Santa missa3

Page 1

SALVADOR DOMINGO 17/8/2008 33

32 SALVADOR DOMINGO 17/8/2008

As pessoas mais idosas, e com dificuldades de locomoção, recebem a comunhão sentadas nos bancos mais próximos ao altar

da limpeza, dos sete rotwaillers do canil, da arrumação da sacristia, do cerimonial, ensaiaram os cantos, as leituras, tomaram banho, fizeram a barba, ajeitaram as vestes. E, exatamente às dez para as dez, paramentados cada qual de acordo com sua função, organizam-se agora em silêncio para entrar na igreja, cumpridores de outra regra beneditina: “que nossa mente concorde com nossa voz”. Quando ouvem o "bom-dia" do Irmão Marcos é o sinal: a missa vai começar. Então oito jovens estudantes do colégio, os acólitos, vestidos de branco, surgem como anjos na entrada do corredor central da igreja, espalhando por toda a basílica o

perfume de rosas, sândalo ou algum outro, criado pelo Irmão João Batista. Noviço, doutor em química, João produz o incenso com base em resinas naturais, como a da amescla. Ele trabalha em testes com novas essências, mas nem todas dão certo: a batizada de agostinhus queimava muito rápido e deixava um travo resinado no ar. Envolta pela nuvem de incenso e canto gregoriano, a fileira de religiosos que avança sobre o corredor central da basílica segue com os monges (ainda em formação, ou já formados), de hábito preto; depois vêm os monges-padres responsáveis pela celebração, que sobre as vestes pretas colocam as alvas e, depois, as casulas colo-

ridas de acordo com a data da celebração. Final de julho, sem festas para mártires, santos ou perto de datas especiais, é “tempo comum”, de cor verde. Por último, na fila, vai o responsável pela celebração.

A MISSA Cada um toma o seu lugar no altar: monges-cantores a um degrau mais alto que o público; monges-padres a seis degraus; e os três celebrantes principais a oito. Elevado sobre a assembléia, o presidente da celebração convida para a confissão dos pecados e, depois, para cantar as músicas de número 27 a 30 do livro. Uma mulher negra, esguia, de vestido branco de

crochê e bolsa e sapato vermelhos, canta e chora, em penitência. Mas nada se ouve além das vozes límpidas dos monges-cantores, em latim. Em trechos como "Adorámuste, glorificámuste", todos abaixam levemente as cabeças, em reverência ao seu Senhor. A basílica está lotada, especialmente de adultos e idosos. De uma olhada, vê-se que a maioria dos homens veste roupas sociais; as mulheres têm sapatos de bico fino, e duas ou três escondem os olhos com óculos escuros bem grandes. As senhoras idosas mais chiques vêm especialmente elegantes, com faces bem maquiadas, em trajes de linho, seda ou cetim. Outras, como Doralice, de Paripe, não se importam com a roupa. Vêm como podem. Construída por escravos entre os séculos XVI e XIX, a igreja abriga todos como iguais, sob o amplo teto interrompido por uma abóbada com 24 janelas de vidro, em três séries de tamanhos e formas, por onde entra a luz do Sol – um dos elementos mais importantes da missa, pois simboliza a presença de Deus. No piso da igreja, por sua vez, estão os jazigos dos ossos de benfeitores e amigos do mosteiro. Pessoas especiais como frei Domingos, baiano da Ilha de Itaparica, que, no século 19, pediu ao papa para renovar a Ordem, o que ocasionou a vinda de novos irmãos alemães. Depois dos cantos, um dos monges lê um salmo e convida para o hino em português distribuído em papel ofício xerocado, que vem à parte do livro de músicas. O mestre do coro ensina a melodia para os versos, que começam com o refrão "Inclinai, ó Senhor, vosso ouvido e escutai-me". Assim como Deus, os fiéis têm de apurar bem a audição para acompanhar a música, podendo olhar ao mesmo tempo para a pauta musical. "Sois tão grande e fazeis maravilhas, vós somente sois Deus e o Senhor", cantam todos. Ou quase. Há quem opte por ouvir e admirar a beleza das imagens italianas em mármore carrara da capela-mor do altar, lugar original para onde foram destinadas, em 1870: a Fé (com uma cruz), a Caridade (com crianças) e a Esperança (com uma âncora e uma rosa) e, no andar abaixo, São Bento, São Sebastião (ao centro, com flechas douradas entrando pelo torso, e a Cruz de Jesus pendurada acima) e Santa Escolástica. Substituídas por imagens barrocas no final do século 20, até três anos atrás as estátuas estavam no jardim interno da arquiabadia. “Deu trabalho, mas conseguimos trazê-las de volta”, conta Dom Emanuel.

CONTEMPLAÇÃO A missa segue. Outro monge lê um trecho de uma carta de São Paulo aos Romanos. Vem o Evangelho. Monges e o público cantam Aleluia repetidas vezes, em loop, enquanto um acólito traz o Evangeliário, o mais grosso dos quatro livros de capa vermelha usados

Imagem de São Sebastião iluminada: o protetor da basílica

Construída por escravos entre os séculos XVI e XIX, a igreja tem uma abóbada com 24 janelas de vidro


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.