SALVADOR, SÁBADO, 15/3/2008
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SALVADOR
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URBANISMO ❚ Concentração de renda pode acirrar violência em áreas carentes, alertam especialistas; cidade tem território dividido
Orla será para quem pode MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE
FERNANDA SANTA ROSA E KATHERINE FUNKE fsantarosa@grupoatarde.com.br kfunke@grupoatarde.com.br
“Pobre no meio de rico só tem a perder. Sei que vão crescer o olho para a gente aqui”, diz Edith Santos de Oliveira, 68 anos, sobre o que vai significar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) para ela e sua família. Também conhecida como dona Nenzinha, a dona-de-casa firmou raízes em Pituaçu há 30 anos, quando a família ocupou um terreno de cerca de 500 m² no canteiro central da Avenida Octávio Mangabeira. Sobrevivendo com baixa renda, dona Nenzinha vive com 16 parentes em cinco casas vizinhas no local. A expulsão das pessoas de classe média-baixa da orla será apenas um dos efeitos do PDDU. “Privatizamos os espaços da cidade e excluímos sua população mais pobre. A orla ainda é o lugar
Prefeito João Henrique pede pressa à Seplam "Dei ordem que houvesse pressa, porque temos arrecadação muito baixa e precisamos de dinheiro. Então, quanto mais rápido começarmos a cobrar, melhor", diz o prefeito João Henrique sobre a demora na definição da fórmula da contrapartida a ser paga por quem construir prédios na orla com a nova altura máxima permitida pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). A contrapartida tem sido divulgada como grande fonte de recursos para promover justiça social. Mas, três semanas depois da sanção da nova lei, a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplam) ainda não divulgou a fórmula do cálculo. Sem essa definição, nenhum alvará de construção de projetos que usem o novo gabarito poderá ser liberado pela Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo (Sucom). Até essa sexta-feira, o órgão recebeu solicitação de alvará de apenas um edifício que se enquadra nesta categoria. E quanto a pessoas como Dona Nenzinha, que já prevê ser expulsa de Pituaçu pela elitização do bairro? “Ela vai ter a oportunidade de fazer bons negócios, vender seu imóvel e escolher onde morar”, respondeu o prefeito, em entrevista para A TARDE, ontem pela manhã. A prefeitura vai estimular empreendedores de prédios a comprarem os canteiros centrais da orla. “Dessa forma, a prefeitura irá voltar a arrecadar IPTU sobre terrenos que hoje não pagam nada. É melhor isso que aumentar o IPTU e escorchar a classe média”, disse. (K.F.)
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memória Segregação já é antiga ❚ No final do século 19, famílias ricas moravam no Campo Grande, Vitória e Graça; as pobres se instalavam na Lapinha, Soledade e Cidade Nova. A desigualdade se acentuou com a instalação das primeiras fábricas, ao redor das quais moravam os operários. A partir de 1940, o subúrbio ferroviário se expande, com a instalação de loteamentos populares e áreas de invasão. Já o miolo (entre a BR-324 e a Avenida Paralela) surgiu entre as décadas de 60 e 70, impulsionado por programas habitacionais do governo. A prefeitura retirou invasões populares da orla e enviou os moradores para o miolo e para o subúrbio. ❚ Fonte ❚ Artigo “Segregação sócio-espacial e dinâmica metropolitana”, de Inaiá Carvalho e Gilberto Pereira, no livro “Como anda Salvador”, editado em 2006 pela Edufba.
Dona Nenzinha (no centro, com a criança menor no colo) vive no canteiro central de Pituaçu há 30 anos
da diversão mais democrática da população”, diz a enfermeira Heloniza Costa, coordenadora do Projeto Ampla Paz e membro do Fórum Comunitário de Combate à Violência (FCCV). Heloniza alerta que a separação geográfica das classes sociais tende a acentuar a violência. Para ela, o Plano Diretor estimulará
a concentração de renda, descumprindo seu papel legal de promover justiça social. Outra conseqüência da verticalização da orla deve ser o deslocamento de maior contingente policial para a área, em detrimento da segurança pública nos bairros pobres. A especialista ressalta que a criminalidade é
impiedosa nas regiões mais carentes e o PDDU tende a agravar o problema. “A mortalidade é alta nos bairros pobres, com índices que se comparam aos da Colômbia quando este era o país mais violento do mundo, enquanto nos bairros mais nobres, os índices são moderados”, lembra Heloniza.
SEGREGAÇÃO – Salvador já é uma cidade dividida, a ponto de ser possível traçar, no mapa, onde moram as diferentes classes sociais. Análise dos pesquisadores Inaiá Carvalho e Gilberto Corso Pereira, do Centro de Recursos Humanos (CRH) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), sobre os dados do Censo 2000, do IBGE, retrata a dinâmica e a história da segregação social no território de Salvador. As elites dirigentes e intelectuais, formadas por empresários, profissionais liberais e pessoas com nível superior, moram na orla. Os trabalhadores de baixa renda moram no miolo e no subúrbio. A classe média, por sua vez, se espalha em áreas do centro tradicional da cidade (Nazaré, Barris, Comércio) e bairros com alta densidade demográfica, como Rio Vermelho, Paripe e Pau da Lima. Inaiá Carvalho alerta que o estímulo ao isolamento em condo-
mínios fechados empurra a pobreza para longe, o que gera ainda mais pobreza. Ela explica que, quanto melhor a infra-estrutura urbana e a proximidade de comércio e serviços de qualidade, mais caras são as moradias. Nesse contexto, a orla é um “espaço superior” da cidade, por abrigar os “equipamentos públicos e privados mais importantes, modernos centros de comércio e de serviços, redes de infra-estrutura e as oportunidades de trabalho”. A pesquisa pontua apenas três locais populares na orla: Nordeste de Amaralina, Boca do Rio e trecho de Itapuã. O estudo completo pode ser lido no livro Como anda Salvador, publicado em 2006. Os pesquisadores atualizaram os resultados para 2007 em artigo presente no Caderno nº 50 do Centro de Recursos Humanos da Ufba. O texto está disponível para download gratuito no site www.cadernocrh.ufba.br.