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A BNCC e os campos de experiência Maria Carmen Silveira Barbosa

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A BNCC E OS

CAMPOS DE EXPERIÊNCIA

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Maria Carmen Silveira Barbosa3

Em 1988, a Constituição Federal determinou que as instituições que atendessem crianças de 0 a 6 anos no âmbito da educação deveriam ser chamadas de centros ou escolas de Educação Infantil. Esta decisão foi complementada pela LDB (1996), posteriormente, nas revisões legais de 2013. Nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (1999, 2009), o currículo é considerado como o conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, cientí co e tecnológico da humanidade. Os bebês e as crianças pequenas precisam de companhia e de contextos ricos para se desenvolverem integralmente. O currículo baseia-se nas intenções, nas ações e nas interações presentes no cotidiano, na vida que acontece na escola (BARBOSA, 2010, p. 5).

No início do século XX, J. Dewey debateu o tema fortemente com duas visões de currículo para a educação infantil presentes nos EUA. Por um lado, os Tradicionalistas e, por outro, os Românticos. Dewey (1967, p. 45, 46) problematizava as escolas que priorizavam “sua atenção na importância das matérias do programa, quando comparadas com o conteúdo da experiência da própria criança”, pois elas deixavam de lado a vida da criança, suas particularidades individuais, suas fantasias e suas experiências pessoais, subordinando “a vida e a experiência da criança ao programa” e transformando “estudo” em fadiga e “lição” em tarefa. Por outro lado, os românticos acreditavam que a criança era como uma semente que, se fosse cuidada, poderia desenvolver-se a partir de seus próprios recursos. Alguns acreditavam que toda a intervenção poderia ser uma forma de interrupção a sua criatividade.

Tendo em vista a procura de um caminho diverso, J. Dewey pensou no currículo como um lugar e como um tempo cujo foco inicial fosse a centralidade na ação e na participação da criança pequena e também a compreensão que, para se desenvolverem, os seres humanos precisariam ter referências identitárias, de pertencimento, isto é, estar inseridos em uma história e em uma cultura. Os sujeitos produzem cultura, mas também a cultura oferece elementos para a constituição dos sujeitos.

A organização curricular em campos de experiência decorre da necessidade de oferecer aos pro ssionais da educação infantil um mapa que inspire a construção de múltiplos contextos de aprendizagem para as crianças. A partir da compreensão dos campos de experiência como contextos culturais e práticos que “ampli cam” as experiências das crianças graças ao seu encontro com as imagens, palavras, indicações e “realces” promovidos pela intervenção da professora, é possível permitir a experiência infantil na escola. No entanto, não se

3 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e Pós-doutora pela Universitat de Vic, Catalunya,

Espanha (2013). Atualmente é Professora Titular na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atua como Professora Permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação. É editora da Revista Pátio - Educação infantil e da Revista Infancialatinoamericana em colaboração com oito países. Participa como Comitê Editorial e avaliadora ad-hoc em outras revistas cientí cas. Atua no Grupo de Estudos em Educação Infantil e Infância - GEIN e como Líder de

Pesquisa no CLIQUE - Grupo de pesquisa em linguagens, Currículo e Cotidiano de bebês e crianças pequenas.

pode esquecer que o mapa (campos de experiência) não é o território (o acontecimento, a experiência). Pensar em espaços de brincadeiras, interações, explorações a partir dos campos de experiência é dar início às possibilidades de ação, porém as crianças, além de se apropriarem de modo singular aos espaços, reconstroem, trazem novos elementos a eles.

É importante construir ambientes onde as crianças cotidianamente se confrontem com situações ou com materiais que lhes provoquem reações sensoriais, motoras, cognitivas e que lhes exijam compreendê-los. Os contextos nunca são exclusivos de um campo de experiência, mas intercampos. A sugestão é planejar ambientes ricos de materiais, instrumentos, ferramentas, imagens, objetos, mecanismos que provoquem nas crianças atenção, exploração, comparação e outras ações. Esse planejamento propicia às crianças espaços para o “fazer e o agir próprios das crianças, dos quais o adulto torna-se um válido apoiador, observando atentamente o que acontece, aumentando a potencialidade da mesma ação, ajudando a colher os signi cados e as descobertas que constantemente se revelam.” (Zuccoli, 2015).

Na relação educativa entre adultos e crianças pequenas, tudo inicia com o adulto que acolhe a criança pequena em um meio, em um ambiente. Mas o que contém este ambiente? Os campos de experiência são referências para a construção dos ambientes internos e externos das escolas. As crianças chegam e preenchem com sua ação, suas interações, suas brincadeiras aquele espaço que convida ao brincar. A partir da ação das crianças, a professora observa, registra, re ete, aprofunda sua compreensão e relança para as crianças a sua proposta.

A intencionalidade educativa do docente numa visão de arranjo curricular por Campos de Experiências é planejar, organizar e colocar à disposição das crianças tempos, espaços e materiais que suscitem a imaginação, o raciocínio e a expressão. Isto é, apoiar a construção de vínculos e de conexões na experiência das crianças que chegam à escola depende de seus conhecimentos próprios. Conforme suas experiências prévias, suas vivências em diferentes famílias de diversas etnias, classes sociais, gênero e com diferentes conhecimentos cientí cos, artísticos, tecnológicos, culturais, ambientais, será necessário levar em conta a diversidade para atender os interesses e necessidades de cada um.

Quando defendemos que a formação integral das crianças deve envolver o aspecto físico, psicológico, intelectual e social, é preciso afirmar que este desenvolvimento acontece em um contexto de interações com o meio - cultura, natureza, ciência, artes, matemática e língua. Por esse motivo, as DCNEI definem a experiência como o encontro da subjetividade das crianças, seus saberes e conhecimentos, com a diversidade dos patrimônios constituídos pela humanidade nas relações dialógicas com os pares, com a família e com a comunidade, isto é, com o local onde estão inseridos.

W. Benjamin, importante crítico da cultura, apontou que nós, os modernos, temos que reconhecer a nossa pobreza de experiência. O autor comentava que, desde o início do século XX, havia uma grande divulgação de informações, e as crianças estavam plenas de vivências. Entretanto alertava que, para haver experiência, seria preciso relação e transmissão entre as gerações, tempo e continuidade e a construção narrativa em múltiplas linguagens, pois esse é o movimento necessário para assentá-las, tornando-as experiência.

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