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voz sai do microfone etérea como a luz da alvorada. “Bom-dia, meus irmãos”, enuncia Marcos, o mesmo monge que, por toda a hora seguinte, será o principal guia das melodias gregorianas da missa. São dez da manhã de domingo; os sinos da Basílica Arquiabacial de São Sebastião já bateram duas vezes, o dia está ensolarado e quase 500 fiéis se acomodam nos mais de 60 bancos de madeira maciça da igreja, pertencente ao Mosteiro de São Bento, ao fim da Avenida Sete de Setembro, no Centro. O silêncio em torno do edifício do mosteiro, fundado em 1582, começa a ser quebrado coisa de vinte minutos antes da missa, com o burburinho dos fiéis. A maioria vem de carro, o que faz Paulo Roberto, 23, sair do Dois de Julho para tentar algum trocado como guardador. "É pouco, mas o Todo-Poderoso me ajuda, né, aquele lá de cima", diz, com o indicador apontando para o céu e a outra mão já acenando para um motorista recém-chegado. De um desses automóveis sai a família Codes: o casal Lígia e Antônio, com a filha Ana Luiza. Antônio, 63, médico neurologista, diz que leva na memória os sermões de Dom Timóteo Amoroso Anastácio, abade do mosteiro entre 1965 e 1981. "Eu era jovem no tempo dele", enfatiza, “mas o atual também vai muito bem”, elogia, referindo-se ao carioca Dom Emanuel d’ Able do Amaral, 50, também presidente da Congregação Beneditina do Brasil. Quando foi eleito e se mudou de Ponta Grossa (PR) para cá, em 1994, Dom Emanuel estranhou a falta de missas com canto gregoriano por aqui. Na época, o estilo musical caracterizado pela extrema simplicidade das melodias, cantadas em uníssono, era sucesso mundial com os discos do Mosteiro de Santo Domingo de Silos, na Espanha. Surgia a oportunidade de retomar a tradição e renovar a missa de domingo, que, entre 1967 e 1995, foi realizada à noite, com as populares canções pastorais (como a do refrão “Abençoa, Senhor, as famílias, amém”) no lugar das gregorianas. Há 13 anos, a missa com música sistematizada pelo papa Gregório Magno, no final do século VI, atrai pessoas de todas as idades, como Lígia Codes, 64. “Eu amo o canto gregoriano”, diz. Outros carros vão chegando ao Mosteiro. A costureira aposentada Doralice Maria de Jesus, 78, vem com o auxílio de muletas, desde a estação de trem da Calçada. Ela sai de casa uma hora e meia antes, pois mora em Paripe com a neta, Michele, 14, uma jovem tímida que sonha em ser professora. A viagem, repetida todos os domingos, tem forte motivação: “Deus me perdoe, mas não gosto de outros sistemas de missa. Gosto daqui porque é bem mais calmo".

Ao lado, a entrada dos oito acólitos, auxiliares do abade, no corredor central da igreja

Três homens da Tradição, Família e Propriedade (TFP) do Peru, de terno preto e broche na lapela, já sobem os primeiros degraus da igreja, em busca da caridade perfeita, o máximo da sabedoria cristã, anunciada pelas regras de São Bento. Eles mantêm o anonimato, mas contam: "Viemos sempre porque essa missa não é tão agitada quanto as outras". Na loja da abadia, o eletricista Adalberto Carneiro, 55, termina de pagar o presente para a mulher – um chaveiro com a Cruz-Medalha de São Bento em metal. Segundo o folhetinho no balcão, o objeto possui eficácia no "combate ao demônio e suas manifestações, contra doenças, especialmente as contagiosas, proteção na hora da morte, contra ação de serpentes e outros animais maléficos, proteção de animais domésticos e também rebanhos, proteção de veículos, imóveis, plantações".

ESVAZIAR A MENTE

OLHOS E OUVIDOS BEM AFIADOS Para acompanhar os cantos, os fiéis olham ao mesmo tempo para a pauta musical e para o mestre do coro que ensina a melodia

Dez minutos antes da missa, os monges se reúnem em contemplação para acalmar a mente. Seguidores da regra beneditina “orar e trabalhar”, eles não passam o dia apenas rezando e meditando. Ao contrário, têm uma semana cheia, com afazeres no colégio de 350 alunos; na faculdade, com 800 acadêmicos, entre graduação e pós; na biblioteca de livros raros e especiais; na lojinha; na administração (são 170 funcionários); em seus próprios cursos universitários e com ritos internos. A maioria vai dormir exausta, à meia-noite. O único tempo livre é aos sábados à tarde – horário que eles usam para doar amor ao próximo, como Dom Agostinho de Araújo Carvalho, 38, que vai visitar um lar de idosos ali perto. O domingo dos 32 religiosos do mosteiro nasce às cinco horas. Até as dez, eles já tiveram duas orações em grupo, cuidaram da cozinha,


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