di Geppetto - Gloria Tognetti - em San Miniato é provavelmente a que se torna mais visível, mas - como mencionado - não é a única. De qualquer forma, cabe destacar que a escola Despertar tem desempenhado, nos últimos anos, um importante papel de conexão entre as experiências educacionais de San Miniato e as
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negli ultimi anni un importante ruolo di connessione fra le esperienze educative di San Miniato e tante realtà brasiliane impegnate nello sviluppo di progetti educativi di qualità. Possiamo formulare l’auspicio che questa prospettiva prosegua e che anche nel futuro scambi e confronti si realizzino fra progetti e esperienze diverse, nella consapevolezza che proprio lo scambio e il confronto possano rafforzare motivazioni e impegni positivi da parte di tutti.
tantas estruturas brasileiras dedicadas a desenvolver projetos educacionais de qualidade. Queremos manifestar o desejo de que essa parceria continue e que, no futuro, sejam realizadas ainda mais trocas e confrontos entre diferentes projetos e experiências, pois temos a convicção de que justamente a troca e o confronto fortalecem, de forma positiva, motivações e compromissos assumidos por todos.
Lançamento e sessão de autógrafos do livro As crianças e a revolução da diversidade de Aldo Fortunati e Barbara Pagni
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CRIANÇAS SEM LIMITES EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA NA PRIMEIRA INFÂNCIA Entrevista com Isa Minatel
Psicopedagoga, Consultora de Família e autora do livro "Crianças Sem Limites". Também é Diretora Pedagógica da escola online de pais MundoemCores.com e possui formações em PNL e Montessori.
Quais são os principais desafios dos pais, na educação dos filhos, atualmente? Primeiro, conhecer a si mesmo, como eu sou como pai, como eu tive essa relação com os meus pais e como isso está dentro de mim. O que vem à tona com o nascimento da minha criança? Com o crescimento dela, com o relacionamento com a minha criança? O que isso desabrocha em mim? Que sensações boas e ruins conscientes e inconscientes estão impactando a minha relação com a minha criança. Esse é o
primeiro grande desafio. O segundo, qual é o meu temperamento e qual é o temperamento da minha criança? Que fruto essa combinação de temperamentos apresenta? O que eu preciso saber sobre isso? Como a minha criança funciona em relação a isso? E o terceiro, como funciona o cérebro da criança, como funciona o desenvolvimento cerebral da criança? O que a criança já é capaz de fazer, entender, querer dos zero aos dois, depois dos dois aos quatro, dos quatro aos seis e assim por diante. Uma criança até os quatro anos é capaz de manipular? Será? Uma criança é capaz de ficar testando os pais? Ele faz isso conscientemente? Eu vou testar meu pai agora? Como reagir, então, às crianças? Esses são os principais desafios.
Em suas palestras, tens destacado a importância dos primeiros seis anos de vida para o desenvolvimento humano. Poderias explicar por que consideras essa primeira etapa tão valiosa? Há um estudo que diz que tudo que a pessoa vai sentir, pensar e agir para o resto da sua vida têm base naquilo que ela construiu, naquilo que ela consolidou, no período da primeira infância. Então, tudo que vamos ter de crenças de identidade, de capacidade, de valores, de princípios têm raízes no que foi construído na base da personalidade até os seis anos de idade. A gente sabe também que os traumas mais profundos, os
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abusos, quando acontecem nessa faixa etária, podem ocasionar transtornos de personalidade, podem ocasionar distúrbios, doenças, transtornos alimentares e de sono. Então, é uma fase muito determinante para o bom funcionamento do indivíduo no restante de toda sua vida. Por isso que ela é tão relevante.
Podes explicar os efeitos das práticas autoritárias como gritos e castigos na educação das crianças? Gritos, castigos, ameaças, punições, tudo isso faz com que o nosso cérebro seja inundado pelos hormônios do estresse, substâncias como cortisol e adrenalina inundam o cérebro e colocam o cérebro num estado de lutar ou fugir. Nesse estado o cérebro acaba agindo como se estivesse diante de uma emergência. E a criança para de pensar, não só a criança como adulto, também funciona assim. Este é um momento em que a criança tem descontrole, crises, que ela se joga, que ela agride, que ela bate, que ela grita. E isso acontecendo com recorrência, sabemos que as conexões neuronais se fortalecem e se engrandecem pelo uso. Ou seja, isso acontecendo com recorrência, vai fazendo com que a criança seja cada vez mais propensa a escândalos, descontroles, a se tornar uma pessoa estressada. Pode ter dificuldades depois de aprendizagem, porque, com essa descarga de cortisol e de adrenalina, o sangue demora a voltar ao normal, podendo demorar até 48 horas para ficar livre dessas substâncias, e conseguir centrar-se novamente. Por que centrar-se? Porque, quando ele tem uma ativação do estado de lutar ou fugir, o sangue vai com maior intensidade para braços e pernas. Lutar, braços. Fugir, pernas. E só depois, quando ele se acalma, que volta para o centro. Então, para a aprendizagem, para a criança ficar calma e tranquila, para se desenvolver bem, para ter a cura de machucados, doenças e feridas, para tudo isso, ela precisa do sangue funcionando em estado de tranquilidade e não estressado.
Se isso acontece com frequência, também é chamado de estresse tóxico. E começa a ser realmente muito nocivo para o desenvolvimento da criança.
Utilizas como referencial teórico os estudos de Maria Montessori. Quais pontos consideras fundamentais destes estudos para a educação das crianças? Sobre Montessori, ela deixa um tripé que é o conhecimento sobre a criança, o conhecimento sobre o ambiente preparado e também sobre o adulto consciente. Acho que esses três pontos são fundamentais para a gente evoluir como educador das nossas crianças. Entender sobre a criança, sobre suas fases, seus momentos, seu cérebro, seu temperamento, entender sobre o ambiente preparado e criar condições para a autonomia da criança, para que ela alcance a pia na cozinha; no banheiro, o vaso sanitário; que ela consiga abrir e fechar as torneiras, os chuveiros; que ela consiga usar os espelhos da casa; enfim, que ela consiga ter uma casa realmente acessível a ela para desenvolver sua autonomia. E, principalmente, o adulto consciente. Montessori fala até do preparo espiritual do adulto, do educador. Então, realmente estamos conectados com o que há de mais nobre na nossa essência. Usar isso para conseguir se conectar com a criança que é nobreza pura, que é essência pura e extrair o melhor dela. A gente tem que parar de achar que a educação é enfiar um monte de coisas de fora para dentro da criança. A educação, para além disso, é extrair um monte de coisas de dentro para fora, o que a acriança tem de melhor, a sua essência, a sua individualidade, a sua conexão com ela mesma e com os outros. O que ela veio de fato fazer como missão nesta vida, neste mundo. O que ela tem de mais precioso a oferecer, colocar tudo isso a serviço da felicidade dela, da comunidade em que ela está inserida e de todos que tem alguma relação com ela.
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OS SONHOS QUE NOS MOVEM! Entrevista com Marcel Fukayama Juliana Johannpeter Friedrich 5
e sustentável. Atualmente, existem quase 3.000 Empresas B em mais 60 países ao redor do mundo. No Brasil, já somos mais de 160 organizações certificadas. Neste ano nos aproximamos do movimento e conquistamos a certificação como Empresa B. A primeira escola certificada no Brasil, uma grande alegria e orgulho para a nossa comunidade!
Empreendedor social. Cofundou o Sistema B Brasil, empreendedor Cívico da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade. No ano de 2018, participei de um seminário da Rede Dinheiro e Consciência e tive a oportunidade de conhecer Marcel Fukayama, cofundador do sistema B Brasil e diretor executivo do sistema B internacional, um encontro que promoveu uma forte identificação de valores com o movimento global de empresas B propõe e as diretrizes que sempre nortearam a condução da nossa Escola. As Empresas B Certificadas são empresas com fins lucrativos que usam o poder dos negócios para fomentar uma economia mais inclusiva 5
Fundadora da Escola Despertar.
“O conceito B corp foi criado em 2006 nos Estados Unidos pela B-Labs, que tem como foco redefinir a noção de sucesso dos negócios. De acordo com a declaração oficial do movimento, uma empresa B cria benefícios a todas as partes interessadas (stakeholders), não apenas aos acionistas (shareholders).” Uma empresa se torna B após receber um certificado da B-Lab. (Fonte:Wikipedia)
Para além de sermos referência em um modelo de educação infantil que nos aproxima de nosso maior propósito, de transformação da sociedade, e, para além de sermos um modelo de negócio que absorveu práticas de gestão da qualidade e as traduziu para o universo escolar de forma cuidadosa, gerando bons resultados, queremos ter certeza de que nosso impacto no mundo é positivo.
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Para traduzir este movimento e promover esta cultura, convidamos Marcel Fukayama para esta entrevista.
Quem é Marcel? Sou empreendedor de impacto, apaixonado por tecnologia e comprometido com a criação de soluções de mercado para redução de desigualdades e com o design de políticas públicas para criação de economia de impacto positivo. Sou um construtor de pontes e catedrais. Casado com Virginia, e o pedal é um forma de manter o corpo e mente em dia.
O que é o Sistema B? Organização que lidera o movimento global de Empresas B com o objetivo de redefinir o sucesso na economia. Dessa forma, devemos considerar não apenas o êxito financeiro, como também o bem estar da sociedade, das pessoas e da natureza. Nosso primeiro papel é identificar, certificar e celebrar os líderes de uma nova economia, a quem chamamos de Empresas B Certificadas. Também influenciamos mudanças nas regras do jogo, desenhando políticas e regulações para economia de impacto positivo. Por mim, construímos um movimento sistêmico, inclusivo e distribuído em direção a essa nova economia, crendo que apenas Empresas B não são suficientes. Precisamos engajar o mercado como um todo, consumidores, acadêmicos, investidores, políticos, advogados, entre outros.
Qual é o seu sonho para o nosso país? O Brasil é um país privilegiado na multiculturalidade e biodiversidade. Temos todos os recursos necessários de que precisamos para protagonizar um outro mundo possível: mais inclusivo e mais sustentável. Meu sonho, ainda nessa
década, é que possamos construir a ponte para que a próxima geração prospere e contribua para a transformação de nosso mundo. Para isso, precisamos de um olhar no curto prazo, promovendo reformas institucionais e econômicas, bem como no longo prazo, com investimento em educação que prepare nossas crianças para os desafios e oportunidades desse século.
Qual é o seu sonho para a humanidade? Diante da grave crise climática e distorção social em que vivemos, sonho que possamos ressignificar nosso sentido de sucesso para que aloquemos todos os recursos que temos à disposição para construir uma sociedade mais justa, mais digna e mais sustentável.
Como todos podem compartilhar este sonho? A prosperidade compartilhada é um caminho que exigirá escolhas e renúncias. A crise nas democracias é sintoma de uma sociedade desigual. As empresas são o principal agente econômico na geração de riqueza e também podemos transformá-las para que possam distribuir essa riqueza a partir de um modelo de governança orientada aos stakeholders como colaboradores e membros da comunidade, gerando valor compartilhado para a cadeia. Muitas empresas dizem querer mudar o mundo. Comece se perguntando qual o múltiplo salarial de sua empresa (diferença entre o salário mais alto e mais baixo). A redução da desigualdade de renda é um imperativo para que tenhamos mais igualdade de oportunidades.
ENTREVISTA
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Qual é o nosso papel enquanto instituição de educação? Ser parte da formação da próxima geração. Mais que trabalhar competências técnicas, focar na educação integral para o desenvolvimento de competências e habilidade socioemocionais, que permitirão aos jovens serem mais resilientes, mais criativos, mais inovadores, mais resolutivos, mais sistêmicos, mais colaborativos e mais empáticos. A escola Despertar ratifica as palavras e reflexões propostas por Marcel Fukayama. O desejo de transformação é genuíno e nasce em nós. Nossa crença na criança capaz, protagonista de seu percurso de aprendizagem, cidadã de direitos e construtora de cultura, reforça que o respeito e a responsabilidade são premissas básicas para as relações que se constituem no universo de nossa comunidade escolar. Constituir um projeto político pedagógico e de gestão que se entrelacem para além dos muros da escola reforça o nosso papel de transformação social em busca do bem estar comum e da sustentabilidade do planeta. Acreditamos na força das instituições para mover as grandes transformações. Acreditamos na força das crianças para mover o futuro. O futuro começa hoje.
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EMOÇÃO E MEMÓRIAS LAÇOS DE AFETO, INTENSIDADE E ENSINAMENTOS: AS VOZES DOS EX-ALUNOS DA DESPERTAR Loide Trois 6 Paula Baggio 7
(...) onde a gente descobre o que é confiar, o que é brincar e o que é ter amigos de verdade. (Isabela Jardim)
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Consultora técnica da Escola Despertar Fundadora da Escola Despertar
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Sabemos que os primeiros anos de vida são essenciais no desenvolvimento humano, que se caracterizam como alicerces ou bases que constituem o sujeito e suas relações com o mundo. Desse modo, a escola de educação infantil é o primeiro espaço de coletividade das crianças, nossos começos, nossas primeiras descobertas e sentimentos. Trata-se de uma etapa de intensidade, de potência e de capacidade imaginativa. As crianças estão chegando ao mundo e aprendendo a lidar com seu corpo, suas ações, a interagir com o outro, a construir conceitos e modos de se relacionar. A Escola Despertar tem este compromisso com a vida de cada criança e sua família, com o modo genuíno e único de ser e estar de cada um. Valoriza o cuidado nas relações, o diálogo respeitoso e comprometido, a diversidade de olhares e modos de compreender a vida. Durante esses 18 anos de história, muitas são as crianças que por aqui passaram, bem como inúmeras são as marcas que cada uma delas deixou em nossa trajetória. Os encontros casuais com os ex-alunos e suas famílias acontecem, a todo o momento, em lugares que variam da padaria ao clube, da sala
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de espera de algum consultório a ruas da cidade. Por mais variáveis que sejam esses lugares, existe algo que se repete a cada encontro: Emoção e Memórias.
Pensando em pr
Pesando em provocar novos e mais emocionantes encontros, no início de 2019, nasce a ideia de reencontrar os primeiros alunos da Despertar. Buscamos em nossos arquivos as listas das turmas de cada ano, conseguimos o whatsapp de alguns ex-alunos e começamos a organizar os grupos pelo ano de nascimento. Contamos com a ajuda dos próprios ex-alunos para conseguir localizar e reunir os cerca de 130 jovens daqueles primeiros anos da escola e logo tínhamos 6 diferentes grupos separados por suas classes. Empolgados, começamos a compartilhar fotos, lembranças e emoções. Nesse ano, reunimos as classes de 1998 até a de 2003, encontramos jovens divertidos, comprometidos e com muita vontade de reencontrar amigos e reviver experiências. Além da oportunidade de saborear os tão marcantes lanchinhos da tia Vânia, disponibilizamos papéis e canetas coloridas e convidamos nossos ex-alunos a nos ajudarem a fazer memória de nossa história, de nossos itinerários, ajustes, melhorias e conquistas. São depoimentos regados de afeto, de risadas e de partilha.
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REFLEXÕES E PESQUISAS
Gabriela Matos, classe 2001
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Todas essas palavras nos fortalecem, nos animam e encorajam, pois sabemos do significado e da importância de amizades verdadeiras e duradouras, da possibilidade de fazer escolhas, do sabor afetivo de um lanche gostoso, das divertidas brincadeiras no pátio, da sensação de frescor do banho de mangueira, da alegria de cada descoberta e, sobretudo, da segurança de um colo que acolhe e sustenta. Uma educação sensível e atenta. Um projeto coletivo de educação que coloca a criança no centro do processo. Uma construção que acontece na participação de crianças, educadores e famílias e que nossos ex-alunos vivenciaram em seus encontros diários compartilhando saberes, constituindo um sentimento de pertencimento ao grupo, ampliando seus conhecimentos e produzindo aprendizagens que, conforme
as mensagens partilhadas, foram essenciais para sua formação enquanto pessoas. Para aprender é preciso que as necessidades das crianças, os seus desejos, isto é, as suas vidas, entrem em sintonia com os saberes e conhecimentos da humanidade. Percebemos que as vivências e memórias desses jovens, que estudaram conosco há tanto tempo vão ao encontro dos relatos das crianças e das famílias que hoje habitam a Despertar, e, ainda que nosso endereço, educadores e estrutura tenham sido modificados, nossa essência e valores seguem constantes. As mensagens acima fortalecem nosso propósito: queremos “formar” de um jeito que não cabe em formas, que transcenda e humanize!
Ratificando a legislação da Educação Infantil, nosso cotidiano precisa de situações agradáveis, estimulantes, que desafiem o que cada criança já sabe “sem ameaçar sua autoestima nem promover competitividade, ampliando as possibilidades infantis de cuidar e ser cuidada, de se expressar, comunicar e criar, de organizar pensamentos e ideias, de conviver, brincar e trabalhar em grupo, de ter iniciativa e buscar soluções para os problemas e conflitos que se apresentam às mais diferentes idades, e lhes possibilitem apropriar-se de diferentes linguagens e saberes que circulam em nossa sociedade”. (MEC, Parecer 20, 2009)
Lembranças que ficaram:
VALORES
CRIATIVIDADE
RISADAS
FESTAS EMPATIA
LIBERDADE COMER
PARTILHA
RESPEITO
ANIVERSÁRIOS TOLERÂNCIA
CONEXÃO
COMIDA
COMPAIXÃO
AMOR MÚSICAS
FANTASIA
RISADAS
AMIGOS
BRINCAR PERTENCIMENTO
REFLEXÕES E PESQUISAS
DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL: O SENTIR NO COTIDIANO ESCOLAR Luanna da Silva Taborda 8
A mariposa é atraída pela luz, mas na medida em que ela chega mais perto da chama, fica também mais quente. Se ela chegar muito perto, pode se queimar. Então, quando o calor fica insuportável, a mariposa voa para longe da chama, circula e tenta novamente. Repetidas vezes ela se aproxima e recua, chegando cada vez mais perto a cada tentativa, enquanto a chama enfraquece e se esvai. Isso acontece mais do que nunca quando se traz atenção consciente ao que sentimos. A prática de chegar mais perto dos sentimentos, repetidas vezes, só até ao ponto de fazê-lo em relativo conforto foi o convite realizado para as crianças da Despertar. Para tal, uma boneca chamada Sente foi o fio condutor para o desenvolvimento de práticas socioemocionais, um espaço que possibilita o sentir através de múltiplas linguagens. A habilidade socioemocional que condiciona todas as outras é a escuta. Escutar é sair de si, despojar-se de sua posição de autoridade e poder, ir ao lugar do outro, ver as coisas do ponto de vista do outro, reconhecer em si, ser afetado por isso e fazer algo (DUNKER, 2017).
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Psicóloga da Escola Despertar.
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Como escutamos e falamos sobre o sentir? O projeto dos Sentimentos está em andamento desde o mês de abril do vigente ano nas turmas B4A, B4B, N4A e N4/5. Ao escutar as crianças nesta fase do desenvolvimento, descobrimos que atenção e gratidão estão de mãos dadas, tanto que essa palavra “gratidão” foi verbalizada em uma de nossas conversas e está presente em nosso cotidiano até hoje. Nosso Projeto Político Pedagógico evidencia que “no gesto de escuta, não se trata de constatar ou confirmar, mas de se colocar perguntas, deixar que as incoerências, os tropeços, as conclusões, as formulações, as inquietações dos sujeitos tomem lugar”, assim convidamos todos os que habitam este lugar chamado Escola Despertar para pausarem “um minuto” e compartilharem momentos de gratidão.
Registro sobre o sentimento de gratidão no “mundo dos adultos – familiares”
REFLEXÕES E PESQUISAS
Registro sobre o sentimento de gratidão no “mundo de ex-alunas da Despertar”
Registro sobre o sentimento de gratidão no “mundo das crianças”
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Nesses registros, percebemos diversos modos de expressar os sentimentos e a efetivação da consciência emocional no cotidiano escolar, dando sentido e significado ao que se manifesta inicialmente como emoção pura ou impulsividade emocional. Com este projeto, compreendemos que a respiração é um recurso que esteve sempre conosco e nos ajuda a estabelecer conexões, a silenciar o corpo e tomar consciência de si. Começamos a praticar a atenção plena em momentos de calma relativa, ajudando a fortalecer a capacidade de usar essas estratégias quando as emoções transbordam ou os desafios surgem. “Meu coração bateu tão rápido que eu cheguei a sonhar”
“Minha barriga vai para cima e para frente”
(Lucas, N4/5)
(Rafaela, B4B)
“Senti meu corpo calminho”
“Olha o meu corpo todo sentindo o ar...”
(Gabriela, N4A)
(Tiago, B4A)
O sentimento é o que conecta a humanidade, embora a competência emocional possa ser considerada através da perspectiva de experiências pessoais, o fato é que ela é vivida pela interação. Assim, as emoções são consideradas sociais. Sabia que quando eu jogo vídeo game com meu pai e vejo cocô de dinossauro, eu digo – eca, que nojo? (Luis, B4A). Antes tinha medo do Papai do Natal (Bernardo Padoim, B4B, falando sobre o Papai Noel, personagem que o fazia sentir medo). Eu fico alegre quando subo em árvore (Pedro, N4/5). Eu desenhei a tristeza com “choramentos”, minha mana pega todos os dias meus bonecos. Eu não consigo brincar, só quando ela dorme. Senão é só choramento (João Cunha, N4A). Hoje, quando estava quase de manhã, minha irmã ficava gritando “Iaia, Iaia” e eu estava dormindo, fiquei com raiva (Laura, B4B). A maneira processual e cuidadosa como criamos espaços de diálogo com as crianças foram nos ajudando a construir conceitos, nomeando emoções e significando nossas ações. Garantimos em nosso cotidiano escolar momentos de fala e escuta sobre qualquer sentimento, a serviço da integralidade do ser. Compreendemos que perceber o sentir de si e do outro, verbalizar sobre o estado emocional no aqui e agora, são ações que perpassam nossos modos de aprender. Neste sentido, o escutar foi vivenciado com o coração, pois “é com o coração que vemos claramente, o que é essencial é invisível aos nossos olhos” (Saint-exupéry, 2004).
Referências DUNKER, C. (2017). Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano. São Paulo: Ubu Editora. ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DESPERTAR. Projeto político pedagógico (PPP), 2016. SAINT-EXUPÉRY, A. (2004). O pequeno Príncipe. 48º ed. Rio de Janeiro: Agir.
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A CULTURA INFANTIL: CORES E TRAÇOS Jéssica Eufrásio9
A forma de entender a cultura como um produto acabado a ser transmitido para a criança apenas reforça um processo onde as coisas passam a ter vida e as pessoas a serem vistas como coisas. O que não deve ser feito é reduzir a cultura aos produtos que realiza, deixando-se de lado o modo e as relações de produção como o próprio produtor (PERROTTI, 1990, p. 16). O professor Andrei Alberto, em seu artigo de pesquisa “Reflexões sobre a produção cultural na infância”, apresenta a reflexão da criança como produtora de cultura ativa, mas encontra ideolo-
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Professora da Escola Despertar.
gias que são objetos culturalmente passivos, desconsiderando todas as vivências e relações que experimentam quando pequenas. Em cada sala de aula, existe um mundo de possibilidades, um mundo de diversidade, de descobertas, e esses vários mundos consistem em um grande universo dos sujeitos que compõem as infâncias. A diversidade infantil, por sua vez, representa um elemento de enriquecimento nas relações entre as crianças, suas interações, construções, diálogos e as formas diferentes de se relacionarem com o mundo em seu entorno.
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Encontros com Pirecco Em nossa escola, tivemos, por um período significativo, a visita do artista plástico Ricardo Trombini Pires, conhecido como Pirecco, que embelezou o muro do pátio dos fundos com traços coloridos, simbolizando vivências, descobertas, emoções e formas de pensar e de interagir das crianças pequenas. O artista gaúcho, nosso amigo Pirecco, cresceu um um ambiente de muita arte, sua avó era pianista e ele sempre gostou de desenhar. Com sólida formação artística, trabalhou como designer gráfico e como diretor de arte em agências de publicidade e escritórios de design. Em 2009 abriu seu próprio estúdio de criação e artes gráficas, o Pirecco Studio. Se considera um ilustrador/artista que não nasceu talentoso mas com uma grande vontade de desenhar e ao longo dos anos foi treinando e aperfeiçoando seu trabalho com muito esforço, dedicação e erros. Seus traços são coloridos, divertidos e marcantes. O painel do artista está localizado no pátio interno da Despertar e mede 15X3 metros, cerca de 45 metros quadrados - o muro da escola. “A escolha dos elementos aconteceu através de uma grande pesquisa gráfica que fiz, seguindo os pilares, os valores principais da Escola. Sempre trazendo o lúdico e pensando também na interação dos desenhos com as crianças, o estímulo visual como um exercício de imaginação” afirma Pirecco. A cada dia que passava, a curiosidade das crianças crescia enriquecendo sua imaginação e, aos poucos, os traços cinzas foram dando lugar para novas formas e cores. O muro foi recebendo vida e as imagens se constituindo como resultado da criação, da interação entre os elementos. Em cada novo traço foram transcritas nossas vivências e experiências. Pensando no papel fundamental do adulto como o principal interventor de cultura direta e indireta, as diferentes vivências das crianças na escola potencializam a reprodução cultural nas brincadeiras. No dia em que nos encontramos, tudo parecia normal, um dia como outro, fazia Sol! As crianças sabiam que Pirecco iria nos visitar, mas não sabiam quando. Alguns estavam na porta recebendo as crianças, outros brincavam, ainda outros apenas admiravam e, de algum lugar, observavam como se estivessem parados no tempo.
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O relógio marcava que o tempo estava passando, a porta do pátio entreaberta nos mostrava que os adultos que ali estavam já se encontravam junto às crianças no pátio. Algo naquele dia mudou, era alguém diferente: Pirecco estava em nossa escola!! Nossas crianças compartilhavam falas e olhares curiosos pela janela, buscando entender o que estava acontecendo e quem era a pessoa que estava subindo e descendo escadas tão altas, traçando riscos em nosso muro, criando um novo cenário interativo. Muitas foram as vezes que escutamos as crianças dizerem: “Olha lá o meu amigo, sabia que ele é meu amigo?”, apontando para Pirecco e sua obra em construção. Os dias foram passando, e o muro foi-se transformando em arte, cor e vida. Fomos capturados por cada novo elemento destacado do quadro/tela gigante. Um dia, então, as crianças foram recebidas com a notícia de que o Pirecco já havia terminado sua arte. Eufóricos, procuravam com olhares brilhantes os desenhos que haviam sido formados. O amigo Dudu estava lá, o cavalinho, a girafa, a melancia, planetas, balões, foguete, livros, instrumentos musicais e muitos objetos do nosso dia a dia na escola. Marcas que representam a pluralidade da infância, que representam nossos valores e que concretizam nosso propósito de educação. A obra de Pirecco nos ajuda, sensibiliza, emociona e nos convida a nos relacionarmos com o outro, uma relação cuidadosa, ética e diversa. Nossos encontros com Pirecco ressoam em nossas memórias e alegram nosso coração. Nesta obra, infância, cultura e arte se entrelaçam formando uma grande e colorida janela do mundo.
“A escolha dos elementos aconteceu através de uma grande pesquisa gráfica que fiz, seguindo os pilares, os valores principais da Escola. Sempre trazendo o lúdico e pensando também na interação dos desenhos com as crianças, o estímulo visual como um exercício de imaginação”. (Pirecco)
Pirecco O artista gaúcho Ricardo Trombini Pires, nosso amigo Pirecco, cresceu um um ambiente de muita arte, sua avó era pianista e ele sempre gostou de desenhar. Com sólida formação artística, trabalhou como designer gráfico e como diretor de arte em agências de publicidade e escritórios de design. Em 2009 abriu seu próprio estúdio de criação e artes gráficas, o Pirecco Studio. Se considera um ilustrador/artista que não nasceu talentoso mas com uma grande vontade de desenhar e ao longo dos anos foi treinando e aperfeiçoando seu trabalho com muito esforço, dedicação e erros. Seus traços são coloridos, divertidos e marcantes. O painel do artista está localizado no pátio interno da Despertar e mede 15X3 metros, cerca de 45 metros quadrados.
Referências PERROTTI, Edmir. A Criança e a Produção Cultural: Apontamentos sobre o lugar da criança na cultura. In: ZILBERMANN, R. A produção cultural para a criança, 4.ªed., Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.
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REFLEXÕES E PESQUISAS
O QUE É INFÂNCIA PARA VOCÊ? Gabrieli Juriatti 10
O que é ser criança para você? O que é a infância para você? Tais perguntas nos trazem profundas reflexões acerca da infância na atual sociedade. Ser criança, dentro do senso comum, é ser feliz, viver no mundo da fantasia, não ter preocupações ou obrigações, brincar e se divertir, logo a infância é considerada a melhor fase da vida. No entanto, nem sempre essa noção do “ser criança” é vivida e experienciada por todos da mesma forma. Muitos são os estudos voltados para a infância no século XXI, uma infância dita moderna cuja concepção e definição variam de acordo com os diferentes contextos sociais e econômicos nos quais as crianças estão inseridas. Esse modelo moderno de infância foi delineado no século XIX nas sociedades capitalistas industrializadas, quando se tem uma nova configuração social da infância, mudando não apenas o que se refere às reproduções da sociedade, mas também as ações e mudanças sociais.
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Educadora assistente da Escola Despertar.
REFLEXÕES E PESQUISAS
A partir da noção que estabelecemos da infância na sociedade contemporânea, é necessário analisarmos as variações de sua concepção de acordo com o contexto histórico social. Para isso, levamos a reflexão acerca da infância dentro das comunidades periféricas ou, até mesmo, de comunidades que se encontram longe dos centros urbanos. As situações às quais as crianças estão expostas redefinem a ideia de infância, pois as condições socioeconômicas das famílias, a exposição à violência e o escasso acesso a recursos no que se refere à educação e saúde fazem com que se estabeleça outro tipo derelação com essa fase da vida. Em contrapartida, ao analisarmos um contexto no qual as crianças possuem mais acesso a recursos, a infância irá se configurar de outra forma, uma vez que a realidade vivenciada proporciona subsídios necessários para o seu melhor desenvolvimento cognitivo e social. A percepção de infância na atual sociedade, como sendo a melhor fase da vida, deve ser observada também pelo viés daqueles que veem e vivem a infância como uma infância mítica. E,para esta parcela da população, a infância mostrada na mídia se distancia da infância vivida e experienciada cotidianamente. Sendo assim, a concepção do “ser criança” varia e é afetada pelas relações e experiências vividas nos diferentes contextos históricos que passamos. Nesse sentido, os aspectos sociais, econômicos e culturais devem ser levados em consideração quando falamos em infância e em como ela se organiza nos diferentes espaços e tempos.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
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BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) UM CURRÍCULO CONSTRUÍDO POR TODOS Fabiane Roleto 11
Tudo começou em novembro do ano passado. Recebi o convite para participar de um grupo que teria a missão de decodificar a Base Nacional Comum Curricular (2017) e adequar suas premissas à Escola Despertar. Embora meu conhecimento sobre o documento fosse apenas de notícias na mídia, minha relação com a Despertar é longa e de muito afeto como professora de inglês, coordenadora do Programa Bilíngue e, mais recentemente, como mãe de uma criança que simplesmente ama o Dudu!
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Supervisora do Programa Bilíngue da escola Despertar.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
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Em nosso grupo de trabalho estão representadas todas as esferas da escola: educadores, com a Yáscara e a Renata; educadores assistentes, com a Jéssica Fontela; área da psicologia, com a Lindsay; equipe de apoio, com a Vanessa e a Anne; equipe diretiva, com a Andrea e a Loide e famílias, comigo. Nossos encontros tiveram momentos de muito estudo, já que o documento da BNCC é bastante denso e repleto de informações importantes, mas também de muita emoção, com vídeos lindos de sensibilização, com trocas de pontos de vista das diferentes áreas e com reflexões que, com certeza, agregaram tanto no currículo da Despertar quanto em cada uma de nós. As contribuições de todos os educadores da escola e também das famílias deixaram nosso trabalho com uma relevância muito maior. Uma comunidade escolar inteira envolvida em busca de um objetivo: um ambiente escolar em que as crianças possam exercer cada vez mais livremente os seus direitos propostos pela BNCC – conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Tenho certeza de que todas nós do GT sobre a BNCC e a construção do currículo da Despertar estamos saindo dessa experiência com muito conhecimento acumulado e também um enorme orgulho de termos feito parte de um processo tão bonito e enriquecedor. Falando com o coração de mãe agora, o sentimento que mais tomou conta de mim durante e ao final desse processo é a gratidão. É maravilhoso meu filho poder se constituir como pessoa em uma escola tão comprometida com a educação como um todo, um local onde sei que ele será respeitado, escutado e acolhido com tanto cuidado e afeto.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
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ESPAÇOS DE FORMAÇÃO NA DESPERTAR: DIÁLOGO E ESCUTA Lilian Postingher Zianni 12
Neste ano de 2019, completei 5 anos de "casa". Trabalho na Despertar e sou grata pelo esforço que a equipe diretiva faz para nos proporcionar momentos de formação, espaços de aprendizado, trocas de ideias e de afetos com muita qualidade e intensidade. Já tivemos formatos diferentes ao longo desses cinco anos, pois nossas inquietações e reivindicações são sempre escutadas e acolhidas pela equipe, o que torna nosso trabalho mais valorizado e flexível. Hoje participo das formações mensais que acontecem aos sábados; das formações vivenciais, que acontecem quinzenalmente, nas quintas-feiras; participo também do grupo de estudos sobre Documentação pedagógica e do Grupo Palavra que acontece todas as quartas-feiras.
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Educadora assistente da Escola Despertar.
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Em cada encontro, temos diálogos regados de partilha de ideias, ensinamentos, convivência, oportunizando, assim, aprofundamento da proposta pedagógica da escola, ampliação de nossos repertórios culturais, simbólicos alicerçados na pedagogia da escuta. De acordo com Mello, Barbosa e Faria (2018), podemos definir a escuta como: “a capacidade e a necessidade de escutar, de coletar, de organizar e de compreender o que a inteligência das crianças e dos adultos produz no contexto da escola. Não se trata simplesmente de ouvir o que eles dizem, mas de criar um clima receptivo no qual todos os protagonistas da escola se encontrem, sejam crianças, pais ou professores. A escuta é uma atitude receptiva que pressupõe uma mentalidade aberta, uma disponibilidade de interpretar as atitudes e as mensagens lançadas pelos outros e, ao mesmo tempo, a capacidade de recolhê-los e legitimá-los” (p.57). Para conseguirmos escutar as crianças, é necessário sermos escutados, e, nas formações, assim como em outros momentos, essa escuta acontece e nos permite essas trocas significativas, fazendo com que o propósito e os valores da Despertar sejam realizados. Alimentamo-nos fisicamente por meio de comidinhas deliciosas nos encontros e, intelectualmente, por meio de seminários, leituras, análises de situações do cotidiano, vídeos, poesias, práticas corporais, produções artísticas visando potencializar nossos fazeres com nossas crianças. Segundo Malaguzzi (2005), os professores e os profissionais de cada escola têm o direito de contribuir para o desenvolvimento e para o aprofundamento dos marcos conceituais que definem os conteúdos, os fins e as práticas de educação. Acreditamos nos debates e confrontos abertos e produtivos com a equipe, no direito ao diálogo, aos diferentes pontos de vista, na troca de ideias e nas experiências como ferramentas importantes para enriquecer nossas capacidades de pensamento, avaliação e documentação. Por fim, resgato o propósito da escola afirmando que não existe um único modo de ensinar, de aprender e de se desenvolver, queremos formar de um jeito que não cabe em formas, que transcenda e humanize. Aprendemos resgatando histórias, gerando conhecimento, aprendemos quando brincamos, e nos transformamos. É uma eterna descoberta. Quando nos sentimos seguros, estamos inteiros, nos abrimos para o novo. Acolher permite crescer e, assim, nos sentimos protegidos. Existe algo que vem do afeto, do deixar-se afetar pela beleza, pela simplicidade, por novas possibilidades e por experiências. Na convivência geramos a arte do encontro; na ética das relações, temos respeito, escuta. Queremos diversidade e transparência. Enfim, acreditamos numa educação que vai sendo construída a cada momento. Como nos inspira Paulo Freire, “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
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INFÂNCIAS E CANÇÕES Clarice Bourscheid 13 Crisley Mesquita14
A viola quando toca faz o triste se alegrar, quando canta a sereia faz o mar se levantar. Nossos encontros musicais, ainda no verão, tiveram como um primeiro convite, cantos dos pescadores da Ilha de Santa Catarina. Estávamos quase todos ainda com memórias muito frescas de dias alegres na praia, no mar com a família. Dessa forma, muito contentes em compartilhar este universo da água, do sol, do vento, das canoas, dos barcos, cantamos a rimada “Chamarrita”, recolhida por Alisson Motta em pesquisa com pescadores da região. Percebemos o encanto das crianças por este universo e para além dos elementos reais da praia, havia outros fantásticos como sereias e mares que se movem com seus cantos.
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Professora de Música da Escola Despertar Professora da Escola Despertar
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
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“No meio daquele mar, tem um nó de fita azul, não é fita, não é nada, é o vento que venta sul”. O que seria um nó de fita azul? Como será o vento sul? Será fresco? Será morninho? Com essas interrogações e o encantamento das crianças, fomos aprofundando nosso olhar, nossa escuta e investigação sobre poesia e sobre a música. Lembramos a música Suíte dos Pescadores, de Dorival Caymmi, a qual cantamos, fazendo nosso arranjo inicial com chocalhos de ovinhos e o tambor do oceano usado na introdução e no final da música. Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer. Se Deus quiser, quando eu voltar do mar, um peixe bom eu vou trazer. Meus companheiros também vão voltar, e a deus do céu vamos agradecer! Após termos cantado a canção, apresentamos um vídeo dessa música, onde apareciam jangadas indo para o mar, ao som de ondas. As crianças ficaram muito engajadas na canção, apresentando algumas perguntas que consideramos relevantes: Estes são os companheiros? São eles que voltam do mar? A partir dessas vivências, planejamos a organização dos ambientes para que pudessem conhecer diferentes tipos de barcos: jangadas, canoas de pescadores. Nesses encontros, ficávamos impressionadas com as relações feitas pelas crianças sobre a música, sobre a vida de Dorival Caymmi, sobre o universo do mar. Eu podia ficar o dia todo fazendo isso (relato de uma criança ao comentar sobre a alegria em brincar com pequenas jangadas de rolha em uma bacia d´água). As contribuições das famílias também nos ajudaram a enriquecer nossos repertórios como a entrevista feita com pescadores, na praia de Garopaba (SC), pela Betina com sua família. Também tivemos momentos mágicos criados com as crianças como o “correio marítimo”, que trazia diversas encomendas, caudas de sereias, o rei dos mares e alguns barcos. Buscando ampliar o conhecimento musical das crianças, fomos conhecer outras canções de Dorival Caymmi como “Maracangalha” e “Acalanto”. Do acalanto de Caymmi tantos outros surgiram. Observamos que, ao longo do semestre, as crianças já se organizavam sozinhas para tocar as músicas, demonstrando domínio e apropriação das canções.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
Percebemos, a cada encontro, o quanto alguns elementos permaneciam e se ampliavam à medida que promovíamos tempo e espaço para isso. O “tambor do oceano” foi um instrumento que esteve presente e era lembrado em várias dessas ocasiões, fazendo sempre alusão aos sons do mar e da vida: ora calmos, ora mais agitados. Dessa maneira, observamos a quantidade variada e consistente de possibilidades de aprendizagem na interação com repertórios da música brasileira tradicional, bem como da canção brasileira. Dois universos vastos e repletos de poesia, de harmonia e de ritmos que convidaram as crianças a mergulhar neles de tal forma, que criaram, elas mesmas, suas canções e danças, com especial escolha pelo formato dos acalantos em suas composições e improvisos. Dos acalantos e da música brasileira começaram a emergir outros desejos musicais nas crianças. Alguns demonstraram a vontade de ouvir, dançar e tocar repertórios de rock; outros, repertórios mais ligados à dança e ao ballet. Enquanto educadoras, fomos oportunizando repertórios que pudessem atender e instigar mais profundamente esses interesses e investigações sonoras do grupo. Entendemos que a música, assim como as brincadeiras, fala e toca as pessoas, ou seja, nos emociona e nos auxilia na construção de relações e de diferentes formas de expressão. A canção, por definição, é uma forma de composição que agrega palavras e música de uma forma quase indissociável. Por outro lado, em alguns casos, nos faz sentir que, mesmo sem compreender as palavras, quando escutamos uma canção em língua desconhecida, podemos nos emocionar e nos sensibilizar com sua harmonia. A música é nossa primeira língua. As palavras chegam depois. Segundo Mafioletti (2012): “cantar é uma atividade que amplia a identidade das crianças, pelo alcance da voz em todas as direções. Cantar e ser escutado dá início a uma forma simples de diálogo, que pouco a pouco se transforma em prazer em estar junto [...] Em todas as idades ela cria o elo afetivo que dá sentido à vida” (p.23). Em alguns contextos, as vivências das crianças, muitas vezes, se resumem às canções ditas infantis como o Mundo de Bita, Galinha Pintadinha ou Bob Zoom. Por isso, reiteramos a afirmação do educador e artista espanhol Laredo que, ao falar sobre as escolhas dos produtos culturais oferecidos às crianças pequenas, aponta a necessidade de criticar e de avaliar se estes não estão simplificados demais ou se desconsideram a inteligência, a sensibilidade e a complexidade das crianças, ou seja, apresentam sempre as mesmas harmonias, letra musical reduzida e repetitiva. Dessa forma, ratificamos nossa responsabilidade em ampliar
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e em qualificar as oportunidades sonoras das crianças por meio da escolha de músicas contextualizadas, músicas de diferentes ritmos, produzidas em diferentes partes do mundo. Tantas vezes se submete a criança à redoma protetora do adulto que o conteúdo se recheia de consignas de condutas transmitidas através de “imperativos categóricos” repetidos. Sustenta-se na falta de rigor artístico com técnicas de teatro de participação, de animação, diversão ou ócio, cheio de caricaturas empobrecedoras do espírito humano, e de fórmulas didáticas transmitidas com o sentimento de superioridade próprio do adulto sobre a criança. (LAREDO, 2003, p.4). Aqui é pertinente lembrar que falar em música é falar em expressão, sons e silêncios. E que a música não está separada da vida. Ainda com Laredo (2003), sustentamos que “a sensação é a gota que perfura a emoção do indivíduo, seja criança, adulto ou ancião” (p. 7). Por isso, é fundamental, na formação da criança, conhecer e viver a música de diferentes culturas e países, pois nos tornamos mais empáticos ao distante ou ao diferente (NUSSBAUM, 2015), compreendendo ainda que a expressão musical é naturalmente humana e se desenvolve de diferentes formas, a partir das características de cada contexto histórico e cultural. No decorrer do desenvolvimento infantil, é necessário que oportunidades variadas sejam oferecidas, pois desta forma, ampliam-se possibilidades e o apreço musical das crianças vai-se desenvolvendo e se aprimorando. Surge, assim, um grupo que elege suas canções fugindo do padrão comumente dirigido à infância. A turma com a qual trabalhamos neste ano, apresentou-nos questionamentos que nos levaram a um repertório curioso, no qual a Música Popular Brasileira misturava-se com o Rock internacional, num contexto em que todas elas eram do século passado, um período que não vivenciaram. Por outro lado, justamente através da música e das artes em geral é que se tem a oportunidade de reviver contextos ou de ressignificá-los no tempo presente, garantindo uma variedade musical para o futuro. Compositores como Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Toquinho faziam companhia a Freddie Mercury, Beatles, Elvis Presley e ACDC nas manhãs da turma, momentos que marcaram a trajetória deste grupo e tornaram-se parte da memória das crianças. Acreditamos que a educação musical agrega conteúdo ao nosso crescimento, e a história de canções que marcam gerações nos remete a memórias das mais incríveis. A música vai além de mexer os ombros com a batida da canção ou de bater o pé no chão. A música nos leva às rimas e a seus encantamentos, nos convida a relembrar emoções, histórias e nos transporta para tempos e mundos diversos. Valorizamos nossos encontros, encontros entre gerações, encontros entre repertórios, encontros com diferentes culturas.
Referências LAREDO, Carlos. La mirada exiliada de los niños. Boletín de la Institución Libre de Enseñanza, [s.l], n. 49-50, maio 2003. MAFFIOLETTI, Leda. O que se aprende com música? In: Pedagogia da arte Vol.2 Porto Alegre: UFRGS, 2012. NUSSBAUM, Martha C. Sem Fins lucrativos: Por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
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SER PAI E SER MÃE NA DESPERTAR Andrea de Souza 15
Tantas vezes se submete a criança à redoma protetora do adulto que o conteúdo se recheia de consignas de condutas transmitidas através de “imperativos categóricos” repetidos. Sustenta-se na falta de rigor artístico com técnicas de teatro de participação, de animação, diversão ou ócio, cheio de caricaturas empobrecedoras do espírito humano, e de fórmulas didáticas transmitidas com o sentimento de superioridade próprio do adulto sobre a criança. (LAREDO, 2003, p.4). Reuniões na escola, dia da família, festividades, conversas com a professora, integrações e bilhetes solicitando ajuda nos projetos são algumas das oportunidades para as quais as famílias são convidadas, a fim de participarem do cotidiano da Escola Despertar. Participar das atividades e das demandas da escola vai além de ser presente no desenvolvimento do meu (minha) filho (a). Essa participação proporciona as condições e as possibilidades de compartilhar com meus pares, os outros pais e mães que vivem as experiências de serem pais de crianças que frequentam a escola e com os educadores, que passam o dia ou um turno com meu (minha) filho (a). A presença dos pais nas atividades da escola amplia a escuta e o olhar de todos os envolvidos no processo pedagógico.
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Coordenadora pedagógica da Escola Despertar.
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Os afetos envolvidos com a PRESENÇA da família possibilitam aos educadores compreenderem as necessidades, os interesses, as preocupações dos responsáveis pelas crianças e auxiliam nas conexões entre estes e as ações a serem planejadas e concretizadas nas práticas cotidianas da escola. Se em algum momento os pais escolheram a escola levando em consideração uma série de critérios que consideravam pertinentes para o seu filho em uma determinada idade, a participação na escola assegura também que os pais acompanhem seu filho em seu crescimento, nas suas mudanças e nas mudanças que a escola proporciona para instigar esse crescimento de modo potente e criativo. Quando se efetiva a participação de todos os envolvidos em sua rotina e funcionamento, a escola passa a ser também um espaço de aprendizagem para os pais, um espaço de trocas, de expectativas e de apoio. A escola deixa de ser um espaço preparatório para o que vem depois, para uma vida que vem depois, e contribui para o entendimento desse tempo de agora e da vida que já é. Os filhos crescem, as escolhas que fazemos para eles mudam, nossas percepções sobre o que é importante para eles também se alteram, eles nos indicam em suas respostas e atitudes que estão em outra fase, que aprendem de outras formas, que têm um ritmo próprio. Essa percepção também nos faz entender que temos nosso próprio ritmo, que o nosso ritmo pode-se adequar ao ritmo deles e que precisamos alcançar certa harmonia e equilíbrio para acompanhá-los. Tal tarefa não é fácil ou tranquila. Os momentos que vivemos com eles, ou por eles na escola, auxiliam na harmonização desses ritmos, no equilíbrio desses afetos compartilhados. De muitas formas crescemos com nossos filhos, aprendemos com eles, e, através de nossa presença e participação nas atividades da escola, colocamo-nos disponíveis e abertos ao que foi pensado com eles e para eles. Estar perto, de forma ativa e afetiva, é ainda a melhor maneira de participar da vida deles nesse tempo extremamente rico e importante que se chama infância.
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GRUPO PALAVRA: UMA EXPERIÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DE MEMÓRIAS E IDENTIDADE PROFISSIONAL Juliana Prudêncio Abulé 16
“As palavras denotam o pensamento e, por sua vez, marcam nele um caminho. As relações entre falar e pensar são complexas, e uma delas é a reciprocidade: pensar faz falar e falar faz pensar. E, também há a possibilidade de que falando surjam novidades por acréscimo.” (Isidoro Berenstein, 2011) A formação continuada de educadores denominada “Grupo Palavra”, que acontece há cinco anos na escola Despertar, centra-se numa perspectiva de educação como experiência de encontro, de afetação e de construção de confiança. Nesse sentido, lança-se um grande desafio em busca de uma concepção formativa que reflita a peculiar relação adulto- criança, criança-criança, adulto-adulto. Uma sensibilização para uma escuta atenta a fim de que se possa ouvir o outro. Rinaldi (1996 apud ANDREETTO, 2014) refere que o principal é estar aberto a ouvir legitimamente o outro, tanto o adulto quanto a criança, porque a comunicação é um dos meios fundamentais para se dar forma ao pensamento. Segundo a autora, o ato comunicativo realizado através do ouvir produz significados e modificações recíprocas que enriquecem a todos os participantes neste tipo de troca.
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Psicóloga da Escola Despertar.
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Em 1946, Emmi Pikler, uma pediatra Húngara, foi responsável no pós-guerra por organizar e dirigir um orfanato Instituto Lóczy - em Budapeste, e tornou-se referência, em todo o mundo, com relação aos cuidados da primeira infância. A abordagem Pikleriana é fundamentada a partir de quatro princípios centrais mutuamente inter-relacionados e inseparáveis: o valor da atividade autônoma; a relação afetiva estável e privilegiada mesmo em uma instituição; a necessidade de favorecer a criança na tomada de consciência de si e do seu entorno; a saúde física e emocional da criança (DAVID & APPELL, 1973/2013). Os adultos que se ocupavam desse orfanato, aprenderam e entenderam que, como disse Emmi Pikler, a criança que atinge algo a partir da experiência adquirida conquista conhecimentos de natureza completamente diferentes do que aquela que recebe uma solução pronta. Porém, realizar uma atividade de forma independente não significa abandonar a criança: requer uma troca de olhares, algumas palavras, ajuda para aqueles que precisam, alegria compartilhada, enfim, sugerir à criança que ela é uma pessoa importante e apreciada e que ela é levada em consideração. Emmi Pikler não utilizou em seus livros e escritos a palavra respeito. Apesar disso, reflete em cada pensamento o seu reconhecimento e a apreciação em direção ao outro, em seu relato enquanto cuidadora no Instituto Lóczy, Judit Kelemen nos deixa uma grande lição nesse sentido: ‘”Acredito que transmito o respeito à criança não somente com as minhas palavras, mas também com as minhas ações. Se quero lhe pedir o copo, além de minhas palavras, meus gestos também têm que pedir. Minhas mãos esperam o momento em que a criança aceita e me entrega. Para mim, respeito significa que sempre e quando for possível farei as coisas com o consentimento da criança. Levo em consideração as suas ideias também. Foi difícil aprender isso, tive que mudar. Tive que aprender a controlar meus gestos, fazê-los mais lentos. Recordo quando me observei em uma gravação e me dei conta da rapidez com que limpava a boca de uma criança com babeiro. Vi que isto lhe pegou de forma desprevenida, não teve tempo de se preparar. Me senti mal. Comecei a observar a mim mesma. Comecei a esperar, conscientemente, dei tempo para que as crianças pudessem se preparar, afinei meus movimentos e os fiz mais devagar. Hoje, o gesto amável já é para mim natural, inclusive em uma situação difícil.””
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O princípio formativo do Grupo Palavra está pautado na experiência de escuta e de se fazer perguntas. Perguntas que chegam ao adulto perante o encontro com as crianças. No cotidiano da escola, a criança constrói o sentimento do que é vida. Como as crianças tomam o sentido de tudo o que acontece ao seu redor? Como acontece o processo de incorporação de responsabilidades e de respeito à vida? À convivência? Às regras? Pensar um sistema de atitudes no adulto que espelha a coerência entre o que dizemos e vivemos nos impõe uma responsabilidade ética. O que consideramos fundamental na abordagem metodológica do Grupo Palavra? Quais os aspectos que permitem a continuidade de um processo de transformação num sistema de atitudes dos adultos? A possibilidade de compartilhar significa mais do que ensinar. Refletir sobre reciprocidade permanente, sobre o que fazemos para que possamos compartilhar juntos é o que nos propõem as quatro participantes do Grupo Palavra, relatos sensíveis sobre suas experiências de constituição de memórias e identidade profissional.
PRIMEIRO RELATO Jéssica Eufrasio 17 Contar um pouco sobre percurso profissional não é algo fácil quando se trata de educação, mais ainda quando se trata de uma formação continuada através do Grupo Palavra. Preciso, antes de iniciar, convidá-los a pensar nas estações do ano. Não sabemos exatamente quando elas mudam, mas percebemos, ao longo do processo, que as árvores já não estão cheias de folhas, não precisamos mais usar tantas roupas como antes, sentimos em nosso corpo a temperatura aumentando ou diminuindo, percebemos as mudanças mais marcantes ao longo do tempo e, então, percebemos que mudou, passamos a viver outro momento de nossas vidas. Estar presente no Grupo Palavra, ao longo desses quatro anos, é passar pelas estações por dentro de si mesmo, pois, a meu ver, para que haja uma base da prática pedagógica, é fundamental entender que ela se dá na relação que se estabelece primeiro nas escolhas de compreender e de ver a primeiríssima infância como um lugar de estar e de entrar em relação com as crianças de forma sincera. Quando cheguei ao grupo, estava finalizando o magistério e iniciando a Pedagogia, minha prática se resumia a teorias e repetições de ações que ouvi, li e discuti. Cada novo dia em sala era um dia de me questionar e de buscar entender: Afinal, de tudo oque vi até aqui, pergunto, de que as crianças precisam? De que forma, enquanto professor da educação infantil, posso, de fato, proporcionar às crianças um lugar, mesmo
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Professora da Escola Despertar.
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diante da rotina, em que elas consigam ser elas mesmas? Um lugar de aprendizagem que não seja apenas do professor para o aluno, mas que seja uma construção contínua e saudável? Foi quando ouvi pela primeira vez que os bebês deveriam e são capazes de alcançar posições por eles mesmos, foi a primeira vez que ouvi que deveríamos perguntar às crianças bem pequenas e esperar a resposta, foi a primeira vez que ouvi falar sobre antecipação dos acontecimentos, foi a primeira vez que compreendi que estar em relação mais vale do que muitas atividades com as crianças. Foi a primeira vez que ouvi falar de Emmy Pikler e de Myrtha Chockler. Mesmo ainda jovem na educação, precisei me desconstruir para me reconstruir. A relação de tempo e a não preocupação excessiva com ele nos faz profissionais melhores, pois o nosso tempo é diferente do tempo das crianças pequenas. Com alguns conceitos entendidos, buscamos viver na prática. Cada semana, reunimo-nos para conversar e para entender mais sobre nós mesmos, sobre as crianças, sobre os contextos e histórias que se encontram em nosso cotidiano, pouco a pouco fomos tecendo fios entre a teoria e a prática. O Grupo Palavra trata de assuntos sobre relações. A relação com os colegas, relação com as crianças e consigo, percebi que era fundamental estar ali todas as semanas, um espaço de formação continuada que me convida a me revisitar continuamente. Escolher as palavras, buscar a sinceridade e a verdade com as crianças, enfim, ouvir as crianças tornou-se para mim uma prioridade. A construção de conhecimentos ocorre quando entramos em conflitos de opiniões, em divergências de hipóteses e, por meio de perguntas, vamos refletindo e pensando sobre as situações, sobre a relação, sobre o tempo e a espera, sobre as intervenções e sobre nossas escolhas. Depois de alguns anos, apenas se ouvindo e ouvindo os colegas, passamos a analisar e refletir sobre nossas práticas por meio de vídeos e de áudios. Confesso que foi um momento difícil, porém genuíno, pois em qual lugar se para, para se ouvir e se ver junto às crianças? Entendo hoje que somente dessa forma podemos ver outras possibilidades de ações, e escolhas, ainda é um processo pelo qual estamos passando, no qual crescemos profissionalmente e entendemos que as escolhas das palavras deveriam entrar no planejamento da educação infantil.
O Grupo Palavra é um espaço onde se pensa a relação, o afeto, o vínculo; um espaço onde se pensa na VIDA. Tenho como missão interna continuar e disseminar o que aprendi a todos que desejam falar, ouvir, desconstruir-se e reconstruir um profissional reflexivo. Como as estações do ano, fui alterando meu modo de ser e de atuar, transformando meu olhar, agregando capacidades e reflexões, sentindo as emoções e sentimentos decorrentes em cada mudança, constituindo-me e consolidando outros modos de ser profissional na educação infantil.
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SEGUNDO RELATO Yascara Marina Ferreira Alves 18 Trabalhar na Despertar, além de me abastecer como pessoa e como profissional, me fez desacomodar as meias verdades que eu acumulei durante toda a minha trajetória acadêmica e ainda me faz questionar e repensar, a cada dia, o meu real papel enquanto educadora de infâncias. Um dos momentos de maior “desacomodação” apareceu quase como um suspiro de alívio, quando, com poucas palavras, a psicóloga descreve uma das maiores sutilezas do nosso trabalho, mas, com toda a responsabilidade de um olhar atento e sensível, afirma: “quando eu peço autorização para limpar o nariz de uma criança, eu a estou ensinado que uma pessoa só pode tocar no corpo dela se ela autorizar”. Nunca havia pensado sobre esse modo peculiar e minucioso de ver a criança, o mundo e as relações e,a partir daí, também me transformei. Para tocar no corpo de alguém, precisamos pedir licença.
O convite para participar do Grupo Palavra veio logo após minha entrada na escola. Quando aceitei o convite, pensei que iria participar de um grupo que me daria as respostas para vários questionamentos, que seria um lugar para ouvir a psicóloga falar de maneira tão incrível sobre as sutilezas das infâncias. No entanto, este espaço formativo se constituiu de modo diferente, a cada questionamento do grupo, uma provocação: vamos observar! A cada encontro, um novo questionamento, e o ciclo parecia não fechar! As dúvidas aumentavam, as repostas (prontas) não vinham (nem nunca vieram) e a infância foi-se tornando cada vez mais complexa, mas, ao mesmo tempo, tão incrivelmente encantadora de uma forma que talvez eu nunca tivera visto, talvez de uma forma que a criança que eu fui nunca tivesse sido vista. E, por falar nas coisas que nunca foram vistas, eu peço licença para apresentar a nossa psicóloga, já que seria impossível falar da minha trajetória no Grupo Palavra sem mencionar uma das pessoas mais incríveis e sensíveis que eu tive o prazer de conhecer. De fala calma e ao mesmo tempo tão potente, capaz de acalmar e desacomodar um pensamento; ela, que mesmo com tanto conhecimento, nos aproxima e nos convida a pensar, juntas; que olha no olho e nos mostra na prática o que significa a “mão da educadora” que acolhe e que conduz; encanta e nos faz encantar, não só pela maestria ao apresentar os princípios da abordagem pikleriana, mas por mostrar que é possível ser sensível, e não só possível, é necessário ser sensível e acolhedor. É com esse olhar para a criança em sua singularidade que os estudos no Grupo Palavra são ministrados. E é nesse espaço onde até mesmo a criança que fui pode ser acolhida, que eu vou “crescendo lentamente”,aprendendo a procurar muito mais perguntas do que respostas e dividindo com o grupo os encantamentos que só um olhar sensível pode perceber. Percebo, a cada dia, quão privilegiada sou, em poder estar com as crianças e com elas aprender e me construir enquanto educadora e ser íntima das infâncias.
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Professora da Escola Despertar.
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TERCEIRO RELATO Jéssica Fontela 19 Tenho um encanto particular por participar do Grupo Palavra, sobretudo pelos assuntos que são abordados e discutidos. O grupo existe antes da minha chegada na Escola Despertar. Em março de 2017, passei a fazer parte da escola. Minha chegada foi regada de muito encanto pela proposta pedagógica inspirada nos pressupostos teóricos de Lóris Malaguzzi e Aldo Fortunati, pela estrutura física da escola, pelas formações continuadas, mas principalmente pelas pessoas que faziam tudo aquilo acontecer. Dentre algumas possibilidades formativas, comecei a participar do Grupo Palavra, o nome já identificava seu propósito: neste espaço, educadores e educadoras falam, expressam suas ideias, formulam perguntas compartilhando o que vivenciamos com as crianças em sala. Neste percurso, fomos estudando e conhecendo sobre os cuidados de uma grande pediatra e cuidadora da Hungria, Emmi Pikler. Fomos aprofundando nosso conhecimento sobre a primeira infância estabelecendo um diálogo coerente e intenso com nossa prática, a importância do respeito ao outro, do cuidado, da antecipação e da seguridade nas relações e situações do cotidiano com as crianças. As temáticas sobre o desenvolvimento infantil levantam boas discussões no grupo e ajudam a enriquecer meu olhar e abastecer minha curiosidades e compreensão sobre a educação das crianças. Aprendo a cada dia a formular perguntas, a colocar meu pensamento em ebulição, a estar aberto para entender as crianças e seus processos de aprendizagens na vida.
A possibilidade de parar para pensar e para discutir sobre questões como adaptação, acolhimento, desfralde, entre outros assuntos pertinentes ao desenvolvimento infantil, nos dão segurança na prática e na busca constante de garantir o desenvolvimento integral das crianças. E, por falar nas coisas que nunca foram vistas, eu peço licença para apresentar a nossa psicóloga, já que seria impossível falar da minha trajetória no Grupo Palavra sem mencionar uma das pessoas mais incríveis e sensíveis que eu tive o prazer de conhecer. De fala calma e ao mesmo tempo tão potente, capaz de acalmar e desacomodar um pensamento; ela, que mesmo com tanto conhecimento, nos aproxima e nos convida a pensar, juntas; que olha no olho e nos mostra na prática o que significa a “mão da educadora” que acolhe e que conduz; encanta e nos faz encantar, não só pela maestria ao apresentar os princípios da abordagem pikleriana, mas por mostrar que é possível ser sensível, e não só possível, é necessário ser sensível e acolhedor. É com esse olhar para a criança em sua singularidade que os estudos no Grupo Palavra são ministrados. E é nesse espaço onde até mesmo a criança que fui pode ser acolhida, que eu vou “crescendo lentamente”,aprendendo a procurar muito mais perguntas do que respostas e dividindo com o grupo os encantamentos que só um olhar sensível pode perceber. Percebo, a cada dia, quão privilegiada sou, em poder estar com as crianças e com elas aprender e me construir enquanto educadora e ser íntima das infâncias.
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Professora da Escola Despertar.
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QUARTO RELATO Lindsay Guimarães Uellner 20 Pare por um instante e olhe em volta: o que as crianças nos dizem? Pare por um instante e olhe em volta: o que os educadores nos dizem? Pois bem, este constante exercício de olhar ao nosso redor é o que, para mim, resume a experiência no Grupo Palavra. Olhar para o que realmente está sendo dito, que, aliás, muitas vezes, não é dito com palavras, mas sim de outras tantas formas. Olhar para si, olhar para o outro, olhar para cada um na sua singularidade. O que nos toca? O que toca o outro? Aguçando nosso olhar, passamos a olhar com o coração. Um coração aberto para entender as relações, os vínculos que criamos e as marcas que deixamos na vida de cada criança que conosco está aqui. E, claro, não podemos esquecer das marcas que elas também deixam em nós. Nesse exercício de pensar sobre a prática, passamos a nos escutar, a escutar o que nossos gestos querem dizer, escutar o ambiente, escutar o silêncio. O que tudo isso nos conta? Muitas histórias! Vive-se muito dentro de uma escola de Educação Infantil, e é fundamental que possamos compartilhar o que nós vivemos aqui, o que as crianças vivem aqui, assim como o que acontece nestes encontros de formação. Sentir, Pensar, Escutar e Falar Verbos carregados de significado e que fazem parte por inteiro da experiência deste grupo. Verbos que pedem conexão com a gente mesma, no mais íntimo de nós. Verbos que pedem conexão de uns com os outros, de forma tão sensível e particular. E entre essas conexões, esses verbos se fazem muito presentes na relação com as crianças. Portanto, quando penso no Grupo Palavra, penso na Arte do Encontro. Quando contamos ao outro, também nos escutamos e novas reflexões são feitas. Quando escutamos as experiências dos outros, surgem em nós outras tantas reflexões. Arrisco-me a dizer, que nunca sei como sairei dos encontros, só sei que um pouco mais transformada, talvez essa seja a única certeza. Transformada, porque sei que me conectarei muito mais com cada um dos educadores que compõem esse grupo, me conectarei muito mais com as crianças que dão vida à Despertar e, me conectarei muito mais comigo, com a minha criança interior, com o adulto que sou, com meu jeito de ser ao entrar em contato com tantos jeitos de ser. Acredito que é assim também que acontece na relação com as crianças, não sabemos o que se passa dentro delas, é apenas no encontro com elas que isso vai-se dando, a partir da observação, da escuta, do diálogo. Penso que quando garantimos a escuta, garantimos o lugar de cada um. E penso que o Grupo Palavra abre muitas portas para a escuta tanto das crianças quanto dos educadores.
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Assistente de psicóloga escolar da Despertar.
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E assim, nesses encontros, vamos parando e olhando: de instante em instante, de detalhe a detalhe. Como afirma Pizzimenti: Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma. Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou. Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior... Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade... Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão-se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados... Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma. E que, assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um imenso bordado de "nós". E assim, vamos tecendo uma rede de histórias pautadas pelo respeito à infância.
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DESENHO INFANTIL: A ESCUTA, A OBSERVAÇÃO E O ACOMPANHAMENTO DOCENTE Verônica Borges, Crisley Mesquita e Jéssica Fontela 21
O desenho é uma forma de expressão. Ao desenhar, as crianças desenvolvem sua imaginação, criatividade e fazem representações gráficas da sua identidade física, social e cultural. Por isso, essa atividade tem um papel fundamental na vida das crianças, através dele, elas poderão reproduzir elementos do mundo real ou imaginário. Através do desenho, a criança se expressa, cria, recria, imagina e transfere tudo para o papel, e esse registro é carregado de significados, pois nos conta um pouco sobre cada criança, mostrando seus gostos, preferências, sentimentos e desejos. 21
Professoras de educação infantil da Escola Despertar.
Ao acompanhar uma criança do início ao final do ano letivo, podemos observar a evolução de seus registros gráficos e de suas diversas aprendizagens, mas, para isso, é preciso que o educador desenvolva um olhar sensível e atento, planejando e refletindo sobre esse processo. Para que os rabiscos se desenvolvam e sejam aperfeiçoados, é preciso intervenção e acompanhamento, intervenções planejadas e refletidas em diversas situações de aprendizagem.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
As crianças pequenas de mais ou menos dois anos de idade passam a riscar pelo simples prazer de sentirem o lápis sobre o papel. Quando observamos uma criança de aproximadamente dois anos, é visível que todo seu momento de experiência corporal esteja ligado ao que ela representa no papel. Por exemplo, a criança D., de dois anos de idade, está em um momento de seu desenvolvimento muito ligado ao corpo, suas explorações geralmente são bem desafiadoras e, em alguns momentos, pode até colocar-se em risco. Já que D. ainda não adquiriu algumas percepções e precauções durante suas brincadeiras, nós, educadoras, junto à sua família, passamos a orientá-lo sobre alguns riscos, fazendo-o sentir seu corpo e perceber o que acontece em seu entorno quando está brincando. Com isso, D. vem compreendendo seu corpo, relacionando suas ações, percebendo a noção de tempo e construindo seu aporte emocional e cognitivo para a percepção de si e de seu corpo em ação. Ao relacionar as experiências de D. com o desenho, observamos que, quando ele pega o giz para riscar, suas expressões geralmente são pontos espaçados em toda a folha, como se seu corpo estivesse ali, pulando naquele papel. Quando está nesse momento do desenho, por sua própria escolha, intercala momentos de fazer os pontos no papel e de olhar para as brincadeiras que acontecem na sala, estabelecendo, assim, uma articulação entre o pensamento simbólico e a realidade na qual está inserido. Passa a usar o giz no papel para representar o que acontece ao mesmo tempo em que interage verbalmente com outras crianças que estão em outros jogos na sala. Depois, volta sua concentração para seu desenho, rabiscando novamente na folha. Sua colega M., que já completou três anos de idade, realiza suas brincadeiras voltadas ao jogo simbólico, faz representações do seu cotidiano e criações de novos enredos a partir do faz de
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conta, usando de personagens como a bruxa e a malévola. M. adquiriu algumas percepções a respeito do seu corpo em movimento, e isso se reflete quando desenha, pois ela escolhe sua cor preferida, o vermelho, e se concentra muito no que vai fazer: ela está experienciando a construção de formas concretas como círculos e sempre opta por pintá-los por dentro. Desse modo, é importante percebermos as nuances que cada criança vai construindo a partir das propostas que oportunizamos para elas.
O desenho é uma forma de colocar o que está dentro para fora. Entre os três e quatro anos de idade, as crianças já possuem determinados domínios corporais e motores que auxiliam muito na elaboração dos registros gráficos. É possível ofertar-lhes uma diversidade de materiais para usarem em suas produções, e é fundamental que a introdução de cada material ou suporte gráfico seja feita gradualmente. Do mesmo modo, as nossas observações vão orientando a viabilidade
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de utilização e de adesão a cada novo material proposto para a criança ou para um pequeno grupo. Nesta faixa de idade, as crianças passam a desenhar a figura humana, caracterizada pelo formato de um círculo e longos braços e pernas que saem pela cabeça. Buscando qualificar os registros das crianças, montamos um banco de imagens cuja finalidade principal é ampliar o campo imagético, ampliando também os repertórios de imagem mental das crianças. Desse modo, o banco de imagens serve como apoio para que as crianças possam representar, em detalhes, o que desejam, através de uma construção sistemática de imagens que fazem sentido para elas e que revelem sua diversidade. O banco de imagens deve possuir figuras reais, distanciando-se de imagens falsas, caricaturadas ou estereotipadas com relação à realidade, por exemplo, nuvem com boca, olhos e nariz, árvores apenas com tronco marrom e folhas bem verdes, etc. A Construção da Figura Humana As crianças de três a quatro anos de idade, ao constituírem a noção de integralidade e de coordenação corporal, vão gradativamente buscando maior proporção em seus desenhos, buscando aproximação com sua identidade revelada de modo explícito em seus autorretratos. Desenhar a figura humana é significativo para a criança, pois permite pensar sobre sua estrutura corporal, noção de tamanho, da parte e do todo, de dimensões, além de carregar a sistematização de uma construção afetiva e emocional que agora se constitui graficamente. Por isso buscamos oferecer muitas oportunidades para que as crianças possam efetivar essa construção e qualificar suas representações de si e do mundo.
Ao desenhar, a criança transfere para o papel o seu repertório simbólico, tornando visível a imaginação. É muito importante que o desenhose configure, a partir dessa etapa, com sistematicidade e continuidade, ou seja, em cada desenho, a criança tem o desejo de traçar novas formas, aprofundar suas pesquisas, contemplar o ambiente em que está inserida e, sobretudo, criar!
Outro aspecto importante durante o desenho são as conversas e trocas entre as crianças no pequeno grupo. As crianças de 5 anos de idade costumam conversar muito enquanto desenham, e, ao escutá-las, conseguimos nos aproximar da sua expressão gráfica. O desenho é um precursor da escrita, portanto fundamental no processo da constituição humana. A escuta nos permite aprimorar a observação e, ao escrever esses relatos, proporcionamos futuras comparações dos registros e evidenciamos a estruturação do desenho infantil. As crianças passam a desenhar mais vezes a mesma imagem, e cada vez surge algo novo ou mesmo o aprimoramento do que já fizeram. Se antes a figura humana tinha cabeça, pernas, braços, olhos e boca, ela passa a ter cabelos, cílios, pescoço, dedos e outros detalhes importantes.
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS E PROJETOS PEDAGÓGICOS
Após os cinco anos de idade, essa figura humana passa a movimentar-se no papel e passa a ter, no esquema corporal, acessórios, além das roupas coloridas. Já são acrescentadas outras pessoas junto ao seu corpo e cada representação em uma posição diferente: deitados, sentados ou de costas. Também observamos que o sentimento está cada vez mais presente nesses registros e que os rostos nem sempre estão sorrindo. Nesta fase, algumas crianças retratam a tristeza, o espanto ou o descontentamento, justificando sempre seus motivos e suas escolhas. Após os cinco anos de idade, essa figura humana passa a movimentar-se no papel e passa a ter, no esquema corporal, acessórios, além das roupas coloridas. Já são acrescentadas outras pessoas junto ao seu corpo e cada representação em uma
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posição diferente: deitados, sentados ou de costas. Também observamos que o sentimento está cada vez mais presente nesses registros e que os rostos nem sempre estão sorrindo. Nesta fase, algumas crianças retratam a tristeza, o espanto ou o descontentamento, justificando sempre seus motivos e suas escolhas. O desenho é uma representação simbólica que nos possibilita relembrar situações vividas, alimenta a nossa capacidade imaginativa e criativa e nos permite projetar o modo como estamos compreendendo o mundo e nós mesmos. Como nos ensina Derdik (2010), "o desenho se torna mais expressivo quando existe uma conjunção afinada entre mão, gesto e instrumento, de maneira que, ao desenhar, o pensamento se faz”.
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NARRATIVAS POÉTICAS
N 1 | Ano 1 | Abril de 2018
O PÁTIO DA DONA TYLLA: POSSIBILIDADES DE ENCONTROS INTERGERACIONAIS Luanna Taborda22
Os encontros gerados pela relação entre a vizinha de nossa escola, Dona Tylla, 84 anos, e os alunos da Escola Despertar, foram constituídos inicialmente no imaginário desta senhora que revisitou memórias de oito anos atrás a partir de sua narrativa “eu moro há 45 anos nesta casa e fiquei bem contente quando soube que seria uma escola ao lado do meu terreno, eu acompanhei o período de construção. Eu sou arquiteta e me chamou a atenção essa construção diferenciada, eu tinha uma boa relação com o mestre de obras e adentrava ali para olhar essa estrutura”.
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Psicóloga da Escola Despertar.
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O pensar e sentir a Despertar inundou os seus sentidos, principalmente o ouvir “eu só escutava as crianças e já gostava, pois é sinal de vida aquele burburinho. Teve uma época que colocavam músicas, eu amava. Sou muito musical, estudei dez anos de piano, então gosto de música clássica a até de rock moderno”.
As crianças são mineradores que encontraram as mais preciosas pedras, sendo elas concretas ou simbólicas como na experiência referida de gratidão ao simples.
Os seus sentidos para além do ouvir, foram ampliados no ano de 2018 “quando a Paula propôs essa parceria de compartilhar o meu pátio, consultei o meu marido, ele estava meio resistente, pois achou que poderia atrapalhar. Hoje temos a certeza de que não atrapalha o nosso viver, pois eu gosto muito das crianças, para mim é uma alegria ter essas crianças aqui fora, tanto é que sempre que eu as vejo, eu vou lá fora dar uma olhada”.
São arqueólogos em busca de fósseis de dinossauros.
Os olhos sensíveis e curiosos, o corpo que se movimentava em direção ao novo, as verbalizações ditas em diálogos colaborativos abriram espaço para as surpresas e suas belezas, vivendo assim a intensidade destas relações que são compostas por pessoas em fases dicotômicas do desenvolvimento, mas essenciais neste acolher de gerações.
Agora vai dar flor, as crianças gostam, essas duas árvores altas são Ipês, soltam muitas folhas, e as crianças dizem “está chovendo folhas”. Ano passado uma turma me contou “está chovendo flores”. Isso são experiências diferentes!
Quem são essas crianças nos momentos em que estão no seu pátio? Tive um encontro que eu achei maravilhoso, um menino sempre me cumprimentava, e eu a ele. Um dia ele chegou para mim com uma pedra na mão que achou no pátio e disse “eu vou te dar essa pedra”. Eu agradeci, fiquei contente, em seguida ele se despede de mim verbalizando “eu vou achar uma para mim”. Após um período, novamente ele me procura dizendo “eu não achei outra pedra, tu me dá essa pedra de volta?”, prontamente entreguei a pedra para ele. Nesse instante o menino diz “vou te preparar uma gelatina”.
Um gurizinho hoje de manhã me mostrou os ovos de dinossauro enterrados no pátio.
Outro dia uma turma me pediu para ficar com eles no pátio, mas eu realmente tinha coisas para fazer, estava arrumando um armário. E uma menina me perguntou “mas o que a senhora vai fazer agora?”. São pesquisadores, que criam hipóteses e descobrem o mundo à sua volta.
São heróis corajosos que desbravam todos os cantinhos deste pátio e encontram um mistério que vem do céu. Tinha um outro gurizinho que estava mexendo com as flores em um pote, me aproximei e perguntei “oi, o que tu estás fazendo?”, ele me olha e dispara “uma poção de amor”. São químicos que desenvolvem o que a humanidade necessita em qualquer fase do desenvolvimento. Esses tempos, uns estavam brincando de loja e me vendiam coisas, eu pagava com folhinhas. Ou são vendedores que brindam o seu fazer pelo prazer do natural.
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No ano passado um menino me disse que machucou o braço e chorou muito, muito. Acalmei ele e ele pergunta “teu namorado mora aqui?”. São investigadores do sentir e de relações. Me perguntam o que eu fiz e faço, muitos me dizem alguma coisa, alguns conversam comigo. Muitos deles quiseram entrar na minha casa. No ano passado, eu convidei dois para que entrassem e as curiosidades começaram “onde tu dorme, o que tu come?”, isso é uma comunicação que enriquece. São detetives curiosos por descobrir quem é a Dona Tylla. Enfim, foram crianças que, nas experiências
deste espaço, “gostaram de explorar, pois aqui é um pouco diferente. A escola possui possibilidades maravilhosas, eu queria até ser pequena e estar ali. Mas aqui é diferente, porque tem árvore, eu tinha um gato que eles amavam, porém ele morreu em fevereiro, lembro que eles ficaram muito tristes. Minha filha tem um cachorrinho, a Olívia, que vem para cá nas quartas-feiras e eles adoram, ficam maravilhados. As memórias de Dona Tylla, desde a construção até os encontros atuais com as crianças, são repletas de movimento, afetividade e respeito. Sentimentos que alicerçam a construção de uma relação segura, cuidadosa fortalecida a cada novo encontro e a cada nova partilha. Relações éticas geracionais que nos ajudam e nos ensinam a valorizar a vida.
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TECNOLOGIAS, VIRTUDES E RELAÇÕES Juliana Johannpeter Friedrich 23 O mundo está em constante transformação. Nas últimas décadas, as novas tecnologias adentraram o nosso cotidiano com infinitas possibilidades de melhorias nas mais diversas áreas do conhecimento, mas também trouxeram consigo grandes desafios no que diz respeito às relações humanas. Não podemos questionar o poder de escala que as redes nos trazem ou o acesso ampliado a conhecimentos e culturas outrora tão distantes de nós. Porém não podemos perder de vista importantes informações que especialistas nos proporcionam a respeito dos excessos e das distorções entre as fronteiras do público - privado ou então dos riscos que nossas crianças e jovens sofrem com a exposição precoce a conteúdos violentos ou inadequados. Todo este universo é novo não só para os pais, mas também para educadores e para pesquisadores. Diariamente surgem questionamentos sobre qual a melhor maneira de conduzir o acesso de nossos filhos a essas ferramentas, qual a idade certa para essa aproximação, como filtrar o conteúdo e qual o tempo de exposição adequado.
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Fundadora da Escola Despertar.
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Embora já existam alguns direcionadores e consensos sobre como manejar todas essas questões, ainda vale o que sempre regeu as relações humanas: as virtudes e os valores que permeiam nossa cultura. Mesmo com diferentes nuances, as instituições se organizam ao redor de leis, códigos e diretrizes que sistematizam e regulam as relações. São nossos valores que nos guiam nas diferentes instâncias da nossa vida e são eles que sustentam os exemplos que nossos filhos absorvem no cotidiano, nos gestos e nas atitudes. Pensando em reforçar a importância das relações mais humanizadas - e menos virtuais - apaixonamo-nos pela proposta que nossa amiga e parceira, Alua Kopstein, nos trouxe no início deste ano. O livro Crianças Virtuosas - de A a Z contempla inúmeras frentes que nos inspiram e que estão alinhadas às nossas ações: uma mensagem simples e profunda sobre a importância das virtudes em nosso cotidiano, a disseminação dessa cultura no âmbito social, o letramento, a estética - com as belas ilustrações do nosso amigo Pirecco - e o fato de o livro proporcionar a interação, a troca e a convivência entre gerações. Ficamos muito felizes em apoiar o projeto e esperamos que todos desfrutem dessa linda obra.
Escute a música do livro através do QR CODE
Alua Kopstein Alua Kopstein nasceu e vive em Porto Alegre. Sempre teve muita curiosidade com o que faz as pessoas serem realmente felizes. Desde pequena, lê muito e observa a forma de viver de todos a sua volta. Gosta muito de Filosofia e de Psicologia, mas acabou se aprofundando na sua própria cultura, a Judaica. É mãe de 3 meninos. Quando seu primeiro filho completou 3 anos, teve acesso a dezenas de livros infantis judaicos que, em sua essência, ensinam a viver uma vida significativa. Apaixonou-se por esses livros e percebeu que continham mensagens universais. Assim, nasceu a ideia de escrever o seu primeiro livro, Crianças virtuosas - de A a Z. Para conhecer mais sobre o projeto acesse: www.criancasvirtuosas.com.br
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HISTÓRIAS DO COTIDIANO Juliana Prudêncio Abulé 24
“ Eu fico com a pureza das
respostas das crianças: É a vida! É bonita e é bonita! Viver e não ter a vergonha de ser feliz, Cantar e cantar e cantar, A beleza de ser um eterno aprendiz.
“
Gonzaguinha
Conviver com a generosidade das crianças e as minúcias dos seus fazeres é uma grande oportunidade de se encontrar com o espontâneo, com o sorriso no canto da boca, com a surpresa, com aquilo que deixamos no meio do caminho. Resgatar memórias, imaginar, cantarolar, indagar.... Tecer histórias com toda uma lógica cognitiva e afetiva é o que a criança faz para explicar suas teorias sobre a vida! Suas complexas teorias que se transformam em poesias! Ao refletir sobre os processos progressivos e complexos imprescindíveis de aprendizagem e de construção de conhecimento das crianças, que nos ensinam desde a sensibilidade até um gesto chamado vida, me vi desejosa de compartilhar com os adultos o cotidiano das crianças na escola. Lançamos o convite aos adultos para escreverem “Histórias do Cotidiano” sobre as sutilezas dos encontros com as crianças e fomos brindados com uma imensidão de teorias acerca do mundo, do valor das pequenas coisas, dos aspectos privilegiados de uma boa conversa, da delicadeza e do cuidado com outro, do perspicaz olhar que captura aquilo que não conseguimos ver. Estar com as crianças sempre nos situa na perspectiva de outras dimensões, pois elas nos ensinam que, apesar de tudo, a vida é extraordinariamente bela! Vamos embarcar nessas histórias?
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Psicóloga da Escola Despertar.
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Titols, Alice, Gustavo Luis e Menina Aline: A família de passarinhos da Escola Despertar. Rhana Santos Rodrigues (estagiária de psicologia)
Em uma manhã ensolarada, as crianças encontram-se no refeitório durante o lanche, até que um conhecido da escola pousa próximo à mesa. Isso mesmo, pousa. É um dos passarinhos que circula livremente dentro da Despertar. Ao percebê-lo, a turma, em um coro, chama: “Titols, Titols”. Pergunto quem era o Titols, e, então, Maria, Laura e Tiago começam a contar a história sobre ele. Assim, as crianças narram: Titols é o passarinho, nós demos este nome para ele. E sabia que ele tem uma irmã? A Alice. Ah, mas tem o Gustavo também. São dois meninos e uma menina. Mas só o Titols e a Alice são irmãos, o Gustavo é o papai. Eles vêm aqui na escola, porque nós alimentamos eles. Olha, eu tiro pedaços de pãozinho do meu bolso para dar para eles: - Titols, vem cá comer, “psiii, psiii” (Laura chama o pássaro, brincando de faz de conta, encena retirar do bolso de seu casaco migalhas de pão). Hoje a Alice não veio. E sabe, o Titols é diferente dela. Porque ele é lilás. A Alice é brilhante, e quando ela toma banho aparece um coração. Já quando o Titols toma banho, o que aparece é um arco-íris. E tem a mamãe deles também. O nome dela é Aline. Não, é menina. E antes que se armasse uma briga para ver quem estava com a razão... É Menina Aline, ela tem dois nomes. O papai é Luís. “Pera”, não era Gustavo? Ah, já sei ele tem dois nomes também. É Gustavo Luís o nome do papai. Neste momento, as crianças encerram a alimentação, e a história? A história, com certeza, continuará junto à criatividade destes pequenos autores que através da imaginação criam e recriam, contam e narram não só um faz de conta, mas suas descobertas, sentimentos, demonstrando suas potencialidades. E ainda há quem diga que “só estão brincando”.
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História do Cotidiano: A Geleia de Feijão e o Feijão de Banana. Vanessa de Vargas (estagiária de psicologia) Era um dia atípico na turma, a professora não estava, e outra colega foi auxiliar durante a janta. Na hora de servir, uma das professoras explica para a outra que Ana não comia feijão. As crianças foram servidas, e Ana recebeu seu prato sem o feijão. As crianças começaram a comer e, com isso, também vieram as conversas e trocas comuns a esse momento de socialização e de prazer, que é a refeição no Dudu. Em um desses momentos, Ana falou: “eu não gosto de feijão”. Questionei o motivo, ao que ela respondeu, “na minha família ninguém come feijão”. Eu me dispersei um instante, pensando que a menina tinha uma boa razão para não querer comer a leguminosa. Durante esse tempo, olhei à minha volta. Aí reparei que a maioria das crianças comiam feijão. Isso me forneceu suporte para instigar Ana ao observar o seu entorno, então, disse: “Tudo bem. Mas a gente não está em casa, né? A gente está na escola. E eu estou vendo que aqui várias crianças estão comendo feijão”. Plantei uma sementinha de curiosidade nela: “deve ter um gostinho, no mínimo, interessante para tanta criança estar comendo”. Ana ficou em silêncio pensativa. Então prossegui: “você sabe qual é o gostinho do feijão?”. Ela disse que não. Assim, eu a convidei a reparar na colega sentada a seu lado: “você percebeu que a Andrea está comendo feijão?”, regando a sementinha de curiosidade plantada anteriormente: “que gostinho será que tem o feijão dela?”. Ana fez um gesto levantando os ombros e as mãos como que dizendo “não sei”. Então eu disse: “você quer perguntar para a ela que gostinho tem o feijão que está comendo?”. Ana ficou pensativa por um momento. Depois, soltou: “que gostinho tem seu feijão?”, olhando para a amiga. Andrea pescou uma colherada de feijão em seu prato e a levou à boca. Tomou uns segundos mastigando, depois engoliu. Tomou mais um tempo analisando cuidadosamente o sabor daquele alimento que acabara de ingerir e só então respondeu “tem gostinho de geleia!”. Eu reparei que Ana parecia bastante interessada, então continuei: “é mesmo, Andrea? Gostinho de geleia!”. Olhei para Ana e perguntei a ela: “você gosta de geleia?”. A menina prontamente respondeu que sim. Então, fui mexendo devagar no feijão, trazendo a colher para cima do recipiente para que Ana pudesse vê-lo e falei: “ hummm. Você quer provar essa geleia de feijão?”. Ana pensou um pouco, então balançou a cabeça com um gesto afirmativo. Questionei o quanto de geleia de feijão ela gostaria, e ela respondeu: “bem pouquinho”.
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Servi bem pouquinho, assim como ela sinalizou. Ana deu uma olhada naquela geleia… levantou o dedo mindinho e encostou-o bem de leve no feijão do seu prato. Olhou mais um pouquinho. Então levou o dedo à boca encostando-o levemente na língua. Eu esperei a menina ter aquela experiência com a comida que provava. Ela repetiu o movimento. Dei mais um tempinho para ela poder se concentrar e aproveitar as sensações que aquilo lhe proporcionava. Aí perguntei: “que gostinho tem o seu feijão, Ana?”. Demorou um tempo para sentir e perceber as repercussões daquele alimento que acabara de ingerir. Então falou: “tem gostinho de banana!”. “O feijão da Ana tem gostinho de banana! E tu gostas de banana, Ana?”. E ela disse bem forte: “Sim”! Ali senti que o primeiro passo estava dado. A criança teve uma experiência de foco e concentração na ingestão de um novo alimento. O feijão adquirira um significado para ela, um sabor, um gostinho que, inclusive, se relacionava com algo que ela já conhecia, que era familiar a ela e que tinha uma conotação positiva para ela. Pode ser que amanhã ela coma mais um pouquinho, assim como pode ser que ela não queira comer. Mas agora ela tem propriedade para dizer que já provou, que sabe o gostinho e que, inclusive, se parece com banana. Quando ela sentir vontade de comer um feijão de banana de novo, ela já sabe onde encontrar.
História do Cotidiano – Adaptação Cléo Medeiros
Como se narra uma adaptação? Quando esse processo acaba? O que importa ou interessa relatar? Uma adaptação pode ser totalmente boa ou totalmente ruim? De que forma a criança mostra que está adaptada?
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Talvez essas sejam perguntas retóricas, irrespondíveis, ou talvez não tenham respostas simples e absolutas. A verdade é que, em um processo de adaptação, as perguntas vêm em maior quantidade do que as respostas. Para quem procura afirmações incontestáveis, a angústia surge como resultado. Poder perguntar-se sobre aquela criança, sobre as particularidades da sua adaptação possibilita oferecer-lhe um olhar muito mais atento e disponível e criar diferentes mecanismos para facilitar o seu processo. Dito isso, parto para a razão de ser deste escrito: a adaptação de uma menina chamada Maria. Maria, desde o início, mostrou quem era e o que queria. Se isso incluiu momentos de choro e de reclamações? Sim, de fato, mas eles foram entendidos como uma expressão dela mesma, das suas preferências e do seu jeito. Em verdade, que bom que Maria pôde chorar. Que bom que ela se sentiu confortável o suficiente para colocar para fora aquilo que lhe era mais difícil no momento. Que bom que ela não aceitou passivamente toda aquela novidade que mexia com a sua vida de uma hora para outra. E escutamos atentamente seu modo de expressar seus sentimentos e seus desejos. Partindo dessa escuta, fomos elaborando seu processo de adaptação e de acolhimento, de modo a procurar sempre a melhor forma de proceder, respeitando o seu tempo e o seu espaço, seus “sins” e seus “nãos”. Ainda acostumando-se com o novo ambiente e com a nova rotina, Maria se lançou em explorações. À sua maneira, soltando-se aos poucos, passou a conhecer aqueles espaços, aqueles brinquedos, aqueles colegas. Essas explorações, geralmente silenciosas e pormenorizadas, davam-lhe gradualmente mais e mais coragem para ir mais longe, empreender novas descobertas. Apesar da sua aparente preferência pelos momentos de maior solitude, ela sempre se mostrou atenta ao seu redor, às brincadeiras das outras crianças, aos movimentos do grupo e às mudanças. Cada vez mais ela foi fazendo parte da sua turma, acompanhando sua dinâmica do seu jeitinho de pesquisadora. Hoje, Maria mostra seu modo de pertencimento, seu sorriso ao chegar na sala reconhecendo seus amigos. Não só os reconhece como também reconhece neles diferentes sentimentos. Sem pestanejar e sem dizer nada, Maria dá um abraço apertado em um amigo que lhe parece mais triste e cabisbaixo, sentado no chão da sala. Maria dança, ri e brinca. Sente-se tão à vontade que brinca ao lado de seus colegas sem preocupar-se, pois sabe que será sempre e desde sempre. Maria precisava de tempo, tempo de acolhimento, tempo de entendimento, tempo de compreensão... e tempo lhe foi dado.
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“Escola Aberta” Em novembro deste ano realizamos o “Escola Aberta” uma ação que tem como finalidade integrar as famílias de nossos colaboradores através da participação em oficinas e atividades lúdicas. Foi um momento de muita alegria e entusiasmo, confira!
Passeio de Integração na Quinta da Estância
Palestra Aldo Fortunati na Universidade de Caxias do Sul
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Viagem de formação profissional à Itália Em maio/2019 fomos convidados a apresentar nossa experiência com a educação das crianças pequenas inspirada na abordagem italiana e realizada em outro contexto. Viajamos com uma delegação formada por 4 pessoas, Dalva Fonseca (professora), Andrea Souza (Coordenadora Pedagógica), Loide Trois (Consultora pedagógica) e Paula Baggio (Diretora). Além dos dos momentos de partilha com educadores, gestores e autoridades dos municípios toscanos de Montelupo, Fucecchio e Lunigiana, nossa equipe realizou formação em renomados centro de pesquisa sobre a infância nas cidades de Reggio Emilia - Centro Internazionale Loris Malaguzzi - e San Miniato - La Bottega di Geppetto.
Seminário Internacional da Primeira Infância com a Fundación de La Vida - AMI
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Campanhas e doações solidárias: Despertar na comunidade As escolas conveniadas Galpãozinho, Mamãe Coruja e Mato Grosso foram beneficiadas pelas doações de nossas campanhas ao longo de 2019.
Visitações de estudantes para conhecer a proposta pedagógica da Escola Despertar
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Valorizando a cultura local A Escola Despertar acolhe cotidianamente apresentações de ex-alunos e artistas renomados como forma de valorizar a cultura local e ampliar os repertórios simbólicos e imagéticos de nossa comunidade. Compartilhamos alguns desses momentos.
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