4 SALVADOR E BAHIA EDITORA-COORDENADORA
Marlene Lopes EDITOR DE SALVADOR
Sandro Lobo
| SALVADOR |
MARCO AURÉLIO MARTINS | AG. A TARDE
SALVADOR, QUINTA-FEIRA, 21/2/2008
GALHO Um imenso galho de árvore obstruiu parte da Rua Ceará, na Pituba, na manhã de ontem. Um caminhão bateu no galho que apresentava sinais de estar com a madeira envelhecida. Um ônibus da empresa Axé, que vinha logo atrás, teve quebrados o pára-brisa e o visor
& região metropolitana
salvador@grupoatarde.com.br
PLANO DIRETOR ❚ Documento foi sancionado sob os aplausos de empresários do setor imobiliário na Associação Comercial da Bahia
Cerimônia seleta para o PDDU KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br
“Tô dizendo aqui a Kátia Guzzo que a caneta dela vai ficar na história. É a caneta mais importante de Salvador”, declarou João Henrique ao assumir o posto de orador durante a cerimônia em que sancionou a lei do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), ontem de manhã, na Associação Comercial da Bahia, no Comércio. A jornalista, que ali prestava serviço de mestre de cerimônia e emprestou a caneta ao prefeito, sorriu. Os cerca de 300 convidados, muitos ligados ao segmento imobiliário, aplaudiram, gesto repetido em vários momentos do discurso de meia hora, marcado
pelo tom de campanha eleitoral, com lágrimas finais devidamente registradas por fotógrafos e cinegrafistas. O conteúdo da versão final da lei, por outro lado, não foi exibido para jornalistas ontem. Desde a segunda-feira, A TARDE tem solicitado o documento e recebido respostas negativas dos responsáveis. O secretário de Comunicação, André Curvelo, diz que a divulgação será dada apenas por meio da publicação no Diário Oficial do Município, hoje ou amanhã. A secretária de Planejamento Kátia Carmelo adiantou que foram vetadas sete das 161 emendas ao projeto, mas disse não poder especificar quais. Tal qual Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil (1956-1961)
cujo lema de governo era “50 anos em cinco”, João Henrique, que é candidato à reeleição, assumiu na solenidade uma postura desenvolvimentista e disse já ter realizado “30 anos em três”. Destacou ter atraído de volta empresas como Odebrecht e OAS, assim como investimentos internacionais. “O grupo Iberostar já está preparando seu resort para a Praia do Flamengo”, citou como exemplo. DEUS – João fez duras críticas aos gestores municipais anteriores. Sem citar nomes, criticou clientelismos, liberação de alvarás de empreendimentos apenas para amigos dos políticos no poder e chamou, no mínimo dez vezes, o nome de Deus, tanto em re-
provação aos ex-prefeitos quanto em bênção ao projeto . Segundo o prefeito, Salvador é a terceira cidade mais rápida em liberação de alvarás de obras da América Latina. Sob o barulho dos protestos do lado de fora do prédio, João Henrique classificou todos os críticos ao PDDU como pessoas “que estão com a cabeça parada no passado” ou “galinhas”. Os defensores, por outro lado, seriam “águias” que podem enxergar até 10 quilômetros à frente. O discurso de João fez coro com o vídeo institucional exibido no início da solenidade. No vídeo, a história recente de Salvador foi dividida em duas fases. Antes de João Henrique, ela teria sido “atrasada, estacionada no
tempo”, a ponto de perder investimentos, envergonhar seus moradores e espantar empresários. Com João, ela será “avançada, moderna e socialmente justa”. O vídeo apresentou depoimentos elogiosos de Antônio Andrade Júnior, da construtora Andrade Mendonça, e Luís Varandas, do grupo Imocon. Varandas está à frente do Hotel Hilton, o primeiro de uma série de hotéis que irão se instalar no Comércio. Uma das emendas ao PDDU liberou o gabarito local para prédios de até 17 andares, apesar da recomendação de veto feita pelo Conselho Estadual de Cultura. Outros críticos, como o Instituto dos Arquitetos da Bahia (IAB), apontam que pode haver o
risco de a cidade perder o título de Patrimônio Mundial, conferido pela Unesco, um braço da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1985. “Qualquer cidade que necessidade de um caixa de investimentos deve ser mais flexível nesse sentido. A cadeia produtiva do nosso ciclo de negócios pode ajudar a cidade a crescer”, rebate Rodolfo de Diego, responsável do grupo Single Home pela instalação de um hotel executivo quatro estrelas no Comércio. Além de João Henrique, fizeram discursos a secretária de Planejamento, Kátia Carmelo, o líder do governo na Câmara Municipal, Sandoval Guimarães, e o presidente da Câmara, Valdenor Cardoso.
FOTOS JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE
NOVO GABARITO O novo gabarito aumenta o número de andares nos prédios da faixa litorânea de Salvador. Abaixo, o trecho da orla que sofrerá maior impacto
SALVADOR
PIATÃ
JAGUARIBE
ITAPUÃ
PATAMARES
PITUAÇU
BOCA DO RIO
O prefeito fala à platéia de políticos e empresários na associação JARDIM DOS NAMORADOS
2 andares
4 andares
10 andares
18 andares
2 andares (8m)
5 andares
12 andares
Preferência para hotelaria
3 andares
8 andares
15 andares
EMENDAS Na maior parte dos trechos entre Rio Vermelho e Pituba, a alteração de gabarito já havia ocorrido antes do PDDU. Quatro trechos sofreram alterações especiais por emendas de vereadores
4 A área do Clube
1 Rio Vermelho No trecho entre as ruas Vila Matos e Euricles Matos, área de borda fica em 4 andares
SALVADOR
2 Rio Vermelho
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1 RIO VERMELHO
O momento da assinatura da sanção ao polêmico projeto
Do lado de fora, protestos contra o novo plano diretor VÍTOR ROCHA vrocha@grupoatarde.com.br
Enquanto o prefeito João Henrique sancionava o PDDU dentro da Associação Comercial da Bahia, membros de associações, sindicatos, movimentos sociais e militantes de partidos políticos protestavam na porta do prédio com bananas e abacaxis. Entre os motivos, falta de discussão com a sociedade civil na elaboração do texto final e criticavam os pontos polêmicos, como a permissão para construção de prédios entre 13 e 18 andares na orla e a dispensa aos templos religiosos de realizarem Estudos de Impacto de Vizinhança para sua implantação. Pessoas que passavam pela Praça Riachuelo paravam para verificar o porquê de uma bandinha de sopro ali, de manhã, tocando marchinhas, e que tanto abacaxi era aquele. Aproveitavam e paravam para tomar o mingau servido em dois caldeirões e comer um pão com manteiga oferecido também de graça. No momento de maior adesão, o protesto chegou a cerca de 100 participantes. O vereador Everaldo Augusto (PCdoB), patrocinador das frutas, justificou o ato: “Queremos demonstrar que não somos mais uma república das bananas. Esse PDDU é um abacaxi!”. Além dele, Olívia Santana e Aladilce Souza, do PCdoB, Paulo Câmara e José Carlos Fernandes, do PSDB, também marcaram presença no protesto do lado de fora. Eles prome-
tem recorrer à Justiça para tentar derrubar a modificação do Plano (leia matéria na página 5). A desempregada Eliana Galo, 44, deixou a fila do Simm, a poucos metros dali, para aderir ao protesto por alguns instantes. “Moro no Cabula e lá falta saneamento básico, as ruas internas estão esquecidas”, disse. O prefeito João Henrique entrou e saiu pela porta dos fundos da Associação Comercial da Bahia e evitou os protestos. Sobre os recursos judiciais da oposição, se mostrou tranqüilo: “Todas as batalhas jurídicas que cabiam, já foram travadas”, disse, em referência aos nove mandados de segurança impetrados durante a votação na Câmara. “Temos um texto tão correto que acredito não caber mais processo judicial”, afirmou.
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AMARALINA
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João Henrique, prefeito, ao sancionar o PDDU ❚
3 Trecho entre o
Passou de 6 para 15 metros nas quadras voltadas para a Av. Juracy Magalhães, na contravertente do morro que nasce na Osvaldo Cruz
último quarteirão de Amaralina e a Praça Nossa Senhora da Luz, na Pituba, subiu de 8 para 12 andares
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FONTE Versão do PDDU disponível no site da Seplam e emendas de vereadores
“Todas as batalhas jurídicas que cabiam já foram travadas. Temos um texto tão correto que acredito não caber mais processo judicial” Sindicalistas e líderes comunitários reclamaram da sanção do PDDU
PITUBA
Português deixa de ser destinada preferencialmente à hotelaria
INFOGRAFIA Katherine Funke / Nemo Sampaio
Orla é o ponto mais polêmico João Henrique prometeu fazer da orla de Salvador “a mais bonita do País” em até seis anos. A promessa, no entanto, depende por ora muito mais do comprometimento cívico dos empreendedores, pois não há, no plano diretor, exigências quanto a parâmetros estéticos, materiais usados na obra, posicionamento e formato dos prédios. A lei obriga apenas, por meio de fórmulas matemáticas, que as edificações não sombreiem a praia e não formem barreiras aos ventos. Quanto mais alto o prédio, maior a distância que deve separá-lo do muro. Para terrenos com testada (frente) com até 20 metros, o recuo mínimo é de dois
metros; para testada entre 20 e 49 metros, o mínimo são três metros; para testada com 50 metros ou mais, recuo de sete metros. O arquiteto Paulo Roberto Rocha, consultor do PDDU, admite ser necessária a revisão da Lei Orgânica de Uso do Solo (Lous) para fixar ainda alguns parâmetros adicionais que poderiam, segundo ele, evitar prejuízos à circulação dos ventos e à capacidade de absorção da água da chuva. Entre eles, a preservação das embocaduras dos vales transversais à orla, que servem como canais de entrada dos ventos, e o aumento do recuo frontal das edificações da primeira quadra mais próxima ao mar.
A revisão da Lous deverá ser finalizada em agosto. Até lá, os projetos que solicitarem alvará à prefeitura precisam seguir apenas os parâmetros do PDDU. A Lous em vigor data de 1984. A secretária de Planejamento, Kátia Carmelo, abraçou e homenageou Rocha, classificando-o de “único detentor de estudos sobre a orla de Salvador nessa cidade”. Ele fez, em 1991, estudos sobre sombreamento das praias que resultaram na fórmula aplicada no PDDU. Segundo o arquiteto, o trecho entre o Quartel de Amaralina e o Largo das Baianas é o mais problemático em relação à possibilidade de sombreamento da praia. (K.F.)
Autoridades rebateram críticas Além de João Henrique, fizeram discursos a secretária de Planejamento, Kátia Carmelo, o líder do governo na Câmara Municipal, Sandoval Guimarães, e o presidente da Câmara, Valdenor Cardoso. Todos rebateram críticas quanto à falta de participação popular no processo de elaboração do PDDU, à tramitação em caráter de urgência na Câmara Municipal e o conteúdo da lei, especialmente contrários à verticalização da orla. Antes dos discursos, os convidados da prefeitura, na maioria homens de ternos escuros e telefones celulares em punho, puderam tomar um farto café da ma-
nhã, com frutas, pães, presuntos, queijos, beijus, mingau de tapioca e sucos naturais. Enquanto tomava café, o incorporador Jorge Simões, da Gráfica Empreendimentos, disse estar confiante de que o PDDU vai trazer para a cidade “uma nova orla”. O vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil, Carlos Lima, destacou como vantagem o estabelecimento de “regras claras que colocam os empresários à vontade para investir”. Proprietário da Construtora MVL, Lima estava também orgulhoso do sócio e filho, Marcos, que atuou como consultor do
PDDU e foi um dos colaboradores do projeto homenageados pela prefeitura. Lima não quis adiantar detalhes sobre empreendimentos à vista, que a partir da publicação da lei poderão solicitar alvará de liberação de obras na Sucom. Também estavam na platéia os responsáveis pelo Megacenter, empreendimento que vai ter 29 torres e um shopping center, no Cabula, empresários filiados à Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário de Salvador (Ademi), autoridades do Exército, permissionários de barracas de praia e vereadores das bancadas evangélica e governista. (K.F.)