Pilgrimage in an architectural narrative - Karoline Fischer's architecture degree thesis

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE CONSTRUÇÃO CIVIL CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

KAROLINE DIAS FISCHER

A PEREGRINAÇÃO EM UMA NARRATIVA ARQUITETÔNICA

CURITIBA 2016


KAROLINE DIAS FISCHER

A PEREGRINAÇÃO EM UMA NARRATIVA ARQUITETÔNICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo do Departamento Acadêmico de Construção Civil – DACOC, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Irã Taborda Dudeque

CURITIBA 2016


Dedico este trabalho à minha saudosa mãe, Valéria, que sempre foi minha maior incentivadora e companheira, meu maior exemplo de superação e dedicação, uma pessoa cheia de fé, cuja luz me guia e aquece.


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus avós maternos, que me apoiaram desde o ínicio do trabalho e me proporcionaram momentos muito calorosos e inesquecíveis durante minha viagens para o Vale do Paraíba, onde vivem e região em que passei a maior parte da minha infância. Ao meu tio Tércio, moto-trilheiro, que me acompanhou nas peregrinações e no desbravamento das trilhas percorridas. Aos meus amigos, pelos cafés e dores compartilhadas. Obrigada por terem me dado apoio em todos esses anos, principalmente nos momentos mais difíceis. A todos os peregrinos e vale-paraibanos que encontrei pelo caminho e me ajudaram no meu percurso e compartilharam lindas palavras e histórias.


“We shall not cease from exploration And the end of all our exploring Will be to arrive where we started And know the place for the first time“. Four Quartets, T.S. Eliot (1943)


RESUMO FISCHER, Karoline. A peregrinação em uma narrativa arquitetônica, 2016. Trabalhos de Conclusão de Curso (Graduação no Curso de Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Graduação Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2016.

Este trabalho propõe-se a estudar como a arquitetura pode contribuir para enriquecer a experiência do peregrino, no cenário da peregrinação para a cidade de Aparecida, no interior do estado de São Paulo, que corresponde ao maior centro de atração de peregrinos da América Latina. Partindo do entendimento histórico e simbólico do fenômeno, busca-se estabelecer um diálogo entre as teorias arquitetônicas e a essência da peregrinação, segundo o pressuposto de que o peregrino, em sua jornada, empreende uma busca pessoal e introspectiva pelo sagrado, guiada por motivações e significados pessoais. A arquitetura, por sua vez, é entendida como capaz de abrigar os diversos discursos individuais existentes na peregrinação ao estabelecer uma conexão do peregrino com si mesmo, com a natureza e o espaço sagrado. Dessa maneira, o estudo parte da análise do espaço arquitetônico, da paisagem e do espírito do lugar, até chegar ao entendimento da abordagem fenomenológica da arquitetura, que interioriza esses conceitos em uma visão na qual a percepção é o agente norteador da concepção arquitetônica e põe em primeiro plano a experiência do sujeito em sua comunhão com o espaço. A base teórica, somada à análise do contexto, das características físicas e condicionantes humanas da área de intervenção, serve, então, como alicerce para a proposta arquitetônica.

Palavras-chave: Peregrinação, Espaços Sagrados, Fenomenologia da Arquitetura, Genius Loci, Sublime, Percepção Do Espaço.


ABSTRACT FISCHER, Karoline. Pilgrimage in an architectural narrative, 2016. Trabalhos de Conclusão de Curso (Graduação no Curso de Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Graduação Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2016.

This work intends to study how architecture may contribute to enrich the pilgrim’s experience, in the scenario of pilgrimage towards the city of Aparecida, in São Paulo’s state, which corresponds to the biggest pilgrimage center in Latin America. From the historical and symbolic understanding of the phenomenon, it seeks to establish a dialogue between the architectural theories and essence of pilgrimage, on the assumption that the pilgrim, on his journey, embarks on a personal quest for the sacred. This, in turn, manifests itself in diferents ways according to each subject’s conception. The architecture on the other hand, is understood to be able to house the various individual speeches existing in pilgrimage, as it may enhance the subjective user experience, while establishing a connection between the individual and the sacred. Thus, the theory here studied is based upon the architectural space analysis, the landscape and the spirit of the place, to reach the understanding of the phenomenological approach in architecture, which internalizes these concepts in a vision in which the perception becomes the guiding agent of architectural design and foregrounds the subject's experience in communion with the space. The theoretical basis, together with the analysis of the context of the physical and human conditions of the intervention area, will be the foundation for the architectural proposal.

Key-Words: Pilgrimage, Sacred Spaces, Phenomenology of Architecture, Genius Loci, Sublim, Espatial Perception.


LISTA DE MAPAS Mapa 01: Localização da rota, no estado de Jalisco, México ................................... 66 Mapa 02: Masterplan - Localização das intervenções arquitetônicas ao longo do percurso .................................................................................................................... 69 Mapa 03: Altimetria esquemática da Ruta del Peregrino, sinalizando as intervenções. . ...... .......................................................................................................................... 70 Mapa 04: Masterplan esquemático da Ruta del Peregrino, sinalizando as intervenções de acordo com as altitudes .................................................................. 70 Mapa 05: Mapa esquemático das National Tourist Routes ....................................... 89 Mapa 06: Localização da Serra da Mantiqueira ........................................................ 94 Mapa 07: Principais rotas para Aparecida ................................................................. 99 Mapa 08: Mapa oficial do Caminho de Aparecida ................................................... 106 Mapa 09: Esquema do percurso total e da área de intervenção ............................. 113 Mapa 10: Mapa em perspectiva da área de intervenção......................................... 113 Mapa 11: Esquema altimétrico do Caminho de Aparecida ...................................... 114 Mapa 12: Localização dos pontos levantados fotograficamente ............................. 115 Mapa 13: Condicionantes físicas............................................................................. 117 Mapa 14: Condicionantes humanas ........................................................................ 117


LISTA DE FIGURAS Figura 01: Rio Ganges, um “espaço da memória” segundo Kujawa-Holbrook .......... 36 Figura 02: Peregrinos subindo o monte Fuji, um “lugar silencioso” segundo KujawaHolbrook .................................................................................................................... 36 Figura 03: Labirinto Glastonbury Tor, Inglaterra ........................................................ 37 Figura 04: Newgrange: tumba-gruta de 3200 a.C., Irlanda ....................................... 37 Figura 05: Museu Histórico de Ningbo. Arquiteto Wang Shu. Ningbo, China ............ 42 Figura 06: Sala vermelha. Matisse, H. 1908.............................................................. 45 Figura 07: Interior da igreja de Rochamps, Le Corbusier. França ............................. 48 Figura 08: Interior da St. Niklaus Kapelle, Peter Zumthor. Mechernich ..................... 50 Figura 09: Vista externa da capela ............................................................................ 50 Figura 10: Vir Heroicus Sublimis. Newman, Barnet. 1950 ......................................... 53 Figura 11: The Gate in The Rocks, Karl F. Schinkel, 1818 ....................................... 54 Figura 12: The Cross in the mountains, Friedrich, C. 1812 ....................................... 54 Figura 13: Interior da Catedral de Chartres ............................................................... 55 Figura 14: Vista para a Serra da Mantiqueira, por onde passa o Caminho de Aparecida .................................................................................................................. 56 Figura 15: Morgen im Riesengebirge, Friedrich, 1810 .............................................. 57 Figura 16: Interior da Termas de Vals, Peter Zumthor. Graubünden, Suíça ............. 61 Figura 17: The Lighting Field, Walter de Maria. New Mexico, 1977 .......................... 63 Figura 18: Complex City, Michael Heizer. Garden Valley, Nevada ........................... 64 Figura 19: Fair Park Lagoon, Patricia Johanson. Dallas, Texas ................................ 65 Figura 20: La Gratitud. Dellekamp Arquitectos e Tatiana Bilbao ............................... 71 Figura 21: Implantação da La Gratitud ...................................................................... 71 Figura 22: Vista interna e para cima da capela ......................................................... 72 Figura 23: Perspectiva externa da capela La Gratitud .............................................. 72 Figura 24: Planta e corte do Cerro del Obispo .......................................................... 73 Figura 25: Vista interna do Cerro del Obispo ............................................................ 74 Figura 26: O Cerro del Obispo inserido na paisagem .............................................. 74 Figura 27: Seções da ermita de Weiwei .................................................................... 75 Figura 28: Elevação da ermita................................................................................... 75 Figura 29: Implantação da ermita ............................................................................. 76 Figura 30: Perspectiva interna da ermita ................................................................... 76


Figura 31: Vista interna do refúgio idealizado por Andrete ........................................ 77 Figura 32: Vista externa do refúgio ........................................................................... 77 Figura 33: Detalhe dos materiais no refúgio .............................................................. 77 Figura 34: Planta baixa do refúgio............................................................................. 78 Figura 35: Vista externa da obra ............................................................................... 79 Figura 36: Projeto da Ermita...................................................................................... 79 Figura 37: Maquete da Ermita ................................................................................... 79 Figura 38: Vista superior do mirante ......................................................................... 80 Figura 39: Integração do mirante com a paisagem local ........................................... 80 Figura 40: Vista interna da parte inferior da obra ...................................................... 81 Figura 41: Mirante no Espinazo del Diablo ................................................................ 82 Figura 42: Interior do mirante no Espinazo del Diablo............................................... 82 Figura 43: Vista para o Templo Vazio ....................................................................... 83 Figura 44: Integração do Templo Vazio com a paisagem e topografia local ............. 83 Figura 45: Representação do projeto de instalações da Ruta ................................... 84 Figura 46: Representação do projeto de uma área de serviço .................................. 84 Figura 47: Cidade da Cultura .................................................................................... 86 Figura 48: Maquete da Cidade da Cultura ................................................................ 87 Figura 49: Concepção projetual ................................................................................ 88 Figura 50: Detalhe cobertura ..................................................................................... 88 Figura 51: Memorial Steilneset .................................................................................. 90 Figura 52: Instalação artística de Louise Bourgeios .................................................. 90 Figura 53: Interior do memorial Steilneset ................................................................ 91 Figura 54: Parte do museu da mina de zinco ............................................................ 91 Figura 55: Mirante Stegastein ................................................................................... 92 Figura 56: Implantação do mirante Stegastein .......................................................... 92 Figura 57: Mirante da rota Geiranger-Trollstigen....................................................... 92 Figura 58: Mapa do Caminho da Fé. ....................................................................... 101 Figura 59: Mapa da Rota da Luz ............................................................................. 102 Figura 60: Gráfico - Rota escolhida para peregrinar até Aparecida ........................ 108 Figura 61: Gráfico - Motivações para peregrinar até Aparecida .............................. 108 Figura 62: Gráfico - Modalidade escolhida para percorrer o Caminho de Aparecida .... ....... ........................................................................................................................ 109 Figura 63: Gráfico - Duração total da jornada ......................................................... 109


Figura 64: Gráfico - Frequência que realizou o percurso até Aparecida ................. 110 Figura 65: Gráfico - Infraestruturas necessárias apontadas pelos peregrinos ........ 110 Figura 66: Vista para a Serra da Mantiqueira a partir de Wenceslau Bráz .............. 115 Figura 67: Subida da Serra da Mantiqueira ............................................................. 115 Figura 68: Subida para o bairro do Charco ............................................................. 116 Figura 69: Trilha dos carneiros ................................................................................ 116 Figura 70: Descida da Serra, trilha .......................................................................... 116 Figura 71: Descida da serra da Mantiqueira............................................................ 116 Figura 72: Ponto de encontro das rotas .................................................................. 116 Figura 73: Estrada das Pedrinhas ........................................................................... 116

,


LISTA DE TABELAS Tabela 01: Empregos por setor em Aparecida – SP. Fonte: SEADE, 2014 .............. 96 Tabela 02: Número de peregrinos que percorreram o Caminho da Fé e retiraram o certificado no Santuário Nacional, no ano de 2015 ................................................. 104 Tabela 03: Número de peregrinos que percorreram o Caminho de Aparecida e retiraram o certificado no Santuário Nacional, no ano de 2015 .............................. 104


LISTA DE ABREVIAÇÕES APA

Área de Proteção Ambiental

CAR

Centro de Atendimento ao Romeiro

DADE

Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias

SEADE

Sistema Estadual de Análise De Dados

SEMA

Secretaria de Estado de Meio Ambiente

UC

Unidade de Conservação


SUMÁRIO 1.

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 15

2.

HIPÓTESE ........................................................................................................ 18

3.

OBJETIVOS GERAIS ....................................................................................... 19

4.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................ 20

5.

JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 21

6.

METODOLOGIA ............................................................................................... 23

PARTE 1 – PEREGRINAÇÃO .................................................................................. 24 7.

PEREGRINAÇÃO: DEFINIÇÕES..................................................................... 24

7.1 Visão histórica do fenômeno ............................................................................. 28 7.2 A dimensão da peregrinação no turismo religioso ............................................ 33 7.3 Os espaços sagrados da peregrinação ............................................................ 35 PARTE 2 – A ARQUITETURA.................................................................................. 40 8.

ESPAÇO E LUGAR .......................................................................................... 40

9.

O ESPÍRITO DO LUGAR ................................................................................. 44

10.

O VAZIO .......................................................................................................... 47

11.

A PAISAGEM .................................................................................................. 49

12.

O SUBLIME ..................................................................................................... 52

13. FENOMENOLOGIA DA ARQUITETURA......................................................... 58 14. A LAND ART COMO FORMADORA DO ESPAÇO ......................................... 62 15. ESTUDOS DE CASO ....................................................................................... 66 15.1 A ruta del peregrino, México ............................................................................. 66 15.2 Caminho de Santiago da Compostela .............................................................. 85 15.3 The National Tourist Route, Noruega ............................................................... 89 PARTE 3 – O PERCURSO ....................................................................................... 93 16. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO ................................. 93


17. VISÃO GERAL DA PEREGRINAÇÃO PARA APARECIDA............................ 98 17.1 As principais rotas utilizadas ............................................................................. 99 18.

LEITURA GERAL DO CAMINHO DE APARECIDA ..................................... 104

18.1 Análise dos dados coletados: entrevistas ....................................................... 107 18.2 Escolha da área de intervenção...................................................................... 112 18.3 Análise das condicionantes físicas e humanas ............................................... 117 PARTE 4 – A NARRATIVA..................................................................................... 120 19. DIRETRIZES PROJETUAIS ........................................................................... 120 20. A PROPOSTA ................................................................................................ 120 20.1 O PARTIDO DE IMPLANTAÇÃO ............................................ 123 20.2 O PARTIDO DOS MARCOS ARQUITETÔNICOS................... 123 21. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 126 22. REFERÊNCIAS .............................................................................................. 129 APÊNDICES: PRANCHAS PROJETUAIS ............................................................. 138 ANEXO: QUESTIONÁRIO ...................................................................................... 148


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1.

INTRODUÇÃO

A peregrinação é, desde os tempos bíblicos, um fenômeno de múltiplas significações, marcado de numerosa simbologia, seja ele inserido em um universo religioso, místico, sentimental ou simplismente de lazer. O peregrino é alguém que está em busca de algo. São pessoas das mais variadas culturas, procedências, idades e histórias que convergem para esse lugar da peregrinação, onde entram em contato íntimo com si mesmos, com as pessoas que encontra pelo caminho e com a paisagem ao seu redor na superação dos obstáculos e no contemplamento do percurso. Peregrino, do latim: per agrum – através do campo.

Peregrinar é um rito comum à maioria das religiões e, ao longo da história, levou os homens a diferentes lugares do mundo, na maioria das vezes constituídos por túmulos de santos, catedrais, mosteiros, locais milagrosos e até mesmo o Santo Sepulcro. (PINTO, 2006) Muitos historiadores presumem a sua origem nos monumentos megalíticos, e estudos etnográficos demonstram a ocorrência de peregrinações entre sociedades primitivas. (MENDES, 2009) Vários lugares que se tornaram sagrados foram se desenvolvendo no passar do tempo à medida que os fluxos de peregrinos aumentavam e convergiam em sua direção. Como se deu na cidade portuguesa de Fátima, por exemplo, onde as aparições da Virgem Maria transformaram a pacata paróquia da diocese de Leiria em um dos principais roteiros de peregrinação mariana do mundo. (PINTO, 2006) No Brasil, a cidade de Aparecida, localizada na Mesorregião do Vale do rio Paraíba do Sul, estado de São Paulo, destaca-se como a “Capital da fé”, recebendo mais de onze milhões de visitantes anualmente e como o maior centro de peregrinação religiosa da América Latina. A história da cidade está intimamente ligada à da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem apareceu nas redes de três pescadores locais no século XVIII. Em 1745, quando Aparecida ainda era uma pequena vila, foi construída, para a adoração da imagem, uma capelinha no Morro dos Coqueiros, depois de ter passado anos na casa de um dos


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pescadores, que rapidamente ficou pequena às constantes e progressivas visitas de fiéis. Conforme se ouvia sobre seus milagres, o fluxo de peregrinos a Aparecida crescia. Logo, a capela foi ampliada e, depois, a estátua passou a uma igreja maior, a Basílica Velha. Com o crescimento da sua importância e influência religiosa, começou a ser construída, em 1955, a nova Basílica de Nossa Senhora Aparecida, maior santuário mariano do mundo (PREFEITURA DE APARECIDA, 2016). “Antigamente, as romarias à Capela de Aparecida tinham muito de pitoresco; eram famílias que se moviam lentamente com os filhos pequenos, os pajens, os camaradas, as mucamas e o armazém ambulante às costas dos cargueiros. Havia os atoleiros que transpor, as pontes esburacadas, os ribeirões transbordantes com sem número de precipícios por toda a fita sinuosa das estradas reais.” (BRUSTOLONI, 1998).

Peregrinos provenientes de todo o Brasil e de vários países percorrem - seja a pé, a cavalo, em bicicletas ou em ônibus - as rodovias, as estradas de terra e as trilhas em zonas rurais em seu percurso até Aparecida. Segundo Santos (2005), as "Caminhadas à Aparecida" existem desde o século XVI, sendo esse roteiro o mais difundido e antigo no país. Os peregrinos, muitas vezes, chegam a percorrer distâncias acima de 45 km por dia, começando seu caminho ainda na escuridão, para cumprir suas promessas, fazer pedidos, agradecer por graças recebidas ou apenas a fins turísticos. Ultimamente, inclusive, a peregrinação aos locais sagrados pelo mundo tem sido bastante divulgada como fenômeno turístico. (FRANÇA, 2010) É indiscutível, hoje, o fato de que as cidades vizinhas ao pólo de peregrinação e o próprio pólo em si se beneficiam economicamente do evento, servindo como dormitório, local de refeições e até centro de compras para os viajantes. Sozinhos ou em grupo, os peregrinos transferem à paisagem um sentido diferente, de várias nuances. A atmosfera da caminhada o leva a criar outra forma de contato com a natureza e com a paisagem externa, e também o conduz a uma outra compreensão do seu próprio corpo no espaço. Os caminhantes habitam o lugar de passagem, carregam-no de certa dramaticidade e, nesse cenário, o exterior


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conversa com o interior, há uma relação íntima entre indivíduo, espaço e seus significados. Associando essa análise do fenômeno à teoria de Foucault (2005) de que a arquitetura pode ser entendida como um produto cultural, pertencente a um determinado diagrama histórico e que o indivíduo tem influência sobre o meio e o meio, sobre o indivíduo; e esta ao pensamento de TUAN (1983), o qual entende que o espaço construído pelo homem pode “aperfeiçoar a sensação e percepção humana“; faz-se importante entender a relação entre a peregrinação e a arquitetura e qual o papel da segunda na experiência do peregrino, que tipo de relação ela pode provocar entre o sujeito e o lugar e como ela pode contribuir para permitir que o peregrino dê a ela o significado que ele entende e procura em sua jornada. Nas palavras de Rossi (1981): “[...] permitir tudo o que na vida é imprevisível”. Este trabalho explora a arquitetura como um possibilitador de experiências sensitivas e emocionais. Desenvolve-se o estudo de um percurso existente, o “Caminho de Aparecida”, cujo destino é a cidade de Aparecida – SP, inserido no contexto histórico e simbólico do Vale do Paraíba do Sul, onde as religiões desempenharam um importante papel na formação histórico-cultural da região, para o qual é proposto um planejamento territorial que define pontos de intervenções arquitetônicas que buscam enriquecer a experiência sensorial do peregrino e intensificar a sua interação com o espaço e si mesmo.


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2.

HIPÓTESE

A peregrinação representa uma jornada pessoal em busca do sagrado, através da qual o peregrino desconecta-se da sua vida quotidiana e se conecta com si mesmo e a natureza, traduzindo-se em uma experiência de introspecção e contemplação. Guiado por suas motivações pessoais, o viajante encontra na sua jornada um significado único e explora o espaço e a paisagem através de seus sentidos e imaginação. A hipótese baseia-se na ideia de que a peregrinação oferece uma oportunidade de se explorar as qualidades experienciais da arquitetura, sendo possível gerar uma nova experiência espacial e qualidade paisagística do trajeto do “Caminho de Aparecida” – que se inicia no munícipio mineiro de Wenceslau Brás, terminando em Aparecida –, entendendo que a experiência do viajante se constrói à medida que ele experimenta e enfrenta as dificuldades e as belezas do caminho e que ele explora o espaço e a paisagem através de seus sentidos e imaginação e que a arquitetura é a ferramenta capaz de enriquecer essa experiência individual.


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3.

OBJETIVO GERAL

A pesquisa objetiva estabelecer uma interpretação da relação entre o espaço arquitetônico e o fenômeno da peregrinação; e, através da proposição de um projeto arquitetônico e paisagístico, criar uma narrativa arquitetônica experimental por meio de marcos implantados estrategicamente no território que se relacionem entre si e com a paisagem local e imaginária de um tradicional percurso de peregrinação nacional, de modo a permitir ao peregrino a conexão com o espaço e com o real significado individual da peregrinação que seja capaz de traduzir espacialmente a metáfora da “busca interior”, razão que move os peregrinos em suas andanças. Tal narrativa é composta por uma sucessão de intervenções, caracterizadas como mirantes, espaços de contemplação, descanso, reflexão ou oração que possibilitem uma experiência emocional e sensorial aos usuários, e lhes desse a oportunidade de experimentá-las e interpretá-las conforme a percepção pessoal do lugar, servindo como instrumentos de leitura e apreciação da natureza e do espaço, cuja função é conectar o peregrino com si mesmo e enriquecer sua experiência emocional e sensorial.


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4.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

o Explorar uma arquitetura multissensorial que se integre à paisagem, usando também elementos naturais locais e capaz de enriquecer a experiência do peregrino; o Incentivar o uso da rota como alternativa mais atraente para aqueles que se arriscam nas rodovias; o Incentivar o uso da rota como atrativo turístico e aumentar o fluxo de peregrinos durante todo o ano.


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5.

JUSTIFICATIVA

Anualmente, centenas de peregrinos a pé, em bicicleta ou a cavalo percorrem o trecho de 265 km da rota Caminho de Aparecida, entre municípios mineiros e paulistas, no Vale do Rio Paraíba do Sul. A trilha, oficializada em 2011, passa por antigas fazendas, área de floresta nativa, pontos de elevadas altitudes e fundos de vale. O Vale do Rio Paraíba do Sul guarda consigo inúmeros vestígios arquitetônicos - alguns, infelizmente, em ruínas e outros bem preservados – e naturais, que devem ser valorizados e mais divulgados. No percurso em estudo, os peregrinos passam pela majestosa Serra da Mantiqueira, recentemente eleita como o 8º local de área protegida mais insubstituível do planeta (Revista Science, 2015), onde se encontram ecossistemas da Mata Atlântica, inúmeras nascentes e cachoeiras, picos e brasileiros que ainda vivem da cultura tradicional, como os caipiras e caboclos, contribuindo para esse cenário cultural tão rico. É um verdadeiro santuário, cujas paisagens e cultura local são capazes de trazer uma experiência e sensação de paz únicas. O destino dos peregrinos é o segundo maior templo católico do mundo, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Aparecida - SP, conhecida como a “capital da fé”. Atualmente, ela é o maior centro latino-americano que atrai romeiros e peregrinos e destino final de 11 milhões de visitantes ao ano (inclusive de estrangeiros) segundo dados do Santuário Nacional, mais do que 300 vezes a sua população de aproximadamente 35 mil habitantes (IBGE, 2010), sendo que muitos dos quais vêm a pé pelas trilhas e caminhos antigos. (SANTOS, 2002) Esse cenário nos evidencia um enorme potencial turístico e pode gerar excelentes resultados econômicos para o governo, empresas e comerciantes locais (SANTOS, 2000). A proposta de se fazer uma intervenção arquitetônica nesse cenário tão rico resultaria na valorização da história e do patrimônio imaterial regional. Além disso, há de se considerar não só o grande fluxo dos chamados “turistas religiosos”, mas também daqueles em busca de atividades de aventura ou de tranquilidade em meio à natureza, que encontram na Serra e nos municípios serranos um refúgio.


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A instalação de marcos arquitetônicos em pontos estrategicamente selecionados e integrados à paisagem, de modo a valorizar as belezas naturais locais, acentuaria o caráter turístico do lugar e poderia servir de entrepostos para os peregrinos que encontrariam no seu percurso lugares para suas orações, reflexões e para a contemplação da natureza. A passagem de peregrinos pelos núcleos urbanos ao longo do caminho já trás vitalidade a esses lugares. E, como Beni (1997) aponta: eles são turistas potenciais, que, ao se deslocarem, utilizam-se de equipamentos e serviços de gastos semelhantes a outros turistas. Desta forma, a instalação de novos atrativos contribuiria para o aumento de fluxo de peregrinos e turistas e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico local. Além das trilhas, muitos peregrinos ainda se utilizam de estradas estaduais e nacionais para as suas caminhadas. Oferecer-lhes um atrativo contribui para promover uma maior valorização e divulgação da rota em estudo, transformando-a em uma alternativa segura e mais interessante para aqueles que se arriscam nos acostamentos ou nas pistas sem esse anteparo. Além disso, o projeto proposto pode ser uma oportunidade para que os brasileiros conheçam um país menos urbano. No campo da Arquitetura e Urbanismo, a presente pesquisa se justifica pela importância de retomar e explorar as diversas leituras sobre o espaço arquitetônico, dentro do entendimento conceitual e histórico sobre fenômeno da peregrinação, que nos dá a oportunidade de explorar os diálogos entre conceitos da arquitetura que permeiam a teoria projetual há séculos, como: a relação interior e exterior, construído e vazio; identidade e paisagem; espaço e lugar; fenomenologia e leitura espacial, colocando o usuário no centro do discurso, através do estudo da sua interação com o lugar, sua percepção desse e do entendimento simbólico que ele proporciona.


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6. METODOLOGIA Na realização deste trabalho, além da contínua pesquisa literária nas áreas de teoria da arquitetura, história da arquitetura, antropologia, geografia cultural e história brasileira, foram feitos levantamentos fotográficos, questionários e mapeamentos in loco. Para o entendimento e o desenvolvimento do tema, o presente trabalho foi dividido em quatro partes, idealizadas como etapas a serem cumpridas e que servem de suporte uma para a outra. Na primeira, intitulada “Peregrinação”, buscase fornecer uma base teórica sólida que guia todo o trabalho de pesquisa e projetual restante, por meio da total compreensão do fenômeno, incluindo seus aspectos históricos e socioeconômicos, os lugares sagrados da peregrinação e o significado dela para os peregrinos. Então, a partir do entendimento desses conceitos, é possível associar, na segunda parte do trabalho – “A Arquitetura” – alguns temas recorrentes na teoria da arquitetura e da arte que dialogam com o que é a peregrinação e o contexto e espaço em que ela ocorre. Tais conceitos servem de guia para a elaboração da proposta projetual que se seguirá a esta monografia. Foram, também, buscados exemplos práticos em que houve intervenções arquitetônicas em um cenário similar, cuja análise permite uma visão crítica de como apropriar-se de certos conceitos. Na terceira parte, “O Percurso”, é apresentada a área de intervenção com base em estudos e análises do levantamento feito in loco, além de pesquisas com os peregrinos e pesquisa bibliográfica sobre a região, o que permitiu uma análise e entendimento da realidade local, das características físicas do terreno e da peregrinação que ali se desenvolve. Finalmente, na quarta parte – “A Narrativa” – apresentam-se as diretrizes projetuais e a proposta de projeto arquitetônico em si, que buscam associar a teoria e a análise da área do percurso em estudo às escolhas dos pontos de intervenção e ao desenho arquitetônico proposto.


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PARTE 1 – PEREGRINAÇÃO

Esta primeira parte tem a intenção de atuar como a base do trabalho em si. Nela, procurou-se entender o que é o fenômeno de peregrinação sob os pontos de vista religioso, antropológico e histórico. Compreender o que é o fenômeno, quem são os peregrinos e o que os tem levado a peregrinar por séculos e até milênios é necessário para que não se perca de vista o rico contexto histórico-cultural do fenômeno e a importância dos seus significados para as pessoas que o fazem. Esse entendimento servirá de alicerce para se intervir em um cenário tão peculiar de modo a respeitar e enaltecer suas essências.

7. PEREGRINAÇÃO: DENIFIÇÕES Existem várias maneiras de se definir Peregrinação. Peregrinar, do latim peregrinare, per + ager, significa através do campo (PEREIRA, 2003). No passar dos séculos, várias razões motivaram os homens a trilhar novos caminhos e enfrentar as dificuldades de cada território por onde passaram: a procura pela sua subsistência, a busca pela conquista de novos mundos, os grandes conflitos entre povos e ainda a vontade de conhecer novas fronteiras. Mas há uma que até hoje se mantém como tradição e é um fenômeno comum a muitas culturas e religiões: a viagem em busca do sagrado. “Peregrinar” passa a significar, a partir do século XI, exatamente isso: a ida a “lugares santos ou de devoção com o intuito de venerar o lugar visitado, pedir por ajuda ou cumprir obrigações religiosas”. (SANTOS, 2000) “Peregrino”, também do latim, significa estrangeiro (STEIL, 2003). “No Império Romano, contexto social, histórico e linguístico em que surgiu o termo, os peregrinos eram aqueles que estavam de passagem pelo território romano, não visando fixar-se a ele, apenas viajando com o objetivo de chegar a algum outro lugar, qualquer que fosse a razão dessa jornada.” (CARUNCHIO, 2011) Ele é um estrangeiro por vários motivos: pode ser visto como um forasteiro para as pessoas que encontra pelo caminho, nos lugares que visita e até um estranho para si mesmo,


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na sua jornada transformadora por uma busca e consciência interior (NADAIS, 2010). O peregrino é, então, aquele que extrapola os limites da urbe, que sai em uma busca. Na percepção de Santos e de outros estudiosos, esta é por um lugar sagrado. Mas ao longo das eras, a própria definição de peregrino e o significado da sua jornada mudaram, seguindo as crenças, os costumes e cultura que as sociedades foram criando e desenvolvendo. Turner (1978) chega a afirmar que existem quatro tipos de peregrinos: os “arcaicos, que se relacionam com as mais antigas formas de devoção ou uma síntese de tradições”, os “protótipos”, ou seja, aqueles que seguem viagem pela tradição religiosa ou de um santo; os peregrinos “medievais”, que surgem das tradições do período pré-moderno ocidental e, por fim, os “modernos”, aqueles movidos pela conscientização da mudança da sociedade e de seus abusos econômicos e sociais, buscando se libertar desse contexto. Inclusive, atualmente, mais do que em outras épocas, o que leva o indivíduo a peregrinar não é somente o objetivo de visitar antigos túmulos, igrejas ou pagar promessas. (SANTOS, 2000) As transformações de ordem tecnológica, política, social, cultural e religiosa culminaram na mudança da percepção do tempo, das pessoas com quem se convive, da natureza, dos valores que se tem e de si próprio (CARUNCHIO, 2011). Peregrinar, portanto, virou uma oportunidade de sair em busca do que é realmente importante para cada um. A importância de se entender o sentido de tudo que se refere ao eu interior de cada um se faz cada vez mais importante para que velhas relações e tradições não se percam na velocidade das mudanças atuais. Nesse contexto, a viagem torna-se uma oportunidade de reflexão, de introspecção e uma passagem para alcançar seu objetivo maior. Dante (Cit. GIL e ROGRIGUES, 2000) complementa esse raciocínio afirmando que o peregrino sai do seu lugar de origem e vida cotidiana em sua jornada transformadora até a “cidade ideal” empreendendo uma passagem que “simboliza o carácter transitório da própria vida, a necessidade de desapego face ao terreno e a aspiração do superior.” Esse percurso é onde o peregrino, passando pelas dificuldades tanto psicológicas quanto físicas que encontra, viaja em uma busca pessoal, adentrando em uma atmosfera de reflexão sobre sua existência e vive em constante mudança, seja ela de percepção do tempo, do espaço, daqueles


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que encontra e inclusive de si mesmo. O peregrino torna-se, assim, um símbolo da busca por sentido. (CARUNCHIO 2011) Frankl (2009) afirma que a busca por sentido é “a maior busca que o ser humano pode empreender”, sendo as experiências e reflexões de cada indivíduo fatores imprescindíveis nesse processo. Dessarte, o sentido é algo diferente para cada um e sofre “influência dos ideais e valores do sujeito, que funcionam como a base que permitirá a existência de algum sentido.” “To set out on a pilgrimage is to throw down a challenge to everyday life. Nothing matters now but this adventure.” Huston Smith (Cit. Phil Cousineau, 1998)

A viagem pode ser compreendida dentro dessa ótica, como se fosse uma união de tres etapas: a primeira, a preparação, quando o peregrino decide, por algum motivo, fazer sua viagem e delimita seus principais objetivos. Depois, vem a jornada em si, repleta de experiências, onde ele tem a chance de se libertar do seu cotidiano e seguir seu caminho mergulhando em suas reflexões. Esse é o momento em que ve algo mudar. E por último, a volta a casa: quando o peregrino, tocado pelas suas experiencias, retorna ao seu lugar de origem e integra à sua vida cotidiana aquilo que aprendeu e vivenciou nos dias de peregrinação (DUARTE, 2010). A jornada para lugares históricos e cênicos corresponde a um signo visível e exterior da busca interior (pelo sagrado) que o peregrino se põe a fazer (LAMBSÉNÉCHAL, 2015). Dessa forma, ele espera retornar a seu local de origem diferente de quando ele iniciou a viagem, enriquecendo sua vida com as descobertas que fez durante o caminho. Mesmo que sigam a mesma rota, seja em grupos ou sozinho, o foco das narrativas peregrinas recai sobre o individual. As adversidades físicas do caminho juntamente aos desafios pscicológicos que cada um experimenta conseguem transformar a jornada em algo significativo e memorável. E a intensidade de tal experiência para o peregrino certamente é guiada pelas suas motivações.


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As mudanças do modo de viver na contemporaneidade também levaram as pessoas a ansiar por momentos de decanso e lazer, de fuga à rotina. E muitos são os que unem os objetivos religiosos e espirituais às atividades turísticas, culturais, esportivas, ecológicas e históricas. Steil (2008) afirma que as fronteiras entre esses campos são bem tênues no mundo contemporâneo. Deve-se, portanto, ter em conta que aquilo que leva os homens do mundo contemporâneo a essa jornada transformadora não é um objetivo único e para cada indivíduo ela tem significados distintos. Enquanto alguns estão em busca de uma experiência que o leve mais próximo ao sagrado, outros procuram um caminho em direção à paz e liberdade interior, procurando aproveitar as belezas e desafios físicos do caminho em um momento de contemplação e/ou lazer, enquanto que aqueles aproveitam o afastamento do “profano” para se dedicar à reflexão sobre o espiritual e si mesmo, em uma passagem por paisagens que consideram capazes de o aproximar do sagrado. (SALLES, 2009) “All journeys have secret destinations of which the traveler is unaware”. Buberer, Martin (1955).

Nos antigos (e novos) percursos, uma diversidade de discursos e histórias se encontram, mas uma coisa essas viagens de múltiplos significados têm em comum: que, ao voltar para casa, a experiência do peregrino, as pessoas e lugares que conheceu o tocaram intimamente. Peregrinar requer um processo interno de conscientização de seu próprio eu no espaço e na vida e a jornada é o momento e o lugar que possibilitam o peregrino o silêncio necessário para cumprir sua busca, seja ela qual for. Essa multiplicidade de significações se construíram no passar das eras e se faz importante entender a peregrinação a partir da profunda relação entre as características culturais e históricas das sociedades e os significados que lhe foram atribuídos.


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7.1. VISÃO HISTÓRICA DO FENÔMENO O início da história das peregrinações remete aos tempos remotos da história humana em que havia uma crença comum em várias divindades e as pessoas viajavam a lugares naturais que consideravam sagrados, a levar ofertas e pedir por proteção ou cura (KUJAWA-HOLBROOK, 2013). Nesses tempos, acreditava-se que os seres divinos haviam influência somente sobre certos locais, como os deuses das montanhas, que não possuíam poderes sobre as planíces, por exemplo. Quando alguém precisava da intervenção de certo deus e estava longe do lugar sob sua influência, esta peregrinava até o lugar sagrado (JARRET, 2000). Por milênios, seres humanos continuaram a peregrinar em busca de iluminação, cura ou para cumprir obrigações religiosas: “os egípcios peregrinavam ao Oráculo de Amon, em Tebas; os gregos ao Oráculo de Apollo, em Delfos; ao Templo de Ártemis (uma das sete maravilhas do mundo antigo), em Éfeso; ao templo de Palias Atena, em Atenas; ou ao Templo de Zeus, em Olímpia; os astecas à Quetzalcôatl; os incas à cidade de Cuzco e ao lago Titicaca" (SANTOS,2000). A peregrinação chegou aos dias atuais como uma prática comum a várias culturas e a maioria das religiões do mundo inteiro. Ao menos uma vez na vida, mulçumanos peregrinam em direção à Mecca e tal prática é considerada um dos cinco pilares do Islamismo. Os budistas realizam peregrinações até lugares relacionados à vida de Buddha pela Índia e Nepal. No Induismo é muito incentivada a prática de ir aos lugares por eles considerados sagrados durante a vida. Até mesmo religiões como o Siquismo (“sikh dharma“), que originalmente não tinham a peregrinação como uma prática religiosa, hoje testemunha a visita de muitos ao Templo Dourado, centro da sua fé. Porém, o lugar que ainda mais atrai peregrinos é Jerusalém: os judeus tem como destino principal o Muro das Lamentações, no centro da cidade e já os primeiros cristãos viajavam para lugares relacionados à vida de Jesus Cristo na Terra Santa (KUJAWA-HOLBROOK, 2013). E foi exatamente com o surgimento das religiões monoteístas que as peregrinações tiveram grande impulso: cresceram enormemente em número e aumentaram os seus significados. A partir desse momento, crescia o interesse de se visitar e venerar os locais ligados ao nascimento, à vida e morte dos respectivos


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deuses e profetas. No cristianismo, essa expressão obteve seu ápice com o surgimento de milhares de santos, que por sua vez formaram novos centros de peregrinações (JARRET, 2000). As peregrinações cristãs inicialmente tinham como destino final Jerusalém e Belém, lugares ligados ao nascimento, à vida e morte de Cristo. Mas, por um período de tempo, após a morte de Jesus e antes da conversão de Constantinopla ao cristianismo, o Império Romano, por suas perseguições aos cristãos, dificultou as viagens à Terra Santa. Foi nesse momento que as peregrinações se associaram às visitas às relíquias de pessoas consideradas “santas“, como seus túmulos, ossos, e lugar de morte etc. Há evidências que também naquela época os fieis acreditassem que a santidade das relíquias pudessem ser transmitidas àqueles que fossem vê-las ou tocá-las e assim muitos começavam a fazer suas viagens com a finalidade de fazer pedidos, agradecimentos

e

promessas

a

esses

santos.

(KUJAWA-

HOLBROOK, 2013) No século IV, Helena, mãe de Constantino (imperador romano que “legalizou” o cristianismo), viajou aos lugares sagrados associados à vida de Jesus em parte para pedir a redenção dos pecados de sua família. E nas suas viagens ordenou a construção de Basílicas em Jerusalém e Belém, além de ter encontrado alguns vestígios de Cristo, como a “Verdadeira Cruz”. Esses novos templos e os artefatos achados fizeram aumentar o número de peregrinações até a Terra Santa e não demorou muito para que uma infraestrutura composta por igrejas, lugares para repouso e monastérios começasse a ser construída para dar apoio aos peregrinos em suas viagens. (KUJAWA-HOLBROOK, 2013) A historiadora Cécile Morrisson (2009) fala da importância e a força que a peregrinação tinha nos primeiros séculos da Idade Média: “nem o fim do mundo romano e a insegurança que daí surgiu e nem sequer a conquista árabe conseguiram interromper esse movimento.” (Por volta de 1033, às vesperas de se completar um milênio da morte de Cristo), “uma multidão inumerável convergiu do mundo inteiro para o sepulcro do Salvador em Jerusalém. Inicialmente, foi gente pobre das classes inferiores, depois pessoas de condições medianas e, finalmente, todos os grandes, reis, condes, marqueses, prelados [...] grande número de mulheres, as mais nobres junto com as mais pobres.


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[...] A maioria compartilhava o desejo de morrer em algum ponto dos santos lugares em vez de retornar para seus próprios países” (Raoul Glaber, Cit. Morisson, s.d.).

A Idade Média construiu o cenário em que essas viagem tomaram sua maior expressão. A disseminação da crença de que a peregrinação “lavava os pecados” e o fato de que ela passou a figurar entre as penitências canônicas nessa época favoreceu o movimento dos peregrinos, que aumentava sem cessar. “As dificuldades sofridas durante a viagem a partir de então pareceram até mesmo fazer parte e reforçar a espiritualidade das peregrinações. Depois de se desfazer de seus bens materiais, o fiel estava preparado para o sofrimento e até para a morte”. (MORRISSON, 2009) Roussel (1956) afirma que as peregrinações, nesse período, foram um dos fenômenos mais dinâmicos e influentes. E segundo Santos (2000), em nome delas, muitas estradas foram abertas, muitos hospitais foram construídos e até guerras realizadas. Até mesmo ordens militares religiosas foram criadas, como os Templários, a fim de oferecer proteção aos peregrinos em tempos de paz tão instável. E o autor cita, ainda, as Cruzadas como uma das realizações mais notáveis da história, feitas, a princípio, em favor das peregrinações cristãs. A convicção que levou as peregrinações a se tornarem uma campanha militar nasceu com a desculpa de que esta era uma “Guerra Justa“, que se deveria libertar o centro do mundo espiritual cristão dos turcos mulçumanos, os “infiéis”, que maltratavam seus súditos cristãos e reconquistar e defender os símbolos da morte e vida de Cristo, principlmente o seu túmulo. (MORRISSON, 2009) Ricos e pobres acreditavam que, ao ir ao cumprimento de tal missão, ou se se morresse enquanto a cumpria, teria como pagamento a remissão de seus pecados, e portanto, a viagem poderia ser considerada uma penitência e um sacrifício. Com o surgimento do protentantismo, ao final da Idade Média, houve uma grande diminuição do fluxo de peregrinos no mundo cristão. As especulações e corrupções das quais elas eram alvos, além da crescente urbanização e o aparecimento de novas filosofias e mudanças nos planos político, econômico, social e cultural, contribuíram para que as peregrinações a pé perdessem a expressão de


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outrora e assim o número de pessoas a empreender esssas viagens diminuiu expressivamente em toda a Europa. (SANTOS, 1956) Mesmo assim, no passar dos séculos, a arte sagrada da peregrinação continuou transcendendo limites religiosos, nacionais, culturais e linguísticos pelos séculos (KUJAWA-HOLBROOK, 2013). Ao passo que as áreas urbanas aumentavam a partir do século XVI, Gazoni (s/d) afirma que se acabou criando um ambiente que “favorecia comportamentos inadequados ao cristianismo” e, em consequência, peregrinações a locais afastados desses grandes centros urbanos começaram a ser mais incentivadas. Segundo Salles (2009), “na austeridade desses lugares desabilitados e isolados, em meio a florestas e montanhas, religiosos e fieis buscavam a libertação dos prazeres do mundo.” Ainda completa que: “as peregrinações a esses locais passaram a metaforizar a busca pelo sagrado, e a natureza associava-se à manifestação do divino”. Dentre as mudanças culturais-religiosas, outras tradições, como a vigília e a novena, começaram a ganhar muita força na Idade Moderna, e muitos substituíram a peregrinação por elas. As mudanças no campo de trabalho e nos hábitos cotidianos fizeram reduzir também o tempo disponível para se percorrer as longas caminhadas de fé. (SALLES, 2009) Dessa forma, ao longo dos séculos, a velha tradição foi se transformando, sofrendo adaptações e novas leituras na evolução das sociedades. Ela chegou até o mundo contemporâneo transformada. As motivações que levam hoje tantos a peregrinar não se limitam à busca por devoção, perdão ou para cumprir um castigo ou pedir por alguma graça. Há aqueles que nem mesmo querem ir ao encontro de relíquias ou lugares sagrados. Segundo a SECALL (2009), o peregrino atualmente procura a paz pessoal e “um equilíbrio e conhecimento de si mesmo“. Carunchi (2011) complementa que o peregrino contemporâneo tem a possibilidade de desenvolver uma espiritualidade livre e criativa, e está em busca de um espaço sagrado subjetivo. “As peregrinações podem proporcionar experiências religiosas individuais, incentivando a busca por um ideal de si mesmo e o culto à subjetividade.“


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Parece existir, hoje, uma verdadeira autonomia da experiência do sagrado, como nos aponta Salles (2009), em que a peregrinação pode ser associada à experiência interior de um caminho a ser percorrido por cada indivíduo, que se utiliza de recursos simbólicos próprios. Salles (2009) ainda acrescenta que, no presente, as peregrinações evoluíram para formas de lazer e são oportunidades para reuniões e divertimento. Essa leitura é muito pertinente quando se lembra de que o nosso cotidiano, hoje, pode ser muito estressante, com poucas horas de lazer e dedicação às relações pessoais, por isso, há uma tendência de unir as intenções religiosas aos momentos de lazer e reuniões sociais. Algo que a deixa ainda mais preciosa nesse cenário, é a re-descoberta da solidariedade humana e o sentimento de igualdade que se encontra entre os peregrinos, capaz de extrapolar as posições sociais e a correria cotidiana. Além de seus significados, a forma de peregrinar também sofreu drásticas mudanças. Deve-se considerar que existem várias modalidades de peregrinação. Com a facilidade que os meios de transportes atuais nos permitem cruzar os oceanos, as peregrinações a pé até Jerusalém na Idade Média poderiam parecer a qualquer um verdadeiras formas de penitências. Hoje em dia, é comum ver um grupo de peregrinos ser acompanhado por carros de apoio e se hospedando em hoteis com boa infraestrutura pelo caminho. Algumas viagens são até marcadas em agências de turismo e os peregrinos tem opções de transporte à sua escolha. Segundo Guerra (1999), os principais centros de peregrinação cristã atualmente são: Jerusalém, Roma, Lourdes, Fátima e Santiago de Compostela. E ele ainda destaca, no Continente Americano: Guadalupe (no México), Aparecida (no Brasil) e Luján (na Argentina). Em virtude de sua história tão profundamente ligada à evolução das sociedades e culturas, o ato de peregrinar é considerado por muitos estudiosos intrínseco à natureza humana (SANTOS, 2000). Ele sobreviveu e adaptou-se às mudanças culturais e sociais e até às rupturas religiosas no passar dos milênios. As peregrinações reúnem dimensões religiosas, místicas e culturais que absorvem tantos os valores tradicionais quanto os contemporâneos, em uma multiplicidade de


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discursos e significações. E de fato, significado e história são inseparáveis quando se fala em peregrinação.

7.2. A DIMENSÃO DA PEREGRINAÇÃO NO TURISMO RELIGIOSO De acordo com Dias (2003), a peregrinação é antecessora ao turismo. A instituição deste está ligada ao “aparecimento de pousadas, hospedarias na beira dos caminhos, povoados, portos e cidades onde os peregrinos podiam descansar e dispor de alimentação e até mantimentos para continuar a viagem” (SALLES, 2009), disponibilizando bens e serviços aos viajantes. Nos últimos duzentos anos, a mudança da estrutura do trabalho induziu as pessoas a começar a usar o tempo de descanso não somente para o lazer, mas também para as suas atividades religiosas. Dessa forma, as peregrinações começaram a assumir um maior destaque no conceito do turismo religioso, pois viraram potenciais consumidores. (SALLES, 2009) A partir dessa nova perspectiva, viu-se a mudança do perfil dos peregrinos, que passaram não só a movidos pela fé à procura do sagrado em suas caminhadas, mas também por se interessarem pelas manifestações religiosas como festas, procissões e reuniões sagradas (PINTO, 2006). Salles (2009) comenta que as peregrinações, juntamente às festas religiosas “passam a ser incluídas no calendário de eventos oficiais de cada estado ou região, como um produto turístico de cunho cultural e religioso”. Em vista a esse enorme potencial turístico, algumas regiões procuraram incentivar esse fluxo de peregrinos investindo em marketing e planejamento e obras a fim de “ampliar sua capacidade de recepção e proporcionar alternativas de lazer aos turistas” (SALLES, 2009). As peregrinações fazem convergir para um único lugar pessoas de diversas culturas e línguas, provenientes de todas as partes do globo. E de fato, o turismo é, hoje, uma grande fonte de desenvolvimento. É sabido que o turismo religioso tem promovido a expansão das economias locais, vista a


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demanda por alimentação, lazer, comércio e hospedagem que recebem dos fluxos de peregrinos. (SALLES, 2009) MAAK (2009), a partir da afirmação: “nem todos os peregrinos são turistas e nem todos turistas são peregrinos”, traz à discussão a diferenciação entre o turista e o peregrino. Steil e Carneiro (2008) explicam que cada um vivencia de maneiras diferentes suas experiências e tem percepções diversas do espaço à sua volta. Dessarte, o sentido atribuído à viagem diferente para cada um deles, conforme suas intenções. Dias (2003) concorda, explicando que o peregrino está ligado à sua experiência individual, imerso nas reflexões acerca da sua identidade e que, mesmo que utilize as mesmas instalações turísticas, é diferente do turista religioso, que vê na motivação religiosa somente um pretexto para fazer a viagem. Hoje em dia, existem várias modalidades de peregrinação. Além das tradicionais viagens à pé, é comum se ver agências de viagens as organizando ou grupos e associações promovendo-as com carros de apoio, alojamento reservado e outras facilidades. São elementos que oferecem uma sensação de segurança ao indivíduo, que deseja fugir de preocupações adicionais àquelas que já encontra na vida cotidiana. Steil (2008) ainda vai além, afirmando que o peregrino contemporâneo está acostumado a agir como um consumidor, por isso recorre às facilidades, e não mais como alguém disposto a se sacrificar em sua busca. Mas há outra linha de peregrinos, adeptos da crença que as dificuldades do caminho fazem parte da jornada que buscam empreender em razão da fé. E são elas que tornam a viagem uma “aventura mística” que propicia, além de tudo, o contato com a natureza (SALLES, 2009). São os novos movimentos, como o New Age, que se afastam das filosofias das instituições religiosas tradicionais, opondo-se ao conceito de religião em prol da aproximação do indivíduo com o espiritual, impulsionam esse tipo de crença. (MENDES, 2009) A verdade é que, independente da diferença de suas crenças, milhões de pessoas no mundo se deslocam todos os anos em direção a locais sagrados. E a relevância do fenômeno se dá justamente pela sua dimensão (SANTOS, 2000). A necessidade que o ser humano tem desde os primórdios de sua existência em ampliar seus conhecimentos sobre o mundo e sobre si mesmo o continuará


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impulsionando a viajar. Nessa perspectiva, o turismo religioso só tende a crescer (DIAS, 2003).

7.3. OS ESPAÇOS SAGRADOS DA PEREGRINAÇÃO

Os destinos finais das peregrinções, como se viu ao longo da análise histórica, são lugares que contém um significado sagrado, que podem ser tanto de importância pessoal quanto seculares. Para Salles (2009), a manifestação do sagrado pode estar “contida em um objeto, em uma pessoa, em inúmeros lugares e [inclusive] a natureza não é exclusivamente natural”, podendo carregar um valor sagrado. Segundo Tuan (1983), “os lugares sagrados são locais de hierofania”, sejam eles naturais ou construídos pelo homem, onde deu-se alguma manifestação divina ou aconteceu algum evento de “significado extraordinário”. Gray (2013), um historiador que passou 20 anos pesquisando os lugares e os motivos que os tornam sagrados, afirma que eles são capazes de “curar o corpo, esclarecer a mente, aumentar a criatividade, desenvolver habilidades psicológicas e despertar a alma, em um conhecimento profundo do propósito de vida”. BANGS (2010) complementa, dizendo que o sagrado nos ajuda a desenvolver uma total compreensão e percepção a respeito de nós mesmos. A definição do sagrado depende, na realidade, da percepção do sujeito envolvido (ROSENDHAL, 2001). Em todas as épocas e em todo lugar do mundo em que tenha vivido um grupo de pessoas Kujawa-Holbrook (2013) afirma haver lugares sagrados, cada um com sua particularidade histórica e local e os mais diversos tipos de significados. Segundo o autor, existem os conhecidos como “espaços da memória”, onde os peregrinos se reúnem para celebrar um evento ou pessoa/santo que posssui um significado importante; há também os “lugares silenciosos”, livres de distrações, que convidam o indivíduo a rezar, meditar e se curar; e por último, os “lugares de atividades divinas”, onde é “evidente a aproximação do humano ao divino” e é comum a prática de rituais e celebrações.


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Figura 01: Rio Ganges, um “espaço da memória” segundo Kujawa-Holbrook. Fonte: Band, 2010.

Figura 02: Peregrinos subindo o monte Fuji, um “lugar silencioso” segundo Kujawa-Holbrook. Fonte: Made in Japan, 2009.

Sejam eles paisagens naturais ou espaços construídos, tais lugares são capazes de evocar sentimentos e emoções únicos. Gray, em sua obra, elenca trinta e dois tipos de lugares sagrados, conforme suas peculiaridades. Entre eles estão: montanhas sagradas, corpos de água, ilhas, nascentes com o poder de cura, lugares de antiga importância mitológica, antigos lugares de cerimônias, grutas, labirintos, lugares onde relíquias de santos ou mártires se encontram ou onde santos


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nasceram etc. Segundo Tuan (1974), as cidades surgem em resposta à necessidade de criação de espaço sagrado, além de fatores comerciais e econômicos.

Figura 03: Labirinto Glastonbury Tor, Inglaterra. Fonte: Thompson, 2016.

Figura 04: Newgrange: tumba-gruta de 3200 a.C., Irlanda. Fonte: Vida na Irlanda, 2010.

Em muitas culturas, a arquitetura sagrada baseou-se no “cosmos”, cuja implantação seguia conhecimentos da astronomia e da natureza, representando os deuses e as forças naturais em que acreditavam. E depois, muitas obras arquitetônicas eram concebidas a partir de estudos geométricos de formas e proporções, cujos elementos eram cheios de simbolismos que diziam representar o sagrado (MANN, 1997).


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Esses lugares sagrados muitas vezes estão associados a alguns ritos, símbolos e mitos. Geralmente a vida do peregrino envolve uma série de rituais e práticas muitas vezes milenares (KUJAWA-HOLBROOK, 2013). Segundo o autor, os primeiros peregrinos associados com o cristianismo foram os Reis Magos, que superaram uma longa viagem até um lugar de significado espiritual importante: onde nasceu o menino Jesus. E, como peregrinos ainda o fazem, levaram consigo algumas ofertas: ouro (símbolo da realeza), incenso (símbolo do sagrado) e mirra (que mais tarde virou o símbolo da morte de Jesus). E eis que uma mulher que havia já doze anos padecia de um fluxo de sangue, chegando

por

detrás

dele,

tocou

a

orla

de

sua

roupa;

Porque dizia consigo: Se eu tão-somente tocar a sua roupa, ficarei sã. E Jesus, voltando-se, e vendo-a, disse: Tem ânimo, filha, a tua fé te salvou. E imediatamente a mulher ficou sã. (Mateus 9:20-22)

No cristianismo, muitos destinos estão associados a relíquias, como ossos e vestes de santos, seus túmulos e local de nascimento ou morte. Como no evangelho de Mateus, os fieis acreditam que a santidade das relíquias possa ser transmitida àqueles que fossem vê-las ou tocá-las, promovendo curas. E assim os seus significados se mantêm acessos até os dias atuais. O sagrado também pode estar associado ao sacrifício (do latim sacra facere, ou seja, tornar sagrado). Dessa maneira, muitos interpretam as peregrinações como jornadas sacrificantes (em que se convive com o cansaço, sofre-se com as adversidades naturais e climáticas, sem os confortos e facilidades que tem na vida cotidiana). E ainda autores, como Salles (2009) associam o lugar de origem como sendo profano e o lugar de chegada como um espaço sagrado. Essa abundância de interpretações do sagrado e todo simbolismo e crenças associado a ele é o que contribui para sua essência. É a visão que se tem do lugar sagrado que move os peregrinos até ele. Kujawa-Holbrook (2013) afirma que esses lugares encorajam os viajantes a utilizar-se de todos os sentidos, pois provoca uma apreciação minuciosa de todas as coisas, internas e externas a cada um, que os circundam, inclusive as relações com os outros.


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As experiências que os lugares sagrados proporcionam vão além de suas belezas físicas. “É através da luz, da textura e temperatura da pedra, das cores, da madeira, das artes que eles conseguem inspirar sentimentos e sensações. São lugares em que os peregrinos rezam, cantam, choram, leem, refletem e meditam, oferecendo um local de suporte da fé e cura para cada um, onde podem ocorrem eventos de grande significado espiritual” (Kujawa-Holbrook, 2013). O estudo do espaço sagrado no contexto da peregrinação torna-se, dessa forma, muito importante no campo da Arquitetura, pois nos permite explorar sua relação com a paisagem e com os significados que um espaço pode conter, além de ter uma compreensão da consciência e percepção espaciais que o indivíduo possa ter, em um discurso que coloca sua experiência em primeiro plano.


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PARTE 2 – A ARQUITETURA Após um entendimento histórico e conceitual do fenômeno, esta parte do trabalho direciona-se à análise das teorias arquitetônicias que dialoguem com as suas características, os sentidos que lhe são atribuídos e com as particularidades do e as relações estabelecidas com o espaço em que se insere, guiada pela crença de que a construção da arquitetura deve ser orientada através da leitura do fenômeno.

8.

ESPAÇO E LUGAR

Em uma peregrinação, viu-se que o valor e a relação que o espaço pode ter com o peregrino é o que define a sua essência e singularidade. A definição e compreensão do espaço é um tema fundamental na arquitetura. Tanto é verdade que Netto (1979), em sua obra “A construção do sentido na arquitetura”, define o espaço como sendo o “objeto” da arquitetura e, nas palavras de Zevi (1973), “aquilo que realmente importa na e orienta uma configuração arquitetônica”. O próprio conceito de arquitetura, segundo Netto, vai além do que exprimiu Augusto Perret: “a arte de organizar o espaço”, ela seria a arte de criá-lo. “(a arquitetura) possui o monopólio do espaço. Apenas a arquitetura, entre todas as artes, é capaz de dar ao espaço seu pleno valor. Ela pode nos rodear de um vazio de três dimensões e o prazer que dela se consegue extrair é um dom que só a arquitetura pode nos dar.” (SCOTT, 1939)

Para se compreender o que é o espaço, Milton Santos (2006) propõe seu estudo através da “análise das relações entre espaço mental e espaço físico, dos modos de percepção do ambiente construído e estudo dos espaços físicos e sua utilização social.” Ou seja, ele não tem sentido se estudada somente sua matéria física (a construção), deve-se ser somada à essa as percepções dos e utilizações que os indivíduos fazem dele. Marleau-Ponty (2011) afirma que “o espaço é, em


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geral, a percepção; indica no interior do sujeito [...] uma comunicação mais velha do que o pensamento”. Para Kant (cit. MERLEAU-PONTY, 2011), o espaço não pode existir sem a experiência: “o espaço é a forma da experiência externa e das coisas dessa experiência”. O que interessa à matéria de arquitetura é, pois, a maneira pela qual é percebida e sentida pelo homem (NETTO, 1979), sendo ela capaz de fornecer a matéria física onde se criam tais experiências. Dessa maneira, deve-se interpretá-la não somente do ponto de vista funcionalista, mas de uma maneira mais ampla, a partir do ponto de vista do indivíduo, já que é ele quem dá sentido ao espaço. Outro conceito igualmente importante na matéria de arquitetura é o de lugar. As ideias de lugar e espaço são complementares e fundamentais na teoria arquitetônica pós-moderna (NASCIMENTO, 2013). Assim como afirmou Netto em relação ao espaço, Gregotti (2008) diz que o ato essencial da arquitetura é criar o lugar. Segundo Tuan (1983), “o espaço transforma-se em lugar à medida que adiquire definição e significado”. Esse significado dá-lhe um sentido e lhe confere certa singularidade. No momento em que significados e memórias são atribuídos ao espaço, ele se transforma em lugar, dotando-se de caráter e identidade específica (VISENTIN, 2008). As teorias fenomenológicas sobre o lugar enfatizam a especificidade da experiência pessoal, em que o corpo percebe as qualidades especiais de um espaço e adiciona sentimentos e memórias a ele, criando sua própria experiência. Para conseguir reconhecer os certos valores de determinado lugar, porém, o homem deve render-se à pausa. Segundo Tuan (1983), “lugar, é uma pausa no movimento”. É natural, então, deduzir que o lugar não existe sem seu caráter e identidade, constituídos, por sua vez, de emoções e memórias. O caráter, segundo NorbergSchulz (1976), é “determinado por como as coisas são” e pela “constituição material e formal do lugar”. Pode ser associado a alguma sensação que se tem de um lugar: como uma igreja tem de ser “solene”, uma casa “acolhedora” etc. “Certos lugares, através das nossas experiências, podem ficar gravados no mais profundo da memória e, cada vez que são lembrados, produzem intensa satisfação“ (TUAN, 1983).


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A identidade do lugar é o desvelamento da relação – sempre em transformação - entre o que é atual e o que havia ali antes. É como se o existente carregasse uma parte da herança da memória do lugar. A identidade de um lugar também é o conhecimento sobre as tradições e vicissitudes dos acontecimentos locais, que pode ser “lida” através de “símbolos que se transformam em depósito de memórias históricas, mitológicas e culturais. Nesse modo, pouco a pouco, o conjunto de lugares que formam o contexto se transformam em texto” (VISENTIN, 2008). Identidade também tem a ver com o “sentimento de pertencer” (NORBERGSCHULZ, 1988). Na concepção arquitetônica deve-se, portanto, perceber a essência de um lugar, daquilo que é inerente a ele, sendo indispensável ao arquiteto a capacidade de traduzir na composição de sua obra o caráter e identidade dos lugares em que intervém. Para tanto, projeto deve colocar em campo questões ligadas à composição, ao material e à escala de intervenção (NASCIMENTO, 2013). Em muitos projetos de arquitetura contemporânea, memória e lugar são unificados por meio de símbolos, cores e materiais (VISENTIN, 2008). Esses elementos tornam-se, portanto, meios de expressão que possibilitam a comunicação da obra arquitetônica com o público.

Figura 05: Museu Histórico de Ningbo. Arquiteto Wang Shu. Ningbo, China. Fonte: Archdaily, 2012.


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Nesta obra do arquiteto Wang Shu, ganhador do Pritzker Architecture Prize 2012, a relação entre o passado e o presente é traduzida na escolha dos materiais – o arquiteto reutilizou materiais de tradicionais construções locais, compondo-os em harmonia com os novos – e na sua concepção espacial, que evoca características construtivas

e

modos

de

habitar

ancestral,

propiciando

uma

experiência

emocionante aos habitantes locais que reconhecem naquela obra, sua história e memória. A “essência” de um lugar é sentida de diversas formas. O homem peregrino é movido pela imagem de lugares e espaços que possuem significados e identidades de valores únicos para ele e se conecta a esses de maneira singular e sentimental. Sejam eles espaços naturais ou construídos, o peregrino é um ser sensível e percebe as variadas transformações que se dão ao longo de sua viagem. Para se ter uma experiência e apreciação de um lugar é necessário senti-lo, através das vistas, sons, cheiros e de uma “harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais” (TUAN, 1983). “As lições do Caminho estão geralmente nas pequenas coisas. Surgem como a luz penetrando na neblina, anunciando a chegada de mais um dia. São lições que ensinam antigos segredos a quem observa o vôo dos pássaros e o oscilar dos trigais ou, que despertam a adormecida consciência daquele que contempla o trabalho solitário dos pastores”. Depoimento de Oswaldo, peregrino.


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9.

O ESPÍRITO DO LUGAR O Genius Loci, do latim, espírito do lugar, refere-se à essência do lugar

(NORBERG-SCHULZ, 1976). Os antigos romanos acreditavam que as pessoas, os lugares e inclusive os deuses possuíam seus genius, o espírito que lhes dá vida e “determina seu caráter e essência”. Norberg-Schulz (1979) define o genius loci como “uma verdadeira e própria personificação de um caráter especifico do lugar”. O genius expressa o que uma coisa é ou, nas palavras de Kahn, o que “ela quer ser” (cit. NORBERG-SCHULZ, 1976). Se o espírito de um lugar é determinado pelo seu caráter, a relação entre homem e lugar é imprescindível e capaz de gerar uma “intercambialidade” entre os dois. (NESBITT, 2008) Ou seja, sem os significados e as emoções que uma pessoa atribui a um determinado lugar, seu espírito não existe. O espírito do lugar também não pode ser dissociado da identidade e memóriado lugar. Apesar de um território estar sempre em mudanças, devem continuar a existir uma memória dele, reconhecida através de certos elementos conservados. – Citando novamente o projeto de Wang Shu, exemplificado no item anterior, essa memória ainda reside nos tijolos e pedras das antigas casas que foram reutilizadas na nova construção. – O homem percebe tais elementos com certa “sensibilização e conscientização” da presença de algo “único e inconfundível” (NORBERG-SCHULZ, 1976). Não há, portanto, como conhecer realmente o espírito do lugar sem emoção, memória ou conhecimento sobre ele. Esse espírito “deve sugerir como operar ou como ler o referido lugar” (NORBERG-SCHULZ, 1976). Kandinsky, em sua obra o “Do espiritual na arte” (1996) discute sobre os princípios que o artista deve seguir para que sua obra seja “mãe de nossos sentimentos” e enfatiza que sua busca deve-se voltar para o “próprio conteúdo da arte, sua essência, sua alma”. O artista exemplifica, citando o trabalho de pintores como Cézanne e Matisse, a referida busca pelo conteúdo interior das coisas, o qual busca expressar nas formas exteriores. A forma, para ele, seria a “representação de um objeto (real ou não real)”, a delimitação de um espaço e “possui seu próprio som exterior”, sendo


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ela um “ser espiritual”. Complementa explicando que a forma, enquanto sendo uma delimitação, é a manifestação exterior de um caráter interior (KANDINSKY, 1996). Quando se refere a Matisse, Kandinsky (1996) afirma que o pintor é capaz de “reproduzir o divino”, enquanto Cézanne, sob seu ponto de vista, consegue tratar “os objetos como tratou os homens, pois tinha o dom de descobrir a vida interior em tudo” – a sua “natureza morta” é interiormente viva. Esses artistas tinham o poder, através da harmonia das formas e cores, de fazer florescer, em sua arte, um espírito.

Figura 06: Sala vermelha. Matisse, H. 1908. Fonte: Art Traveling, 2016.

A partir desse entendimento, compreende-se que a escolha da forma que delimita o espaço depende de um “contato eficaz com a alma humana”, devendo ser capaz de comunicar a sua alma e a sua essência; conquistar o “subjetivo através do objetivo”. (KANDINSKY, 1996) Norberg-Shulz (1976) afirma que a arquitetura deve “concretizar o genius loci, por meio de construções que reúnem as propriedades do lugar e as aproximar do homem”. A relação, não só com os objetos construídos, mas também com a natureza é “fundamental para o enriquecimento da experiência humana”. (HEIDEGGER, cit.


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Nascimento, 2013) A intervenção do arquiteto deve ser capaz, portanto, de intensifiintensificar as qualidades naturais do lugar e, segundo Gregotti (2008) de revelar a natureza. A natureza também é dotada de identidade e espírito, ou seja, ela também pode ser considerada um “lugar”. Para Norberg-Schulz, os elementos criados pelo homem e os “caminhos que os conectam” transformam a natureza em paisagem juntamente a outros elementos que contribuem para a formação de memórias e da identidade local. O espírito do lugar é percebido pelo peregrino através das emoções que esse evoca em cada um, associadas às memórias e significados pessoais do lugar presentes no interior do indivíduo. Quando o homem sai em peregrinação, ele desvia seu olhar do exterior cotidiano e o volta para dentro de si mesmo. Nesse estado, sua relação com o “objeto construído”, a “forma arquitetônica” e a natureza inserida numa paisagem provoca uma troca de sensações e sentimentos, que possibilitam o encontro de sua própria essência e das coisas, pessoas e lugares que o rodeiam.


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10.

O VAZIO “O fato de o espaço, o vazio, ser o protagonista da arquitetura é, no fundo, natural, porque a arquitetura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é também, e, sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida.” (ZEVI, 1996).

O vazio em arquitetura é um espaço real. Espuelas (2004) afirma que “vazio e matéria construída formam a polaridade de base da arquitetura”. Além de poder ser utilizado com definição de espaço, como na citação de Zevi, ele pode acrescentar a este essencial valor, portanto, pode-se defini-lo como um atributo da arquitetura. Visentin (2008) explica o vazio como o “silêncio” que deve estar associado ao “não silêncio”, isto é, a matéria construída, à qual se relaciona, refere-se ou à qual se opõe. Como propôs a autora, a ele podem ser atribuídos valores metafóricos e até mesmo simbólicos, quando é aplicado nas percepções, hábitos e sentimentos pessoais, transformando-se em um meio que, dependendo do caso, é capaz de acalmar, consolar, entristecer ou inquietar o sujeito que interage com ele. (ESPUELAS, 2004) Em certo sentido, nessa ótica, o vazio favorece uma ação e ativa a percepção e a consciência do indivíduo, permitindo-lhe contato com seus sentimentos, emoções e “re-encontrar-se a si mesmo”, como afirma Espuelas. O autor, em seu livro O Vazio (2004), procura fazer um ensaio sobre o tema percorrendo a história e a geografia do mesmo, e apontou suas múltiplas qualidades, das quais, para os fins deste trabalho, destacam-se: -

Penetrabilidade: é o significado primário do vazio em contraposição ao espaço ocupado, onde se dão movimento e transformação.

-

Possibilidade: o espaço vazio como espaço “não ocupado ou não caracterizado” é um lugar disponível. Um lugar sobre o qual são projetadas possibilidades, o “território da casualidade”.

-

Flexibilidade: o espaço vazio entendido como falta de caracterização do espaço faz com que esse seja transformável e adaptável a usos alternativos.


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-

Cenário: o caráter transitivo que pode ter o espaço se concretiza na sua capacidade de acolher a ação, humana ou de outro tipo, e destacá-la.

-

Totalidade: o vazio, como lugar não adjetivado, é um reino de possibilidades. Se esta potencialidade é a mesma a todos os níveis, o espaço vazio transforma-se no meio adequado para significar universalidade e globalidade. Nesse contexto, é fiel a visão de Eade e Sallnow (1991), que consideram o

santuário um vazio ao qual qualquer tipo de significado pode ser atribuído por aqueles que reverenciam o lugar. Outros espaços sagrados, como as cavernas e grutas, também manifestam sua força percebida através do vazio. A profunda significação da caverna remonta aos tempos pré-históricos, em que o homem não só se abrigava ali como também pintava figuras simbólicas e fazia seus rituais sagrados. No cristianismo, a caverna está associada com o sepulcro de Cristo, lugar ao qual se direcionavam os primeiros peregrinos. E várias cavernas funerárias também foram destinos de peregrinações desde as construções paleolíticas, como a câmera funerária de Newgrage, já ilustrada no item 7.3. Na contemporaneidade, diversas igrejas são inspiradas em seu significado emocional e sacro, como é o caso de Rochamps, de Le Corbusier, cujas “formas maciças das paredes e da cobertura, o interior pouco iluminado e o espaço misterioso e não geométrico” (BANGS, 2010) evocam a caverna.

Figura 07: Interior da igreja de Rochamps, Le Corbusier. França. Fonte: Foto de Emanuela Berardi, 2016.


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11.

A PAISAGEM

O geógrafo Milton Santos (2006) refere-se à paisagem como um “conjunto de elementos naturais e artificiais que fisicamente caracterizam uma área” e exprime as heranças de momentos históricos diferentes que “representam as sucessivas relações entre homem e natureza”. As formas do passado e do presente coexistem no passar dos anos e a elas são agregados valores, significações e memórias. Rosendahl (2001), nessa linha, confirma que as paisagem existem somente em “relação à sociedade”. Ou seja, ela é uma “testemunha” do homem, sujeito capaz de agir sobre e transformar a natureza, criando espaços que, por sua vez, reúnem formas de determinado valor e função. Nas palavras da autora, ele cria, a partir do que a natureza sugere, “objetos culturais”, em que são “construídas as representações do mundo”. Destarte, a paisagem pode ser vista como uma expressão de cultura: um conjunto transtemporal de formas que concretizam uma reunião de acontecimentos, de memórias e significados (VISENTIN, 2008). “A ideia de paisagem traz em si natureza e sociedade, objetividade e simbolismo” (ROSENDHAL, 2001).

Assim como o lugar, a paisagem apresenta como aspectos fundamentais: a “dimensão subjetiva”, reconhecida como percepção originada da “frequentação, fonte de sensações e emoções”; e a “dimensão objetiva, expressão de elementos presentes no espaço geográfico, morfológico e social” (VISENTIN, 2008). Como se viu anteriormente, a memória do lugar pode fazer manifestarem-se emoções e também é um elemento essencial a se considerar quando se pretende agir sobre a paisagem, pois o passado, presente e futuro são indissociáveis da leitura dessa. Algumas obras arquitetônicas contemporâneas se inserem perfeitamente na paisagem,

conseguindo

representar

uma

imagem

fortemente

significante

(VISENTIN, 2008), como é o caso de Peter Zumthor, no projeto da St. Niklaus Kapelle, na Alemanha:


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Figura 08: Interior da St. Niklaus Kapelle, Peter Zumthor. Mechernich. Fonte: Archdaily, 2011. Figura 09: Vista externa da capela. Fonte: Archdaily, 2011.

A capela, construída a pedido de fazendeiros da região para homenagear seu santo padroeiro, está localizada onde, desde o século XV, os fieis faziam suas homenagens ao santo. O arquiteto, utilizando materiais locais, deixa na paisagem um marco que se insere no contexto histórico, cultural e natural local. Zumthor refere-se constantemente à “atmosfera” de uma obra arquitetônica. A cada criação deve ser atribuída sua própria atmosfera em cada “substância de suas formas”. Para tanto, o arquiteto deve saber “ler” a paisagem e descobrir seus elementos essenciais. “In order to design buildings with a sensuous connection to life, one must think in a way that goes far beyond form and construction.” (Peter Zumthor)

A relação entre projeto arquitetônico e paisagem é complexa, devendo ser feitas reflexões sobre que tipos de intervenções propor. Visentin (2008) orienta que as características físicas essenciais dos lugares permaneçam – ou seja, um “rio continua rio, a planície continua planície” etc – e que as outras relações podem ser


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criadas a partir da composição dos volumes, dos detalhes, “das relações entre arquiarquitetura e o todo, relações entre figura e fundo, entre fundo e figura arquitetônica, leitura do poder da evocação que possuem os lugares, mas também as arquiteturas”. Desse modo, deve-se procurar obter inspiração nas experiências do território (natural ou já há tempos construído) e conhecer seus elementos fundamentais, reconhecendo os fatos naturais tendo como base a memória. Nesbitt (2008) afirma que há três formas básicas pelas quais os lugares construídos se relacionam com a natureza: primeiramente, o homem constrói “o que viu” como forma de expressar “seu modo de entender a natureza” (onde ele entende a natureza “centralizada”, constrói um marco; “onde ela indica uma direção, ele constrói um caminho” etc.); em segundo lugar, ele busca “simbolizar seu modo de entender a natureza” (a simbolização, conforme a autora, “implica traduzir para outro meio um significado experimentado”). E, por último, ele reúne os “significados aprendidos por experiência a fim de criar para si um microcosmo, que dê concretude a esse mundo”. A paisagem natural, assim como a fabricada pelo homem (urbana), reúne as memórias, identidades particulares e espíritos dos lugares que a compõem. É como um sistema narrativo que agrega a história local e emoções pessoais, que pode ser lido pelo atento arquiteto disposto a entendê-la e contribuir para sua composição.


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12.

O SUBLIME Alguns lugares ou paisagens tem uma força singular capaz de comover

intimamente o usuário, através do reconhecimento de certas qualidades e valores desses espaços. Essa capacidade está ligada ao conceito de sublime. À percepção dessas “forças” de lugares excepcionais John Ruskin (Cit. Amaral, 2011) chama de “primeira impressão”, que corresponde à captura do “espírito” ou do caráter local (AMARAL, 2011). Ela provoca uma sensação extraordinária e, segundo Ruskin, ela seria “grandiosa” e estaria “acima da compreensão humana”. Mas essa sensação não existe por si só. O autor relaciona a percepção do espírito da coisa pelo indivíduo às memórias que o último carrega de sua experiência. A sensação de se estar diante do sublime, ou seja, daquilo “em comparação com o qual tudo o mais é pequeno”, ultrapassa a “medida dos sentidos” (KANT cit. NASCIMENTO, 2014), e pode ser objeto de reflexão. Nascimento (2014), em sua análise do pensamento kantiano sobre o belo e o sublime, afirma que o último “não deve ser procurado nas coisas da natureza, mas em nossas próprias ideias”, ou seja, ele é capaz de evocar reflexões internas a respeito do que é visto e sentido. A contemplação, neste caso, está associada ao juízo que o indivíduo faz daquilo que presencia e sente. Em seu estudo, Nascimento (2014), atesta que o sublime (que está vinculado à ideia de grandeza) não pode estar contido em nenhuma forma, mas apenas no interior do sujeito, em sua imaginação - esta, segundo o autor, “é capaz de avaliar a grandeza de cada objeto” -. E, apenas na natureza ele pode existir, pois seus “fenômenos comportam a ideia de infinitude”. Em suma, o sujeito apreende do lugar características excepcionais através dos seus sentidos e imaginação, que, por sua vez, provocam-lhe sentimentos e sensações, associados à sua memória e juízo, em uma experiência não apenas contemplativa, mas também compreensiva. O artista, através de sua própria linguagem, permite ao espectador o acesso ao sublime. Na arte contemporânea, o tema é bem expressado por Barnett Newman,


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em sua obra Vir Heroicus Sublimis (latim para “homem, heroico e sublime”). O artista procura transmitir ao expectador a ideia de encontro, que não seria diferente de se encontrar uma pessoa: quando se encontra alguém, segundo ele, tem-se uma reação

que

possui

um

significado,

que

“afeta

ambas

vidas”.

(http://www.moma.org/collection/works/79250). Nessa obra, o campo visual do observador é imerso na cor vibrante da obra, onde se dá um diálogo entre os dois, através da percepção do sujeito sobre aquilo que lhe expressa o quadro, evocando sensações particulares e reflexões sobre o significado daquilo.

Figura 10: Vir Heroicus Sublimis. Newman, Barnet. 1950. Fonte: Art Versed, 2015.

O movimento Romântico também é conhecido por estabelecer esse tipo de relação entre arte e sujeito. Ele tem como uma das suas principais características o culto à natureza como “ilimitada, selvagem e em eterna mudança, sublime e pitoresca”. Ela era como um “veículo das emoções que o artista pretendia evocar” (JANSON 1996).


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Figura 11: The Gate in The Rocks, Karl F. Schinkel, 1818. Fonte: Kunstkopie, 2016. Figura 12: The Cross in the mountains, Friedrich, C. 1812. Fonte: Kunstkopie, 2016.

Caspar David Friedrich, um dos mais importantes pintores Românticos, causou muita discussão com a obra “A cruz nas montanhas”, devido ao modo radical em que transmitiu uma mensagem religiosa através da paisagem, dotando-a de uma atmosfera mística: “The cross points the way to the latter, while the rocks and the trees are symbols of faith”. (GRAHAM-DIXON, 2008) “A painting must not be devised but pereived. Close your bodily eye, so that you may see your Picture first with your spiritual eye”. Caspar David Friedrich (cit. Graham-Dixon)

Na arquitetura, as igrejas góticas conseguem, ainda aos olhos de um homem contemporâneo, evocar sentimentos que o transportam para o sublime. Como exemplo, deve-se citar a Notre-Dame de Chartres (1194-1220), França. Sua importância pode ser medida pelas palavras de Janson (1996): “a magia de seu interior, inesquecível para quem lá esteve, é quase impossível de ser reproduzida


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por ilustrações”. Isso se deve, entre outras suas particularidades, pelo fato de seus vitrais serem, em grande parte, ainda os originais. Segundo o autor, as suas janelas “mui sagradas” inundam a igreja de uma luz que se torna divina, “uma revelação mística do espírito de Deus”, dotada de “valores poéticos e simbólicos”. A luz penetrante soma-se à grandeza da obra, cuja estrutura e pé direito “esmagam” o indivíduo, em uma representação da grandiosidade do poder divino – que possuía papel essencial na sociedade medieval. Esses elementos dão à obra um aspecto sublime, submetendo o homem à sua contemplação. (PULS, 2006)

Figura 13: Interior da Catedral de Chartres. Fonte: Atmospherics, 2016.

Ainda hoje, a catedral de Chartres é um destino muito procurado por peregrinos, muitos dos quais ainda percorrem ajoelhados o seu famoso e magnífico labirinto. Kant (Cit. Nascimento, 2014) relata também sobre a existência do sublime espiritual, em que o homem, consciente da grandiosidade de Deus, contempla a sua divindade, reverenciando-o.


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Em seu movimento, o peregrino muitas vezes se depara com paisagens exuberantes, com situações incomuns e inimagináveis em seu cotidiano e com momentos de expressão máxima de sua fé, que o levam à pausa, à contemplação e à reflexão. Ele alcança, em vários pontos de seu caminho, o sublime.

Figura 14: Vista para a Serra da Mantiqueira, por onde passa o Caminho de Aparecida. Fonte: Acervo pessoal, 2016.

Pode ser feita uma analogia dessa paisagem às pinturas românticas, como a de Friedrich:


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Figura 15: Morgen im Riesengebirge, Friedrich, 1810. Fonte: Kunstkopie, 2016.

“Os poetas românticos começaram a cantar louvando o esplendor da montanha, as gloriosas alturas que arrebatavam suas almas até o êxtase. Não eram mais remotas e ominosas, as montanhas possuíam uma beleza sublime que era o que estava na terra mais perto do Infinito” (TUAN, 1983).

E então, do movimento, o peregrino entra em pausa. Captura a grandiosidade daquilo que vê e vivencia. Então, reflete sobre sua existência, procurando em seu interior os significados daquilo que procura e daquilo que sente. No contexto da peregrinação, a poética se faz necessária. A preocupação do arquiteto em - como o artista - evocar o sublime na arquitetura, através da escala, da luz e outros elementos que podem contribuir em determinada situação, torna-se um fragmento desse percurso à arquitetura da peregrinação.


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13.

FENOMENOLOGIA DA ARQUITETURA A origem da palavra fenomenologia vem do grego e se refere ao estudo

daquilo que se manifesta aos sentidos ou à consciência (NASCIMENTO, 2013). Ou seja, ela investiga as maneiras pelas quais a consciência percebe os fenômenos exteriores, relacionados à percepção e às experiências. Tais ideias afloraram no pensamento arquitetônico após a Segunda Guerra Mundial, quando este começa a ser reformulado em frente às novas demandas que incluíam a reconstrução de bens históricos e da memória da sociedade (principalmente a europeia) (NASCIMENTO, 2013). Nesse ínterim, a teoria Modernista - e sua bandeira funcionalista - foram postas em discussão, principalmente no campo urbanístico. Vários teóricos começaram a lançar, então, as novas ideias, ressaltando a importância de uma “arquitetura pensada para um homem concreto e sobre a humanização dos espaços” (NASCIMENTO, 2013). Autores como Aldo Rossi, Christian Norberg-Schulz e Kevin Lynch publicaram importantes obras nas quais a preocupação pela leitura e entendimento do lugar e das necessidades locais e particulares e do entendimento das relações estabelecidas entre homem e lugar. Essa linha de pensamento contrasta com a atemporalidade e neutralidade da teoria Modernista, segundo a qual os edifícios poderiam ser replicados em qualquer lugar do mundo, sem preocupar-se com as condições culturais e específicas do lugar (o famoso “Estilo Internacional”), que não mais servia para as necessidades do pós-guerra. Os novos conceitos que foram experimentados na prática alcançaram várias correntes arquitetônicas – como o neorrealismo italiano, o novo empirismo escandinavo e o realismo soviético –, levando em consideração temas como o respeito à identidade e memória local, o retorno de tradições vernaculares, a experiência pessoal em relação à obra arquitetônica, a representação do lugar e a evidência do seu caráter (BUZÓ, s/d).


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A relação entre arquitetura e fenomenologia se dá a partir do entendimento da primeira através da percepção dos objetos ou fenômenos arquitetônicos, das sensações que eles transmitem e das emoções que provocam (BUZÓ, s/d). A arquitetura, segundo Netto (1979), não é somente o real e o útil, mas principalmente, constituída pela relação entre “consciência individual e objeto”. A dimensão artística de uma obra não existiria sem essa consciência pessoal, como afirma Pallasmaa (1986): “seus significados (da obra de arte) não estão contidos na formas, mas nas imagens transmitidas por elas e na força emocional que elas carregam”. A experiência de uma obra está nessa interação entre os sentidos individuais do sujeito e a leitura mental que ele faz do objeto. “O efeito da arquitetura provém de uma série do que se pode chamar de sentimentos primordiais. Esses sentimentos formam o genuíno “vocabulário básico” da arquitetura, e é trabalhado com eles que a obra se torna arquitetura e não, por exemplo, uma escultura de grandes dimensões ou uma cenografia” (PALLASMAA, 1986).

Ábalos (2009) define dois tipos de relação entre homem e mundo: uma de natureza instânea, ativada pelas experiências sensoriais do momento presente, onde há uma relação instantânea entre coisa e sujeito; e uma outra, em que a percepção é provocada pela memória e pelo significado já construído de algum objeto. Segundo o autor, o olhar fenomenológico se fundamenta na intensidade da relação entre pessoa e espaço, tanto a nível emocional quanto intelectual, na qual o “corpo sensível” se constrói na experiência. “A arquitetura continua a exercer um impacto direto sobre os sentidos e os sentimentos. O corpo responde, como sempre tem feito, aos aspectos básicos do plano como interior e exterior, verticalidade e horizontalidade, massa, volume, espaciosidade interior e luz” (TUAN, 1974).

A obra Topofilia, de Tuan (1974) leva em seu título um conceito que associa sentimento com lugar e nela o autor define experiência como a maneira pela qual o homem constrói e conhece a realidade; ela implica a capacidade de aprender


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a “partir da própria vivência”. Tuan garante que o “espaço construído pelo homem pode aperfeiçoar a sensação e percepção humana”. “A experiência mais vasta e possivelmente mais importante que se pode ter da arquitetura é a sensação de estar em um lugar único. Uma parte dessa intensa sensação do lugar é sempre a impressão de algo sagrado: este lugar é para seres superiores”. (PALLSMAA, 1986)

Steven Holl, em seu ensaio sobre a fenomenologia na arquitetura (2011), pergunta-se se consegue transmitir, por meio da palavra escrita, aquilo que a arquitetura é capaz de nos fazer experimentar. Mas, sendo a arquitetura também um “espaço discursivo”, rapidamente chega à conclusão de que as “palavras não conseguem se concretizar no espaço nem na experiência sensorial material e direta”, portanto, não podem “substituir a autêntica experiência física e sensorial que o espaço arquitetônico nos permite” (HOLL, 2011). A arquitetura, para que seja capaz de ser um espaço discursivo, assim como um texto escrito, deve deixar de ser um “mero refúgio” e, nas palavras de Holl, “seu significado como espaço interior deve ocupar um espaço equivalente dentro da linguagem” (HOLL, 2011). O autor ainda afirma que a arquitetura é a única arte capaz de “despertar simultaneamente todos os sentidos, todas as complexidades da percepção”. Somente ela pode oferecer uma experiência real de todos os fenômenos do ambiente: “a luz cambiante com o movimento, o cheiro e os sons que ecoam no espaço e as relações corporais de escala e proporção” (HOLL, 2011). A “força” da experiência que a arquitetura pode nos passar está além das sensações e impressões que nos envolvem nos seus fenômenos físicos, ou seja, na percepção exterior, ela reside também na percepção interior, do “ponto de vista intelectual e espiritual” (HOLL, 2011). O arquiteto, sob esse ponto de vista, é desafiado a criar uma obra que proporcione a totalidade da experiência. E Pallasmaa (1986) afirma que a experiência proporcionada pela arquitetura é de solidão e silêncio, ela existe em um diálogo “particular” entre a obra e o indivíduo. “Embora as sensações e impressões nos envolvam silenciosamente nos fenômenos físicos da arquitetura, a força generativa radica nas intenções que residem além dela” (HOLL, 2011).


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Para Peter Zumthor (2003), a qualidade arquitetônica está na capacidade de a obra conseguir comover o usuário. Segundo ele, as cores, os sons, os odores, os materiais, as texturas, as formas e outros são os componentes que contribuem para isso. O arquiteto concorda com Holl e Pallasmaa e também fala do intercâmbio que deve haver entre o objeto arquitetônico e o indivíduo, no qual existe um âmbito interior e um exterior na relação com a arquitetura – no qual homem e obra possuem a mesma importância. BUZÓ (s/d), em sua análise sobre os pensamentos de Zumthor e de Holl, afirma haver uma diferença notável entre as concepções de ambos sobre a percepção interior: enquanto o segundo se demonstra mais “conceitual”, devido à sua preocupação com o significado que o usuário atribui à obra, Zumthor é mais “emocional”, afirmando que o edifício deve comover o usuário no âmbito interior.

Figura 16: Interior da Termas de Vals, Peter Zumthor. Graubünden, Suíça. Fonte: Il sole 24 ore, 2009.

Nas termas de Vals, Peter Zumthor inspirou-se na montanha, na água e na pedra. Partiu da intenção de “construir o edifício como o lugar” (BUZÓ, s/d), escavando-o na montanha e fazendo alusões à caverna. O quartzito de Vals, pedra encontradas na região, foi o guia do projeto. Nessa obra, o arquiteto cria atmosferas únicas a partir de luz e sombra, espaços abertos e fechados, texturas da pedra, as temperaturas da água e dos ambientes e dos sons reverberados pelas paredes de pedra, oferecendo uma experiência sensitiva única.


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14. LAND ART COMO FORMADORA DO ESPAÇO A conexão entre indivíduo e natureza é primária à condição humana. E entre eles, estabelecem-se diversos tipos de relações . Kastner (1998) afirma que o homem possui certos dons e ambições que fazem com que ele aspire mais do que apenas a sobreviver, desejando também em deixar sua marca, inscrevendo-na suas observações na tentativa de “transgredir” o espaço em que se encontra. O autor cita que a paisagem funciona tanto como uma lente quanto como um espelho: “nela, vemos o espaço que ocupamos e nós mesmos à medida que o ocupamos”. Artisticamente, os homens honram e desafiam a natureza de formas criativas, atavés de objetos ou imagens, que a documentam, idealiza e às vezes a subestimam (KASTNER, 1998). A chamada Land Art inclui-se na gama de trabalhos que dão essa “resposta artística” à paisagem. (KASTNER, 1998) Segundo Beardsley (1998), a paisagem não recebia tamanho destaque desde o século XIX. O termo nasceu na década de 1960 e referia-se às obras que surgiram em áreas desérticas dos Estados Unidos, “em que a paisagem e a obra de arte estão indissociavelmente ligadas” (WEILACHER, Cit. SAWADA, 2011). O período histórico em que essa manifestação artística surgiu é caracterizado pelo clima conturbado das manifestações e mudanças ideológicas. A insatisfação da população ante às guerras, as crises energéticas e o início da conscientização sobre os limites dos recursos naturais refletiram-se nas artes e, dentre os movimentos criados, está a Land Art (SAWADA, 2011). Com o passar das épocas, o movimento foi crescendo e tomando novas formas, agregando novas ideologias, abordagens e ferramentas. As intervenções propostas pela Land Art são fundamentalmente esculturais e/ou performáticas, pensadas para lugares específicos e que utilizam materiais provenientes desse ambiente natural a fim de criar novas formas ou transformar as percepções do panorama existente (KASTNER, 1998). Os artistas de Land Art utilizam-se da paisagem como elemento principal de suas obras, que dependem do e interagem com o entorno, que podem se dar por


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meio da exploração da topografia local e das demais características físicas da paipaisagem. As relações de dependência e pertencimento à paisagem tornam as obras da Land Art diferente das outras esculturas, que podem existir em diferentes contextos e ainda possuir o mesmo significado. Juntamente a essas características, Sawada (2011) afirma que a monumentalidade das obras também representam a particularidade desse movimento. A relação da Land Art com a paisagem não se dá somente através da representação dessa, como ocorre nas pinturas. Mas possui uma essência espacial e surge, principalmente, por meio da introdução dela no ambiente, que possibilita uma interação física entre ambas. Essa particularidade também estabelece outra relação importante: a do indivíduo com a obra, que se dá por meio da percepção e reflexão.

Figura 17: The Lighting Field, Walter de Maria. New Mexico, 1977. Fonte: Lapham’s Quarterly, 2016.

Nesta obra de Walter de Maria, a especificidade do lugar sugeriu ao artista um modo de proporcionar aos espectadores uma experiência única. Instalados em um campo onde há grande incidência de raios em New Mexico, Estados Unidos, os


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para-raios evocam a natureza a demonstrar sua grandiosidade, promovendo ao susujeito a percepção do sublime. Como afirma Steven Holl (2011) em seu ensaio sobre a fenomenologia e arquitetura, esta última é a única manifestação artística que permite uma total experiência do espaço por poder ser vivenciada. A Land Art também reúne essas qualidades. Para se ter uma total experiência da obra, o indivíduo deve ultrapassar a mera contemplação e ir à experimentação do espaço, percorrendo os caminhos que ela possibilita, tomando consciência dela através dos sentidos. E pode ser concebida a partir das relações entre “espaço, tempo, luz e campo de visão do observador”. (SAWADA, 2011)

Figura 18: Complex City, Michael Heizer. Garden Valley, Nevada. Fonte: Cedric Bernadotte, 2016.

Essa obra relaciona arquitetura, escultura e paisagem, trabalhando a percepção da escala do visitante. Foi construída com rochas vulcânicas e concreto e, uma vez dentro da Complex City, o indivíduo é confrontado pelas enormes esculturas e não consegue ver nada além do céu acima de si. O artista observa: “É interessante construir uma escultura que tenta criar uma atmosfera de admiração. A escultura de dimensões arquitetônicas cria tanto o objeto quanto a atmosfera de admiração. (...) Admiração é um estado de espírito semelhante à experiência religiosa (...) criar um trabalho de arte transcendental significa ir além de tudo”. (KASTNER, 1998)


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Sawada (2011) afirma que, a partir dos anos 1980, a obra de Land Art deixa de ser somente escultura, passando a se tornar projeto, devido ao fato de o escultor não possuir “conhecimentos arquitetônico e técnicos de um projeto”. Começam, então, a surgir parcerias entre arquitetos e artistas na concepção desses trabalhos. Não demorou para que a Land Art passasse também a integrar a paisagem urbana e, em diversos casos, esculturas foram criadas em projetos de revitalização de áreas degradas, na recuperação de ex-zonas industrias e na renovação urbana de modo geral, como o projeto de Johanson, idealizado para revitalizar a lagoa do Fair Park, no Texas:

Figura 19: Fair Park Lagoon, Patricia Johanson. Dallas, Texas. Fonte: Johanson Patricia, 2016.


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15. ESTUDOS DE CASO 15.1 RUTA DEL PEREGRINO, MÉXICO. A tradição conta que a estátua da Virgem do Rosário foi feita pelos índios “tarascos” de Michoacán e levada a Talpa em 1585 e, desde então, centenas de milagres foram concedidos pela santa e numerosos peregrinos começaram a viajar para vê-la e adorá-la. (RUTA DEL PEREGRINO, 2016) A maioria dos viajantes vai a pé, mas também se encontram aqueles que vão de bicicleta. Em alguns trechos, deve-se seguir pelos acostamentos das estradas, passando também por povoados que oferecem aos peregrinos lugares para repouso e refeições, onde se saboreiam tradicionais pratos jalicenses. A vegetação e o relevo do caminho são bastante diversificados: há áreas de bosque, planícies de vegetação baixa e montanhas – a altitude máxima chega a 1950 metros. A Ruta del Peregrino é o percurso de peregrinação mais percorrido em todo o México e desde a construção do Santuário da Virgem do Rosário, na cidade de Talpa de Allende, o número de peregrinos vem crescendo constantemente a cada ano. Atualmente, aproximadamente dois milhões de peregrinos vão ao encontro da imagem da santa, principalmente no mês de março (Uncube Magazine, s/d). São 117 km de trilhas e estradas pelas paisagens de Jalisco, que iniciam na cidade de Ameca e terminam em Talpa de Allende.

Mapa 01: Localização da rota, no estado de Jalisco, México. Fonte: Dellek Arquitectos, 2016.


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Visto o crescente número de viajantes – somente na Semana Santa são mais de dois mil peregrinos que percorrem o caminho – e a demanda de infraestrutura para atendê-los, a Secretaria de Turismo do estado de Jalisco lançou um concurso para o projeto de estruturas ao longo da rota. Em 2008, Emilio Gonzaléz, então governador do estado de Jalisco, anunciou um investimento de 90 milhões de pesos para melhorar a infraestrutura da rota. O Masterplan foi desenvolvido pelos mexicanos Derek Dellekamp, Tatiana Bilbao e Rozana Montiel e foi apresentado na Bienal de Veneza em 2012. Os idealizadores comprometeram-se com a tradição e paisagem local. As infraestruturas e as peças arquitetônicas foram organizadas ao longo do caminho com a intenção de enriquecer o tradicional percurso e maximizar a economia local, prevendo um aumento do fluxo de viajantes, atraídos pelas obras e pela garantia de uma viagem mais segura. O Masterplan previu a construção de landmarks arquitetônicos além de estruturas básicas de serviços. Para os projetos arquitetônicos, contribuíram nove escritórios de arquitetura: Ai Weiwei (Fake Design), Luis Aldrete Arquitectos, Tatiana Bilbao, Christ

&

Gantenbein, Dellekamp

Arquitectos, Alejandro

Aravena (Elemental), Godoylab, HHF Architects, and Rozana Montiel (Periférica) (http://www.archdaily.com/tag/ruta-del-peregrino). Além do grupo de arquitetos trabalhando nos marcos, foi contratado um designer mexicano, Emiliano Godoy, cuja empresa projetou estruturas de serviços básicos (banheiros, reservatórios de água, sinalização) para integrar e sanar as principais necessidades apontadas. O projeto é composto de três mirantes – em lugares propícios para se admirar a Serra Madre Occidental –, três ermitas laicas, seis lugares de descanso, dois lugares para hospedagem dos peregrinos e uma escultura dedicada à gratidão e virtude. Os marcos são estruturas simples que envelhecerão como parte da paisagem e conferem certo tom poético à rota, integrando referências a antigas tradições às memórias coletivas, além de promover uma relação pessoal entre peregrino e o trajeto. Além de estarem integradas à paisagem, elas fazem parte de um discurso único e algumas podem ser vistas a partir da outra, indicando o caminho a seguir,


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servindo de referimentos para o peregrino. Os habitantes locais também se apropriapropriam das construções: próximo a algumas delas instalam suas vendinhas ou apenas algumas cadeiras e ficam ali a relaxar, como um ponto de encontro. Até o presente, não existem placas indicando usos ou explicações para as estruturas - a interpretação é livre. Eles se apropriam do espaço como o entendem ou é sugerido. Até mesmo a referida “tradição” de pichar as paredes com os seus nomes é uma forma não só de marcar sua passagem por ali, apropriando-se do lugar e criando memória dele.


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Mapa 02: Masterplan - Localização das intervenções arquitetônicas ao longo do percurso, que começa em Ameca, (à extrema direita) e termina em Talpa de Allende (à extrema esquerda). Fonte: Archdaily, 2011.


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Sobre os projetos:

Mapa 03: Altimetria esquemática da Ruta del Peregrino, sinalizando as intervenções. Fonte: Produzido pela autora, com base em Ruta del Peregrino, 2016.

Mapa 04: Masterplan esquemático da Ruta del Peregrino, sinalizando as intervenções de acordo com as altitudes. Observações: a letra “A” corresponde a Ameca e a “B”, a Talpa de Allende. Os números correspondem às intervenções apresentadas a seguir. Fonte: Produzido pela autora, com base em Ruta del Peregrino, 2016.

Analisando os mapas de altimetria e das distâncias entre um landmark e outro, nota-se que a distribuição das intervenções foi pensada a partir da caminhada do peregrino e da topografia do terreno: nas ascensões mais difíceis, a distância entre os pontos são menores do que em terrenos mais fáceis, como os vales ou descidas dos picos.

1. La Gratitud, Dellekamp Arquitectos e Tatiana Bilbao: A Gratitud, também chamada de “capela aberta” é a primeira intervenção escultural da rota, em que quatro muros que formam de cruz abstrata e apontam para os pontos cardinais, iluminada pelo céu. Os autores do projeto imaginaram-na como um “lugar de silêncio e paz” e, antes de acessar esse espaço de reflexão,


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deve-se subir uma rampa que indica o “muro das promessas”, onde os peregrinos declaram sua busca pessoal, ou seja, o motivo da peregrinação. O espaço simbólico de gratidão e reflexão inicia e guia o peregrino em sua viagem, onde ele se relembra dos motivos que o trouxeram ali, deixando mais viva nele a sua busca. Inclusive, muitos peregrinos escolher iniciar ali sua jornada, ao invés de em Ameca. O marco fica a aproximadamente 20 km de Ameca e foi construído em concreto aparente, o que lhe permite certa longevidade sem intervenções e manutenções frequentes. Está localizada no povoado de Lagunillas, a 1300 metros de altitude.

Figura 20: La Gratitud. Dellekamp Arquitectos e Tatiana Bilbao. Fonte: Archdaily, 2011.

Figura 21: Implantação da La Gratitud. Fonte: Archdaily, 2011.


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À direita da “cruz” estão as paredes – ou “muro das promessas – onde os peregrinos deixam suas marcas, pedidos e lembranças em fotos, escritos, cartas, imagens etc.

Figura 22: Vista interna e para cima da capela. Fonte: Divisare, 2016.

Figura 23: Perspectiva externa da capela La Gratitud. Fonte: Divisare, 2016.


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2. Cerro del Obispo, Christ & Gantenbein A coluna está no pico do Cerro del Obispo, a 19540 metros de altitude. Ela projeta-se 26,55 metros para o alto e demarca a paisagem. O visitante pode acessála por um rasgo feito na sua base e, uma vez dentro, ele olha para cima e só avista o céu e toda a luz que entra e reflete nas paredes esculturais, formando um contraste com a escuridão do ambiente, oferecendo ao peregrino um lugar para a introspecção e reflexão, onde ele pode perceber também a beleza do céu e criar suas associações e significados. A escultura possui um perfil curvo e sua estrutura compreende em uma forma básica repetiva verticalmente seis vezes, o que lhe confere uma escala imponente na paisagem e que contribui para a criar a penumbra e isolamento do interior, que contribui para a atmosfera do ambiente e, portanto, para a experiência do peregrino. Em face à escala da estrutura e a luz longínqua do céu, o homem sente-se pequeno e depara-se com a imensidão e pureza daquele elemento iluminado. É como uma experiência e reconhecimento do sublime e do espírito do lugar. O arquiteto usou uma linguagem fenomenológia e, escolhendo por não usar nenhum simbolismo religioso, possibilita um discurso mais abrangente, focando-se na experiência espiritual do espaço.

Figura 24: Planta e corte do Cerro del Obispo. Fonte: Dezeen, 2012.


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Figura 25: Vista interna do Cerro del Obispo. Fonte: Dezeen, 2012.

Figura 26: O Cerro del Obispo inserido na paisagem. Fonte: Dezeen, 2012.

3. Ermita, Ai Weiwei. A terceira obra que o peregrino encontra em seu caminho é a ermita de Ai Weiwei, um artista e arquiteto chinês. O projeto constitui-se em um caminho, que se inicia enterrado na colina e se eleva, abrindo-se à paisagem ao passo que o indivíduo o percorre.


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A linha que o artista propõe direciona o peregrino para fora da trilha que está percorrendo para se encontrar com a paisagem e dedicar-se a ela. A obra simboliza a passagem do íntimo à amplitude. Ao longo da passagem, Weiwei criou um banco contínuo que faz parte do muro para possibilitar ao peregrino uma parada onde ele achar que deve parar e talvez, contemplar a paisagem, refletir ou simplesmente descansar. A estrutura é feita de âmbar, encontrada no local, criando uma relação direta entre o percurso do peregrino e a natureza que o rodeia.

Figura 27: Seções da ermita de Weiwei. Fonte: Archdaily, 2011.

Figura 28: Elevação da ermita. Fonte: Archdaily, 2011.


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Figura 29: Implantação da ermita. Fonte: Ivan Baan Fotography, 2016.

Figura 30: Perspectiva interna da ermita. Fonte: Ivan Baan Fotography, 2016.

4. Refúgios Estanzuela e Atenguillo, Luis Andrete. Estanzuela é o primeiro ponto proposto para servir de abrigo ao peregrino cansado. Situa-se a 1400 metros de altitude e está a 62,5 quilômetros de Ameca. Já Atenguillo, o segundo proposto também por Andrete, localiza-se a aproximadamente 66 quilômetros da primeira cidade da rota e a 1300 metros do nível do mar. A estratégia do arquiteto consiste em módulos que podem ser multiplicados, dando forma ao projeto, possibilitando que seja adaptável e que flexível. Luís Andrete, assim como Weiwei, também utilizou materiais locais: a terra - fez dela


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seus tijolos de cor característica – e as pedras de âmbar, usadas na fundação. Essas escolhas refletem respeito à identidade e memória regionais. O programa consiste em uma área livre, que os peregrinos ocupam e compartilham como entendem e uma zona de serviços, com instalações sanitárias e um espaço para refeições.

Figura 31: Vista interna do refúgio idealizado por Andrete. Fonte: Archdaily, 2011.

Figura 32: Vista externa do refúgio. Fonte: Archdaily, 2011. Figura 33: Detalhe dos materiais no refúgio. Fonte: Archdaily, 2011.


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Figura 34: Planta baixa do refúgio. Fonte: Archdaily, 2011.

5. Construção do Santuário Mesa Colorada, Tatiana Bilbao. A Ermita Las Majadas é composta por uma pirâmides feitas a partir de planos inclinados que se encontram e criam um espaço interior semiaberto, configurando um espaço para reflexão, meditação e descanso. A construção se situa a 1500 metros de altitude, na encosta da montanha e integra-se ao ambiente local como se fosse uma caverna, um espaço íntimo. Em algumas obras, os peregrinos escrevem seus nomes ou daqueles que levam consigo em sua viagem. Em entrevista para a revista Uncube (número 01, s/d), o fotógrafo Iwan Baan, que percorreu a rota mais de três vezes a fotografar os marcos e os peregrinos, diz que quase todos os viajantes carregam sprays e assinam sua passagem em vários elementos que veem pelo caminho: pedras, igrejas, casas, árvores e inclusive nas novas estruturas.


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Figura 35: Vista externa da obra. Fonte: Milenio, 2016.

Figura 36: Projeto da Ermita. Fonte: AID, 2012. Figura 37: Maquete da Ermita. Fonte: AID, 2012.

6. Mirante Espinazo del Diablo, HHF Architects. Na ascensão em direção ao ponto mais alto da rota, encontra-se, a 1600 metros de altitude, o mirante do escritório suíço HHF. Os peregrinos são convidados a


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subir uma estrutura em espiral, que os leva até um terraço do qual se tem uma vista a 360º da paisagem circundante. O desenho sugere a passagem do interior ao exterior, o peregrino é guiado a uma volta completa na obra e, na parte inferior, coberta pela plataformamirante, há uma área aberta, delimitada pelas paredes de concreto da estrutura, que possuem rasgos em forma de arcos assimétricos que enquadram várias perspectivas da construção e da paisagem. Na parte mais interna dessa área, um dos arcos foi fechado com uma parede de tijolos cuja abertura em forma de cruz dá acesso ao ambiente íntimo e escuro, local para se rezar, meditar e descansar.

Figura 38: Vista superior do mirante. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.

Figura 39: Integração do mirante com a paisagem local. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.


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Figura 40: Vista interna da parte inferior da obra. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.

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Mirante Espinazo del Diablo, Alejandro Aravena e Diego Torres, Elemental. O projeto do escritório chileno Elemental parece deitar-se na montanha. Ele se

encontra a, aporoximadamente, sete quilômetros de distância do mirante em espiral e a uma altitude de 1800 metros. A estrutura em concreto é aberta nas suas duas extremidades: a que se volta para a trilha enquadra a vista de um campo de cruzes, deixadas ali pelos peregrinos (em homenagem a alguém que gostaria de fazer a peregrinação mas por alguma impossibilidade não o pode) e, da outra parte, avista-se o caminho percorrido e a paisagem à sua frente. Um outra particularidade dessa construção está no fato de que, no teto, há uma abertura com a imagem da santa que é projetada para o interior do ambiente, onde os peregrinos podem rezar, contemplar a paisagem, descansar e refletir.


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Figura 41: Mirante no Espinazo del Diablo. Fonte: Archdaily, 2011.

Figura 42: Interior do mirante no Espinazo del Diablo. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.

8. Templo Vazio, Dellekamp Arquitectos e Periférica. O último marco da Ruta é o Tempo Vazio. É um círculo implantado em um terreno irregular, que ora parece flutuar, ora está sobre o solo firme. Os arquitetos, além de incluírem a topografia na concepção do projeto, escolheram a forma de um anel para simbolizar a jornada do peregrino: uma caminhada que não se encerra ali, não há fim, assim como sua fé. Além disso, o círculo possui outras conotações – é o


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símbolo da união e na religião representa muitas coisas, como a comunhão do Espírito Santo. O Templo oferece um lugar de introspecção e reflexão e uma oportunidade de o peregrino pensar sobre sua jornada antes de chegar ao seu destino final e depois voltar à vida quotidiana.

Figura 43: Vista para o Templo Vazio. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.

Figura 44: Integração do Templo Vazio com a paisagem e topografia local. Fonte: Iwan Baan Photography, 2016.

9. Instalações de serviços básicos, Emiliano Godoy.


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Godoy projetou, para os pontos de serviços básicos, estruturas simples, cuja tecnologia baseia-se nas fossas antigas e sistemas de captação e filtração básicos, em que a natureza se “encarrega” da maior parte do processo. Dessa forma, não há necessidade de manutenção frequente da infraestrutura ou de uma gestão local, garantindo ao peregrino o conforto suficiente para seguir viagem.

Figura 45: Representação do projeto de instalações da Ruta. Fonte: Archdaily, 2011.

Figura 46: Representação do projeto de uma área de serviço. Fonte: Open Buildings, 2016.


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15.2 A CIDADE DA CULTURA, SANTIAGO DE COMPOSTELA Santiago de Compostela, na região da Galícia, Espanha, é conhecida por ser destino final de milhões de peregrinos do mundo todo anualmente. A cidade se tornou, na Idade Média, uma das três cidades santas da cristandade (junto a Roma e Jerusalém) devido à descoberta dos restos mortais do apóstolo Santiago no centro antigo da atual cidade. Dessa forma, tornou-se também um centro de peregrinação e, nos percursos que convergiam a ela, começaram a ser construídos mosteiros e igrejas para atender os peregrinos. O caminho até hoje possui muita importância e atrai mais de quatro milhões de peregrinos – número consideravelmente maior do que os 100 mil habitantes locais – provenientes dos quatro cantos do mundo. Desde a década de noventa, vários fatores contribuíram para que a tradição de peregrinar até Santiago tomasse a popularidade que possui hoje: o investimento na publicidade e melhoria da infraestrutura para receber os peregrinos, por parte das juntas e autoridades espanholas; o surgimento de associações que organizam as peregrinações coletivas; a maior procura pelo contato com a natureza pelo homem contemporâneo e a publicidade gerada por obras publicadas e filmes produzidos nos últimos 30 anos que promoveram certa esoterização e mistificação da rota, como: O Diário de um Mago (1987), de Paulo Coelho; The Camino (2000), de Shirley MacLaine; O (Des)caminho de Santiago (2003), de Cees Nooteboom e Volto já! A minha Viagem pelo Caminho de Santiago, de Hape Kerkeling (2007). (MENDES, 2009) E tal fama não atrai somente os peregrinos que tem motivações religiosas, mas também – e parte de sua popularidade deve-se a isso – aqueles que buscam os mais variados propósitos, entre eles: “um espírito religioso (cristão ou não), misticismo, busca interior, turismo, esporto ou apenas uma grande aventura”. (MENDES, 2009) O ponto de chegada dos peregrinos – também conhecidos como concheiros, devido ao símbolo da peregrinação a Santiago ser uma concha – é a Catedral de Santiago de Compostela, cuja construção iniciou-se no início do século XI. Na cidade veem-se construções ainda medievais e testemunhas de outros tempos, tal ma-


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neira a história é também um elemento essencial a ser respeitado. Existe também um conjunto de obras contemporâneas que revelam a Galícia do século XXI, como o projeto de Eisenman da Cidade da Cultura. A obra de Eisenman merece destaque neste estudo por como o arquiteto lidou com o desafio e a singularidade emblemática do lugar. Assim, interessa-nos compreender a concepção projetual mais do que os aspectos funcionais do programa arquitetônico, a serem somente citados. Em 1999, o governo galego convidou 12 renomados nomes da arquitetura espanhola e internacional a participar de um concurso que elegeria a melhor proposta para a Cidade da Cultura da Galícia, um complexo tecnológico dedicado à arte e preservação da memória da região. O projeto de Peter Eisenman foi o selecionado. (BARROS, 2011)

Figura 47: Cidade da Cultura. Fonte: E-architect, 2011.

Além de estar em uma cidade de grande importância histórica e de projeção internacional, o local de intervenção possuía particularidades preciosas: corresponde a um morro – “Monte Gaiás” – de onde se avista o centro histórico de Santiago. O desafio de reunir a tradição e a contemporaneidade foi o que destacou o projeto vencedor (BARROS, 2011).


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A peregrinação foi o ponto de partida para o processo projetual: a ideia era que sua obre fosse um códex: originalmente um manuscrito cristão, que não era feito para se ler de maneira convencional. Esses documentos exigiam um tipo diferente de escrita – alguns textos eram escritos de trás para frente, por exemplo –, produzindo uma “nova escrita”, um código. Na Idade Média foi escrito um códex para o papa Calixto II, composto por cinco partes, cuja última resultava ser uma espécie de “guia de viagem” para os peregrinos. (BARROS, 2011) Assim sendo, ele propõe uma leitura do lugar diferenciada, a partir dos do conhecimento e entendimento dos fatos reais ocorridos e gera um resultado (projetual) codificado. Eisenman tira partido dos caminhos de peregrinação, como um “marcador genético” - ou uma marca - (BARROS, 2011) do lugar.

Figura 48: Maquete da Cidade da Cultura. Fonte: E-architect, 2011.

E os imprime no topo do monte Gaiás, adicionando uma espécie de relevo montanhoso na topografia natural, convergindo os tradicionais caminhos ao novo lugar, a antiga e contemporânea Galícia. O arquiteto optou por cobrir essas estruturas com uma pedra típica da região (figura 50), usada no calçamento das estradas que levam os peregrinos à catedral, criando mais uma vez, a relação entre passado e presente, refletindo na representação contemporânea, a cidade antiga. Ademais, as formas desse novo perfil provém das tradicionais - e simbólicas - conchas, cuja


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superfície ondulada e ranhuras compõem o código criado e se integram gentilmente ao terreno original (figura 49).

Figura 49: Concepção projetual. Fonte: World Press, 2012. Figura 50: Detalhe cobertura. Fonte: Archdaily, 2011.

O projeto é composto por seis edifícios – entre os quais o Museu da História da Galícia, a Biblioteca e o Teatro da Música – e um túnel subterrâneo de serviço, que os interliga. Segundo Barros (2011), o programa, no geral, conta com espaços destinados à “preservação do patrimônio, memória, estudo, pesquisa, experimentação, produção e a divulgação nos domínios das letras e do pensamento, da música, do teatro, da dança, do cinema, das artes visuais, da criação audiovisual e da comunicação do povo galego”. Na obra estudada, verifica-se que o arquiteto não se dispôs de um determinado conjunto de elementos que definam um único sentido à sua obra. Existe um universo de análises e interpretações possíveis diferentes, pelas quais cada visitante exprime suas percepções espaciais. Em seu processo de concepção projetual, o arquiteto preocupa-se em “ler” o lugar através do entendimento de sua memória, identidade e relação com o território em que está inserido e, a partir disso, cria uma discussão filosófica a cerca da matéria e consegue “codificar” suas visões. Através deste exemplo, Eisenman mostra-nos como se aplicar na prática teorias da arquitetura contemporânea, que permeiam também campos filosóficos – como a fenomenologia –, com o uso das novas tecnologias em todo o processo projetual.


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15.3 THE NATIONAL TOURIST ROUTE, NORUEGA O National Tourist Route consiste é um roteiro arquitetônico e turístico que percorre todo o sinuoso litoral da Noruega. Mais de 50 arquitetos, paisagistas, designers e artistas foram convidados pela administração das rodovias nacionais norueguesas para desenvolver projetos de instalações arquitetônicas e artísticas ao longo de 1.850 km das 18 Rotas Turísticas do país, que atravessam paisagens de beleza exuberante, a fim de valorizá-las.

Mapa 05: Mapa esquemático das National Tourist Routes. Fonte: Najonale Turist Veger, 2016.

Cada uma das Rotas Turísticas é uma experiência singular. Entre os projetos, estão mirantes, áreas de estar, museus e trabalhos artísticos, que oferecem uma pausa à viagem ao mesmo tempo em que induz a contemplação da paisagem natural. As rodovias se transformam, assim, em uma passagem através da qual é possível se ter uma maior compreensão da cultura, natureza e história locais.


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As instalações arquitetônicas ao longo das rotas proporcionam ao viajante uma experiência inovativa de contato com a natureza, enquanto servem de atrativos por si só. As obras enriquecem as paisagens naturais e as transformam em cenários, reforçam o caráter das rotas e invocam narrativas sugestivas. O projeto surgiu em 1994 e, até o presente, 130 estruturas foram construídas. Ao total, são previstas 250 obras, a serem terminadas até 2023. Os escritórios contratados são majoritariamente noruegueses e muitos dos quais ainda emergentes. Mas nomes internacionais como Peter Zumthor e Louise Bourgeois também contribuíram. A Rota de Varanger, no extremo norte do país, possui 160 km de extensão e, entre as obras construídas, está o conjunto composto de dois edifícios, idealizados por Zumthor, sendo um destinado a abrigar a instalação artística de Louise Bourgeios (abaixo, à diretia), e o outro, um o memorial em homenagem às vítimas executadas no antigo condado de Finnmark. Este último possui 125 metros de comprimento e segue a horizontalidade do terreno. O arquiteto projetou uma estrutura resistente às intempéries naturais, constituída de uma passarela protegida por um tecido suspenso, por sua vez, enquadrado em um esqueleto de madeira.

Figura 51: Memorial Steilneset. Fonte: Dezeen, 2012. Figura 52: Instalação artística de Louise Bourgeios. Fonte: Dezeen, 2012.


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O memorial está localizado nas proximidades de onde foram executadas as pessoas condenadas por bruxaria no século XVII. Internamente (figura 53), Zumthor cria uma atmosfera carregada de emoção através do jogo de luzes e sombras do ambiente, que narram a história daquele lugar: a penumbra é iluminada por lâmpadas instaladas na frente das 91 janelas desalinhas, que simbolizam as vidas postas a julgamento. Além dessa obra, Peter Zumthor projetou, na Rota Allmannajuvet, o museu para a antiga mina de zinco que havia ali no século XIX, recentemente inaugurado e que também contribui para manter viva a história e memória local e respeitando a topografia e ambiente natural existente (figura abaixo, à direita).

Figura 53: Interior do memorial Steilneset. Fonte: Dezeen, 2012. Figura 54: Parte do museu da mina de zinco. Fonte: Dezeen, 2012.

A Rota de Aurlandsfjellet, de 47 km, atravessa paisagens naturais intocadas da Noruega, onde as montanhas e fiordes geram uma experiência impressionante. Foi nesse cenário que os arquitetos Todd Saunders e Tommie Wilhelmsen propuseram um mirante que se introduz sutilmente na natureza. Os arquitetos criaram um mirante-plataforma, que eleva os visitantes para fora da estrada, imergindo-os na paisagem do grande vale, a 650 metros abaixo. A estrutura tem aspecto leve e dinâmico e foi construída de madeira e aço, com um guarda-corpo em vidro na sua extremidade, que aumenta a sensação de imersão na paisagem. A plataforma suspensa, com os seus 30 metros de comprimento, dirige o


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expectador para dentro do vale, gerando a experiência dramática da sublimidade da natureza ao seu redor.

Figura 55: Mirante Stegastein. Fonte: Dezeen, 2012. Figura 56: Implantação do mirante Stegastein. Fonte: Dezeen, 2012.

Assim como o mirante Stegastein, o conjunto de plataformas em “zig-zag” do escritório Reiulf Ramstad Architects, na Rota Geiranger-Trollstigen, também oferece ao usuário uma experiência do sublime, em meio às montanhas norueguesas:

Figura 57: Mirante da rota Geiranger-Trollstigen. Fonte: Dezeen, 2012.


93

PARTE 3 – O PERCURSO A seguir, será apresentado o estudo da área de intervenção, partindo da contextualização geográfica e histórica da mesma, ressaltando a função religiosa local, muito característica e importante fonte econômica. Então, serão apresentadas as análises referentes ao percurso de peregrinação escolhido como tema para projeto, incluindo as pesquisas feitas em campo e os questionários aplicados aos peregrinos para servir de embasamento para a proposta final.

16.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO O território em estudo está inserido no Vale do Rio Paraíba do Sul, na região

Sudoeste do Brasil, compreendendo os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Corresponde ao vale economicamente mais importante do país (PATRIANI, 2010) e que está presente no imaginário histórico-cultural brasileiro: serviu de passagem às viagens reais até as Minas de Ouro; foi onde se deu o importante Ciclo do Café, que impulsionou a economia brasileira até o século XX; que desde então passou a se desenvolver através da indústria, sendo hoje uma das maiores regiões industriais do país. Além disso, o Vale foi lar e inspiração do escritor Monteiro Lobato, terra da cultura caipira e lugar dos milagres da padroeira do Brasil. Geograficamente, o Vale do Rio Paraíba do sul encontra-se entre a Serra da Mantiqueira e a Serra da Bocaina. A primeira corresponde a uma das mais importantes cadeias montanhosas do Brasil e abrange parte dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ela também possui extrema importância ecológica, inserida no bioma da Mata Atlântica, integrando grande diversidade de ecossistemas, que abrigam numerosas espécies vegetais e animais endêmicas e várias em extinção. A região também é considerada a “província de água mineral do planeta em quantidade e qualidade do recurso”, segundo o site institucional Mosaico da Serra. Daí vem seu nome: os índios se referiam à Mantiqueira como a “serra que chora”, devido à quantidade de nascentes e cursos d’água que se originam ali e que ajudam a formar várias bacias hidrográficas da região.


94

Mapa 06: Localização da Serra da Mantiqueira. Fonte: elaborado pela autora com base Google Earth 2016.

É por essa importante Serra e pelo extenso vale do Rio Paraíba que seguem muitos peregrinos, em direção a Aparecida. Atualmente conhecida como a “Capital da fé”, a cidade, em 1717, encontrava-se nas áreas do então vilarejo de Guaratinguetá. A história é bem conhecida: três pescadores locais, seguindo as ordens de “pescar todos os peixes do rio Paraíba do Sul” para servi-los ao novo governador da província, o conde de Assumar, jogaram suas redes no rio e de lá tiraram o corpo e depois a cabeça da imagem da santa, sendo testemunhas do seu primeiro milagre. (No século XIX), “os romeiros chegavam, então, na maior parte a cavalo: vinham de longe, às vezes, como a família do baiano Aristides Madureira que, cada ano, gastava seis meses, entre ida e retorno, para visitar Aparecida no mês de maio. De Itajubá, costumava vir, com a família, o falecido Presidente Wenceslau Braz.” (MUELLER, 1969)


95

A imagem de 29 centímetros ficou inicialmente na casa de um dos pescadores, Felipe Pedroso, que recebia as constantes e cada vez mais frequentes visitas de famílias que iam fazer pedidos à futura padroeira do Brasil. Quinze anos depois, foi construída a primeira igreja para abrigar a santinha. E o movimento de fieis só cresceu, de modo que no século XIX fora construída a primeira Basílica em homenagem à Nossa Senhora Aparecida. O culto a ela tornou-se tão disseminado e “democrático” que foi em umas de suas visitas que a Princesa Isabel presenteou a santa com seu famoso manto azul e sua coroa de ouro. (ALVAREZ, 2014) Hoje, o culto à “Rainha do Brasil” é o maior culto mariano do mundo (PINTO, 2006) e corresponde ao maior centro de peregrinação religiosa da América Latina. (PREFEITURA DE APARECIDA, 2016) “[...] o fato de ter sido um fenômeno popular, surgido espontaneamente entre famílias brasileiras, que se não eram pobres também não eram ricas, somado ao fato de que a fé na santinha foi se espalhando de boca em boca, ajudou a fazer de Aparecida uma santa mais brasileira que qualquer outra. O próprio termo brasileiro para se referir ao povo daqui nasceu depois de Aparecida.” (ALVAREZ, 2014)

A origem de Aparecida sem dúvidas se dá ao desenvolvimento da sua função religiosa, como centro de peregrinação. A cidade, desmembrada do município de Guaratinguetá em 1928, tem uma população atual de 35.363 habitantes (SEADE, 2014) e a população flutuante corresponde a aproximadamente 11 milhões de pessoas por ano, segundo informações divulgadas no site do Santuário Nacional. Para atender todos os viajantes, em 1980 foi inaugurada a segunda maior basílica do mundo, onde agora está a imagem da santa Padroeira, que conta com um Centro de Apoio ao Romeiro (CAR), voltado a oferecer assistência e serviços aos fieis que chegam em carros, ônibus, a cavalo, em bicicleta e a pé para ver a Santa, que em datas especiais –como o dia da Padroeira, 12 de outubro e às vésperas da Novena – chegam em números impressionantes, como ocorreu em novembro de 2010, quando 245.023 fieis visitaram a cidade em apenas um dia. (SANTUÁRIO NACIONAL, 2016) “O turismo religioso se fundamenta na construção de santuários e na projeção de simbolismos”. (OLIVEIRA, 2004, p. 33).


96

A história e economia da cidade se desenvolveram ao redor do fluxo de peregrinos e do turismo religioso: os setores de comércio e serviços, que visam atender a população flutuante, chegam a ser “desproporcionais ao tamanho da cidade e às necessidades de seus habitantes” (MUELLER, 1969). Essa infraestrutura corresponde a um grande número de hospedagens, desde casas particulares a hotéis, além de numerosas vendas de artigos religiosos, restaurantes, bares e lanchonetes, fornecendo suporte para a função principal da cidade – a religiosa. Como se pode notar na tabela abaixo, a maior quantidade de empregos formais na cidade de Aparecida provém do setor terciário. Em 2014, a maior empregabilidade estava no setor de serviços (correspondendo a 65,77% do total), seguido pelo comércio. (SEADE, 2014) Tais números evidenciam a especificidade

Aparecida - SP

da economia local e até mesmo certa dependência da cidade da atividade turística.

Empregos Formais do Comércio Empregos Atacadista e Formais Varejista e do da Comércio e Construçã Reparação o de Veículos Automotores e Motocicletas

PERÍODO

Empregos Formais

Empregos Formais da Agricultura, Pecuária, Produção Florestal, Pesca e Agricultura

Empregos Formais da Indústria

2010

8.904

64

919

210

2.306

5.405

2011

9.366

74

707

385

2.278

5.922

2012

9.624

73

908

262

2.292

6.089

2013

10.456

67

922

337

2.534

6.596

2014

11.145

76

777

391

2.571

7.330

Tabela 01: Empregos por setor em Aparecida – SP. Fonte: SEADE, 2014.

Empregos Formais dos Serviços


97

A cidade de Aparecida está no grupo de 29 municípios paulistas que compõem a “Estâncias Turísticas do Estado de São Paulo” (Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, 2013). Sendo assim, recebe verbas do DADE – Departamento de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias – para obras de infraestrutura, sinalização e divulgação do município para manter e melhorar os pontos turísticos da cidade. A cidade de Guaratinguetá, vizinha à Aparecida, também se encontra nessa lista, graças à figura de Frei Galvão, o primeiro santo nascido no Brasil, que nasceu e cresceu em uma casa colonial no centro da cidade, que também possui muitos pontos turísticos religiosos e até ela chegam duas rotas de peregrinação à maneira das que chegam a Aparecida. A Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, desde 2011, também promove um projeto que envolve caminhos de peregrinação, o Caminha SP, cuja intenção é desenvolver o turismo nas cidades paulistas através da criação e estruturação de roteiros peregrinos. As rotas são baseadas nos trajetos utilizados por personagens históricos e religiosos, que passam por lindas paisagens naturais e podem ser cumpridos a pé ou de bicicleta. Até o presente, quatro percursos integram o programa: Passos dos Jesuítas (percorre o litoral paulista e homenageia o padre Anchieta), a Rota Franciscana (inspirada em Frei Galvão, cujo destino é a cidade de Guaratinguetá), a Rota dos Bandeirantes (Fernão Dias) e a Rota da Luz (um percurso que chega a Aparecida). Recentemente foi divulgada a incorporação de um percurso já existente que chega a Aparecida – o Caminho da Fé. O projeto prevê a instalação e manutenção

da

sinalização

nas

rotas,

de

monitoramento

eletrônico

dos

participantes, opções de hospedagem e alimentação, portais on-line, material de guia e entrega de certificado para os peregrinos. (SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2016)


98

17.

VISÃO GERAL DA PEREGRINAÇÃO PARA APARECIDA Vários fatos contribuíram para que a cidade de Aparecida alcançasse a proje-

ção nacional e internacional que possui atualmente. A antiga vila que, a partir do século XVIII, recebia os primeiros peregrinos que se aventuravam em meio ao ambiente natural brasileiro, enfrentando as dificuldades dos deslocamentos sem nenhuma infraestrutura viária, hoje testemunha um fluxo que pode chegar a centenas de milhares de visitantes em determinadas datas. Antes de 1900, as peregrinações para ver a santinha eram feitas por famílias ou individualmente. Nesse ano, foram promovidas as primeiras romarias organizadas, que utilizavam a Estrada de Ferro Central do Brasil (inclusive, grandes grupos recebiam descontos para as passagens). Começaram, assim, as grandes movimentações para Aparecida, que aumentaram ao passo que eventos promoviam a expansão do culto à santa no país e novas infraestruturas foram instaladas, facilitando os grandes deslocamentos: em 1904 Nossa Senhora Aparecida foi coroada como a Rainha do Brasil e não demorou muito para que, em, 1929, ela se tornasse a padroeira do país. E até ela saiu em peregrinação na década de 1930 e depois em 1964, viajando para várias regiões brasileiras. As rádios e jornais criados a partir da década de 1950 também contribuíram – e ainda o fazem – para a popularização da nossa padroeira, mas foi a partir da década de 1980, a partir da inauguração do Santuário Nacional, que houve a massificação das peregrinações até a cidade que se vê hoje (OLIVEIRA, 2001). “Os santuários sempre foram uma das expressões mais fortes da religiosidade do povo brasileiro. Como centros de devoção, para onde se dirigem as romarias ao longo da história, são lugares de maior expressão coletiva da religião popular.” (SALLES, 2009).

Hoje em dia, os peregrinos e romeiros chegam majoritariamente pelas rodovias – principalmente a Rodovia Presidente Dutra (BR-116) – em carros particulares, ônibus em excursões organizadas e outros transportes motorizados, com todas as facilidades que podem encontrar em um Brasil mais modernizado. Mas há também aqueles que preferem vivenciar uma experiência diferente e decidem viajar a pé,


99

como se fazia tradicionalmente, enfrentando os desconfortos e dificuldades do percurso e conhecendo os limites do seu corpo, em contato com a natureza, com outros viajantes e os habitantes locais, em jornada de autoconhecimento e busca interior. A partir dos anos 2000, algumas trilhas que chegam a Aparecida começaram a ser estruturas e divulgadas. A cada ano, o número de peregrinos que optam por esses percursos “alternativos” cresce e muitos também vão de bicicleta, a cavalo ou em motos. E muitos daqueles que optavam por se arriscar pelas rodovias (algumas sem acostamentos) passaram a utilizar essas novas rotas, que cruzam áreas rurais e terrenos naturais ainda intocados pelo homem, mais seguras. As que chegam a Aparecida estão ilustradas e descritas a seguir.

17.1

AS PRINCIPAIS ROTAS UTILIZADAS

Mapa 07: Principais rotas para Aparecida. Fonte: elaborado pela autora com base Google Earth, 2016.

1- Caminho da Fé


100

O Caminho da Fé foi inaugurado em 2003 na cidade de Águas da Prata – SP, com destino ao Santuário Nacional, em Aparecida, passa por alguns municípios mineiros e atravessa a Serra da Mantiqueira. O percurso, idealizado por um grupo de Águas da Prata, liderado pelo então presidente da Associação Comercial da cidade, que se inspirou no Caminho de Santiago de Compostela, hoje conta com vários ramais que partem de outras cidades no interior de São Paulo e se encontram em Águas da Prata, a partir de onde o caminho se torna único. Segundo o site oficial do Caminho da Fé, dos 497 km, 300 são percorridos na travessia da Serra da Mantiqueira, por estradas vicinais, trilhas, bosques e asfalto. O trajeto inteiro é feito em, aproximadamente, 16 dias a pé, com uma média diária de 25 km. O peregrino é munido de uma Credencial, que carimba nas cidades por onde passa e, ao final, garante-lhe um certificado retirado na Basílica de Aparecida. Ainda conforme o site, ele foi criado com o intuito de proporcionar aos peregrinos suporte e estrutura, além de “momentos de reflexão e fé, saúde física e psicológica e conexão do homem com a natureza” e integração cultural entre os viajantes e os habitantes locais. A caminhada é guiada pelas setas amarelas do Caminho e o peregrino encontra à sua disposição pontos de apoio e hospedagens credenciadas pela Associação de Amigos do Caminho da Fé. Os criadores afirmam que o percurso estruturado também promove benefícios para os municípios da região, por meio de uma maior integração regional, geração de empregos e da divulgação e propaganda turística no Brasil e exterior. O traço do percurso já foi e é passível de ser alterado, visando agregar outras cidades. Foi anunciado recentemente, no site oficial do Caminho da Fé (2016), que o roteiro foi integrado ao programa “Caminha São Paulo”, da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo. O fato contribuirá para a consolidação da trilha e sua popularização, aumentando os benefícios que são gerados a partir dessa atividade para os municípios integrantes e para os peregrinos, que desfrutarão de maior apoio e segurança.


101

Figura 58: Mapa do Caminho da Fé. Fonte: Caminho da Fé, 2016.

2- Rota da Luz Em abril de 2016, foi lançada a Rota da Luz, pelo Governo do Estado de São Paulo, que integra o projeto Caminha São Paulo. É um trajeto alternativo entre Mogi das Cruzes - SP e Aparecida, com 194 km que passam por estradas vicinais e rurais, destinado a atender os peregrinos que se arriscavam a pé pela Rodovia Presidente Dutra, como uma alternativa segura e mais prazerosa, na qual o peregrino entra em contato com o meio rural e natural do interior paulista, passando por cachoeiras, matas nativas, fazendas de café. O novo percurso, longe dos carros e poluição da rodovia, propicia um momento de contemplação e uma experiência de autoconhecimento e conexão com a natureza ao peregrino. No início de sua jornada, ele também recebe um “passaporte” que carimba em cada cidade em que passar. O programa também disponibiliza um guia e o mapa digital do percurso, com a indicação das pousadas e restaurantes credenciados. Para a segurança da rota, todo o percurso recebeu sinalização com placas indicativas e os caminhantes poderão registrar a sua passagem pelos muni-


102

cípios com a utilização de QR Code, instalados em estabelecimentos comerciais e locais públicos indicados no site da Rota da Luz - SP. O caminho também fomenta a atividade turística da região. Em entrevista para o jornal online G1, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin a medida incentiva a geração de renda para os moradores que vivem nas estradas rurais da região: "o turismo também é emprego. As cidades terão mais hotéis, pousadas e restaurantes".

Figura 59: Mapa da Rota da Luz. Fonte: Rota da Luz, 2016.

3- Caminho de Aparecida O Caminho de Aparecida nasceu a partir da iniciativa de um grupo de peregrinos que partiu de Alfenas – MG de bicicleta em direção a Aparecida em 2003, seguindo as indicações de Eduardinho Abobrinha, outro peregrino que já havia feito o percurso que passava por estradas asfaltadas e de terra. E todos os anos a partir de então, a quantidade de pessoas que faziam o trajeto crescia. Mas a dificuldade em percorrer as estradas movimentadas levou os idealizadores iniciar, em 2007, o processo de elaboração de uma rota que segue majoritariamente estradas de terra e trilhas, reduzindo os percursos em asfalto às


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cidades por onde passa, também com a intenção de integrar todos os peregrinos que seguiam a pé, de bicicleta e à cavalo por caminhos diferentes em direção a Aparecida em uma única rota. O processo foi muito colaborativo. Os idealizadores coletavam informações que grupos de ciclistas, habitantes locais, moto trilheiros e peregrinos à pé que informavam sobre as trilhas que já haviam percorrido. Em fevereiro de 2011, um grupo extenso formado de amigos, peregrinos, motoqueiros e cavaleiros juntou-se para começar a sinalizar e fazer marcações com símbolos em estradas de terra e trilhas do sul de Minas, Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba, totalizando uma extensão de 265 km. E cadastraram hotéis, pousadas, restaurante e comunidades, comunicaram paróquias e Prefeituras das cidades do caminho. O grupo também conseguiu, no mesmo ano, que o Santuário Nacional emitisse o certificado de conclusão do percurso para os peregrinos e a criação da Associação dos Peregrinos do Caminho de Aparecida. O símbolo do Caminho de Aparecida é um peixe, remetendo ao primeiro milagre de Nossa Senhora Aparecida. O peregrino tem à disposição um guia online, através do site oficial da rota, com a indicação de restaurantes, pousadas, postos de abastecimento, oficinas mecânicas para aqueles que vão de bicicleta ou carro e informações sobre as trilhas. Ela é sinalizada com plaquinhas metálicas que tem o símbolo seta/peixe que direciona o peregrino. “O caminho de Aparecida é uma rota incrível que proporciona momentos de reflexão, fé e recolhimento, de aproximação do homem com a natureza, um caminho que nos fortalece para vencermos as dificuldades da vida, deixando aflorar em cada um o seu espírito de superação”. (Caminho de Aparecida, 2016)


104

18.

LEITURA GERAL DO CAMINHO DE APARECIDA “Com efeito, percorrer o Caminho de Aparecida, além de propiciar a oportunidade de renovar meus laços marianos, também me proporcionou o reencontro com a natureza exuberante e intocável, em alguns trechos, bem como o trânsito por locais ermos, onde o entorno está integralmente preservado”. Depoimento de Oswaldo, peregrino.

O Caminho de Aparecida, como se viu, é ainda o único percurso de peregrinação cujo destino final é Aparecida que ainda não é contemplado por nenhum projeto governamental. Ele também não recebe apoio de nenhuma prefeitura ou de empresas particulares, sendo mantido por doações e trabalho voluntários. As tabelas a seguir demonstram a quantidade de peregrinos que retiraram o certificado no Santuário Nacional em Aparecida, no ano de 2015, por caminho percorrido: Cidade de partida

Número de peregrinos - Caminho da Fé - 2015

Tambaú Águas da Prata Outras cidades Total

734 1874 1421 4029

Tabela 02: Número de peregrinos que percorreram o Caminho da Fé e retiraram o certificado no Santuário Nacional, no ano de 2015. Fonte: dados fornecidos pela Pastoral do Santuário Nacional, em junho de 2016.

Número de peregrinos - Caminho de Aparecida - 2015 Alfenas

220

Tabela 03: Número de peregrinos que percorreram o Caminho de Aparecida e retiraram o certificado no Santuário Nacional, no ano de 2015. Fonte: dados fornecidos pela Pastoral do Santuário Nacional, em junho de 2016.


105

Nota-se que o número de peregrinos que seguiram pelo Caminho da Fé em 2015 é vinte vezes superior ao daqueles que percorreram o Caminho de Aparecida no mesmo ano. Isso se dá, além do fato de o primeiro abranger mais cidades, por ele ser ser mais antigo (ele existe oficialmente desde 2003, enquanto que o segundo foi oficializado em 2011) e contar com infraestruturas consolidadas ao longo do percurso e ter boa visibilidade na mídia, promovida também pelo governo estadual. É importante, nessa análise, ter-se em conta que esses não são números absolutos, pois nem todos que percorrem os caminhos retiram o certificado em Aparecida. Tendo em vista uma pré-disposição dos órgãos públicos em oficializar essas rotas e as tornarem mais conhecidas - para que menos gente se arrisque nas rodovias federais -, somado ao reconhecimento de que essa atividade pode trazer benefícios econômicos e sociais para os municípios locais, a rota Caminho de Aparecida se apresenta como o percurso com mais potencial para desenvolvimento e, por isso, foi escolhida como objeto de estudo desta pesquisa. Conforme dizem os voluntários da rota, que veem, a cada ano, o número de peregrinos aumentar, o Caminho de Aparecida possui muito potencial para se tornar uma rota ainda mais movimentada, como foi demonstrado a partir do exemplo do Caminho da Fé. O percurso se inicia na cidade mineira de Alfenas e passa por mais quinze municípios antes de chegar a Aparecida, abrangendo um total de 265 km (mapa 08). Seu diferencial em relação a outros percursos é que o peregrino percorre quase todo o trajeto em estradas de terra que passam por zonas rurais ou trilhas abertas na natureza, sendo que apenas nas saídas de algumas cidades é que se deve passar por estradas asfaltadas, conferindo grande potencial paisagístico à rota, que podem ser valorizadas através de intervenções, atribuindo-lhe um diferencial, a fim de aumentar o número de peregrinos. O mapa abaixo aponta as estruturas de hospedagem que o peregrino encontra no caminho e as distâncias entre as aglomerações urbanas ou rurais existentes.


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Mapa 08: Mapa oficial do Caminho de Aparecida. Fonte: Caminho de Aparecida, 2016.

O percurso é composto majoritariamente por estradas de terra, que passam por fazendas em áreas rurais, mas possui alguns trechos que podem ser vencidos utilizando jipes ou carros de tração 4x4, como é ilustrado pelo traço amarelo no acima, assim como um trecho de trilhas exclusivas para pessoas a pé, de bicicleta, à cavalo ou em motos de trilhas (sinalizado em vermelho), que compreende o trecho de descida da Serra da Mantiqueira, no qual ainda há mata nativa conservada, onde se encontram exemplares da flora original da Mata Atlântica de altitude, como Jacarandás, Araucárias, Cedros e Ipês. Inclusive, uma porção da Serra da Mantiqueira corresponde a uma APA – Área de Proteção Ambiental. Como demonstram as informações oficiais do Caminho, nos pontos sinalizados com um ponto vermelho (Chico dos Santos, Douradinho e Olegário Maciel), há falta de estrutura para pernoite. Esse fato confere menos flexibilidade para o peregrino, que deve estar bem atento e organizado em sua viagem para não ficar sem acomodação quando o cansaço vier, evitando arriscar-se a continuar viagem nesses casos. Esses “pontos” correspondem a povoados e distritos de


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cidades mineiras: Chico dos Santos é um povoado da cidade de Paraguaçu – MG, onde o único lugar de apoio é um bar com poucas opções e, segundo o Guia do Peregrino, o Caminho pretende montar e equipar ali um albergue para os viajantes. Já Douradinho é um distrito de Machado – MG e alguns habitantes locais oferecem suas casas como apoio e refeições. Olegário Maciel possui, aproximadamente, 400 habitantes e pertence ao município de Piranguinho – MG, constando uma opção de hospedagem e alimentação para os peregrinos. (Guia para o Caminho de Aparecida, 2011) Normalmente, um dia de viagem para um peregrino a pé dura entre 20 e 40 km, dependendo das dificuldades do percurso, como as fortes ascensões ou descidas, condições da trilha etc. e as condições físicas do peregrino. Em média, o Caminho de Aparecida é feito em 11 dias e muitos dos peregrinos se organizam em grupos, mas há também aqueles que vão sozinhos.

18.1 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS: ENTREVISTAS Foi realizada uma pesquisa com peregrinos que já realizaram algum percurso de peregrinação no Vale do Paraíba. O questionário atingiu 61 pessoas em um período de três semanas, entre maio e junho de 2016, e foi realizado através de formulário on-line, com perguntas abertas e fechadas (ver anexo). Partiu-se de uma pergunta geral, para entender qual dos percursos é o mais utilizado. Quase metade (49,2%) dos entrevistados respondeu que escolheu o “Caminho de Aparecida” como rota, em seguida está o “Caminho da Fé”, recentemente contemplado no projeto “Caminha São Paulo”. As demais alternativas correspondem a percursos que chegam até a cidade vizinha de Aparecida, Guaratinguetá, onde se encontra a casa do primeiro santo nascido no Brasil, Frei Galvão.


108

Figura 60: Gráfico - Rota escolhida para peregrinar até Aparecida. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Para entender sobre as motivações que guiaram os peregrinos em suas jornadas, o gráfico abaixo demonstra que a maioria das pessoas segue por crenças religiosas e, em seguida, poderíamos encaixar em um único grupo aqueles que marcaram “busca interior” e “espaço para reflexão”, somando 27,8% dos entrevistados, visto que essas opções correspondem a um estado de introspecção, uma busca pessoal. E quase um quarto do universo entrevistado vê nessa atividade um momento para praticar um esporte.

Figura 61: Gráfico - Motivações para peregrinar até Aparecida. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.


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A seguir, vê-se que mais da metade dos entrevistados escolheu seguir a pé (correspondendo a 34 pessoas), seguidos por 24 peregrinos que fizeram o percurso em bicicleta.

Figura 62: Gráfico - Modalidade escolhida para percorrer o Caminho de Aparecida. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Quanto à duração da jornada, a maioria afirmou ter percorrido mais de cinco dias de viagem.

Figura 63: Gráfico - Duração total da jornada. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Acima de 60% dos entrevistados afirmou ter feito mais de um percurso de peregrinação. Isso demonstra que os peregrinos estão dispostos a repetir a experiência. Inclusive, para alguns, já se tornou uma prática anual.


110

Figura 64: Gráfico - Frequência que realizou o percurso até Aparecida. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Com o intuito de conhecer as necessidades não atendidas dos peregrinos em relação à infraestrutura dos percursos, foi perguntado o que falta para uma maior segurança e comodidade dos viajantes. O gráfico abaixo ilustra que quase 75% das pessoas afirmam que não veem necessidade da instalação de mais infraestrutura.

Figura 65: Gráfico - Infraestruturas necessárias apontadas pelos peregrinos. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Inclusive,

muitos

entrevistados

ressaltaram

a

importância

de

a

peregrinação ser uma viagem “desconfortável”, pois é através da superação das dificuldades do caminho e o contato com a natureza que o peregrino consegue atingir seus objetivos, conhecer seus limites e refletir sobre sua existência. Dessa forma, quando se fala em propor uma intervenção, neste trabalho, não se deve pensar em intervir de modo que o fenômeno perca sua “essência” e sua principal


111

característica, que é propor ao indivíduo uma experiência interior fora do comum, até mesmo transcendental ou que provoque no indivíduo um comportamento consumista. Deve se ter em conta, porém, que algumas necessidades básicas devem ser atendidas, como: sinalização adequada e ao longo de toda a rota, para a segurança do peregrino; acesso à agua potável para hidratação durante a atividade física; disponibilidade de um local para pernoitar e recuperar as forças para a caminhada do dia seguinte e de lugares para se alimentar, que geralmente correspondem ao próprio lugar de pernoite ou a casas de apoio, fazendas e famílias que oferecem ajuda voluntariamente, encontradas ao longo do percurso. “Na minha opinião, considerando que é uma peregrinação e não um simples passeio, creio que até mesmo as dificuldades pelo caminho e a falta de "conforto" fazem parte de um desafio que quanto mais árduo, levam as pessoas a expor suas raízes, intimidades e seus sentimentos mais básicos, permitindo-se meditar com mais clareza e estar mais sensível à experiência, tanto do ponto de vista espiritual como físico. Além disso, exige do peregrino o planejamento de curto e longo prazo, a versatilidade, dentre outras virtudes que ele pode desenvolver ao longo do caminho. Tivemos nesta jornada, quase todos os dias de chuva e ventos intensos, muita lama, queda de um amigo peregrino, quebra de bike, muita lama e muita ajuda, muito carinho e muitas experiências inesquecíveis que só puderam ser percebidas, por serem ressaltadas por cada uma dessas dificuldades. A chegada, apesar de gratificante, não foi tão mais importante que o caminho. desta forma, não acredito que nenhuma melhoria seja necessária, exceto a de cada peregrino ao longo do caminho....” (Depoimento de um peregrino, ao responder o formulário de pesquisa)

Das 17 pessoas que responderam que há necessidade da instalação de outras infraestruturas, nove disseram que gostariam que houvesse mais opções de pernoites ou pernoites mais baratos. As restantes responderam que falta sinalização em alguns trechos e pontos de abastecimento de água em outros. O último questionamento foi acerca do tempo aproximado que o peregrino sentiu necessidade de parar para um breve descanso. Obtiveram-se 43 respostas e a informação foi organizada no gráfico a seguir. Ela é importante porque expressa a “medida humana”. Ao se propor um trabalho deste tipo, por mais longo que o percurso de peregrinação seja, a escala humana é sempre o principal elemento a ser levado em consideração. As propostas devem ser guiadas pelo passo do homem


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e suas necessidades físicas, que podem variar conforme as condições do terreno natural e da topografia. 18 16 14 12 10 8

De bicicleta

6

A pé

4 2 0 1h

2h

3h

4h

5h

Intervalo entre as paradas para descansar

Figura 66: Gráfico - Intervalo entre as paradas durante o percurso. Fonte: elaborado a partir do questionário aplicado em maio e junho de 2016.

Em geral, em trechos em que se devem vencer fortes ascensões ou descidas, a necessidade de parar se faz sentir mais rapidamente e a distância entre uma parada e outra diminui. Já em trechos mais horizontais, a caminhada tem um ritmo mais constante e os intervalos entre as paradas são maiores. No estudo de caso apresentado sobre a Ruta del Peregrino, no México, pode-se ver a preocupação dos arquitetos em relação a essa condicionante.

18.2

ESCOLHA DA ÁREA DE INTERVENÇÃO Dentre os 265 km totais do Caminho de Aparecida, foi selecionado o último

trecho para propor a intervenção, que possui 49 km, partindo do município mineiro de Wenceslau Bráz e pode ser feito em dois ou três dias. Ele corresponde à porção mais dificultosa do percurso total, onde se encontram os maiores incidentes geográficos e a topografia é muito rica e variável (mapas 10 e 11), já que é nesse trecho que o peregrino atravessa a Serra da Mantiqueira.


113

Mapa 09: Esquema do percurso total e da área de intervenção. Fonte: elaborado pela autora.

Mapa 10: Mapa em perspectiva da área de intervenção. Fonte: elaborado pela autora com base Google Earth, 2016.


114

Mapa 11: Esquema altimétrico do Caminho de Aparecida. Fonte: elaborado pela autora, 2016.

A área de intervenção também compreende a única trilha exclusiva para pessoas a pé ou em bicicleta do percurso. Essa possui 16 km de extensão e começa a partir do bairro do Charco (Delfim Moreira – MG) e termina em Pedrinhas, bairro de Guaratinguetá, ao “pé da Serra” (mapa 08). É um lugar de natureza exuberante e passa por uma porção da Mata Atlântica da Serra da Mantiqueira ainda nativa. Essa particularidade da rota propicia uma maior conexão do peregrino com a natureza, que percebe a importância de preservá-la e encontra-se em total silêncio, cenário ideal em uma peregrinação. No trecho escolhido existem dois pontos de encontro de outras rotas que passam pelo Vale do Rio Paraíba: o primeiro, na cidade de Wenceslau Bráz por onde também passa a Rota de Frei Galvão, e que segue para Guaratinguetá e o segundo, onde o Caminho de Aparecida encontra a Rota Franciscana (que há como destino Guaratinguetá) e onde se une com a Rota da Fé até seu comum destino final, Aparecida. Esse fato contribui para que os peregrinos que circulam pelas outras rotas tomem o conhecimento do Caminho e o percorram, aumentando a população atendida pela intervenção.


115

Foi realizado um levantamento fotográfico do local, ilustrado no mapa abaixo:

Mapa 12: Localização dos pontos levantados fotograficamente. Fonte: elaborado pela autora com base Google Earth, 2016.

Figura 66: Vista para a Serra da Mantiqueira a partir de Wenceslau Bráz. Fonte: Acervo pessoal. Figura 67: Subida da Serra da Mantiqueira. Fonte: Acervo pessoal.


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Figura 68: Subida para o bairro do Charco. Fonte: Acervo pessoal. Figura 69: Trilha dos carneiros . Fonte: Acervo pessoal.

Figura 70: Descida da Serra, trilha. Fonte: Acervo pessoal. Figura 71: Descida da serra da Mantiqueira . Fonte: Acervo pessoal.

Figura 72: Ponto de encontro das rotas. Fonte: Acervo pessoal. Figura 73: Estrada das Pedrinhas. Fonte: Acervo pessoal.


117

18.3 ANÁLISE DAS CONDICIONANTES FÍSICAS E HUMANAS

Mapa 13: Condicionantes físicas. Fonte: elaborado pela autora a partir de base Google Earth 2016.

Mapa 14: Condicionantes humanas. Fonte: elaborado pela autora a partir de base Google Earth 2016.


118

Chegando a Wencesláu Bráz, o peregrino começa a subida pela Serra da Mantiqueira percorrendo uma estada de terra que passa por alguns povoados e fazendas. Chegando ao bairro do Charco, o peregrino a pé, de bicicleta ou a cavalo é indicado a seguir pela “trilha dos carneiros” e, a partir da divisa dos estados de Minas Gerais e São Paulo, que coincide com o ponto mais elevado de todo o percurso, o viajante começa a descida da serra em direção ao bairro Pedrinhas. É o trecho que compreende as maiores altitudes do Caminho e o peregrino supera as maiores ascendências (mapa 10) – a trilha referida possui “dificuldade nível 5”, segundo o livro guia do Caminho. Em geral, o trecho é bem sinalizado, com algumas placas perdendo a cor, no entanto e as condições da trilha permitem ao caminhante segurança. Esse trecho, de Wenceslau Bráz ao bairro Pedrinhas, possui 30 km e é feito geralmente em um dia pelos peregrinos, onde encontram quatro opções para pernoite. Há também uma opção de estadia no bairro do Charco, na casa de apoio da “dona” Nair e “seu Luciano”, onde é carimbado o passaporte. Esse trajeto corresponde a um dia completo de viajem, devido às dificuldades altimétricas. Normalmente, um dia de viagem de um peregrino a pé dura de 5 a 7 horas no total e alguns ainda iniciam a caminhada antes do nascer do sol. A Serra da Mantiqueira “abastece” o peregrino nesse trecho: existem duas fontes naturais de água ali, como se vê no mapa 13. Essa porção da serra é abrangida pela Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira (APA – Mantiqueira). Na sua íntegra, a APA corresponde a 422.873 ha de área e é uma das 17 Unidades de Conservação (UC) que tem por finalidade proteger as riquezas naturais da Serra. Atualmente, ela é gerida pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e se insere nas áreas de proteção que visam compatibilizar a proteção dos recursos naturais com seu uso econômico. As leis que buscam garantir a conservação da área são: o Código Florestal, Lei número 4.771, de abrangência nacional e o Decreto 91.304/85, que também determina sua criação e, em seu Artigo 6º faz uma única restrição específica às propriedades internas à APA:


119

Art. 6º - A abertura de vias de comunicação, de canais, a implantação de projetos de urbanização, sempre que importarem na realização de obras de terraplenagem, bem como a realização de grandes escavações e obras, que causem alterações ambientais, dependerão da autorização prévia da SEMA (atual Ibama), que somente poderá

concedê-la:

a) após estudo do projeto, exame das alternativas possíveis e avaliação de suas conseqüências

ambientais;

b) mediante a indicação das restrições e medidas consideradas necessárias à salvaguarda

dos

ecossistemas

atingidos.

Parágrafo único - As autorizações concedidas pela SEMA, não dispensarão outras autorizações e licenças federais, estaduais e municipais porventura exigíveis.

(BRASIL. Decreto 91.304/85, de 3 de junho de 1985.)

Segundo o Ibama, ficam sujeitas à sua autorização as atividades que movimentam mais de 100 m³ de terra (UC-SOCIOAMBIENTAL, 2016). Obras de porte menor não precisam passar pela aprovação do órgão, mas é importante enfatizar essa característica local e buscar valorizar a área natural existente e nativa. Vencida a etapa Wenceslau – Pedrinhas, o peregrino segue em direção à cidade de Aparecida por uma estrada de terra que margeia fazendas e pequenos bairros rurais. É um percurso sem dificuldades topográficas, mas chegando a Potim, o indivíduo entra em zona urbana e deve percorrer 2,5 km em asfalto e pelas ruas da cidade.


120

PARTE 4 – A NARRATIVA A narrativa arquitetônica é como um promenade. Através do movimento e das sensações que o espaço provoca é possível percebê-lo e descrever as experiências que nos proporciona. A peregrinação coloca os homens em movimento, a percorrer um trajeto introspectivo e único, que aguça seus sentidos e lhe provoca sentimentos, compreendidos através do silêncio. Ou seja, a peregrinação é composta uma sucessão de experiências que permite vivenciar o espaço, compondo uma narrativa sobre ele e sobre si mesmo.

19.

DIRETRIZES PROJETUAIS

Alguns pontos importantes devem ser considerados na proposição de diretrizes projetuais visto a particularidade do tema “peregrinação”, de modo a não intervir de maneira a tolher ao peregrino parte importante e essencial de sua jornada e experiência. São eles: - O intrínseco desconforto da viagem. A peregrinação envolve a ideia do sacrifício, portanto, é necessário que a arquitetura proposta não ofereça facilidades que fujam dessa ótica. - A condicionante topográfica e a medida humana. O percurso é caracterizado pelas diferenças de altitudes vencidas e a proposta tem de respeitar a medida do caminhar do indivíduo, que é afetado pelas dificuldades ou facilidades encontradas. - A área de APA. Grande parte da área de intervenção está na APA da Serra da Mantiqueira. Apesar da lei que a rege não impor obstáculos ao trabalho, há se ser considerada a grande riqueza natural local, buscando inserir os elementos construídos sem prejudicar as espécies nativas e os recursos existentes. Seguindo esses valores, observa-se a possibilidade de se trabalhar com os materiais da região, provocando uma consciência ecológica ao projeto, que também valoriza os recursos locais.


121

- A falta de manutenção dos elementos construídos. O percurso possui trechos de difícil acesso a maquinários e equipes de trabalho. Assim sendo, deve-se considerar a necessidade de pensar as intervenções com materiais que resistam às intempéries e ao tempo – elas se tonarão marcos permanentes na paisagem. - A natureza do fenômeno de peregrinação, que é um agregador e possibilitador de discursos. A peregrinação reúne pessoas com os mais variados objetivos, expectativas e crenças. Dessa maneira, a proposta arquitetônica não pode ser um determinador de funções ou comportamento, mas sim um possibilitador, que dê ao peregrino a chance de ele interpretar o espaço como o sente e reagir a ele, apropriando-se dele e agindo como entender; atentando a não criar também espaços que induzem certas atitudes comportamentais que não estão ligadas com o ato de peregrinar, como, por exemplo, atitudes consumistas. Tendo em vista essas particularidades, propõem-se, então, as seguintes diretrizes: 1.

Criar um Masterplan que defina a implantação de uma sucessão de espa-

ços e marcos arquitetônicos integrados à paisagem local e articuladas entre si compondo uma narrativa, a fim de possibilitar ao peregrino o enriquecimento da experiência pessoal e maior conexão com a natureza circundante. 2.

As intervenções devem ser concebidas como espaços sensoriais e simbó-

licos que estimulem a introspecção e a contemplação, além de servirem como elementos de orientação e situação para o peregrino em sua jornada - o viajante, ao vêlos no horizonte, terá uma referência para seguir o caminho. 3.

Dentre os marcos, deverá ainda ser prevista a implantação de um local

para pernoite, um abrigo que possa ser adaptável a outras áreas do percurso, onde houver necessidade de ser replicado, como uma alternativa às pousadas existentes. 4.

A implantação desses será guiada pelas condicionantes físicas e huma-

nas apontadas no estudo, respeitando, sobretudo, a topografia do terreno e as áreas de vegetação nativa, tendo como base de medida a escala humana - segundo as análises, devem ser localizados à distância de uma hora e meia a duas de caminhada, que é condicionada pelas dificuldades topográficas enfrentadas.


122

5.

Procurar, na definição projetual das intervenções arquitetônicas, utilizar

materiais locais e respeitar a área de APA considerando os elementos naturais – como espécies arbóreas importantes – e topográficos existentes. 6.

A construção do espaço deve ser orientada através da leitura do ambien-

te, revelando e exaltando a paisagem local e se relacionando com ela.


123

20.

A PROPOSTA

20.1

O PARTIDO DE IMPLANTAÇÃO

A partir do levantamento in loco e estudo desenvolvido sobre o percurso “Caminho de Aparecida”, é proposto um planejamento territorial que define a localização de intervenções arquitetônicas que buscam enriquecer a experiência do peregrino e intensificar a sua interação com a natureza, o espaço e si mesmo. O ato de caminhar é essencial para a peregrinação. Isso conecta o peregrino com o terreno, a natureza e com seu próprio corpo. O passo é a medida do esforço de cada um e corresponde a uma etapa de cada jornada individual. Destarte, a implantação dos marcos foi decidida de acordo com a caminhada do indivíduo, cujo ritmo é condicionado pelo relevo enfrentado: as fortes ascensões e descidas requerem pontos de parada mais próximos entre si, enquanto os terrenos planos e descidas e subidas mais suaves permitem trechos mais longos entre as pausas. Entre os pontos de intervenção escolhidos há uma média de duas horas de caminhada, - período ideal revelado por meio da pesquisa realizada com os peregrinos e através de levantamento in loco - e, agregado a esta condicionante, há o fator de potencial paisagístico, que define áreas de interesse de intervenção, contribuindo para o aumento ou a diminuição desse período. Assim sendo, a escala humana é condicionante e determinante nas escolhas de implantação, juntamente às qualidades topográficas do terreno e às potencialidades exaltadas. A proposta para a implantação dos marcos arquitetônicos está ilustrada na prancha 02, contida nos apêndices.

20.2

O PARTIDO DOS MARCOS ARQUITETÔNICOS

Este trabalho explora a arquitetura no contexto da peregrinação como um possibilitador de experiências sensitivas e emocionais, assim como parte de um discurso continuado no tempo. Nesse sentido, a narrativa arquitetônica proposta emba-


124

sa-se em duas frentes: a) como uma narrativa peregrina; b) como uma narrativa arquitetônica. A narrativa peregrina se constrói em torno da experiência individual, explorando a inter-relação que se dá entre o peregrino e o espaço arquitetônico. Nesse sentido, as intervenções são concebidas com a função de conectar o peregrino com a natureza, com si mesmo e com a sua jornada pessoal através de espaços que sejam capazes de sugerir uma reação (resposta muscular e sensorial) a eles ao invés de serem meros “instrumentos de funcionalidade” - como ressalta Pallaasma (1973) -, possibilitando a comunicação entre arquitetura e indivíduo e uma interpretação espacial própria, proporcionada por elementos da arquitetura, como escala, temperatura e textura dos materiais, espacialidade, luz, sombras etc. “Uma edificação não é um fim por si só; ela emoldura, articula, estrutura e dá importância, relaciona, separa e une, facilita e proíbe”. (PALLASMAA, 1973) A análise das áreas de intervenção e o estudo realizado sobre a peregrinação permite-nos definir dois tipos de experiências sensoriais possíveis: as de exterioridade e as de interioridade. As primeiras buscam fortalecer a conexão do peregrino com a paisagem e a natureza a seu redor, valorizando a percepção que se tem do ambiente e a consciência da própria existência em relação a ele. Portanto, as intervenções podem ser caracterizadas como pontos de contemplação e descanso. As experiências de interioridade focam-se na busca interior que o peregrino empreende, promovendo espaços de silêncio, serenidade, introspecção, inspiração, meditação e reza. Imbuídos de qualidade simbólica, esses espaços provocam a imaginação e as emoções do peregrino em experiências multissensoriais, que promovem o enriquecimento da sua jornada e o entendimento interativo do espaço.

A narrativa arquitetônica explora a relação entre espaço arquitetônico e arquitetura: a consciência e fundamentação projetual busca sua base na história passada através da reflexão, investigação e interpretação de exemplos de gerações anteriores.


125

A busca pelo sentido histórico, segundo T.S. Eliot (1975), permite ao indivíduo ser mais consciente de sua contemporaneidade. Parafraseando sua a ideia de “tradição”, conclui-se que nenhuma obra [de arquitetura] tem seu significado completo isoladamente. Seu significado e valor são dados por meio da análise de sua relação com as obras do passado – fato que permite à crítica situá-la. A arquitetura é um discurso continuado através do tempo. Desde épocas remotas, ela ajudou o homem a dar significado à existência e, como afirma NorbergSchulz (1979), a “história da arquitetura é a história das formas significativas”. Para sua compreensão, é importante fazer uma interpretação integrada do espaço, considerando os diversos fatores que a compõem: materiais, psicológicos e metafísicos (Zevi, 1996). “Ler com os olhos dos artistas vivos as obras do passado” (ZEVI, 1995). Essa interpretação fundamenta os princípios arquitetônicos aqui propostos, buscando, então, aprender com os exemplos do passado a olhar o presente e criar os significados e espacialidades desejados. Primeiro, são definidas as qualidades experienciais e simbólicas que se pretende atingir em cada intervenção, valorizando o usuário e os elementos específicos do lugar e, em seguida, extraem-se da história da arquitetura lições e referências, interpretando-as através de uma linguagem poética e regatando ideias, elementos e concepções espaciais que marcaram a arquitetura em outras épocas. A prancha 03 dos apêndices contém a tabela que ilustra e explica o processo projetual e a concepção espacial de cada marco arquitetônico, desenvolvidos a partir das narrativas peregrina e arquitetônica. Já os resultados projetuais de cada intervenção encontram-se detalhados nas pranchas sucessivas.


126

21.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se viu, a peregrinação é um fenômeno de grande importância histórica

e cultural, considerado também um “ato intrínseco” à natureza humana: através de milênios, sobreviveu e se adaptou às mudanças ideológicas, tecnológicas, culturais e até às rupturas religiosas, contraindo, também caráter turístico, à medida que o movimento dos viajantes viabilizava o desenvolvimento econômico local. As rotas de peregrinação são capazes de absorver uma multiplicidade de crenças, valores e significações que, graças à necessidade individual pela busca do sagrado, movem milhões de pessoas pelo mundo. E proporcionam uma experiência tanto interior quanto exterior, pois uma vez afastado de seu cotidiano, o peregrino entra em contato com pessoas e paisagens únicas que lhe oferecem momentos de introspecção e reflexão enquanto confronta as dificuldades do caminho em um crescimento interior e autoconhecimento. Tais contatos transformam sua percepção de si mesmo e daquilo que está ao seu redor. Esse cenário possibilita ao arquiteto a oportunidade ideal de explorar as diversas qualidades experienciais da arquitetura. Dessa forma, os estudos conceituais abordados permeiam a relação entre homem-espaço arquitetônico, estabelecida através da percepção e sensações experimentadas quando em contato com o espírito do lugar, o sublime e os componentes da arquitetura – tais como a luz, textura dos materiais, escala, proporção, vazios. Essa visão revela que a arquitetura não se constitui apenas do “útil” e “real”, mas também na “força emocional” (expressão emprestada de Pallasmaa, 1986) que somente a vivência da arquitetura pode proporcionar. Destarte, revela-se uma relação entre peregrinação e arquitetura baseada na concepção fenomenológica, que pode ser explicada através da “metáfora do silêncio”, segundo a qual a experiência e sensibilidade individuais podem intensificar-se por meio do silêncio, ou seja, da reflexão e conscientização individual no espaço. Nesse sentido, somente por meio da introspecção pode-se experimentar plenamente a arquitetura.


127

É justamente nesse “silêncio” que se encontra o peregrino em sua jornada. Desconectado do tempo e espaço da vida quotidiana, entra em contato íntimo consigo, o que realça sua sensibilidade e capacidade perceptiva. A arquitetura, nesse contexto, deve abrigar o “silêncio”, em espaços que estimulem a percepção do peregrino enquanto contém um espírito próprio e expressa um significado singular, enriquecendo a experiência individual. A partir dos estudos de caso analisados, foi possível ver exemplos de aplicações reais dos conceitos estudados. A Ruta del Peregrino, no México, fornece um modo inovador e contemporâneo de se intervir no cenário de peregrinação. As obras que dialogam com e se inserem na paisagem também enriquecem a experiência do peregrino, que vivencia os espaços criados, nos quais encontra uma pausa para contemplar, descansar, rezar, refletir e meditar. O exemplo da Cidade da Cultura, de Eisenman, demonstra como a concepção arquitetônica pode partir da leitura da história e paisagem locais, ao mesmo tempo em que os materiais empregados, a implantação da obra e o partido arquitetônico contribuem para reforçar a essência do lugar e do que a própria obra representa. Já a National Tourist Route, na Noruega, exemplifica um projeto empreendedor, criado visando fomentar o turismo no país, que utiliza a criação arquitetônica a fim de promover e valorizar as paisagens naturais e a memória e história local. Na interpretação da realidade, as entrevistas realizadas e o levantamento de dados estatísticos e das iniciativas governamentais implantadas (com o projeto “Caminha São Paulo”) confirmaram o potencial da peregrinação a Aparecida como atividade cultural e turística, capaz de trazer benefícios de ordem econômica para a região. Os estudos conceituais e analíticos citados, somados à interpretação do território e à leitura fenômeno inserido no contexto da área de intervenção revelaram as diretrizes projetuais a serem seguidas, fundamentadas na “medida humana” e na relação que se estabelece entre homem-paisagem-lugar, justificando o marco arquitetônico como o elemento capaz de fornecer ao peregrino um espaço “silencioso”.


128

A fim de manter a essência do fenômeno, percebeu-se que a arquitetura não pode intervir de modo a definir um determinado comportamento ao usuário, através de uma função estipulada. Mas pode ser concebida de maneira a possibilitar a coexistência dos diversos discursos que a peregrinação possibilita e as múltiplas interpretações do espaço, visando oferecer ao usuário uma experiência única. A concepção da implantação dos marcos arquitetônicos, neste caso, revelanos um plano de ocupação territorial delimitado pela escala humana, já que o ato de caminhar é essencial à peregrinação e a experiência do peregrino se dá por meio da relação estabelecida entre seu corpo e o território, o que possibilita ao exercício projetual em planejamento territorial e concepção arquitetônica um cenário experimental, que instiga a criação de diretrizes e propostas incomuns. Além disso, a proposição de intervenções projetuais que se embasam no estudo de concepções espaciais de obras e épocas arquitetônicas importantes à história da arquitetura demonstra como cada proposta pode ser enriquecida e possuir fundamentação projetual ao criar um discurso arquitetônico contemporâneo, formado também a partir do entendimento do fenômeno e estudo de linguagens formais, simbólicas, poéticas e filosóficas que podem ser agregadas de forma a enriquecer o cenário em estudo e centradas na experiência individual, possibilitando a conexão do indivíduo com o espaço de múltiplas formas e intensidades, o que abre novos horizontes para o pensamento arquitetônico.


129

22.

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APÊNDICES: PRANCHAS PROJETUAIS


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ANEXO: QUESTIONÁRIO Qual rota você utilizou para chegar em Aparecida? ( ) "Caminho de Aparecida" ( ) "Caminho da fé" ( ) A Rota Franciscana ( ) O caminho de Frei Galvão ( ) Outro Em que cidade você começou sua peregrinação? Qual(is) foi(foram) o(s) motivo(s) que o levaram a fazer a peregrinação até Aparecida? ( ) Crença Religiosa ( ) Esportivo ( ) Busca interior ( ) Espaço para reflexão ( ) Turismo ( ) Saúde ( ) Outro Como você fez o percurso? ( ) A pé ( ) A cavalo ( ) De bicicleta ( ) De moto ( ) De carro Quanto tempo durou a jornada? ( ) 1 dia ( ) 2 dias ( ) 3 dias ( ) 4 dias ( ) 5 dias ( ) mais de 5 dias O que mais te marcou na jornada? ( ) A exuberância da paisagem ( ) A experiência que me proporcionou ( ) O contato com as pessoas que encontrei no caminho ( ) Os sentimentos que experimentei ( ) Conexão com a natureza ( ) Outro


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Você sentiu falta de alguma infraestrutura no percurso? (como camping, pousada, lugar para descansar/dormir mais barato/de graça, fonte de água etc) ( ) sim ( ) não Caso "sim", qual? De quanto em quanto tempo aproximadamente você sentiu a necessidade de parar para descansar da caminhada? Em sua opinião, o que poderia ser feito de melhorias na rota que contribuiria para a sua segurança e/ou a sua experiência como peregrino? Quantas vezes você realizou a peregrinação à Aparecida? ( ) 1 vez ( ) 2 vezes ( ) 3 vezes ( ) mais de 3 vezes


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