2 Jards Macalé revive Pedro Archanjo no Pelô SALVADOR TERÇA-FEIRA 29/9/2009
3
ENTREVISTA Cantor relembra quando atuou no filme Tenda dos Milagres, enquanto anda pelas ruas do Centro Histórico
Sérgio Huoliver / Divulgação
KATHERINE FUNKE
Durante o festival Pelô de Vanguarda, que aconteceu no final de semana no Pelourinho, o músico carioca Jards Macalé, 65, relembrou a época em que interpretou o personagem Pedro Archanjo no filme Tenda dos Milagres (1977), dirigido por Nelson Pereira dos Santos. “Morei seis meses naquele casarão” (apontou para um prédio na Rua Gregório de Mattos), “andando pelas ruas, conversando com as pessoas. Eu tinha de ser Pedro Archanjo de verdade”. Quando vem a Salvador, Macalé gosta de andar pelas ruas. Antes do show de sexta-feira, ele caminhou por 20 minutos com a repórter pelo Pelourinho, à procura de uma tala elástica para o punho e um diapasão para afinar o violão. Da Gregório de Mattos até o Terreiro de Jesus, foi abordado por um pedinte, passou ao largo de duas lojas com som alto (“Isso aqui não é música!”) e recebeu um abraço de um fã, na loja de instrumentos musicais na esquina do Terreiro. Bastou o pedinte sair, fazendo o sinal da cruz, para Macalé comentar, preocupado: “Espero que ele não vá queimar crack, crack é uma tristeza. Fome a gente mata, pega, mata e come, igual ao carcará”. Carcará é o nome da principal música da peça Opinião, estrelada por Nara Leão até que Maria Bethânia foi substituí-la. Macalé tocou violão no lugar de Roberto Nascimento, enquanto a baiana substitutiu Nara. Era 1964 e a irmã de Caetano foi morar na casa do músico carioca.
Referências De lá para cá, muita coisa aconteceu. Macalé até criticou Gilberto Gil e Caetano, parceiros com quem morou em Londres e dividiu os “anos loucos” em que fez música com Capinan, Torquato Neto, Waly Salomão. “Mas foi uma coisa só daquele momento. Houve mesmo uma época em que estava caindo tudo num engodo comercial”, disse, mas parou de falar porque passamos por uma loja em que tocava um hit popular. Quando o som diminuiu, ele acrescentou: “Acho que agora Caetano está fazendo coisas muito boas, especialmente os dois últimos discos”. Macalé está criando músicas com a mulher (“Mulher não, a
O músico faz uma ode ao humor. “O humor é uma arma poderosa como desmitificação das coisas. Pela ótica do humor, você vê coisas que não se pode enxergar no espelho. Olha, uma praça...”, ele diz, de olho no Terreiro. “É nova?” Explico que foi reformada há alguns anos. Comento também o perigo de andar ali em certas horas do dia. “Sabe, aqui também era barra-pesada na época de Tenda dos Milagres, mas, talvez pelo fato de estar morando no Pelourinho, não senti essa coisa. Foi engraçado uma vez, que o Nelson botou logo umas pessoas barras-pesadas na equipe de trabalho, aí os caras defendiam aquilo. Teve um que mostrou fotografia: eram quatro caras, três abraçados e no meio um homem dentro do caixão, mortinho, abraçando também. Ele disse: ‘Esse era meu melhor amigo pena que não está aqui para participar também’. Uma turma da pesada”.
“O humor é uma arma como desmitificação das coisas. Pela ótica do humor, você vê coisas que não se pode enxergar no espelho”
“Aqui também era barra-pesada na época de Tenda dos Milagres ” JARDS MACALÉ Cantor e compositor
Documentário minha não-namorada”), e já pensa em um novo disco. Mas não adianta nada. “Realmente não sei”. Ele precisava comprar uma tala para o punho direito, que estava doendo. “Meus braços estão um pouco cansados. Tenho feito muitos shows, em várias frentes. Acabam de me ligar de São Paulo abrindo mais uma: homenagem a Ismael Silva. Eu já estava fazendo uma homenagem a Sérgio Sampaio, com Márcia Castro, Zeca Baleiro e Luiz Melodia. Estou fazendo um show solo e também apresentações com a Maria Alcina, em homenagem a Murilo da Silva. Não querem me deixar descansar!” Ele dá risada. Diz que Tuzé de Abreu é uma de suas referências em Salvador. Faço uma pergunta soprada pelo flautista Tuzé, que integra a mesma turma baiana tropicalista que fez história com o carioca: “Você se sente uma caricatura de si mesmo?” A resposta vem imediata: “Sim, às vezes eu me sinto uma caricatura de mim mesmo! Em uma fase bem difícil para mim, 11 anos que passei sem gravar, porque briguei com gravadoras. Mas fazia shows, e os caras que frequentavam eram Jaguar, Millôr, Chico Anysio, Aroreira. Era uma patota! No final de cada show, eu ganhava os desenhos”.
Macalé veio a Salvador para participar do show Pelô de Vanguarda, na noite da última sexta
Embriagado com o poder, atolado na corrupção
Música Falada será lançado em DVD Divulgação
BIAGGIO TALENTO
Quem imagina que o genial diretor Billy Wider desfechou os mais duros golpes cinematográficos contra a imprensa sensacionalista, precisa assistir a A Embriaguês do Sucesso, um filme de 1957, do desconhecido Alexander Mackendrick (baseado num conto do jornalista e escritor Ernest Lehman). Foi lançado em DVD há pouco tempo no Brasil, discretamente, sem qualquer publicidade, o que deixaria irado Sidney Falco, o ambicioso e golpista assessor de imprensa da história. Falco (interpretado por Tony Curtis), no entanto, é apenas uma peça na engrenagem do poderoso colunista J.J. Hunsecker (o magistral Burt Lancaster) do não menos poderoso tabloide de Nova Iorque. Hunsecker é o principal alvo de Lehman, que conheceu os intestinos da imprensa marrom americana no início de carreira. Personagem baseado no colunista Walter Winchell, do tabloide Daily Mirror, Hunsecker se gaba de ter 60 milhões de leitores e telespectadores (também apresenta um noticiário televisivo) e ganha a vida, basicamente, publicando notinhas enigmáticas capazes de destruir e reabilitar reputações. A Winchell (o colunista da vida real) é justamente atribuída a “criação” do estilo de notas curtas, “plantadas”, que visam mandar mensagens cifradas (ou não), escondendo sempre algum interesse escuso, geral-
Essa dialética da corrupção permeia toda a história e é excelente neste momento em que o STF decidiu acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista no Brasil
mente com o objetivo de extorquir dinheiro de alguém. Em A Embriaguês do Sucesso, o imenso poder de J.J. não é suficiente, no entanto, para evitar que sua irmã caçula se apaixone por um jovem músico de bar, rapaz íntegro, honesto e, portanto, sem condições de entrar no clube dos homens de sucesso. Como separar os dois sem ficar mal com a irmã? Pedindo ajuda a Sidney Falco, que sobrevive prestando assessoria a uma clientela cujo objetivo maior é ter o nome publicado, positivamente, na coluna de Hunsecker.
Diálogos antológicos É na relação do puxa-saco Falco, disposto a vender a mãe se for preciso para cair nas graças de Hunsecker, e a prepotência do colunista, que se arma a trama na qual se produzem diálogos
Na loja de música, o vendedor Raimundo Avelar, 54, balconista, o reconhece. Vem lá do fundo para interromper o colega Jorge Cardoso, 23, que trata Macalé como um cliente comum. E acendeu um Malboro, da caixa vermelha, enquanto andava de volta para a Rua Gregório de Mattos. Lembra que a última vez que veio a Salvador foi para o lançamento do documentário Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal. Foi no final de julho. “O documentário reflete o lado A. O lado B é outra história. No lado B tem aquilo que famílias de respeito não devem assistir (risos). Drogas, sexo e rock´n´roll total”. O cigarro está quase acabando, Jards Macalé tem de passar o som e a entrevista entra em um lado B. “A lisergia foi um dos elementos da linguagem daquele tempo. Não nos poupamos, embora alguns excessos tenham levado alguns dos nossos melhores. Mas hoje em dia tomo muita água. É verdade. Tomo refrigerante, água e vinho – que, para mim, é melhor. De vez em quando, dou um tapa em um fumo, que não faz mal a ninguém. Inventaram essa mitologia da maconha, mas quem tem cabeça torta não precisa de nada para estimular. Já está pronto para enlouquecer”.
Burt Lancaster é J.J. Hunsecker no filme que sai agora em DVD
antológicos, como aquele em que, num bar, um senador – que está tendo uma “audiência” com Hunsecker – pergunta a Falco como exatamente um assessor de imprensa trabalha. “Um assessor de imprensa come lixo de um colunista e deve chamar de alimento”, responde com seca ironia Falco. Hunsecker não deixa a bola cair, dividindo a responsabilidade nesse sistema deplorável de toma lá dá cá: “Os preguiçosos pagam a você para ver o nome deles em minha coluna”, espicaça. Ao senadoracrescenta: “E cavam escândalos de pessoas públicas para passar aos colunistas”. Essa dialética da corrupção permeia toda a história e é excelente neste momento em que o Supremo Tribunal Federal decidiu acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista no Brasil. Trama oportuna também às vésperas de mais uma campanha presidencial na qual estratégias começam a ser armadas com os Hunseckers da vida, que agora têm à disposição a diabóloca ferramenta da internet. A Embriaguês do Sucesso não tem o humor caricato de A Primeira Página, nem o exagero do absurdo sensacionalista de A Montanha dos Sete Abutres, os dois filmes de Billy Wider sobre a imprensa, mas segue a mesma linha ao mostrar os exageros às vezes ilimitado do quarto poder. Didático e imperdível para o público em geral, mas principalmente para os jovens que pensam em se tornar jornalistas.
Tudo o que rolou nas três edições do projeto Música Falada terá registro em DVD. Os nove shows do projeto, realizados entre 2007 e 2009 – incluindo o próximo, dia 6, com Marcelo Nova –, estarão reunidos na mídia. A iniciativa prevê um DVD com transcrição para livro e distribuição gratuita em instituições educacionais públicas. Com formato de show intimista com entrevista, o programa Música Falada contempla histórias da vida artística de Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Daniela Mercury, Durval Lelys, Saulo Fernandes, Chiclete com Banana e Carlinhos Brown.
Porto Seguro tem festival com Titãs O III Festival Internacional de Música do Descobrimento, que acontece em Porto Seguro, entre os dias 13 e 14 de novembro, tem suas inscrições abertas para compositores e músicas inéditas, até o dia 10 de outubro. Serão distribuídos R$ 15 mil em prêmios, sendo R$ 7 mil para o primeiro lugar, R$ 4 mil para o segundo e R$ 2 mil para o terceiro. Realizado na Avenida Portugal (Passarela do Álcool), o festival terá como principal atração a banda Titãs, entre outras, “nacionais e internacionais”, segundo a organização. As inscrições para a competição podem ser feitas no site www.festivaldodescobrimento.com.br.