poéticas percorridas: três operações arquitetônicas

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poéticas percorridas três operações arquitetônicas

kaique de souza xavier orientador: fernando gobbo ferreira


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

X19p

XAVIER, Kaique de Souza Poéticas percorridas, três operações arquitetônicas/ Kaique de Souza Xavier - Ribeirão Preto, 2019. 166p.il Trabalho de conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Barão de Mauá Orientador: Fernando Gobbo Ferreira 1. Percurso 2. Memórias 3. Espaço I. FERREIRA, Fernando Gobbo II. Título CDU 72

Bibliotecária Responsável: Iandra M. H. Fernandes CRB8 9878


CANDIDATO: Kaique de Souza Xavier Título do Trabalho de Graduação: Poéticas percorridas, três operações arquitetônicas.

BANCA EXAMINADORA: _______________________________________________________ Prof.º Me. Fernando Gobbo Ferreira Centro Universitário Barão de Mauá

_______________________________________________________ Prof.º Me. Anal Lucia Machado De Oliveira Ferraz Centro Universitário Barão de Mauá

_______________________________________________________ Prof.º Me. Rafael Goffinet Almeida Centro Universitário Moura Lacerda

Data de Aprovação: ___/___/_____



ruas

há mais de meio século ando por aí há sessenta e um anos cruzo rio brasília londres são paulo quito cidade do méxico lisboa amsterdan nova york a pé mix de finalidade interior e casualidade exterior tudo me interessa os olhos não usam viseira nem os ouvidos capota o nariz eu trago atento o tato bem apurado absorvo impressões de outros que caminharam por mim em minha caminhada pelos outros paisagens urbanas suburbanas superurbanas me constroem o tempo todo em que eu ando e paro paro e ando reparando do que é feito o conteúdo da caixa preta do planeta

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Ricardo de Carvalho D. Chacal.

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agradecimentos

A Fernando Gobbo, por todo o conhecimento, conversa e delicadeza em me orientar durante o desenvolvimento deste trabalho. A Camila, por todos momentos de alegria que passamos juntos. A meus amigos Felipe, Thais, por todo companheirismo e troca durante os últimos anos de graduação, pelos trabalhos desenvolvido em grupo, por todo desabafo e apoio nos momentos de maior tensão ao longo desta caminhada. A Gabriel Manço, Erick Melo, pela amizade que se estende para fora da faculdade e alegria durante os momentos que passamos juntos. A Onésimo Lima, Ana Ferraz por estarem presente em todas as bancas, com toda orientação e conselho para concluir o tfg. A todos professores e colegas de faculdade que contribuíram na minha formação, por todo o conhecimento e conversas compartilhadas. Dedico esse trabalho a minha mãe, Simone e meu Pai, Roberto, por todo suporte ao longo dos seis anos de formação. Por todo ensinamento, incentivo e amor doado ao longo de toda minha vida.

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sumário

motivação vocabulário inserção

12 13 15

partida o homem e sua afirmação derivas

17 25

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continuidade cidade e suas possibilidades

49

. .

aproximação lugares espaço, lugar, memórias e imaginação

65 73

I I. I.I

I I . I .

arquitetura dissolução estudos de arquitetura 1. observar 2. jrespirar 3. imergir

87 99 106 124 140

da rua ao rumo bibliografia

164 166

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motivação

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A aspiração por atingir a etapa do tfg foi intensa durante todo o período acadêmico do curso de arquitetura. Existia o anseio de desenvolver um trabalho cujo tema possuísse um significado pessoal e ao mesmo tempo tratasse de um assunto pertinente no campo da arquitetura. Vejo que as oportunidades que surgiram ao longo dos anos foram essenciais para a formação pessoal e acadêmica, de tal forma, guiando para um caminho de produção de um trabalho cujo tema permitisse expandir o campo de experimentação e o diálogo entre homem e arquitetura. As lembranças, experiências, sonhos e fantasias que se iniciam na infância, passam pela juventude - um tanto perdida ao aproveitamento da cidade e conhecimento de si próprio – e chegam então na fase acadêmica, onde um mundo se abriu e se mostrou possível para buscar novos percursos, é de onde as motivações surgem. Acredito que o privilégio de ter morado em Évora um semestre, no período de intercâmbio, despertou uma relação com a cidade que antes não existia, resultando ao regressar ao Brasil, o interesse em vivênciar a área central de Ribeirão Preto. A maneira como as coisas se dão me interesão. A ideia de mostrar a percepção sobre um significado da arquitetura por meio de experiências vivenciadas no território e memórias de um tempo que já é passado, são leituras na qual me debruçei, e por diante coloco em discussão afim de propor ensaios arquitetônicos.


vocabulário

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observar, v.t.d. 1. Cumprir; 6. olhar atentamente; examinar, estudar; 7. advertir; fazer ver; 9. refletir sobre si mesmo.

caminhar, v.i. 1. Andar, percorrer caminho a pé; 2.v.t.d. percorrer andando; 3.v.t.i. encaminhar-se, dirigir-se

respirar, v.i. 1. Absorver ar nos pulmões e expeli-lo depois; 4. folgar; descansar, sentir alívio, depois de intensa preocupação. imergir, v.t.d. 1. Mergulhar; 2. fazer penetar; 3.v.t.I. penetar; entrar; 4. v.p. mergulhar

deriva, s.f. 1. Derivação; 2. deslocação, desvio do rumo; 3. Loc. Adj. À deriva: desgarrado, ao sabor de corrente; 4. desnorteado espaço, s.m. 1. Extensão indefinida; 2. o Universo; 3. extensão superficial limitada; 4. Período de tempo lugar, s.m. 1. Espaço ocupado, ou que pode ser ocupado por um corpo; 2. povoação; localidade; 3. cargo; 4. ordem; posição; 5. classe; 6. ponto de observação; 7. trecho de livro; 8. circunstâncias especiais; 9. destino. memória, s.f. 1. Faculdade de reter as ideias adquiridas anteriormente, de conservar a lembrança do passado ou da coisa ausente; 2. reminiscência; lembrança; recordação; 3. fama; nome; crédito; 4. parte do computador que armazena informações; 5 s.f.pl. notas ou narrações históricas, escrita por pessoa que as presenciou ou que nelas tomou parte; livro em que alguém descreve sua própria vida movimento, s.m. 1. Ato de mover-se; 2. deslocação; 3. afluência de gente movendo-se; 4. animação; 5. revolta; sedição; 6. andamento musical percurso, s.m. 1. Ato de percorrer; 2. andamento; 3. caminho, espaço percorrido; 4. movimento; trajeto. saudade, s.m. 1. Lembrança triste e suave de pessoa, de um bem passado ou de coisa extinta ou distante, acompanhada do desejo de as tornar a possuir ou ver presentes; 2. o nostalgia; 3. designação comum a diversas plantas da família das dipsacáceas, principalmente da espécie scabiosa marítima, e às suas flores; escabiosa. 4. planta da família das asclepiadáceas (Asclépias umbellata)

1. Minidicionário Antonío Olinto da língua portuguesa, editora Moderna.

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inserção

O objetivo deste trabalho é de fazer uma série de operações arquitetônicas a partir de experiências vivênciadas na área central pelo ato de caminhar, realizando uma leitura sensorial sobre o corpo no território estabelecendo uma relação entre percurso, espaço e memórias. Como estrutura, o trabalho segue um caminho que parte do descobrimento do território no início da pré-história. Em a partida, as relações do homem e o seu movimento no espaço, e o descobrimento que se dá pela vida nômade, em contraposição, ao estilo de vida sedentário, que se sustenta a partir daquilo que se produz a sua volta. Adiante, em derivas, o corpo se lança no território afim de encontrar respostas no espaço por meio do ato de caminhar. Por sua vez, o percurso no território desperta imaginações que antecedem a memória e o que está por vir. Em a continuidade, permeaia a partir do processo evolutivo da relação do homem e da criação dos espaços feitos por si, como resultado, a cidade, em direção a uma leitura sobre as possibilidades e significados das diversas cidades dentro de uma única a partir das experiências subjetivas de cada indivíuo. Em aproximação, o tempo já é passado, e as lembranças, memórias e imaginação animam a ideia de significado e singularidades aos lugares que contam momentos vivenciados e ficções imaginárias. As reflexões pessoais ignoram uma ordem de organização. Fazem parte dos pensamentos iniciais que se deram em 2018, e revelam os primeiros apontamentos em direção a esse trabalho. Por fim, em arquitetura, passado, presente e futuro se fundem através do corpo no território, memória vivenciada, e imaginação do espaço em matéria. As leituras dos projetos escolhidos e todo o contexto apresentado até o momento indicam a passagem de uma etapa teórica para uma etapa de onde são realizado três ensaios arquitetônicos.

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partida


“A história das origens da humanidade é uma história do caminhar, é uma história de migrações dos povos e de intercâmbios culturais e religiosos ocorridos ao longo de trajetos intercontinentais. É as incessantes caminhadas dos primeiros homens que habitaram a terra que se deve o início da lenta e complexa

o homem e sua afirmação

O homem atual é resultado de um processo evolutivo que teve origem a mais de seis milhões de anos atrás. Registros como os Passos de australopitecos marcam a presença do homem desbravando territórios de forma ereta. O homem Neanderthal, considerado como subespécie do homem moderno, (Homo sapiens) foi quem iniciou o processo de construção de abrigos, vestimentas e ferramentas para caça.

operação de apropriação e de mapeamento do território. ” 2

2. Careri, 2002, p.44

Da pré-história é onde ocorre a separação da humanidade em estilos de vida diferentes e da forma como o ser se relaciona com o território, o nomadismo e sedentarismo. Do nomadismo, a vivência nos diferentes tipos de territórios e paisagens, do repouso embaixo das tendas que se movem na superfície terrestre sem se afirmar, da vivência do dia-a-dia, da dispersão horizontal. Já no sedentarismo, a vida em uma vista, da criação do lar a partir das entranhas da terra, à afirmação do local. Duas maneiras opostas de se viver. E é por meio desse pensamento distinto que se dá o surgimento da arquitetura no âmbito da construção de espaços – os espaços de ir e os espaços de estar. Entretanto, à uma ligação entre o nomadismo e a sedentariedade, pois existe a necessidade contínua de troca de produtos entre agricultores e pastores. Em Walkscapes, Careri descreve que a agricultura e o pastoreio são duas atividades originadas da colheita e da caça, e que ao passar dos tempos a domesticação dessas atividades, animais (pastoreio) e das plantas (agricultura) geraram o espaço sedentário e o espaço nômade. Ou seja, a partir das errâncias intercontinentais dos primeiros homens paleolíticos. Sahel, do árabe; “costa” ou “fronteira”,ou até mesmo divisa, é a região do continente Africano que se estende por mais de 5.400km desde o Oceano Atlântico até o Mar Vermelho, onde ocorre a integração entre as duas atividades: a agricultura sedentária e o pastoreio nômade, formando um cinturão entre cidade sedentária e cidade nômade, entre cheio e vazio, agregação e dissolução, pontos e linhas. Segundo Careri, o espaço sedentário é estriado por muros, recintos e percursos entre os recintos, ao passo que o espaço nômade é

17 a partida

.


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liso, marcado somente por ‘traços’ que se apagam e se deslocam com o trajeto 3. “[...] tenha sido originalmente uma invenção sedentária que evoluiu da construção dos primeiros vilarejos agrícolas até a das cidades e dos grandes templos. Segundo a convicção comum, a arquitetura teria nascido como necessidade de um espaço de estar em contraposição ao nomadismo, entendido como espaço de ir. ” 4

“Foi caminhando que o homem começou a construir a paisagem natural que o circundava. Foi caminhando que, no último século se formaram algumas categorias com as quais interpretar as paisagens urbanas que nos circundam.”

3. Ibid, p.40 4. Careri, 2002, p.40 5. ibid. 6. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. p.51, São Paulo: GG Brasil, 2013.

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A prática do caminhar como meio de vida, em busca de informação e alimentos se inicia como pensamento de sobrevivência, e a medida que se vai adquirindo interesses e conhecimentos, tal sobrevivência se transforma em prática simbólica que permite com que o homem explore territórios. O arquiteto Francesco Careri descreve, que o nomadismo se concretiza a partir das errâncias, sendo o erro uma função essencial para o descobrimento de novos territórios, resultando em uma relação direta com a paisagem vista, tendo-a como meio de orientação. Portanto, afirmar que o percurso ou a errância é detentora da arquitetura, não de uma arquitetura vista como a construção do espaço materializado – físico -, mas como uma construção simbólica da paisagem, é dizer que a arquitetura nasce do espaço vivenciado, do espaço com significado e compreendido. De tal maneira que, o ato de se perder nunca foi tão importante para a evolução humana e da arquitetura. O território portanto, é indispensável e dele podemos extrair o sentido das coisas. Passando do percurso para o espaço como resultado de descobrimento, em tempos e contextos diferentes, Careri e Norberg refletem sobre os espaços quantitativos e qualitativos, e afirmam que há uma abstração do pensamento perante o lugar. Careri diz que para o homem primitivo, o espaço era empático, irracional e casual, e se foi transformando em espaço racional e geométrico, gerado pela abstração do pensamento, passando de um espaço quantitativo a um espaço qualitativo, preenchendo vazios que o circundavam com cheios – paisagens – que serviam como orientação. 6 Já Norberg retrata que as cidades e as casas consistem em uma “multiplicidade de lugares” e associa o lugar em um sentido quantitativo, respondendo apenas a questões de funções – ou seja, funcionais, porém, relata que as funções por mais “similares” – como ele chama – que sejam, se dão de maneiras diferentes - mesmo as mais simples como comer e dormir -, e termina dizendo que a única saída


“O senhor do mundo, patrão da natureza, o homem se utiliza do saber cientifico e das invenções tecnológicas sem aquele senso de medida que caracterizará as suas primeiras relações com o entorno natural. O resultado, estamos vendo, é dramático.”8

Ambos arquitetos explicitam a importância do território (lugar) como meio em que o homem vive - seja em um campo aberto ou no mais intimo ambiente de nossa casa - e que aplicação de sentidos aos espaços, seja ele construído pelo homem ou pela natureza, são essenciais para a vida humana. Entretanto, parece que à medida que avançamos em sentido a uma evolução, em um determinado momento ouve uma ruptura de significado empregado nos espaços construídos pelo homem moderno. Será que a busca incessante pelo progresso da vida em resposta às nossas necessidades se perdeu pela ganância? Ou quais são as necessidades de que tanto buscamos? Ou até mesmo, que as necessidades que tanto buscamos já não se fazem tão necessárias assim? Os questionamentos são inevitáveis à medida que não acreditamos naquilo que não nos agrada.

7. NORBERG, C.S. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, K. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 443-459. 8. BUCCI, 2010, p.23, apud BACHELARD, 2000)

Se analisarmos como a palavra abstração é colocada na fala dos dois arquitetos e teóricos, na de Careri ela é empregada como fundamental para o descobrimento de novos territórios, pois a falta do conhecimento e do pensamento, a errância, da sentido aos lugares. Já na de Norberg, - em um tempo mais próximo ao nosso - a abstração do pensamento atua como “espaçador” do sentido aos lugares. Ou seja, a medida que avançamos no tempo tal abstração que antes nos gerava sentido as coisas e descobertas, agora já não mais importa, pois as possibilidades de se ter novas experiências foi substituida pela certeza daquilo que descobrimos com o tempo. Estamos condicionados e pensar mais do que sentir, Portanto, a forma como intervimos e posteriormente usufruímos de um lugar, seja natural ou construído pelo homem causa certos problemas no espaço em que vivemos. A presença do homem e a travessia em um espaço não mapeado transforma a paisagem e modifica culturalmente seu significado e o transforma em lugar. A

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para esse comportamento é de resgatar o “retorno das coisas” – a fenomenologia. 7


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compreensão do espaço e paisagem vem com o menir, primeiro objeto cravado na paisagem descoberta pelo homem – fruto da errância. É o momento em que se estabelece a primeira relação de diálogo entre o natural e o artificial – a natureza e o objeto arquitetônico, os interlocutores do sentido. Se faz a criação do espaço habitado, de crenças, representações e interpretações, do sentido e da importância daquilo que nos abriga, protege e presenteia, do recebimento do corpo e mente – á vivencia. Os menires – pedra alongada -, são monumentos megalíticos do período neolítico de formatos e dimensões variáveis. O objeto é fixado verticalmente no solo, podendo estar disposto em fileiras, círculos e individualmente. Com densos significados, o erguimento e fixação da pedra do solo retrata muito mais do que crenças e representações religiosas e festivas e simbólicas, ele transforma a paisagem e o significado do território. “O menir contém em si a arquitetura, a escultura e a paisagem”.9

9. Careri, 2002, p.120 10. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. p.110-122, São Paulo: GG Brasil, 2013.

A afirmação do local por meio do objeto ‘cravado na terra’, leva ao objeto minimalista, a land art – o campo da arte como um todo. Careri diz que a land art tende à arquitetura e à paisagem, como objeto inanimado que tem o poder de transformar o território. Para Careri, a land art, a partir da viagem de Tony Smith por uma estrada em construção na periferia de Nova York, ganha proporções e se desvincula do pequeno terreno aberto que correspondia a arquitetura - totem -, e passa a utilizar o território como objeto principal, extraindo dele a matéria e insere o corpo como ferramenta para a criação e compreensão da obra. Carl Andre, Richard Long, Robert Smithson, são alguns dos artistas dentro dos muitos outros que se dedicaram ao estudo do objeto perante a paisagem. Para Careri, a estrada é vista por Smith de duas maneiras; a estrada como sinal e como objeto sobre qual acontece o atravessamento, e a outra é o próprio atravessamento como experiência. 10 A experiência de Smith faz leitura do espaço a partir do movimento, seja pelo corpo do homem ou ao objeto que lhe permite discorrer sobre o território, portanto, do percurso ao menir e do menir ao percurso.


1. Menir dos Almendres, Évora. 2. New Jersey Turnpike, Tony Smith, 1950.

a partida

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3. Richard Long, Circke in alaska, 1977. 4. Carl Andre, Sixteen Steel Cardinal, 1974.

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a inserção do percurso na história dos arquétipos da arquitetura. Nesse sentido, realiza-se uma excursão as raízes da relação entre percurso e arquitetura, e por isso entre errância e menir, numa época em que a arquitetura ainda não existia como construção física do espaço, mas que existia- dentro do percurso- como construção simbólica do território.”11

“O caminhar condiciona a vista e a vista condiciona o caminhar a tal ponto que parece que apenas os pés podem ver. ”12

11. Careri, 2002, p.31 12. Careri, 2002, p.110, apud SMITHSON

23 a partida

“O segundo objetivo é compreender



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derivas 09.12.18

O inicio pelo Palacete Jorge Lobato (palacete 1922), na Rua Álvares Cabral. Sigo em direção Rua Américo Brasiliense, com o intuito de ir para a zona mais alta do centro, mas meu roteiro logo se desfaz, visto que decido adentrar a “feira de arte e artesanato” na praça das Bandeiras. Com suas barraquinhas organizadas em eixos paralelos, há cruzo sem muita pausa; pisando em paralelepipedos; todavia, sigo meu caminho. Continuo caminhando pela Rua Florêncio de Abreu sem rumo definido. A cada passo o alvoroço do centro e as pessoas desaparecem em meio as ruas e edifícios. Nesse instante vejo um único senhor em toda a rua; parece estar perdido, a procura de algo que nem ele mesmo sabe o que é. Nessa altura percebo que estou à procura de qualquer coisa e o questionamento da minha caminhada fica evidente; opto em fazer uma pausa. Daí em diante, sigo para a praça XV de Novembro. A medida que vou avançando, a paisagem se modifica; comércios de roupa, brinquedos, bares e restaurantes; o calçadão te mostra que o centro é a cidade, e ela – cidade, é de todos. Antes de continuar a percorrer o calçadão até seu fim, em direção à “baixada”, faço uma pausa com meu cão em um dos bancos do calçadão; estou de costas para a praça, de frente para o comércio; é um domingo ensolarado, todos estão a fazer compras para o natal, seja em um dos milhares lojas físicas ali no centro, do comércio ambulante de roupas, sapatos e acessórios, que faz do piso do calçadão sua vitrine, ou dos hippies. É bonito como o calçadão possui tanta diversidade. Vou descendo e já não sei mais para onde direciono meus olhares; a multidão sobe e desce, fachadas coloridas puxam o olhar; as músicas em alto som freiam os pensamentos.

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Nesse primeiro percurso saio de casa sem definir qual rumo tomar; ruas, pontos articuladores, busca de um local definido. Apenas sigo em direção à área central de Ribeirão Preto; local de estudo.


5. Fotos deriva 09.12.18

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10.02.19 28

“[...] tenha sido originalmente uma invenção sedentária que evoluiu da construção dos primeiros vilarejos agrícolas até a das cidades e dos grandes templos. Segundo a convicção comum, a arquitetura teria nascido como necessidade de um espaço de estar em contraposição ao nomadismo, entendido como espaço de ir. ”13

Iniciei esse percurso a partir da leitura de “Walkscapes – o caminhar como prática estética” de Careri. O livro intensifico o interesse em explorar a cidade de uma forma maior. Nessa fase o tema já não é mais o mesmo do primeiro percurso percorrido em dezembro. Assim como Careri, as obras de Bruno Zevi “Saber ver arquitetura”, e Bucci “São Paulo, razões de arquitetura: Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes”, me prepararam para uma jornada que de fato estava começando. A caminhada pela Rua Cmte. Marcondes Salgado, local de grande movimentação durante os dias de semana devido ao seu uso diversificado. Entretanto, aqui já percebo que será um dia de poucas trocas de olhares – o centro se demonstra desprovido de atividades. Sigo caminho pela Rua São Sebastião, sentido a Avenida Independência, em busca de conhecer um pouco mais está zona do quadrilátero. Ando um pouco mais de sessenta metros e meu olhar é puxado para duas empenas com mais de quarenta e cinco metros de altura que, cercam um terreno desocupado, vedado com telhas trapezoidais na cor verde, e com pequenas frestas da dimensão exata para se encaixar a retina. Decido olhar – me surpreendo. Estreito, profundo e exprimido por altos muros vizinhos que o sombreiam quase por completo. Vou para um lado e para o outro, buscando uma brechá maior de visão do portão para dentro. Pulo uma vez, pulo outram atravesso a rua me distânciando e abrindo meu ângulo de visão. Vou para a direita e para a esquerda, atravesso novamente a rua e vou a guárita do prédio ao lado em busca de adentrar, mais não consigo. Retorno a frente do edificio. Encaro o portão por mais alguns minutos e logo sigo caminho. Mas antes, penso que está à espera de alguma ocupação. Logo me entusiasmo.

13. Careri, 2002, p.31

Sigo descendo em direção à Avenida Francisco Junqueira. A cada quadra que atravesso a ausência de pessoas aumenta, então decido me adentrar um pouco mais ao centro, sinto que por esse caminho coisas boas podem acontecer. Na Rua Mariana Junqueira, por onde continuo o percurso, escuto o som


centro, dando-lhe grandeza. Desde o início a caminhada se demonstrou uma sucessão de euforia e melâncolia. Pela Cerqueira César subo em direção as imediações ao verdadeiro marco zero de Ribeirão Preto, onde hoje se encontra o atual Palácio do Rio Branco, sede da prefeitura da cidade, área de enorme valor para a formação de Ribeirão Preto como aponta Lages: “Entretanto, informam velhos moradores de Ribeirão Preto, dentre os quais o Sr. Inocêncio Celso de Abreu e o Dr. Osmani Emboaba, baseado em informes de um avô materno, Joaquim Moura de Oliveira, filho de Ribeirão Preto, falecido em 1941 com 80 anos, que mais ou menos no local da atual sede da Sociedade Recreativa (atual MARP), que já foi também sede da Câmara Municipal, existia um rancho com um altar, no qual eram feitos os batizados, isso possivelmente desde antes de 1863.”14

14. Lages, 2002, apud SANTOS, p.55

Estou percorrendo à pouco mais de meia hora e decido parar para fazer algumas fotos do Palácio. O descuido e abandono do Palácio, assim como outros patrimônios como também áreas de valor social, cultural e histórico são presentes nas diversas gestões que administram a cidade. O centro carrega consigo não só o abandono por parte da população como também do próprio poder público, que busca jogar uma lona em seus patrimônios, para sair em busca de novos valores. Nessa altura me encontro próximo à praça XV de Novembro. Aqui a paisagem se modifica e aos poucos, ganho companhias efêmeras ao caminhar. Nesse momento do trajeto, parto em direção para olhar uma casa que tanto me interessa pela sua simpátia, mas antes de continuarmos no assunto da residência e de chegar até ela, mudemos um pouco. Na Rua Barão de Amazonas me deparo com um sítio que me interessa desde o início deste trabalho, mas que caiu no esquecimento de certa forma. É um terreno subutilizado, com dimensões médias. Em boa parcela funciona um estacionamento, e uma loja de roupa em uma porcentagem menor do lote. A rua tem um fluxo intenso de transporte público, veículos em geral e de pessoas indo de um lado para o outro. Acredito ser

29 a partida

de uma sirene e sigo em sua direção. Para mim não é apenas um alarme tocando, é um grito de socorro ensurdecedor que parece cada vez mais alto. É o centro pedindo atenção e querendo ser notado por qualquer um que passa e hoje o despreza, um pouco diferente da passagem do século XIX para o século XX, onde o quadrilátero vivia seu apogeu – pulmão ou coração da cidade, onde edifícios de grande valor enalteciam o


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um espaço com boas possibilidades de intervenção. Passado esse momento, voltemos ao assunto da casa. Se trata de uma residência na Rua Américo Brasiliense, ao lado da praça das Bandeiras. Uma casa de muro baixo com uma árvore de porte médio logo na entrada. A residência parece estar parcialmente abandonada, não tem nada de extraordinário à não ser sua delicadeza que ainda mantem de pé em uma rua onde os comércios apontam ser soberanos. Faço alguns registros fotográficos e continuo. Retorno ao percurso pela Alvares Cabral, e chego a praça XV. Conhecido como quarteirão paulista, zona que abriga edifícios de grande valor social, cultural e econômico para a formação da cidade - Museu de arte de ribeirão preto (MARP), edifício Cine Centenário, Palacete Albino Camargo, Palacete Camilo de Mattos, Palace Hotel, Teatro Dom Pedro II, edifício Meira Junior e edifício Diederichen. Aqui acontece um verdadeiro museu a céu aberto. Como citado no texto do percurso da exposição Diálogos não definido; “Aqui o percurso não tem início, meio e fim, é livre e precisa ser sentido, apreciado e vivenciado. A praça XV de novembro é o coração, o colo de mãe, e palco de eventos, manifestações e da vida urbana em constante movimento.”15

15. próprio autor, Projeto “Diálogos não definidos”, exposição de arquitetura, 2017

Continuemos à caminhar, e por mais uma vez em um instante pragmático opto por seguir um caminho sem muitas delongas. Vou descendo a General Osório em direção à Jerônimo Gonçalves - nesse momento me surpreendo. Não dou dez passos e é uma torre de circulação de cinco pisos, sem acabamento, com suas quatro janelas empilhadas uma em cima da outra, com seus vidros despedaçados que me chama atenção. Ela faz parte de um edifício de salas para alugar, e está encostada ao edifício Meira Júnior (famoso Pinguim). Vejo uma fresta na porta e me arrisco a adentrar. Vou subindo os degraus até chegar no último andar. De lá tenho uma perspectiva que sempre me interessou, a vista direta, nesse caso não é uma vista frontal, mas se encontra em uma altura perfeita para dialogar com


Avançamos ao caminhar em baixo das marquises que seguem o alinhamento do Meira Júnior. Continuo a descer o calçadão, passo pelo Mercadão Central, área na qua possui uma atmosfera contagiante. Infelizmente, as horas já se passaram e o mercadão já está de portas fechadas. Retorno a subir passando pela Américo Brasiliense até chegar na Lafaiete, uma rua de fluxo intenso de pedestres e automóveis que liga os novos terminais de ônibus até a Av. Francisco Junqueira, na altura da Av. Plinio de Castro prado. Não é à toa que me refiro a essa rua citando suas extremidades – se caracterizou com uma via de passagem, tendo apenas dois pontos de permanência em toda sua extensão – as costas da Catedral metropolitana e a Praça XV de Setembro, com distância de aproximadamente seiscentos e cinquenta metros uma da outra. Um terreno com gradil fixa meu corpo novamente. Assim como o primeiro, possui características similares, estreito, cumprido e vazio. Nessa altura o sol de Ribeirão já me desgasta. O olhar não permanece o mesmo. Acredito que seja a hora de parar e ir para casa.

31 a partida

aqueles edifícios intocáveis e esquecido dos olhares de quem caminha por essa área. Me interessa a torre


6. Fotos deriva 10.02.19

[6]



04.04.19 34

“Em meu trabalho tem que haver um

minhas obras. Essas respostas são ex-

O retorno ao centro para uma nova caminhada parte do pensamento até agora compartilhado, da vivência do espaço como ferramenta e resposta. Compartilho da ideia de Zumthor e nesse momento não enxergo o percurso só como objeto arquitetônico, mas também como um exercício investigativo, investigando o meio e o próprio eu. Diferente dos dois primeiros percursos ao quadrilátero, a visita agora acontece em um dia da

tremamente pessoais; não tenho outras.

semana e em horário de alto movimento.

procedimento, alguns interesses, algumas ferramentas. Me observo agora a mim mesmo e me conto em nove mini capítulos o que eu tenho encontrado no caminho, o que me leva a uma direção quando tento gerar essa atmosfera em

São altamente sensíveis e individuais; de fato, provavelmente são produto de sensibilidades próprias, pessoais que me levam a fazer coisas de uma determinada maneira.”15

Dessa vez, inicio em um ponto mais alto e afastado do ‘miolo’ do centro que concentra o maior número de pessoas e usos diversos. Assim como nas demais bordas do quadrilátero – exceto na ‘baixada’, o que mais se vê na rua é a presença do automóvel, e devido ao encontro com as grandes avenidas que cercam essa zona, o caos fica por conta dos motores e não pelos corações humanos. É paradoxo pensar que tal área, resultado das primeiras expansões da cidade, contava com um cemitério que, mais tarde dava lugar as “árvores robustas, flores, fontes luminosas, coretos, multidão de vivos” (Elizia et al., 2002, p. 127-129) que se reunia para distrair e comemorar a vida e que hoje, tais distrações ficam por dentro das altas ‘muralhas’ dos edifícios verticais que desenham a paisagem típica de uma metrópole brasileira. Por mais semelhante e característica que seja as grandes cidades, os centros urbanos por sua vez são tão carregados de informações que a cada instante te apresenta novas imagens, sensações e descobertas que jamais imaginamos. Bucci aponta que as possibilidades de convívio se perderam devido a inversão de valores e que é necessário construir a noção de habitar. O apagamento daquilo que faz parte do nosso passado nos leva a perca dos significado e sentidos aplicados, em especial no campo da arquitetura.

15. ZUMTHOR, Peter, Atmosféras, Entornos arquitectónicos - l Las cosas a mi alrededor. p. 20-21, Barcelona: GG , 2006

Volto para o percurso e decido seguir caminho em direção a Av. Nove de Julho pela Rua Mal. Deodoro. No segundo lote, ao lado direito no sentido de quem sobe, avisto um terreno com algumas paredes em alvenaria construída espalhadas, um canteiro que o


e portas foram instaladas e arrancadas depois de um curto tempo, dando lugar a novas instalações. Um ciclo em direção única, com início, meio e fim sem colocar em discussão, mas de certo modo uma construção sem fim, e isso me intriga. Continuo a dobrar as esquinas, e não leva muito tempo, avisto uma loja de antiguidades. Logo na porta vejo uma chapa de aço cortada e dobrada que formam figuras geométricas. Adentro a loja e pergunto ao senhorio: -Está à venda essa peça? E ele responde: -Sim, está à venda, ela é de um artista famoso. E torno a perguntar: -Onde à encontrou, e como conseguiu? E o senhorio responde: - Encontrei na cidade de Petrópolis, em um ‘antiquado’ Me interesso pela peça e pergunto seu valor e o vendedor responde que seu custo é de 4.000,00 R$. Sem nenhum conhecimento maior, percebo que tal objeto pode ter nome e identidade . Se parece com as peças de Amílcar de Castro, artista e escultor Brasileiro do século passado. Tal situação mostra que as descobertas podem vir a qualquer momento, só precisamos estar dispostos a ‘garimpar’ o meio que vivemos em busca de novas imagens.

35 a partida

circunda, marcações no solo e ferramentas típicas da construção civil, e sem nenhuma presença humana. A primeiro momento, imagino a construção de mais um empreendimento residencial vertical, porém, percebo que não. Se trata de uma instituição de ensino voltada para a formação profissional destinada a mão de obra na construção civil. Fico pensando, e imagino quantas paredes foram erguidas e destruídas, quantas janelas


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Continuo meu percurso vagando em busca de imagens, sons, cheiros, pessoas e espaços. Avisto uma casa modernista com um jardim na esquina, um edifício com traços art decó, algumas construções e muitos edifícios verticais que criam pequenas ilhas dentro de si, a fim de tentar proporcionar aquilo que já supostamente não encontram na cidade. Quando reparo, meus passos estão indo em direção ao tal ‘miolo’. É inevitável, parece que existe um fascínio, um magnetismo que te puxa, e quando vejo, já estou em frente ao Cine Cauim, na Rua São Sebastião, uma rua com um dos maiores fluxos de pedestres e veículos. Aqui, não só a paisagem, mas os diversos sons e usos, e o fluxo são intensos e bem diferentes do restante. Continuo minha caminhada e me dirijo ao quarteirão paulista. Apenas faço alguns registros fotográficos e sigo a diante passando pelo Theatro Dom Pedro II, ao Centro Cultural Palace, e a Biblioteca Altino Arantes. Faço uma pausa e observo do terreno ao lado os operários trabalhando no ‘restauro’ da biblioteca. Sinto uma mistura de sentimentos ao vê-la abandonada, assim como muitos outros patrimônios da cidade, e por isso decido. Não sei quanto tempo fiquei sentado nas escadas do banco bradesco, porque da lí parecia que estava assistindo os diversos movimentos a minha frente. Decido partir. Sigo em direção ao MARP. Passo pela sua lateral, e atravesso a praça Barão do Rio Branco.Aqui novamente a atmosfera do centro se modifica A presença dos automóveis novamente ganha destaque e em diante a história se repete; uma caminhada quase que sem vista humana conforme vou avançando as ruas Ando cerca de três quadras e então o calor intenso de Ribeirão me força a fazer uma nova parada, e decido encerrar o percurso.


7. Praรงa VII de Setembro. 8. Rua Campo Salles, altura 1169.

a partida

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9. Fotos deriva 04.04.19

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mapa 1 - percurso 09.12.18 percurso representado por uma linha pontilhada com inĂ­cio em frente ao Palacete Jorge Lobato (1922), na rua Alvares de Cabral. percurso, 2.640 mts

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mapa 2 - percurso 10.02.19 percurso representado por uma linha pontilhada com início na rua Cmte. Marcondes Salgado, próximo ao Casarão Murdocco. percurso, 3.280 mts

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mapa 3 - percurso 04.04.19 percurso representado por uma linha pontilhada com início na Praça Sete de Setembro. percurso, 3.300 mts

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mapa 4 - combinação a união dos três percursos realizados com espaçamento de 2 meses revela o movimento do corpo no território. percurso total, 9.220 mts

09.12.18 10.02.19 04.04.19

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continuidade


cidade e suas possibilidades

A palavra continuidade é sinônimo de vida e morte, na lógica de permanência. Se aplicada à forma, continuidade se traduz em linha, respectivamente em horizonte, paisagem, desbravamento do território. Em arquitetura, horizontalidade, verticalidade, em cima, para baixo, esquerda e direita, meio, fim e recomeço, entrar e sair, ou seja, resulta em momentos. A cidade, por sua vez, nasce e se mantem viva devido a essa continuidade que possibilita instantes e sentidos positivos e/ou negativos, mesmo sabendo que para cada ser humano, a cidade possui significados diferentes – e aí está sua graça -, portanto, a cidade, se traduzida em vocábulo se torna possibilidades – há continuidade de possibilidades, de se criar, recriar, viver e reviver momentos. Tal compreensão se dá pela consciência de vivência do ‘espaço cidade’, não cabendo uma única definição concreta do seu significado. “[...]. Na verdade, o mundo vivenciado está mais próximo da realidade dos sonhos do que de qualquer descrição cientifica. A fim de distinguir o espaço vivenciado do espaço físico e geométrico, podemos chama-lo de espaço existencial. O espaço existencial e vivenciado estrutura-se na base dos significados, intenções e valores refletidos sobre ele por um indivíduo, seja de modo consciente, seja inconsciente; assim o espaço existencial possui uma característica única interpretada por meio da memória e da experiência do sujeito. ”16

16. BUCCI, 2010, p.23, apud BACHELARD, 2000 17. SANTOS, Milton, Metamorfoses do espaço habitado, 1959ª, p. 9 18. Pallasmaa, 2002, p. 25

Em Metamorfoses do espaço habitado, Santos nos apresenta a definição de cidade a partir da visão do fisólofo Sorre. [...] “uma aglomeração de homens mais ou menos considerável, densa e permanente, altamente organizada, geralmente independente para sua alimentação para sua existência uma vida de relações ativa, necessária à mantença de sua indústria, do seu comércio e das demais funções”. Continuando, Santos mostra o pensamento do filósofo George sobre a cidade “formas de acumulação humana e de atividades concentradas, próprias a cada sistema econômico e social, reconhecidas a partir dos fatos de massa e arquitetônico.”17 Pallasmaa no entanto, aponta que a cidade é onde as trocas de experiência acontecem, no qual, o dar e receber se fundem. “[...] à medida que me assento em um espaço, o espaço se assenta em mim. Vivo em uma cidade e a cidade vive em mim. Estamos em constante intercâmbio com nossos entornos.”18 Portanto, que a ideia de cidade é variável e interdisciplinar, ganha definições de modo em que o tema é debatido, seja no âmbito político, social ou qualquer outro, a sua pluralidade se torna singular na visão de

49 continuidade

.


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“Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que deseja recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações, vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, par-

cada indivíduo. Dessa forma, a cidade se concretiza com a presença do homem. Podemos então considerar que a ideia de cidade ganha força e significado na coletividade – coletividade humana e de tudo aquilo que a define, se identificado por palavras,cidade não é só sinonimo de possibilidades, cidade é também paisagem e espaço habitado.

tes do discurso. Entre cada noção e cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou de contrastes que sirva de evocação à memória. ” 19

19. CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. 2º edição, São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.19

Se aproximando do nosso contexto, Bucci, diferente dos demais, nos apresenta a cidade, em especial São Paulo, com outra perspectiva. Para o arquiteto, a violência presente no cotidiano do espaço urbano, informa padrões de comportamento da sociedade, e a forma como nos relacionamos com o ambiente urbano, acarretando em um processo de inversão de valores – como já citado no texto da deriva 05.04.19 – e acaba por colocar em crise a própria ideia de cidade, consequentemente, põe em crise o propósito da arquitetura, respingando diretamente na formação do arquiteto, pois aqui, a violência passa a atuar como norma, e extrapola os espaços públicos e invade pelas portas e por entre as frestas os nosso abrigos mais íntimos – nossa casa. Bucci ainda questiona “como podemos propor projetos em uma cidade que parece já ter perdido o sentido?” No caso de Ribeirão Preto, como cidade em estudo, o pensamento de Bucci resulta tanto na violência, como na forma de se pensar a cidade, e abre margem para que o mercado imobiliário entre de maneira profunda na consciência da sociedade, configurando então em alguns fenômenos urbanos. A interferência da violência na cidade por exemplo, modifica a maneira como as pessoas à utilizam. Segundo o Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento de Delinquente (Ilanud), 50% dos moradores das capitais brasileiras evitam sair à noite com medo de serem assaltados; 38% não circulam por algumas ruas que consideram perigosas, e 24% modificaram o percurso até o trabalho afim de poupar locais duvidosos. Em Ribeirão, a área central passa hoje por uma degradação e desvalorização que tange tanto da violência, quanto a uma série de fatores


Continuando com o significado, continuidade de possibilidades, arrisco em definir Ribeirão Preto a partir daí, em especial, seu centro, onde tudo começou, e assim por dizer, começou de maneira calorosa. Foi na justiça onde aconteceu o alvoroço, a divisão de terras devido a legitimidade em nome dos proprietários. Se fizermos uma analogia com Caim e Abel, filhos de Adão e Eva, à uma semelhança se considerarmos a questão do território como necessidade de mover-se e para viver, a presença do homem na demarcação da terra, portanto é um conflito antigo. De tal modo, a cidade tende a gerar conflitos desde sempre, de diversas escalas, assuntos e meios - seja conflitos de interesses por terras, conflitos urbanos entre a cidade e tudo que a compõe; mobilidade, urbanização, infraestrutura, atividades, enfim, diversos antagonismos que acabam por resultar em fenômenos sociais, culturais e econômicos. Há também os conflitos entre humano e cidade, esse gerado por desentendimento maiores como dito acima ou conflitos internos – pessoais.

“[...]resolveu construir uma tosca capelinha, de pau-a-pique, coberta de palha. Estes mineiros e paulistas eram mesmo muito religiosos. Mas onde ficava

Que a presença do homem no território como afirmação de presença, - espaço habitado - existe não temos dúvida, tão pouco a afirmação do local como ato simbólico, religioso, representativo, a partir do objeto. O menir, antes utilizado como pedra alongada, no caso de Ribeirão se apresenta como outro tipo de material e forma – a capelinha de pau-a-pique, como cita Lajes;

esta ermida? Na atual praça Barão do Rio Branco, ao lado do Palácio Rio Branco (sede da Prefeitura Municipal), ocupando o lugar do prédio de nº 342, conforme

Porém, o ano que marca a “fundação” da cidade ainda é um assunto colocado em discussão, e a forma como à originou não é o interesse maior.

opinou o pesquisador Pedro Miranda. Outros pesquisadores afirmam que ela ficava aos fundos do terreno onde hoje se situa o Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), antiga sede da Sociedade Recreativa. Isso, com certeza, antes de 1856.”

20

Assim como em muitas cidades, a produção cafeeira nas terras paulistas foram responsáveis por atrair as diversas movimentações na região, mas é com a chegada da ferrovia que a mudança dos moradores da zona rural em direção as cidades se potencializa. Tais movimentações no caso de Ribeirão, acontece-

51 continuidade

que contribuem para o afastamento da população com a cidade.


20. (LAGES et al., 2002, p. 63-64)

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ram principalmente na área central. Com isso, mais uma vez a continuidade ou melhor dizendo aqui, o deslocamento provoca, da origem e significado para o território, em consequência a criação de equipamentos, e o seu desenvolvimento acontecem de forma espontânea. Novamente podemos citar o pensamento de Careri. “O caminhar tem produzido arquitetura e paisagem[...]”. Assim, o centro se apresenta como o meio mais forte por natureza e se enriquece a partir da sua utilização e sobreposição de camadas, recriando todo dia uma nova cidade, e deixando recordações naqueles que por ali passaram, ou um dia iram passar. Portanto, o interesse pelo significado do território pode possuir uma subjetividade que está vinculada com aquele que alí um dia “atravessou”, mas no qual a experiência de ocupação do espaço, permanente ou transitória, atrelada à memória, desperta uma percepção individual do indivíduo com o território. E é a partir da relação do espaço com o homem que partiremos daqui em diante, afim de tentar entender o fenômeno “lugar” e suas leituras. “[...]Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos; com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que veem a juventude passar; ele será sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.” 21

21. CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. 2º edição, São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.12


10. MercadĂŁo Municipal de RibeirĂŁo Preto, simbolo de democracia.

continuidade

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mapa 5 - 1872 após a instalação da capelinha entre o cruzamento dos córrego ribeirão e retiro saudoso, um arraial começa a surgir em torno da capela. mapa 6 - 1884 em 1883 a companhia mogiana chega em ribeirão preto com uma estação provisória, com isso moradores da zona rural se mudam para a cidade se instalando nas ruas e nos terrenos mais próximo.

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continuidade

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mapa 7 - 1911 no século seguinte a cidade ja está formada e conta com escolas públicas, o cemitério da saudade e com a presença do automóvel, que chega na cidade em 1907. mapa 8 - 1949 em 1949 a cidade ja passou por uma das maiores enchentes, conta com edificios importantes como o teatro pedro ll, edíficio diederichsen, entre outros e com o incêndio que destruiu totalmente o mercadão municipal da cidade.

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mapa 9 - topografia a geografia do território se apresenta como uma cavidade em duas direções dividida pelo córrego retiro e ribeirão preto.

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mapa 10 - gabarito e ocupação densidade de ocupação e altura dos edifícios são relevantes para o estudo da paisagem que compõem o território.

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edifícios notáveis edifícios de arte e cultura 1. teatro dom pedro II 2. centro cultural palace 3. edifício meira junior (pinguim) 4. banco safra 5. biblioteca altin arantes 6. palacete camilo de mattos 7. marp 8. cine centenário 9. edifício diederichsen 10. edíficio padre euclides 11. edifício agulhas negras 12. palacete jorge lobato (1922) 13. catedral metropolitana 14. palácio episcopal 15. casa da memória italiana 16. 17. cine clube cauim 18. palácio do rio branco 19. edifício ida 20. sesc 21. escola fábio barreto 22. centro popular de compras 23. mercadão municipal 24. rodoviária de ribeirão preto mapa 11 - edifícios de arte e cultura + notáveis o centro conta com poucos espaços voltado a cultura e ao lazer, e edíficios de grande valor para a cidade, entretanto, boa parte estão em mal estado e abandonados.

25. armazém da baixada 26. cervejaria paulista (estúdio kaiser) 27. memorial da classe operária (ugt) 28. tpc 29. tpc 30. casarão murdocoo

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mapa 12 - percurso sobre 2019 a combinação dos percurso sobre a malha atual do quadrilåtero central.

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aproximação


lugares

A palavra “lugar” – como diz no próprio título, porém no plural – é a fonte de toda sustentação entre o que foi estudado até o momento; a ideia de lugar deu início a partir da presença do corpo e mente humana em um determinado território, originando a própria arquitetura, e o que virá a seguir; o fenômeno lugar, “como produto da atividade humana, e como ambiente que configura as atividades humanas.” 22 Em vocabulário (p.09) a palavra lugar é definida como: 1. Espaço ocupado, ou que pode ser ocupado por um corpo; 2. povoação; localidade; 3. cargo; 4. ordem; posição; 5. classe; 6. ponto de observação; 7. trecho de livro; 8. circunstâncias especiais; 9. destino. Algumas dessas definições assim como o próprio sentido da palavra, estão presentes na arquitetura. Norberg diz que a vida cotidiana consiste em “fenômenos” concretos: “[...]Pessoas, animais, flores, árvores e florestas, pedra, terra, madeira e água, cidades, ruas e casas, portas, janelas e mobílias, no sol, na lua e nas estrelas, na passagem das nuvens, na noite e no dia, e na mudança das estações. Mas também compreende fenômenos menos tangíveis, como os sentimentos.” Norberg ainda afirma que devido a sua dimensão e variável - fenômenos naturais e fabricados pelo homem tais fenômenos podem compreender outros “A floresta compõe-se de árvores e a cidade é feita de casas”. 23

22. KARSTEN, H. A função ética da arquitetura In: NESBITT, K. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 424-4427. 23. 7. NORBERG, C.S. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, K. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 443-459.

Com isso, o teórico afirma que os fenômenos, agrupados ou não formam um ambiente, ou seja, um lugar. De tal modo que a localização como único elemento de identidade de um lugar não representa o seu caráter, apenas o associa à um dado geográfico. Para Norberg, o lugar é constituído de coisas concretas substanciais, e essas definem a qualidade ambiental que é a essência do lugar, em outros termos, é aquilo que lhe dá caráter e significado e o torna singular. O filósofo então garante que o fenômeno do lugar resulta em sua estrutura que deve ser apontada como “paisagem” e “assentamento”, e analisadas por categorias como “espaço” e “caráter”, e define: “Enquanto espaço indica organização tridimensional dos elementos que formam um lugar, o caráter denota a “atmosfe-

65 aproximação

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ra” geral que é a propriedade mais abrangente de um lugar”. 24 “[...]. É importante assinalar que geralmente todos os lugares possuem um caráter, e que essa qualidade peculiar é a maneira básica em que o mundo nos é dado. Até certo ponto, o caráter de um lugar é uma função do tempo; ela muda com a estações, com o correr do dia, e com as situações meteorológicas, fatores que, acima de tudo determinam diferentes condições de luz. O caráter é determinado pela constituição material e formal do lugar. Devemos então perguntar como é o solo em que pisamos, como é o céu sobre nossas cabeças, ou de modo mais geral, como são as fronteiras que definem o lugar. ” 25

Nesse sentido, Norberg define que “paisagem” e “assentamento” possuem ligações, de modo que tudo que fica encerrado se torna um centro, e é definido por uma fronteira, como afirma Heidegger “a fronteira não é aquilo em que uma coisa termina, mas como já sabiam os gregos, a fronteira é aquilo de onde algo começa a se fazer presente. Seguindo o pensamento de Heidegger, todo espaço detém algumas fronteiras como o chão, a parede e o teto, assim, fenômenos apresentados como limites, ou seja, início. Como já dito, não há uma definição única de significado de lugar e o caráter a ser empregado no desenvolvimento da arquitetura. Nesse sentido de “não definição” é onde as possibilidades ganham valores - e por isso o centro da cidade como área de estudo. Assim, se considerarmos o lugar como ponto de partida, também, ponto de chegada – o descobrimento, esse, não tem que ser visto como uma área que possui informações quantitativas – largura e comprimento, metragem quadrada, suas taxas de ocupação e aproveitamento, localização e etc., isso é consequência. É necessário extrair suas possibilidades, potenciais, relações e diálogos, enfim, perceber sua identidade e trazer identidade a si, inserindo a presença do corpo do homem no jogo, e seus respectivos sentidos. Zumthor em seu livro “adescreve que quando vemos uma pessoa pela primeira vez obtemos uma primeira impressão, logo, tal pensamento acontece igual na arquitetura. Ao entrarmos em um edifício, olhamos o espaço e percebemos a atmosfera e em décimos de segundo temos uma sensação do que é. 26

24. ibid. p.449 25. ibid. p.451 26. ZUMTHOR, Peter, Atmosféras, Entornos arquitectónicos - l Las cosas a mi alrededor, Barcelona: GG , 2006

A atmosfera que Zumthor descreve, se conecta simultaneamente com a mente e o corpo humano através da sensibilidade, e é a partir dessa relação que Zumthor aponta a explicação para o desenvolvimento de sua arquitetura, transformando e aplicando observações e suas experiências durante seu caminho - ‘pensamentos atmosféricos’ – em procedimentos e instrumentos para gerar a atmosferas em suas obras


O trecho ao lado retirado do livro, remete a uma experiência vivênciada por Zumthor em uma praça. A forma com que o arquiteto descreve tal momento faz uma narrativa sensorial sobre suas percepções daquele determinado lugar. O arquiteto ainda coloca o exprimento de avançar para a praça à frente, mas diz que ao sair se deslocar da praça onde está seus sentimentos se afastam com ela. “Agora bem, o que é que me comoveu alí? Tudo. Todas as coiss, as pessoas, o ar, os ruidos, as cores, a presença dos materiais, as texturas, e também as formas. Formas que consigo entender. Formas que posso tentar ler. Formas que acho belas. E o que mais me comoveu? Meu próprio estádo de animo, meus sentimentos, minhas expectativas quando estava ali sentado. E vem-me à cabeça está famosa frase inglesa que remete a Platão: ‘Beauty is in the eye of the behoder.’ (A beleza está nos olhos daquele que vê), Isto é: tudo existe apenas dentro de mim ” 27

27. ZUMTHOR, Peter, Atmosféras, Entornos arquitectónicos - l Las cosas a mi alrededor, Barcelona: GG , 2006

A experiência colocada por Zumthor aponta classifica o lugar a partir de qualidades subjetivas, e se estende para uma percepção de sensação de todo o contexto que compõem o lugar, não se limitando apenas a atributos visuais ligados a forma, mas sim ao demais sentidos. É impossivel portanto afirmar que a arquitetura precisa seguir certos métodos para cumprir um papel maior do que tange a funcionalidade. É necessário ir além, envolver as possibilidades de relações e levar em consideração questões que por vezes se desprendem daquilo que ‘eu vejo, eu percebo e logo sei o que é’. Diante do livro Atmosferas, o arquiteto cita nove pensamentos que deixa explicito a importância de tratar arquitetura como um processo, evidenciando que o experimento é uma das partes chaves do resultado do pensamento e da obra. As atmosferas que Zumthor cita, são extremamente sensíveis e individuais, frutos da sensibilidade própria do arquiteto. vejo a oportunidade de agarra-las para estudar, ensaiar, argumentar, me apropriar, para que possa expandir e intensificar meus pensamentos. A seguir, apresento aqui as nove “atmosferas”, juntamente com uma sequência de imagens retiradas do seu livro como forma de revelar e registrar a influência do seu pensamento neste trabalho.

67 aproximação

.Portanto, a partir do “espaço vivenciado” onde ele se auto insere no espaço, serve como alicerce para se gerar uma arquitetura que se aproxima do corpo humano. Zumthor procura, então, suscitar novamente as emoções sentidas, recuperando nos projetos recentes os elementos que compõem as antigas memórias.


68 1. o corpo da arquitetura, 2. a consonância dos materiais, 3. o som do espaço, 4. a temperatura do espaço, 5. as coisas que me rodeiam, 6. entre a serenidade e a sedução, 7. a tensão entre interior e exterior, 8. degraus de intimidade, 9. a luz sobre as coisas


próximas, passos na praça, pedra, pássaros, um leve murmúrio da multidão, sem carros, sem barulho de motores, de vez em quando ruídos de obra ao longe. Os feriados a começar já tornaram os passos das pessoas mais lentos. Duas freiras - Iso é realidade e não imaginação- , duas freiras cruzam a praça, gesticulando, de passos leves e toucas a agitarem-se levemente ao vento, cada uma traz um saco de plástico. A temperatura: agradavelmente fresco, com calor. Estou sentado na arcada, num sofa estofado em verde mate, a figura de bronze à minha frente no alto pedestal está de costas para mim e olha, como eu, para a igreja de duas torres. As duas torres da igreja têm Cúpulas diferentes, que em baixo começam de forma igual e que ao subir se individualizam. Uma é mais alta e tem uma coroa dourada à volta do topo.” 28

28. ZUMTHOR, Peter, Atmosféras, Entornos arquitectónicos - l Las cosas a mi alrededor, Barcelona: GG , 2006

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“É quinta-feira Santa de 2003. Sou eu. Estou ali sentado, uma praça ao sol, uma arcada grande, longa, alta e bonita ao sol. A praça - frente de casas, igrejas, monumentos - como panorama à minha frente. A parede do café nas minhas costas. A densidade de certas pessoas. Um mercado de flores. Sol. Onze horas. A parede do outro lado da praça na sombra, em tons agradavelmente azuis. Sons maravilhosos: conversas


11. Residência dos estudantes, Hans Baumgartner, Zurique, 1936. 12. Pavilhão do som, Peter Zumthor, Hanover, 2000. 13. Interior da Capela de campo Bruder Klaus, Peter Zumthor, Mechernich, 2007. 14. Cortinas de seda de Koho Mori, Casa Zumthor, Peter Zumthor, 2005. 15. Termas de vals, Peter Zumthor, Schweiz, 1996. 16. Adéga domínio de pingus, Peter Zumthor, Valladolid, 2003. 17. Amostra do solo de chumbo, Capela de campo Bruder Klaus, Peter Zumthor, Mechernich, 2007. 18. Museu de art kolumba, Peter Zumthor, Colônia, 2007.

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espaço, lugar, memórias e imaginação

O nome dado ao título se baseia nos textos elaborados pelo arquiteto Juhani Pallasma, que em muitos de seus escritos, evidência a presença do homem na arquitetura, apresentando como coordenada o pensamento de que a arquitetura se faz em sua dimensão maior quando revela a presença do homem. Assim, textos como “arquitetura como jogo de formas”, “arquitetura das imagens”, “eidos da arquitetura”, “arquitetura sem arquitetos”, arquitetura e a memória”, “ espacialidade e a implantação da memória”, “o mundo vivenciado”, “memória corporificada”, “amnésia arquitetônica”, “tatilidade e materialidade e luz”, “o valor da incerteza”, dentre outros, é por onde permearemos adiante.

Nossa compreensão da profundidade do tempo seria decididamente mais pobre, por exemplo, sem a imagem das grandes pirâmides egípicias em nossas mentes. A mera imagem de uma pirâmide marca e concretiza o tempo. ” 28

28. PALLASMAA, J. A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura fenômeno do lugar. In: NESBITT, K. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 482-489.

Podemos colocar em discussão as diversas facetas em busca de uma resposta do que é arquitetura que dificilmente conseguiríamos dar um único significado. Sua missão, seus objetivos, o modo de fazer, de estabelecer diálogos, por aí em diante. Contudo, a arquitetura está vinculada com um elemento que está acima do domínio do homem, o tempo. O tempo por sua vez, sempre ditou as ações do homem ao longo da sua vida, desde as mais básicas e necessárias como, comer, dormir, até as ações que incluem na construção do território. No que lhe concede, arquitetura e tempo rementem a memórias, vividas e contadas. Pallasma diz que as imagens da arquitetura são usadas como “recursos mnemônicos”, e que possui três papeis importantes. Ela materializa e preserva a passagem do tempo. Em segundo, concretizam a lembrança ao projetar as memórias. E em terceiro, nos estimula e inspira a recordar e imaginar, tornando visível a passagem do tempo. De tal modo, a forma como os acontecimentos nos é dado, por muita das vezes associado a presença de um lugar construído pelo homem, estruturam o nosso entendimento sobre o mundo. Portanto, entendemos e lembramos quem somos por meio das nossas construções materiais e mentais. Para o teórico, as estruturas arquitetônicas e paisagens facilitam a memória e nos dão profundidade o tempo, como também servem de ferramenta para

73 aproximação

.


74

Por que tão poucas construções modernas tocam nossos sentimentos, quando qualquer casa anônima numa velha cidadezinha ou o mais despretensioso galpão da fazenda nos dá uma sensação de intimidade e prazer? Por que as fundações de pedra que descobrimos num campo de mato crescido, um celeiro desabado ou um hangar abandonado despertam nossa imaginação, enquanto as casas em que moramos parecem sufocar e reprimir nossos devaneios? As construções de nosso tempo talvez despertem curiosidade pela ousadia e criatividade, mas dificilmente provocam uma percepção do significado do mundo ou de nossa própria existência. ” 30

“[...] a permanência da mentalidade romântica que, anulando o espaço e a matéria, se fundamenta no fragmentarismo psicológico, na incapacidade de síntese e de atuação, no gosto pelo que é efêmero, incompleto, em vias de formação, e pelo que é avesso a tudo o que, como um edifício, está inteiramente realizado.” 32

29. PALLASMAA, 2018, p.17, apud BRODSKY, 1997, p.43 30. Pallasmaa. 1986, p.482-489 31. ZEVI, Bruno, Saber Ver a Arquitetura, São Pualo, WMF Martins Fontes , 2009. p.1-17 32. Pallasmaa. 1986, p.482-489

imaginar, e amplificar as emoções e percepções sobre as coisas. A relação entre tempo e arquitetura por sua vez, deixa marcas que respondem a maneira como a sociedade cria aproximidade ou afastamento em determinados situações. Alguns teóricos, arquitetos e filósofos acreditam que existe um certo empobrecimento do significado aplicado na arquitetura e seus sentidos. Será que estamos enfrentando uma crise na arquitetura, ou uma dificuldade entender e e sentir um pouco mais os seres humanos assim como nós mesmo? Brodsky, diz que; “[...]para a imaginação, é mais fácil invocar a arquitetura do que os seres humanos”.29 Zevi em seu livro Saber Ver a Arquitetura, nos relata aquilo que ele denomina como A ignorância da arquitetura, um pensamento crítico direcionado para produção da arquitetura, onde para ele à um desinteresse tanto por parte dos arquitetos que produzem arquitetura de fato, como também para críticos da área e a própria mídia. Para Zevi, o desinteresse pela arquitetura está em uma possível “interpretação clara e válida da arquitetura”, e é inerente à “natureza humana. ” 31 Adiante, Zevi nos aponta uma característica na qual a “arquitetura” se prolifera na sociedade, assim como em qualquer outra área. A forma como lidamos com os edifícios, são apreciados como se fossem esculturas e pinturas, ou seja, superficialmente, apenas seu invólucro. Se a arquitetura não é simplesmente uma combinação de formas geométricas, e sua própria composição formal, qual seria seu significado? Pallasmaa relata de uma forma mais curta e enfática, que a arquitetura tem sido dominada pelo apreço daquilo que é novidade, ou seja, daquilo que é novo, instantâneo, de se consumir e logo esquecer, uma arquitetura do consumismo. Para o arquiteto, a tecnologia, por exemplo, está mais presente do que nunca, e vem ditando o ritmo de se pensar arquitetura, ou talvez de não se pensar a arquitetura na sua abrangência. Pallasmaa diz que a arquitetura se afastou progressivamente das suas intenções e de seus antecedentes, e que cada vez mais é determinada por suas próprias


da visão – o privilégio dos olhos dado pela nossa cultura. E acho que precisamos examinar de maneira muito crítica o caráter da visão que atualmente predomina em nosso mundo. Precisamos urgentemente de um diagnóstico da patologia psicossocial da visão cotidiana – e de uma compreensão crítica de nós próprios como seres visionários. ” 34

“Penso que as experiências tocantes da arquitetura surgem de memórias e significados bioculturais secretos e préconscientes, bem como de encontros existenciais e ressonâncias, em vez de uma estética puramente visual. Essas características poderiam ser chamadas de ‘essências arquitetônicas’.” 36

33. Pallasmaa. 1986, p.482-489 34. PALLASMAA, 2011, p.17, apud LEVIN, 1993, p.205 35. .PALLASMAA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, Porto Alegre, Bookman , 2011. p.1519 36. 36. ibid. p.9 37. PALLASMAA, Juhani, Essências São Paulo, GG , 2018. p.16

regras e sistemas de valores, associando o formalismo – jogo de forma como ele descreve – a o sentido visual, e que a experiência da arquitetura vem sendo negligenciada dia após dia. 33 A supremacia da visão perante aos demais sentidos é clara, e muito se deve a evolução tecnológica e sua presença no mundo. Na opinião de Pallasmaa, a visão é o único sentido que consegue acompanhar a evolução da tecnologia. Entretanto, vem nos reprimindo e afastando os outros sentidos. “O único sentido que é suficientemente rápido para acompanhar o aumento assombroso da velocidade do mundo tecnológico é a visão. Porém, o mundo dos olhos está fazendo com que vivamos cada vez mais em um presente perpétuo, oprimidos pela velocidade e simultaneidade.” 35 Contudo, Pallasmaa ressalta que é importante analisar criticamente o papel da visão em relação aos outros sentidos, principalmente no campo da arquitetura. De fato, a visão é o sentido do corpo humano que mais está presente no cotidiano e na arquitetura devido à sua singularidade. Porém, devido à sua grandeza, a visão pode acabar por prejudicar os demais sentidos e bloquear emoções. A visão tem esse poder – de cegar – e minimizar as possibilidades de se absorver um espaço, um lugar, um momento entre outros, por isso a importância de permitir enxergar tais circunstâncias de outra forma é essencial para a compreensão e formação do que podemos chamar de momentos versados – ou seja, como já dito no âmbito da arquitetura, momentos vivenciados. A visão ainda tem um papel grandioso no que diz respeito a consciência humana. Pallasmaa diz que a edificação tem o papel de materializar e preservar a passagem do tempo, e “entendemos e lembramos quem somos por meio de nossas construções tanto materiais como mentais”, e conclui “aquele que não consegue se lembrar, tem muita dificuldade para imaginar, pois a memória é o solo da imaginação. A memória também é o terreno da identidade pessoal: somos o que lembramos. ” 37 A partir desse pensamento, tentaremos explorar a

75 aproximação

“Acho apropriado desafiar a hegemonia


19. Os amantes, Rene Magritte, 1928.

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“Já escrevi sobre minhas próprias memórias da humilde casa de campo do meu avô e ressaltei que a casa da memória de minha infância é uma colagem de fragmentos, odores, condições de luz, sensações especificas de fechamento e intimidade, mas que raramente são recordações visuais precisas e completas. Meus olhos já esqueceram o que viram outrora, mas meu corpo ainda se lembra.” 37

arquitetura de um modo mais presente, com corpo e mente, afim não de encontrar uma resposta certa do significado do que é arquitetura, mas com um pensamento mais distante de teorias e do ensino vinculado as formas - como Pallasmaa mesmo sugere em um de seus textos -, mas sim, a partir de imagens e de sentimentos básicos que unificam o homem e o espaço a partir da experiência de estar presente. Que a visão tem um papel fundamental na ativação da memória, lembranças, imaginação e fantasias não à duvidas, entretanto, não recordamos visualmente de imagens, exatas de acontecimentos passados. Odores, toques, sensações marcantes que nos penetram, e daí vem as lembranças, como sugere Pallasmaa: A vivência é sinônimo de lembranças, fantasias e imaginação, e é na época de infância, quando ainda tudo é brincadeira que as memórias são mais suscetíveis de esquecimento, porém, com altas energias emocionais. As lembranças nem sempre tão exatas nos proporcionam admiração do período que muitos gostariam de viver até os últimos dias de vida. A seguir, os meus primeiros escritos produzidos no ano de dois mil e dezoito, são baseados nas memórias resgatadas a partir do simbolismo presente em alguns lugares no qual, corpo e imaginação, por um determinado momento existiram, despertando então o interesse em investigar a relevância da memória afetiva, do sentimento e da imaginação. Tais escritos não descrevem o território vivenciado durante a infância e adolescência, mas sim apresentam os artefatos (belvedere, piscina, jardim) que marcaram uma trajetória e que se tornaram ativadores da memória que desencadeiam as inquietações e desejos atuais.

[19] 37. ibid. p.19


20. Theatro Dom Pedro II, Edifício Diedesrichen e Casarão Murdocco.

observar, belvedere 26/05/2018

meu ouvido, sempre sozinho. É engraçado, vou observando, mas acho que estou sendo observado, talvez pelos pássaros que sobrevoam ou que descansam e observam tudo lá de cima, seja da fiação elétrica, da copa da árvore, do telhado da casinha, ou em um esconderijo secreto. Queria eu poder olhar tudo de cima, cara a cara, claro, sempre sozinho. Mas não se engane, a solidão é temporária, o caminho me leva a multidão pessoas, ou a meia dúzia de amigos, e até mesmo ao encontro de uma pessoa se quer. Enquanto isso vou caminhando e percorrendo ruas rodeadas de prédios que me guiam a cada esquina que viro, e a cada praça que cruzo. Mal sabe eles que os desejo e os invejo, mal sabe eles que poder olhar de cima te mostra o quão tudo é grande e como somos nada. Um infinito azul, o verde denso, o horizonte como lugar mais desejado.

[20]

77 aproximação

Se me vejo em um espaço novo sinto a necessidade de explorar, de conhecer. Muitas das vezes nem sei onde estou, mas continuo a andar, vou observando tudo que está a minha volta, mesmo que seja uma pequena observada, algo me encanta e canta ao


21. Jardim da chácara Sta. Terezinha.

respirar, jardim 26/05/2018

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Na verdade, eu gostaria de voltar a ser criança, deitar na grama, me desligar desse caos todo e só imaginar desenhos nas nuvens. Gostaria de sentar na cadeira de praia colocada em cima da relva rasteira e não em bancos desconfortáveis, onde se pisa no chão de concreto, sem ao menos poder tirar o chinelo, me sentir em paz e novamente observar. De um jardim não tenho muito a falar, pois sou suspeito, assim como todos que um dia deitaram na grama. Para mim é indiferente qual jardim estou, seja no Campo de Marte em Paris, no Jardim da Torre de Belém em Lisboa, no Parque Bicentenário em Santiago, ou no jardim da Casa 2 da Chácara Santa Terezinha na avenida Pio XII.

[21]


22. Laguna Cejar, CL, Oceano Atlântico e Forte de São João Batpista, Menino brincando na água, Sesc 24 de Maio, Paulo M. da Rocha.

imergir, piscina 25/05/2018

tamanho, seja por isso que é o líquido da vida. A cada gota que cai do céu, que toca nossos corpos, o alivio de todos os problemas. Quem nunca teve o desejo de correr na chuva que atire a primeira pedra, mas que seja no rio, na lagoa, no mar ou até mesmo na piscina, assim vamos ver quem joga a pedra mais longe no líquido da vida. Tudo é brincadeira, tudo se torna sorriso, que engraçado. Já pensei em ser um pássaro, mas acho que me tornaria um peixe simplesmente por viver na água. Viver a água Não, pensando bem seria um surfista, assim conseguiria sentar na minha prancha e observar o horizonte sem fim, a praia e as pessoas, e o morro lá no fundo bem distante, assim como as praias são de ribeirão. Vai ver seja esse o desejo de me mudar...

[22]

79 aproximação

Necessidade de sentir, de tocar, de estar dentro e fora, de tocar, nem que seja só com a pontinha do pé, ou até mesmo só olhar. Olhar com admiração e intriga, como pode ser tão leve, fluida, de uma sensibilidade sem


23. Sobrevoo sobre a cidade de CĂşcuta, COL, 2017.

80

[23]


24. Jardim na casa 02, Chácara Sta. Terezinha, Ribeirão Preto.

aproximação

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[24]


25. Chuveirada.

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[25]


sempre é uma troca curiosa: à medida que me assento em um espaço, o espaço se assenta em mim. Vivo em uma cidade e a cidade vive em mim. Estamos em um constante intercâmbio com nossos entornos; internalizamos o entorno ao mesmo tempo que projetamos nossos próprios corpos – ou aspectos de nossos esquemas corporais – no entorno. Memória e realidade, percepção e sonho – tudo se funde.” 38

O raciocínio de Pallasmaa exemplifica meu pensamento, e afirma que a memória pode ser gerada a partir do corpo, gerando experiências multissensoriais, e não somente da imagem que deriva da visão. O filósofo Maurice Merleau ressalta que as percepções coletadas se dão de forma integrada nos âmbitos sensoriais: “Minha percepção não é uma soma de dons visuais, táteis e auditivos: eu percebo em uma maneira total com todo o meu ser – percebo uma estrutura única da coisa, uma maneira ímpar de ser, que fala a todos os meus sentidos ao mesmo tempo.” 39 Pallasmaa acredita que os lugares e edificações são sentidos como experiências multissensoriais, pois “o confrontamos com todos os nossos sentidos de uma só vez e o vivenciamos como parte do nosso mundo existencial. ” Edifícios, casas e qualquer obra arquitetônica ou de arte possui características auditivas, táteis, olfativas e gustativas que conferem a nossa percepção visual, diz Pallasmaa. 40 Ainda na abordagem da supremacia da visão sobre os demais sentidos, se acredita que a experiência multissensorial acontece no momento em que colocamos nosso corpo no centro, a fim de extrair daí uma experiência corporal. Pallasma, baseado na teoria de Merleau, descreve “as experiências sensoriais se tornam integradas por meio do corpo, ou melhor, na própria constituição do corpo e no modo humano de ser. ” 41

38. PALLASMAA, Juhani, Essências São Paulo, GG , 2018. p.23 39. ibid. p.9 40. ibid. p.56-58 41. PALLASMAA, Juhani, Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, Porto Alegre, Bookman , 2011. p.37-38 42. ibid. p.39-41

A arquitetura é sentida pelo corpo, na superfície da pele, que absorve as emoções a partir das modalidades de sentidos. O filósofo Steiner, pressupõe que usamos doze sentidos ao invés de cinco; “tato, senso de vida, senso de auto movimento, equilíbrio, olfato, paladar, visão, senso de temperatura, audição, senso de linguagem, senso conceitual e senso de ego. ” 42 As nove “atmosferas” citadas por Zumthor, se equiparado com o pensamento dos dozes sentidos de Steiner, possui semelhanças por meio dos próprios sentidos. A leitura individual e sensível de Zumthor sobrevém da aspiração coletada pelo corpo e mente a partir dos sentidos recolhidos durante suas expe-

83 aproximação

“A experiência de um lugar ou espaço


84

riências vividas, de tal maneira que se incorpora no próprio pensamento de Steiner e se tornando uma coisa única.

mapa 10 - fusão entre atmosferas e sentidos as nove atmosferas de Zumthor e os dozes sentidos de Steiner se unem, se tornando um só.


o som do espaço a consonância dos materiais

a temperatura do espaço entre a serenidade e a sedução

as coisas que me rodeiam a luz sobre as coisas

a tensão entre interior e exterior

12

tato

senso da vida senso de automovimento equilíbrio

paladar

olfato

visão senso de temperatura

audição

senso de linguagem senso conceitual senso de ego

aproximação

85

9

o corpo da arquitetura


arquitetura


.

dissolução

A escrita desde o início se mostrou uma das principais ferramentas e meio no qual enxerguei a possibilidade de expressar minhas ideias e sentimentos. Assim como Rasmussen, em seu livro Arquitetura vivenciada, busco mais uma vez compartilhar através das palavras o meu pensamento e entendimento sobre três projetos de escalas e finalidades distintas, porém, com um ponto semelhante: o movimento do corpo no espaço,

mente pela adição de planos e seções a alçados. É algo diferente e algo a mais. É impossível explicar precisamente o que é – seus limites não estão, em absoluto, bem definidos. De um modo geral, a arte não deve ser explicada; deve ser sentida. Mas por meio de palavras é possível

seja no urbano como no projeto Tussem-ruimte, no interior do edifício, Pavilion Saya Park, ou em uma pequena transição entre exterior e interior, no Serpentine Gallery Pavillion de Zumthor.

ajudar outros a senti-la, e é isso que eu tentarei fazer aqui ”

43

A dissolução aqui acontece não no objeto edifício, mas no movimento do corpo ao percorre-lo, como se a cada passo dado, o sentimento fosse se diluindo e ficando retido em cada pedaço do projeto, restando apenas os sentimentos de lembranças e memórias, que só podem ser acessadas novamente ao retornar no território.

P

serpentine gallery pavilion, Peter Zumthor, 2011

M pavilion saya park, Alvaro Siza , 2018

G 43. RASMUSSEN, S.E. Arquitetura vivênciada, São Paulo, Martins Fontes, 1986. p.1

tussem-ruimte, Jarrik Ouburg, 2010

87 arquitetura

“A arquitetura não é produzida simples-


88

Iniciaremos os estudos da maior para a menor escala. Amsterdan, a cidade holandesa dos canais possui desde seu início uma forte relação com a água. Foi a partir da construção de um dique para o rio que se originou o povoado e a cidade de Amsterdam. Tal relação entre território e agua – nomadismo, ou seja, aquele que não se finca e está sempre a flutuar - e terra - sedentarismo -, ao passar dos séculos foram desenhando o espaço urbano. Ao longo dos quatrocentos anos da ocupação dos canais, Amsterdam colecionou diversos “becos e fendas” – espaços residuais – de dimensões mínimas que eram utilizados para transporte de cargas por cavalos e ligações entre os canais. Hoje eles deixam de lado sua subutilização e passam a receber novos usos e significados para a cidade. O projeto Tussem-ruimte (espaço entre) desenvolvido inicialmente por três escritórios (Jarrik Ouburg, Non-fiction e TAAK) e apoiado pela prefeitura da cidade de Amsterdam, buscou mapear e propor instalações arquitetônicas nos becos. A iniciativa colocada em discussão é necessária no pensamento de possibilidades de intervenções em nossas cidades, em especial, os centros urbanos. A decisão por leitura deste projeto é distinta do motivo da escolha do projeto de Museu de arte Saya Park, mesmo compreendendo que o espaço percorrido resulta em um fim, seja no projeto de Siza, um percurso interno e assim, portanto, na escala do próprio edifício, ou como neste estudo de caso, onde o percurso se dá em busca de espaços que constituem a cidade, logo, em uma escala maior. O que motiva a escolha do projeto como estudo de referência é a sua afirmação como sobrevivente de alguma forma, mesmo sabendo que seu surgimento se dá pela sobra, os espaços com suas características singulares, são atribuídos valores nos quais o qualificam e por consequência se lançam como pontos nodais no território. Em outros pensamentos - ja mostrado anteriormente - a presença de dois elementos; os becos como menires, como território, e a deriva - o descobrimento e o movimento. O mapeamento dos cinquenta e seis becos ao


26. Cinquenta e seis becos encontrados no canal de Amsterdam, Office Jarrik Ouburg, Non-fiction e TAAK, 2013.

arquitetura

89

[26]


27. Interior da primeira intervenção nos ‘becos’ de Amsterdam, Office Jarrik Ouburg, 2013.

90

[27]


28. Fotos das fachadas dos ‘becos’ para a cidade de Amsterdam, Office Jarrik Ouburg, Non-fiction e TAAK, 2013.

arquitetura

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[28]

longo da região dos canais, intensifica a ideia de dissolução na malha urbana por meio de terrenos vazios ou subutilizados no quadrilátero, assim como as incontáveis possibilidades que esses “becos” - por assim dizer - podem originar. O estudo de caso nessa ocasião, passou não só a abrir meus olhos, como a abrir as possibilidades a todos. Passamos da escala territorial para a escala do edifício. O Museu para dois Picasso (1992) projeto pensado para a maior cidade da Espanha - Madri, foi desenvolvido para abrigar duas obras de Picasso - Guernica e La femme enceite, dispostas separadamente, ou melhor, dispostas exclusivamente cada uma em uma galeria, e assim o projeto se fez. Em sumo; Duas obras, duas galerias, duas entradas, ou como diz Siza, duas escolhas em momento diferentes - a cidade e a natureza, a vida e a morte – “confinadas” em


29. Luz sobre interior, Saya Park Pavillion, Alvao Siza, 2018.

92

[29]


divide as duas galerias criando um percurso arquitetônico mais compreendido como uma escolha arquitetônica, assim como da busca da luz e sua própria ausência, que, em contraposição geram um jogo de sombra que te enlouquece ao mesmo tempo que te possibilita a vivenciar o espaço. Essa última citada, em especial, é essencial na arquitetura, como mesmo cita Zumthor – “a luz sobre as coisas” - talvez pelo fato de estar tão presente a vida cotidiana e a um dos sentidos do corpo mais relevantes no mundo contemporâneo – a visão. Talvez, podemos arriscar em dizer que a palavra transposição é outra que o arquiteto explorou. De acordo com o dicionário; s.f. Ação ou efeito de transpor. Transpor por sua vez; v.t.d.1. Pôr (alguma coisa) em lugar diverso daquele em que ele estava; 2. Inverter a ordem de; 3. Passar efeito de transplantar. Tais mudanças são características de Siza e podemos visualizar em outros projetos como as Piscinas de Leça das Palmeiras, onde um muro de concreto, delimita a praia, as rochas e o oceano da zona urbana. Em ambos projetos, o acesso não é colocado apenas como caráter de começo, mas como limite daquilo que se inicia pela contextualização daquilo que já se faz presente e não pela soleira da porta – se levarmos ao pé da letra. O projeto Museu para Dois Picasso (1992) no qual me debruço em tentar compreender é citado aqui como referência com outro nome - Pavilhão de arte Saya Park (2018). Ambos projetos são um só, a alteridade - diferença – fica por conta do próprio território, pois agora o projeto se concretiza em terras orientais, na Coreia do Sul.

93 arquitetura

um único objeto - a arquitetura a seu favor. Para Siza o oposto, a alteridade como ele mesmo fala, é essencial para a concepção do projeto. Compreendo assim tal alteridade que o arquiteto cita, e como se converte em elementos que compõem o próprio edifício; a partir de uma pequena “marquise” ao adentrar no espaço - que por sua vez é coberto -, no dentro e fora, no jogo de altura, ou na quina que avança sobre o corpo e que


30. Divisão entre as galerias, Saya Park Pavillion, Alvao Siza, 2018.

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[30]

Ainda na escala do edifício, porém, em uma dimensão mais próxima a escala humana, o Serpentine Gallery Pavillion, ou como eu gosto de chamar, ‘os jardins da vida’ de Peter Zumthor é o estudo de caso no qual direcionamos a atenção nesse momento. A escolha pelo projeto se dá não só por si mesmo, como também o interesse em se estudar um projeto de Zumthor. O Serpertine Gallery do arquiteto foi concebido no ano de 2011, cinco anos após sua palestra ‘Atmosferas’. O projeto se desenha através de uma


31. Croqui da planta e elevações, Serpentine Gallery Pavillion, Peter Zumthor, 2011.

arquitetura

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[31]

forma retangular, envelopada por uma fina camada de um tecido preto sobre uma estrutura de pórticos de madeira. O projeto é sutil, porém, visível, entretanto, não se mostra por inteiro, apenas conduz o visitante para dentro do jardin. A condução fica “na soleira da porta”, e desse momento em diante a sedução entra em jogo – entre a serenidade e a sedução. O acesso ao jardim é dado por aberturas que projetam a luz no corredor que rodeia todo o projeto. Podemos visualizar aqui a tensão entra interior e exterior, a luz sobre as coisas. Da passagem para a segunda porta para o interior, não se vê nada mais do que um jardim central, com inúmeras espécies de flora, de diferentes cores, tamanho, cheiros. Alguns bancos e mesas espalhados em torno do jardim, e o corpo da arquitetura que cria uma simples atmosfera paralela do exterior. Aqui tudo é interior, desde cores a sentimentos. É possível visualizar neste projeto quase todos os aspectos atmosféricos que Zumthor evidência. A consonância dos materiais, as coisas que me rodeiam, entre a serenidade e a sedução, a tensão entre interior e exterior, o som do espaço, a luz sobre as coisas. Com isso, Zumthor cria não só mais um pavilhão anual, mas sim um momento, que para alguns, assim como para ele, faz reviver algumas lembranças da vida.


32. TensĂŁo entre interior e esterior, Serpentine Gallery Pavillion, Peter Zumthor, 2011.

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[32]


33. Tela que envolve e reveste toda estrutura em madeira, Serpentine Gallery Pavillion, Peter Zumthor, 2011.

arquitetura

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[33]


98


.

estudos de arquitetura

contrário do que se poderia supor numa primeira impressão, multiplica o seu interesse arquitetônico e a sua potência discursiva, porque ele agora “fala” através de cada coisa que compõe o ambiente no qual ele se insere. ”

44

O caminho até aqui construído, delineia as ações e as hipóteses de operações para se fazer arquitetura em um espaço no qual, por muita das vezes é dado como obsoleto. Tais operações são lançadas na cidade como respostas práticas. Me baseio em Bucci, acreditando fazer do edifício explodido e logo dissolvido na cidade, portas para a multiplicação do seu potencial no ambiente urbano. O quadrilátero como estudo de caso, informa o modo de operar. As quatro operações antecedem o pensamento de programa. Retiro das relações encontradas no ‘lugar’, inserido na cidade e do homem que nela a faz presente. As operações a seguir mantem os ativadores das memórias iniciais deste trabalho; observar, respirar e imergir, com tudo, mais do que meras funções, os três desejos iniciais surgem como resposta para se pensar em espaços público na cidade, afim de intensificar a relação do homem com a área central. Assim, os edifícios desse estudo são extensões das possibilidades de ambientes de lazer com frequentação diária. Espaços de encontro, pausa e apreciação.

44. BUCCI, A. São Paulo, razões de arquitetura; Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes, São Paulo, Romano Guerra, Coleção RG bolso, 2010. p.131

O percurso apresentado é o resultado das três derivas realizadas na área central de Ribeirão Preto, bem como a seleção dos quatro terrenos. O trajeto com setecentos e vinte metros e envolve uma malha perimetral de cento e onze mil e duzentos e vinte e cinco metros quadrados que inicia na Rua São Sebastião, em frente ao primeiro terreno, seguindo em um sentido único, que passa pelo segundo e terceiro terreno, com distâncias semelhantes entre si. A medida que avança, o trajeto passa pelo calçadão da Visc. De Inhaúma até chegar no calçadão da Rua General Osório, onde se encontra o ultimo terreno, sendo esse o único com uma pré-existência relevante. A escolha dos terrenos se deu de forma natural à medida que as derivas aconteciam, sendo eles, resultados de momentos de um olhar mais direcionado para seus usos. Os lotes possuem similaridades entre si, estão vazios ou subutilizados. Estão inseridos sempre no meio de algo, seja do fluxo intenso de pessoas, automóveis, entre edifícios e usos diversos.

99 arquitetura

“Portanto, a dissolução do edifício, ao


eu vivido

I.

significado memórias

II.

espaço vivênciado

sentimentos

I.I

transitar

significado na arquitetura território

cidade homem vivências I.I

sentimento e sentidos memórias II.I

mapa 13 - fluxograma do eu a arquitetura, desenvolvimento em forma de fluxo esquemático. se le da direita para esquerda, de cima para baixo, do eu ao projeto. resultado base


arquitetura

101

território

espaço vivênciado/ existêncial deriva

I.II

memória perceptiva II.I

referências

imaginação

projeto


+534,00

+541,00

+540,00

mapa 15 - percurso definido resultado das trĂŞs derivas feitas com os quatro terrenos selecionados. percurso, 720 mts

mapa 16 - malha perimetral o trajeto definido abrange uma ĂĄrea de mais cento e vinte mil metros quadrado, envolvendo todo o entorno.


arquitetura

103

mapa 17 - momentos os terrenos escolhidos sĂŁo reflexos de momentos de euforia que alimentavam as derivas constantemente.

1:6000


1

2


mapa 18 - percurso + lotes resultado das três derivas feitas com os três terrenos selecionados em perspectiva. percurso, 720 mts

observar rua general osório, 373

arquitetura

105

respirar rua barão do amazonas, 568

3

imergir rua são sebastião, 1030


1.observar

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endereço: rua general osório, 373 dimensão: 5,40m x 4,75m área: 25,75m² cota trajeto: +534,00

Sempre a olhar para frente, pessoas cruzam de um lado para o outro, sobem e descem o calçadão, a todo momento anunciam seus produtos, andam sem parar, e só param para comprar. Aqui não se respira, parece

uso: belvedere

faltar ar, como diz chacal, “mix de finalidade interior e casualidade exterior”, assim como ele, aqui tudo me interessa, pessoas e imagens, pausar e respirar, talvez para se encontrar em meio a tudo isso. A torre existente se eleva em mais alto nível de casualidade com seus seis pavimentos existentes que passa carregar a oportunidade de ver a cidade e tudo aquilo que está em baixo de outra forma. Dois momentos de parada, no primeiro se vê a multidão que passa de um lado para o outro. Logo acima e o segundo momento chega. Aqui Já não se ouve as vozes lá de baixo, apenas se ouve.


A circulação contínua em volta da caixa de elevador iluminada pelas pequenas aberturas de vitro basculante permanecem sem intervenção, reconhecendo o potencial ali existente. À medida que o usuário vai subindo os pavimentos de pé direito variado a relação com o contexto varia. Em um primeiro momento, logo ao entrar o sombrio, escuro e estreita circulação da torre sem iluminação rompe a relação com o que está no exterior. Logo, nos pavimentos seguintes a sensação de não saber para onde está indo intriga o observador a continuar, lhe conferindo-nos dos últimos pisos uma relação visual na qual a cidade, os edifícios e seu entorno, e as pessoas se torna os elementos principais a serem observados. Contudo, aqui o usuário já está exposto, e não cabe só a ele a capacidade de observar ou ser observado.

107 arquitetura

No calçadão da rua General Osório, ao lado do edifício Meira Júnior, uma torre de circulação com cinco pavimentos funciona como acesso ao prédio ao lado que conta com uma série de salas com diversos usos.


34. Estudo inicial em maquete fisica, primeira banca.

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[34]


inserção no território

s/n


1º to

en

m

vi

pa 1º to

en

m

vi

pa 1º to

en

m

vi

pa 1º to

en

m

vi

pa

diagrama 01 - cenário existente

diagrama 02 - função

a torre existente se encontro na área de maior fluxo no quadrilatero, em frente ao calçadão da General Osório, onde o comércio é o maior gerador de permanência diária.

a torre existente tem o uso único de dar acesso ao edíficio ao lado por meio das escadas e do elevador.


diagrama 03 - verticalizar para ver

diagrama 04 - proposta

a torre se abre para a população, e os eleva, promovendo dois momentos de pausa e apreciação.

a intervenção é mínima, e carrega consigo a possibilidade de enxergar a cidade por outra perspectiva.


rua amador bueno

elevação


observar

edĂ­ficio meira junior

rua ĂĄlvares cabral

0

1

5

10


S

planta tĂŠrreo

0

1

3

5


S

planta pavimento 1 +6,15

0

1

3

5


S

planta pavimento 4 +15,67

0

1

3

5


D

planta pavimento 5 +19,62

0

1

3

5


35. Vista para ultimo pavimento.

118

[35]


36. Vista para praรงa XV de Novembro.

arquitetura

119

[36]


37. Vista frontal para calçadão na altura de 21,30m.

120

[37]


corte longitudinal aa

0

1

3

5


45. PALLASMAA, Juhani, Essências São Paulo, GG , 2018. p.112 possibilidades formais?

“Após estar há cinquenta anos investigando o fenômeno da arquitetura como arquiteto, escritor e professor, não hesito em afirmar que o sentido mais importante na experiência da arquitetura não é a visão, mas nosso senso existencial.” 45


arquitetura

123


2. respirar

124

endereço: rua barão do amazonas, 568 dimensão: 26,70 x 9,50 área: 253,65m² cota trajeto: +541,00 uso: jardim

Parado estou, estacionado no meio da quadra, entre edifícios verticais em uma malha horizontal que escorre feito água em uma canaleta, assim são os automóveis que percorrem a cidade que se adentram para aqui estacionar. Toda hora, entra por um dos cantos, sai ao lado, e o meio, bem, o meio sempre fica vazio. O estacionamento aqui citado tem uma forte relação com o meio. Nele o espaço se organiza, e se faz funcional para sua função. Agora o meio é ocupado, e é o espaço que organiza, que conecta, mas que separa os ambientes adjacentes. Seu contato com o exterior é aberto, e instiga aquele que passa por alí.


dificar seu uso para que se torne um vazio de acesso público então. O pequeno estacionamento agora se torna um espaço de pausa, respiro e troca. A partir da leitura existente de sua função e a forma como a atividade se organiza. O eixo central vazio utilizado para manobra dos veículos é ocupado por um denso jardim de flora brasileira, que organiza em todo seu perímetro os espaços de pausas. A estrutura em vergalhão constrói o vazio e sustenta dois caixotes ocos de concreto a 2,40m de altura que guiam os usuários aos bancos de parada, além de garantir espaço de sombra e marcar o movimento pelas bordas do terreno. Não mais que um jardim. É dessa maneira como essa operação acontece. Alguns bancos espalhados, uns mais largos, outros mais inseridos no terreno, outro quase como um mobiliário de rua. Uma pequeno bloco com ferramentas para manutenção para as plantas e uma torneira com água.

125 arquitetura

No meio da rua Barão do Amazonas, um estacionamento de dimensão pequena é o único lote da quadra que se tem sua função a partir do vazio e não construído. O centro de Ribeirão Preto já ultrapassa o número de 135 estacionamentos em todo quadrilátero. O fato de se ter um vazio atrelado a uma função particular desperta o interesse de intervenção em se operar a partir do não construído, ou de construir o vazio e mo-


38. Estudo inicial em maquete fisica, primeira banca.

126

[38]


inserção no território

s/n


sa

rad

a íd

ent

a

1.70± diagrama 05 - paradas diagrama 01 - estacionamento existente. o estacionamento existente se organiza através de um centro para a acomodação e manobra dos automóveis. diagrama 02, 03, 04 - vazio e cheio se retira os automóveis e o meio vazio passa a ser ocupado por um denso jardim.

são inseridos os espaços de pausa e permanência entorno do jardim diagrama 06, 07 e 08 - sistema malhas metálicas são inseridas como elementos de composição estrutural e material, carregando em si uma leitura de um jardim impermeável pelo corpo e penetrável pelos diversos olhares.


04x 06x 08x 14x 32x 44x

diagrama 09 - tela

diagrama 10 - tela e treliça

diagrama 11- composição

se adora uma malha de radier de diferentes tamanhos para formar os módulos.

soma-se a ao módulo com dimensões ja definidas a treliça nervurada utilizada na construção de lajes

a partir dos módulos dimensionados, se repete a operação o suficiente para formar conjunto de paredes/estruturais abertas.

diagrama 12 - proposta o conjunto é dividido por 11 grupos de dimensões variadas. os grupos g1 até g8 são conjuntos que nascem no chão e chegam até 5,00m de altura, onde encontrem os demais grupos que recebem a cobertura, exceto os grupos g5, g7 e g8, esses com 3,00m. 0 RA 3.0EBRTU

CO

g9

g11

0 RA 2.4EBRTU

g10

CO

0 O 3.0GALHÃ R

VE

0 RA 2.4EBRTU

CO

g6 g5 g7 g4 g7 g8 g1

g2 g3


respirar

rua américo brasiliense

elevação


rua são sebastião

0

1

5

10


planta tĂŠrreo

0

1

3

5


planta cobertura +5,00

0

1

3

5


39. Vista do banco para o jardim.

134

capim iris sibiríca philodendron xanadu estrelítzia yucca filamentosa canna indica resedá

[39]


40. Vista do banco para o jardim.

arquitetura

135

[40]


41. Vista da calรงada para dentro.

136

[41]


42. Vista do outro lado da calรงada para o jardim.

arquitetura

137

[42]


corte longitudinal aa

0

1

3

5


por trรกs da visรฃo


3. imergir

140

endereço: rua são sebastião, 1030 dimensão: 46,50 x 7,00 área: 325,50m² cota trajeto: +540,00 uso: piscinas

Estou onde não sou visto, exprimido entre duas empenas que faz parecer a imagem de um cânion. Talvez seja por isso que nada existe aqui. A percepção do terreno sem ocupação na são sebastião me faz pensar sobre nosso olhar e contato com os rios que deram início na cidade e que aos poucos vão sendo canalizados e esquecidos pela malha urbana que cresce e se modifica a cada vez que se faz necessária para ‘reparar’ alguma problemática, na maioria das vezes viária. O vazio é inundado por água e nela se faz presente em três momentos diferentes; 1. Rasteiro, com a ponta dos pés os usuários se permeiam sobre o térreo molhado. 2. Com mais da metade do corpo, nas piscinas de relaxamento e piscinas infantis. 3. Com os olhos, no imenso céu azul de ribeirão. O espaço vazio agora é ocupado pelo elemento que nos mantem vivos, a água em suas diferentes formas.


A características do terreno ditam sua organização e acomodação espacial. A partir de uma rampa central, seis pisos são distribuídos em seu eixo longitudinal. Do lado mais próximo à rua São Sebastião ficam os tanques de água e do oposto, toda a parte se infraestrutura (escada, elevadores, banheiros, acesso a área administrativa, lanchonete e serviços). Com isso, para acessar cada piso é necessário vencer uma altura em rampa de 2.50 metros. O edifício, com pouca iluminação natural devido aos grandes edifícios que o circundam, tira partido da própria ausência de luz. A medida que o usuário vai subindo cada piso, a visão para dentro dos tanques vai se tornando mais nítida. Contudo, o edifício um pouco escuro, com paredes ásperas de concreto, com o chão revestido em basalto preto e úmido pelas pegadas dos usuários que se movimentam no espaço, se apresenta como o próprio edifício que imerge sobre si.

141 arquitetura

Na rua São Sebastião, entre duas torres que formam um cânion é onde a água surge. O terreno estreito, alongado e vazio se destaca pelas empenas que o encerram. Ao passar na rua caminhando, o olhar é puxado para cima e logo para a frente. “O que será aqui?”. O vazio de 7x45 passa a emergir sobre a terra. Se manifesta verticalmente compondo o cânion existente, e dá a possibilidade de os usuários imergirem em si.


43. Estudo inicial em maquete fisica, primeira banca.

142

[43]


inserção no território

s/n


3 2 1 eo r r é

?

t

diagrama 02 - multiplicação

o terreno se encontra entre duas torres residências laterais com mais de dez pavimentos e outras duas a sua frente, projetando sombra na maior parte do dia.

verticaliza para se ganhar mais área útil.

diagrama 03 - divisão

diagrama 04 - programa

divide-se os pisos de cada pavimento em dois, separando seus usos.

o programa é dividido em três; piscinas, infraestrutura e administração.

rre

o

diagrama 01 - vazio existente

-1

diagrama 05 - circulação a rampa central conecta e organiza os programas, piscinas e infraestrutura, deixando as escadas e elevadores para uso de serviço e administração.


135m


imergir

rua são josé

elevação


rua cmte. marcondes salgado

0

1

5

10


área técnica maquinas

administração

banheiro fem.

copa almox.

banheiro masc.

S

dml

planta inferior -4.85

0

1

3

7


térreo

S

recepção

planta térreo +0,15

D

S

lanchonete café

0

1

3

7


44. Vista entrada tĂŠrreo.

150

[44]


calรงada

S

pav1

banheiro masculino

planta pavimento 1 +2,75

0

1

3

7


cascatas 28°C

tanque 02 relaxamento 28°C

pav2

S

S

pav1

planta pavimento 2 +5,25

0

1

3

7


45. Vista interior do tanque 01 [28°C].

arquitetura

153

[45]


46. Vista interior do tanque 01 [28°C].

154

[46]


pav2

S

pav3

S

banheiro feminino

planta pavimento 3 +7,75

0

1

3

7


47. Vista do pavimento 3 para tanques.

156

[47]


tanque 03 34°C

S

S

pav3

planta pavimento 4 +10,25

0

1

3

7


48. Vista interior do tanque 03 [34°C] para janela.

158

[48]


pav4

S

S

pav5

planta pavimento 5 +12,75

0

1

3

7


tanque 04 34°C

pav6

D

S

pav5

planta pavimento 6 +14,25

0

1

3

7


49. Vista interior do tanque 03 [34°C] para janela.

arquitetura

161

[49]


162

D

reservatório

D

área técnica

D D reservatório

planta cobertura +19,05

0

1

3

7


1

3

corte longitudinal aa 0

7


da rua ao rumo

164

do ínicio para a primeira banca

O desenvolvimento deste trabalho até aqui se mostrou uma tarefa árdua e diária desde o seu início, porém apaixonante. O tema escolhido e linha de pesquisa seguida refletem meus pensamentos e desejos atuais, sendo assim, esse trabalho apresentado a todos aqueles que leem conta muito mais do que uma pesquisa teórica e prática, mostra os meus sentimentos mais sinceros daquilo que penso e sou como pessoa, assim como a própria montagem e organização do caderno contam um pouco do meu gosto pessoal e um tanto obcecado por se pensar em coisas simples e limpas. Para a continuidade desse estudo, os próximos passos a dar são em direção aos estudos e desenvolvimento dos projetos, que desde já se mostrou uma atividade desafiadora pela proposta de se pensar em quatro projetos ao mesmo tempo. Acredito que me debruçar sobre tudo aquilo que desenvolvi, em especial, as teorias, os momentos vivenciados, assim como defender aquilo que apresento irão me dar força e suporte para o próximo semestre.

da primeira para a segunda banca

Após a defesa da primeira banca de avaliação a aprticiação dos professores, Onésimo Lima, Ana Ferraz e meu orientador Fernando Gobbo, os passos seguintes foram em direção a análise de todo os estudos realizado e apresentado, posteriormente ao desenvolvendo prático das propostas de projetos. A conclusão de pausar o desenvolvimento do cine e comedoria (um dos quatro projetos) após questionamentos referidos a banca anterior, possibilitou uma melhor compreensão da proposta de estudo, no qual se vincula aos desejos iniciais de 2017. O desenvolvimento dos três projetos para a apresentação final será daqui em diante a continuação deste estudo apresentado até o momento. Evoluir graficamente nas representações em conjunto com o desenvolvimento e correções de alguns detalhes do caderno será outro objetivo no qual vou me debruçar.


do início ao final

Chegar até aqui foi uma atividade que exigiu persistência e entrega. Desde o início, onde o tema ainda era incerto e confuso no qual demandou leituras e pesquisas bibliográficas variadas para encontrar uma direção a tomar, foi o período de maior desentendimento com o trabalho, pois o desejo de inserir memórias pessoais e experiências vividas e fazer com que elas se ajustassem a uma pesquisa teórica para que não ficasse um trabalho egotista se parecia difícil fundamenta-lo e estabelecer uma relação entre si. Contudo, acredito que a compreensão sobre trabalho se consolidou nesta ultima etapa. A de realizar operações de arquitetura a partir da metodologia prática experenciada do ato de caminhar sobre um território e extrair respostas e condicionantes para se chegar a possibilidades de se pensar em espaços de uso público para a cidade. Percebo que toda a dedicação aos seis anos de estudo na faculdade de arquitetura me modificou como pessoa. Acredito que o maior ensinamento que tive ao longo desses anos, foi o de perceber as coisas de forma diferente, e como tudo pode possuir diversas possibilidades. Por isso, talvez esse trabalho não tenha saído como imaginado em seu início, mas se apresenta a partir de mais uma, de inúmeras possibilidade de desenvolvimento.

165


bibliografia

166

bibliografia

Brasil, 2009

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trabalhos finais de graduação, tfgs CARLOVICH, Fernanda. Projeto de um edifício em explosão. Trabalho final de Graduação. FAUUSP, 2015. GIUNTI, Pedro. Memórias de uma travessia. Trabalho final de Graduação. FAUUSP, 2016. TAVARES, Luís Fernando. Visões da Cidade. Trabalho final de Graduação. FAUUSP, 2013.

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