Bocage. Antologia Poética

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Bocage ANTOLOGIA POÉTICA Ilustrações de André da Loba



Bocage ANTOLOGIA POÉTICA

Ilustrações de André da Loba Edição literária de Carlos Nogueira



ÍNDICE

I. MAGRO, DE OLHOS AZUIS, CARÃO MORENO

11

II. APENAS VI DO DIA A LUZ BRILHANTE

16

III. CAMÕES, GRANDE CAMÕES, QUÃO SEMELHANTE

19

IV. MARÍLIA, NOS TEUS OLHOS BULIÇOSOS

20

V. Ó TERRA, ONDE OS SEUS DONS, OS SEUS FAVORES

25

VI. Ó RETRATO DA MORTE! Ó NOITE AMIGA

26

VII. OS GARÇOS OLHOS, EM QUE AMOR BRINCAVA

29

VIII. O CÉU, DE OPACAS SOMBRAS ABAFADO

30

IX. LEMBROU-SE NO BRASIL BRUXA INSOLENTE

35

X. CONHECEM UM VIGÁRIO DE CHORINA

36

XI. TU, MALIGNO DRAGÃO, CRUEL HARPIA

38

XII. SANHUDO, INEXORÁVEL DESPOTISMO

43

XIII. JÁ BOCAGE NÃO SOU!... À COVA ESCURA

46

Autor: BOCAGE

53

Ilustrador: ANDRÉ DA LOBA

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Treze poemas em cada livro, treze poemas como treze luas, como os treze poemas do calendĂĄrio lunar. A lua, esse ser cambiante que muda a sua face de espelho circular. Senhora das marĂŠs, astro da fecundidade. Ritmos lunares para dar medida ao tempo, ao tempo poĂŠtico.


Bocage ANTOLOGIA POÉTICA






I

Magro, de olhos azuis, carão moreno, Bem servido de pés, meão na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno. Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura; Bebendo em níveas mãos por taça escura De zelos infernais letal veneno: Devoto incensador de mil deidades (Digo, de moças mil) num só momento, E somente no altar amando os frades: Eis Bocage, em quem luz algum talento; Saíram dele mesmo estas verdades Num dia em que se achou mais pachorrento.

11



II

Apenas vi do dia a luz brilhante Lá de Túbal no empório celebrado, Em sanguínio carácter foi marcado Pelos destinos meu primeiro instante. Aos dois lustros a Morte doravante Me roubou, terna Mãe, teu doce agrado, Segui Marte depois, e enfim meu Fado Dos Irmãos e do Pai me pôs distante. Vagando a curva Terra, o mar profundo, Longe da Pátria, longe da Ventura, Minhas faces com lágrimas inundo; E enquanto insana multidão procura Essas quimeras, esses bens do mundo, Suspiro pela paz da sepultura.

16



Bocage SetĂşbal, 1765 - Lisboa, 1805


Soldado, guarda-marinha e, nos últimos anos, tradutor, Manuel Maria Barbosa du Bocage teve uma vida breve mas intensa. Entre 1783 e 1786, era já conhecido, em Lisboa, como o poeta da resposta pronta e inesquecível. A vida e a poesia de Bocage confundiam-se já e continuariam a cruzar-se. De Setúbal vai para Lisboa e daqui para Goa, com uma escala de dois meses no Brasil; passa por Damão, foge para Macau, aportando primeiro em Cantão, devido a uma tempestade, e regressa, em 1790, a Portugal. Boémio, antimonárquico e anticlerical, de espírito irritável e indomável, lutou pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa (o que lhe valeu alguns meses de prisão). Nos últimos tempos de vida, é um homem doente, arrependido e amargurado, mas vê o seu sofrimento suavizado pela presença dos amigos e dos rivais, que, apesar de tudo o que os opôs, lhe prestam tributo. Esta antologia poética de Bocage, ilustrada pelo artista plástico André da Loba, destina-se ao público em geral e, muito em particular, ao leitor juvenil. A explicação é simples. Bocage era, até há cerca de dez anos, um poeta lido e estudado no Ensino Secundário. Mas uma das muitas reformas baniu-o do convívio com os jovens portugueses (que já não associam o Bocage das anedotas ao Bocage poeta). No curto espaço desta apresentação não podemos fazer uma crítica às políticas que têm apagado dos programas de Português e da memória colectiva nomes incontornáveis da literatura portuguesa. Devemos, contudo, sublinhar bem que Bocage não pode ser esquecido. Ler este poeta é entrar na alma humana, nos seus mistérios, seus desejos e suas contradições. Daí estes treze poemas e estas ilustrações, que nos convidam a explorar o imaginário de Bocage. Conhecer estes sonetos é já, em parte, evocar a vida de um homem e de um poeta apaixonado, exaltado, rebelde, insatisfeito, perseguido, como ele próprio nos diz, pelo mesmo “fado” que atormentou Camões. Neoclássico por formação, Bocage é romântico no temperamento. Este conflito entre as convenções ornamentais e o conteúdo faz da sua obra um lugar de tensões. A novidade desta poesia, que reflecte a sua realidade cultural e ao mesmo tempo a ultrapassa, vem deste jogo entre o equilíbrio da arte poética clássica e a impetuosidade dos sentimentos e das emoções. Bocage canta a vida e a morte, as suas glórias e as suas misérias; canta o amor enquanto energia que o liberta e eleva a um estado de realização espiritual e sensorial; mas também dá a ver os sentimentos que, coexistindo com o amor, desde o ciúme à saudade, lhe trazem abatimento e desistência. E não esconde a sua inclinação para a polémica, o confronto e a sátira sociopolítica e pessoalizada, em que é um mestre incontestável. Bocage expõe sem complexos as suas aspirações e os seus abismos; por isso, tanto no lirismo amoroso e elegíaco como no lirismo satírico, é um poeta do seu tempo e do nosso tempo. Carlos Nogueira 53


AndrĂŠ da Loba Aveiro, 1979


Para Bocage, o maldito, ou o amaldiçoado, primeiro veio o amor. Ou melhor, muitos amores. Seguidos por outros tantos amores e muitas, muitas saias. Às flores, com raminhos, rodadas que viram, viram e viram... às vezes sete de cada vez! Ah, grande Bocage! Depois, claro, o inferno e o céu. A Marília. O meu, o teu e o só! Os montes e a morte. Escapou para o mar. Tardes de sol no estrangeiro. Tentar ser Camões. Sal, sereias, serpentes, olhos em bico e outros seres. Enquanto na França se cortavam males pela raiz, em Portugal fazia-se ao contrário. Plantavam-se males pela mesma raiz. Santos demasiado populares, regentes de luxo e políticas (im)populares. E o povo indigente. (des)Espera. Ao qual Bocage, sábio, ou simplesmente aborrecido, escreve: «Liberdade, onde estás? Quem te demora?» Até hoje... Dada a redundância de iluminar um iluminado, decidi aceitar o projecto, com a confiança inocente de não saber o que me esperava, e fazer pouco mais do que segurar a candeia. Pelo menos por agora... ou até ele voltar às escolas.

Aos meus Pais, ao Velho e ao Luís... e claro, ao Bocage! André da Loba

55



Epitáfio 1 De Elmano eis sobre o mármore sagrado A Lira, em que chorava, ou ria Amores. Ser deles, ser das Musas foi seu Fado: Honrem-lhe a Lira Vates e Amadores.

2 Este, com quem se ufana a pedra erguida, Ah!... se encantou com sonorosas cores… Já Bocage não é… não sois, Amores… Chorai-lhe a morte… e celebrai-lhe a vida…


Este livro convida-o a ler um poema por dia, ou por semana, ou mês lunar. Depois, pode deixá-lo a repousar numa estante, aberto na ilustração que quiser, que é, nem mais nem menos, a leitura que André da Loba fez das palavras do poeta, para deleite dos nossos olhos e do nosso olhar mais pessoal.

Desfrute-o!

Colecção: Treze Luas

© do texto: Manuel Maria Barbosa du Bocage, 2010 © das ilustrações: André da Loba, 2010 © desta edição: Kalandraka Editora Portugal Lda., 2010 Rua Alfredo Cunha, n.º 37, Salas 34 e 56 4450-023 Matosinhos - Portugal Telefone: (00351) 22 9375718 editora@kalandraka.pt www.kalandraka.pt

Faktoria K de Livros é uma chancela da Kalandraka Editora Edição literária: Carlos Nogueira Impresso em Gráficas Anduriña Primeira edição: Dezembro, 2010 ISBN: 978-989-8205-54-4 DL: 317536/10 Reservados todos os direitos




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