Zinecon 4

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Respire fundo. Pela frente, ainda tem muito mundo. Natália Luiza

Fotos realizadas pelo grupo de intervenção urbana - Ecologia de Saberes, 2014


Eu gosto do escuro, ela do claro. Eu gosto do caos, ela da ordem. Eu gosto do sujo, ela do limpo. Eu gosto de boi, ela de frango. Eu gosto de gatos, ela de cães. Eu gosto do acaso, ela da certeza. Eu gosto de cerveja, ela de suco. Eu gosto do obsceno, ela do reservado. Eu gosto de motel, ela de hotel. Eu gosto de maçã, ela de banana. Eu gosto de Kreator, ela de Paramore. Eu gosto dela, ela de mim. O que temos em comum, vem logo a seguir...

João Victor


Desculpa, não acredito em borboletas no estômago.Sempre tive a sensação de abutres comendo todo meu interior. Nunca senti as cosquinhas das borboletas, mas sim as bicadas blindadas de bicos finos como agulhas, dores as quais não tenho vontade de sentir novamente. Hoje, as borboletas seriam infelizes em um estômago destruído e esburacado. O jeito é tratar essas feridas com muito àlcool ! Seja bem vinda sexta!!

Jéssica Moreira


Espetáculo do desdém Ana Luíza Ferreira

Engraçado acompanhar o final do filme no papel de uma simples coadjuvante. Recordações repetidas incansavelmente nas cenas do trailer. Procuro a trilha ideal que ilustra a linda história. Palmas, muitas palmas para a comédia romântica. Inversão fatídica de papéis. Os vilões somos nós. A culpa se curva e divide ao meio a sensação dolorosa; Mas parece que a metade destinada à você não chegou ao destino final; Não ouço a sua lamentação. Palmas, muitas palmas para a mocinha imbecil; Que se acovardou e desprezou a si mesma em nome do violão; Abriu mão das cenas trágicas na qual ganharia a audiência; Pisou em falso, lançou-se no escuro; E agora sente o peso das mãos feridas. O figurino depredado, Estado lastimável; O palco do lindo espetáculo encontra-se vazio. A desilusão alastrou-se e, num rasgo de lamúria, contaminou toda plateia; Gritos de lamentação. As perguntas se regeneram e se transformam em bombardeios vindos de todas as partes; Não encontro uma resposta; À essa altura já considero a mentira como a saída ideal; Porém, prefiro a tosca e velha sinceridade de sempre.


Estouro

Ana Luíza Ferreira

Amanheceu, virou pipoca. Pipocou o sonho de pensar Que algum dia poderia realizar Os sonhos de menina. Amanheceu, virou pipoca. Pipocou o príncipe, Que virou sapo Na inocência do pensar que poderia um dia ser feliz. Adormeceu, virou piruá Tudo aquilo que um dia se atreveu a sonhar.


Farei tempestade em copo d’ água sempre que o copo for o único disponível para caber tudo o que está me transbordando. Desculpe, meu corpo não me cabe mais. Então me tragam seus copos de escape, me doem seus copos de refugio, onde por muitas vezes ele foi o teu único amigo, onde coube perfeitamente a tua dor. Relação intensa entre copo e alma. Entre corpo e dor.

Maísa Isabelle


Lindon John


Luana Oliveira


Davidson Leite



João Victor


Antes que eu fique mudo antes que eu tente de novo antes do próximo eclipse antes que a grama cresça antes que a água da chuva toque o solo

antes do próximo intervalo comercial antes do jornal entre o toque da chave na ignição e o motor entrando em combustão antes que o olho soletre as palavras que a boca não diz no silêncio entre a vogal e a consoantes que o ar que respiro entre no nariz


Antes Renato Negrão. Vicente viciado. Belo Horizonte: Rótula, 2012

antes antes antes antes antes

que a trava vire treva que não haja futuro que não seja passado que eu pare no meio do final do recreio

interrompo o tempo e te digo te amo e quero que fique comigo.

Equipe de Produção: André Oliveira, Thais Karen, Esabella Lellis, Raiane Saldanha, Luigi Buzele e Fred Vieira. Montagem: André Oliveira e Luigi Buzele.


Meu xixi não é bala de goma. Priscila Cristina

As formigas são pedaços de natureza andantes que se espalham por todo o meu banheiro desde àquela manhã de domingo. Formigas que juntas formam mais do que um pequeno pedaço de natureza. Mais do que vários pedaços de natureza. Formigas que andam em volta da pia e do vaso. Deveriam estar na cozinha mas são demasiado pequenas para enxergar que o pote de açúcar é logo ali. Estas do banheiro são as menores que eu já vi e não oferecem perigo. Tirando o fato de que aos montes elas podem assustar. Em volta da pia e do vaso sanitário não são lugares para formigas pequenas. Banheiro não é lugar para pequenos pedaços de natureza. As mães e as formigas não entendem isso. Minha mãe colocou quatro vasos de planta dentro do banheiro, como se conseguisse trazer a natureza para o lugar onde expressamos as nossas necessidades em forma de pedaços de natureza humana.


Então, aqui em casa temos quatro vasos em dois metros quadrados. Não sei se sobram os metros ou os vasos. Não sei dizer se é muito espaço para pouco vaso ou muito vaso para pouco metro. São cinco no total, não os metros, mas os vasos de pedaços de natureza somados com o vaso dos pedaços de natureza humana. Por isso eu pensei que as formigas possam ter vindo dos vasos de plantas, mas elas são muito pequenas para que eu consiga enxergar alguma coisa daqui de cima. Já tentei seguir o caminho que elas fazem em contraste com o piso branco e o seu corpinho marrom, mas elas andam de um lado para o outro como se quisessem me confundir. Não sei quem é o último da fila, já que elas não carregam nada, não andam atrás umas das outras e nem sequer chegam perto do vaso de planta. Não entendo porque rodeiam a pia e o sanitário. Eles estão sempre limpos e muito brancos, nada atrativo para pequenos pedaços de natureza andante. Mas dia desses peguei uma no pulo, não nas beiradas, mas dentro do vaso de pedaços de natureza humana. Ela já ia pulando mas eu consegui chegar antes, porque eu tenho certeza de que ela pularia. Foram segundos que salvaram a vida deste pequeno pedaço do pedaço de natureza. Mas hoje eu estou um pouco arrependido, porque agora eu acho que se ela iria pular é porque tinha um bom motivo para isso, mesmo que fosse morrer. Eu precisava ter ajudado na vontade da formiga e não salvar aquela criatura de um suicídio. Acho que na verdade eu perdi a oportunidade de descobrir


para onde elas estão indo. Não que eu as seguiria vaso sanitário abaixo, mas poderia ser este o começo ou o fim do caminho das formigas do meu banheiro, que cada dia que passa se parece mais com um pedaço de natureza. Por conta dos pedaços que podem ser de plantas ou de outros pedaços de gente. E também por causa das formigas, que talvez seja bem provável que sigam caminho rumo ao grande depósito de pedaços de naturezas humanas. Nunca pensei que formigas pudessem se parecer com moscas, mas eu também não sabia que os vasos de natureza natural pudessem ter o mesmo nome que os vasos de natureza humana. Acho que as formigas da minha casa deveriam se chamar: “formigas, as quase moscas” mas nem isso eu tenho a capacidade de explicar. Já que eu não deixei a tal formiga se suicidar. Suicidar não, ir embora, recomeçar, dar um passeio, reencontrar, não sei. Qualquer coisa que me fizesse entender o porquê das formigas estarem dentro do meu banheiro. Na cozinha não tem formigas, de lá elas passam longe. Justo lá onde os potes de doces ficam abertos e são espalhados aos montes e estão muito mais acessíveis do que os outros vasos. Mas talvez para elas isso não seria um problema, já que esta espécie de pedaço de natureza parece conseguir nadar. Porque ou aquela formiga estava se jogando dentro da água ou estava acabando de sair de lá e eu não percebi. Eu cheguei a falar sobre isso com o meu psiquiatra, porque as


pessoas que me fizeram ir até ele dizem que eu posso contar qualquer coisa pra ele, que qualquer coisa está segura com o meu médico. Eu resolvi contar para ele porque eu estava perdendo horas de sono pensando em como eu iria tirar o vaso, não o de planta, do chão para poder ver onde elas estão indo ou vindo. Meu médico disse que eu fiz muito bem em contar para ele, já que me causaria problemas arrancar o vaso do chão e eu não estou procurando problemas, não é? Ele disse também que isso pode ser porque eu tenho diabetes e as formigas me seguem procurando o meu xixi docinho. hihihihihhihi. Eu achei muito engraçado isso que ele disse, porque o xixi da gente não é doce, mesmo a gente tendo diabetes. Assim como se você bebe muita cerveja, igual a minha mãe faz, você não faz xixi de álcool. Ou como quando a mulheres ficam grávida ou é vaca, se a gente tomar café, o leite não vai sair café com leite. Ou se elas comerem chocolate, o leite delas não vira tody. Ai, as vezes eu não sei porque me colocaram junto com este médico. Ele é muito burro e só me faz perguntas idiotas, mas isso eu não conto pra ninguém. Mas é pra ninguém


mesmo! Porque se ele é a única pessoa que eu posso contar meus segredos, eu não posso contar pra ele que ele é um idiota. Mas hoje eu precisava fazer alguma coisa, estas formigas estavam me tirando do sério. E já que eu não iria poder nem tirar o vaso do chão, nem chamar o médico de burro por achar que as “formigas, as quase moscas” estão no meu banheiro porque eu tenho diabetes, eu estou aqui falando sozinho para não ter que guardar pra ninguém e nem contar para todo mundo. Mas ainda assim as formigas me incomodam. Toda vez que eu vou ao banheiro elas estão lá, fazendo os mesmos caminhos estranhos de ontem e de antes de ontem e de muito antes de antes de antes de ontem. Hoje pela manhã eu fiquei com a diabetes na cabeça, fiquei muito intrigado. Meu médico só pode estar brincando ou pior, é muito burro para falar um absurdo desses. Fiquei com muita raiva, porque não é possível que um homem já velho e estudado diga uma coisas dessas. Para me acalmar e verificar mesmo a sua falta de responsabilidade por colocar a culpa no meu xixi, resolvi tirar satisfação com a teoria dele. Hoje eu provei o meu xixi e está tudo certo, nada de doce comigo. Ilustrações:Rafael Fernandes


Thais Gekseni


Esaque Mendes



Rafael La Cruz



Natรกlia Luiza


Grupo de Comunicação Emily Catarina dos Santos Jéssica Frances Moreira Vital Jessica Magalhaes Alves João Victor Alves dos Santos Xavier Mariana Moura de Urzedo Nathane Helena Rodrigues da Silva Rafael Alexandre da Cruz Samara Ingrid Silva de Carvalho Thais Gekseni Rosa Lucas Valadares Isabela Campelo

Este livro foi impresso na gráfica da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia. Belo Horizonte, 2014. A Oi Kabum! é um programa do Oi Futuro, instituto de responsabilidade social da Oi, executado em Belo Horizonte pela Associação Imagem Comunitária. É também um dos núcleos do PlugMinas - Centro de Formação e Experimentação Digital do Governo de Minas.


www.concatena.org


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