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No curta Ópera dos Três Vinténs, no TCA

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ADENOR GONDIM | ARQUIVO TCA

perspectivas. Da morte do diretor até o início das filmagens de Luz nas trevas, cinco anos se passaram, até que, por meio de editais, a produção adquiriu a verba necessária. E pensar que o peculiar cinema autoral de Sganzerla inspirou a vanguarda norte-americana – Quentin Tarantino, inclusive.

INTELIGENTE

Apesar do sucesso de suas personagens avant-garde, Helena parou tudo em 1975. Suas amigas Leila Diniz, Aneci Rocha, Adriana Prieto e Regina Rosemburgo haviam morrido. Ela declarou que, na época, não se sentia feliz com o sucesso. Mudou-se para Salvador em 1980. Na quietude, estudou o polonês Jerzy Grotoviski e teve aulas com o argentino Oswaldo de La Vega. Em 1983, voltou à cena com O Belo Indiferente, peça de Jean Cocteau em homenagem a Edith Piaf, estrelada no Teatro Castro

«DIVIDI COM MARIA GLADYS, MARAVILHOSA, O TRABALHO DE ATRIZ»

SEM ESSA ARANHA, 1970 Conta a história de um homem viciado em jogo do bicho, marido de três mulheres, mas é bem mais que isso. A obra é uma investigação sobre o “ser brasileiro”, recorrendo a situações poéticas e caricaturas. O personagem central é vivido pelo humorista Jorge Loredo (o Zé Bonitinho), enquanto que Helena Ignez e Maria Gladys fazem duas de suas mulheres, numa trama de extremos: burguesia e pobreza, grandeza e pequenez.

Alves (TCA), com direção da filha Paloma. Voltou com tudo. Em 1985, retornou ao Rio. E não parou mais. Tornou-se uma atriz em busca de novidades. Nos anos 1990, veio para a Bahia estudar mímica corporal dramática. Como aluna da técnica europeia, foi colega de uma das atrizes escaladas para Luz nas Trevas, Nadja Turenkko. Tudo para consagrar um método de interpretar muito próprio. De atriz a diretora, Helena ganhou visão abrangente da arte de fazer filmes. Nadja conta que, além de ter os pés no chão quanto às possibilidades técnicas das filmagens, Helena é uma diretora generosa: deixou-a montar a ideia de cena, as falas e as ações junto com André Guerreiro (Tudo-ou-Nada). “Foi livre. Vim para São Paulo antes da gravação e nós compomos, eu e o André, com Helena dizendo que deveríamos ficar à vontade para desenvolver o que quiséssemos”, revela.

VIBRANTE A atriz Simone Spoladore, que atuou em Canção de Baal, é categórica: “A Helena é sempre uma inspiração para mim. A força dela em cena e na vida é emocionante. Ela respira o cinema, é a vida dela. Isso aparece em tudo que ela faz e na maneira que se relaciona com o mundo”. Djin Sganzerla fala da mãe como atriz premiada que é. Em 2007, a filha mais nova da musa do Cinema Novo ganhou o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Brasília por Falsa Loura. Com Meu Nome é Dindi, foi escolhida melhor atriz de cinema de 2008, simultaneamente, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e pelo júri do 12º Festival Luso-Brasileiro, em Portugal. “Minha mãe é uma atriz de grande domínio técnico, que demonstra inteligência na construção do personagem, com atua-

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ção muito pessoal e ao mesmo tempo muito libertária”, analisa Djin, que já foi dirigida por Zé Celso Martinez Correa. Aos 19 anos, contracenou pela primeira vez com Helena em Cabaré Rimbaud. As duas já fizeram juntas Savana Bay, Antigo e Um sonho. Agora, ensaiam Tragicomédia de um Homem Misógino, que estreia em 6 de agosto no Sesi Vila Leopoldina. A peça tem texto de Evaldo Mocarzel e direção de André Guerreiro. “Helena catalisa a vanguarda, não pertence ao passado, está sempre ligada ao futuro”, diz o ator e produtor Nonato Freire, que trabalhou em Nem Tudo é Verdade e Anônimo e Incomum, sob a direção de Sganzerla. “Ela é uma mulher encantada e muito bem resolvida espiritualmente”. No início dos anos 1980, Helena começou a praticar tai chi chuan. Também lia mãos. Depois, aderiu ao hare krishna. Na época, se chamava Monja Lilivan. No século 21, começou a estudar o tao. E, em pleno 2009, diz: “Do ponto de vista religioso, eu teria todas as religiões. Sou cristã e hinduísta, no sentido da devoção, e budista e zen-budista, no sentido de ser ateísta. O que importa é se ver no outro”.

«FOI O ÚLTIMO ROTEIRO FILMADO POR ROGÉRIO» O SIGNO DO CAOS, 2003 Simbólico ajuste de contas. Filme-testamento do diretor, que, com uma câmera na mão e Orson Welles na cabeça, conta a história de um artista censurado, que sentencia: “Amo o que os outros detestam e odeio o que os outros apreciam. Não vejo necessidade de um filme assim”. Helena interpreta a musa do filme dentro do filme, aparece em cenas plasticamente muito belas, verdadeira elegia à mulher amada em meio a um discurso de desesperança.

DE CARNE E OSSO A Helena Ignez de carne e osso ainda tem sotaque baiano, ama o mar e lembra dos verões que passou, ainda criança, em Itapagipe. A Helena Ignez de carne e osso tem o hábito engraçado de perder artigos essenciais, como os próprios óculos, o tempo todo. O segredo é revelado por Raul William, amigo, ator e cenógrafo (trabalhou em A idade da Pedra, de Glauber). “Fora do set, ela é doce, calma, não tem nada a ver com a mulher do ‘Bandido’. É alegre e, ao mesmo tempo, discreta. Mas às vezes anda enlouquecida atrás dos óculos ou de um perfume francês que esqueceu em algum hotel”, entrega o amigo. Na vida real, Helena acorda e dorme cedo. E não gosta de boemia ou de badalações. “Não sai de casa à noite de jeito nenhum, a não ser que seja para algum aniversário”, revela Sinai Sganzerla. “Em relação ao trabalho, minha mãe é muito disciplinada, organizada, cumpre horários. É até meio careta nesse aspecto”. E é assim, com trabalho, bom humor, arte, caminhadas e tai chi todos os dias que a diva nem parece ter 70 anos de vida e meio século de cinema. «


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