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SALVADOR, DOMINGO, 27/1/2008
JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE
EDITORA Symona Gropper
FEIJOADAS ❙ O feijão é a atração principal de
MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE
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TIMBALADA FAZ ÚLTIMA FESTA ANTES DA FOLIA HOJE, NO COMÉRCIO
COMES & BEBES ❙ O caviar, sofisticada iguaria da culinária internacional, é um dos principais ingredientes da chef franco-senegalesa Rougui Dia, que esteve em Salvador esta semana e mostrou seu talento no preparo de jantar especial | 5 |
festas como a de Dadá, que comemora 15 anos de Feijão Vip hoje. No dia 2, é a vez da 16ª Feijoada Carnavalesca, com participação da Rainha do Carnaval (foto) | 10 |
ISA OLIVEIRA | DIVULGAÇÃO
GUITARRA BAIANA ❚ Ex-símbolo da BEG FIGUEIREDO 22/02/1991
folia, ela volta através das novas gerações
Pequenas guitarras, grandes sons
Fred Menendez: na Itália EDUARDO MARTINS | AG. A TARDE
CHICO CASTRO JR. ccastrojr@grupoatarde.com.br
Morotó, da Retrofoguetes LÉO AZEVEDO | DIVULGAÇÃO
Barreto, dos Lampirônicos MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE
À sombra do poeta: Armandinho esmerilha na Praça do Povo
Na escolinha, Gabriel Macedo guia a criançada
Retrofolia 2008: Barreto, Morotó e o argentino Júlio Moreno PEDRO BARBOSA | DIVULGAÇÃO
Escolinha para crianças KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br
Pegue um Aroldo Macêdo cheio de idéias, junte com a vontade de perpetuar a linguagem original da guitarra baiana, ligada à aceleração do frevo pernambucano. Tempere com a lucidez de fazer disso um projeto social. Resultado: uma escola gratuita de guitarra baiana para 60 crianças da rede pública. Os meninos têm aula uma vez por semana – uma hora de teoria e outra de prática – e levam o instrumento para casa para estudar. O estudo, contudo, é feito em cavaquinhos Gianinni. "Só por enquanto", diz o filho de Osmar. "Depois queremos fazer aqui uma fábrica de guitarra baiana acústica". Aroldo tem muitos projetos: fábrica, es-
túdio, gravar e ajudar os alunos a fazerem carreira. Ao falar de suas idéias, Aroldo apresenta para a reportagem uma das salas de aula do projeto, com o olhar muito brilhante de quem planta sementes de ouro. E pede que A TARDE não divulgue o endereço da escola porque tem medo de aparecerem muitos candidatos. “O projeto por enquanto é pequeno“, explica. ”A seleção dos candidatos é feita em escolas públicas, com auxílio de professores de música do quadro das próprias instituições“. E assim surgem meninos com a atenção de Lucas e Silva do Carmo, 10 anos, a sensibilidade de Magno Mendes, 12, e a veia rocker precoce de Alexandre Vargas, 10. As aulas começaram no final do ano passado, com patrocínio da Pe-
trobras e apoio das empresas Coelba e Netgate. Os alunos ainda estão aprendendo exercícios básicos. Filho de Aroldo e professor de teoria, Gabriel Macêdo explica que primeiro está habituando o ouvido dos alunos a músicas que não tocam nas rádios. "Trago frevo, choro, Bach, Chico Buarque para eles ouvirem", conta. Na sala de espera, algumas mães assistem a uma TV em preto e branca com a imagem distorcida. "Preciso arranjar alguma coisa pra elas fazerem", diz logo Aroldo, quando percebe que a única distração é a TV. Mas as mães estão felizes por ver os meninos mexendo com música. "Agora quero que meu filho encare com seriedade", diz Solange, 49, mãe de Albert França Barbosa, 15 anos. | Continua na pagina 2
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Viva Dodô e Osmar (Moraes Moreira e Zé Américo)
"Dodô, Dodô / antes do gringo / a guitarra ele inventou / Osmar, Osmar / o carnaval veio trieletrizar. / Logo depois da guerra / na minha terra a Bahia / dois baianos sem compromisso / descobriram que o cepo maciço / evitava o fenômeno de microfonia / e assim com o nome / de pau elétrico / nasceu um dia / a guitarra na Bahia, / Bahia, Bahia."
Muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante, um homem e sua guitarra reinavam absolutos sobre a maior festa popular de um planeta azul. Pode até parecer piada, mas não é. Os dias de glória do Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar hoje parecem distantes, precoces peças do museu para onde são enviados todos aqueles que não se encaixam nos "novos tempos". A verdade é que, depois de décadas sem destaque, a melhor música carnavalesca que a Bahia já produziu continua viva e atualíssima. Certamente, mais atual do que qualquer hit "de verão" dos últimos 15 anos. Criada na década de 40 pela dupla Dodô e Osmar, a guitarra baiana, com seu som sofisticado e afinação de violino, teve seu auge nos 70, embalando muitos carnavais ao som do frevo trieletrizado que fluía das mãos de Armandinho – e todos os demais guitarristas de trios elétricos. Com o advento da axé music, do samba-reggae e da controversa "profissionalização" do Carnaval baiano, agora entrelaçado com a indústria do turismo, destituíram a guitarra baiana do seu trono de rainha da folia. Diversos músicos têm várias versões para o que aconteceu. "A nova música, essa guinada para a axé music que aconteceu a partir de meados dos anos 80, afastou a guitarra baiana. Na época dela, 80% da músicas de carnaval eram instrumentais, diferente do axé, que tem sempre um cantor para animar o público", arrisca Fred Menendez, músico instrumental 100% dedicado à guitarrinha e ao bandolim. Fred toca quase todos os anos no festival de música de rua que acontece em Ferrara (Itália). "Infelizmente, meu trabalho é mais bem recebido lá do que aqui", observa. No próximo CD, ele pretende alargar os horizontes da guitarrinha, levando-a para o blues, o rock e a dance music. "Um instrumento tão versátil não pode servir para tocar só frevo e chorinho", pondera. Caminho parecido é seguido por Roberto Barreto, guitarrista da banda Lampirônicos, já em seu 3º disco, e que sempre utiliza a baiana em shows e gravações.
Paralelo à banda, Barreto desenvolve o projeto Baiana System, no qual explora novas possibilidades para o instrumento, inspirado nos sound systems jamaicanos, em que os instrumentistas interagem com DJs e MCs. "Nos tempos da guitarra baiana, era ela que fazia o papel do cantor. Com a mudança da sonoridade para o axé, os cantores foram içados ao posto de estrelas, concentrando as atenções. Como ela é um instrumento muito mais de solo do que de acorde e harmonização, perdeu o espaço para os cantores", explica. MOROTÓ – A tendência é clara: renegada do Carnaval pelos empresários que passaram a ditar seus rumos, a guitarra baiana encontra agora seu caminho de volta ao público pelas mãos dos músicos dos meios roqueiro/alternativo e instrumental. Que o diga Morotó Slim, o carismático guitarrista da única banda de rock que une essas duas características, de ser roqueira e instrumental ao mesmo tempo: a Retrofoguetes. Fã declarado e visivelmente influenciado por Armandinho, Morotó conta que começou a tocar exatamente por causa do ídolo. “Meus primeiros discos foram de Armandinho, Dodô e Osmar. Eu tocava um cavaquinho afinado como guitarra baiana, tirando as músicas. Até o dia que meu irmão mais velho apareceu em casa com uma de verdade. Fiquei louco“, lembra, rindo. Só anos depois Morotó descobriu o rockabilly dos Stray Cats, grupo que moldou o som dos lendários The Dead Billies, sua primeira banda. Com isso, a baiana ficou um pouco de lado. Acontece que seu cunhado e amigo de infância é afilhado de Armandinho, o que favoreceu sua aproximação com a família Macedo, que sempre o incentivou. “Teve uma festa ano passado na casa de Aroldo (Macedo), e ele deixou uma guitarra comigo. Daí para o projeto do Retrofolia foi um pulo“, conta, referindo-se ao show que lotou a casa noturna Boomerangue no dia 18 de janeiro último, e que contou com a participação do próprio Aroldo, do já citado Roberto Barreto e ainda de Júlio Moreno, experiente músico argentino que reside há décadas em Salvador e também é entusiasta da guitarrinha.