Florbela Espança. Antologia poética

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Ilustrações de Joana Rêgo

Florbela Espanca ANTOLOGIA POÉTICA



Florbela Espanca ANTOLOGIA POÉTICA

Ilustrações de Joana Rêgo Edição literária de Margarida Noronha e Joana Rêgo



ÍNDICE

VAIDADE

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SER POETA 10 PRIMAVERA 13 FOLHAS DE ROSA 14 PANTEÍSMO 17 DESEJOS VÃOS 18 OUTONAL 21 ALMA PERDIDA 22 SOBRE A NEVE 25 SUPREMO ENLEIO

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NAVIOS FANTASMAS

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A MINHA MORTE

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Autora: FLORBELA ESPANCA

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Ilustradora: JOANA RÊGO

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Treze poemas em cada livro, treze poemas como treze luas, como os treze poemas do calendĂĄrio lunar. A lua, esse ser cambiante que muda a sua face de espelho circular. Senhora das marĂŠs, astro da fecundidade. Ritmos lunares para dar medida ao tempo, ao tempo poĂŠtico.


Florbela Espanca ANTOLOGIA POÉTICA



VAIDADE

Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reúne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a Terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

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SER POETA

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente!

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Florbela Espanca Vila Viรงosa, 1894 - Matosinhos, 1930


Profundamente visceral, Florbela Espanca amou perdidamente, experimentou a solidão, o sofrimento, a tortura da paixão e do ciúme, refugiou-se na natureza, e ansiou pela felicidade e plenitude, apenas exequíveis no absoluto, como tão bem sabia! E tudo isso cantou nos seus versos, intimistas, acentuadamente femininos, intensos e eivados de erotismo. Pela sua obra de tom confessional e sentimentalista, a evocar António Nobre, e por isso próxima do neo-romantismo finissecular; pelo sábio uso do soneto, herança de Antero e de Camões; e portanto alheia aos ‘ismos’ emergentes, talvez tenha de facto vivido fora do seu tempo. Pela sua vida, porém, talvez nunca pudesse tê-lo vivido, ainda que o tivesse ou se tivesse encontrado. Filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo, empregada deste, Florbela nasceu em Vila Viçosa a 8 de Dezembro de 1894. Registada como filha de pai incógnito, tal como Apeles, seu irmão de sangue nascido em 1897, e que viria a falecer em 1927, num acidente de aviação, foi porém educada em casa do seu pai e da sua madrasta, Mariana Toscano, que não pudera ter filhos e que viria a ser a madrinha dos dois irmãos. Baptizada Flor Bela Lobo, cedo se autonomeou Florbela d’Alma da Conceição Espanca, juntando insolitamente o apelido da mãe ao do seu progenitor, que sempre a acompanhou, mas que apenas a perfilhou em 1949. Numa época em que poucas raparigas estudavam, Florbela frequentou o liceu de Évora, cujos estudos só concluiu em 1917, já depois do seu casamento a 8 de Dezembro de 1913 com Alberto Moutinho. Matriculou-se então na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, passando a frequentar os círculos culturais e literários da capital, e a colaborar em jornais e revistas. Em 1919, sofreu um aborto involuntário, que não só lhe marcou o final do seu casamento, como lhe terá infectado os ovários e os pulmões. Por essa altura, começaram a manifestar-se os primeiros sinais sérios da neurose que sempre a afectaria. Em 1919, publicou o Livro de Mágoas, quando frequentava o 3.º ano de Direito, curso que abandonou em 1920. Divorciou-se em 1921 de Alberto Moutinho, de quem já vivia separada, para se voltar a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Em 1923, sai o Livro de Soror Saudade, ficando o resto da sua obra a aguardar por edição póstuma. Na sequência de um novo aborto involuntário, divorcia-se e casa-se, em 1925, com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Cada vez mais debilitada, física e psicologicamente, e depois de duas tentativas de suicídio malogradas, morreu a 8 de Dezembro de 1930. Apesar de, oficialmente, a causa da sua morte se dever a um «edema pulmonar», a verdade é que os dois frascos de Veronal encontrados vazios debaixo do seu colchão apontam mais para um suicídio premeditado, do que para um acidente, como alguns defendem. Em 1964, o seu corpo foi transladado para Vila Viçosa, essa terra alentejana a que tão «entranhadamente» queria. Margarida Noronha

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Joana RĂŞgo Porto, 1970


Não foi tarefa fácil! «Tarde de brasa a arder, sol de verão». Os meus sentidos postos e absortos… Um Verão diferente. Intenso. «Sinto-me luz e cor»… «E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,» dizia-me… Que amanhã tentaria novamente, e «A luz que a pouco e pouco desfalece»... Mas… «… eu sou a manhã: apago estrelas!» «E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando»… Apaixonei-me... Perdidamente. Foi, sim, um Verão diferente, senti o mar, senti o Sol, senti a luz dourada de Agosto, e tive uma companhia especial. Florbela visitou-me algumas tardes no meu estúdio. Com ela passei momentos de Verão, lendo, desenhando e pintando. Fiquei a conhecê-la um pouco mais. Rimos, chorámos e sonhámos juntas. Tentei aprender o que é ter sede de infinito, tentei aprender a condensar o mundo num só grito… Tentei… E continuarei a tentar… Perdidamente...

Joana Rêgo

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Com a doçura de uma linda ave Bateu as asas brancas e voou. Era meiga, era pura, era suave. Não viveu! Foi um anjo que passou.

Este livro saiu do prelo a 8 de Dezembro de 2010, precisamente 80 anos depois da morte de Florbela Espanca em Matosinhos. Nesse dia, a poeta cumpria também o seu 36.º aniversário.


Este livro convida-o a ler um poema por dia, ou por semana, ou mês lunar. Depois, pode deixá-lo a repousar numa estante, aberto na ilustração que quiser, que é, nem mais nem menos, a leitura que Joana Rêgo fez das palavras da poeta, para deleite dos nossos olhos e do nosso olhar mais pessoal.

Desfrute-o!

Colecção: Treze Luas

© do texto: Florbela Espanca, 2010 © das ilustrações: Joana Rêgo, 2010 © desta edição: Kalandraka Editora Portugal Lda., 2010 Rua Alfredo Cunha, n.º 37, Salas 34 e 56 4450-023 Matosinhos - Portugal Telefone: (00351) 22 9375718 editora@kalandraka.pt www.kalandraka.pt

Faktoria K de Livros é uma chancela da Kalandraka Editora Edição literária: Margarida Noronha e Joana Rêgo Impresso em Gráficas Anduriña Primeira edição: Dezembro, 2010 ISBN: 978-989-8205-53-7 DL: 317537/10 Reservados todos os direitos




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