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Desenho infantil: a escuta, a observação e o acompanhamento
DESENHO INFANTIL:
A ESCUTA, A OBSERVAÇÃO E O ACOMPANHAMENTO DOCENTE
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Verônica Borges, Crisley Mesquita e Jéssica Fontela 21
O desenho é uma forma de expressão. Ao desenhar, as crianças desenvolvem sua imaginação, criatividade e fazem representações grá cas da sua identidade física, social e cultural. Por isso, essa atividade tem um papel fundamental na vida das crianças, através dele, elas poderão reproduzir elementos do mundo real ou imaginário. Através do desenho, a criança se expressa, cria, recria, imagina e transfere tudo para o papel, e esse registro é carregado de signi cados, pois nos conta um pouco sobre cada criança, mostrando seus gostos, preferências, sentimentos e desejos.
Ao acompanhar uma criança do início ao nal do ano letivo, podemos observar a evolução de seus registros grá cos e de suas diversas aprendizagens, mas, para isso, é preciso que o educador desenvolva um olhar sensível e atento, planejando e re etindo sobre esse processo. Para que os rabiscos se desenvolvam e sejam aperfeiçoados, é preciso intervenção e acompanhamento, intervenções planejadas e re etidas em diversas situações de aprendizagem.
As crianças pequenas de mais ou menos dois anos de idade passam a riscar pelo simples prazer de sentirem o lápis sobre o papel. Quando observamos uma criança de aproximadamente dois anos, é visível que todo seu momento de experiência corporal esteja ligado ao que ela representa no papel. Por exemplo, a criança D., de dois anos de idade, está em um momento de seu desenvolvimento muito ligado ao corpo, suas explorações geralmente são bem desa adoras e, em alguns momentos, pode até colocar-se em risco. Já que D. ainda não adquiriu algumas percepções e precauções durante suas brincadeiras, nós, educadoras, junto à sua família, passamos a orientá-lo sobre alguns riscos, fazendo-o sentir seu corpo e perceber o que acontece em seu entorno quando está brincando. Com isso, D. vem compreendendo seu corpo, relacionando suas ações, percebendo a noção de tempo e construindo seu aporte emocional e cognitivo para a percepção de si e de seu corpo em ação.
Ao relacionar as experiências de D. com o desenho, observamos que, quando ele pega o giz para riscar, suas expressões geralmente são pontos espaçados em toda a folha, como se seu corpo estivesse ali, pulando naquele papel. Quando está nesse momento do desenho, por sua própria escolha, intercala momentos de fazer os pontos no papel e de olhar para as brincadeiras que acontecem na sala, estabelecendo, assim, uma articulação entre o pensamento simbólico e a realidade na qual está inserido. Passa a usar o giz no papel para representar o que acontece ao mesmo tempo em que interage verbalmente com outras crianças que estão em outros jogos na sala. Depois, volta sua concentração para seu desenho, rabiscando novamente na folha.
Sua colega M., que já completou três anos de idade, realiza suas brincadeiras voltadas ao jogo simbólico, faz representações do seu cotidiano e criações de novos enredos a partir do faz de conta, usando de personagens como a bruxa e a malévola. M. adquiriu algumas percepções a respeito do seu corpo em movimento, e isso se re ete quando desenha, pois ela escolhe sua cor preferida, o vermelho, e se concentra muito no que vai fazer: ela está experienciando a construção de formas concretas como círculos e sempre opta por pintá-los por dentro. Desse modo, é importante percebermos as nuances que cada criança vai construindo a partir das propostas que oportunizamos para elas.
O desenho é uma forma de colocar o que está dentro para fora. Entre os três e quatro anos de idade, as crianças já possuem determinados domínios corporais e motores que auxiliam muito na elaboração dos registros grá cos. É possível ofertar-lhes uma diversidade de materiais para usarem em suas produções, e é fundamental que a introdução de cada material ou suporte grá co seja feita gradualmente. Do mesmo modo, as nossas observações vão orientando a viabilidade
de utilização e de adesão a cada novo material proposto para a criança ou para um pequeno grupo.
Nesta faixa de idade, as crianças passam a desenhar a gura humana, caracterizada pelo formato de um círculo e longos braços e pernas que saem pela cabeça. Buscando quali car os registros das crianças, montamos um banco de imagens cuja nalidade principal é ampliar o campo imagético, ampliando também os repertórios de imagem mental das crianças. Desse modo, o banco de imagens serve como apoio para que as crianças possam representar, em detalhes, o que desejam, através de uma construção sistemática de imagens que fazem sentido para elas e que revelem sua diversidade. O banco de imagens deve possuir guras reais, distanciando-se de imagens falsas, caricaturadas ou estereotipadas com relação à realidade, por exemplo, nuvem com boca, olhos e nariz, árvores apenas com tronco marrom e folhas bem verdes, etc.
A Construção da Figura Humana
As crianças de três a quatro anos de idade, ao constituírem a noção de integralidade e de coordenação corporal, vão gradativamente buscando maior proporção em seus desenhos, buscando aproximação com sua identidade revelada de modo explícito em seus autorretratos. Desenhar a gura humana é signi cativo para a criança, pois permite pensar sobre sua estrutura corporal, noção de tamanho, da parte e do todo, de dimensões, além de carregar a sistematização de uma construção afetiva e emocional que agora se constitui gra camente. Por isso buscamos oferecer muitas oportunidades para que as crianças possam efetivar essa construção e quali car suas representações de si e do mundo. Ao desenhar, a criança transfere para o papel o seu repertório simbólico, tornando visível a imaginação. É muito importante que o desenhose con gure, a partir dessa etapa, com sistematicidade e continuidade, ou seja, em cada desenho, a criança tem o desejo de traçar novas formas, aprofundar suas pesquisas, contemplar o ambiente em que está inserida e, sobretudo, criar!
Outro aspecto importante durante o desenho são as conversas e trocas entre as crianças no pequeno grupo. As crianças de 5 anos de idade costumam conversar muito enquanto desenham, e, ao escutá-las, conseguimos nos aproximar da sua expressão grá ca. O desenho é um precursor da escrita, portanto fundamental no processo da constituição humana. A escuta nos permite aprimorar a observação e, ao escrever esses relatos, proporcionamos futuras comparações dos registros e evidenciamos a estruturação do desenho infantil.
As crianças passam a desenhar mais vezes a mesma imagem, e cada vez surge algo novo ou mesmo o aprimoramento do que já zeram. Se antes a gura humana tinha cabeça, pernas, braços, olhos e boca, ela passa a ter cabelos, cílios, pescoço, dedos e outros detalhes importantes.
Após os cinco anos de idade, essa gura humana passa a movimentar-se no papel e passa a ter, no esquema corporal, acessórios, além das roupas coloridas. Já são acrescentadas outras pessoas junto ao seu corpo e cada representação em uma posição diferente: deitados, sentados ou de costas. Também observamos que o sentimento está cada vez mais presente nesses registros e que os rostos nem sempre estão sorrindo. Nesta fase, algumas crianças retratam a tristeza, o espanto ou o descontentamento, justi cando sempre seus motivos e suas escolhas.
Após os cinco anos de idade, essa gura humana passa a movimentar-se no papel e passa a ter, no esquema corporal, acessórios, além das roupas coloridas. Já são acrescentadas outras pessoas junto ao seu corpo e cada representação em uma posição diferente: deitados, sentados ou de costas. Também observamos que o sentimento está cada vez mais presente nesses registros e que os rostos nem sempre estão sorrindo. Nesta fase, algumas crianças retratam a tristeza, o espanto ou o descontentamento, justi cando sempre seus motivos e suas escolhas.
O desenho é uma representação simbólica que nos possibilita relembrar situações vividas, alimenta a nossa capacidade imaginativa e criativa e nos permite projetar o modo como estamos compreendendo o mundo e nós mesmos. Como nos ensina Derdik (2010), "o desenho se torna mais expressivo quando existe uma conjunção a nada entre mão, gesto e instrumento, de maneira que, ao desenhar, o pensamento se faz”.