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SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 25/2/2008

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SALVADOR

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XANDO PEREIRA | AG. A TARDE

ABORTO ❚ “Kit uterino”, vendido na internet junto com o Cytotec, pode provocar

perfurações no útero, causando graves hemorragias e até a morte da mulher

Médicos alertam para riscos à saúde EMANUELLA SOMBRA E KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br esombra@grupoatarde.com.br

O ginecologista Jorge Luiz Brandão, da Maternidade Tsylla Balbino, alerta para os riscos oferecidos pelo “kit uterino” ou “kit abortivo”, anunciados por vendedores online. Supostamente destinados a evitar ocorrências de hemorragias e infecções, os kits podem provocar perfurações no útero, por conter o remédio Methergin. “É uma medicação capaz de provocar contrações uterinas. Seu uso com o Cytotec pode resultar em ruptura, com hemorragia interna, podendo exigir intervenção cirúrgica de emergência”, avisa. INFECÇÃO – Se houver perfuração do útero, a mulher perde a capacidade de, em uma próxima gestação, ter parto normal. O kit vendido na internet contém também um antiinflamatório que evitaria “infecções com resto de placenta”, o que, segundo Brandão, não faz sentido do ponto de vista químico. “Um antiinflamatório pode até reduzir a dor, mas não previne infecções. Além disso, ele é inibidor da prostaglandina, fazendo o efeito contrário do Cytotec. É contraditório”, avisa. O kit abortivo oferecido pela internet também tem “água inglesa”, sob a alegação de que ajudaria a limpar restos de placenta. Brandão escla-

? O aborto é legalizado no Brasil? Só em dois casos. Podem interromper a gravidez as mulheres vítimas de estupro e aquelas cuja gestação seja um risco à própria vida. O uso do Cytotec pode levar à morte? A probabilidade de levar à morte está relacionada com o quadro clínico, a dosagem utilizada, a qualidade do medicamento e a mistura feita com outras substâncias. Em caso de hemorragia, a usuária deve ir imediatamente a um hospital. A recomendação médica, no entanto, é que as mulheres não usem nenhum tipo de abortivo. Se eu tomar Cytotec e tiver que ir para o hospital, vou ser presa? Não. Médicos e enfermeiros têm a obrigação de cuidar de vidas, não de denunciar pessoas.

Salvador lidera o ranking de mortes O último relatório da Federação Internacional de Planejamento Familiar aponta que o problema tem relação direta com fatores socioeconômicos. No Nordeste, o grau de analfabetismo é um dos maiores, correspondendo a 18%, e o acesso das mulheres ao sistema de saúde ainda é baixo, se comparado a outras regiões brasileiras. Como a população tem menos acesso à informação e menos oportunidade de recorrer a métodos contraceptivos, as mulheres optam, na maioria das vezes, pelo aborto. Em Salvador, bairros de classe média-alta como Itaigara e Pituba têm índices europeus de morte por aborto, com seis por 100 mil habitantes, diz a superintendente de Políticas Públicas para Mulheres (SPM), Maria Helena Souza. Já os bairros periféricos possuem índice de 100 mulheres por cem mil. No Cabula, o número sobe para 200, acrescenta Maria Helena. “Quando a mulher da classe baixa engravida, dificilmente consegue apoio. Quando opta pelo aborto, a gravidez está avançada. Em um país onde a prática é crime, a situação fica ainda mais complicada”, destaca a superintendente. Apesar de não existir dados precisos por conta da clandestinidade, Salvador lidera o índice de mortes por abortamento no

País, afirma a médica Greice Menezes, pesquisadora do Programa de Estudos em Gênero e Saúde (Musa), da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Pelo menos uma mulher morre na capital por mês”, diz. No Brasil, 31% das gestações terminam em aborto, segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde. Por ano, são cerca de 1 milhão de abortamentos espontâneos e inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos. A médica Greice Menezes revela que em 1998 o aborto era a primeira causa de morte materna em Salvador. Dez anos depois, ela acredita que a realidade permanece a mesma porque não houve avanços nas políticas de planejamento familiar na cidade. “Vamos fazer nova pesquisa este ano e não temos nenhum motivo para pensar que a situação mudou, pois falta o básico: programas de educação sexual. Também não houve melhora do acesso à contracepção e a pílula do dia seguinte não está difundida como deveria”. Para a chefe de gabinete da Superintendência Especial de Política para as Mulheres (SPM), Cátia Brochado, o desafio é reverter o quadro. Uma das formas de atuação seria por meio de redes não-governamentais, sugere. (Kleyzer Seixas)

rece que o único efeito é o laxativo. Ou seja, a paciente terá diarréia. Há quem veja o Cytotec como uma alternativa menos arriscada para as mulheres que optam por fazer um aborto clandestino. “Bem ou mal, o uso do medicamento diminuiu o índice de mortalidade materna”, ressalva a médica Maria de Sá Ferreira, ginecologista do Iperba (Instituto de Perinatologia da Bahia) e contrária ao aborto, exceto em casos de má formação fetal ou de risco à vida da mãe. Ela explica que, se comparado aos métodos clandestinos em que se recorre a instrumentos cirúrgicos perfurantes, o uso do Cytotec é até mais “seguro”. Especialista em medicina natural, a ginecologista alerta para as chamadas “garrafadas”, compostos à base de ervas encontrados em feiras populares da capital. “O fitoterápico é uma faca de dois gumes, porque pode matar, se usado em excesso. No caso de um fitoterápico abortivo, então, dá pra imaginar a agressão provocada no organismo”. CRIANÇA – Em caso do aborto não vir a ocorrer, a criança também pode sofrer conseqüências do uso do Cytotec. “São raros os casos, mas podem ocorrer”, avisa Brandão. Em 18 anos de trabalho, ele não chegou a ver casos do tipo, mas os conhece através de divulgações científicas. Os riscos são provocados pela alta

contração uterina, que reduz o aporte de sangue para o sistema nervoso do bebê. Segundo Brandão, a criança pode nascer com paralisia facial (chamada de síndrome de Moebius) e lesões tronco-encefálicas, que provocam dificuldade de deglutição e respiração e podem levar a criança à morte no primeiro ano de vida. Os bebês também podem nascer com braços e pernas de tamanho reduzido e com enrijecimento nas articulações. “Os pulsos se dobram sobre os antebraços, os antebraços sobre os braços. Não há como reverter o quadro”, afirma Brandão. Casos como esses são raros, segundo o médico, porque as mulheres que usam Cytotec costumam aumentar a dosagem até a expulsão do feto. “Se não dá certo com a quantidade x, elas usam 2x, 3x, até sair”, explica. Enquanto o projeto de lei que legaliza o aborto tramita na Câmara dos Deputados e a Constituição e a Igreja Católica proíbem a interrupção da gravidez, nas três unidades dirigidas pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) em Salvador – Maternidade Tysyla Balbino, Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba) e Maternidade Albert Sabin –, cerca de 400 mulheres são atendidas por mês devido a conseqüências de abortos feitos de forma clandestina.

Maria José, diretora da Tsylla: aborto gera 30% do atendimento

Casos mais graves vão parar nos hospitais públicos KLEYZER SEIXAS kseixas@grupoatarde.com.br

As maternidades Tsylla Balbino, Albert Sabin e no Instituto de Perinatologia da Bahia (Iperba), os três localizados em Salvador, receberam quase quatro mil mulheres em 2007. Nessas unidades, os casos de aborto ilegal perdem apenas para os partos. O alto índice coloca a capital baiana no topo do ranking nacional, ao lado de outras cidades nordestinas, revela o último relatório da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na si-

ga em inglês), entidade que atua em 150 países. Normalmente, as mulheres vão às unidades para dar continuidade ao abortamento e fazer curetagens. Algumas têm complicações graves. Hemorragias, dores, febre, intoxicação e útero perfurado são alguns dos sintomas causados pela ingestão de chás e pílulas ou mesmo a introdução de agulhas ou outros objetos cortantes, segundo Maria José Souza Silva, diretora da Maternidade Tsylla Balbino, local onde o aborto é responsável por quase 30% do atendimento.

Colaborou Kleyzer Seixas

FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE | 18.2.2008

Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, sugeriu um plebiscito REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE | 9.10.2007

Aladilce, vereadora: “Não defendo o aborto como contraceptivo”

A conta paga pelo SUS em 2007 foi de R$ 34 milhões De autoria do ex-deputado Eduardo Jorge e da ex-deputada Sandra Starling, o Projeto de Lei 1.135/91 tramita na Câmara dos Deputados e tem por objetivo descriminalizar a interrupção da gravidez até os três primeiros meses de gestação (12 primeiras semanas), sem qualquer justificativa. Caso seja aprovado, os hospitais públicos estarão autorizados a realizar o procedimento mediante consentimento da paciente ou de seu responsável. Atualmente, a Constituição Federal libera o aborto apenas em casos de estupro ou quando a vida da mulher corre risco durante a gravidez, conforme o artigo 128 do Código Penal Brasileiro. Quem tentar interromper a gravidez em outras circunstâncias pode pegar de um a três anos de prisão. O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, solicitou até a realização de um plebiscito. A intenção é discutir a legalização do aborto no País, tendo em vista o alto índice das mortes por aborto clandestino. Outro argumento para descriminalizar o aborto é o gasto do Sistema Único de Saúde (SUS), que contabiliza 230.523 internações motivadas por curetagens pós-aborto, em 2007. No total, a conta paga pelo sistema foi de quase R$ 34 bilhões. Nas unidades brasileiras, assim como nos hospitais baianos, curetagem é o

segundo procedimento mais praticado na área obstétrica. A vereadora Maria Aladilce Souza (PCdoB), integrante da Comissão de Mulher e Saúde da Câmara Municipal, acredita que a situação deve ser enfrentada como uma questão de saúde pública. “São mulheres jovens, pobres, que moram na periferia e morrem por fazer o procedimento em condições inseguras. Não defendo o aborto como o método contraceptivo, mas é preciso discutir este tema levando-se em conta a gravidade do problema”. A maioria das mulheres que abortam no Brasil é de classe econômica desfavorável, moradoras da periferia e com idades que variam de 15 a 39 anos, segundo dados do Ministério da Saúde. A decisão de interromper a gravidez não é fácil. As que optam por esse caminho sofrem com a escolha e têm de lidar com o sentimento de culpa. O medo da prisão também é grande, pois o aborto é crime no País e muitas pacientes são denunciadas por enfermeiros dos hospitais onde são atendidas devido a complicações das práticas clandestinas. (KS)

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Notícia integrada: Leia reportagem completa no portal A TARDE ON LINE | www.atarde.com.br |


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