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ra o centro históri a p co) n to e j ão é o r a r n t p s e f o d r mar o um O ção n ( e traba P t « elou to i n i e f l , h o o turístic a rinh m o num co a cidade-sorvete» tino também era arte – tão importante que devesse estar no museu. Uma arte do cotidiano, produzida por anônimos em oficinas dispersas pelo imenso território nordestino, que já havia até passado pela 5ª Bienal de São Paulo, quatro anos antes. Mas, na Bahia de 1963, aquela acusação funcionou como um choque. “Era quase uma ofensa. Chocou e incomodou muita gente“, diz Solange Farkas, atual diretora do Museu de Arte Moderna (MAM) da Bahia.

CHATÔ Em 1963, as pessoas que a arquiteta italiana incomodou já andavam mesmo com uma pulga atrás da orelha. Lina veio morar na Bahia em 1958. Foi chamada pelo governador Juracy Magalhães para implantar o MAM aqui logo depois que, a convite de Assis Chateaubriand, o marido dela, Pietro, cuidou de instalar o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Com a bênção de Chatô e de Odorico Tavares (colecionador de arte e representante local dos Diários Associados), exposições internacionais que vinham para a então distante São Paulo chegavam, pela primeira vez, a Salvador. Lina trouxe originais de Renoir, Degas e Van Gogh para o foyer do Teatro Castro Alves (TCA), primeira sede do MAM. Também incentivou toda uma leva de artistas baianos, como Sante Scaldaferri, José Maria de Souza, Hélio Oliveira, Juarez Paraíso. ”Ela não veio só para consagrar medalhões. Apoiou também os jovens“, conta Paraíso.

Junto com a formação de público para a arte dita erudita e o esforço arquitetônico (do projeto à obra) da reforma do Solar do Unhão para receber o MAM, ela elaborou o projeto do Ceta, o Centro de Estudos e Trabalhos Artesanais. Era seu maior sonho como curadora – mas nunca foi completamente concretizado. “Seriam criadas oficinas, situadas no Unhão, dentro dos arcos de sustentação da Avenida Contorno, onde os mestres artesãos fabricassem seus objetos. Posteriormente, este material serviria de base para artistas transfigurarem os objetos primitivos em objetos utilitários/artísticos/eruditos. Surgiria aí o design brasileiro“, conta Sante Scaldaferri, em artigo exclusivo para Muito (leia texto completo no blog). Scaldaferri conta que, “no grande espaço, ao lado da praia, seria aproveitado o desnível do terreno e criada uma arquibancada para serem apresentadas manifestações populares, feira de cerâmica, de frutas, tudo vindo do Recôncavo em saveiros que lá atracariam“. Acontece que, para Lina, povo não era folclore: era realidade criativa, livre e pulsante, capaz, até, de tornar o Brasil independente do design industrial europeu. ”Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir das habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente, com originalidade. Podíamos reinventar os talheres de comer, os pratos, a camisa de vestir, o sapato. Havia toda uma possibilidade de que o mundo fosse refeito“, escreveu Darcy Ribeiro sobre o projeto.

Dono de parte da coleção presente na exposição acusatória, Mario Cravo conta que, para implantar o Ceta, primeiro haveria um levantamento técnico no território baiano da produção de artesanato popular. Depois, aconteceria uma seleção de alguns dos principais mestres do interior para a capital, a fim de que se registrasse o processo de criação daqueles objetos, entre alunos de belas artes e arquitetura. “Mas a Bahia ficou devendo isso a ela“, pontua (veja vídeo no blog da revista). Cravo se tornou próximo de Lina e Pietro ainda em São Paulo, anos antes. Lina levou seus trabalhos para lá e, quando veio morar na Bahia (solitária, no Hotel da Bahia), o escultor tornou-se seu amigo. Levou-a, por exemplo, para conhecer a história da Guerra de Canudos, em Monte Santo. Mas, em 1964, Cravo foi estudar e expor na então Berlim Ocidental, a convite da Fundação Ford. Daí em diante, nunca mais ele e Lina se falaram. Ela considerou a viagem um abandono do projeto do Ceta; uma traição. Mesmo que o amigo tivesse ficado na Bahia, contudo, não haveria como realizar o Ceta, já que, em abril de 1964, o Brasil mudou. A instauração do regime militar fechou portas para projetos ligados a um ideário revolucionário, como o de Lina, o de Glauber Rocha ou o capitaneado por Martim Gonçalves na Escola de Teatro da Ufba. Lina trabalhou com ambos, no cinema e no teatro, e ainda por cima foi feroz colunista de jornal. Com a posição política exposta, não havia mais clima para continuar na Bahia.

MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE

MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE

Ao lado, o desenho da escada do Teatro Gregório de Mattos, com viga curva. Abaixo, a arquiteta e Gilberto Gil com a maquete e, à direita, a obra pronta

REPRODUÇÃO | ACERVO INST. LINA BO E PIETRO M. BARDI

IRACEMA CHEQUER | AG. A TARDE

Em telegrama enviado em 12 de agosto de 1964, ela avisou seu desligamento. Escreveu também que seus “cinco anos entre os brancos“ da Bahia foram ”de trabalho duro, que revelou atitudes, covardias, defecções, velhacarias“. A reação foi dura: a coleção de arte popular nordestina chegou a viajar para Roma, mas a censura brasileira proibiu a exposição, em 1965. Para além do fator político de 1964, é preciso ponderar que a elevação do artesanato nordestino à condição de design brasileiro necessitaria de um embate de ordem mais ampla: contra o sistema de intermediários que lucram mais do que os artesãos, contra a industrialização. No rol dos entraves, entra ainda a formação histórica do Brasil, a dificultar uma organização dos ofícios entre os “pré-artesãos“ (assim chamados por Lina), como apontou Sérgio

A escada do Solar do Unhão, que foi baseada no sistema de encaixe dos carros de boi


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