História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

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História da imigração japonesa em mogi das cruzes

Mário Sérgio de Moraes E x pe d i e n t e

Diretor-Presidente Diretora-Vice-Presidente / Diretora de Circulação Diretor-Comercial Diretor-Administrativo e Financeiro Diretor de Marketing Projeto gráfico e edição de arte Revisão Fotos

Impressão

Sidney Antonio de Moraes Sonia Massae Amano de Moraes Wilson Bego Luiz Francisco Dias Salatiel Moraes Edimar Veloso Laura Abrão Marta Vicentin Arquivo Municipal de Mogi das Cruzes, Arquivo Pessoal, Amilson Ribeiro, Daniel Carvalho, Diego Barbieri, Gerson Lino Junior, Luciana Moura, Marcelo Alvarenga, Marcos Ribas, Maurício Builcatti, Ney Sarmento e Osvaldo Birke Prol Gráfica

Tiragem Auditada

Rua Carlos Lacerda, 21 Vila Nova Cintra, Brás Cubas Mogi das Cruzes - Cep: 08745-200 Telefone: (011) 4735-8000 www.moginews.com.br

Está registrado no ISBN 978-85-61567-00-2 É vedada a reprodução ou cópia sem a autorização expressa do titular.

A P O I O

i n s t i t u c i o na l


a p oio


a p oio


Índice Capítulo I O que acontecia no mundo e no Brasil?

Capítulo III A chegada em Mogi das Cruzes

Capítulo V O espírito associativo

14 22

Capítulo II Os primeiros japoneses no Brasil

50

Capítulo IV Os primeiros tempos eram assim...

88

Capítulo VI Políticas de perseguição (1930/1940)

36

66


Capítulo VII A inserção na sociedade mogiana

Capítulo IX A crise na pequena propriedade e os dekasseguis

Capítulo XI Conclusão

106 132

Capítulo VIII O desenvolvimento econômico

192

Capítulo X Niponização da sociedade mogiana

226

Entrevistas

172

212


ร memรณria de Taro Konno, exemplo de perseveranรงa e dignidade, retrato dos pioneiros


Agradecimentos Este livro não seria possível sem a gentileza de inúmeras pessoas da colônia japonesa em Mogi das Cruzes. Foram tantas, sempre tão educadas e solícitas comigo. Aprendo com elas o sentido do respeito ao outro, o valor do cooperativismo, a inventividade das experiências agrícolas, a dedicação ao estudo, a estética tão harmoniosa de seus jardins e a simplicidade com que contam suas sagas. Particularmente, quero agradecer a duas pessoas. Tadashi Konno foi mais que um colaborador, abrindo o arquivo de sua família. Foi também um co-autor deste livro, detalhando histórias que ele pouco a pouco ia se lembrando com tanto orgulho. A cada dia que nos encontrávamos era mais um “diamante” a revelar de sua memória. Fomos duas crianças a brincar com o passado e a descobrir nosso futuro. Ele orgulhoso de sua estirpe, eu sabendo da minha boa pesca. O outro grande colaborador foi o prefeito Junji Abe. Ele tem uma característica muito importante: sabe, ou melhor, tem clareza do tesouro que sua gente construiu em Mogi das Cruzes. E fica preocupado, mesmo emocionado, com a preservação da memória. Não se conforma que o futuro não preserve o grandioso passado. Assim, de próprio punho, presenteou-me com carinhosas cartas relatando a obra criativa de seus avós e pais. Fico agradecido. Além disso, os dois tiveram paciência comigo. Ajudaram-me a corrigir erros nos nomes de pessoas e instituições japonesas. São dois entusiastas de suas próprias histórias. Que bom... Ao lado deles, com suas profundidades, tento construir minha identidade.


Aprendi com meus avós e pais

imigrantes japoneses algumas das premissas mais impor-

tantes que devem nortear a nossa existência: humildade, respeito, gratidão, responsabilidade, solidariedade, honestidade, sinceridade, credibilidade e muito, muito trabalho que, em síntese, significam dois fundamentos essenciais e primordiais - ética e moral. Quando recebi o convite do professor Mário Sérgio para redigir este prefácio, senti um arrepio e uma emoção indescritível. Os olhos dele brilhavam, denunciando um livro recheado de informações, de inegável valor histórico, fruto de muita pesquisa. A leitura desta obra só fez confirmar essa minha percepção. Impossível, principalmente para quem fez e faz parte dessa história, não se emocionar com seu relato. Afinal, quando, há 100 anos, os primeiros imigrantes chegaram ao Brasil, vindos de um Japão empobrecido, sem perspectivas de vida para a força produtiva jovem, seus sonhos e esperanças se resumiam a fazer fortuna rapidamente no Brasil e regressar à Terra do Sol Nascente. Mas não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, aqueles sentimentos só ficaram na ilusão, sendo transformados em duríssimas batalhas diárias pela própria sobrevivência. A maioria dos imigrantes, para não dizer a totalidade, fincou raízes nesta maravilhosa e inigualável nação. Hoje, os descendentes já atingem a quinta ou a sexta geração, integrados de corpo e alma à sociedade brasileira. E, importante, perpetuando os ensinamentos que recebemos de nossos ancestrais: amar e defender esta terra contra tudo e contra todos, custe o que custar. Em sua obra, o professor Mário Sérgio mostra que nós, brasileiros descendentes, com espontaneidade e naturalidade, vamos


perdendo as feições orientais, o que de maneira alguma pode ser considerado um fato negativo, pois apenas retrata o Brasil que nós desejamos, aquele que a todos abraça, sem preconceitos ou discriminações de cor, credo e raça. O que não podemos perder e temos a obrigação de transmitir às gerações futuras de descendentes para os próximos cem anos são os preceitos básicos que nós, descendentes de segunda geração, recebemos dos “ditians e batians” (avôs e avós), que fiz questão de alinhavar no meu primeiro parágrafo desta modesta colaboração. Afinal, foi essa postura que fez com que muitos brasileiros pronunciassem, antes de nossos nomes, a expressão “japonês, garantido nô?”. Quando jovem, admito, recebia esse tratamento como humilhação e zombaria. Somente mais tarde percebi que, no fundo, se tratava de uma riquíssima referência ao comportamento sempre correto dos japoneses e que infinitamente deve ser o alicerce e o patrimônio entre as pessoas e os povos. Hoje, o Brasil e o Japão possuem uma relação inquestionável em todos os sentidos. Povos tão diferentes, mas totalmente integrados, são verdadeiros exemplos para a tão necessária paz mundial, por isso, sinto-me orgulhoso por ser um dos personagens vivos dessa grande história e estou, particularmente, muito feliz, pois esta obra foi escrita por um professor e historiador que não tem qualquer ascendência japonesa. Tenho certeza de que ela proporcionará a todos, nos próximos 100 anos, conhecer os bons exemplos dessa fantástica integração entre esses dois povos.

Junji Abe, prefeito municipal de Mogi das Cruzes


Introdução

Brasil, país de mestiços. Somos gente vinda dos quatro cantos do mundo: os primeiros

indígenas, depois os africanos, na colonização os portugueses e mais tarde, no século XIX, mais ibéricos, itálicos, germanos, eslavos etc. No começo do século passado e ao longo deste tempo, os orientais, particularmente os japoneses, somaram-se a este caldeirão intercultural brasileiro, caldeirão ainda inexplicado. Agora, em pleno início do século XXI, tempos da globalização, explodem tantas misturas de línguas, costumes, comportamentos e contradições. Assim, cabem novamente as perguntas formuladas pelos modernistas: Quem somos nós? Que País é este? Quais as conexões e conflitos que tantos intercâmbios de cultura criaram? São fecundas ou não estas hibridações? Somos mesmo latino-americanos ou latino-africanos? Ou, no dizer de Darcy Ribeiro, formamos a nova Roma do futuro? Será mesmo uma nova latinidade tropical? Tantas perguntas e tantas respostas... Esta História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes visa, não somente a responder a estas questões anteriores, mas a contribuir modestamente para esse debate, acrescentando uma “colher de chá” (seria pretensão de minha parte um objetivo maior) nesta discussão. O foco principal é salientar um modo da cultura regional do interior paulista, uma explicação da localidade, que se afirmou pela mescla entre brancos, caboclos, pretos e a inserção da cultura japonesa que aqui chegou em 1919. Para esta reconstituição histórica, foi fundamental o uso do método da História Oral, com entrevistas mais abertas, mais flexíveis à voz da testemunha, tentando interferir o mínimo possível no discurso do depoente. A testemunha reconstrói sua identidade num duplo movimento de lembranças e esquecimentos. São rastros de revelação e restos de retenção


que constituem uma pequena parte da memória coletiva. Ao historiador cabe o restabelecimento do fato histórico, ou melhor, uma recomposição da vida social e não uma verdade absoluta do passado. Também tive acesso a todo um arquivo fotográfico, muito precioso, gentilmente cedido pelas famílias que entrevistei. Neste livro, apresento apenas algumas dessas fotos que, infelizmente, não compõem o todo daquilo que estudei. Talvez, no futuro, possa publicar outro livro fazendo a análise dessa documentação iconográfica. Além disto, a minha tarefa comporta inúmeras dificuldades. Em primeiro lugar, pelo foco mesmo, isto é, como analisar este cruzamento de vivências que existia de forma separada e depois se combinou por aproximações e conflitos? É necessário sempre afirmar que mestiçagens culturais não se fazem apenas em alianças harmoniosas, como muitos enaltecem, mas por combinações e contradições. E quero deixar claro: não procurem nestes textos respostas conclusivas, mas, sem dúvida, mais perplexidades. Sinto-me como um desbravador, titubeante e corajoso, abrindo uma picada no meio de uma grande mata. Nas informações recebidas tenho a certeza de que este meu estudo é revelador e inédito. Mas, com certeza, meu trabalho está incompleto, ou melhor, é mesmo um primeiro passo para que outros, mais à frente, possam abrir estradas muito mais abrangentes e profundas dessa história dos imigrantes japoneses. Além disso, outro problema: um dos objetivos desta narrativa é transformar um estudo histórico, com alguns conceitos universitários, numa linguagem mais popular, algo jornalístico, mais palatável ao leitor comum. Nestas páginas, não pretendo fazer um texto acadêmico (introdução teórica, análise historiográfica, citações bibliográficas, metodologia científica etc.), e sim uma narrativa sobre a imigração japonesa mais voltada a um


Introdução público leigo que está nos “seus primeiros passos”, interessando-se pelo assunto. Conseguirei? Não sei! Mas desejo que leituras de textos históricos, não perdendo sua inerente densidade, possam se tornar mais prazerosas e polêmicas. É preciso esclarecer, ainda, que este trabalho sobre a Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes é um estudo que se divide em três fases: a primeira, da chegada em 1919 até a II Guerra Mundial, marcada pela passagem de arrendatários a proprietários. Depois, da entrada nos anos 50 até meados dos anos 80, é o período correspondente a sua ascensão econômica e diálogo constante com a sociedade mogiana, época que os mais prósperos foram de proprietários a patrões. E, finalmente, a última, desde os anos 80, evidenciada pela dificuldade de sobrevivência da pequena propriedade. Também é a contribuição deste historiador para a comemoração, ou melhor, reflexão a respeito do centenário dos primeiros imigrantes. Acentuo a importância dessa gente na vida desta cidade, mostrando o seu trabalho, educação, culinária, festas, aspectos religiosos, doenças do período, discriminações sofridas, epopéias vividas, experiências agrícolas etc. Pois bem, isto é um material inédito e sujeito, portanto, a controvérsias. Creio que nesta região ainda não foi publicado, mesmo depois de cem anos da imigração, um estudo como este. Críticas? Estas serão bem-vindas! Enfim, o meu agradável desafio é responder a estas questões


acima, sem desvirtuá-las para uma glorificação, pois a ciência da história a isto não serve. Volto a repetir: não pretendo tecer aqui um discurso fácil de glorificações, elogios aos vencedores, exaltação a personalismos que, sem dúvida, empobrecem a compreensão do discurso histórico. Ao contrário, é preciso mostrar múltiplos relatos e discursos, visões contrastantes. Antecipadamente, peço desculpas a muitas pessoas importantes que foram omitidas nestas próximas páginas. Foi por desconhecimento da minha parte. Contudo, nesses 20 anos de estudo fiz de tudo para trazer o maior número de informações possíveis pertinentes ao nosso tema. É muito difícil e lamentável a ausência de uma extensa bibliografia anterior a respeito da história de Mogi das Cruzes. Este livro de história, pioneiro no foco da imigração japonesa transcorrida por aqui no século XX, tenta apenas preencher esta lacuna. Quero agradecer, também, a oportunidade oferecida pelo Mogi News, jornal pluralista e democrático, que enriquece a cidade com seus férteis jornalistas e colaboradores. Obrigado! Como é bom estar ao lado de pessoas que têm visões contrastantes! Luto pela participação e organização social, defesa da cidadania e dos Direitos Humanos. Espero que esta História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes possa colaborar para isso e fecundar novas identidades por aqui, sempre ao lado dos mais frágeis.



capítulo I

O que acontecia no mundo e no Brasil?

Na metade do século XIX

vários países europeus como a Inglaterra e a França, por exemplo, passavam por profundas transformações no seu modo de existência. Imensos contingentes de

trabalhadores rurais eram expulsos do campo e dirigiam-se às cidades procurando melhores condições de vida. Surgiam inúmeras fábricas de tecidos, alimentos, transformação mineral etc. que necessitavam de braços para pôr em movimento as máquinas. Era a chamada Revolução Industrial.

Imigrantes preparando-se para o embarque no porto


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Os costumes desta gente rural alteravam-se profundamente. Novas noções de tempo e espaço eram transformadas rapidamente. Acostumados a trabalhar com a luz natural, colher o produto em determinadas estações do ano, olhar o campo numa linha horizontal, medir o terreno na referência do próprio corpo (pés, braços, léguas) e estabilizados numa vida comunitária com valores fixos de educação, agora tudo se alterava na zona urbana. Rompiam-se os comportamentos seculares formados em pequenas vilas e aceleravam-se os ritmos de esforços duros nas fábricas, trabalhando 16 horas por dia, sem folga semanal, controla-

Esse contraste incentivava a violência social na aceleração do crime, prostituição, menores abandonados e consumo de drogas como o álcool

dos por horários de relógio, na constância febril das máquinas, que com seus movimentos padronizados deixavam o ser humano como apêndice de suas engrenagens. Enfim, tudo que era sólido (a tradição religiosa, o piedoso recato, o entusiasmo cavalheiresco, o véu sentimental das relações familiares etc.) volatilizava-se no ar. Agora, o que interessava era o pagamento à vista, a exploração nua e crua. Com o afluxo de inúmeras pessoas vindas do campo, cresceram de maneira desordenada os bairros populares sem qualquer infra-estrutura

Dificuldades sociais no Japão


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de saneamento urbano como arruamento, água e esgoto, contrastando com bairros ricos, que eram habitados pelos novos donos de indústrias, banqueiros, comerciantes abastados e altos funcionários públicos. Esse contraste incentivava a violência social na aceleração do crime, prostituição, menores abandonados e consumo de drogas como o álcool. A essência desse processo, a sua constituição mais importante, era a formação de uma mão-de-obra assalariada que foi separada dos seus meios de produção (a pequena porção de terra, o gado e utensílios agrícolas ou de artesanato) e, empobrecida, rumou para os centros urbanos,

formando o novo proletariado nas fábricas com baixos salários. Ao contrário, houve também uma concentração da propriedade rural em mãos de latifundiários e o fortalecimento de uma classe capitalista acostumada a gerir capitais abundantes, ampliação de créditos e investimento em novas técnicas de produção. Essa disparidade entre grupos sociais era a base do conflito entre capital e trabalho. Esse processo, a difusão do capitalismo, atingiu não somente as fronteiras nacionais dos países europeus, mas também, na segunda


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Com o afluxo de inúmeras pessoas vindas do campo, cresceram de maneira desordenada os bairros populares sem qualquer infraestrutura

metade do século XIX, os países asiáticos, particularmente o Japão. Esta modernização chegou com a Era Meiji (1868-1912), isto é, ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras indústrias, com suas novidades tecnológicas, aumentavam as disparidades sociais com o crescimento da miserabilidade no campo e na cidade. A industrialização não trazia, necessariamente, o desenvolvimento social. Os problemas se agravaram por vários motivos: o crescimento populacional duplicou de 30 para quase 60 milhões de habitantes desde o ano de 1867 até o final deste século; a concorrência de produtos importados vindos da Inglaterra, sufocando a produção local; a queda na produção de tecidos feitos pelo bicho-da-seda; aumento dos impostos pelo governo, que se encontrava em apuros financeiros; e o pior: a guerra russo-japonesa, no início do século XX, fazendo aumentar ainda mais o déficit no tesouro japonês. Não podendo suportar o aumento das contradições sociais com o crescente desemprego, na diminuição dos salários existentes e precárias condições de moradia e subsistência, o governo tentou encontrar uma solução para diminuir os conflitos sociais: incentivar as saídas de trabalhadores do país em direção a outras regiões do mundo. Para cá veio a mais formidável mercadoria em proveito do capital: a mão-de-obra. Esses deslocamentos humanos, à procura de melhores condições de vida, com todos os problemas de adaptação e conflitos surgidos, constituíram-se no fenômeno da imigração. E uma das mais importantes, no início do século XX, foi a japonesa em direção ao Brasil, em busca da ilusão de fazer fortunas com o café. Era na zona rural que a economia brasileira se sustentava. Na penúltima década do século retrasado, o café ocupava 65,7% da pauta de nossas exportações, acompanhado de outros produtos


como o açúcar (10%), algodão (4,2%), fumo, peles, couro etc. No entanto, a agricultura no País, ao iniciar-se a segunda metade do século XIX, encontrava-se numa crise pelo problema da mão-de-obra. A escravatura não produzia o suficiente que era exigido pela procura no mercado europeu. Outras questões se somavam para colaborar com o fim paulatino da escravidão. A Inglaterra exerceu pressões sobre o governo brasileiro para acabar com o tráfico negreiro e estava interessada não em aspectos humanitários, mas na implantação da mão-de-obra assalariada que, incentivada pelo consumo, compraria produtos britânicos. No entanto, o fator mais importante para a desagregação do sistema escravocrata foi sua incompatibilidade com o advento do capitalismo. Ou melhor, ao contrário do que se pensa, o trabalho compulsório era mais oneroso que o assalariado. O escravo era uma mercadoria cara (custos da compra, alimentação, moradia etc.), correspondendo

Família Shimanuki dentro do navio


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a um empate de capital que só seria restituído a longo prazo. O trabalho livre foi mais rentável, pois o produto gerado pelo trabalhador era bem superior ao pagamento dado a ele. Enfim, com o trabalho dito “livre” o capital ganhou muito mais. Assim, chegou o capitalismo no Brasil. Concentração de capital e terras por parte do proprietário e, ao trabalhador, um novo ideal, muitas vezes ilusório: trabalhar muito e “subir na vida”. Os que não conseguiram além do insucesso, suportaram o preconceito social como vencidos, fracos, incapacitados, preguiçosos, baixeza de raça etc. Dura vida! E o nosso País recepcionou os imigrantes num contexto


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social marcado pelo autoritarismo. Aqui, as desigualdades sociais e a violência eram vistas como fatos “naturais” e os conflitos, apresentados como doenças a serem extirpadas. Exemplo: inúmeras revoltas de imigrantes europeus exigindo melhores condições de vida foram explicadas como perversões da cultura que vinha de fora do País. Ainda com a mentalidade escravocrata, a elite brasileira sobrepunha seus interesses privados ao que era público, isto é, para os dominantes, a lei não era um princípio republicano (coisa de todos), mas sim um privilégio a favorecer poucos. Portanto, era feita para ser transgredida, não cumprida e muito menos criticada. Politicamente, o Brasil estruturava-se no coronelismo, isto é, chefes locais ou estaduais que impunham seu mando e obediência aos habitantes da região. Os partidos políticos funcionavam nas províncias como miniestados, ou seja, associações de famílias ou burocracias rivais arrebanhando a classe média regional em torno do discurso autoritário de se preservar a ordem a qualquer custo. Ideologicamente, essa sociedade criava um fascínio pelos signos de prestígio, títulos de distinção social (ser chamado de doutor), demarcando os limites entre as classes sociais. O mundo ligado ao trabalho era malvisto: o operário era um agitador; o camponês, um preguiçoso; o negro, delinqüente, e o imigrante, um agitador. Quando as ondas imigratórias chegaram ao Brasil, encontraram um País fechado nas suas tradições de poder e preconceituoso contra todos os agentes que pudessem alterar a forma de convívio social. Os imigrantes, principalmente os da primeira metade do século XX, sofreram muito com essa visão autoritária.

E o nosso País recepcionou os imigrantes num contexto social marcado pelo autoritarismo



capítulo II

Os primeiros japoneses no Brasil

Tanto no Japão como no Brasil a situação econômica era de crise. Por lá, a guerra

contra a Rússia, em 1905 ,aumentou o problema da miséria e o desemprego. Por aqui, além da superprodução do café com conseqüente desvalorização do preço no mercado internacional, houve um problema: o governo italiano, em 1902, proibiu a imigração ao país pelas inúmeras revoltas feitas por estrangeiros.

O dia da chegada: 18 de junho de 1908


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A oferta de mão-de-obra foi resolvida com a vinda de trabalhadores nipônicos. Estes, num primeiro instante, teriam de pagar as despesas de viagem para as diversas companhias de imigração existentes. Mais tarde, a partir de 1923, o governo do Japão passou a dar uma subvenção de 200 ienes por pessoa e esta prática evoluiu para a concessão, em 1924, da totalidade das despesas. No dia 18 de junho de 1908, chegaram ao Brasil os primeiros japoneses (esta foi a primeira leva de pessoas, mas alguns já tinham vindo no começo do século) pelo navio Kasato-Maru. Depois de uma viagem de 12 mil milhas, trazendo a bordo 800 imigrantes, eles atracaram às 17 horas no cais número 14. Por coincidência, nesta noite espocaram rojões e bombas de artifício No dia 18 de junho de 1908 chegaram ao Brasil os primeiros japoneses pelo navio Kasato-Maru

em comemoração às festas juninas e os que chegavam tiveram a ilusão de serem homenageados. Não tinham idéia do sacrifício que teriam de suportar. Ao contrário do que se imagina, esta primeira leva não foi


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composta principalmente de trabalhadores agrícolas: apenas uma sétima parte. A maior parte vinha do contingente urbano de desempregados e era um retrato fiel da desagregada sociedade japonesa: comerciantes falidos, funcionários públicos despedidos, estudantes sem dinheiro, marinheiros desempregados, prostitutas, policiais, pescadores, empobrecidos ferroviários etc. Desembarcaram no Brasil às 7 horas do dia seguinte. Desceram do navio empunhando bandeirinhas japonesas e brasileiras. A primeira impressão por parte dos nativos foi de estranheza quanto ao comportamento dos recém-chegados. Embora a vestimenta estivesse conforme a moda européia - chapéu ou boné, paletós e calças de algodão, botinas com protetores de ferro na sola, saias apertadas na cintura, luvas brancas, malas de vime branco e algumas de lona pintada - não deixavam de ser notados a nova fisionomia, o seu

A maior parte vinha do contingente urbano de desempregados e era um retrato fiel da desagregada sociedade japonesa


Passaporte dos anos 20

ritmo curto de andar sempre em grupos bem organizados e mais silenciosos que os falantes italianos. De outro lado, os japoneses se espantaram com a existência de pessoas negras, que nunca tinham visto na vida e, principalmente, com a recepção. Logo de início, no momento da conferência da bagagem, um dos fiscais pegou um lenço de seda colorido com uma sorridente expressão e colocouo no seu bolso. Um dos japoneses comentou: “Ele furta com naturalidade”. Este pequeno gesto feito pelo funcionário público e a expressão de espanto por parte do oriental evidenciavam duas culturas distintas. Como já foi citado anteriormente, no Brasil, a ligação do público e do privado, poder e esfera pessoal, Estado e classe dominante e privilégios e governo dá-se em favor do segundo. No Japão, a cultura samurai, hierárquica,


Passaporte dos anos 30

de obediência às regras impostas pelas autoridades imperiais não suporta comportamentos como o do funcionário público brasileiro. Porém, os problemas não eram apenas os nossos. Para os orientais, havia também um drama que logo iria explodir. Eram as famílias compostas, ou melhor, casamentos feitos às pressas, por exigência de lei, nos dias que antecediam o embarque. Mais tarde, diante dos problemas existentes, as brigas surgiram diante dessas ligações pouco sólidas que se constituíram no porto. Os primeiros imigrantes que chegaram ao País, na década de 1910, tiveram dificuldades semelhantes aos que aqui desceram do navio Kasato Maru. Problemas de entendimento da língua, alimentação, doenças tropicais e, principalmente, a carga de exploração que esses pioneiros sofreram por parte


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Trabalhadores japoneses no café do oeste paulista


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dos donos de terra. Estes, apesar do término recente da escravidão, encaravam o mundo do trabalho por uma ótica negativa, “coisa de escravo”, onde se “sujava as mãos”. Chegados a Santos, esses estrangeiros embarcavam de trem em direção a São Paulo para permanecer de maneira provisória na Hospedaria dos Imigrantes até que fossem deslocados para a região do café. Neste local, o que mais chamava a atenção dos funcionários em relação aos japoneses era o estado de limpeza absoluta em que ficava o quarto e o refeitório, sem uma ponta de cigarro no chão ou com o cuspe que era dirigido às escarradeiras existentes naquela época. Antes de partirem para as fazendas, firmavam um contrato com os fazendeiros. Estes acordos, normalmente extorsivos aos trabalhadores, pressupunham o pagamento pela produção, colheita e ensacamento do café por um ano agrícola. Porém, não era isso o que tinha sido anteriormente combinado com a Companhia Imperial de Emigração: salário pago por dia durante os seis meses da colheita. Além disso, não sabiam que teriam de devolver aos fazendeiros e ao governo paulista parte das despesas com a viagem. Conclusão: estavam marcados para o fracasso. Suas dívidas - viagem, utensílios a preços altos adquiridos por aqui para o trabalho, poupança dada à Companhia no Japão e não devolvida na chegada ao Brasil etc. eram maiores que suas receitas vindas do trabalho. E, além disso, quando chegavam, durante a década de 1910, esses pioneiros encontravam o seguinte sistema hierárquico de vigilância nas fazendas de café: patronato, administrador fiscal, capatazes, colono e demais trabalhadores. Esta organização era resultado das modernizações capitalistas sobrepostas nas relações de trabalho ainda com sobrevivências escravocratas. O patrão, morando na


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cidade, acompanhava as tarefas do administrador, responsável direto pelo curso da produção. Este colocava o sistema de vigilância nas mãos do capataz (muitos ainda usavam o chicote como adereço pessoal). Os trabalhadores eram divididos em colonos, base da produção, e os chamados “turma volante”, ou “turma de solteiros”, formavam a mão-de-obra ocasional. Eram instalados precariamente em casas de alvenaria ou em casebres de pau-a-pique. Em quase todas elas, a entrada da frente dava para uma sala, de chão batido com precários bancos, cadeiras ou mesas. Em direção aos quartos, ficava a cozinha com o fogão feito de tijolos ou de barro. No fundo do quintal, havia um espaço que era usado como banheiro. A alimentação era problemática. Comiam o que tinham à disposição: carne-seca, toicinho, sal e açúcar mascavo. Não sabiam que alguns alimentos, o bacalhau por exemplo, deveriam ficar imersos em água e os ingeriam ao natural. Evidentemente, desarranjos intestinais eram comuns. O relacionamento com outros trabalhadores formava um cenário de verdadeira Torre de Babel. Submetidos às péssimas condições de trabalho, italianos, espanhóis, portugueses e os restantes mulatos e negros brasileiros, com culturas contrastantes, mostravam reações diferentes diante das opressões. Os japoneses recorreram à fuga dessas fazendas de café. É necessário ressaltar que inúmeros mitos, normalmente falsos, existem sobre a história da imigração japonesa. Um deles é apresentar o País como um berço acolhedor, confortável, aos estrangeiros que aqui chegaram. Não foi bem assim... Péssimas condições de trabalho, constante vigilância e abuso do poder por parte dos capangas, doenças constantes,


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Trabalhadores de diferentes culturas no cafĂŠ


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dificuldades no entendimento do idioma português e, principalmente, a exploração patronal, foram as causas que levaram os pioneiros japoneses a se revoltarem. Na verdade, as primeiras levas de orientais encontraram uma sociedade extremamente hierárquica, repressiva e de mentalidade ainda escravocrata. Por aqui, a noção de cidadania era um privilégio do senhor de terras. A vida dos “outros” - trabalhadores, homens desocupados, mulheres, menores, indígenas - era desconsiderada pela esfera pública. A violência do Império contra os trabalhadores foi perpetuada no interior da República elitista de 1889. Predominava o liberalismo mais ortodoxo: não cabia ao Estado interferir na regulamentação do trabalho. Com isso, o governo deixava à iniciativa dos fazendeiros a repressão aos movimentos sociais pela polícia ou capangas. Para os trabalhadores, estrangeiros ou não, a perspectiva de reivindicações era difícil. O preconceito predominava: o negro levou a pecha de ser avesso ao trabalho. As mulheres, emudecidas nas casas, eram vistas como incapacitadas para a política e o trabalho; o trabalhador rural era corroído por vermes e visto como um caipira boçal; o operário urbano era permeável à disseminação de idéias estranhas do exterior; e o imigrante, quando se revoltava, era visto como um germe que veio de fora para contaminar uma sociedade ordeira. Diante da exploração patronal, os imigrantes tinham as mais diversas reações. Os europeus, principalmente italianos, recorriam às greves para se contrapor aos desmandos senhoriais. Os brasileiros defendiam-se criando um boicote ao ritmo do trabalho: faziam “cera” para enganar a vigilância.


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E os japoneses, educados numa cultura samurai de obediência, desorientados num primeiro instante, escapavam das fazendas de café. A fuga noturna, entretanto, apesar de não ser feita em grandes grupos, exigia um planejamento com outros colaboradores, normalmente amigos ou até vizinhos. Os fugitivos preparavam as melhores rotas de escape, possíveis colaboradores no caminho, meios de transporte à disposição etc. É por este motivo que, mais tarde, os fazendeiros achavam que estas fugas obedeciam a planos mais elaborados vindos de organi-

zações “anarquistas”, que desorganizavam o “Eldorado” brasileiro. Atrás deles, os capangas e a polícia! Pois bem, muitos desses que tiveram êxito nas suas fugas vieram para as grandes cidades, escapando das perseguições. Pouco a pouco, se integraram aos serviços urbanos, como empregados domésticos, operários, garçons, motorneiros, carpinteiros, comerciantes de móveis, motoristas de carros etc. Dirigiam-se às zonas urbanas mais conhecidas, como Ribeirão Preto, Campinas, Santos e, principalmente, em direção à capital de São Paulo. A vida nestes locais não era nada fácil:

orientais encontraram uma sociedade de mentalidade ainda escravocrata


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moradia em porões de cortiços, má alimentação e desamparo em caso de doenças como, por exemplo, a gripe espanhola, que abateu quase um terço da população paulista em 1918. Mas o pior era encontrar um emprego adequado. A dificuldade com a língua fazia com que oportunidades fossem desperdiçadas. Nas décadas de 1910 e 1920, os nipônicos encontraram maior espaço de trabalho entre os carpinteiros e pintores na construção civil e as mulheres, no trabalho doméstico. Mais tarde, numa maior integração social, nas fábricas. Em São Paulo, povoaram as áreas menos nobres da cidade: da rua Conselheiro Furtado até o atual bairro da Liberdade. Outros foram morar na região da Mooca e do Brás, tradicional reduto de trabalhadores. De qualquer maneira, suas condições sociais eram precárias, alimentando-se de maneira módica de papa de arroz e banana. Muitos adoeciam. Para resolver seus problemas, alguns procuravam ajuda no consulado japonês. Lá, travavam contato com o médico Sentaro Takaoka, que os advertia a não retornar ao oeste paulista, região onde grassava a maleita. Apontou a solução: ir morar na região de Mogi das Cruzes, com um clima mais ameno e menos condizente às doenças tropicais. Assim, é necessário observar que não procede como fato histórico o mito comumente aceito de ser a imigração japonesa um movimento social de vencedores. Na verdade, a grande maioria desses contingentes não veio a se tornar grandes proprietários. Ainda está por se reconstituir o discurso desses grupos que “desapareceram” da visibilidade social, mas que, sem dúvida, colaboraram para a construção de uma sociedade tão contrastante e conflituosa como a nossa.


CapĂ­tulo II | Os primeiros japoneses no Brasil | 35

Receita do mĂŠdico Sentaro Takaoka


Shiguetoshi Suzuki e sua esposa, Fujie Suzuki foram os primeiros


capítulo III

A chegada em Mogi das Cruzes Os primeiros grupos que

chegaram à cidade não escaparam, em sua maioria, a esta regra: vieram do oeste paulista em busca do sonho de ascensão social. O pioneirismo coube, em julho de 1919, à família de Shiguetoshi Suzuki e sua esposa, Fujie Suzuki. Com 32 anos, vindo da província de Akita Ken, norte do Japão, ele não era um imigrante típico: um lavrador. Ao contrário, era formado pela Escola Superior de Agricultura. Seu destino inicial, com seu irmão Takeji e a cunhada, era morar na cidade de Taquaritinga, mas desistiram diante do avanço da maleita naquela região. Resolveram se fixar em Mogi das Cruzes, clima mais ameno.


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No entanto, baseado no trabalho da historiadora Dayse de Freitas Ackel Ghani, é necessário fazer um registro histórico: o primeiro japonês a chegar ao município, embora de passagem, foi Naoki Suenaga, em 1915, no bairro de Biritiba Mirim, hoje cidade independente. Chegou com duas famílias e iniciou um negócio de carvão. Após um trabalho pouco lucrativo, mudou-se para a capital. Assim, garantido o feito da permanência e continuidade da ocupação, foi Shiguetoshi Suzuki o primeiro a se instalar definitivamente como arrendatário produtor. Logo após, em Cocuera, chegaram, em 1921, as famílias Yoneda, Utida e Matsumara. No ano seguinte, foi a vez de Takeji Suzuki, Kikutaro Suzuki, Yoshio Suzuki, Tetuzo Yoshida e Itiro (ou Ichiro) Konno, que chegou junto com os seus filhos Iko, Taro Konno, Tomika, Tomessake e Hiroshi. Em outras regiões da cidade, em levantamento feito pela autora, chegaram as seguintes famílias pioneiras: a Porteira Preta, em 1920, foi ocupada por Hatiro Nishie e sua esposa. Em 1926, proveniente de Yokohama, chegava Kenji Neguishi, que mais tarde casouse com a filha de Nishie, Kiyoko. Nos bairros de Sabaúna e São Silvestre já estavam os espanhóis. Apesar do pioneiro Shiguetoshi ter estado por ali na fazenda do espanhol Cocito, o imigrante Hitiro Nakamura ocupou aquela região. Em Botujuru, Keisaburo Honda e Yassutara Meijua chegaram em 1924. Em César de Souza, possivelmente em 1927, se instalou a família Saito. Na Vila Moraes, Shohei Inui e família chegaram em 1928. Para a região de Biritiba Ussu, em 1932, foi a família de Tokuji Abe, que já havia chegado em Mogi na década de 1920. Planta original de Cocuera com os primeiros imigrantes


CapĂ­tulo III | A chegada em Mogi das Cruzes | 39


Família Ono no Mercado Municipal de São Paulo


Capítulo III | A chegada em Mogi das Cruzes | 41

Ainda na mesma data, em 1932, em Itapanhaú, as famílias de Kumatsu e Kita foram as primeiras. Mais tarde, no Taboão, em 1946, chegou a família Fujinaga para se estabelecer atrás da serra do Itapeti. Não se sabendo a data, foi Tossaku Nakamura o primeiro japonês a morar em Taiaçupeba. Em 1947, no bairro de Pindorama chegaram Yoshie Teraoka, Ritsu Shiraishi, Shiguerahu Shiraishi. Finalmente, em Quatinga, em 1951, instalaram-se três famílias: Shigueyuki Konishi, Taneso Matoba e Miyoshi Tabata. Entre os pais fundadores da colônia encontra-se a família Ono. Chegaram no Brasil em 24 de junho de 1914 no navio Bingo-Maru. Vieram dois irmãos: Toyozo e Bunzo Ono. O primeiro veio para construir o madeirame da Catedral da Sé, em São Paulo. Mais tarde, em 1920, com o dinheiro ganho na capital, veio para Cocuera, onde criou o sítio Santa Laudecina. Daí dedicou-se ao cultivo de verduras, que eram vendidas numa banca do Mercado Municipal de São Paulo. Como os negócios iam bem, no ano de 1930, chamou seu irmão, Bunzo (conhecido como Mário), para vir trabalhar no sítio. Este foi um dos primeiros japoneses a se casar como uma “gaijin”, na década de 1920. Era a portuguesa Beatriz dos Anjos Pilochas. Isso não era comum. O casal Mário Bunzo e Beatriz tão logo chegou a Mogi das Cruzes, adquiriu terras à beira da estrada, onde montou o primeiro espaço de comércio rural, chamado “Secos e Molhados”. Esta venda era bem conhecida por todos no bairro, não somente por vender de tudo, mas era o ponto de encontro para ir à cidade. Lá estava o primeiro caminhão que servia de locomoção e ajuda a todas as pessoas. Mário era um intérprete de todos nesses primeiros instantes para se comunicar com a colônia e a cidade. Tinha aprendido a falar bem o português empregando-se como motorista de um afortunado em São Paulo. Depois, fundou a Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, a


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Família de Mário Ono


Capítulo III | A chegada em Mogi das Cruzes | 43

Escola Isolada de Cocuera e, mais tarde, o time de futebol Cocuera Atlético Clube. Era querido. Ao contrário do que se pensa, todos sofreram muito. E como se vivia em Mogi das Cruzes? Desde os meados do século XIX, com a construção da ferrovia Central do Brasil, a cidade sobrevivia principalmente da renda de pequenos proprietários: comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, setor de serviços etc. Não recebendo as transformações econômicas do café, que ocorreram no Vale do Paraíba, a cidade dependia fundamentalmente do seu comércio em São Paulo. No início do século XX, a sua população era em torno de 20 mil pessoas. Na zona rural, existia uma economia de subsistência feita por alguns caboclos no fornecimento do carvão e corte de lenha. Eram poucos os grandes proprietários rurais, em que o fator terra, em comparação ao oeste paulista, não era muito valorizado. Nos anos 20, o poder político girava em torno do Partido Republicano Paulista (PRP). Naquela época, o direito de cidadania era um privilégio da elite. Acredita-se, tomando o sentido comparativo a outras cidades, que a cada cem pessoas apenas 12 tinham o direito de participação. O controle da vida social era exercido por famílias ligadas aos donos de terra e aos altos cargos públicos. Era Mogi, pela análise histórica de seu mapa urbano, a cidade desenhava-se num quadrilátero imperfeito: a primeira ponta, constituída pela rua Ipiranga, acesso mais antigo aos que vinham da capital antes caminho de tropeiros. A segunda levava ao corpo histórico mais importante da cidade: o conjunto do Carmo, a Catedral de Santana e a antiga prefeitura. Pela rua Dr. Correia caminha-se a terceira ponta, representada pelo largo Bom Jesus e pela Igreja São Benedito. Depois, em linha reta pela rua Dr. Ricardo Vilela, leva-se


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à praça Osvaldo Cruz e à estação do trem. Neste quadrilátero, estão nítidas as referências da cidade: as influências que vêm de São Paulo, a presença da igreja, o poder político municipal e o centro comercial, com o lazer em torno da via férrea. Com a chegada dos imigrantes, principalmente os italianos e ibéricos, no final do século retrasado, a localidade teve seu primeiro salto de modernidade na incrementação do comércio e na reestruturação arquitetônica. Era novidade, deixando de lado as moradias de taipa e a disseminação da alvenaria construtiva. Ainda hoje, no centro de Mogi das Cruzes, encontra-se um rosto típico destas construções ocupadas pela classe média: frente de três metros rente à rua, com dois janelões emoldurados por faixas brancas no seu rosto e na altura da calçada dois pequenos orifícios vindos do porão, o subsolo da residência. A entrada lateral era a partir de um portão de ferro com barras retorcidas. A economia dependia dos impulsos vindos da capital, principalmente no abastecimento de produtos para o mercado local. Tinha um ritmo de relacionamento comercial pouco capitalista e muito mais baseado nas relações de parentesco e compadrio: fiado (pagar quando puder), compromissos assumidos na “base do bigode”, relações religiosas a governar os homens e um espírito comunitário a direcionar as relações privadas. O local por excelência do comércio era ao lado do mercado: a rua Coronel Souza Franco. Era comum que na própria venda morasse o comerciante, isto é, não existia separação entre a casa (espaço do viver por excelência) e o mundo do trabalho (espaço das relações impessoais). Era lá que se organizavam também os acontecimentos pessoais e sociais: casamentos, quermesses, o carnaval, festas de final de ano.

Praça Oswaldo Cruz


Capítulo III | A chegada em Mogi das Cruzes | 45

Com a chegada dos imigrantes, a localidade teve seu primeiro salto de modernidade na incrementação do comércio


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Assim sendo, a sociedade mogiana não estava ainda hierarquizada numa imperiosidade capitalista, mas sim nos aspectos de uma comunidade, isto é, em ligações tradicionais dadas pela religião e pelo poder tradicional do conhecimento familiar e do compadrio. No começo do século XX, de acordo com os primeiros imigrantes japoneses, a zona rural da cidade era ocupada pelos caboclos, que viviam modestamente. Sobreviviam numa parca plantação, criação de galinhas e porcos e no fornecimento de lenha para a cidade. Nas regiões de Cocuera e Porteira Preta, eram conhecidas as famílias de Inácio da Cruz, Antônio Rodrigues, João de Souza, que era também comerciante, e outras. A grande maioria desses brasileiros não tinha a terra legalizada, isto é, não eram firmadas em cartórios. Eram donos de suas posses mais por sua legitimidade de uso, amparados por um direito consuetudinário, pelos costumes e tempos. A terra para esses homens não tinha valor de mercadoria. Era usada para a sobrevivência da família no usufruto de uma plantação e criação de animais, sem a preocupação de um excedente de consumo. Interessante é notar que, sem uma mentalidade capitalista, tinham uma noção de tempo e espaço bem diferente da nossa. Trabalhavam conforme o seu próprio biorritmo, suas necessidades de subsistência e o tempo ditado pela natureza. Ou melhor, trabalhavam nos instantes que desejassem ou achassem mais convenientes. Não usavam das horas matemáticas para regrar as suas atividades como hoje. Seus espaços eram ditados como prolongamento do próprio corpo: tantos “pés de plantação”, a terra até onde “a vista alcança”, tantas “braçadas de colheitas” etc. Porém, a terra tinha um valor lúdico, de ordem moral e religiosa.


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Região de Cocuera. Sítio da família Konno


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Louvavam os céus pelos bons frutos colhidos. Isto era evidente nas celebrações feitas durante a Festa do Divino, tão cultuada em toda a região. A famosa “Entrada dos Palmitos” era feita com a colaboração dessa gente rural. Quando os japoneses chegaram como meeiros desses proprietários, trouxeram, ainda em germinação, uma outra mentalidade: a defesa do trabalho e a idéia de ascensão social. Com isso, pouco a pouco, através das décadas seguintes, modificaram um ideal rural e implantaram um novo tipo de relacionamento social: o trabalho como mercadoria e a concorrência no mercado. A família Konno, por exemplo, comprou por $ 300 mil réis o alqueire em Cocuera, quantia bem mais barata do que na região do café. Também a família de Tokuji Abe adquiriu terras do caboclo Benedito Rosário. Este imigrante, entre os anos 50 e 80, foi um dos maiores produtores individuais de verduras, legumes e chá do Estado de São Paulo. Plantavam, então, batata, tomate, cebola, pimentões, hortaliças etc. A escolha destes produtos não estava apenas no solo e clima propícios, mas, principalmente, no fato de serem produtos de ciclo curto, isto é, de 5 a 6 meses do plantio à colheita. Isso propiciava rápido capital para pagar as prestações da terra adquirida. Com o passar dos anos, vinham os lucros com as vendas dos produtos, muitos deles desconhecidos por aqui. O tomate, por exemplo, só era conhecido e


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consumido pelos italianos no preparo dos seus molhos. A Operação “arranca toco”

procura era grande no Mercado Municipal de São Paulo. Volto a repetir: o sucesso inicial de alguns orientais não foi apenas pela proximidade dos mercados das capitais, mas a razão principal estava na aquisição rápida da terra, pois seu valor era baixo nestas regiões. Esses humildes agricultores japoneses tinham um ritmo de trabalho, feito à base da agricultura familiar. Era espinhoso para todos. Os pioneiros começaram a cultivar o solo à maneira dos caboclos, isto é, desmatando um pedaço do cerrado. Era a operação “arranca toco”. A terra, então, já desbastada, era cavoucada, tarefa das mais árduas. O serviço era lento. Muitas vezes, a família pouco numerosa não dava conta destas tarefas e era ajudada pelos próprios caboclos, acostumados a este tipo de lavoura. Assim, trabalhando sete dias sem parar, com quase nenhum descanso (o esgotamento físico aparecia em formas de doenças) este esforço era amenizado pela cultura de camaradagem dos proprietários, mais compreensivos aos dramas vividos. Mais tarde, com o aceleramento da mentalidade capitalista e com a inversão dos proprietários em empregados, este relacionamento foi, pouco a pouco, se extinguindo. Depois de alguns anos, esses primeiros japoneses, se caso não tivessem caído no insucesso pelas doenças ou por intempéries, ao contrário de outras regiões, conseguiam poupar um pequeno capital para se tornarem sitiantes, desejo de todo imigrante. É exatamente isso que torna o caso de Mogi das Cruzes muito singular, pois era mais fácil a ascensão social: a terra era mais barata.



capítulo IV

Os primeiros tempos eram assim... A agricultura de sitiantes, como foi praticada no Alto Tietê, não era vista, no

começo, pelos imigrantes, como fonte de futuro sucesso. Apostavam em outras formas de colonização, uma era de núcleos planejados pelas companhias de emigração, como o de Iguape e os de Tietê, Bastos etc. A outra era aquela formada pelos imigrantes em torno de um líder, como povoamentos de Hirano, perto de Cafelândia. A terceira forma eram as terras adquiridas com fortes economias no norte do Paraná.

Primeiras casas humildes dos japoneses em Mogi das Cruzes


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Trabalho estafante, produtos desconhecidos do paladar brasileiro, nenhum apoio governamental, péssimas estradas de escoamento e mercado consumidor desconhecido foram as marcas dessa agricultura de periferia. O sucesso desta empreitada só seria possível, como foi, se as terras cultivadas fossem baratas e adquiridas num tempo curto. E, de outro lado: o trabalho familiar funcionando como um processo de mais valia interna (o pagamento pelo trabalho era menor do que a riqueza produzida) entre os membros do grupo. E, paralelamente, uma produção de subsistência que garantisse o sustento de todos. A roça sempre foi uma preocupação de primeira hora do imigrante. Próximo às casas plantavam-se cebolinhas ou nabos de crescimento rápido e, ao lado, criavam-se galinhas e porcos. Isto era feito principalmente aos domingos. A mulher ficava com uma tripla jornada de trabalho: em casa, na plantação e no pequeno curral. Assim, a palavra lazer era quase riscada do vocabulário dos pioneiros. Simplicidade na casa e nas vestimentas, domingo voltado ao trabalho, poucas festas (apenas do Ano-Novo e no dia do aniversário do imperador, em 29 de abril) e isolamento social eram as marcas desses trabalhadores. A rotina de vida era ditada pelo mundo do trabalho. Acordavam às 5 horas e alimentavam-se de pão seco de trigo, feito pela mãe, misturado com batata doce ou mandioca. O café também era consumido. Ao raiar do sol, tudo começava. Era a enxada o principal instrumento de trabalho, comprada nos armazéns da cidade. A lâmina de fabricação inglesa era a preferida, senão a


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Tokuji Abe construindo casa para empregado


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marca “Duas Caras”. Para cavoucar a terra numa profundidade de 30 cm, usava-se o tamanho número três. E o resultado? Se uma família de três a quatro pessoas, no primeiro ano, conseguisse lidar com um alqueire e meio, já era considerado um bom rendimento. O machado era usado no corte de madeiras mais duras, como a lenha, por exemplo. Os facões, para a madeira verde. Estes instrumentos serviam também para cortar galhos de árvores e abrir picadas. Os japoneses também conheciam o cinzel, a plaina e o serrote, que não eram usados entre os caboclos. Às 10 horas almoçava-se o prato básico, também servido no jantar: arroz à moda japonesa, feijão adocicado, bolinho de farinha de trigo com mandioca e algumas verduras. Em algumas ocasiões, comia-se carne. A água era levada para a lavoura em garrafões de vidro com tampa de cortiça ou sabugo de milho. Sobre isso, Tadashi Konno, filho de um dos pais fundadores da colônia japonesa, escreveu:

Família Abe na plantação de batata


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“O arroz era a matéria-prima principal da

orgânicos e protéicos, originados também da ativi-

cozinha e do regime alimentar da família. Pro-

dade hortifrutigranjeira (aves e suínos e duas va-

duto da rizicultura, aqui praticada sob planeja-

cas leiteiras). Antes, íamos buscar o leite no sítio

mento, supervisão e controle do meu avô Ichiro

do sr. Katayama.

Konno, vindo no navio Wakasa Maru como imigrante em 1913. Ichiro era descendente da tradicional famí-

Ainda com a soja, produzia-se os ingredientes como: “shoyu”, “missô”, queijo “tofu” e, com o resíduo da soja, fazia-se uma deliciosa farofa.

lia de rizicultores de produtores de saquê e, com

Das uvas “Niágara” e “Gold-Queen” produ-

os seus filhos, traçou o melhor aproveitamento

zia-se um vinho caseiro cuja adega era mantida a

da várzea, dos mananciais e córregos existentes,

sete chaves pelo meu avô.

bem como formou tabuleiros nivelados, resultan-

Nas frituras, usava-se exclusivamente ba-

do num espelho de água para, então, a seu tempo,

nha de porco, que era guardada em latas de vinte

semear e replantar as mudas que se desenvolviam

litros para conservar as costelas e outras partes do

verdejantes. Estas granavam e amadureciam em

porco. Sobre o fogão de lenha ficavam suspensos os

cachos dourados para uma colheita de produti-

chouriços e as lingüiças para defumar.

vidade apreciável.

Da família Kikuti, da minha avó, Natsu, de

Lembro-me bem dessa fase. Os feixes cei-

Tibiriçá, região de Bauru, todo ano recebíamos

fados eram postos a secar no campo e, a seguir,

uma saca de grãos de café, tipo exportação, que

eu assistia ao seu batimento nos altos bastidores

no ato da torrefação exalava um intenso aroma.

protegidos por pára-ventos. Separados da rama

O perfume da rubiácea atraía os vizinhos que, de

eram os grãos, ainda em palha e secos, armaze-

bicicleta, vinham para saborear o cafezinho com

nados num galpão que abrigava silos de madeira.

leite. Hábito adquirido no Brasil.

Assim eram atendidas as necessidades domésticas

Em plena crise de abastecimento, no perí-

e aguardadas as oportunidades comerciais para o

odo da Segunda Guerra Mundial, embora crian-

beneficiamento dos grãos na cooperativa.

ça, lembro-me da troca que se fazia de um cesto

O arroz nunca faltou à mesa nas refeições

de batata doce assada por um filão de pão. Era

diárias. O “gohan” , cozido sem sal, era comple-

a chegada do padeiro, que de charrete circulava

mentado com os mais variados produtos naturais,

pela região”.


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À tarde, por volta das 14 horas, lanchava-se e, quando o sol declinava, retornava-se ao lar. Aguardava-se o jantar, de noite, à luz de lamparina. Ou, quando as posses eram maiores, adquiria-se um lampião com chaminé de vidro, que permitia regular a chama. Aos sábados e domingos, os pioneiros cuidavam dos animais domésticos, consertos da casa e outras atividades paralelas ao dia-a-dia. Logo que chegavam, os imigrantes erguiam suas casas. Sobre

Plantação de repolho

isto afirmou o casal Tanabe: “Não eram casas, eram barracos”. Tinham o chão batido de terra, com cômodos construídos à base de madeira peroba, cobertos por telhas de duas águas. Na entrada, existia a sala comunicando-se com os quartos e a cozinha. O fogão era a lenha, feito de tijolos ou barro. Não tinham privadas e as necessidades eram feitas em buracos cavados no mato. Como prateleiras, usavam caixotes de madeira obtidos no


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comércio. Os pratos e talheres eram brasileiros. Naquela época, eram esmaltados, brancos e fundos. As colheres eram de ferro recoberto com zinco e as panelas, de ferro fundido. Os bancos constituíam uma novidade para alguns, porque os japoneses estavam acostumados a ajoelhar-se no Japão para conversar e comer. A cama era feita de um tablado coberto com uma manta de algodão que traziam do Japão. Quando não se tinham,

montavam estrados de madeira, onde colocavam os colchões, que eram recheados com palhas de milho cortadas em tiras de dois cm e revestidas com sacos de algodão ou de açúcar. O travesseiro era feito de flores secas do campo, entre elas a macela. Aspecto muito sugestivo era representado pela decoração das casas, bem diferente da cultura brasileira, que enfeitava as suas paredes com quadros ou folhinhas com estampas de santos

Construções em alvenaria da família Abe


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ligados à Igreja Católica. Ao contrário, os nipônicos dependuravam folhinhas na parede, adquiridas nos estabelecimentos comerciais da cidade, para demarcar os dias da semana e do trabalho. Isso denotava duas culturas diferentes: a primeira, mais voltada aos cultos públicos de religiosidade, que ditavam as regras da moral e dos costumes. E a outra, a japonesa, sem demonstrações explícitas dos seus cultos, dando mais valor ao mundo da produção e à aspiração de ascensão social. E como viviam as mulheres? Conforme depoimento de vários imigrantes - Akiko Tanabe, o casal Neguishi, Hiroshi Ikuta e

Isso denotava duas culturas diferentes: a primeira, mais voltada aos cultos públicos de religiosidade, que ditavam as regras da moral e dos costumes. E a outra, a japonesa, sem demonstrações explícitas dos seus cultos, dando mais valor ao mundo da produção e à aspiração de ascensão social

de Junji Abe - o papel da mulher nesses primeiros tempos foi determinante. Ela ficava com inúmeros encargos: ajudar o marido na lavoura, cuidar do lar, ser responsável pelas crianças, preparar a alimentação do dia-a-dia, tomar conta dos animais domésticos e, ainda mais, administrar o orçamento. Ela era a primeira a acordar, para preparar a refeição matinal. Fazia a limpeza da casa, costurava as roupas, tomava conta das crianças e depois ia também para o arado, carregando muitas vezes o filho menor nas costas. Voltava mais cedo da roça para cuidar novamente das crianças e preparar


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a refeição para os dias seguintes, indo dormir mais tarde que todos. Mas volto a repetir: tinha influência nas decisões de cunho econômico, pois era ela quem cuidava das poupanças. Lembrou sobre isso Junji Abe: “Eu me lembro que a minha avó, Makie Abe, era quem cuidava da parte financeira da nossa família quando éramos grandes produtores (anos de 1948 a 1980). Era ela que trazia o dinheiro da venda dos produtos e depositava no Banco Moreira Sales”.

Seus vestidos eram sóbrios, quase sempre brancos ou com pouca estamparia, com lenços ou toalhas na cabeça, contrastando fortemente com as vestimentas mais coloridas dos brasileiros. Acredita-se que este recato é porque o colono japonês foi econômico em tudo. Os partos eram realizados pelas práticas parteiras leigas, com conhecimento no assunto como a sra. Harahata, da região da Porteira Preta, também a sra. Suenaga ou, ainda, a sra. Takahashi. Uma observação: foi difícil para este pesquisador levantar assuntos de

Construções em alvenaria da família Konno


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natureza amorosa ou sexual diante da trava moral presente na família patriarcal. Outra pessoa lembrada pelos contemporâneos como parteira foi a sra. Koguti. Seu filho Sussumo Koguti deu o seguinte depoimento: “A minha família chegou ao Brasil em 1932. Era composta por meus pais, Heigo Koguti (chamado por muitos como Joaquim) e Kura Koguti (conhecida também como Clara), e uma tia que já faleceu. Foram em primeiro lugar para Wenceslau Brás, região da Sorocabana, mas, por problemas de doenças da minha mãe, vieram para Mogi em 1940. Foram morar diretamente onde hoje fica o Supermercado D ´Avó. O local era conhecido como Chácara das Flores, ao lado do córrego Lava-pés, onde o pessoal do sítio, antes de ir para a cidade, lavava os pés. Alugaram aquela área, que pertencia ao sr. João Margeneti. Plantaram verduras e depois flores (copo de leite, angélica, gladíolos, rosas, cravos e orquídeas). Meus pais foram os pioneiros na floricultura. A minha mãe sra. Koguti, foi muito especial, porque ela se formou em escola oficial no Japão e logo no navio chegou a fazer dois partos. Foi uma das pioneiras formadas oficialmente no Japão. Acredito que todo esse pessoal antigo que está na faixa dos 40 aos 70 anos foi atendido pela minha mãe. Tinha uma técnica especial de massagens pré-natal que deixava a criança no jeito para nascer em casa. Aquelas crianças que iriam nascer, por exemplo, com uma perna para fora, minha mãe deixava-as da maneira certa para o parto”.

Na roça, a doença mais comum era o bicho-de-pé. Como a maioria andava descalça, as pulgas infiltravam-se sob as unhas, criando um pequeno caroço do tamanho de um grão de arroz, produzindo uma coceira danada. Para a sua extração,


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usava-se uma agulha aquecida na ponta, tentando não romper o bolsão da fêmea, que poderia expelir uma infinidade de ovos esbranquiçados. Caso isso acontecesse, era preciso esmagá-los um a um com a unha. Logo depois, passava-se querosene de lamparina para desinfetar o local. O alívio da retirada desse bicho era tão grande que os primeiros imigrantes relacionavam o fim da coceira como se fosse um momento de lazer. Temerosas eram as aranhas, em especial as caranguejeiras com suas picadas dolorosas. Um dos cuidados que se tomavam pela manhã era bater os calçados contra o chão para se ter certeza de que dentro deles não havia nenhuma aranha. As mais temidas eram as cobras. Proliferavam a jaracuçu, a urutu (a pior delas), a jararaca, a cascavel e a coral. Principalmente quando do desmatamento e da limpeza do roçado era comum o encontro destes bichos, o que poderia ser fatal. As mais freqüentes das doenças eram dadas pela exaustão no trabalho e pelas infecções do aparelho digestivo como as disenterias e as verminoses em geral. Acostumados no Japão com uma alimentação mais vegetariana, muitos tinham dificuldades em se adaptar a uma culinária mais carnívora. De outro lado, as mais perigosas eram a pneumonia, a tuberculose e o reumatismo. A vida dos primeiros japoneses em Mogi das Cruzes no começo do século XX era de pouquíssimos contatos com a cidade. Enfrentavam entraves de locomoção até a zona urbana, problemas de entendimento da língua, o não-reconhecimento dos produtos que vendiam e até o desconforto de serem seguidos na rua, vítimas de gracejos pelo seu aspecto oriental. Relatou sobre isso Carlos Suzuki, filho de um dos pioneiros:

Seus vestidos eram sóbrios, quase sempre brancos ou com pouca estamparia, com lenços ou toalhas na cabeça


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“Uma vez meu pai e dois amigos foram para São Paulo e adquiriram máquinas de sulfatar costal de cobre da marca Vermoril. Da estação até aqui, os mogianos fugiam pensando que eles fossem atacar com o estranho apetrecho. Na época, quem conhecia as máquinas e os japoneses era espécie rara”.

Relatou Kiyoko Nishie um fato bem característico desses primeiros tempos de isolamento quando seu pai, deprimido, resolveu procurar vizinhos que não conhecia. Disse para ela: “Fica escutando onde o cachorro late ou o galo canta. É onde mora gente e nós vamos para lá”. No final de semana, caminharam mato a dentro e acharam um casebre onde morava um caboclo. Foram recebidos de arma em punho, um facão, e o homem dizia: “Que vancê qué? Vá embora bugre! “. Daí, diante do aperto, a filha, que já sabia o português, explicou que eles eram japoneses e não índios. O caboclo, que não sabia da existência do país oriental, os expulsou da terra. Outros casos soam até como se fossem piadas. Hatiro

A vida dos primeiros japoneses em Mogi das Cruzes no começo do século XX era de pouquíssimos contatos com a cidade

Nishie foi ao empório querendo bacalhau, mas o vendedor nada entendia. Zangado e num gesto de raiva, o imigrante disse: “Bakaiarô”, que em japonês significa ignorante, “burro”. Foi daí que o vendedor, confundindo as palavras, foi buscar o bacalhau. Na cidade vinham por intermédio dos caboclos, as motucas, feixes de lenha que eram levados para as padarias. O material era amarrado em forma de feixe, por cipó e chamado de mocuta. O transporte era feito na carga de mulas ou em carroças. Alguns desses roceiros eram lembrados: Inácio da Cruz, João de Souza, também comerciante, João Rocha e outros.


Capítulo IV | Os primeiros tempos eram assim... | 63

Os primeiros contatos econômicos com os imigrantes aconteceram no Mercado Municipal, na oferta de produtos hortigranjeiros. Eram comercializados nos finais de semana e pouco se vendia. A culinária brasileira não conhecia o tomate (os italianos já o utilizavam no preparo da macarronada), o nabo, o cogumelo, a acelga e o espinafre. Muitos perguntavam o que era aquilo que estava dentro das latas de querosene da Shell ou da Standart Oil. E quando não se vendia, na iminência de perder o produto, jogava-se fora num terreno deserto, perto do cemitério São Salvador. Os contatos mais regulares com o núcleo urbano se davam por meio dos comerciantes tradicionais de Mogi das Cruzes: Paco Rodrigues, Sebastião Garcia, Jorge e Elias Cecim (adubos), Casa Barbosa (secos e molhados), Manuel Negreiros (padaria), Luis Tomas e irmãos (cereais), Horácio de Oliveira (ferragens), Dr. Armindo (farmacêutico) e outros. Essas vendas, conforme se chamavam na época, não funcionavam Crianças no trabalho


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Clube Náutico

apenas como locais comerciais, mas também como moradias dos próprios comerciantes. Eram espaços do convívio social, centros da prosa cotidiana e da religiosidade, locais de combinação dos teatros públicos (quermesses, festas sociais, carnavais etc.), demarcando tipos e hierarquias sociais, como compadres e amigos. Imperava o sentido da tradição e da coletividade. Nas relações comerciais eram comuns as camaradagens do fiado, pega e paga quando puder. Para os imigrantes, era freqüente o sistema de consignação: recebiam o adubo, geralmente farinha de osso, e pagavam com parte da colheita. Não foi encontrada na pesquisa feita na colônia japonesa lembrança de sentimentos de intolerância, preconceitos, racismos contra os japoneses praticados pela sociedade mogiana. O que existia, ainda na década de 1920 e 1930, era um sentimento de não-integração com os imigrantes, dado principalmente pelas condições econômicas dos japoneses, que não tinham o


Capítulo IV | Os primeiros tempos eram assim... | 65

status de homens de “bem”, isto é, não eram proprietários. Além das ligações econômicas com a cidade, para aonde tentavam escoar seus produtos, esses primeiros imigrantes recorriam ao núcleo urbano para o caso de problemas sérios de saúde. Mas isto não era comum, pois dificilmente abandonavam seus locais de trabalho com doenças mais leves. Quando, por exemplo, ocorriam infecções intestinais, pediam ajuda aos caboclos, que indicavam plantas “caseiras” para a solução dos problemas. No caso de gravidades físicas, como mordidas de cobras, ferimento profundo, pneumonia, reumatismo, tuberculose, etc, procuravam os médicos mais tradicionais da cidade, como os doutores Deodato Wertheimer, Milton Cruz e Nelson Straube. Em última instância iam para São Paulo. Algumas vezes, internavam-se na Santa Casa, único hospital da cidade. Na maioria dos casos, ficavam na “enfermaria geral”, como eram chamados os espaços de tratamento não pagos. Caso contrário, haviam os quartos particulares. A instituição era controlada pelas irmãs de caridade, ligadas à Igreja Católica. Eram vistas pelos depoentes como “anjos” pelo seu espírito de ajuda ao próximo e por não fazer distinção entre quem pagava ou não. Assim sendo, o tratamento de recuperação dos doentes era visto como muito bom. Os pagamentos por este serviço eram feitos, principalmente, em dinheiro, mas também, o que era comum, em espécie, isto é, com produtos agrícolas colhidos no campo. Este tipo de camaradagem estreitava os vínculos entre a colônia e a zona urbana. E, finalmente, não se pode esquecer que os partos não eram feitos no hospital, e sim, realizados pelas práticas parteiras leigas, brasileiras ou japonesas.



capĂ­tulo V

O espĂ­rito associativo


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Existe uma diferença interessante

entre o viver comunitário na cultura brasileira e o viver re-

lacionado ao comportamento nipônico. Muitos centros de convivência no Brasil nasceram de afirmações religiosas. Exemplo: em quase toda cidade brasileira existe um espaço central chamado Praça da Matriz. Neste local, realizavam-se rituais de congraçamentos sociais feitos por irmandades religiosas no culto aos santos. Eram rituais públicos nos quais se exibiam as hierarquias de valores e poder. Na colônia japonesa, a preocupação principal não era a religiosa. Quase todos os depoentes foram unânimes em afirmar que a construção de templos não foi proposta inicialmente como símbolo de união entre os imigrantes. Afirmou Kiyoko Neguishi: “Os japoneses não tinham tempo para isto”.

Várias causas podem ser apontadas para explicar esse espírito de coletividade tão diferente do nosso. A cultura dos imigrantes foi muito pragmática, isto é, respondendo as suas dificuldades e necessidades ligadas ao mundo do trabalho. De outro lado, vindos de inúmeras regiões japonesas, os imigrantes possuíam também diversas religiões, principalmente a budista e a xintoísta. Aqui, essas diferenças, pela ausência de pastores japoneses e doutrina, foram cultuadas e voltadas para os espaços privados, dentro do lar, conforme explicou de Hiroshi Ikuta.

Planta de reforma na escola de Cocuera


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Outro motivo está na homogeneidade social desses pioneiros. Explico: embora muitos imigrantes contassem histórias de sua origem social vindos de patriarcas importantes (verdadeiras ou não) isto pouco adiantou como tentativa de enobrecimento social por aqui. Estavam na condição de trabalhadores rurais vulneráveis e não tinham, ainda, necessidade de estabelecer rituais de distinção, comportamentos que demonstrassem diferenças de classe social. Mais tarde, pela década de 1960, com o enriquecimento de algumas famílias é que surgiram estas preocupações. O espírito associativo do imigrante japonês caminhou em outro sentido: das escolas e cooperativas. Era chamado pelo nome de “Kai”. Isto, sem dúvida, foi uma forma de socialização em busca de maior afirmação social, mas também uma defesa cultural perante a sociedade brasileira, por vezes, preconceituosa. A primeira idéia era a construção de uma escola. Quando se fundava uma associação, muitos só vinham saber, em primeiro lugar, da construção da escola. Os pioneiros desejavam que seus filhos aprendessem a língua e os costumes japoneses, tendo em vista o retorno a seu país de origem. Caso as crianças não fossem educadas à maneira japonesa, poderiam ser marginalizadas ao voltar. Além disso, os pais temiam que seus filhos fossem se abrasileirando e ficassem como “os caboclos”, pouco propensos a um trabalho sistematizado. Assim, desde cedo, havia a preocupação de freqüentar a escola rural. O primeiro estabelecimento foi a Escola Isolada, no começo dos anos 20, que mais tarde, em 1938, veio a se chamar Grupo Escolar de Cocuera. Foi fundado no terreno da família Nakamoto e a professora foi dona Julieta Bertozi Gaia.

Escola no período do Estado Novo (1937/1945), em Cocuera


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Outra professora lembrada foi dona Sofia de Pádua, ensinando Português, Geografia, História e Aritmética. As aulas iam de segunda a sábado e só eram interrompidas por ocasião dos feriados tradicionais (Natal, ano-novo, carnaval, festa junina e Finados), além das férias. Posteriormente, quando se ampliaram as instalações da escola, transformando-se na Escola Estadual Gabriel Pereira, o diretor era o professor João Cardoso dos Santos. Eram comuns gestos de deferência, feitos com muito afinco para os professores. O papel ideológico da escola foi muito importante, significou o primeiro passo, principalmente para os nisseis, para a futura integração na sociedade brasileira, a partir dos anos 50, e realizou o desejo primordial do trabalhador imigrante: a ascensão social. As primeiras associações surgiram das comunidades fundadas na zona rural. Em Cocuera, nos anos 20, estavam instaladas as famílias de Shiguetoshi Suzuki, Yoneda, Miyoji Sakoda, Shiguezaemon Kawada, Kensaku Matsumura, Kenji Hirata e Yoshinobu Sagawa. Também os Kikutaro Suzuki, Tetsuo Yoshida, Takeji Suzuki, Ichiro Konno e Yoshio Suzuki. Em 1924 e 1925, o engenheiro agrônomo Furihata fundou a fazenda Katakura, dando um grande impulso ao desenvolvimento da lavoura. Foi a única fazenda de capital privado japonês que tinha cem alqueires. A sua importância maior foi que tornou-se a pioneira no cultivo de pêssegos, principalmente na produção do chamado “pêssego chato”. Em 1930, além do cultivo de frutas e hortaliças, dedicou-se ao cultivo e ao beneficiamento do chá, construindo a “Fábrica de Chá Tóquio”. A partir desta data, o número de japoneses foi aumentando de 20 a 30 famílias por ano.


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O espírito associativo do imigrante japonês caminhou em outro sentido: das escolas e cooperativas. Era chamado pelo nome de “Kai”


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Primeiros tempos: Alunos com os pés descalços


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Pois bem, para todos esses pioneiros, os problemas eram os mesmos: dificuldade de comunicação, pouco conhecimento da terra, jornada de trabalho extenuante e escoamento irrisório de seus produtos. Para resolvê-los, foi fundada em 9 de maio de 1926, segundo Hiroshi Ikuta, a Associação da Colônia Japonesa em Mogi das Cruzes, com representantes de 25 famílias residentes em Cocuera. Esta foi a primeira forma organizativa desses japoneses. Esta associação tinha três finalidades: reunir os esforços que estavam isolados em prol de uma melhora de vida na construção de escolas,

creches, pontes e estradas; trocar informações entre os pioneiros para não permitir a exploração de que eram vítimas por parte dos comerciantes; e criar um ambiente de lazer para se contrapor à labuta diária. Isso já demonstrava que não somente esses agricultores tinham já um espírito de congregação, muito comum no Japão, mas que, ao final da primeira década de colonização, a produção agrícola já começava a assumir posição de destaque, principalmente no Mercado

Cooperativa agrícola de Mogi das Cruzes: anos 30


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Municipal de São Paulo. A cultura do tomate, por exemplo, já era contabilizada por volta de três milhões de pés. Em 13 de dezembro de 1931, foi fundada a Liga Para a Venda em Cooperação de Produtos Agrícolas. Naquela época, a comunidade japonesa era composta por 45 famílias em Cocuera, 30 em Porteira Preta, 10 em Botujuru e 17 famílias em bairros adjacentes. Porém, foi em março de 1933 que formou-se a mais famosa associação: a Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes,

uma reestruração da liga fundada dois anos antes. Estudá-la é, sem dúvida, perceber um quadro bastante real das fases de sucesso e crises desses pioneiros. Ou melhor, da perspectiva de integração ou resistência desse grupo social em sua busca pela afirmação social. A inscrição na organização era feita na seqüência de terras que esses pioneiros tinham entre si. Por exemplo: número

Porém, foi em março de 1933 que formou-se a mais famosa associação: a Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes


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36 era do senhor Kinzaburo Kato, vizinho do senhor Ichiro Konno, que era o número 37. E assim por diante. Para garantir a igualdade entre seus membros, o estatuto garantia no seu capítulo II, artigo 7: “Cada associado deverá subscrever, no mínimo, uma quota parte, não podendo, entretanto possuir mais de 50 (cincoenta) quotas partes, nem uma quota parte pertencer a mais de um associado”.

O primeiro presidente foi Takashi Watanabe (1883-1939). Este colono não era um imigrante típico, isto é, um agricultor, era um homem culto, formado em Línguas pela Universidade de Tókio e em Línguas Neo-Latinas, com especialidade no espanhol. Em 1914, desembarcou no porto de Santos, no navio Wakasa Maru, integrando as primeiras levas de imigrantes. Foi para Minas Gerais, onde, pela facilidade de comunicação, chefiou e orientou os imigrantes que se destinavam à mineração de ouro daquele Estado. Posteriormente, trabalhou como funcionário da Companhia de Colonização Toyo, agência de São Paulo. E também escrevia no jornal Nipaku-Shinbun, semanário da época. Em 1921, aos 38 anos, casou-se com Yone Takeuchi. Quatro anos depois, comprou uma fazenda no município de Caçapava, Vale do Paraíba do Sul, com 120 alqueires, desenvolvendo a rizicultura e as pecuárias de leite e corte. No final dos anos 20, mudou-se para o bairro da Ponte Grande, em Mogi das Cruzes, onde se dedicou ao cultivo do tomate e à olericultura. Um ano depois, em 1930, mudou-se


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para o bairro de Botujuru. Era, pela sua projeção intelectual, facilidade de dominar o português e experiência administrativa, um dos grandes líderes da colônia. Era reconhecido pelo seu valor administrativo, contábil e organizador dos sitiantes. Adepto da cultura cooperativista, foi o grande organizador da Cooperativa Japonesa de Mogi das Cruzes, depois chamada de Cooperativa Agrícola Mista, fundada em 8 de março de 1933. Na qualidade de primeiro presidente da cooperativa, defendeu a policultura na região, no cultivo de fruticultura e avicultura como solução aos problemas de superprodução do tomate, que ocasionavam a crise entre os agricultores. Em busca de técnicas mais apuradas, Watanabe importou sementes e mudas de árvores frutíferas do Japão, Estados Unidos e Europa, arcando pessoalmente com o ônus financeiro da medida. Em 1935, implementou a Estação Experimental da Agricultura, no bairro de César de Souza, como atividade da cooperativa. O seu objetivo não era somente unir os interesses de inúmeros sitiantes, muitos ainda vivendo isoladamente, mas dar um novo salto em direção ao aprendizado comercial, não conhecido pelos produtores: principais fontes de abastecimento, conhecimento das crises econômicas nacionais, créditos, incentivo à policultura etc. Importante é assinalar que, além de proporcionar uma maior visão de negócios aos produtores, a formação da

O primeiro grande líder da colônia, Takashi Watanabe, e sua família


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cooperativa revelava uma outra face importantíssima desse processo de imigração: esses pioneiros, pouco a pouco, deixavam de ser arrendatários para consolidarem-se como proprietários sitiantes. Em 1939, Watanabe, durante uma assembléia geral extraordinária dos associados, foi vitimado por um ataque cardíaco, quando enfrentava um acalorado debate pleiteando reestruturações na sociedade agrícola. Pela sua vida, a colônia o homenageou com um busto de bronze sobre um pedestal de mármore, que atualmente encontra-se na Casa da Agricultura. Inicialmente, um dos principais problemas enfrentados pelos colonos que pertenciam à cooperativa foi o da superprodução do tomate. Relatou Hiroshi IKuta: “... quando a japonesada viu que tomate dava lucro, todo mundo começou a plantar. Então, houve uma espécie de superprodução. E, como não é uma planta que dura muito tempo, a japonesada, então, resolveu fazer massa de tomate para conservar. Mas eles não tinham prática de fabricação, nem da parte burocrática. Assim, logo a cooperativa de Mogi, juntamente com a fundação, entraram em colapso por causa dessa complicação de fabricação da massa”.

Nas primeiras décadas do século, havia em Mogi um tomate conhecido como “chacareiro”, um tipo mole que não agüentava viagens longas. Por volta de 1930, ele foi cruzado com uma outra variedade italiana, chamada pelo nome de Rei Humberto, de casca dura e miolo oco. Atribui-se ao cruzamento o nome de Benjiro Togue. No entanto, como nessa época todos os japoneses de Mogi plantavam tomate, ninguém


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O objetivo da cooperativa era unir os interesses de inúmeros sitiantes

sabe verdadeiramente quem foi o criador da nova variedade, conhecida nacionalmente como Santa Cruz. Com a crise de superprodução, o presidente da cooperativa, Watanabe, tentou solucionar o problema com duas medidas: diversificação de produtos e incentivo da industrialização do tomate. Assim, fomentou a fruticultura e a avicultura, importando sementes e mudas do Japão, Estados Unidos e Europa. Também instalou a Indústria de Conserva de Tomate, em 1933, mas esta teve vida curta, sete meses.

Reunião dos líderes da colônia


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Essas medidas, principalmente o incentivo da policultura, deram um novo alento à colônia na produção do repolho, couve-flor, batata etc. Com isso, puderam abastecer dois grandes centros em franco desenvolvimento: São Paulo e Rio de Janeiro. O escoamento destas mercadorias era fácil, não somente pelo conhecimento dos atravessadores espanhóis, mas porque, durante o verão, faltavam verduras. E assim, Mogi das Cruzes, com seu clima mais ameno e úmido, era uma referência importante como centro produtor. Diversificando sua produção, graças à orientação e ao incentivo de Takashi Watanabe, os pioneiros começaram a desenvolver também a avicultura. Nos anos 20, esta atividade ficava por conta das mulheres, mas com aumento da procura, nos anos 30, a criação das aves foi aprimorada. No começo dos anos 30, o sr. Shigueaki Tamake comprou, na região de Cotia, galinhas legornes brancas. Estas galinhas botavam ovos brancos, completamente desconhecidos na região mogiana, onde só havia o tipo “caipira”. Foi um sucesso. Outras inovações: em 1935, a granja Shigueno foi a pioneira na utilização da chocadeira elétrica, sendo logo seguida por outras e, ao final da década, importava do Japão aves de alta linhagem, destinadas à reprodução. E, para dominar a técnica de reprodução, contratou o sr. Shozo Sakai. Este, depois de dois anos, iniciou a sua própria granja especializada em pintinhos brancos. O sucesso desses empreendedores por meio da cooperativa pode ser medido em números. A avicultura, em 1941, exportou ovos no valor de 1,087 milhão de contos de réis, uma quantia extraordinária para a época.


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Quanto aos produtos agrícolas, o sucesso foi o mesmo. Em 1934, por dados publicados pelos cooperados, o movimento das vendas nos entrepostos foi de 37.571 caixas de produtos vegetais no valor de 604.515 contos de réis. Em 1936, esse valor subiu para $ 1,195 milhão de contos de réis. Dois anos depois, as vendas somavam quase o triplo: 3,5 milhões de contos de réis. Dotados de recursos crescentes, alguns sitiantes mais prósperos iniciaram a mecanização de suas lavouras. A primeira bomba de irrigação foi empregada por Fugitaro Nagao. Era uma centrífuga da marca “Amage”, movida a gasolina e com capacidade para cem litros por minuto. Assim, a Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, antes da Segunda Guerra Mundial, serviu como estímulo de

Plantação de tomate


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procedimento técnico, laboratório de pesquisa, difusão de conhecimento, criação de recursos financeiros para a ousadia desses pioneiros. Ajudou a encerrar a primeira fase dos imigrantes: não eram mais arrendatários. Substituindo Watanabe como presidente da cooperativa, foi eleito Jusaimon Utida, tendo como vice Yoshinobu Sagawa e o mesmo tesoureiro da gestão anterior, Itiro Inoue. Outros membros foram: Nobuyoshi Maikawa, Kinzaburo Kato, Yashiti Sato, Juiti Yamate, Kibum Murakami, Hatiro Nishie e Katsutoshi Naito. Em 1941, a cooperativa passou a ser administrada por interventores federais por problemas ligados à Segunda Guerra Mundial. Logo após o conflito, a presidência foi ocupada por Kotaru Watanabe, filho do primeiro presidente. A cooperativa mandava produtos por trens para serem comercializados em São Paulo e no Rio de Janeiro, por meio da comercialização feita pela firma R. Monteiro. Este ficou no comando da organização até seu término, pelo final dos anos 50. Sobre isto disse Ernesto Konno: “A influência do Kotaru era muito grande, por causa do seu pai (Takashi Watanabe), que foi uma grande liderança. O pai foi muito respeitado... As mais difíceis coisas eram as proibições das reuniões que continuavam por causa da guerra... Tinham também disputas entre vitoristas versus derrotistas”.

É preciso destacar que a cooperativa não era apenas um local de comercialização de produtos, o espírito associativo desdobrava-se num centro social de encontros sociais da colônia.


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Homenagem a Takashi Watanabe

Na qualidade de primeiro presidente da cooperativa, Watanabe defendeu a policultura na região. Em busca de técnicas mais apuradas, importou sementes e mudas de arvores frutíferas do Japão, Estados Unidos e Europa, arcando pessoalmente com o ônus financeiro da medida


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Cerimônias religiosas, festas e reuniões políticas eram ali realizadas, onde também nasceu, por exemplo, o Kosmos Clube, que, além dos bailes que promovia, foi um dos maiores times de beisebol do Brasil. O Kosmos Clube deu continuidade a uma tradição esportiva deste esporte em Mogi das Cruzes. O beisebol era praticado no bairro de Cocuera desde 1929, quando foi criada a Associação Juvenil (Seinem-Bu). Em 1938, Issamu Kitahara deixou a Cooperativa Agrícola e fundou a Mokuyo-Kai (Associação Quinta-Feira), reunindo seus associados nesse dia da semana. Na década de 1950, o Kosmos Clube foi um dos mais importantes clubes de beisebol do País. Seu principal jogador foi Satílio Dohi, o Dohi San. Nos anos 60 em diante, existiu o time da fábrica Howa, que reinou absoluto como o principal centro esportivo do beisebol do Brasil, fornecendo elementos para a seleção brasileira. Seu mais importante jogador foi Mitsuyoshi Sato. O espírito associativo desses imigrantes foi de grande valia para a visibilidade e posterior aceitação de seus membros na sociedade local. Porém, não é verdade que o convívio entre as duas culturas sempre tenha sido baseado na harmonia. O período da Segunda Guerra Mundial foi traumático para as famílias japonesas residentes no Brasil e em Mogi das Cruzes.


Busto em memĂłria do lĂ­der Watanabe



capítulo VI

Políticas de perseguição (1930/1940) Mogi pouco se modificou até

a década de 1950. Foi com a chegada da Mineração (1942)

e, mais tarde, das universidades que a cidade construiu uma nova disposição de regras sociais, de ordem mais capitalista. Permaneceu antes da Segunda Grande Guerra (1939/1945) uma cidade modesta, de pequenos comerciantes e simples funcionários públicos, vivendo das influências econômicas e sociais vindas da capital de São Paulo. Mesmo os episódios da Revolução de 30, que sacudiram o resto do País, não alteraram profundamente a vida social no município.

Tempos de guerra


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Nessa época, década de 1930 e 1940, o município atual não tinha mais de 23 mil pessoas (existiam outros distritos como Poá, Suzano, Biritiba Mirim e Itaquaquecetuba com outra população da ordem de 26 mil habitantes). Nessa popula-

Mas a Segunda Guerra Mundial (1939/1945) alterou, com políticas de perseguição, o relacionamento entre a colônia japonesa e a sociedade mogiana

ção exclusivamente mogiana, os japoneses somavam apenas 5,37% dos munícipes. Ao todo, possuíam 327 pequenas propriedades rurais. Mas é preciso lembrar que os portugueses e espanhóis, nacionalidades latinas, compunham 50,04% dos estrangeiros, deixando os nipônicos como a principal minoria e alvo da alteridade. Foi a Revolução de 1932 que, sem dúvida, despertou um entusiasmo participativo maior da população em prol da reconstitucionalização do Brasil contra o governo varguista. Mogi das Cruzes possuía um grande contingente urbano de classe média que se sentiu atraído pelos discursos de respeito


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às leis, pelo brio da terra na figura do bandeirante, pelo amor à pátria e pela defesa da nação contra o arbítrio federal. Sem dúvida, que o discurso social, as leis trabalhistas, não tiveram uma penetração maior na ideologia dessas camadas urbanas. E como estavam vivendo no campo os imigrantes? De maneira isolada - a Cooperativa Agrícola foi fundada em 1933, os colonos não tomaram conhecimento das agitações políticas da década de 20 e 30. Pelos depoimentos ouvidos, houve apenas um aumento dos preços dos produtos colhidos da terra. Só a Segunda Guerra veio interromper este alheamento. Durante esse período, a primeira fase da imigração, de arrendatários a proprietários, os japoneses eram muito pragmáticos e estavam voltados ao mundo do trabalho, nos discursos de vários deles. Estavam preocupados em se tornar sitiantes. Ainda eram basicamente produtores e não tinham adquirido o conhecimento do mercado (crises da economia nacional, atravessadores, financiamento, influências políticas para conseguir a pavimentação das estradas etc.). Viviam na roça. Suas relações com as famílias “de bem” da zona urbana eram muito pequenas. Não tinham, além das dificuldades naturais de comunicação, um poder simbólico de status - terra, arregimentação eleitoral, visibilidade social, poder associativo de pressão política que lhes permitissem um contato mais proveitoso. Enfim, não estavam integrados à sociedade mogiana, o que só foi possível a partir da década de 1950. Mas a Segunda Guerra Mundial (1939/1945) alterou, com políticas de perseguição, o relacionamento entre a colônia japonesa e a sociedade mogiana. No quadro que antecede o conflito, os japoneses foram vítimas de políticas discriminatórias por parte do governo


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brasileiro. É interessante notar que, até a metade do século XX, os japoneses estavam sempre na mira de políticas restritivas de imigração por parte do governo federal. Não se pode esquecer que as elites brasileiras, nesse capítulo da imigração, estavam preocupadas também com o branqueamento da população. Pois bem, o japonês era um elemento estranho dentro deste contexto: nem branco, nem negro, e haviam dúvidas sobre o resultado da miscigenação com o japonês na formação da “raça brasileira”. De 1924 a 1934, ocorreram as maiores entradas de toda a história da imigração japonesa no Brasil. Na década de 1908 a 1923, chegaram 31.414 pessoas (13.4%); de 1924 a 1941, 137.572, (67.1%) e, de 1952 a 1963, 45.650 (19.5%). Todo este quadro deu maior visibilidade a esses imigrantes. E foi nesse período que incidiram os maiores preconceitos e críticas que associava a formação de colônias ao avanço do “perigo amarelo”. Não se pode esquecer que, em 1932, o Japão ocupou a Manchúria, território chinês e regiões da Ásia Oriental, incentivando seu militarismo. Isto serviu de premissa para que deputados constituintes em 1934 acusassem os imigrantes. O deputado federal Félix Pacheco discursava que havia um interesse daquele país em invadir a América do Sul dado o pequeno território nipônico. Acusava-os de enquistarem-se dentro das colônias, impedindo a integração na sociedade brasileira e com o objetivo da “fome de terra”. Mais tarde, em 1944, o professor Jair Rocha Batalha, também advogado da Cooperativa Mista de Mogi das Cruzes, revelava, em seu livro intitulado “Calhaus e Burgaus”, certos estereótipos de enquadramento racial. Baseado em estudos antropométricos - índices cranianos, nasais, tipos de cabelos, levantava uma dúvida sobre a utilidade ou não desse tipo de imigração. Escreveu:


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“Será um bem ou um mal, do ponto de vista da assimilação, essa imigração para o Brasil? O problema é bastante complexo e, por isso mesmo, tem dado margem a discussão sem conta...” Concluía, na influência de uma visão lambrosiana (estudos que tinham difusão naquela época autoritária), pelo elogio desta “raça”.

De qualquer maneira, na década de 30, estabeleceu-se um sistema de cotas de 2% para a vinda de estrangeiros sobre os números de imigrantes vindos nos últimos 50 anos. O número-limite estabelecido para os japoneses foi de 2.711 imigrantes. Em 1937, com a implantação da ditadura Vargas e sua política nacionalista, acentuou-se o caráter discriminatório

Em 1937, com a implantação da ditadura Vargas e sua política nacionalista, acentuouse o caráter discriminatório das medidas: foi proibida a circulação de jornais e o ensino de línguas estrangeiras. Isto afetou diretamente o grupo de imigrantes japoneses


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das medidas: foi proibida a circulação de jornais e o ensino de línguas estrangeiras. Isto afetou diretamente o grupo de imigrantes japoneses. Este cerco se agravou com a declaração de guerra aos Países do Eixo. As medidas xenófobas do governo Vargas provocaram reações na colônia japonesa residente em Mogi das Cruzes. Reagindo a estas medidas e com o intuito de preservar a cultura oriental, foi fundada em 10 de janeiro de 1939, a organização Mogi Rengô, unificando as associações de bairro existentes no município. Compareceram 180 famílias com a presidência de Kinzaburo Kato. Nessa mesma data nasceu a idéia de se construir uma nova escola para todos. A comunidade entrou com os dois terços do capital necessário, tomando empréstimo de Tokuji Abe, e o restante veio de uma ajuda financeira do Japão. Em 16 de setembro de 1941, foi comprado um terreno de 16 mil metros quadrados situado na área urbana do município. Em 10 de dezembro de 1941, três dias após o inicio da Guerra do Pacífico, inaugurou-se a escola-pensionato Shogakusha. Ainda nos riscos de sobrevivência da comunidade, foram criadas sociedades chamadas de Nihonjinkai. Em Mogi, esse fenômeno deu-se nos bairros de Capela e Biritiba Ussu, contando com todas as pessoas da região. Na zona urbana, existia uma escola do professor Sadamu Tanabe Sensei, que ensinava a língua e a cultura japonesas, o que era proibido, e situava-se na rua Barão de Jaceguai, nos fundos da loja Tezuka Sokoda e Companhia.

Escola clandestina em Mogi das Cruzes


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Mas com a declaração de guerra do Brasil contra as potências do Eixo, a situação agravou-se. E, novamente, os alvos foram os núcleos de colonização japonesa, chamados de “quistos raciais”. A língua japonesa foi proibida pelo governo federal de ser falada em locais públicos; escolas - a Shogakusha só foi reaberta em junho de 1943 - foram fechadas, livros e jornais, confiscados e as reuniões não estavam permitidas. Pessoas eram perseguidas com o nome de “quintas-colunas” (traidores e espiões). Enfim, todo japonês tornouse um inimigo em potencial e viu-se projetado a uma situação de gueto, sujeitando-se a sanções que obrigavam o uso do salvo-conduto. Em 1942, os dirigentes nipônicos da Cooperativa de Cotia perderam seus postos. Houve o confisco de dez automóveis. O testemunho de Junji Abe sobre o período foi o seguinte: “Meu pai, na época, possuía caminhões, rádio e máquinas fotográficas e foi obrigado a escondê-los na mata”.

De outro lado, japoneses que quisessem se deslocar para outras regiões tinham de possuir uma carteira de salvo-conduto. O casal Ichiro e Natsu Konno sofreu esta vigilância ao se deslocar de trem para São Paulo. Sobre isto afirmou também Tadashi Konno: “Vivia em Cocuera o sr. Gilberto Ramos, fazendeiro criador de gado, que também era um inspetor de quarteirão que acompanhava e fiscalizava as atividades dos agricultores”.

Perseguidos, os japoneses ficaram encurralados. Não somente por causa das pressões externas do governo brasileiro, a crescente xenofobia foi também responsável pelos conflitos internos que


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Meu pai, na época, possuía caminhões, rádio e máquinas fotográficas e foi obrigado a escondê-los na mata dividiram a colônia japonesa em vitoristas (Kachigumi) versus derrotistas (Makegumi). Para os primeiros, a derrota japonesa não existia e tudo não passava de falsa propaganda política vinda dos Aliados. Quem pensasse diferente era considerado “traidor”. Mas, para os derrotistas, era necessário aceitar a verdade: o Japão perdia a guerra e, portanto, era preciso pensar em viver definitivamente no Brasil.


98 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Salvo-conduto de Ichiro Konno

Os imigrantes estavam proibidos de circular se não tivessem ordens vindas da polícia

Nesse momento histórico, as contradições dentro da colônia agravaram-se no dilema de se inserir diretamente na sociedade brasileira, mesclando diferentes valores, ou, de outro lado, ainda manter esperanças de retornar ao país de origem, continuando com as tradições recebidas dos pais. Paulo Ota recorda-se dessa época: “Houve uma divisão dentro da colônia. Meu pai, que nesse instante produzia para São Paulo e Rio de Janeiro, ficou com medo. Outros, os vitoristas, não desejavam que suas vendas saíssem, porque iria ajudar os Aliados”.

Esse ambiente de disputa, não somente em Mogi, mas também em outros lugares, serviu de base para a formação da Shindo Renmei, organização secreta que tinha por


Capítulo VI | Políticas de perseguição (1930/1940) | 99

objetivo manter as tradições culturais vindas do Japão - o espírito de obediência aos antepassados, culto à religião xintoísta, respeito ao código moral dos guerreiros, fidelidade ao Imperador - e punir aqueles que desobedecessem aos ideais de respeito à pátria, clamando por uma atitude enérgica contra os patrícios “traidores”. Um ano após o término da guerra, registrava-se a morte de 23 pessoas, 86 feridos contrários à organização e a prisão de 45 membros da Shindo Renmei. Um dos mortos foi Jinsaku Wakiyama, coronel japonês que era diretor-presidente da Cooperativa Central Agrícola Nipo-Brasileira e da Cooperativa Agrícola de Bastos. Como estava ameaçado de morte, escondeu-se na fazenda dos Fugata, em Mogi das Cruzes. Mas, ao voltar para São Paulo, foi morto pela organização secreta. Sobre a perseguição na colônia, afirmou Oswaldo Nagao: “... tem um coronel do exército japonês que também era imigrante e veio para o Brasil. Ele conhecia perfeitamente a situação. Acabou refugiando-se na minha casa. Ficou um tempo lá. Eu acho que era da região de Tupã e tinha sido visado. Ficou algum tempo na minha casa, não lembro quantos dias. E depois que tudo se acalmou, saiu, foi para São Paulo. Ele foi assassinado”.

Este coronel deveria ser o mesmo citado anteriormente, Jinsaku Wakiyama, que estava jurado de morte pela Shindo Renmei. Pelos estudos da pesquisadora Dayse de Freitas Ackel Ghani, em sua dissertação de mestrado intitulada “A Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes, os caminhos da identidade (1915-1945)”, a colônia japonesa de Mogi das Cruzes não passou ilesa desses dilemas. Ela, percorrendo os arquivos do Deops (Departamento de Ordem Política e Social), descobriu um inquérito - prontuário de


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Mitsuo Sakai, número 8.013 - contra alguns japoneses de Cocuera, onde estavam implicados os nomes de Karuji Myiasaki, Naojiro Hirai, Goro Sakai, Mutsuo Sakai. O problema foi o seguinte: estes agrediram, em 13 de agosto de 1943, Shoshi Okubo pelo fato de se retirar de uma associação cultural e esportiva, mas que na realidade servia para comentar a guerra. Faziam parte desta associação também os diretores Takemi Kataoka, Kyuji Konda, Shigeru Urushibata, Ioshi Igarashi e Shiguero Yoneda. Esta associação reunia-se na Granja Myasaki, de Ioshi Igarashi, tendo como gerente Karuji Myasaki. Este último já tinha sido processado em dezembro de 1941 pelo Deops por traduzir notícias de guerra, mimeografando-as e divulgando-as entre os imigrantes. Os outros, Kataoka e Igarashi, também já tinham sido acusados de sabotagem na Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes. Foram ouvidas várias testemunhas e uma delas confirmou que a prática de esportes era um pretexto para o tratamento de assuntos de guerra e política. Foram arrolados nesse processo também os nomes de Naojiro Hirai e Ryoichi Kuwabara. Mitsuo Sakai, o mais velho dentro os acusados, 58 anos, foi apontado como o líder dos acontecimentos de 1943 e também chefe, em Mogi, da “Associação dos Ex-Militares Japoneses no Brasil”, fundada em 7 de dezembro de 1945, data de aniversário do bombardeio de Pearl Harbor. Morava no bairro dos Remédios, rua 34, em Salesópolis. Os principais dirigentes dessa associação eram também fundadores da Shindo Renmei. Nos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), constam outros processos envolvendo pessoas de Mogi das Cruzes. Em 9 de dezembro de 1944, a Delegacia de Polícia denunciou que o “súdito nipônico” Hatuguma Yanagui, vulgo José Yanagui,


tinha envenenado e desviado um córrego com a intenção de sabotar uma criação de carpas pertencente a Orlando Adoglio. Isto era motivo para a acusação de causar prejuízos à alimentação pública, remetendo o processo aos autos do Tribunal de Segurança Nacional. Outro processo e posterior condenação por três meses de prisão foi sobre Isamu Kitahara e mais quatro orientais, em 27 de setembro de 1942. Foram acusados de “planejar, agredir e, até mesmo, de tentar eliminar os diretores brasileiros da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes”, por não se conformarem com a nacionalização desta. Foram denunciados por um vigilante noturno, destacado pelos próprios órgãos policiais, para a vigilância desta instituição. A própria cooperativa foi considerada pelos órgãos de segurança um “centro de impressão e divulgação” de boletins referentes à guerra. E, por isso, foi condenado por crime contra a Segurança Nacional, Yoshinobu Sagawa. Sobre isto, afirmou seu filho Gabriel Sagawa: “Vinha lá um monte de pessoas, pegava e a gente não tinha como entrar com queixa... às vezes, os próprios policiais iam lá para pegar. E a minha irmã, por exemplo, freqüentava o ginásio e ia de bicicleta. Tinham uns caras lá que pegavam a bicicleta, brincavam e não a deixavam ir para a escola. E o que era? Era gente da polícia. Então, só por ser japonês tinha esse negócio de discriminação. Na cooperativa, todo mundo era japonês. Lá podia comprar rádio, gente comum não podia. Aí tinha gente que denunciava que ali estavam unidos os japoneses e a polícia vinha e prendia. E tinha casa de detenção só para isso. Conclusão: meu pai ficou dois anos detido lá na ilha Anchieta”.


102 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Finalmente, pelos arquivos pesquisados no Dops, Mogi das Cruzes possuía uma outra organização chamada Seinen Doshi-kai (Associação dos jovens correligionários), que estava fazendo a subversão à ordem instituída pelo governo federal. A memória dos descendentes guarda a lembrança da divisão entre vitoristas e derrotistas. Kiyoji Nakayama, atual presidente do Bunkyo de Mogi das Cruzes afirmou: “... dividiu o bairro de Porteira Preta. Tinham-se associações para uma colônia, mas para uma dos derrotistas e outra associação da colônia dos vitoristas. Formaram duas associações num bairro tão pequeno. E uma não conversava com a outra, Tinha até separação geográfica”.

Família Sagawa


Capítulo VI | Políticas de perseguição (1930/1940) | 103

Na nossa família, o avô materno, o sr. Uhachi Honda, não admitia a derrota do Japão e quando nos visitava

Isto foi confirmado por Kenzo Neguishi: “No nosso bairro de Porteira Preta, o número de produtores era grande. E aqui dividiu o bairro em três lugares: a turma que dizia que o Japão ganhou, outra dizia que perdeu e também a neutra, no meio. Tivemos por aqui três associações. Ao todo, devia ter naquele tempo umas cem famílias... Meu avo Hatiro Nishie sabia que tinha perdido e nem pensou em voltar para o Japão”.

Também Tadashi Konno, de Cocuera, afirmou: “Meu pai acompanhava tudo pela leitura do jornal O Estado de S. Paulo e também pelas informações que recebia de irmão expedicionário sobre os problemas nas frentes de batalha na Itália e a evolução da guerra. Ele vivenciou esta fase toda e detinha as informações verdadeiras do que acontecia. Após a guerra, 1945-1949, sofríamos represálias de nossos amigos na escola. Éramos vítimas de empurrões e sopapos, evidentemente revidados. Na nossa família, o avô materno, o sr. Uhachi Honda, não admitia a derrota do Japão e quando nos visitava, já quase noite, sentava-se à mesa e começava uma discussão acalorada com o meu pai sobre os acontecimentos, retardando nosso jantar. Após uma visita ao Japão, seu primeiro ato foi visitar-nos e pedir, humildemente ao meu pai, desculpas, reconhecendo a derrota”.

Até no campo esportivo esta divisão foi constatada. Em 1947, existia um time de beisebol composto por ativistas vitoristas (katigumi) que formaram a SCA (Sociedade ComerUhachi Honda

cial Agrícola), constituída por uma facção de trabalhadores do


104 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Mokuyo-kai (clube que se reunia às quintas-feiras). Afirmou Shizuo Futino: “ Mogi das Cruzes tinha cerca de 13 equipes de beisebol naquela época, sendo a maior parte, clubes de bairros não registrados. A grande

Pracinhas japoneses na Segunda Guerra Mundial. Foto abaixo de Tomessake Konno

maioria, senão no geral, seus integrantes, incluindo jogadores e diretores, defendiam a vitória do Japão, e por conta disso sofreram problemas com as autoridades. Só o Clube Náutico de Mogi, onde eu jogava, é que não tinha nenhum jogador vitorista”.


Capítulo VI | Políticas de perseguição (1930/1940) | 105

É de se observar também que três nisseis de Mogi das Cruzes foram soldados que lutaram pela Força Expedicionária Brasileira: Alberto Tomio Yamada, Satsuki Nakasone e Tomessake Konno. As medidas de repressão e nacionalização adotadas pelo governo varguista deram como conseqüência não uma assimilação à sociedade brasileira, ao contrário, fizeram com que os imigrantes japoneses se voltassem “para dentro”, buscando uma união aos seus valores de tradição. Um exemplo disso foi o desaparecimento durante a guerra das distinções entre os japoneses (issei/nissei), colocando em prática, pela primeira vez, a noção de “colônia”.

A Força Expedicionária Brasileira



capítulo VII

A inserção na sociedade mogiana Podemos dividir a história da imigração japonesa em Mogi das Cruzes em três

fases: a primeira, da chegada em 1919 até a Segunda Guerra Mundial, marcada pela passagem de arrendatários a proprietários. Depois, na entrada dos anos 50 até meados dos anos 80, é o período correspondente à ascensão econômica e a inserção paulatina na sociedade mogiana. É a época que os mais prósperos foram de proprietários a patrões. E, finalmente, a última, desde os anos 80, na dificuldade de sobrevivência da pequena propriedade.

Mogi das Cruzes: pós-Segunda Guerra Mundial


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Foi durante a guerra, com a divisão entre vitoristas e derrotistas, que se consolidou definitivamente o anseio dos imigrantes em tornarem-se proprietários de terras e permanecerem no Brasil. Durante o conflito, os mais prósperos da colônia consolidaram os seus negócios, ficando pouco propensos a defender o militarismo japonês. Na primeira fase, anos 20 e 30, criaram-se inúmeras associações - a Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes foi a mais importante - permitindo o acesso à terra dos imigrantes. Como? Existia uma economia de sobrevivência nas mãos de caboclos que não tinham uma relação com a terra em moldes capitalistas. Estes agricultores davam aos seus produtos um valor de uso e não de troca. Assim, venderam seus terrenos a preços módicos - não foi assim no oeste paulista - aos imigrantes, e estes souberam dinamizar suas novas terras, utilizando a mão-de-obra familiar. Com a guerra e a perseguição racista e xenófoba por parte dos órgãos governamentais, a colônia, para se defender, reforçou a sua identidade cultural na criação de inúmeras escolas e firmou o seu caráter de proprietária, dinamizando a sua produção no abastecimento agrícola para as cidades. Alguns imigrantes, ao contrário, ficaram mais propensos a apoiar o militarismo japonês e suspenderam a venda dos seus produtos nos mercados consumidores. Era uma tentativa de boicote. Conclusão: não tiveram sucesso e prejudicaram suas lavouras. Porém, foi no pós-guerra (1950/70) que a colônia japonesa encontrou condições para sua inserção na sociedade nacional. Isto foi possível com o término de suas desavenças internas, a luta vitoristas versus derrotistas, e as externas também:


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Nesta época, anos 40 e 50, o Brasil iniciou um período de grande modernidade na economia brasileira: a criação das indústrias estatais (metalurgia em Volta Redonda, Companhia Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Petrobras aproveitou os anos de desenvolvimento nacional. Este foi marcado pelo forte apoio da iniciativa privada feito pelo Estado, por meio de incentivos aos créditos, aquisição de máquinas, abertura de estradas, integração maior ao mercado consumidor etc. Isso acelerou a integração dos japoneses, por vezes conflituosa, na sociedade nacional e, ao mesmo tempo, aproveitou para consolidar suas posses e empreendimentos agrícolas. Alguns conseguiram se tornar grandes empresários. Nessa época, anos 40 e 50, o Brasil iniciou um período de grande modernidade na economia brasileira: criação das indústrias estatais (metalurgia em Volta Redonda, Companhia Vale do Rio Doce, Eletrobrás, Petrobras em 1953 etc.), chegada das multinacionais com novos produtos (carros, geladeiras), o fortalecimento de uma classe média consumidora, grande migração vinda da zona rural e crescente urbanização. Em Mogi das Cruzes, houve uma verdadeira revolução econômica com a chegada, em 1942, da empresa Mineração Geral do Brasil, pertencente ao grupo Jafet. A usina siderúrgica, na ocupação de 1.753.998 metros quadrados da sua zona


110 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 111

urbana, ficou pronta em 1943 e logo contratou mais de 800 operários. Investiu, em 1949, US$ 30 milhões em novos equipamentos. Este fato, associado à instalação da Companhia Nitroquímica, em 1941, com terras que mais tarde foram vendidas para a Companhia Suzano de Papel e Celulose, nos anos 60, ocasionou um impacto muito grande na cidade. O inédito processo industrial desencadeou rapidamente o crescimento do número de habitantes, maior consumo de mercadorias, modernização urbana (nova estação rodoviária, inauguração da escola Senai e da rádio Marabá, reforma da praça Oswaldo Cruz, criação do cine Urupema etc.) e, principalmente, a mudança de mentalidade para uma sociedade mais pragmática, capitalista, baseada em valores ligados ao sucesso material e não mais na tradição comunitária. Os imigrantes japoneses, consolidados como sitiantes, souberam aproveitar esse período de crescimento econômico aumentando a sua produção agrícola para o abastecimento de Mogi das Cruzes e das grandes capitais e envolvendo-se - agora como o status de proprietários-patrões - com o modo de ser de suas respectivas localidades. Concomitantemente ao novo desenvolvimentismo, acelerouse uma fase intensa de mobilidade social e ocupacional desses imigrantes. Nas cidades surgiam serviços - tinturaria, hospedaria, lojas, imobiliárias - criados por japoneses. A maior firma em Mogi era a Tezuka, Sakoda Ltda, que se dedicou à venda de adubos. Fundaram novas associações como as Pastorais Católicas Nipo-Brasileiras, aumentaram, ainda, mesmo com a existência de alguns conflitos, os Praça Oswaldo Cruz durante os anos 50

intercasamentos entre japoneses e brasileiros e tiveram força para eleger os primeiros que representaram os interesses da colônia No entanto, o fator mais explícito nesse relacionamento de


112 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

culturas foi o esforço ao acesso escolar, agora na zona urbana, da geração aqui nascida, os nisseis. Esse inusitado encaminhamento deve-se, ao que parece, aos seguintes fatores: a) mudança ocorrida na atitude dos imigrantes, que, já sem a idéia inicial de retorno ao país de origem, trataram de se fixar em solo brasileiro; b) o desenvolvimento da geração aqui nascida - os nisseis - que, cada vez mais emancipada, começa a militar em diferentes carreiras, principalmente em profissões liberais. Houve, assim, um deslocamento de prioridades dentro da colônia, isto é, a busca não mais da escola japonesa, mas da educação escolar nacional. Esta propiciaria a formação em profissões que teriam maior distinção social: médicos, engenheiros, advogados etc. Esse novo deslocamento é comprovado como um fenômeno social não apenas em Mogi das Cruzes, pelo censo realizado em 1958, mostrando os seguintes dados no Estado de São Paulo: entre os maiores de sete anos, no total de 267.400 japoneses e descendentes, 95,6% já estavam alfabetizados. Os de nível primário e secundário representaram 75,20%. E um número bem expressivo de universitários, com 20,40%. É importante salientar que a nova aspiração de contato com a cultura brasileira fez-se pela necessidade de reforçar os ideais de ascensão social, e não exatamente pela apropriação e pela discussão da própria diversidade. O sucesso material foi a mola principal que permitiu a aceitação e a integração na cultura brasileira. Esta integração social ocorrida nas escolas urbanas, feitas pelos nisseis, esteve presente em quase todos os depoimentos dos entrevistados: Hiroshi Ikuta, Oswaldo Nagao, Ichiro Ota, Junji Abe, Gabriel Sagawa, Minor Harada etc. O caminho escolar era, na maioria das vezes, o mesmo: a escola primária feita nos bairros em escolas da colônia, depois, já na cidade, o curso ginasial na escola


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 113

Coronel Almeida, e o secundário no colégio do Estado, o Dr. Washington Luis. Os professores lembrados, conforme depoimento de Nobuca Yamato, eram invariavelmente os mesmos: Jair Batalha (Geografia), Antonio Mármora Filho (Música), Dudu Mota (Desenho), Abib Neto (Latim), Maria Nair Castilho, entre outros. Ao final dos anos 50, existiam no colégio do Estado 330 alunos, contando com 35 japoneses. Nessa década, incentivados pelos seus pais, alguns nisseis caminharam, com todo o esforço que isto comportava, ir às faculdades, como Kaoru Kuwajima de Farmácia, Hiroshi Ikuta de Agronomia (mais

Integração escolar entre filhos dos primeiros imigrantes com alunos brasileiros


114 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Casamento de Yoshio Honda

tarde professor da Universidade de São Paulo em Piracicaba) e Gabriel Sagawa, que se formou médico pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. O contato com a cidade propiciou também o relacionamento dos orientais com o modo de ser da família mogiana, abrindo o caminho para o relacionamento interétnico. Entre os japoneses, tradicionalmente, as festas de casamentos eram realizadas nas próprias casas dos noivos, organizadas pelos padrinhos escolhidos, chamados nakôdo. O papel deste consistia em convencer o pai da moça, ou o chefe da família, que o novo integrante poderia colaborar como pessoa economicamente ativa para o sucesso da família. Isto porque, na sociedade dos imigrantes, constituía sério golpe perder uma mulher como mão-de-obra na lavoura. Os problemas apareciam quando os casamentos aconteciam com os não japoneses, principalmente de moças japonesas com camaradas gaijin, isto é, “os estrangeiros”. Como os pretendentes sabiam que dificilmente obteriam os consentimentos dos pais, alguns preferiam a fuga à recusa. A grande maioria, pelas enormes dificuldades que encontraria, optava por se submeter às ordens paternas. É preciso entender que esta imposição dada pela família patriarcal, principalmente na zona rural, não era apenas uma imposição da colônia japonesa, mas também da sociedade brasileira. Era preciso que os filhos e filhas encontrassem um “bom


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 115

partido”, não se ligassem com pessoas “sem eira nem beira”. Assim sendo, as relações familiares integravam-se num universo maior de classes sociais que não desejavam ter maiores ligações para não perder propriedades. A outra via de integração social dos japoneses feita além do acesso escolar e pelos casamentos interétnicos foi por meio da eleição de vários de seus membros para o cargo de vereador, desde a década de 1950. Isto evidenciava, não somente a força de representação eleitoral que a colônia demonstrava, mas também que os seus interesses - econômicos e de assimilação cultural - passaram, pouco a pouco, a se impor na agenda da política municipal. O primeiro político nissei a se eleger vereador em Mogi das Cruzes, pela UDN (União Democrática Nacional), de 1952 a 1956, foi Taro Konno, proveniente do bairro de Cocuera. Sobre este período afirmou: “Fui o primeiro vereador da colônia e disputei as eleições por indicação de um amigo, o dr. Plínio Boucault, que tinha estudado comigo e era advogado. Foi uma boa experiência, fiz uma campanha fácil porque era conhecido de todos os produtores e eles votaram em mim. Tive cerca de cem votos e entrei na Câmara Municipal sem ter a idéia de como era que ela funcionava. Como tudo era novidade, passei por cada uma que só vendo. Os vereadores me davam calotes. Quando tinha alguma matéria à qual sabiam que eu era contra, tentavam a todo custo me enganar para que eu não participasse da votação”.

Na época, a política mogiana era controlada pela família Lopes, que usava do poder em moldes tipicamente autoritários,


116 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

como em outras cidades interioranas: o mando “coronelístico” sobre a vida dos munícipes. Evidentemente, não era aceito qualquer tipo de oposição política que pudesse pôr em risco esta forma de poder. O surgimento de uma nova força de expressão, Taro Konno, vinda da colônia japonesa não poria em risco esta forma de poder. Como nas décadas seguintes, os interesses dos imigrantes eram no sentido de sua ascensão social e da integração com a sociedade local. Os projetos apresentados pelo primeiro vereador Taro Konno foram num sentido bem específico: melhorar as estradas vicinais. Sobre isto declarou:

A outra via de integração social dos japoneses feita além do acesso escolar e pelos casamentos interétnicos foi por meio da eleição de vários de seus membros para o cargo de vereador, desde a década de 1950

“Quando iniciei meu trabalho na Câmara, pedimos máquinas à Prefeitura, mas elas eram muito precárias, ficavam mais paradas que trabalhando devido aos problemas de conservação, mas foram os primeiros socorros à lavoura”.

Esta dependência dos órgãos públicos para solucionar problemas das zonas rurais ocasionou dois tipos de comportamento. Em primeiro lugar, as próprias associações e produtores (o exemplo da família Nagao) tentavam pavimentar as estradas, em forma de mutirão, cansados de esperar por uma solução vinda da prefeitura. Mas, em segundo lugar, sabiam que não poderiam (e nem eram suas aspirações) ir contra o poder local. Na Câmara Municipal, Taro Konno destacou-se como vereador sóbrio, mas combativo na defesa dos interesses de seus representados da zona rural numa época em que o mandato


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 117

Diploma de vereador de Taro Konno


118 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

não era remunerado. Foi um dos incentivadores da elevação da Escola Isolada de Vila Moraes a Grupo Escolar, assim como da criação e construção do Grupo Escolar da Estiva e da instalação da Escola Mista do Adachi. A passagem de Taro Konno pela Câmara Municipal foi, portanto, das mais profícuas e repletas de realizações em defesa de sua comunidade. Ainda, em outro capítulo mais à frente,

A passagem de Taro Konno pela Câmara Municipal foi, portanto, das mais profícuas e repletas de realizações em defesa de sua comunidade


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 119

“Desenvolvimento econômico”, estarão presentes suas realizações como líder da comunidade japonesa. Os próximos vereadores a serem eleitos foram Toshio Abaixo: Solenidade política durante os anos 50. Ao lado: família Nakayama

Kitahara e Roberto Sato, representante da granja Sakai, posteriormente presidente da Associação Paulista de Avicultura. Depois, Hideo Nakayama (seu irmão, Kiyoji Nakayama, é o atual presidente do Bunkyo de Mogi das Cruzes), Joaquim Yoshizaki


120 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

e Minor Harada (1964-1969), que, por ocasião do cinqüentenário da imigração, foi o primeiro presidente da Câmara de vereadores japonês. Com a implantação da ditadura militar no Brasil, em 1964, o poder municipal refletia o autoritarismo que acontecia na capital federal. Pouco a pouco, o poder local deslocou-se da família Lopes para o representante da Arena (Aliança Reno-

Minor Harada, primeiro presidente japonês da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes

vadora Nacional), Waldemar Costa Filho. Este praticamente monopolizou o poder até o final do século XX. Governou ao lado de diversos monopólios instalados na cidade: transportes, meios de comunicação, principais escolas particulares etc. E a nível estadual foi amparado pelo ex-governador Paulo Salim Maluf, de feições altamente conservadoras. Sobre sua atuação, Minor Harada afirmou:


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 121

”... Nós montamos a Associação Rural. Sem

do Sul. Com o Banco do Brasil e com o Banespa

dúvida, tive apoio da Cooperativa Agrícola de

eram poucos. Dos 15 pedidos que nós fizemos, o

Mogi das Cruzes, pois o presidente era o Neguishi.

meu foi o único a que Adhemar atendeu. Em fun-

A gente conhecia esse pessoal. Eu abri caminho

ção do meu cargo, eu consegui ampliar. Aí nós co-

para todos eles, por exemplo, para o Ceagesp. Ti-

meçamos com negócio no Rio de Janeiro. Na época,

nha cooperativa, mas a gente colocou junto o go-

o governador era o Carlos Lacerda, que foi meu

verno. Naquele tempo, você tinha de hipotecar a

padrinho de casamento. O Rio de Janeiro abriu

propriedade toda para conseguir financiamento

caminho, abriu as portas. Tanto é que, quando ele

rural, não importava o valor. Após duas semanas

veio receber título em Mogi, disse que tinha vin-

de uma audiência com o governador Adhemar (de

do conhecer a cidade que abastecia o Estado dele.

Barros), o gerente do Banespa me chamou e me pa-

Muitos comerciantes começaram a fazer a pon-

rabenizou por conseguir mais financiamento. Isso

te com o Rio de Janeiro, porque só São Paulo não

repercutiu pouco na colônia, porque a maioria,

conseguia consumir tudo o que a gente produzia.

naquela época, trabalhava mais com o América

Em 1970, por exemplo, foi o apogeu”.

Minor Harada ao lado de Carlos Lacerda


122 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Nos anos 60, a cidade de Mogi das Cruzes atravessava um período de grande intensidade cultural e política. Assim como no Brasil (bossa nova, cinema novo, nova capital, Centro Popular de Cultura etc.), existiam grupos estudantis que fervilhavam novas idéias no teatro, nas artes plásticas, nos concursos de fanfarra, na arte musical. Estas turmas estavam localizadas em dois colégios: o Liceu Brás Cubas e o Dr. Washington Luis. Como era comum, o debate não se resumia apenas ao campo artístico, mas principalmente ao político. No grêmio Ubaldo Pereira, destacavam-se dois rapazes, Toshio Kawamura e Kunio Suzuki, que mais tarde sofreram as arbitrariedades cometidas pela ditadura militar: presos e exilados políticos. Os dois relataram as suas idéias e o tempo durante o período que vivenciaram as suas trajetórias políticas. Afirmou Toshio Kawamura:


Capítulo VII | A inserção na sociedade mogiana | 123

“Até hoje fico levantando as hipóteses do por

boa faculdade . Fui, então, aprovado na USP, na

quê da minha trajetória política. Algumas razões

faculdade de Direito. Lá convivi com o Hélio Na-

já desvendei. Meu pai, por exemplo, já gostava do

varro, Luis Travassos etc. Conclusão: comecei a

teatro japonês. Isto me influenciou pelo lado cul-

participar do movimento estudantil de maneira

tural. Também tive professores que foram mestres

bem atuante. Fui, por exemplo, um dos dirigentes

importantes em Mogi das Cruzes, como o prof.

da UEE (União Estadual dos Estudantes) e parti-

Sebastião Witter, e pelo lado musical, o prof. Ni-

cipei de inúmeras passeatas. Mais tarde, ajudei a

quinho. Convivi também com pessoas muito ri-

formar a Polop (Política Operária) e lutei contra a

cas do ponto de vista participativo: Sérgio Correa,

ditadura militar. Mas com a minha prisão percebi

Milton Feliciano, Benetazzo, Kunio Suzuki, José

que corria perigo de vida e aproveitei a minha li-

Cardoso Pereira e outros. Formávamos uma tur-

berdade condicional para percorrer um caminho

ma que debatia tudo. Mas hoje, analisando, per-

comum à esquerda: fui para o Chile. Lá quis co-

cebo o seguinte: queria na verdade me integrar à

nhecer o processo político chileno. Cursei com isto

sociedade brasileira. Assim, esforcei-me em tirar

a Universidade do Chile e foi uma época excepcio-

boas notas, as melhores redações, falar bem, so-

nal de aprendizado. Fui a fundo estudar o direito

bressair-me no xadrez, ser bom aluno. Tive aulas

penal, a sociologia do direito etc. Fiquei no Chile

em escola japonesa, mas queria participar de ou-

até o golpe do general Pinochet. Estive no refúgio

tra forma. Aprendi beisebol, mas fui jogar futebol.

da ONU com perseguidos de toda a América La-

Neste sentido maior de participação e integração,

tina. E mais uma vez vivenciei muitas atividades

fui presidente da fanfarra e sentia-me orgulho-

interessantes. Daí fui para a França e lá convivi

so disto. Ao mesmo tempo, convivia com pessoas

com professores que lutaram na resistência fran-

de esquerda na cidade, como o Dito Sapateiro, o

cesa. Entrei no doutorado em Direito do Traba-

Lima, que era metalúrgico etc. Em 63 e 64, fre-

lho. Tudo isto contribuiu para a minha formação

qüentei diversos cursos em São Paulo que me po-

jurídica. Tornei-me doutor pela Sorbonne. Voltei

litizaram. De outro lado, desejava entrar numa

ao Brasil com a anistia, em 1979.


124 | História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes

Na época, anos 40 e 50, o Brasil iniciou um período de grande modernidade na economia Depois disse Kunio Suzuki: A história do porquê da minha trajetória política não ser tão diferente da do Toshio é que era muito natural na época participar de toda aquela movimentação. Participei de toda essa riqueza também. Em Mogi, fui preso logo depois do golpe porque era muito ligado aos sindicalistas. Depois que sai de Mogi, fui fazer História na USP, participando também do movimento estudantil e novamente preso várias vezes. Em 1968, foi a minha última prisão em São Paulo, feita lá no Crusp. Eu fiquei no Dops e logicamente percebi que o aperto estava maior. Com o AI-5, a coisa pesou! Naquela época, já estava numa dissidência do Partidão. Mas consegui uma bolsa de estudo para Salvador, Bahia. Lá, fui preso outra vez, em 1970, e fiquei detido na Polícia Federal. Mas alguns amigos me aconselharam a ir embora, porque já tinha alguns antecedentes que poderiam piorar a situação para mim. Aí consegui por meio da professora Kátia Matoso outra bolsa de estudo e fui para Paris. Com o passar do tempo, fiquei desiludido com as atividades acadêmicas. Resolvi ajudar a Frelimo, em Moçambique, por meio da minha atuação na Tanzânia. Participei, portanto, da revolução com todo um aprendizado interessante. Depois, com a tomada do poder, fui assessor do Ministro da Educação. Voltei ao Brasil depois da anistia, em 1981.

Quando questionado sobre qual foi a relação das respectivas famílias e da colônia sobre sua trajetória política, Toshio diz:


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Naquele tempo, 1964-1966, todo mundo se conhecia em Mogi, era muito difícil a gente apanhar como aconteceu depois de 1968. Mesmo eu, quando fui preso, recebi ajuda de um colega nosso que era técnico-escrivão da polícia. Ajudou a quebrar a minha incomunicabilidade. Mais tarde, quando fui preso, a minha família disse-me: “Toshio não fique tão alvoroçado, porque você não é o primeiro a ser preso na família”. Havia um parente que era vitorista e andava pelo interior fazendo trabalho político. Também ele foi preso. Portanto, não fui o primeiro, já tinha um antecedente. Hoje, na minha família, não consigo conversar sobre isto. Dizem: “Toshio, chega... a conversa já foi”. Existem, portanto, traumas anteriores. Do pessoal de Mogi, correu muitas lendas sobre a minha pessoa, preconceitos. Alguns falaram que eu tinha desaparecido. Quando voltei diziam: “Está vivo ainda?” Fizeram uma bela festa para mim no Comercial no retorno e recebi também solidariedade do Rui Alvim, que não concorreu comigo para a vaga de professor da PUC, quando poderia ter feito isto. Este foi o meu primeiro emprego quando voltei.

Kunio Suzuki respondeu: Eu não me transformei em ovelha negra da colônia. Não tive nenhuma informação neste sentido. Em 1964, quando fui preso, isto não causou maior impacto. As pessoas viam que era um problema político e não coisa de marginais. Acredito que esta impressão ficou até depois.

Junji Abe começou a sua carreira política como vereador, de 1972 a 1976. Recebeu a maior votação conhecida na colônia, ou seja, 3.876 votos. Isso porque conseguiu unir “a velha guarda”, representada pelos votos dos mais velhos, anteriormente dados a Joaquim Yoshizaki (que pouco sabia falar o português), e a “jovem guarda”, de novos eleitores que apoiavam Minor Harada. Assim, com inúmeros


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votos, conseguiu o suporte necessário para pressionar o governo do Estado para solucionar um problema entre os seus pares: as comunicações. Naquela época, o Daee (Departamento de Água e Energia Elétrica) criou uma diretoria para disseminar a telefonia na zona rural. E, como projeto piloto, foi escolhida a zona rural de Mogi das Cruzes pelo fato de possuir uma união política entre seus membros nas cooperativas. Foi por meio do jovem vereador que se fez a ponte necessária entre os diversos espaços políticos para a instalação de 1.200 terminais telefônicos para os agricultores da região. Vivia-se o apogeu do desenvolvimento econômico da colônia. Logo depois, os vereadores eleitos foram: Sethiro Namie, Roberto Sako, Sansho Ueno, Tadao Sakai. E, recentemente, Olimpio Tomiyama, Rinaldo Sadao Sakai e Pedro Komura. Agora, o primeiro prefeito de descendência japonesa, Junji Abe (2000-2008) representa, pouco a pouco, não somente a caminhada política dos próprios japoneses, mas também a consolidação do poder vindo do campo. Ao contrário de outras cidades vizinhas, o peso político da pequena propriedade rural em Mogi das Cruzes foi e é muito forte. Durante as décadas de 70 e 80 consolidou-se o chamado “cinturão verde”, zona produtora que abastecia São Paulo em quase 80% do comércio varejista de frutas, legumes e verduras. Em 1970, a cidade possuía 300 granjas, exportando ovos para vários países da Europa e da Ásia. Esta rápida ascensão social e política nos meios urbanos da cidade ocasionou também outras implicações, além das econômicas: a diferenciação social dentro do próprio grupo dos imigrantes e a visibilidade e a procura de distinção social destas camadas que fortaleciam a classe média local. Desde os anos 60, a própria colônia (termo usado no sentido de defesa e unificação por ocasião das agressões sofridas durante a guerra)


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estava, pouco a pouco, se dividindo em diferentes estratos sociais. Na cidade, os locais de reunião, festas, encontros dos nisseis não eram os mesmos. Havia já desníveis de representação social. Sobre isto falou Minor Harada: “Naquela época, era o Kosmos Clube, que ficava na rua Barão de Jaceguai. A gente não participava, porque lá era bem elite. Sempre teve quem era e não era da elite. Era atletismo e judô que juntavam o pessoal. E tinha o Bunkyo, que era para os velhos. Também tinha a ADMC (Associação Desportiva de Mogi das Cruzes), que sempre tinha aquela divisão de quem ganhou e perdeu. O Kosmos era dos derrotistas (advogados, dentistas, médicos), a ADMC era dos vitoristas.”

A notoriedade social dos imigrantes, a partir dos anos 70 e 80, foi evidenciada por meio do colunista social Mutsuo Yoshizawa,

no jornal O Diário de Mogi e, mais tarde, no Mogi News. Suas re-

portagens faziam o enobrecimento deste grupo social, procurando

um sentido de distinção, de engalanamento, na utilização de vocábulos estrangeiros, tão ao gosto da época: socialite, hostess, petit comitê etc. Em 19 de junho de 1983, o colunista apontava as mulheres “mais chiques” da colônia, escrevendo: “Absolutamente integradas no circuito das socialites, guardam muitas características de seus ancestrais, mas pensam, agem, se movimentam como brasileiras que são... Acompanharam de perto a luta de seus pais, herança deixada pela fibra de seus avôs, bisavôs, tataravôs, enfim toda uma linhagem que guarda uma tradição de luta constante, de fé inquebrantável. Hoje, elas participam ativamente de diversos setores, ilustrando com suas presenças os acontecimentos de nossa alta roda”.


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A linguagem utilizada por Mutsuo Yoshizawa evidenciava a aceitação, ou melhor, a busca de uma vestimenta ideológica - ancestrais, linhagem, tradição, fé inquebrantável - para distinguir o grupo social, referendado pela “nossa alta roda”, e deixando-a ao gosto da classe média urbana. É nos anos 80 que, no processo de conquistas econômicas dos imigrantes vindos de décadas anteriores, conseguiram, finalmente, a visibilidade social almejada pelos pioneiros, compondo com os grupos dominantes locais os ideais capitalistas: trabalho, propriedade, ascensão social e obediência à ordem vigente. Assim, completava-se, no plano social e político, a inserção dos japoneses em nossa sociedade, conduzida pela segunda fase da imigração (anos 50 a 80) quando, de proprietários alguns - principalmente os que estavam evidenciados nas colunas sociais - estavam se realizando como patrões. A notoriedade da colônia japonesa ganhou uma maior projeção no mesmo ano da comemoração do centenário da imigração. Em maio de 2008 a representante da beleza desta cidade, Karina Eiko Nakahara, foi eleita a Miss Centenário do Brasil. Isto surtiu um efeito de projeção e glorificação de uma nova “celebridade”, termo tão em moda em tempos de globalização. Foi a própria personificação do sucesso deste grupo social e da própria cidade de Mogi das Cruzes. A dúvida maior neste estudo é perguntar se a permeabilidade da sociedade mogiana atingiu a grande maioria dos O colunista social Mutsuo Yoshizawa

japoneses, porque, pela observação cotidiana, o que se evidencia é diferente: existe um grande contingente de operários, pequenos vendedores, camponeses, escriturários, empregados no comércio etc. que é tratado por “pessoas comuns”. Ou melhor,


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Karina Eiko Nakahara, eleita a Miss Centenário


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sem a diferenciação dos valores que recaem nas classes pobres do Brasil. Apenas com um dado específico: são vistos, ainda, como japoneses. Ainda hoje, passados cem anos da vinda dos primeiros imigrantes, não é fácil definir todo o trajeto de inserção na sociedade brasileira feito pelos imigrantes. Analisar essa caminhada é tentar entender como se deu o processo de integração desse grupo social no Brasil, ou melhor, buscar explicações nos movimentos de assimilação ou não que marcaram esse desenrolar histórico. Como compreender um convívio respeitoso entre diferentes visões de mundo, mas também marcado por conflitos que permanecem até hoje? Sobre isto falou Sussumo Koguti, 69 anos: “Eu sofri muito quando criança pelo preconceito. Na escola, ouvíamos gracejos pejorativos de que não gostava. Isto doía muito para mim. Pois bem, passado tanto tempo ainda não entendo como os filhos de italianos, espanhóis, alemães são vistos como brasileiros. Eu não, ainda sou chamado de japonês. Ora, servi ao Exército Brasileiro como todos os outros brasileiros. Vivo neste País. Por que, ainda, sou visto como diferente? Talvez, pelo fenótipo de nosso rosto. Ou será por outros motivos? Não sei... ”

Não é fácil responder a estas questões. Assim, por exemplo, houve realmente uma mistura de etnias, um sincretismo, mestiçagem, fusão de


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culturas? Ou um hibridismo, isto é, um processo de relacionamento social com contradições? E ainda, como foi niponizada a sociedade mogiana? Outra pergunta: será que esses processos variados não levam também a relativizar a noção de identidade cultural? Normalmente, conceituações abstratas tendem a desvincular práticas concretas, do dia-a-dia do viver histórico, criando retratos estereotipados. É errôneo afirmar identidades como se fossem um conjunto de traços fixos, buscando essências étnicas ou de uma nação. Assim, analisando a micro história dos imigrantes mogianos, afirmo a existência de uma heterogeneidade e de uma hibridação cultural. O processo histórico entre imigrantes e brasileiros não foi de fusão, coesão, osmose, e sim de um diálogo confrontante. Às vezes de reciprocidade, outras vezes de coações. Por momentos de igualdades, noutros preconceitos de desigualdades. Reproduziram valorizações, mas também etnocentrismos. Por soma, mas muitas vezes por difíceis contrapontos. Enfim, existiram bons diálogos, mas ainda persistem assimetrias. Não se pode esquecer que os imigrantes sofreram nos cafezais, tratados como escravos, vistos como “perigo amarelo” durante a guerra e, como posteriormente será explicado, confiscados em terras pelo Estado na construção de barragens, desamparados em suas propriedades com juros altos durante os anos 80 e, agora, no problema dos dekasseguis. Assim como também é de se avaliar os conseqüentes feitos nos campos agrícolas, da ciência em plantas e aves, no comércio, na criação de serviços urbanos e na indústria, absorvidos pela sociedade brasileira. Isto será mostrado no próximo capítulo.

O processo histórico entre imigrantes e brasileiros não foi de fusão, coesão, osmose, e sim de um diálogo confrontante



capítulo VIII

O desenvolvimento econômico Durante os anos 50 até meados

dos anos 80, dos chamados “Anos Dourados” até “A dé-

cada perdida”, isto é, da aceleração econômica brasileira até os anos da hiperinflação, o Brasil apresentou no seu Produto Interno Bruto (PIB) taxas de crescimento médio de 5% a 6%, índice bem acima dos países subdesenvolvidos. A forte presença do Estado concentrando os setores de infra-estrutura produtiva - petróleo, energia elétrica, siderurgia, minério, indústrias de transformação etc. - serviu de base ao desenvolvimento das indústrias nacionais e, principalmente, das multinacionais que lucravam no comando dos carros-chefes do modelo econômico: os setores de bens duráveis de consumo.

Fábrica de chá da família Abe


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No começo dos anos 70, na pior fase da ditadura militar (censura aos meios de comunicação, controle do Legislativo, uso da tortura como meio de cerceamento político, proibição das greves operárias, enriquecimento ilícito de inúmeros grupos, que em cidades do interior se apropriaram das verbas públicas etc.), acontecia o chamado “milagre brasileiro”, isto é, o País buscava o endividamento externo para o seu crescimento interno. Da mesma maneira crescia a concentração de renda no País. Os 50% mais pobres, que em 1970 detiveram 14,91% do PNB (Produto Nacional Bruto), ficaram, em 1976, com apenas 11,6%. Os 5% mais ricos aumentaram de 34,86% para 39% a posse de riqueza nacional. As camadas pobres foram as mais prejudicadas, porque tinham de se esforçar mais para obter a cesta básica de alimentação. Para comprá-la em 1970, o tempo

Da mesma maneira crescia a concentração de renda no País. Os 50% mais pobres, que em 1970 detiveram 14,91% do PNB (Produto Nacional Bruto), ficaram, em 1976, com apenas 11,6%

de trabalho necessário era de 105 horas e 13 minutos. Cinco anos depois, fazia-se igual operação com 149 horas e 40 minutos. O custo social do modelo econômico era enorme. Na Grande São Paulo, onde se concentrava 35,6% da renda nacional, cerca de 19% dos empregados ganhavam até um salário mínimo, 54% até dois e 75% até três. Em algumas empresas, as diferenças salariais em relação aos rendimentos mais altos chegavam a ser de 100 para 1. Porém, a crescente desigualdade social estimulada pelo modelo vigente incentivava o desenvolvimento de um mercado de oportunidades voltado ao consumo da classe média. Crédito fácil, juros baixos, prestações mensais para pagamentos de produtos e subsídios governamentais, que eram recursos comerciais e bancários utilizados na aquisição de novidades


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trazidas por bens duráveis, como carros, geladeiras, aparelhos de som, utensílios domésticos, roupas sofisticadas, casa própria, entre outros. Os meios de comunicação desempenhavam papel fundamental na difusão de campanhas publicitárias, apresentando um novo mundo de modas, modelos, marcas e produtos. No campo, os subsídios agrícolas, criados com o governo militar, baseados em juros fáceis, estimulavam o empreendedor rural. O pequeno proprietário mogiano aproveitou-se desse momento de lucratividade aumentando a sua produção hortigranjeira. Isso teve dois efeitos: a curto prazo, ocasionou um surto de explosão produtiva, mas, a longo prazo, uma extraordinária dependência dos agricultores perante o mercado financeiro e conseqüente crise dos pequenos agricultores nos anos 90. O momento do desenvolvimentismo brasileiro, correspondente aos governos de Juscelino Kubitschek até a crise do regime militar, foi de euforia para a colônia japonesa em Mogi das Cruzes. Os imigrantes não só consolidaram-se como proprietários, mas alguns, os mais prósperos, tornaram-se patrões, isto é, formaram organizações bastante ricas no campo, contando com um numeroso grupo de trabalhadores, chamados de “camaradas” pelos seus empregadores. A relação no campo, nesses 30 anos, modernizou-se. Máquinas, novas formas de gestão empresarial, experiências genéticas em plantas e animais, maior controle administrativo, aumento significativo de trabalhadores (muitos eram os caboclos, antigos proprietários de terra), maior facilidade de escoamento dos produtos e ousadia de inovação nos negócios fizeram a fama de diversos grupos na região do Alto Tietê: as famílias Abe, Nagao, Sakai, Shigueno etc.


Um dos líderes da colônia: Tokuji Abe


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Tokuji Abe, 39 anos, chegou ao Brasil em 1929. Estava acompanhado de sua mulher, Makie, 37 anos, e dos filhos Izumi, com 15 anos, e Tioko, com 11 anos. No entanto, não era agricultor. Trabalhava como marinheiro da Companhia Osaka de Navegação e já havia estado no Brasil visitando o interior, na década de 1910. De Santos, eles chegaram direto no bairro de Porteira Preta, recepcionados pela família de Toshio Anan (este foi o primeiro imigrante a introduzir o tomate na região), que era da mesma

província, Oita. Tokuji Abe trabalhou em terra arrendada por seis meses e, com o rápido sucesso na produção de tomate, comprou 4,8 hectares de terra no bairro Vila Moraes. Posteriormente, em 1933, comprou mais 9,6 hectares, tornando-se um produtor de peso entre os pioneiros. Em 1936, a família mudou-se para o bairro de Biritiba Ussu, adquirindo outras terras que estavam em mãos dos chamados caboclos, particularmente de Benedito Rosário. Este, como tantos outros, tornar-se-ia mais tarde um empregado dos pioneiros.

Modernização econômica na agricultura nos anos 50 na cidade de Mogi das Cruzes


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A família Abe era uma das campeãs em produção agrícola no Estado de São Paulo no cultivo de verduras, legumes e tubérculos


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Em 1949, após 20 anos da chegada da família, Tokuji Abe já era considerado na região um grande proprietário, com 363 hectares, passando de sítio para fazenda. Desse instante e até 1980, a família Abe era uma das campeãs em produção agrícola no Estado de São Paulo no cultivo de verduras, legumes e tubérculos. Em 1960, possuía a incrível marca de 847 hectares de terra no cultivo de batata, repolho, tomate, abóbora e batata-doce. Para ele, trabalhavam 60 empregados, chamados por nomes de camaradas, com casa e assistência médica fornecidas pela família Abe. Essa progressão, do arrendatário ao fazendeiro, pode ser explicada não somente pelo baixo custo da terra nesta região, mas principalmente pelas inovações feitas por este pioneiro. Por exemplo, enquanto a maioria comprava sementes (insumo caro) Tokuji e Izumi produziam sementes próprias, como no caso do repolho. É de se destacar também o pioneirismo na irrigação de terras, criada em 1952. Era feita da seguinte maneira: as mulheres remendavam sacos de farinha de trigo, criando uma lona mais forte. Aí eram colocadas as terras úmidas retiradas dos córregos e que serviam de aterro nos locais de plantio. O deslocamento era feito por burros. Daí, do córrego ao plantio, cerca de um quilômetro, vinha um tubo de ferro, emendado em vários canos, que servia para transportar a água numa extensa mangueira de duas polegadas, irrigando a terra. Outra atitude inovadora: o uso de tratores de esteira para o preparo da terra. E o transporte dos produtos até São Paulo e Rio de Janeiro era feito em caminhões próprios, carros Ford, modelo 1929 ou Chevrolet, modelo 1946, sem necessidade de


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pagar o frete para terceiros. Estes veículos já tinham a marca Abe nas cabines e nas carrocerias. Seu espírito empreendedor fez com que construísse, com as próprias mãos e a ajuda dos seus trabalhadores, uma fábrica de chá de exportação e também moradia para os seus empregados. Foi um dos maiores agricultores do Estado de São Paulo, E o transporte dos produtos até São Paulo e Rio de Janeiro era feito em caminhões próprios, carros Ford, modelo 1929, ou Chevrolet, modelo 1946, sem necessidade de pagar o frete para terceiros

apontando para um modelo de desenvolvimento, ao contrário da espoliativa monocultura exportadora, que se baseava no minifúndio e se voltava para o mercado interno. Tokuji Abe foi um dos criadores do chamado “cinturão verde”, referência de desenvolvimento para a cidade de Mogi das Cruzes. Outro realizador foi Fujitaro Nagao. Nasceu no dia 10 de janeiro de 1903 na província de Kagawa-Ken, no Japão. Aos 6


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anos, tornou-se órfão de pai. Em maio de 1919 veio ao Brasil, no navio Sanuki Maru, com seu irmão mais velho, de 25 anos, que tinha sido capitão da Marinha Mercante, e sua mãe, com 58 anos. Primeiramente, instalou-se no Vale do Ribeira, na região de Registro, Estado de São Paulo, onde havia adquirido terras para o plantio de arroz. No entanto, percebendo que o isolamento daquela região seria negativo ao sucesso de sua empreitada, mudou-se para Santos. Empregou-se como zelador numa mansão de um médico, onde cuidava do jardim, fazia faxina, encerava o assoalho etc. e aproveitava para aprender a língua e os costumes locais. Depois, começou a plantar verduras, frutas e a revendê-las nas ruas de Santos. Afirmou Osvaldo Nagao sobre seu pai: “Ele pegava dois cestos, pendurava no cambal e andava vendendo. O interessante é que ele não vendia a nanica e sim a banana-ouro. Por quê? Tinha noção de logística, isto é, valor maior e peso menor. E a noite fazia curso de Língua Portuguesa”.

Casou-se com Fuji Nagao, funcionária do consulado em Santos. Com a ajuda de sua mulher, que também tinha um pendor para o planejamento, começou a se fortalecer. No quinto ano como comerciante, adquiriu uma camionete Ford-1925. Foi o primeiro vendedor ambulante motorizado daquela região. Em 1926, adquiriu 50 alqueires de terra no município de Ubatuba. No entanto, este empreendimento não obteve o sucesso desejado, deixando Fujitaro numa situação econômica difícil. Assim, fracassado, estudou uma melhor maneira de aplicar os seus recursos. Precisava de terras num clima mais ameno, por volta


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de 700 metros de altitude e numa região onde pudesse escoar seus produtos por estrada de ferro para grandes cidades consumidoras. Conclusão: seus cálculos recaíram na cidade de Mogi das Cruzes. Trabalhou inicialmente na fazenda de Shiguezu Yoneda, no bairro de Cocuera, recebendo uma remuneração diária de seis mil réis. Passados quatro meses, vendeu um terreno em Santos e adquiriu quatro alqueires de terra, no fim de 1927, comprados de caboclos da região por um conto e trezentos mil réis, equivalente a 1/200 do salário vigente. Começou a produzir batata, tomate e couve-flor. Mais tarde, pela década de 30, enveredou pela fruticultura com o cultivo da pêra e do caqui. Mas foi o plantio do pêssego, iniciado em 1935, que lhe trouxe os maiores rendimentos, com a produção anual de 25 toneladas. Na época, adquiriu um caUm dos líderes da colônia: Fujitaro Nagao

minhão Chevrolet, ao preço de 11 contos de réis, sendo novamente um dos pioneiros a possuir um automóvel, como


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lavrador. O pêssego era vendido na fábrica de conservas Colombo, que suspendeu a importação do fruto da Argentina, adquirindo a produção de 25 mil quilos da fazenda Nagao. Este sucesso na venda de seus produtos, além de conhecer as flutuações sazonais do comércio, deu-se pelo maior cuidado na coleta, seleção, embalagem e imagem de seus produtos. Selecionava com bastante esmero seus frutos, com o intuito de diferenciá-los dos de outros produtores. Outro fator: introduziu um sistema mecanizado de irrigação com potência de 3 H.P. Aumentou, mais tarde, esta potencialidade para 5 H. P., depois para 12 H. P. e, nos anos 50, tinha um conjunto de 50 H.P., fato inédito na agricultura mogiana. Para isso e para o cuidado com a adubação, contava com a ajuda do engenheiro agrônomo Fukashi Furihata, que era seu vizinho. Fujitaro Nagao foi um dos fundadores da Cooperativa Agrícola Mista de Mogi das Cruzes. Como cooperado, foi durante vários anos consecutivos um dos líderes em movimento de produção e mercadorias de consumo. Em 1940, recebeu a visita e o reconhecimento do secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, Dr. Mariano Wendel, e do governador e interventor Ademar de Barros pelo rendimento do seu trabalho. Mas, com a guerra sofreu bastante. Como tantos outros japoneses, também foi perseguido. Com a intervenção federal na cooperativa, lutou contra os novos gerentes que se aproveitavam da situação para desviar recursos em benefício pessoal. Denunciava os abusos feitos, mesmo depois de sofrerem diversas ameaças de morte. Por isto foi encaminhado ao Dops e preso na cadeia de Mogi das Cruzes por diversas vezes. Com o fim do conflito, lá pelos anos 50, encabeçou um grupo


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de 60 lavradores para a eletrificação de suas localidades. Para isso foi exigido a retificação e o alargamento de estradas, que foram feitos com tratores de sua propriedade, pois a Prefeitura não dispunha de equipamentos que pudessem trabalhar com eficiência na zona rural. Hoje, o caminho aberto recebe o seu nome, estrada do Nagao. Fato inédito nessa época, 1952, foi também a construção de um maquinário próprio de pulverização das terras, feito de maneira adaptada na própria fazenda com o estudo de revistas e catálogos recebidos dos Estados Unidos. Era um equipamento novo no País, que permitia pulverizar 12 carreiras de batatinha de uma só vez. Somente dez anos depois este sistema foi difundido na agricultura brasileira. Em 1955, Nagao foi diretor-presidente da cooperativa por três anos seguidos, conseguindo reagrupar os produtores que estiveram desarticulados no tempo da intervenção, o que resultou num aumento de quase 100% no movimento geral da sociedade. Com isso, estabilizou suas finanças, permitindo melhor atendimento aos pedidos de adiantamentos por parte dos cooperados menos favorecidos. Depois, no bairro Rio Acima, adquiriu seis alqueires de terra com o objetivo de criar um centro de experimentação agronômica com convênio com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, sob a direção do engenheiro agrônomo Iroshi Ikuta. Mas o nome Nagao se tornou mais famoso com a criação de aves. Em 1939 Fujitaro iniciou a criação de mil pintinhos adquiridos da granja Sakai. Em 1950, ou seja, uma década depois, seu plantel já atingia 25 mil cabeças. No final dessa

Fujitaro Nagao Foi um dos fundadores da Cooperativa Agrícola Mista de Mogi das Cruzes. Como cooperado, foi durante vários anos consecutivos um dos líderes em movimento em produção e mercadorias


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Família Nagao

A família Nagao tinha uma produção diária superior a 10 mil pintos selecionados, chegando a empregar nesta tarefa por volta de 500 funcionários


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década, adquiriu uma incubadora com capacidade para 32 mil ovos a cada 21 dias. Nos anos 60, esta capacidade subiu para 480 mil ovos, com uma produção diária superior a 10 mil pintos selecionados, chegando a empregar nesta tarefa por volta de 500 funcionários. Ao mesmo tempo, aprimorou a seleção de aves por meio de um rigoroso trabalho de melhoramento genético, formando matrizes comerciais de linhagem nacional, criando, assim, maior independência do País. Um dos seus filhos tinha feito um curso de avicultura nos Estados Unidos. Isto começou a incomodar multinacionais norte-americanas, que estavam tendo dificuldade em abastecer o mercado brasileiro. Afirmou Osvaldo Nagao: “Você tem uma marca tupiniquin, mas vem um americano e quer dominar o mercado. Então, sofremos uma pressão. A primeira condição desta multinacional foi esta: se nós quiséssemos representar seus produtos, teríamos de sumir com o nosso trabalho de pesquisa... Assim não deu pra agüentar”.

No final do século XX, com a hiperinflação e com o aumento do custeio dos insumos, interferência de multinacionais para a quebra de experiências genéticas feitas no Brasil, houve a falência da granja Nagao em Mogi das Cruzes. A família, com isso, deslocou seus negócios para outras frentes como do comércio de carros e a produção de frutos em Goiás. Outra liderança importante para os pioneiros imigrantes veio da contribuição de Yoshinobu Sagawa, que chegou ao Brasil em 1923. No Japão, cursou o secundário de Agronomia.


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Sabia falar várias línguas, como o francês e o espanhol. Veio com a finalidade de criar bicho-da-seda. Em nosso País, foi para Santa Cruz do Rio Pardo, região da Sorocabana. Porém, lá sofreu com a maleita e, mais tarde, desistiu de se estabelecer ali. Aconselhado pelo médico Sentaro Takaoka, veio para Mogi das Cruzes em 1926. Aqui encontrou terras que eram loteadas por Toyozo Ono (este também introduziu técnicas de sericultura, preparando os casulos), mas, não tendo recursos para adquiri-las, começou a trabalhar como empregado para o senhor Suzuki, possivelmente Kikutaro Suzuki, um dos fundadores da colônia. Com o dinheiro ganho no cultivo da batata, comprou um lote de terras em Cocuera. Percebendo que este produto não dava estabilidade econômica na desigual procura do mercado, diversificou sua produção para a fruticultura: pêssego, uva, laranja e caqui jiro (duro) e o aizu mishirazu (mole). Aos poucos, inovou, com alguns outros agricultores, sua plantação, introduzindo a técnica de rebaixar os galhos das árvores e de ensacar as frutas. Pelo prestígio com seus amigos, também foi um dos fundadores da Cooperativa Mista de Mogi das Cruzes, fazendo parte de sua diretoria. Com a guerra e a perseguição sofrida pelos japoneses, protestou contra a intervenção federal feita nessa associação. Foi preso e condenado, passando, como perseguido político, dois dolorosos anos na Ilha Anchieta. Voltando para Mogi das Cruzes, não desistiu de sua lavoura, preocupou-se em se integrar cada vez mais à sociedade brasileira. Por isso, foi um dos primeiros, na década

Yoshinobu Sagawa


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de 1950, a incentivar seus filhos a terem o diploma universitário. Afirmou Gabriel Sagawa, seu filho: “A minha família era budista. Mas meu pai, quando aqui chegou, começou a preparar-nos para o catolicismo. É por isso que ele botou o meu nome de Gabriel, minha irmã Angélica...”.

Foi dos anos 50 em diante que a vida de Yoshinobu Sagawa progrediu. Com o dinheiro ganho, incentivou seus filhos a cursarem escolas de bom nível de ensino em outras cidades. Seu filho Gabriel, o mais velho da família, tirou o diploma de médico, em 1957, pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Com Hiroshi Ikuta, que seguiu a Agronomia e Kaoru Kuwajima, que escolheu a Farmácia, foi o primeiro universitário japonês da região. A família Ikuta veio ao Brasil em 1924 e, como a maioria dos imigrantes, foi, em primeiro lugar, para o oeste paulista. Veio depois para Mogi das Cruzes, pela facilidade de terras baratas. Vinte alqueires foram adquiridos, parcelados em três anos, por dez contos de réis e logo foram voltados para a plantação do tomate. Hiroshi Ikuta nasceu nesta cidade em 1929. Na infância, cursou a Escola Mista do bairro de Porteira Preta, tendo como professora dona Helena. Depois, freqüentou a escola Coronel Almeida, que tinha como diretor Adolfo Cardoso. Foi um dos primeiros nisseis a ir para São Paulo, estudando no Colégio Anglo Latino. Graduou-se em 1954 pela Faculdade de Agronomia Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, sendo, posteriormente, um de seus livres-docentes no departamento de genética.


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Foi um dos alunos do professor Adolfo Gustavo Briguer, judeu que veio ao Brasil na época da perseguição dos nazistas na Europa. Este era discípulo do biólogo George Mendel. Em Piracicaba, aquele cientista transmitiu aos seus alunos as técnicas do desenvolvimento genético, revolucionárias para a época. Em 1960, Hiroshi foi responsável pela montagem, no bairro Rio Acima, em Mogi das Cruzes, da Estação Experimental do Melhoramento de Hortaliças. Este centro de experiências genéticas resultou no lançamento de variedades de berinjela, repolho, alface, pepino, cenoura, pimentão, entre outras espécies que revolucionaram o cultivo de hortaliças de todo o País. Incentivado por diversas cooperativas de lavradores, fez melhoramentos em sementes híbridas que permitiam aumento de produção, como no caso da berinjela, de 400 sacas para duas mil sacas por hectare, além do aumento no tamanho do produto. Mas foi com a couve-flor que seu talento teve maior dinamismo. Ele disse:


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Hiroshi Ikuta e suas experiências genéticas na agricultura

“Esta é uma longa história porque eu trabalhei 35 anos com a couveflor... Em Teresópolis, Rio de Janeiro, tinha uma couve-flor de qualidade muito grande, era enorme... Só que só dava durante o inverno. Se pudesse produzir couve-flor de qualidade no verão, revolucionaria a agricultura. Daí o meu professor Marcílio Dias disse que, na Índia, o inverno era mais quente que o nosso verão, devido à situação geográfica. E aí trouxemos diversas variedades da Índia. Cruzamos com o fruto local e produzimos a couve-flor Piracicaba número um. Pois bem, um dos problemas: quando comparada com a de Teresópolis, ainda perdia em produtividade. Então, meu trabalho foi o seguinte: cruzar esse material com o de Teresópolis até ter uma couve-flor de qualidade durante o ano inteiro. Pior que o ano inteiro é barato (risos)...”.

A Estação Experimental teve suas atividades encerradas em 1990, que coincidiu com a aposentadoria do professor Ikuta. Hoje, ele se dedica às pesquisas com xaxim, vegetal praticamente extinto na mata atlântica e de fundamental importância para conservação do solo e manutenção das águas subterrâneas.


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Outro grupo que contribuiu para o País e para Mogi das Cruzes foi a família Ota, que chegou ao Brasil em 1935. Kokishi veio do Japão como técnico agrícola, pois tinha cursado a Escola Agrotécnica de Miyasaki e trouxe sua esposa Kayo. Em Mogi, trabalharam no sítio dos Nagao na produção de uva e pêssego. Depois de algumas poupanças adquiriram, em 1938, a sua própria terra no bairro de Caputera. Ichiro, ou Paulo Ota, nasceu em abril de 1940 e desde cedo trabalhou com seu pai que, muitas vezes, ficava doente. Casouse com Elisa Honda Ota, filha de Yoshio Honda (este também foi um dos líderes da colônia) e da senhora Tiyo Honda. Em 1958, por problemas de esgotamento do solo, Kokishi e Paulo mudaram a direção agrícola da família. Saíram da produção dos tubérculos e foram para a fruticultura. Assim, começaram os tempos de prosperidade. Afirmou Paulo Ota: “Nós trabalhamos sempre juntos. E, depois de 1958, a nossa terra começou a enfraquecer, a ficar mais pobre de matéria orgânica. A gente não tinha condições de colocar muito esterco na terra. Meu pai já tinha o sonho da fruticultura. Em 1958, começamos com a fruta. E foi assim: a família de Rodolfo Jungers, espanhol, já fazia a plantação do caqui. Brasileiro gosta do caqui mole. Aí, meu pai achou que tinha mercado para o futuro; começou a plantar mil pés pra frente. O consumo estava aumentando. Também no tempo da ditadura militar teve subsídios. Isto nos ajudou muito. E meu pai também gostava de sondar as coisas. Não era bem pesquisa, mas espiar as coisas”.

Paulo com 15 anos já cursava o Clube Agrícola 4H do Brasil, com a participação também do professor Iroshi Ykuta.


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Também contava com a colaboração de dois grandes técnicos: Kaoru Hiramatsu, da Cooperativa Sul Brasil, e Edson Consolmagno, da Casa da Lavoura, especialista em organização empresarial. Com isso, entrou em contato com o Instituto Biológico em São Paulo e com o Instituto Agronômico de Campinas. Paulo reafirmou que foi por meio do dr. Edson Consolmagno que começou a fazer ensaios de adubação, classificando os tipos de raízes. Questionado por este autor sobre qual foi a sua inovação e a de seu pai, Ota respondeu: “O pé de caqui que nós conhecíamos era muito alto. Era difícil trabalhar, inclusive na colheita. E meu pai já sabia que por meio da poda conseguia-se fazer um trabalho diferente... e também que quando o pé de caqui cresce naturalmente, a fruta não é boa, porque só um lado toma mais sol... Meu pai queria que a árvore inteira tomasse bem o sol para ter uma fruta sempre uniforme e, então, começou a pesquisar. Nós fizemos um tipo de poda da altura de uma pessoa. E a outra era exatamente para criar galhos bastante pequenos que pudessem frutificar em todos os galhos... A produção aumentou rápido com uma fruta mais graúda.”

Paulo Ota reafirmou que foi por meio do dr. Edson Consolmagno que começou a fazer ensaios de adubação, classificando os tipos de raízes

Edson Consolmagno


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Ainda concluiu: “A gente tem de formar o galho da base, tem de puxar para um lado, puxar para outro. Tem de sustentar para não quebrar. Então, até o galho ter uma resistência, você não pode deixar carregar de fruta. Neste caso, levamos sete anos. Mas, depois que você começa a produzir, aí recupera aquele tempo atrasado”.

A família Ota, no começo dos anos 80, por esta novidade acima descrita, foi premiada pelo Incra pela maior produção no Brasil, isto é, o correspondente a 30 quilos por metro quadrado. Paulo Ota, desde aqueles tempos tem sido participante das questões sociais, principalmente as ligadas à criança e ao adolescente na cidade de Mogi das Cruzes. Sendo um dos primeiros nipônicos que aderiram ao catolicismo, disse: “O Evangelho deu um horizonte para mim. De uma época para cá, eu me dediquei ao trabalho social, porque ganhar dinheiro eu já aprendi. E ganhar dinheiro não era o meu gosto. Na verdade, a pobreza sempre me incomodou. Lembro-me que na época que fui para a escola primária

A fase mais próspera da colônia japonesa foi dos anos 50 até a metade dos anos 80

não tinha sapato. O diretor pedia, a professora falava... vocês têm de vir de sapato. E eu não tinha sapato. Aí eu sentava atrás e escondia o pezinho... a vida foi assim... Quando comecei a ganhar dinheiro, percebi que ficar com muito dinheiro dá dor de cabeça, né... Assim, comecei a descobrir que muitas pessoas não cresciam porque não tinham oportunidade. Primeiro pela cultura e também pela educação. Então, quis participar para poder dar apoio, porque no Evangelho comecei a aprender que nós somos missionários para reorganizar o nosso reino”


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Paulo Ota recebeu muita influência da Teologia da Libertação e, por isso, possui um pensamento bastante agudo sobre os problemas do País. Continua, atualmente, como pequeno agricultor no mesmo ramo da fruticultura, o caqui. Não se pode esquecer também a presença de Hatiro Nishie, um dos pioneiros da imigração japonesa. Chegou em 1913 no terceiro navio dos imigrantes, o Wakassa Maru. Em 1920, foi o segundo colonizador a se instalar e o primeiro japonês a comprar terras no bairro de Porteira Preta. Também proveniente da província de Yokohama, como Nishie, Kenji Neguishi chegou ao mesmo bairro em 1926. Mais tarde, casou-se com a filha de Nishie, Kyoko. Sobre isso disse Kenzo Neguishi, filho do casal: “No começo meu avô foi para a fruticultura. Depois, para a horticultura. Mas o que deu certo depois da guerra foi a avicultura... Porém, eu percebi em 1958, depois de conversar com um amigo que veio do Japão no pós-guerra, que poderíamos lidar com champignon. Comecei a produzir, mas no começo foi difícil, ninguém conhecia. O cultivo em Mogi favorece: o clima é muito bom, pois há umidade por causa da serra. Por isso, o custo é mais baixo. Então, fui o primeiro a começar como o negócio. Quem no começo me acompanhou foi o doutor Júlio de Franco Amaral”..

Mogi, atualmente, responde por 70% da consumo nacional de cogumelos. A família Neguishi é uma das principais produtoras do País, mas também atua na área de comercialização e industrialização do produto. Abastece São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Paraná etc. com um volume de 150 toneladas por ano.

Paulo (Ichiro) Ota


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Fernando Neguishi comentou: “Dificuldades também existem. A importação vinda da China tem preço mais baixo e nisso há uma concorrência desleal. Existe o dumping, isto é, eles põem o preço abaixo do mercado e entram também ilegalmente em nosso País.”

Outro líder da comunidade japonesa foi Ichiro Konno, casado com a senhora Natsu Konno, e pai de Taro Konno, nascido no interior de São Paulo em 27 de junho de 1913. Radicaram-se no bairro de Cocuera em junho de 1922 e são um dos pais fundadores da colônia. Tão logo chegou com nove anos em Mogi das Cruzes, Taro matriculou-se no Grupo Escolar Coronel Almeida, sendo, portanto o primeiro nissei a ingressar numa escola urbana, deslocando-se a pé, ida e volta, mais de 20 quilômetros até a cidade. Afirmou Taro Konno: “Era tudo muito difícil, mas tínhamos de nos esforçar para conseguir algo na vida. Como morava no sítio em Cocuera, andava doze quilômetros todos os dias para chegar à escola em Mogi... Como nunca gostei de me atrasar, chegava lá às 7h30 e, apesar do cansaço, nunca perdi a hora. Na estrada, esperávamos a passagem de algum carreiro de boi para que pudéssemos acompanhá-lo, sentindo-nos dessa forma mais seguros, porque, naquele tempo, era muito matagal e víamos jaguatiricas cruzando a estrada a todo o momento. Consegui o diploma do primário somente aos 14 anos, quando conclui a quarta série, porque tinha começado a estudar com nove anos”.


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Família Konno: da esquerda para a direita: Yutaka, Taro, Tadashi e Nabor


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Um dos líderes: Taro Konno. É um dos pais fundadores da colônia


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Taro Konno aumentou a sua credibilidade junto à colônia, elegendo-se o primeiro vereador de Mogi das Cruzes

Mais tarde, não podendo continuar seus estudos e ir para São Paulo - ainda não existia em Mogi escola de nível secundário - seus pais optaram por sua continuidade no trabalho agrícola. A família era grande: Iku Konno, a mais velha dos irmãos, e depois Taro, Tomika, Iroshi, Tomessake, Paulo, Ernesto e Esaúro. Taro assistiu à criação das primeiras associações de bairro, com o seu pai Ichiro, feitas em suas próprias terras, como também esteve presente na fundação da Cooperativa Mista de Mogi das Cruzes. Em torno de sua casa, ajudou a produzir, como os outros pais fundadores, o modelo típico do desenvolvimento rural do município, ou seja, a policultura (batatinha em primeiro lugar e depois tomate, repolho, couve-flor etc.) e também a avicultura. Mais tarde, pelos anos 60, Taro foi um dos maiores produtores de orquídeas do Brasil. No período da Segunda Guerra Mundial, a família Konno abrigou temporariamente uma escola japonesa, chamada de Nihon-Gakko, de ensino da cultura oriental em suas terras. O professor era o senhor Kuwabara. Depois, ela foi instalada nas dependências de propriedade do senhor Hidenari Okada, com o professor Takarashi, ainda mais tarde, com a professora Kawamamura em propriedade do senhor Yoshinobu Sagawa. Hoje, a família Konno preserva o acervo bibliográfico usado naquele período. No entanto, como escrevi anteriormente, também Ichiro e


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Taro forneciam notícias da vitória dos aliados. Taro tinha um irmão, Tomessake Konno, que lutava na Força Expedicionária Brasileira. Assim, a família Konno repassava os fatos conhecidos à comunidade. Isso gerava muitas desavenças, pois muitos não acreditavam nas informações. Foi, inclusive, expulso da Associação Agrícola de Cocuera. Inconformados com as incompreensões, Ichiro e Taro, tendo a verdade do seu lado, destruíram a sede da associação, que ficava em suas próprias terras, em protesto contra as calúnias das quais eram vítimas. Mais tarde, alguns dos seus próprios parentes vieram lhes pedir perdão pelas inverdades ditas. De qualquer maneira, passado o período de disputas entre vitoristas e derrotistas, Taro Konno aumentou a sua credibilidade perante a colônia, elegendo-se o primeiro vereador de Mogi das Cruzes. Seus filhos, pela década de 1950, formaram a primeira leva dos descendentes que, pouco a pouco, ingressando nas escolas urbanas, integraram-se à sociedade brasileira: Nabor, que trabalhou no Japão, Roberto, como engenheiro e economista, Tadashi, arquiteto, Motomu, que é médico, Marina, professora, e Yutaka, que atualmente administra o sítio em Cocuera. É neste local que praticamente foi fundada a colônia dos imigrantes em Mogi das Cruzes. Importantíssimo é destacar que a maioria desses depoimentos aponta para uma característica fundamental do desenvolvimento agrícola: o trabalho dos chamados “camaradas”. Eram uma espécie de fâmulos, isto é, empregados que tinham estreita ligação com a família japonesa, pois dormiam, faziam refeições, participavam das festas e dormiam nas construções feitas nos sítios dos produtores. Junji Abe afirmou sobre isso:


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“Foi o meu avô, com suas próprias mãos, que construiu a moradia para estes caboclos. Eram nossos camaradas mesmo. Eles participavam das nossas festas. Foram muito importantes”.

Mais tarde, com o desenvolvimento urbano industrial e a criação do Estatuto da Terra, nos anos 60, surgiram muitos conflitos trabalhistas que levaram à desintegração da relação entre os proprietários e seus servidores. É de supor que o próprio desenvolvimento capitalista, com suas intrínsecas contradições entre capital e trabalho, tenha levado, principalmente a partir dos anos 80, ao desmanche daquele relacionamento social. O desenvolvimento feito pelos imigrantes japoneses em Mogi das Cruzes, a partir dos anos 50, não se deu apenas no setor agrícola ou no espaço da avicultura, atingiu também o urbano, principalmente nos serviços, comércio e indústria. Boa parte dos depoimentos aponta para o surgimento de diversos locais: o Hospital Ipiranga (Nobolo Mori), em 1962; a primeira farmácia japonesa; a Yamada; Drogajima (Kaoru Kuwajima), de 1960; farmácia Umeoka; Pensão Dohi; Bazar Urupema (Julia Umeta), em 1953; Maeda Mercearia; loja de calçados Kimura; barbeiro Nagano; Kosmos Clube (Luiz A. Mori, Kotaru Watanabe e Augusto Tomimatsu), que era um dos pontos de encontro da colônia; Imobiliária Kyokawa; alfaiataria Martins e Segawa; Bombolinha, de doces e salgados (família Yamato); o famoso restaurante Bife Esquisito; a cabeleireira Toshie; Cotac Automóveis (Oswaldo Nagao), de 1968; relojoaria Rubi; BBC de moda masculina e feminina (família Yoshizawa); Bazar Paratodos de brinquedos; Academia Oyama


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de lutas marciais; Bicicletaria Nakajima; Loja Universal de roupas etc. No setor industrial: a Howa do Brasil, em 1956, e a NGK, desde 1959. O primeiro comércio urbano, de acordo com o depoimento de Ernesto Konno, foi Yoshizaki Armazéns, fundado no pós-guerra. Outro personagem de importância, no campo da medicina, para a cidade de Mogi das Cruzes é o cirurgião Nobolo Mori. Veio na década de 1940 da cidade de Birigüi, interior do Estado de São Paulo, com a sua família. Seus pais, ao contrário de outros imigrantes, já tinham posses pelo sucesso da plantação de café naquela região. Foi no bairro de Botujuru que a família Mori chegou para investir na plantação de tomate, repolho e caqui. Mas foi o desenvolvimento da avicultura que propiciou o impulso material para que o jovem saísse de sua localidade e fosse estudar na Universidade no Brasil, que ficava no Rio de Janeiro. Afirmou Nobolo Mori: “Naquela época, isso não era comum. Talvez os dois primeiros que se aventuraram neste caminho saídos da colônia fosse eu e o Gabriel Sagawa como médicos. Tinha de estudar muito”.

Voltando para a cidade, foi diretor-clínico da Santa Casa de Misericórdia e trabalhou 20 anos na Mineração

Nobolo Mori, um dos líderes da colônia


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do Brasil. Boa parte da sua clientela era da colônia e, como o trabalho estava aumentando, teve a idéia, com oito sócios, de fundar o Hospital Ipiranga. Ele contou como foi: “Na construção não tivemos muitos problemas. Eu já tinha aprendido bastante porque acompanhei, com o provedor da Santa Casa as reformas que eram necessárias ali. Com esta experiência, não foi difícil montar o novo hospital. Mais tarde, com os investimentos feitos em primeiro lugar no aparelho de raio X, tinha de tomar um certo cuidado. Mas como a minha clientela vinha da colônia japonesa, tive segurança. Contei também com o apoio dos empregados da Mineração Geral do Brasil que vinham para cá, e fábricas japonesas como a Howa e a NGK, que faziam isso também. Os primeiros tempos foram difíceis, mas depois não”.

Assim sendo, foi com o suporte dos imigrantes e dos seus filhos que nasceu o Hospital Ipiranga. Aprofundando nos seus conhecimentos de saúde, o cirurgião enveredou para o estudo da ética e da moral. Com isso, foi para o Japão na busca de uma filosofia oriental que lhe desse orientações mais precisas sobre a relação entre medicina e espiritualidade. Fundou, então, o Instituto de Moralogia, centro de estudos de saúde física e mental, onde já passaram milhares de pessoas no aprendizado da harmonia e do equilíbrio. Sobre o Instituto respondeu: “A moralogia é uma ciência que ensina a prática do bem e evita o mal. Nela se aprende os ensinamentos de grandes sábios: Sócrates, Platão, Jesus, mestres orientais etc. Somos um centro dos inúmeros de Moralogia existentes em todo o mundo. Recentemente, recebemos professores que chegaram para proferir proveitosas palestras”.


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A figura de Nobolo Mori é tão querida na região de Mogi das Cruzes na assistência de milhares de pessoas, com suas cinco décadas de atendimento médico, que o seu rosto serviu de molde para a confecção da escultura da estátua masculina que se encontra na praça dos Imigrantes. O rosto de um na representação de todos. É de se evidenciar que uma das pessoas-chaves do relacionamento social entre os imigrantes que se localizavam no campo e os seus novos interesses econômicos acontecidos na cidade foi Yoshio Honda. Quase todos os depoimentos lembram-se dele como um “facilitador” dos negócios, isto é, era o contabilista que melhor destrinchava as complicações legais e administrativas. Era reconhecido com um grande líder urbano. Isto foi confirmado por Kenzo Neguishi: “Yoshio Honda foi uma pessoa muito importante para a sociedade, porque ele destrinchava a parte burocrática, negócio de leis. Ele nos ajudou muito em termos de documentação. Era entendido em matéria de despachante”.

Outra figura de destaque na colônia foi Kojun Amano, o primeiro sacerdote budista da ramificação Jodo Shinshu a chegar em Mogi das Cruzes e também no Brasil. Veio para a cidade em 1951, com o seu filho Joel. A comunidade japonesa o recebeu muito bem. Porém, foi no ano seguinte, 1952, que a colônia ficou entusiasmada com a chegada do maior religioso hierárquico dessa religião, o sacerdote Otani. Ele veio abençoar o templo que ficava na rua Senador Dantas, número 86. A importância desse visitante era enorme, pois, além de ser o chefe supremo da religião budista, ele era casado com a irmã da ex-imperatriz japonesa.


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Um dos líderes da colônia, Yoshio Honda


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Primeiro Monge Budista em Mogi das Cruzes, Kojun Amano


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Sobre isso, seu filho Joel Amano afirmou: “Descendo de uma família de religiosos. Meu pai seguiu esta tradição. Aqui em Mogi, foi o primeiro sacerdote budista. Naquele tempo, isso era muito importante para a colônia. Ele, além de ficar atendendo as pessoas no templo, visitava todas as casas que pediam sua ajuda domiciliar. O templo não era muito concorrido por ocasião dos casamentos; isso era raro. As inúmeras pessoas preferiam a Igreja Católica e seu maior espaço para receber os convidados. Porém, nos enterros, a cerimônia era tipicamente budista.”

O missionário budista foi um elemento de congregação de toda a comunidade. Serviu para alinhavar os cerimoniais que estavam dispersos por todos os bairros. Aos mais velhos, pouco afeitos aos modos de vida no Brasil, a figura do monge Otani foi essencial. Um dos aspectos importantes a ressaltar neste estudo é o seguinte: com a urbanização cada vez maior dos imigrantes foi, pouco a pouco, diluindo-se o caráter unificado da colônia, isto é, começaram a surgir grupos diferenciados dentro deste universo social. Despontaram, por exemplo, locais distintos de encontros. Como já foi colocado, havia o Kosmos Clube para um grupo e a ADMC (Associação Desportiva de Mogi das Cruzes) para outro estrato social. Essas dessemelhanças sociais teriam de merecer um maior aprofundamento, um outro foco de estudo para comprovar ou não essas opiniões tão contrastantes. Gabriel Sagawa, como também Minor Harada, quando perguntado se conhecia alguma família que imigrou e fracassou respondeu: “Tem bastante. Tem muita gente que eu nem lembro mais. Muita gente. Aqueles que tiveram sucesso foram poucos”.


Cerimônia religiosa em homenagem ao líder máximo do budismo em Mogi das Cruzes

Ao contrário, Paulo Ota e Tadashi Konno responderam que desconheciam fracassos nos locais em que viviam. Paulo ou Ichiro Ota disse: “Não creio ter havido fracasso de ninguém. Todos se deram bem”.

De qualquer maneira, para alguns ou para muitos, o período áureo do ganho desses imigrantes foi o final dos anos 60 até a metade dos 80, quando havia a hiperinflação. Durante a década de 1970, a cooperação nipo-brasileira foi chamada de “os anos dourados” do relacionamento. O Japão era o segundo maior parceiro comercial do País. Ainda nos anos 80, entre os dez maiores bancos do mundo, seis eram japoneses. Nesses 20 anos, com excesso de liquidez, o governo nipônico criou o Fundo de Reciclagem para financiamento em países em desenvolvimento no montante de U$ 30 bilhões. Principalmente durante o governo Geisel (1974-1979),


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estreitaram-se as relações comerciais entre os dois países. Sobre isso afirmou Koji Nishida, secretário da Câmara de Comércio Brasil-Japão, fundada em 1951: “Os grupos japoneses que chegaram por volta de 1970 vieram menos por causa do mercado brasileiro do que por razões próprias do Japão, ou seja, a necessidade de investir no exterior por causa do superávit de caixa”.

Neste intercâmbio de comércio destacou-se a criação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). No segundo semestre de 1975, veio ao Brasil uma missão oficial japonesa com o objetivo de estabelecer as linhas básicas de cooperação à pesquisa agropecuária no cerrado do Brasil. Isso comportava o envio de pesquisadores japoneses aos órgãos da contrapartida brasileira, fornecimento de materiais e equipamentos para pesquisa, estágio no Japão para pesquisadores, intercâmbio recíproco de dados, documentos e informações relacionadas. A partir desse momento, foram desenvolvidas pesquisas e experimentos visando ao desenvolvimento e à consolidação de técnicas de manejo rural, de cultivo, de seleção de culturas e variedades, de correção de solo etc., paralelamente à concessão de financiamentos à produção em relação a solos até aquela época considerados improdutivos: o cerrado. Concluindo: a Embrapa se tornou o sustentáculo do agronegócio brasileiro do fim do século passado e a líder mundial em agricultura tropical. Isso permitiu que o Brasil se tornasse o segundo maior produtor de soja, em 2005, com 60 milhões de toneladas, e o primeiro exportador de soja do mundo.


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Mogi das Cruzes durante a década de 50

Os principais produtores, além de outros que iniciaram o desenvolvimento no cerrado, eram nisseis, filhos de cooperados da Cooperativa Agrícola de Cotia. É de se destacar também projetos aplicados no Brasil, tais como a Usiminas, a Companhia Siderúrgica de Tubarão, também controlada pela estatal Siderbrás, a Cenibra e a Nibrasco, o Programa de Irrigação do Nordeste, Eletrificação Rural de Goiás, melhoria do porto de Santos e Termoelétrica de São Paulo. E outras aplicações: Projeto de Despoluição do Rio Tietê, Abastecimento de Água do Nordeste etc. De qualquer maneira, na cidade de Mogi das Cruzes, também aconteceu uma época de euforia. Existia oferta de empréstimos públicos, por meio da rede privada de bancos, dada como subsídios aos pequenos e médios agricultores. O aprimoramento no escoamento de produtos, introdução do maquinário necessário, melhoria na pavimentação das estradas vicinais, aumento do consumo nos grandes mercados consumidores, estabilidade política na permanência da ditadura militar etc. propiciaram o momento áureo dos nisseis imigrantes. Mas na década de 1980, com o problema da dívida externa brasileira, a hiperinflação e a moratória decretada no governo Sarney (1985-90), as relações entre os dois países ficaram abaladas.


CapĂ­tulo VIII | O desenvolvimento econĂ´mico | 171



capítulo IX

A crise na pequena propriedade e os dekasseguis Os anos 80 foram considerados

como sendo a “Década Perdida” no Brasil. Esta denominação (equivocada quanto ao avanço político e aos movimentos sociais daquela época) foi caracterizada por uma explosão da espiral inflacionária, recessão, desemprego e diversos choques econômicos que não tiveram sucesso em estabilizar a economia brasileira.

Influências econômicas e sociais vindas da capital de São Paulo


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Capítulo IX | A crise na pequena propriedade e os dekasseguis | 175

Ao contrário, o Japão experimentava nessa mesma época uma era de euforia econômica. A prosperidade parecia não ter fim. Os investimentos econômicos ocorriam em todos os segmentos da economia, tendo começado no setor imobiliário, para o qual os bancos não hesitavam em conceder créditos. Houve uma procura extraordinária na aquisição de objetos de arte, de imóveis e empresas estrangeiras, companhias cinematográficas, ações na Bolsa de Valores, tanto no Japão como no exterior. Porém, ao final da década de 80, tudo terminou. Foi constatado que as hipotecas de imóveis adquiridos não valiam tanto quanto anteriormente tinham sido avaliadas. Como uma verdadeira “bolha de sabão”, a economia japonesa estourou. Pois bem, a década de 1990 foi considerada a “década perdida” dos japoneses. Pode-se dizer que quando os japoneses dispuseram de recursos para investir maciçamente no exterior, na década de 80, o Brasil já não figurava como um dos destinatários de seus investimentos. E quando o Brasil retornou ao mercado financeiro internacional, no final do século XX, foi a vez do Japão entrar em recessão. Naquela época no Japão foi também proibida (proibição ainda existente) a vinda de mão-de-obra estrangeira. Mas para resolver o problema dos empregos - tido como trabalho porco, pesado e perigoso - de difícil demanda interna, os empresários nipônicos lembraram dos imigrantes que tinham se deslocado para o Brasil. Surgiram, então, os primeiros anúncios de trabalho no Japão, apresentados nos três principais jornais de língua japonesa em São Paulo. Tinham inicialmente como alvo os japoneses com dupla

Como uma verdadeira “bolha de sabão”, a economia japonesa estourou. Pois bem, a década de 1990 foi considerada a “década perdida” dos japoneses


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nacionalidade: nascidos no Brasil, mas registrados no Consulado. Com a procura cada vez maior de mão-de-obra destes serviços, logo o interesse se estendeu para os filhos e parentes, principalmente os sanseis (netos) e até os yonseis (quarta geração). Observando-se o número de vistos concedidos pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo, verifica-se que a concessão de vistos até 1987 era da ordem de cinco mil por ano. No ano seguinte, em 1988, cresceram para 8.600 e, em 1989, para cerca de 18.300. Em 1990, quando houve a mudança na lei de imigração, o número de pedidos era de 48.100 vistos. Com a recuperação da economia japonesa, calcula-se que mais de 300 mil brasileiros, ou seja, um quinto da população nikkei já se encontra no Japão. Foi nesse instante, final dos anos 80, que os brasileiros passaram a conhecer o termo dekasseguis, isto é, pessoas que saem do Brasil para ganhar dinheiro em outro país. No Japão, este termo é utilizado para os que saem para ganhar dinheiro, mas depois tentam retornar. O movimento daqui para lá reproduz na atualidade um movimento que no começo do século passado se dava ao contrário. Em 1908, o PIB japonês era 1/3 do PIB brasileiro. Na verdade, com o seu trabalho árduo no Japão, os dekasseguis têm efetuado expressivas remessas de dinheiro para o Brasil, chegando ao montante de mais US$ 2 bilhões por ano. A entrada de tal numerário representa até mesmo o valor superior à exportação de muitos bens brasileiros. Não se tem dados estatísticos na cidade de Mogi das Cruzes sobre a ida dos netos e bisnetos dos primeiros imigrantes para trabalhar no Japão, nem mesmo da soma de capital recebida pelos familiares daqui. Sobre os problemas existentes, afirmou Kiyoji Nakayama:


Capítulo IX | A crise na pequena propriedade e os dekasseguis | 177

“As associações estão diminuindo. As pessoas que freqüentam hoje as associações de bairro, mesmo o Bunkyo, têm acima de 70 anos. Não está tendo renovação... Isto está enfraquecendo as associações”.

A ida de inúmeros ao Japão, entretanto, não está apenas relacionada a problemas da economia japonesa. Isso também pode ser explicado por conjunturas da economia nacional, que causaram a desestruturação da pequena propriedade na cidade. Como já foi especificada, a economia do município sempre esteve estruturada num modelo minifundiário, com grande ênfase no trabalho familiar, voltado ao atendimento do mercado interno hortifrutigranjeiro. Pelos depoimentos colhidos, várias foram as causas da desestabilização da economia local: hiperinflação e a dificuldade de pagamento das dívidas com juros altos aos bancos,

“As pessoas que freqüentam hoje as associações de bairro, mesmo o Bunkyo, têm mais de 70 anos”


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O atual prefeito Junji Abe

dependência dos agricultores aos subsídios governamentais, aumento dos impostos, altos preços dos insumos, falta de apoio governamental não fornecendo informações técnicas adequadas aos proprietários e empregados, problemas trabalhistas em relação aos chamados “camaradas”, falência das cooperativas, ida dos filhos e netos para faculdades de formação em outras profissões urbanas e o problema das barragens na desapropriação de terras agrícolas. O atual prefeito Junji Abe prestou um longo depoimento sobre estes fatores acima apontados. Como protagonista, vereador, presidente do Sindicato Rural, deputado paulista e vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, fez o seguinte balanço:


Capítulo IX | A crise na pequena propriedade e os dekasseguis | 179

Razões da crise da pequena propriedade

“Esta crise da pequena propriedade já tinha

Nós tratávamos os nossos empregados com o nome

sido sentida anteriormente. Ou melhor: logo depois

de camaradas, pelo carinho. Daí veio o estatuto

da guerra, prevendo que os filhos dos primeiros imi-

do trabalhador rural e isso acirrou a disputa. Os

grantes desistiriam da agricultura, começaram a

técnicos que legislaram e aprovaram o estatuto do

chegar os “Jovens Cotianos” (Cotia-Seinen), espe-

trabalhador rural não levaram em consideração

cialmente vindos sob o incentivo da Cooperativa

que a atividade rural, centenária no Brasil, era

de Cotia. Eram técnicos preparados para assumir

a relação patrão-empregado de uma intimidade

os postos de trabalho no campo. Ficavam hospe-

tão grande como se fossem verdadeiros entes das

dados nas casas dos japoneses agricultores daqui

famílias. Começaram a querer colocar, de repen-

que lhes davam toda a atenção. Vieram mais de

te, da noite para o dia, seus direitos trabalhistas...

2 mil jovens durante quase duas décadas.

Conclusão: começou a haver o esvaziamento...

... Aí veio o problema da inflação nos anos

Começaram a sugar os desinformados patrões...

80, com a introdução da correção monetária no

de verduras e frutas com reclamações trabalhis-

financiamento rural, que acabou em 15 anos em

tas. E aí, tínhamos medo de enfrentar a justiça

prejudicar a atividade rural. E aqui merece um

trabalhista daquela época. Parecia que éramos

parêntese que deve ser destacado porque faz parte

acusados como criminosos, tamanha foi a desin-

de uma desgraça da política econômica brasileira.

formação do estatuto do trabalhador rural... Os

Quando em 1964 os militares, impulsionados por

camaradas tinham uma vida bem melhor do que

alguns burocratas, alguns técnicos, pseudolíderes

vir para a periferia da cidade sem poder viver com

da transformação brasileira, sentiram que tinham

dignidade... Da mesma forma que imperceptivel-

de abastecer intensamente as cidades. Por quê? ...

mente o Brasil abriu as portas do mercado com

Ao motivar o crescimento das cidades, foi coloca-

o início da globalização que prejudicou a todos,

do também uma grande transformação da rela-

o País não se preparou naquela época para essa

ção capital-trabalho do patrão por seu camarada.

transformação...”


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Depois, Junji Abe explicou outros aspectos da crise: “... Não se cuidou também em ensinar aos produtores a serem verdadeiros administradores rurais. Não se ensinou os produtores para técnicamente produzir melhor e os mecanismos de financiamento de custeio da lavoura. Naquele tempo, era o Banco do Brasil que emprestava dinheiro para você comprar um motor de irrigação, para você comprar um trator, renovar o plantel de sua ave... E os czares da economia introduziram o financiamento do custeio. Este financiamento foi de tal forma disseminado e praticamente subsidiado para o agricultor, que fez desse instrumento financeiro o ar que respirava para plantar. Isso expandiuse... Na década seguinte, na primeira fase da inflação, era comum ouvir: “Plante que o João garante”. Ora, se subsidiava e era certo que subsidiasse! Mas éramos diferentes de uma indústria de calçados, que fica sob telhados: pode chover, pode fazer calor... Nós tínhamos de produzir a céu aberto, enfrentando as atividades climáticas e ainda lutando contra insetos, fungos. Então, tinha de subsidiar, como até hoje os países europeus subsidiam os agricultores. Foi a época do milagre brasileiro, dinheiro subsidiado fácil, mesmo sem muita tecnologia. Aí foi o engano. Porque ao colocar dinheiro em abundância, primeiro tinham de nos ter preparado para a gente saber como usar aquele dinheiro. Então, as pessoas despreparadas, que eram a maioria, mal esperavam que, pouco a pouco, ocorresse a introdução de 30% da correção monetária para o financiamento rural. Dois anos depois já 100%... Inflação que chegou a ápices em 1986 e 1987, com o Sarney, de 80% a 90% ao mês. Como é que íamos pagar os financiamentos sendo corrigidos nesta ordem?

Em relação aos problemas das barragens que prejudicaram o setor agrícola no município, ele disse:


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“No caso específico de Mogi das Cruzes, além deste clima ruim de quebradeira geral, financeiramente falando, nós já estávamos enfrentando o problema das barragens. E é bom lembrarmos que só no território de Mogi das Cruzes existe uma grande, a do rio Jundiaí, que praticamente quebrou com quase 400 produtores e no seu rastro causou a perda de dez mil empregos rurais. Precedeu a barragem do rio Jundiaí uma outra, a do rio Taiaçupeba, que fica na divisa de Mogi com Suzano, que também foi outra tragédia para um punhado de agricultores. Posteriormente, veio a do rio Biritiba, entre a divisa de Mogi das Cruzes e Biritiba Mirim. Então, só no território de Mogi das Cruzes, existe uma barragem inteira e mais duas na divisa, não levando em consideração a do rio Paraitinga e a da Ponte Nova. Então, essas barragens começaram a ser construídas na década de 1970, pouco a pouco, porque o governo não conseguia fazer de uma só vez. Com isto, trouxe um desassossego e uma intranqüilidade muito grande, porque sabíamos que um dia íamos ter as terras desapropriadas, mas o governo jamais falava quando ia construir a barragem e onde iria desapropriar. Moral da história: começamos, cada vez mais, a perder a auto-estima para continuar investindo naquele lugar, sabíamos que íamos perder aquela terra. Começou a desvalorização de nossos terrenos e foi o desânimo de todos nós... Foi nos matando numa história de praticamente 20 anos, de 1960 a 1980. A inflação, mais a inundação das barragens, foram fatos que marcaram negativamente a continuidade da riqueza de propriedades multidisciplinares, polivalentes nas suas culturas que moldaram por meio de Mogi das Cruzes, ensinando a esta nação brasileira como se faz uma verdadeira reforma agrária...”.

Outro fator de crise no município foi apontando pelo agrônomo Hiroshi Ikuta: “Primeiro as famílias mandavam seus filhos para ginásio, colégio, faculdade. Mas quando eles se formavam, não tinham campo de atuação no sítio. Então, hoje em dia, só fica velho no sítio”.


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Foi apontado também outro fator: “A cooperativa tem diversos setores. Tem setor de finanças, por exemplo, que no começo ajudou muito o desenvolvimento dos cooperados. Os lavradores mandavam mercadorias e aquilo dava um montante. Agricultores calculavam e percebiam que não havia uma necessidade de gasto total. Então, parte desse lucro ficava para a própria cooperativa. Com isso, pagava-se um juro razoável, um juro que bancos pagam para os seus correntistas e tinhase uma liberdade de usar capital de giro com grande facilidade, com segurança. Agora, os banqueiros são muito espertos, né? Entrou gente grande e disse: esta parte de finanças deve ficar com os bancos. A cooperativa não devia montar mais setor de créditos. Esta foi a primeira dificuldade. Tinha também outra: no começo existia um imposto de vendas em consignação que ficava com a cooperativa. Uma parte desse imposto era usada na assistência social de seus sócios. Então, a Cooperativa de Cotia, por exemplo, montou um grande hospital e contratava agrônomos para orientar tecnicamente os produtores. De repente, mudou para imposto de circulação e acabou com essa poupança de um dia para outro. Isso foi um grande golpe também. Logo depois, houve grande desenvolvimento do supermercado. Então aqueles atacadistas do grande comércio tinham facilidades de crédito, ao passo que a cooperativa não. O produto de cooperativa ficou mais caro que

Crises na Cooperativa apontadas por Hiroshi Ikuta

o do supermercado”.

Pelas declarações prestadas fica claro que existiu por parte dos órgãos governamentais, dos banqueiros e dos grandes atacadistas a imposição de um velho modelo de


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Os problemas da avicultura, segundo Oswaldo Nagao

desenvolvimento baseado sempre no favorecimento do grande capital. A construção de barragens sobre os pequenos e médios agricultores, sua falência diante do capital especulativo dado por juros altos, a imposição de monopólios de crédito aos bancos, altos impostos estatais e a chegada dos supermercados impulsionaram a crise do chamado “cinturão verde”. Foi Oswaldo Nagao que narrou o problema enfrentado pelos avicultores: “Além do clima que aqui é muito úmido para a avicultura, existiu um grande problema: o custo do transporte do milho. Milho você não comprava no Estado de São Paulo, só fora do Estado e ficava, portanto, muito caro. Muitos granjeiros saíram de Mogi, outros não agüentaram. Então, eles mudaram de atividade. Existem granjeiros que progrediram crescendo na região onde produziam insumos, ou seja, o milho e a soja... depois, a escala mudou. Falava-se que, se você tivesse 500 cabeças, poderia manter um filho na escola. Depois, teria de ter cinco mil cabeças para manter os outros na mesma escola. Ou seja, a rentabilidade per capita foi diminuindo. É uma economia de escala”.


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O “DNA” histórico de Mogi das Cruzes é o desenvolvimento baseado no pequeno e médio proprietários


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Merece um estudo a parte outro indicativo desta crise dos avicultores, isto é, a pressão das multinacionais sobre o produtor local. Sobre isso Nagao foi enfático: “Na avicultura, existe um trabalho científico, estatístico. Conseguimos muita coisa... Tínhamos uma linhagem mais apropriada por meio de trabalhos genéticos. Implantamos o trabalho de genética aqui. Meu irmão participou de pesquisas em avicultura nos Estado Unidos. Acontece que nesse ínterim, começaram a entrar produtos, marcas internacionais conhecidas de americanos, europeus, canadenses. Eles começaram a vender esses produtos. Então o que acontece? Você tem uma marca tupiniquim aqui e vem o produto americano e vai dominando. Assim, também tivemos de mudar de bandeira. E qual a primeira condição desta multinacional para a gente representar estes produtos americanos? Era sumir com este trabalho de pesquisa... É um trabalho de dez anos praticamente perdido”.

Os problemas apontados por Junji Abe, Hiroshi Ikuta e Oswaldo Nagao levantam dramas estruturais da economia brasileira que permanecem durante muitos séculos: a dependência perante centros hegemônicos do capital, a dificuldade dos pequenos e médios empreendedores diante do favorecimento dos grandes empresários locais e, não podemos esquecer, os conflitos internos da própria atividade hortifrutigranjeira: os dramas trabalhistas. Estes diversos conflitos sobrepõem-se na sobrecarga de modelos econômicos que não incentivam a policultura, a ampliação do emprego, o preparo cultural do pequeno investidor. Existe, ainda, um outro fato não notado pelos protagonistas


Capítulo IX | A crise na pequena propriedade e os dekasseguis | 187

da crise: a ausência na cidade de Mogi das Cruzes de movimentos sociais de reivindicação econômica e política. Mesmo com os clamores dos agricultores e o trabalho da cooperativa, não conseguiram alcançar uma força de visibilidade social que lhes permitisse criar canais de diálogos para a solução de seus problemas. E isto aconteceu por três motivos. Em primeiro lugar, os dramas surgidos - hiperinflação, a criação das barragens etc. - aconteceram no mesmo momento da existência da ditadura militar, isto é, uma época em que reinava o medo e a perseguição sobre aqueles que contestavam a ordem existente. De outro lado, durante o último quartel do século XX, a cidade foi governada por mãos autoritárias, por meio da política centralizadora do ex-prefeito Waldemar da Costa Filho. E, finalmente, uma explicação sociológica: a história de Mogi das Cruzes, que desde os tempos coloniais é uma cidade de pequenos proprietários, que fazem de suas atividades econômicas pólos de sustentações levadas a efeito apenas no plano individual. Ou melhor: “pensam a mata a partir de uma árvore única”, não possuem uma visão de conjunto como, por exemplo, os movimentos de classe social. O próprio sentido do progresso imigratório tendo por objetivo a ascensão social dos seus membros - trabalho, poupança e futura propriedade - conduz a analisar a sociedade a partir de uma ordem, procura da estabilidade, conservação das garantias de base capitalista. Conclusão: a cidade ficou avessa a lutas sociais que pudessem causar traumas políticos. A história norte-americana, por exemplo, teve uma dinâmica diferente. É conhecida, inclusive por meio do cinema, a luta de pequenos sitiantes e boiadeiros pela conservação de


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A cidade de Mogi das Cruzes foi escolhida como um projeto piloto para dar suporte aos que tentam ir para o Japão, os Dekasseguis seus pequenos lotes de terras diante da pressão feita por latifundiários, construtores de ferrovias, companhias de mineração etc. Isto ajudou a garantir um outro tipo de modelo econômico que vinha desde o século XVIII, a colonização de povoamento: minifundiário, policultor, não escravista e voltado ao mercado interno. No Brasil, e especialmente no Sul do Brasil (Santa Catarina etc.), despontou um outro processo na segunda metade do século XIX, não latifundiário, vindo dos imigrantes: pequenas unidades agrícolas voltadas para o abastecimento dos grandes centros consumidores. A cidade de Mogi das Cruzes já tinha na sua gênese histórica a consolidação dessa referência de pequenos proprietários. No período colonial, era um espaço de passagem para o comércio de animais. Depois, a partir da instalação da estrada de ferro Central do Brasil (1876), vieram os italianos, espanhóis e sírios, que ajudaram no desenvolvimento do comércio urbano. No século XX, em 1919, chegaram os japoneses, que impulsionaram a zona rural. Ao final do século XX, com a crise do pequeno sitiante, ocorreu um processo reverso de deslocamento de mão de obra: a existência dos dekasseguis. Calcula-se que na cidade mais de 15 mil pessoas já tenham abandonado seus afazeres citadinos para compor a leva de pessoas em direção ao Japão.


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Assinatura do acordo entre a Prefeitura de Mogi e a Caixa EconĂ´mica Federal para ajudar dekasseguis


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Apesar de não existir estudos em relação à quantia por elas enviada a cidade de Mogi das Cruzes, uma das demonstrações de sua importância foi a escolha desta cidade para iniciar o projeto piloto da Caixa Econômica Federal (CEF), que dará suporte e orientará os imigrantes quanto ao investimento dos recursos conquistados no Japão. Na sua imensa maioria, são jovens que, não encontrando na economia brasileira fontes de esperança, vão ao Japão em busca de melhores condições de vida. Fazem o processo às avessas de seus avós e bisavós!

Foto Banco

M


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Na verdade, e principalmente no momento da globalização econômica, este processo de deslocamento de mão-deobra obedece a uma dinâmica própria da economia capitalista em seu desenvolvimento desigual pelo mundo todo. É como afirma o sociólogo José de Souza Martins: “A migração é o resultado do comércio internacional desta mercadoria singular (o trabalho)... é, pois, um evento historicamente determinado pela expansão do modo capitalista de produção”.

o de Imagens

Mogi


O CinturĂŁo Verde em Mogi das Cruzes


capítulo X

Niponização da sociedade mogiana Evidentemente que a principal

contribuição da imigração japonesa para esta cidade foi o chamado “cinturão verde”, implantando um

tipo dinâmico de produção familiar, já explicado em outros capítulos. Hoje segue-se inalterado este modelo de produção rural, mas com outras feições. Por exemplo: o sitiante não é mais apenas o descendente dos pioneiros japoneses. Agora, com problemas de terras (ocupação de terrenos irregulares), surgem também agricultores nordestinos, mineiros, do oeste brasileiro que chegaram, desde os anos 80, para compor a zona agrícola, que hoje está tão próxima da cidade.


Os sanseis, netos dos pioneiros, descontados os dekasseguis ou os que trabalham na zona urbana, migraram para outras atividades agrícolas, principalmente a floricultura. Esta se apresenta dentro do mercado brasileiro com um consumo crescente, propiciando aos produtores uma permanência da atividade na terra, mas, atualmente, com um amparo tecnológico e conhecimento logístico de um novo espaço: a exportação de seus produtos. Essa é a constatação do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), que estimou o potencial de crescimento, em 2007, em torno de 5% a 10%. O consumo de flores e plantas ornamentais no País ainda não ultrapassa US$ 7 por habitante/ano. Isso representa um valor dez vezes menor do que a média européia de consumo. Em todo o Brasil, estimase que cerca de 5 mil produtores dediquem-se à floricultura, entre grandes, médios e pequenos. A maior parte da atividade é desenvolvida por pequenas propriedades, com área média de cultivo de 1,5 hectare. Para os produtores, o setor gera um faturamento estimado em US$ 400 milhões por ano. Das flores desenvolvidas, as espécies mais cultivadas são as de orquídea, como a dendrobium, a phalaenopsis e a cymbidium. Como afirmou Luis Kei Tanashi: “Com o aperfeiçoamento das técnicas de cultivo e do manejo, a maioria dos produtores já consegue fazer com que a floração dessas orquídeas seja distribuída durante o ano com sucesso. Para florescer fora de época, que geralmente é a primavera, cada variedade precisa de um tipo de tratamento. Não é possível aplicar a mesma regra para diferentes espécies”.


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Mogi das Cruzes, com os novos empreendimentos na floricultura


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As flores, verduras, ovos, frutas e objetos artesanais foram e são expostos para o conhecimento público em três festas anuais da chamada colônia japonesa: Akimatsuri, Furusato e a Festa do Caqui e das Flores. Nestes eventos, Mogi adquire um clima oriental marcado pela arte, culinária e atrações típicas. Isso acontece também com outras festas anuais de cunho religioso, como as Festas do Divino Espírito Santo, de Sant’ Anna, Nossa Senhora do Carmo e São Benedito. Sem contar as diversas comemorações nos bairros e distritos, com suas animadas quermesses, remontando a tradição do interior, dos eventos mantidos pela comunidade em homenagem ao seu padroeiro. Completando o leque de diversas representações festeiras, a cada ano surgem mais participantes entre os evangélicos na Marcha para Jesus e as festas das comunidades islâmicas e de outras crenças. Sobre isso afirmou o bispo local, dom José Aírton dos Santos: “Eu nunca vi cidade tão festeira”.

Assim sendo, existe um traço pouco evidenciado na cultura nipônica que casou-se perfeitamente com a cultura nacional: o sabor pela teatralização festeira. Não se pode esquecer que com a formação das primeiras associações, desde os anos 20, os imigrantes organizavam encontros de lazer, cultura e competições esportivas, chamadas “undôkais”. Além disso, para início de suas cerimônias, existia um culto preliminar de abertura que sacramentava o evento. Essas celebrações - de culto às colheitas - estão niponizando a sociedade mogiana. O que é sentido não somente


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O Akimatsuri, a Festa do Outono, é um dos eventos tradicionais da colônia japonesa em Mogi das Cruzes que resgata as tradições e as culturas da Terra do Sol Nascente


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pela ansiedade com que a comunidade espera pelas datas, mas também na culinária, esporte, (principalmente judô e karatê) e música (karaokê) apresentados nestes eventos. Existe também um lugar bem típico em Mogi das Cruzes, onde a colônia apresenta seu rosto. É o mercado da Cobal, mas muito mais conhecido pelo nome de varejão. Nascida nos anos 80, dentro da crise inflacionária e no encarecimento de produtos alimentícios, é uma feira feita diretamente por produtores, mas também por varejistas locais. O objetivo principal é buscar o barateamento das mercadorias oferecidas. Calculase que aquilo que se vende no varejão seja 30% mais barato do que o oferecido nos supermercados da cidade. E aí o que nos interessa: em quase todas as bancas - calcula-se em 70% delas - estão presentes agricultores de origem nipo-brasileira. Há 20 anos, o local de abastecimento tornou-se um verdadeiro centro comunitário de convivência e bate-papo dos freqüentadores. Passam por lá todo final de semana mais de dez mil pessoas. A variedade das cores, profusão de espécies e diversas comidas típicas (desde o “tortinho”, de sabor local, passando pela paella, da cozinha espanhola, massas italianas até o yakisoba, uramaki, tofu com legumes e tempurá, da culinária japonesa) é impressionante. Com isso, é difícil, atualmente, um mogiano não ter na sua mesa uma influência da comida desses imigrantes! Na culinária local, essa influência é muito grande. Segundo Edson Nakamura, proprietário de um restaurante de comida japonesa em Mogi das Cruzes, os pratos típicos mais conhecidos e degustados pelos brasileiros são o sushi e o sashimi. Nakamura disse ainda:


O varejão de Mogi das Cruzes é o espaço público mais democrático de nossa cidade


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“... cerca de 70% dos clientes não têm nenhuma ascendência japonesa. São os brasileiros que vêm ao restaurante com mais freqüência.”

Concluiu Nakamura com dado significativo: “Hoje, já existe o sushi de tapioca. O brasileiro é muito receptivo a novidades, sobretudo os nordestinos, que são muito criativos. A partir da tradicional culinária, eles criam novos pratos e acrescentam comidas típicas da região. Acaba dando certo”.

Evidencia-se com isso uma simbiose muito interessante entre as culturas. Outro espaço cultural onde este entrelaçamento de culturas está presente é o religioso. Atualmente, 60% dos japoneses e descendentes de Mogi das Cruzes deixaram a religião predominante no Japão, o budismo, e tornaram-se adeptos ao catolicismo. Ao imigrarem para o Brasil, os japoneses trouxeram consigo suas tradições religiosas. Porém, depois da crise que os imigrantes passaram durante a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma rápida adaptação à cultura brasileira para um melhor convívio. Uma das mudanças foi justamente quanto à religião. Paulo Ota, um dos primeiros a se converter à religião católica, afirmou: “Cada colônia recebeu a catequização de um padre, que era como padrinho brasileiro. Eu fui iniciado na religião católica por missionários que por aqui passavam”.

De acordo com o budista Ray Koshu Saro, este processo foi natural porque existiam épocas em que era preciso matricular as crianças nas escolas e era necessário batizá-las. Ele afirmou:


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“Sabemos que não tem como evitar esta mudança... Além disso, muitos deles quando chegam à velhice voltam a freqüentar os templos budistas como forma de recuperar a cultura japonesa, que com o tempo foram deixando de lado”.

O que se observa no dia-a-dia é, muitas vezes, a prática de dois tipos de rituais pela mesma pessoa. Freqüenta as missas católicas por ocasião dos domingos, mas nos funerais, casamentos, entregas de presentes em cerimônias obedece ao padrão oriental. No entanto, o exemplo mais característico desta mistura de culturas está no único exemplar arquitetônico existente no Brasil da cultura japonesa: o Casarão do Chá. Situado no coração da colônia, no bairro de Cocuera, e construído em 1942 pelo carpinteiro Kazuo Hanaoka, este casarão de 700 metros quadrados serviu para a fabricação do chá “Tokyo”.

Casarão do Chá: arquitetura oriental casando-se com a cabocla


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O conjunto arquitetônico, que compreende não somente o prédio em si, mas todo o entorno do edifício, é uma conjunção de cinco pontos de riqueza: obra de arte, monumento da pequena propriedade agrícola, referência histórica da imigração japonesa, único exemplar no Brasil da combinação perfeita da cultura oriental e da cabocla. Ostenta características formais de castelos e templos japoneses como a cobertura tipo “irimoya”, frontão e pórtico principal, sistema bem tradicional no Japão. Também o tratamento dado à madeira pelos métodos orientais faz supor que os imigrantes daquela região construíram a fábrica sem auxílio externo. É interessante notar que não foi utilizado um só prego nos dois andares do prédio. Porém, como já foi relatado, esta construção é uma simbiose entre a cultura japonesa e a cabocla. E aí é que está a sua maior dimensão cultural. De um lado, o artista Hanaoka uniu com harmonia o estilo tidorihafu nos ornamentos, telhados e fachada com a técnica de construção dos moradores do local: a taipa de sopapo que foi empregada em vários pontos. Também utilizou a madeira de eucalipto em ensambladura, obtendo grande plasticidade. Ele se valeu de uma técnica utilizada pelo caboclos: a amarração de cipós nas malhas horizontais e verticais, com barro jogado por cima. E um detalhe pouco lembrado: a cor daquele monumento é marrom (construção) e verde, das plantações ao redor. Em 29 de novembro de 1983, esta obra foi considerada um monumento da imigração japonesa e tomado pelo Condephat, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo. Assim sendo, pelas considerações históricas e arquitetônicas, o


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Único exemplar de maior significação: arquitetura da cultura japonesa no Brasil, o Casarão do chá


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Casarão do Chá representa a “cara da cidade”. Ali está o “DNA” da imigração, ou melhor, a evidência de uma mescla cultural. É mojiponesa! Agora, por ocasião dos festejos do centenário, as escolas de samba da região, como também algumas da capital, resolveram colocar nos seus enredos de carnaval temas relacionados à imigração. Vejamos algumas letras dos sambas-enredo:

Influências econômicas e sociais vindas da capital de São Paulo. Mesmo os episódios da Revolução de 30


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Nome da escola: Grêmio Recreativo Escola de Samba “Estação Primeira de Brás Cubas”

Conseguindo a prosperidade Veio a cultura

Enredo: Dô-omo Arigatô

Na agricultura deram grande

Compositor: Jukinha

Contribuição Foram lutando

Sou emoção, raça e união

Conquistando seu espaço e integração.

Eu sou Brascubão

E Mogi das Cruzes teve o

Nipo-brasileiro é meu coração

Reconhecimento

Cantando os 100 anos da imigração

A produção de ovos, criação de aves

Abram alas, em verso e prosa hoje

Viraram fonte de renda para a cidade

Eu vou cantar

O cinturão verde, a Cooperativa Agrícola

A história de um povo guerreiro

Com certeza

Que do oriente veio para trabalhar

Têm a marca registrada da colônia japonesa

E na bagagem do imigrante japonês

E embora o crescimento e as evoluções

Havia o sonho de uma vida melhor

As novas gerações

Desembarcaram cheios de esperança

Não deixaram morrer suas tradições

Nas lavouras de café trabalharam

E um centenário depois

Sol a sol

A minha escola

Mas era grande a diferença

Representando a nação brasileira

Entre o sol e a realidade

Se enche de orgulho e gratidão

Se espalharam pelo Brasil

Dô-omo arigatô, Japão.

as escolas de samba da região, como também algumas da capital, resolveram colocar nos seus enredos de carnaval temas relacionados à imigração


Pelo discurso do sambista, a sua escola denota a “alma” da nação brasileira que hoje é nipo-brasileira

Deste samba, para efeito de análise, ressaltam as seguintes expressões: “nipo-brasileiro é meu coração”, “povo guerreiro... veio para trabalhar”, “diferença entre o sol e a realidade”, “prosperidade”, “na agricultura deram grande”, “conquistando seu espaço de integração”, “e Mogi teve o seu reconhecimento”, “o cinturão verde”, “as novas gerações não deixaram morrer suas tradições” e, finalmente, “a minha escola representando a nação brasileira se enche de orgulho e gratidão”. Pelo discurso do sambista, a sua escola denota a “alma” da nação brasileira que hoje é nipo-brasileira, representada pela integração. Apontando alguns dissabores, entre “o sol e realidade”, reconheceu a luta de um povo guerreiro no cuidado hortigranjeiro. Mas apontou um fato curioso: o reconhecimento da cidade de Mogi das Cruzes por meio do seu cinturão verde. E com isto “se enche de orgulho e gratidão”. Sem dúvida que esta narrativa apresenta algumas características importantes comprovadas no plano histórico: durante quatro séculos de história, a cidade ficou à margem de um epicentro maior, a vila e posterior cidade de São Paulo. Era entreposto de tropeiros, depois com os imigrantes um centro modesto de comércio periférico da capital. Mas com a vinda dos japoneses, ganhou um dinamismo próprio como centro produtor para as duas grandes capitais, mas principalmente para o Rio de Janeiro. É curioso como esta cidade é conhecida por outros: “cidade de japonês, né?” Isto, conscientemente ou não, fez com que o sambista se identificasse como nipo-brasileiro-mogiano. Ou como anteriormente foi escrito: é uma cidade mojiponesa! Outro samba, agora criado na capital de São Paulo:


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Nome: Escola de Samba Unidos da Vila Maria

A bateria ta aí... vem ver

Enredo:” IRASHAI-MASE, milênios de cultura e

E vamos comemorar

sabedoria no centenário da imigração japonesa “

O centenário brindar... saquê

Compositores: Dão, Veia, Martins, Nando e

Em sua criação,

Moleque Pára.

a gentileza tem rosto de mulher Símbolos da sorte que anunciam

Maria vai passar

devoção e muita fé

Irashai-Mase a esse povo do Oriente

O shodo não se apagou!

Da terra do seu jardim

A arte deu movimento à vida

Sol nascente

No plantio de algodão,

Abrem-se os portais

ô terra boa que se planta dá

Das tradições, de uma cultura milenar

Na culinária requinte em nossa mesa

Preservam oriental e a arte de cultivar

Pratos com toque de beleza

religião, celebração da cerimônia do chá

A evolução da tecnologia

No ocidente se tornou realidade

Dá asas à imaginação,

A conquista do tratado de amizade

presente nosso de cada dia

E com a honra de um samurai guerreiro

Com a imigração, somos filhos de uma só nação

Cruzou os mares para o solo brasileiro

Arigatô a essa parceria

Pra massa toda aplaudir

Brasil – Japão que alegria...


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Ressaltam as seguintes expressões: “do seu jardim... abrem-se os portais”, “cultura milenar”, “honra de um samurai guerreiro”, “arte de cultivar”, “planta boa que se plantando dá”, “culinária requinte...tecnologia”, “uma só nação”, “arigatô a essa parceria”. Assim como no compositor anterior, Jukinha, os letristas da escola paulistana ressaltam também a existência de uma só nação, formada pela contribuição de uma cultura milenar que trouxe a arte agrícola, cozinha sofisticada e a tecnologia. Mas, de maneira diferente da escola mogiana, não apresenta um componente específico que se formou exclusivamente na cidade de São Paulo. O discurso leva em conta a contribuição ao Brasil como um todo. É “o solo brasileiro pra toda massa aplaudir”. Uma possível explicação desta diferença está no seguinte: na capital paulista, a imigração japonesa está ao lado de tantas outras como a italiana, judaica, libanesa, sul-americana, espanhola, árabe etc. Enquanto que na cidade de Mogi das Cruzes, os japoneses deram à região uma dimensão de visibilidade que outras imigrações não deram. Convém repetir: outros dizem que é uma “cidade de japonês, né?”. Esta simbiose descrita pelas diversas escolas de samba evidencia a hibridação acontecida entre a cultura dos imigrantes e a brasileira. No plano da criatividade, o artista que melhor conseguiu expressar estas singularidades para o caso de Mogi das Cruzes foi o artista Manabu Mabe por meio da sua escultura, feita em 1969, intitulada “Mãe Grávida”. Criada por ocasião do cinqüentenário da imigração nesta cidade a obra deste famoso pintor é apenas uma das três


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Esta simbiose descrita pelas diversas escolas de samba evidencia a hibridação acontecida entre a cultura dos imigrantes e a brasileira


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incursões de escultura em que produziu ao longo de sua carreira. Uma das curiosidades desta obra foi a utilização de grãos de feijão, cortiça e canos de PVC recortados, além de pedra e bronze. Seu filho, Yugo Mabe, afirmou: “Meu pai fez um molde em gesso antes de confeccionar a escultura para a colônia de Cocuera. Depois, ele usou este molde para fazer uma réplica que está no jardim de nossa casa”.

A escultura feita principalmente de pedra, dando-lhe uma forma de concretude que repousa sobre o chão, estampa a rusticidade de vida em que os primeiros imigrantes tiveram de engendrar ao seu cotidiano. Mas em meio a esta realidade cinzenta aparece uma forma arredondada, como se surgisse do bruto uma barriga. Da aspereza desponta a leveza, do inesperado, o rompimento do novo. Do chão da terra - como uma árvore sem galhos - nasce a semente de um provir, das formas pontiagudas e inertes, a idéia da gravidez de um novo mundo. Creio que o parto apontado pelo artista já se realizou. Mas o processo de gestão de uma cultura nipobrasileira, como se existisse uma criança, ainda está por determinar as suas características. Ainda é muito cedo, mesmo transcorridos cem anos da imigração e oitenta e nove anos do estabelecimento desta etnia na região, para se ter uma visão mais abrangente de todo o significado destas mútuas contribuições culturais.


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A escultura feita principalmente de pedra, dando-lhe uma forma de concretude que repousa sobre o chão, estampa a rusticidade de vida em que os primeiros imigrantes tiveram de engedrar ao seu cotidiano



capítulo XI

Conclusão Ao historiador cabe a reconstituição e análise do passado buscando, em

meio a uma série de limitações (classe, ideologias, desconhecimento de documentos etc.), o encontro com uma verdade impessoal. E, evidentemente, jamais a pretensão de uma verdade absoluta. O discurso histórico é uma narrativa baseada em certas escolhas do autor, que tenta ressuscitar claras lembranças, outros dados esquecidos, alguns propositadamente ocultados e, ainda, muitos silenciosamente guardados, como trancados num baú deixado no porão. São aquelas passagens traumáticas em que o protagonista não revela nem a si mesmo os sentimentos vividos. Pois bem, cabe ao historiador, como um detetive, recolher estes cacos dispersos e interpretá-los para compor a história.

Núcleo de moradias e produção de chá da família Abe


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É a confecção de um tecido no tempo com linhas, as mais díspares. E, de outro lado, é também um pano de idéias que se apresenta para o debate, dando o rosto à crítica, ao contraditório social. Como afirma o historiador Tzvetan Todorov: “A memória é forçosamente uma seleção: certos detalhes do acontecimento serão conservados, outros afastados, logo de início ou aos poucos e, portanto, esquecidos. Por isto é tão equivocado chamar de “memória” a capacidade que tem os computadores de conservar a informação: falta a esta última operação um traço constitutivo da memória: o esquecimento... Mas a história não é uma memória, mas um discurso que evolui no espaço público. Esse discurso reflete a imagem que uma sociedade ou que um grupo dentro da sociedade querem dar de si mesmos”.

Quero deixar claro que esta História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes tem como objetivo, não somente ressaltar a importância de uma história regional, mas compreender o significado da localidade. Dar uma interpretação a mim e a minha gente mojiponesa do que foi e é esta nossa diversidade. Mais do que isto: evidenciar a exposição das divergências e conflitos na busca

Para o estudioso cabe a busca de rememorações públicas e para o comemorador, defender interesses

da compreensão. É preciso entender este “estrangeiro” que somos hoje: nós mesmos. Outro dado a salientar: não cabe ao historiador portar-se como comemorador. Para o estudioso, cabe a busca de rememorações públicas e para o comemorador, defender interesses. A história complica enquanto a comemoração simplifica. Esta tem como meta fornecer ídolos a venerar e inimigos a abominar. A História, ao contrário, apreende o passado em sua verdade para causar reflexões. A comemoração celebra e adapta o passado às necessidades


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do presente, congelando personagens. A História descongela. Embora participe como um cidadão entusiasmado e preste homenagens a esta grande data do calendário nacional e municipal, afirmo que como historiador tenho outra função: tento compreender o passado, jamais julgá-lo. Por isto a responsabilidade do historiador é grande. Ao mesmo tempo, estou consciente de que este livro é apenas “um primeiro passo” para que outros historiadores possam mostrar outras visões de que não fui capaz. Por exemplo: ainda resta muito a saber da história dos vencidos. Daqueles que outros ocultam e, muitas

vezes, o próprio personagem se cala tendo “vergonha” (como se isso pudesse empobrecer o relato. E é ao contrário.) daquilo que sofreu ou presenciou. Analisando a imigração japonesa durante o século XX, constato as seguintes cinco características deste processo histórico: a hibridação destas culturas e isto foi de um ajuste conflituoso. Segundo aspecto: isto se deu em torno do desenvolvimento da pequena propriedade com mão-de-obra familiar. Não se pode esquecer que este espaço foi, não somente um campo de trabalho, mas um laboratório de experiências.


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Quarta característica: Mogi das Cruzes niponizou-se, tanto no sentido material como na visão política da cidade. E, um dado importante, o quinto: o processo ainda não foi concluído. Com a vinda dos imigrantes, ao contrário de outras culturas (italianas, libanesas, espanhóis), esta composta de agricultores fixou-se, num primeiro instante, no campo. E aí foi desenvolvendo um modelo muito específico de produção agrícola, baseado no minifúndio familiar. Além de não ser o modelo conhecido, latifundiário-exportador, isto propiciou a continuidade de uma forma econômica que Mogi das Cruzes há muito tempo também conhecia. Ou melhor: o “DNA” da cidade sempre foi a pequena e a média propriedade. Isto se conjugou para proporcionar um espírito comunitário que, ainda hoje resta como sabor de convivência. Estes espaços de convivência social são aqueles em que o capital e a mercadoria não fizeram explodir os laços de solidariedade: festas religiosas, prosas dos mais velhos, os laços de compadrio, a camaradagem, a riqueza dos produtos e relacionamentos existentes, por exemplo, no varejão. A industrialização surgida na cidade pelos anos 50, apesar de trazer algumas desintegrações, não conseguiu destruir este corpus social. É necessário salientar que a Cooperativa Agrícola não era apenas um espaço dedicado ao trabalho. Eram lá que todas as festas se davam, proporcionando o nascimento do Kosmos Clube. Sobre isto disse Ernesto Konno, escriturário da organização: “Tudo que acontecia na cidade entre os japoneses era feito lá. Tinha festas, bailes, aniversários. O Kosmos Clube ficava dentro da cooperativa. Depois que isto se mudou para a rua Barão de Jaceguai”.


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Parque Centenário


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A chamada colônia japonesa, apesar das suas diferenças internas, hibridou-se com à sociedade local de tal maneira criando uma visibilidade da cidade, projetando-a, a partir das décadas de 1950 e 1960, como cinturão verde e “cidade de japonês, né?”. A pequena propriedade, além de um campo de trabalho, foi também um verdadeiro laboratório de experiências genéticas. Nomes como os agrônomos Hiroshi Ikuta, no setor de legumes, e Kaoru Hiramatsu, no setor de árvores frutíferas, foram muito importantes para o desenvolvimento agrícola. Mas não se pode esquecer também: Benjiro Togue (aspargos), famílias Shigueno, Sakai e Nagao (aves), família Abe (irrigação), Gento Kobayashi (caqui), Guenichio Nishimura e a família Ota (rebaixamento do galho de árvores), Hatiro Nishie (controle de pragas e fungos), Hidenari Okada (pêssego branco-duro e uvas niágara), Keisaburo Honda (enxertos de laranja, pêssego, flores etc.), casal Koguti (flores), Miyoji Sakoda (adubos e o primeiro comerciante urbano), Shotaro Kiokawa (quiabo), Yoshinobu Sagawa (sericultura, amoreiras, soja e caqui), os Konno e os Sagawa, que foram um dos primeiros a plantar uva niágara e depois, a golden queen. E, novamente, Taro Konno, que foi um dos pioneiros no plantio de orquídeas pelos anos 50. E tantos outros. Esta originalidade, ser um espaço de experimentações, além do impulso científico que representou para o aumento de vendas dos diversos produtos, causava nos jovens nisseis da década de 50 um sentido de inserção social, de colaboração com outras pessoas, de dinamismo participativo muito grande. Paulo Ota é um exemplo disso. Os diversos grupos de estudo dentro da colônia eram espaços de discussão sobre agricultura e desenvolvimento do País. Esta fermentação econômica, associativa e de idéias fez com


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que a colônia se entrelaçasse com a sociedade mogiana. Pouco a pouco seus membros foram se inserindo no viver urbano e misturandose com os diversos grupos existentes, formando camadas - feirantes, operários, profissionais liberais, líderes de empresas, funcionários públicos - que nas últimas décadas estão menos freqüentadores das antigas associações de bairro, os locais típicos de encontro e o Bunkyo. Além do problema representado pelos dekasseguis que esvaziaram o espírito associativo, nota-se um outro componente pouco percebido pelos protagonistas: o próprio processo histórico de inserção na sociedade brasileira, com novas mesclas de hábitos e costumes, está pondo sobre interrogação as velhas tradições que ainda permanecem entre eles. Sobre isto Kiyoji Nakayama, presidente do Bunkyo de Mogi das Cruzes, afirmou:

Família Nakayama


“Até recentemente por aqui as atas da instituição eram feitas em japonês. Só recentemente que isto mudou. Não tinha sentido continuar como era. Mesmo assim, os jovens têm dificuldade para freqüentar nossa instituição.”.

Mário Kabakura explicou este processo assim: “Antigamente, as famílias japonesas eram mais unidas. Depois foi se espalhando. Houve casamentos interétnicos e tudo está se perdendo. Não se tem mais a união que se tinha antes, mas acho este caminho muito natural”.

Na verdade, o que se está desintegrando e, ainda, o que se está estabelecendo é o seguinte: perde-se o “núcleo étnico” (mesmos valores culturais, comunidade biológica auto-reprodutiva, identificação com os demais membros etc.) e adquire-se novos “espelhos” baseados em valores ocidentais, impulsionados pelos meios de comunicação. Agora, em tempos de globalização, está em “moda” a difusão do mangá, isto é, o desenho japonês em quadrinhos com enredos nacionais. Ou ainda, os animes, desenho animado como os “Cavaleiros do Zodíaco” na Tevê. Fãs deste tipo de divertimento escolhem locais de encontro na cidade, vestindo-se com roupas iguais aos personagens. A universitária Miriam Ayumi Shimotsu afirmou: “Eu estudo japonês desde os 8 anos. Assistia aos desenhos japoneses e passei a conhecer os mangás na escola onde eu estudava. Achei diferente e como a cultura japonesa já me atraía, passei a gostar também dos mangás”.

O que está acontecendo, não sendo percebido pelos protagonistas, vindo desde os meados dos anos 70, é uma padronização industrial de cultura. Os meios de comunicação sofisticam técnicas


mercadológicas de gostos uniformes, fáceis consumismos, modismos sem qualquer vinculação com a realidade social. Isto está causando o constante rebaixamento dos limites críticos, proliferação em massa de comportamentos narcísicos, o público perdendo espaço para o privado. Sem dúvida que isso vai diluindo, pouco a pouco, criativas especificidades de cultura nascidas na localidade. Ao contrário das modernidades da indústria cultural, sobrevivem outras espécies de tradições cultuadas no município: o uso do banchá ou chá verde, o gateball no uso de tacos, arcos e bolas, a vestimenta kimono para as festas, o futebol milenar dos Kemari, a existência da rádio-taissô na ginástica transmitida pela rádio nas primeiras horas da manhã, a dança do bon odori, a pintura tradicional sumiê etc. Concluindo: o tradicional, assim como com o moderno vão aos poucos, se não houver debate cultural, pasteurizando-se em função do mercado. Ou melhor: as utopias vão dando lugar a apatias. De outro lado, o termo colônia é impróprio para a definição deste grupo hoje, composto de isseis, nisseis, sanseis e yonseis de adolescentes e crianças. Não se deve buscar a definição de colônia como se fosse um único padrão de comportamento para algo que se mostra tão diverso dentro de outra realidade uniformizante imposta pelo mercado. A verdade é que os imigrantes estão imersos numa grande complexidade de grupos sociais, tão contraditória, que fez implodir aquela carapaça de proteção que foram obrigados a formular durante a guerra. Da unidade construída durante os tempos de repressão política surgiu a disparidade de interesses nos anos da globalização. Mas também é de se notar que a sociedade de Mogi das Cruzes niponizou-se. Além dos aspectos já mencionados (economia,


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visibilidade, viver social), a cidade hoje tem um aspecto de conservação da ordem, defesa da estabilidade com grande evidência. Vários fatores podem explicar este comportamento social: muitos anos de repressão política dos “coronéis” da cidade, monopólios econômicos, poucos espaços sociais de discussão, inexistência, há bem pouco tempo, de movimentos sociais, pequenos proprietários conservadores, êxodo de jovens para a próxima capital, imigrações que desejavam permanências para não perturbar sua ascensão social etc. Isto também existe em outras cidades interioranas. No entanto, destaca-se o seguinte: existe um espírito de obediência bastante específico na cidade. Nas escolas, em classes lotadas de sanseis, nota-se uma quietude que não é normal entre jovens tão irriquietos. Isto, embora não seja determinante para a explicação social, tem de ser colocado como um dado social, isto é, ordem, organização, disciplina, afinco são características da cultura desses imigrantes. Enfim, são sobrevivências de um legado do passado ou marcas específicas de um viver citadino? Não sei... Assim, não existindo ainda um processo histórico por mais tempo decorrido, é difícil conceber conceitos mais profundos que expliquem este processo de diversas interfaces culturais. Nada é absoluto, os fundamentos deste enorme diálogo, mesmo passados cem anos, estão ainda incompletos. E jamais são. Muitas perguntas restam para se responder: continuarão a existir alguns conflitos e incompreensões no reconhecimento desse grupo social? Serão eternamente chamados de “japas” com os esteriótipos existentes? Será que a crise atual vivida pela pequena propriedade rural não afetará o modelo de abastecimento do mercado interno? Qual é o discurso dos que não têm visibilidade social e estão vivendo entre esquecidos idosos? Serão os yonseis portadores do aprendizado levado a efeito por seus antepassados? Será que não mergulharão em uniformidades culturais ou prevalecerá suas tradições criativas? Na sua diversidade hoje


Capítulo XI | Conclusão | 223


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A história serve para iluminar o passado, esclarecendo o presente

existente, quais serão as suas reivindicações? Novamente respondo: não sei... O que desejo é que este livro possa servir para “descongelar” a história mogiana. Revelar aspectos interessantes de fatos acontecidos no passado, como também propiciar reflexões que devam causar o desenvolvimento igualitário da cidade. Espero que se cumpra uma frase dita para mim pelo atual prefeito e representante legítimo de toda esta história, o Sr. Junji Abe: “Seu livro vai ser importante para nós. Estamos com dificuldade para explicar para os nossos próprios descendentes o que aconteceu com os nossos pais e a nossa vida. Uma das coisas que eu mais sinto hoje é a perda desta herança de tanta luta, experimentações, tantos ensinamentos deixados por nossos queridos pais. Eles, os jovens, têm de tomar conhecimento disso para melhor proveito de todos. Esta valorização da memória permitirá também manter certas tradições necessárias ao bom convívio de todos,

não como era antigamente, a defesa do casamento apenas com pessoas do próprio grupo étnico. Isto está superado. A mestiçagem é necessária. O que desejo é garantir o nosso principal patrimônio: a respeitabilidade da palavra anteriormente empenhada. Ou seja, é preciso afirmar a imagem da nossa gente por meio de uma brincadeira antiga que muitos faziam conosco, dizendo em gracejos: “garantido, no?”. Estas brincadeiras revelam a cultura de nossa gente: a garantia de acordos feitos, palavra empenhada. Isto é a nossa maior herança e tem de ser preservada”.


Capítulo CapítuloXI XI || Conclusão Conclusão || 225 225

Concordo com a frase do prefeito, lembrando-me do historiador Marc Bloch que escreveu: “Toda história é sempre a história do presente”.

Afirmamos o passado pela interrogação do hoje, das nossas dúvidas, de nossas contradições, da busca por um futuro melhor. Novamente outro grande autor, argentino, José Luiz Borges, que tão bem definiu minha ciência, esta querida História: “A verdadeira história é aquela que poderia ter sido”. Tantos sonhos de antes para o hoje futuro”.

Foto histórica: o primeiro vereador Taro Konno e o atual prefeito Junji Abe



Entrevistas



Tadashi Konno, arquiteto, filho de um dos pioneiros,

Taro Konno, é um cidadão representativo da colônia japonesa. Pessoa preo-

cupada com o desenrolar de vida dos seus companheiros, soube armazenar na sua memória e nos seus pertences, documentos, fotos e dados que colaboraram para a feitura deste livro. A sua importância está, não somente como protagonista do seu meio, mas também pelo seguinte fato: foi um dos primeiros descendentes a compor a direção da máquina pública federal em Brasília.

Tadashi Konno Mário Sérgio de Mário Sérgio: O que levou sua família a deixar o Japão e imigrar para o Brasil? Tadashi Konno: Na era Meiji, o Japão se expandiu e se abriu para o Ocidente. Foi a fase em que o Japão vivia uma situação difícil, com muita população e desemprego. A razão é a mesma para todos nós. Mário Sérgio: Ao chegar aqui, qual foi o destino de todos vocês? Konno: Eles vieram no navio Wakassa Maru, que chegou no porto de Santos no dia 16 de maio de 1913. Era a sexta leva de imigrantes. Veio Ichiro Konno e família. Primeiro, foram para o Centro de Imigração, no Brás. Eles já tinham contrato com a fazenda de João Teixeira Pombo, na região de Mogi. Eles fizeram economia, se sacrificaram como todo imigrante. Meu pai (Taro Konno) nasceu dois meses depois, em 27 de julho de 1913. Ele é um dos primeiros nisseis brasileiros, tinha oito anos


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quando veio para Mogi e estudou na Escola Coronel de Almeida. Dos pioneiros, o meu pai é o mais antigo. Ele é contemporâneo de Plínio Boucault, cuja família o introduziu na política. Em 1952, foi eleito o primeiro vereador nissei de Mogi das Cruzes pela UDN (União Democrática Nacional). Mário Sérgio: Por que o seu pai entrou na política? Konno: Primeiro porque ele foi um dos primeiros nisseis e pelo fato de ter estudado no meio em que poucos estudaram, na Escola Coronel Almeida. Só depois é que montou uma escola brasileira aqui perto. Ele foi convidado e falava muito bem o português. Japonês ele aprendeu a falar quando foi eleito. Mário Sérgio: Como ele conseguiu reunir a colônia dividida no pós-guerra? Konno: A eleição dele já foi bem posterior. A fase mais crítica foi de 1945 a 1950. Mário Sérgio: Em um livro publicado recentemente, há uma entrevista com o seu pai em que ele diz que tentaram enganá-lo muitas vezes. Como foi esta experiência nos quatro anos como vereador? Konno: Em Cocuera, não tinha nada, era na base do lampião. O trabalho dele na Câmara melhorou as estradas. Encalhava e toda a manutenção das vias de acesso, até então estradas de picada, era feita pela colônia. Dependendo do estado, era o líder da região quem convocava para melhorar a estrada. Quando ele foi eleito, a primeira medida foi melhorar as estradas vicinais, muitas vezes com esforço dele e recursos da Câmara. Entrou com projeto da primeira eletrificação rural de Mogi, com a contribuição dos moradores. Tudo foi eletrificado com fio

de alumínio, que era mais barato. Naquela época, a colônia saía fincando os postes de madeira mesmo. Era tudo na base da cooperação. Mário Sérgio: O seu pai foi bem aceito pelos vereadores na condição de representante da colônia? Konno: Ele foi bem aceito, pois quem estava lá tinha crescido com ele. Não foi nada imposto, foi natural. O pessoal é que o chamou para ser vereador. Foi eleito com cento e poucos votos e encheu de gente aqui no dia da posse. Foram cinco anos sem remuneração. Havia sessão todas às segundas-feiras. Nós éramos obrigados a esperar até o fim da sessão. Mário Sérgio: Nos anos 50, já havia os bairros Vila Moraes, Porteira Preta, Pindorama. A colônia era mais unida do que é hoje? Konno: Era. Cento e trinta e poucos votos não era pouco. Japonês originário não votava. Ele conquistou Botujuru, Pindorama, Vila Moraes, essa região toda. Mário Sérgio: O que aconteceu para a cooperativa não ter aquela união de antes? Konno: O esquema de comercialização evoluiu. Hoje, as cooperativas são ONGs pra levantar fundos. A escala de produção e abastecimento também mudou. Mário Sérgio: No início da imigração, quando vocês vieram para o Brasil, como era o dia-a-dia de trabalho na lavoura? Konno: Acordava às cinco horas. Passava o dia inteiro trabalhando. Quando saía de casa, já levava o almoço pronto. Entre nove e dez horas era o almoço. Uma, duas horas era o café. Quatro, cinco horas se recolhia porque a essa altura já se estava estafado.


Entrevista | 231

Tem o sino aqui com mais de 60 anos. É uma roda de caminhão. O batedor ainda é o mesmo. Toca na hora do almoço, do café e de largar o serviço. Mário Sérgio: Qual era a religião da sua família? Konno: O papai é católico. Foi o primeiro da família a ser batizado. No hospital ele sofreu a influência católica. Eu só fui batizado quando me casei. Por parte da mamãe, são todos budistas, xintoístas. Nós não fomos educados para a religião. Não tinha tempo para se dedicar a isso. No domingo, dia de folga para colonos de outra origem e de se voltar para a

cipalmente da primeira fase, veio com a intenção de trabalhar três anos e ir embora. A propaganda para imigrar era essa: vocês podem ir para o Brasil, é um País rico, que dá dinheiro em árvore. Quando chegava nas fazendas, era aquela gleba enorme de plantações com cafezal carregado, pronto para colher. Segundo relatos históricos, havia uma certa discriminação. O pessoal ficava destacado para uma gleba menos produtiva. O esquema era diferente para as famílias italianas, portuguesas e espanholas, porque eles imigraram para ficar. Não era nada daquilo que eles esperavam. Ficavam mais longe possível. Mal

Em Cocuera, não tinha nada. Aqui era na base do lampião. O trabalho dele na Câmara melhorou as estradas

religião, eles faziam outras plantações para suprir as necessidades de casa. O domingo não se guardava para o culto. Era para sobreviver e guardar dinheiro para voltar ao Japão.

se colhia uma saca de café. Eles não tinham experiência e técnica. Quem imigrou veio como grande salvação. O início da horticultura e da avicultura no Brasil nós devemos a esses imigrantes.

Mário Sérgio: O senhor falou da idéia de voltar para o Japão. Por que vocês decidiram não retornar? Konno: Quando a gente é jovem, perde grandes oportunidades. Só agora que a gente reconhece que poderia ter conversado mais com vovô, conhecer o passo-a-passo dele. A maioria dos imigrantes, prin-

Mário Sérgio: Quando veio para Mogi, o primeiro produto que vocês plantaram foi o tomate? Konno: Não. O tomate foi bem mais tarde. O primeiro foi batata. Esse local é a segunda gleba quando eles adquiriram. Com o crash da Bolsa de Valores em 1929, nos Estados Unidos, os grandes fazendeiros


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daqui começaram a desmembrar os terrenos. Em 1922, quando Cocuera começou a se organizar, eles vieram para o bairro. Não tinha asfalto como tem hoje. Era só mata picada. Foi feito palmo a palmo num esquema de agrupamento dos colonos. Antes, tudo aqui era na base do carro de boi. Mário Sérgio: Seu avô foi um dos fundadores da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, em 1933. Naquela época, o grande líder da colônia era seu Watanabe? Konno: Watanabe foi exatamente quem organizou a cooperativa. Financeiramente, ele era muito pobre. O serviço social era tudo pobre que fazia. O tio Tomessake, que foi da FEB (Força Expedicionária Brasileira), trabalhou na cooperativa. E também o tio Ernesto. O que me admira nesse pessoal que se reuniu para organizar a cooperativa é o esquema logístico e a concepção de abastecimento. A sede localizava-se na esquina da rua Deodato Wherteimer com a Central do Brasil, perto da linha férrea. A carga era transportada de trem tanto para São Paulo quanto para o Rio de Janeiro. Ali era uma usina, se processava fubá, farinha. Era um centro de abastecimento dos cooperativados. Mário Sérgio: No terreno que vocês compraram tinha muita cobra? Konno: Nessa região, nosso tio Hiroshi Vicente Konno, funcionário do Instituto Butantã, em São Paulo, mandava as caixas coletoras de cobras. Em 1949, esse meu tio já estava se formando em Bioquímica, na USP de Ribeirão Preto. Ele foi um dos primeiros. A família pagou todos os estudos dele. Quando encontrava uma cobra, a gente não matava. As principais eram jaracuçu e urutu. Essa região foi desbravada pelo

esforço desse pessoal contemporâneo do meu pai. Mário Sérgio: Qual foi o período áureo do seu pai na produção agrícola? Konno: No período em que tinha de trabalhar mesmo ele ficou doente. Com 27 anos, tirou um rim. Mário Sérgio: O seu avô teve um período áureo na zona agrícola? Konno: Na primeira fase, ele desmatou o terreno de 11 alqueires no braço e na base do boi para arrancar toco e plantou. Mário Sérgio: No período mais traumático, vocês sofreram muito durante a guerra? Konno: Nós fomos discriminados. Meu pai acompanhava tudo pelo jornal O Estado de S. Paulo, ainda mais porque tinha um irmão expedicionário. Ele acompanhava a evolução da guerra, o problema na Itália, porque recebia do irmão o informe de lá. Ele vivenciou essa fase toda e tinha as informações do que acontecia. Depois da guerra, teve restrição. Em 1945, quando voltava da escola, a gente levava cada sopapo! Na nossa família, nosso avô materno Uitachi Honda achava que o Japão tinha ganhado. Ele chegava aqui, bebia muito, sentava-se à mesa ao entardecer e quando todo mundo estava aguardando para jantar, ele começava a discutir com papai, que tinha um irmão lá. Não podia falar japonês, não podia reunir com ninguém. Se conversasse dois ou três, já ia preso, como o pai do doutor Gabriel Sagawa. Cada bairro tinha um quarteirão de polícia. O meu avô materno só reconheceu a derrota quando foi para o Japão. Na volta ao Brasil, a primeira atitude dele foi pedir perdão de joelhos ao meu pai. Eles vieram em 1932 com cultura e estudo. E foram direto para


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o sítio do Sagawa, porque quando o Sagawa era jovem se hospedava na casa deles no Japão. Mário Sérgio: A colônia ficou dividida? Konno: Ficou. Japonês tem mania de se agregar, associar. Naquela época, havia a divisão dos dois grupos: o que ganhou e o que perdeu. Papai acompanhava todo o relato de guerra pelo jornal e pelo informe. A maioria não queria entender (a derrota do Japão) porque houve a restrição de ouvir rádio e ler jornal. Com essa divisão, papai, sempre consciente da situação, não admitiu isso e mandou a colônia sair da área que lhe pertencia. Como o prédio foi construído pela associação e o terreno era dele, ele colocou tudo abaixo. Nessa fase crítica, papai não dormia direito, porque eles invadiam e liquidavam. Mário Sérgio: A Shindo Rinmei teve forte influência em Mogi? Konno: Aqui, não, mas vinha de São Paulo, da região de Araçatuba, Tupã, Presidente Prudente. Também não é só isso. Depois da criação da Shindo Rinmei e os fundos que eles levantaram, acabou virando uma profissão muito bem remunerada, tanto é que cometeram vários crimes. Mas hoje a História tem demonstrado que não foi tão crítico como a gente pensava. Mário Sérgio: Durante a guerra, como ficou a produção agrícola? Konno: O que produzia era vendido. Na baixada ao lado da associação, vovô e papai plantavam figo e aspargo, embora não fosse comum isso na região. Tinha até um barracão de caixas para embalar a fruta. Konno: Nesse tempo, quem eram os imigrantes mais prósperos?

Konno: A maioria tinha produção. Essa região era toda cultivada. Hoje a gente vê terreno em que o mato tomou conta, mas antes era tudo sítio cultivado. As famílias Nagao, Shigueno e Sakai se destacaram, mas a maioria cultivava a terra. Após a fase de plantação de batata e tomate, essa região se destacou em duas atividades: avicultura e fruticultura (pêssego, uva, caqui). Antes, o pessoal não via aproveitamento para o caqui, pois não tinha no Brasil. Para comercializar, o tanino da fruta era tirado na base da cachaça. Mário Sérgio: Paulo Ota disse que todos tiveram sucesso. Por outro lado, Minor Harada disse que poucos tiveram êxito. Qual é a sua visão disso? Konno: Não foi assim tão radical. A grande maioria teve sucesso. Essa região foi pioneira em pêssego. Antes de Itaquera, que foi a terra do pêssego, plantava-se essa fruta aqui. A família Kato, nossa vizinha, plantava pêssego, ensacado com papel impermeável. A grande maioria teve sucesso. Talvez não tenha tido sucesso na hora de vender, porque os encargos eram muito altos. Evidentemente, os pioneiros se sacrificaram, se mataram de trabalhar, porque não tinha mecanização. Era tudo no braço. A maioria foi bem-sucedida. Evidentemente, teve uns que se lançaram a plantar grandes glebas de batata, dava geada e a pessoa ficava no prejuízo. Mário Sérgio: Em qual cultura a sua família se especializou? Konno: O papai e o Sagawa foram um dos primeiros a plantar uva niagara. Depois, ele entrou com a golden queen, uma uva mais doce, mais branca e mais comerciável. O vovô fazia vinho no porão. Toda uva que não se comercializava espremia, fermentava e fazia o vinho. No cultivo de uva houve


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ousadia. Papai foi buscar a cepa lá. Ele e seus contemporâneos foram pioneiros em orquidecultura, dos anos 40 aos 70. Fez um orquidário aqui, que era referência no Brasil todo. Tanto é que gerou uma orquídea aqui que recebeu o nome da minha irmã Marina e foi premiada entre 1960 e 1970. Na fase de mecanização, nos anos 50, papai e vovô compraram o menor trator de esteira. Naquela época, quem tinha dinheiro e posse comprava o D2, D4, como os Nagao. Fazia plantações grandes. Era tudo adubo natural, orgânico. Durante o dia, tinha de entrar e formar a esterqueira. À noite, a gente estudava no Liceu. O banho era praticamente morno, quase frio. Não havia meio de eliminar aquele cheiro de esterco. Em termos de criação, aqui nada se perdia. Aproveitava-se tudo. Mário Sérgio: Qual a influência do seu pai na avicultura? Konno: Aqui em cima tinha quatro galinheiros, que eram abastecidos com duas latas de 20 litros de água. Subia o morro todo. Quando chegava, já não tinha mais água de tanto balançar e escorregar. Ia buscar ração de carroça no Sakoda, que se tornou um concorrente da cooperativa. Pedras buscadas no Itapeti serviam como pilar do galinheiro. A embalagem dos ovos era de gaveta de arame. A vovó era quem fazia isso. Mário Sérgio: Qual a importância da sua avó? Konno: Ela chegou do Japão com 23 anos e filhos. Ela cuidava das galinhas, da horta para abastecer a mesa com a alimentação diária. Sem falar português, absorveu toda aquela maneira de viver, com carne seca, farinha e arroz engordurado. Alimentava todo mundo. Quando a família não tinha mão-de-obra

Tadashi e Lygia Konno


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suficiente, tinha vários rapazes trabalhando aqui que eram chamados de camaradas. A maioria deles era filho de japonês, possivelmente gente que era do interior e queria vir para mais próximo da capital. Eles trabalharam muito por aqui. Mário Sérgio: O senhor falou que a sua avó aprendeu a fazer carne seca. Qual era a culinária de casa? Konno: Era arroz, matéria-prima comprada na venda das fazendas que tinham carteirinha, com carne seca, além do complemento com conserva e outros cereais. A minha avó aprendeu o costume e a forma de alimentação do Brasil. Até lingüiça ela fazia. Cevava o leitão durante um ano. No latão, a banha era do porco sacrificado aqui. No final do ano, aproveitava-se tudo. Não tinha geladeira. Tudo era conservado na banha do porco. Na época da colheita, o repolho cultivado era cheio, pesado e ensacado em cesto de bambu e transportado para o Rio de Janeiro e São Paulo. Na fase da guerra, não tinha farinha, açúcar e o que comer. A gente vivia na base da batatadoce assada pela minha avó. Ela trocava um filão de pão por um cesto de batata-doce com o padeiro. Mário Sérgio: Que ajuda vocês receberam da colônia espanhola? Konno: Era tudo amigo do papai. Esse pessoal ajudou em termos de comercialização. Mário Sérgio: Qual a influência de Yoshio Honda na colônia japonesa? Konno: Ele tinha facilidade de se relacionar com a parte legal, tributária, legislativa e mais a fluência que ele tinha com os japoneses na comunicação. Ele era um homemchave, intermediário. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.



Ichiro Ota, agricultor, é um cidadão exemplar.

Tem atuado na comunidade mogiana como um verdadeiro conselheiro

da cidadania. Foi um dos primeiros a receber os ensinamentos da educação cristã, particularmente influenciado pela Teologia da Libertação. Assim, tem uma consciência crítica sobre a realidade social e, não satisfeito pela desigualdade social existente, trabalha para transformá-la.

Ichiro Ota Mário Sérgio de Moraes: Em que circunstâncias seus pais vieram para o Brasil? Ichiro Ota: Meus pais chegaram no porto de Santos em setembro de 1935. Eles foram para a fazenda Tozan, em Campinas, com contrato de trabalho de um ano. Terminando o contrato, eles vieram para Cocuera, em Mogi das Cruzes, no sítio do senhor Fujitaro Nagao, que tinha uma plantação de frutas, como uva e pêssego. Ficou um ano lá. Depois, foi trabalhar em plantação de tomates com o irmão do Nagao. Mário Sérgio: Como o seu pai conheceu a sua mãe? Ota: Meu pai se preparou tecnicamente para vir ao Brasil. Estudou numa escola agrotécnica na província de Miasaki, sul do Japão. Quando ele estava estudando nessa escola, os professores e o próprio diretor o aconselharam a constituir família antes da imigração. Na escola, já tinha, inclusive,


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amostra de terra do Brasil. Como o diretor conhecia a família da minha mãe e sabia que ela queria imigrar para cá, convidou meu pai para conhecê-la. Eles se conheceram, casaram e vieram para o Brasil.

educação, mais do que a própria religião. Quando os europeus vinham, levantavam igreja. Quando se formavam várias famílias, os japoneses se organizavam e construíam primeiro uma escola.

Mário Sérgio: Na sua infância, como era o ritmo do trabalho da sua família na lavoura? Ota: Como a legislação trabalhista ainda não era rigorosa, o trabalho começava no nascer do sol, tanto para os empregados quanto para os patrões. O horário de almoço dependia muito, mas nosso costume era às nove e meia. Nós comíamos o que tinha. Quando tinha arroz, comíamos arroz, quando não tinha, comíamos raízes, mandioca, batata, porque na época, a gente não tinha recursos. Depois, havia um lanche à uma e meia.

Mário Sérgio: Quais eram as doenças mais típicas? Ota: Bicho-de-pé era comum. Eu, por exemplo, quando comecei a estudar, em 1948, já voltava da escola com o bicho-de-pé. Antes de entrar em casa, tirava o bichinho com agulha esquentada no fogo, porque ele demorava a penetrar na pele, ele ficava com a bunda pra fora e a gente retirava espetando a ponta da agulha. Na infância, os meus irmãos precisaram de médico. Quem passava em casa para assistir era o médico João Rosa. Se o levasse de táxi, ele ia a qualquer hora do dia. Na cidade também tinha o doutor Milton Cruz. Eu sei que um dos primeiros dentistas foi o Isidoro Boucault.

Mário Sérgio: Como se dava o comércio de hortifrutigranjeiros na região? Ota: Naquela época, já tinha a organização de cooperativas, como a Mista de Mogi das Cruzes e a de Cotia. Em Mogi, o comércio que havia se parecia com uma feira. Os produtores faziam banca e vendiam na rua. Com a vinda dos japoneses, os espanhóis sabiam da dificuldade de produzir. Eles conheciam o mercado de São Paulo e do Rio de Janeiro. Então, passaram a comercializar o que os imigrantes nipônicos produziam. Tínhamos muito contato com as famílias espanholas Cecin e Alabarce. O meu pai começou com a venda de tomate, batata, repolho e raízes. Mário Sérgio: Além da Cooperativa Mista, quais eram as outras associações? Ota: Em cada bairro tinha uma associação, porque a grande preocupação dos japoneses sempre foi a

Mário Sérgio: Qual era a religião do seu pai? Ota: Era uma ramificação do budismo. Como veio para o Brasil com a intenção de voltar ao Japão, ele conservava o budismo. Com a guerra, resolveu ficar, até porque estava numa situação boa de trabalho. Ele disse que deveríamos acompanhar o Brasil. Na escola onde comecei a estudar, a professora era católica, ensinava a rezar. Eu rezava em casa porque meu pai sempre exigia que, de manhã, assim que acordasse, a gente rezasse em frente ao púlpito com a imagem do Buda e as fotografias dos parentes mortos. No budismo, a gente tem um sininho que eu gostava de bater. Levantava primeiro para fazer isso. Mário Sérgio: Como foi a Segunda Guerra para vocês? Ota: Antes de eu completar cinco anos, meu pai já


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sofria pressão dos próprios japoneses, porque ele continuava trabalhando. Plantava tomate, batata e berinjela. Ganhava, mas quase ninguém plantava. Os compradores encontravam o meu pai com batata, repolho. Pagavam caro e levavam. Os vizinhos japoneses falavam que não podia trabalhar, porque o Brasil estava contra o Japão. O pessoal não queria que meu pai trabalhasse. Como o preço era bom, ele resistiu à pressão. Mesmo ameaçado, foi em frente. Aqui, a Shindo Rhimei não foi forte como no interior, mas o grupo era bem organizado. Eles sempre tinham uma escuta com ondas curtas que captava mensagem do Japão. Só plantava arroz e outros alimentos para a sobrevivência. No pós-guerra, a partir de 1946, no governo do Eurico Gaspar Dutra, quem acompanhou o embalo cresceu. Mário Sérgio: Quais técnicas agrícolas favoreceram o trabalho da sua família? Ota: Meu pai tinha cuidado ao usar os insumos, como adubos. Ele não tinha bomba para irrigar. Então, no final da tarde, carregava água no tambor, puxado pelo cavalo, e molhava pé por pé. Lembro até de adubos compostos que vinham da Alemanha, num saco de cem quilos com o carimbo da BSF. Depois de 1958, a nossa terra começou a enfraquecer porque a matéria orgânica ficou mais pobre para trabalhar com tubérculos. Então, meu pai utilizou a própria terra, na Granja Nagao, e partiu para um sonho que já tinha de fruticultura. Nós começamos com caqui. Meu pai viu plantações em Botujuru e Biritiba Mirim. Achou interessante porque brasileiro gostava de caqui mole. Já começou a plantar de mil pés para cima. Mário Sérgio: Qual foi momento com mais desenvolvimento econômico para a colônia?

Ota: A partir de 1960, todos os segmentos entraram no embalo, principalmente a granja. A fruta veio na rabeira. O consumo estava aumentando. São Paulo crescia muito, assim como a demanda no mercado do Rio de Janeiro. Mogi era um centro produtivo. No governo da revolução, havia inclusive financiamento com subsídios. Na época, trabalhávamos com o Banco do Brasil, Banco do Estado e Banco da Lavoura. Mário Sérgio: Qual a sua experiência no trabalho com a terra? Ota: Com 15 anos, eu conheci o Clube Agrícola 4H do Brasil. Já participava desse movimento o doutor Hiroshi Ikuta. Ele era líder da juventude. Aumentamos nosso contato com os trabalhos da Secretaria de Agricultura pela Escola de Agronomia de Piracicaba, Instituto Biológico e Instituto Agronômico de Campinas. Eu comecei a fazer os ensaios de adubação em casa.Por exemplo, tinha de classificar os tipos de raízes. Fiz muito ensaio com raízes (batata, batata-doce e mandioquinha) e doenças de repolhos. Mário Sérgio: Vocês obtiveram que resultado? Ota: Aumentou a produção por metro quadrado. Chegamos à conclusão de que a gente precisava se preparar tecnicamente. Como esse pessoal já era do campo específico, então eu comecei a me desligar deles e a entrar na área de fruticultura, em especial do caqui. Era difícil de trabalhar, inclusive, na colheita. O caqui que conhecíamos era muito alto. Em toda safra, as pessoas se machucavam, caíam da escada e chegavam até a quebrar a perna. Antes, um lado da fruta tomava sol, o outro não. Meu pai queria que tomasse sol para ter um caqui uniforme. Ele já sabia que, por meio da poda, conseguiria


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fazer uma árvore diferente. Nós fazíamos um tipo de poda para facilitar a colheita. Também criamos galhos pequenos para frutificar a árvore inteira. A fruta ficou mais graúda. Mário Sérgio: Quais os fatores que trouxeram crise para a colônia? Ota: É uma questão de quantidade de produção. Quando o mercado ainda não tem consumo alto, então tudo que é produzido de qualquer maneira perde qualidade. Não é qualquer faixa que pode consumir. Então, se tiver superprodução, começa a quebrar o pessoal. Mário Sérgio: As barragens prejudicaram a produção agrícola? Ota: Sim, sem dúvida. Nessa época, o Brasil se ampliou muito. Antes, a produção no cinturão verde ficava por conta do Alto Tietê. Depois, os japoneses que moravam em outras regiões, como sudeste e noroeste do Estado, perceberam que poderiam plantar e cresceu a quantidade de produtores. Esta foi uma das causas. Nosso mercado de produtos agrícolas ainda é baseado na oferta e procura. O consumo não acompanhou isso. Mário Sérgio: De que forma vocês enfrentaram a hiperinflação? Ota: Ela prejudicou, mas a questão era acompanhar. Senão, a pessoa quebra. Se acompanha a inflação, muitas vezes a pessoa ganha mais do que época estável. Mário Sérgio: Qual foi o prêmio que você recebeu? Ota: No começo dos anos 80, foi o prêmio do Incra para produção por metro quadrado pela área. Nossa produção de caqui se destacou no mercado. Cuidávamos da árvore e não pegava doença. Demorava mais para maturar, mas crescia muito. Quando o pico da


Entrevista | 241

safra na redondeza terminava, o nosso começava. Eu chegava a colher mais de 30 quilos de caqui por metro quadrado, numa árvore de 15 a 25 anos. Mário Sérgio: Da onde vem seu espírito de cidadão participante? Ota: Desde a adolescência participei de grupos. Freqüentei o de liderança da juventude agrícola. Depois, a participação social mais ampla foi pela igreja. Conhecendo o Evangelho, eu sempre quis provar ou experimentar aquilo que a gente ouvia e via. A gente sempre vê a pobreza. Quando fui para a escola primária, não tinha sapato. A vida era assim. Então, eu sabia que você saía da pobreza com trabalho e organização. Descobri que as pessoas não cresciam porque não tinham oportunidade, primeiro pela educação, pois não tinham acesso à escola. Mário Sérgio: O seu sogro era uma pessoa bem conhecida na colônia. Ota: Quando os japoneses começaram a entrar, quem os ajudou foi o meu sogro, Ioshio Honda. Ele era contador e tinha acesso à parte do serviço público. Sabia o que o pessoal precisava fazer para ter sossego. Tinha um trabalho de orientação. Era um dos grandes líderes da colônia. Mário Sérgio: A colônia era unida? Ota: Todos os japoneses vieram com um único intuito: chegar aqui, ficar rico e voltar. Para enriquecer, é necessário fortalecer o individualismo. Era uma competição entre vizinhos, o que ajudou a crescer a colônia. Havia boa organização quando os líderes conseguiam contornar desentendimentos. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.



Minor Harada, político, foi e é um dos mais influentes

membros da colônia japonesa

atuando para o benefício de sua comunidade.

Foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes que representou os seus conterrâneos. Na sua gestão, ampliou-se o desenvolvimento agrícola e comercial do chamado cinturão verde.

Minor Harada Mário Sérgio de Moraes: Por que seu pai veio para Mogi das Cruzes? Minor Harada: Ele ganhou dinheiro no interior, entre Barretos e Ribeirão Preto. A fazenda era dos Junqueiras. Ele tinha uns parentes, uns conhecidos aqui. Comprou o sítio em Cocuera, onde moro até hoje. Eu entrei no segundo ano do Grupo Escolar de Cocuera. A minha professora chamava-se dona Isabel. Depois foi dona Olga e um professor baixinho, chamado Osvaldo Rodrigues. O diretor do grupo era João Cardoso. Não tinha professor japonês. Pelo contrário, tinha escola japonesa em surdina. Meus colegas falavam que iam servir o exército e ir para o Japão. A maioria era filho de fanático. Em 1940, meu pai lia O Estado de S. Paulo e acompanhava. Ele sempre foi muito esforçado. Lia em português. Então, sabia que o Japão tinha perdido a guerra, mas não podia falar assim abertamente. Em 1946, fora algumas famílias, a maioria achava que o Japão tinha ganhado a guerra.


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Mário Sérgio: O presidente do Bunkyo disse que havia até uma divisão territorial entre as crianças. Elas eram chamadas de vitoristas e derrotistas. Como criança, ninguém sabia por que se chamava assim. Havia então essa divisão geográfica? Harada: Nos bairros de Cocuera, Porteira Preta, Vila Moraes, Biritiba Ussu, havia essa divisão. Só que uns não se expunham. Outros eram fanáticos. Na escola japonesa, o professor orientava a gente a ser favorável ao Japão. Quem mudou muito a cabeça do pessoal foi o seu Osvaldo Rodrigues. Ele teve influência em Cocuera em 1947 e 1948. Como eu era mais falante, ele me respeitava muito. Eu fui o único da classe que não apanhei dele. Ele montou um preparatório na época do ginásio e chamou para a integração à sociedade brasileira. Naquele tempo, poucas pessoas liam jornais, porque o pessoal estava preocupado com programa japonês em rádio. Mário Sérgio: Quem eram os intelectuais da colônia? Harada: Higushi, seu Yamamoto. Eram professores de escola japonesa. Esse professor era competente. Ele ensinava mais a língua do Japão. A maioria mesmo era lavrador. Eles achavam que viriam, ficariam temporariamente, ganhariam dinheiro e iriam embora. Essa era a intenção de todos, ou da maioria. Mário Sérgio: Os seus pais desejavam a integração ou eles eram reticentes? Harada: Eles nunca se preocuparam com isso. No bairro tinha associação, fundava isso e aquilo. Teve muita perseguição também. O pai do Taro Konno não sofreu perseguição porque tinha cara de baiano. Ele tinha nariz comprido e era moreno. Não tinha

o olho tão fino assim. Todo bairro tinha suas associações. Nós começamos essa integração entre os anos 50 e 60. Mário Sérgio: Na época, quem eram os líderes? Harada: Shigueno, Nagao e Neguishi. Eles eram lideranças, porque participavam. A família do Junji (Abe) era meio isolada. Eles participavam financeiramente, ajudavam, mas não tinham contato direto. O avô dele era meio gago, talvez tenha sido isso, mas ele não gostava de participar muito. O pai dele seguiu a mesma orientação. O Junji estudou em Mogi, porque em Biritiba Ussu a escola era muito longe da fazenda. O professor Osvaldo chegou e falou que a gente teria de ler jornal. Num dia, eu me lembro que ele perguntou quem era o presidente do Brasil e um colega falou o nome do imperador do Japão. Levou umas cacetadas. Quando teve o exame de admissão, fui o único do bairro que passou para o Washington Luís. Fiz quatro, cinco anos do clássico. Mário Sérgio: Você chegou a trabalhar na lavoura? Harada: Tinha de ajudar em casa. Meu pai ficou doente logo que veio para cá. O papel das mulheres nesse instante era trabalhar na enxada também. Em casa, elas faziam a administração orçamentária. Mário Sérgio: Como você entrou para a política? Harada: O Taro Kono tinha as limitações. A colônia achava que deveria ter uma representação na Câmara. Então, foi Hideo Nakayama pela Capela e eu por Cocuera. Ele foi pelo PSD e eu fui pela UDN. Fui eleito vereador, em 1963, o mais votado, com uns setecentos votos. O Hideo teve uns seiscentos.


Entrevista | 245

Mário Sérgio: A colônia tinha conhecimento da política local ou era ainda um mundo à parte? Harada: Era à parte. A gente tentou essa integração. Aos poucos, nós fomos conseguindo. A política em Mogi era restrita. Quando Rodolfo Junger era prefeito, conseguimos trazer o governador para Cocuera. A primeira vez lá foi em 1959. Quem veio numa dessas festas foi o Carvalho Pinto, que nunca tinha vindo em Mogi. Mário Sérgio: Você foi discriminado quando chegou? Harada: Não. Desde moleque, eu tinha facilidade de falar. Eu me lembro que a gente ficava quieto no plenário. Num dia, falei um negócio e, em vez de falar “soube”, falei “sube”. O advogado João Afonso pediu aparte. Ele me corrigiu. Eu agradeci as palavras dele e disse que apesar de ser caipira, fui o vereador mais votado. Se fosse advogado, seria ministro da Justiça. Ele sentou e ficou calado. Um dia, um colega, querendo fazer gracinha comigo, perguntou se eu não tinha vergonha de ser tão feio. Eu disse que ele era o meu consolo. Mário Sérgio: Qual era o ponto de encontro da colônia? Harada: Naquela época, era o Cosmos Clube, que ficava na Barão de Jaceguai. A gente não participava porque lá era bem elite. Sempre teve quem era e quem não era da elite. Era atletismo e judô que juntavam o pessoal. O Bunkyo era para os velhos, a ADMC (Associação Desportiva de Mogi das Cruzes), que sempre tinha aquela divisão de quem ganhou e perdeu. Cosmos era dos derrotistas (advogados, dentistas, médicos) e a ADMC era dos vitoristas.

Mário Sérgio: A teoria dos vitoristas não teve tanta aceitação porque alguns pioneiros já estavam razoavelmente bem-sucedidos na vida? Harada: Tanto é que esse pessoal era meio neutro. Eles não entraram nessa divisão porque poderiam prejudicar o negócio deles. Um dos objetivos nossos era exatamente esse. Um dos lemas da minha campanha era “a voz da lavoura por Mogi melhor”. Eu disse que poderia não resolver os problemas da agricultura, mas iria popularizá-los. Foi quando começou a se falar em agricultura e hortifrutigranjeiros. Mário Sérgio: Os outros não tiveram capacidade para fazer esse volume? Harada: Eles não tinham retaguarda também. O Taro foi o primeiro. Pouca coisa ele pôde fazer. Na nossa campanha já teve esse negócio. Nos contatos políticos, popularizei a agricultura. Na Câmara, falava dos nossos problemas. Mário Sérgio: A colônia soube te compreender? Harada: Alguns não, mas a maioria compreendeu. Tanto é que montamos a Associação Rural. Sem dúvida, tive apoio da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, pois o presidente era o Neguishi. A gente conhecia esse pessoal. Eu abri caminho para todos eles, por exemplo, para a Ceagesp. Tinha cooperativa, mas a gente colocou junto o governo. Naquele tempo, você tinha de hipotecar a propriedade toda para conseguir financiamento rural, não importa o valor. Após duas semanas de uma audiência com o governador Adhemar (de Barros), o gerente do Banespa me chamou e me parabenizou por conseguir mais financiamento. Isso repercutiu pouco na colônia, porque a maioria naquela época trabalhava mais com o


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América do Sul e com o Banco do Brasil, no Banespa eram poucos. Dos 15 pedidos que fizemos, o meu foi o único a que o Adhemar atendeu. Em função do meu cargo, consegui ampliar. Começamos com negócio do Rio de Janeiro. Na época, o governador era o Carlos Lacerda, meu padrinho de casamento. O Rio abriu caminho. Tanto é que quando ele veio receber o título em Mogi, disse que tinha vindo conhecer a cidade que abastecia o Estado dele. Muitos comerciantes começaram a fazer a ponte com o Rio, porque só São Paulo não conseguia consumir tudo que a gente produzia. Em 1970 foi o apogeu. Mário Sérgio: Foi o apogeu por quê? Harada: Por causa da produção de ovos. Em 1970, nós tínhamos 1.200 famílias que tinham granja. Então, naquela época, só de incubador nós tínhamos o Nagao, o Shigueno, dois Sakai. Só a Cooperativa Itapeti mandava de dez a 15 caminhões por dia de verduras. A família do Junji era grande produtora, orientava os descendentes. Eles mandavam caminhões mais para o Rio do que para São Paulo.

abriu as portas de lá. Foi o apogeu por causa disso. Depois da revolução, o Lacerda abriu caminho. Os outros governadores, independente do partido, abriram o comércio, porque aqui tinha muita produção, mas não tinha organização. Em função disso, inauguramos o varejão em Mogi, em 1979. Depois, isso deu problema. Você mandava um caminhão de tomate para a Ceagesp, só que o frente e a embalagem eram os mesmos para dois tipos diferentes. O feirante só levava o que lhe interessava e recusava o resto. Então, a jogada foi vender aqui o artigo de segunda linha, em vez de mandar para São Paulo. Três pessoas fundaram esse varejão: Waldemar, doutor Edson Consolmagno e eu. Montamos na surdina, porque alguns vereadores estavam no Japão e, se fala para muita gente, depois não dá certo. Quem leva vantagem é o consumidor. Quando o agricultor aprende a comercializar, aprende a programar. Foi baseado no Afif que começamos o varejão. Aprendi que, em vez de plantar dez alqueires de repolho de uma só vez, plante um alqueire em sete vezes. Nunca o preço do produto cai.

Mário Sérgio: Quais eram os subsídios que as pessoas recebiam dos bancos? Harada: Esse subsídio foi cortado pelo Delfim. Teve muito abuso na época do Figueiredo.

Mário Sérgio: Em termos de estradas vicinais foi feito algo importante? Harada: Isso começou depois da minha época. O Waldemar tinha prometido a estrada do Nagao e levou quase 30 anos para terminá-la.

Mário Sérgio: Qual foi a causa da crise na lavoura? Harada: A hiperinflação contribuiu para a crise. O principal problema, além da inflação, foi o preço. A comercialização estava fechada, na mão do pessoal da Ceagesp e das cooperativas. O que favoreceu isso foi as lavouras do Rio de Janeiro, porque o Carlos Lacerda

Mário Sérgio: O que o Waldemar fez pela colônia? Harada: Ele abriu caminho e diálogo com todos. Era representante e homem de confiança. A manutenção das estradas era por nossa conta. O Waldemar, então, disse que a partir de então tudo seria por conta da Prefeitura. Em 1969, fui o primeiro descente a ser presidente da Câmara.


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Um dos lemas da minha campanha era “a voz da lavoura por Mogi melhor”. Eu disse que poderia não resolver os problemas da agricultura, mas iria popularizá-los. Foi quando começou a se falar em agricultura e hortifrutigranjeiros Mário Sérgio: Tinha hospedaria, loja e jornal japoneses? Harada: Só em São Paulo. Aqui tinha restaurante japonês chamado Esquisito, Yamamoto, Kato. Tinha o pensionato que virou departamento do Bunkyo. Tinha comércios na mão de japoneses. Nas ruas Dr. Deodato, Senador Dantas e José Bonifácio eram praticamente de japoneses. Tinha as lojas que os japoneses mais freqüentavam como, por exemplo, a Pousada Central. Lá, o pessoal do sítio assinava jornal e via correspondência. Aproveitava e fazia as compras. Tinha a casa Kimura, casa de sapatos. E tinha casa Santo Antônio de Pádua, de descendentes. Mário Sérgio: Quem eram os médicos que atendiam a colônia? Harada: Nobolo Mori era o mais popular. Depois vieram os outros dentistas e médicos. Mário Sérgio: Todo mundo fala em duas cabeças: Hiroshi Ikuta na agricultura e doutor Edson. Harada: O problema do Ikuta é que ele tinha dificuldade de se manifestar. Ele é técnico. O Edson já

tinha mais facilidade. Eu os usei e eles me usaram como porta-voz. Mário Sérgio: Passados cem anos, como você encara a contribuição da imigração japonesa em Mogi das Cruzes? Harada: Primeiro, os japoneses, vieram e implantaram a agricultura. Com isso, vieram muitas influências, inclusive escolas e associações. A maioria dos japoneses se preocupa muito com a educação. Depois, vem a política. Na comemoração dos 50 anos da imigração, fui um dos integrantes da comissão. Mário Sérgio: O Paulo Ota disse que você foi injustiçado. Por quê? Harada: Eu tinha uma outra visão. Japonês é muito conservador. Os veteranos não eram muito de diálogo. Hoje eu sou um deles. Por isso, tomo muito cuidado. Eles tinham medo de se abrasileirar. Eles chamam o brasileiro daqui de gaijin, que é quem vem de fora. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.



Hiroshi Ikuta, engenheiro agrônomo, foi um dos

cérebros agrícolas da colônia.

Responsável pela experimentação genética de

inúmeros produtos, como a modificação da couve-flor, repolho, berinjela, trouxe melhorias substanciais à produção de vegetais e legumes, transformando a cidade de Mogi das Cruzes no principal centro de abastecimento de gêneros alimentícios de capitais como São Paulo e Rio de Janeiro.

Hiroshi Ikuta Mário Sérgio de Moraes: O que motivou seus pais a deixar o Japão? Hiroshi Ikuta: A família do meu pai era de agricultores de nível médio. Ele tinha três irmãos homens, mas a área não era suficiente para os três rapazes trabalharem à vontade com agricultura. Como ele era o irmão mais velho, deixou a casa em favor dos mais novos. Com a liberação dos escravos e a crise econômica após a Primeira Guerra Mundial, a fazenda tinha grande falta de mão-de-obra. Os próprios fazendeiros de café trabalharam para a indução desses imigrantes. Uma família precisava ter no mínimo três trabalhadores para receber auxílio de transporte do Japão para o Brasil. Ninguém falava português. Então, depois que o meu pai completou o contrato de dois anos nas fazendas de café, ele ficou liberado. Mário Sérgio: O senhor é filho de um dos primeiros imigrantes japoneses que vieram para Mogi das Cruzes. Como o seu pai veio parar aqui?


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Ikuta: O terreno era muito barato, apesar da proximidade com São Paulo. Tinha todas as condições favoráveis. Meu pai adquiriu a propriedade graças principalmente à boa vontade dos proprietários. Naquela época, o Brasil era um País de monocultura; praticamente tudo girava em torno do café. Tanto é que Mogi das Cruzes também já foi centro de produção cafeeira. Só que o clima não ajudou, porque o café maturava durante o ano inteiro, e não de uma vez. Aqui ficou área abandonada, porque os agricultores mais adiantados se deslocaram. Os descendentes ficaram sem condição de aproveitar o terreno. Então, eles vendiam lenha, faziam carvão, plantavam milho e mandioca. Mário Sérgio: Como vocês adquiriram o terreno? Ikuta: Os proprietários descendentes de portugueses disseram que o japonês tem facilidade para lidar com hortaliças. Apesar de não ir bem com o café, o clima ajudava muito a horticultura, porque a temperatura era amena e muitas folhagens se desenvolviam bem. Então, o dono falou para o meu pai plantar as hortaliças e pagar aos poucos, até oferecer quase 20 alqueires de terra a dez contos, tudo parcelado em três anos. O meu pai pagou o primeiro e o segundo ano de acordo com o contrato. No terceiro ano veio geada e acabou com a produção; então, ele não conseguiu cumprir o contrato. O proprietário esperou mais um ano sem juros. No quarto ano, quando meu pai levou a quantia, o dono ainda descontou um conto de réis, porque tudo foi pago direitinho. Mário Sérgio: O seu pai se dedicou primeiro a qual cultura? Ikuta: Começou plantando tomate, uma cultura muito rendosa. Os imigrantes italianos antecederam

um pouco os japoneses. Quem veio para as fazendas de café no interior concluiu a promessa de dois anos e saiu para São Paulo, formando o núcleo de italianos na cidade. Com a divulgação, aumentou o consumo de tomate. Era uma cultura interessante de se comercializar no Mercado de São Paulo. Mais tarde, foi fundada a Cooperativa Agrícola Mista de Mogi das Cruzes para atender à necessidade de coletar material dos pequenos proprietários, transportar para São Paulo e executar a venda para o povo. Mário Sérgio: Qual resultado as cooperativas conseguiram na época? Ikuta: Houve muitos problemas. Apesar do desenvolvimento, quando os japoneses perceberam que o tomate era rentável, todos começaram a plantar tomate. O mercado não cresce de um dia para o outro. Então, houve superprodução momentânea. Depois, resolveram fazer massa de tomate para conservar, mas indústria é complicado. Os agricultores não têm prática nem entendem a parte burocrática. Todos que eram sócios na cooperativa estavam indiretamente ligados a essa atividade. Mário Sérgio: Como foi a Segunda Guerra para a cooperativa? Ikuta: A cooperativa já estava bem estabelecida e desenvolvida. Depois da primeira dificuldade com a massa de tomate, a situação normalizou para os produtores. Quem ajudou muito o desenvolvimento da horticultura em Mogi foram diversos imigrantes não japoneses, como os espanhóis. Depois que alguns cafeicultores se mudaram para o interior, sobraram agricultores em grande escala, com cerca de 50 a 60 empregados, por exemplo. Os que ficaram em Mogi também se dedicaram a outras atividades.


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Eu posso destacar o repolho, pimentão e berinjela, no caso dos espanhóis. Mário Sérgio: O senhor foi pioneiro com o repolho. Ikuta: Devido à altitude, Mogi se tornou um centro de produção de hortaliças durante o verão. O repolho se desenvolvia facilmente em grandes áreas, o que facilitava o transporte. Mário Sérgio: Na parte de comercialização, os japoneses foram explorados? Ikuta: Não, pelo contrário. Os grandes produtores ajudaram bastante o desenvolvimento dos japoneses, porque o consumo era grande no Rio de Janeiro. Eles eram facilitadores dos pequenos proprietários. As famílias Cecin e Jungers tinham casa de comércio. Elas adiantavam adubo, depois comprava todo o produto. Na colheita, mandavam 20 empregados, que enchiam um caminhão com repolho no mesmo dia e transportavam para o Rio. Eu considero isso fundamental para o desenvolvimento da horticultura na região. Também teve um chacareiro italiano chamado Cocito, que, quando soube que vinha imigrante japonês para o Brasil, solicitou uma família com conhecimento de agricultura nos Estados Unidos. Então, a família Suzuki era a única que sabia sobre o tomate, batata e cebola nos Estados Unidos. Ele veio para Mogi e prestou informação para muitas famílias japonesas que vieram pra cá. Mário Sérgio: Durante a Segunda Guerra, em razão da divisão interna na colônia, houve desarticulação da produção? Ikuta: Houve confusão mesmo. Com a crise econômica,

os japoneses vieram para o Brasil com a idéia de fazer fortuna e voltar para o Japão. Mas a propaganda que eles recebiam nem sempre era real. Com o tempo, eles gostaram mais daqui, porque a condição é melhor para quem conhece o clima do Japão, onde o frio é intenso. Trabalha-se muito na primavera e verão, mas no inverno não há condições. Nessa região, a atividade agrícola é facilitada pelo clima, pela terra, pela área, enfim por todos aspectos. Aqui houve desarticulação parcial. Para começar, o objetivo mudou. Muitos tiveram de voltar ao Japão para resolver assuntos pendentes. Mas nada grave, porque não houve confronto direto. A natureza dos brasileiros não era tão intolerante, discriminatória. Talvez esta seja a maior qualidade dos brasileiros. Mário Sérgio: Onde o senhor estudou a escola primária? Ikuta: Uma das atividades típicas da colônia japonesa foi a instalação da Escola Mista. A preocupação de alfabetizar seus descendentes era muito premente. Apesar de ser imigrante no setor da agricultura, não tinha nenhum analfabeto entre os japoneses. Todos tinham curso primário. Aqui, por exemplo, quando tinha 20 famílias, eles instalavam uma Escola Mista. Eu freqüentei essa escola três anos. No primário, minhas professoras chamavam-se dona Maria e dona Helena. Lecionaram no bairro de Porteira Preta, em meados da década de 30. Depois, fui para a cidade freqüentar o Grupo Escolar Coronel Almeida, por volta de 1940. O nome do diretor era Adolfo Cardoso. Fiz o terceiro e quarto anos no Coronel Almeida, depois o ginásio no Dr. Washington Luís. Terminei o colegial no Anglo-Latino, porque naquela época não tinha o que chamamos hoje de cursinho. Em


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seguida, fui para a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba.

Essa é uma fase importante da transformação da agricultura de modo geral.

Mário Sérgio: À medida que se erguiam escolas, formavam-se associações? Ikuta: Cada bairro tinha uma associação. Todos tinham de se reunir para conservar as estradas, instalar a escola e resolver os problemas da comunidade. Em 1924, foi fundada a Associação da Colônia Japonesa em Mogi das Cruzes. Em 1925, veio a Associação Agrícola Cultural de Porteira Preta. E assim por diante. Também nessa época foi aberta a estrada que hoje vai para a Mogi-Bertioga, mas antigamente serviu para a instalação do reservatório que levava água para São Paulo.

Mário Sérgio: Qual foi a sua colaboração? Ikuta: Quando fui para Piracicaba, minha intenção era estudar a fruticultura temperada, um sucesso do momento. Infelizmente, lá não tinha pesquisas avançadas nessa área. O que tinha era mestres de alto nível em horticultura. Então, mudei de idéia. Com o advento da Segunda Guerra, houve uma mudança muito importante no setor científico, porque Hitler expulsou grandes cientistas da Alemanha, que eram quase todos judeus. Para o Brasil, veio um cientista famoso em melhoramento de plantas, em genética biológica. Chamava-se Adolfo Gustavo Briguer.

Mário Sérgio: É unanimidade o nome do senhor como a pessoa que pensou em experimentações. Qual foi o seu aprendizado em Piracicaba? Ikuta: Não tem nada de especial. É uma questão de contar um pouco a história do desenvolvimento da agricultura da colônia japonesa em Mogi. Com o desenvolvimento da cultura de tomate, os agricultores começaram a diversificar as culturas e passaram a produzir culturas permanentes que dão mais estabilidade. Mogi sempre foi um centro pioneiro para a renovação de culturas, como pêssego, nêspera e caqui.

Mário Sérgio: O senhor aprendeu muito com ele em termos de genética? Ikuta: Aprendi, porque ele era um genético internacional. Quando recebi a bolsa de estudos do governo japonês, em 1964, e falei que fui aluno do Briguer, fui recebido como se fosse um geneticista de primeiro escalão. Aprendi muito sobre melhoramento de plantas e hortaliças. Trabalhei muito com o professor Marsílio Dias, do setor de melhoramento de hortaliças. Quando comecei o trabalho, cheguei à conclusão de que tem de haver um campo de experimentação exatamente onde a cultura de hortaliças é avançada, para colaborar com os produtores e ficar ciente da tendência. Achei necessário um centro de desenvolvimento agrícola em Mogi das Cruzes, em 1960. Tive a contribuição das associações dos produtores.

Mário Sérgio: Então, já não era mais os espanhóis que cuidavam disso? Ikuta: A lei trabalhista de Getúlio Vargas dificultou a agricultura em larga escala. Inviabilizou. Todos os grandes agricultores passaram a ser comerciantes. Os japoneses sobreviveram, mesmo baseados na mãode-obra familiar, com uns ou outros empregados.

Mário Sérgio: De tudo que aprendeu, o que o senhor aplicou em Mogi?


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Ikuta: Eu praticamente trabalhei com a produção de sementes híbridas, o cruzamento entre duas plantas selecionadas. Quando ocorre uma boa capacidade de combinação entre duas plantas, essa semente que chamamos de híbrida tem uma produtividade superior à média dos pais. Isso acontece com todos os seres, inclusive com os homens. Com planta você tem duas populações. Seleciona a melhor planta de uma população, a melhor planta de outra e cruza. Quando o resultado é melhor que os pais, é só reproduzir aquelas duas plantas e tirar a semente híbrida que fica mais produtiva. É simples. Mário Sérgio: Em qual produto o senhor aplicou essa técnica e obteve bom resultado? Ikuta: A partir de 1960, eu apliquei isso em hortaliças. Essa teoria não é nova. Na década de 1930, os americanos descobriram que o milho híbrido era interessante. Somente 1% da área cultivada de milho utilizava semente híbrida. Atualmente, quase 100% da produção de milho é feita na base de sementes híbridas, tamanho foi o avanço produzido por essa técnica. Na década de 1960, o Japão produziu repolho híbrido, o que repercutiu amplamente aqui. Basta dizer que em Mogi das Cruzes, na ocasião, o repolho era uma das culturas mais importantes. Então, a base de produção de um hectare, por exemplo, era para quatrocentas sacas. Agora, o híbrido japonês produzia duas mil sacas. Eu fui ao Japão fazer estágio exatamente para aprender essa técnica. Só que não apliquei imediatamente no repolho, pois é mais complicado. Então, o mais fácil era a berinjela, porque é uma planta muito rústica e um cruzamento produziria uma grande quantidade de sementes. Tinha uma variedade americana que todos cultivavam de berinjela, chamada Florida Market. Dava produtos enormes. Foi fácil chamar a atenção

dos produtores. Depois disso, trabalhei com diversas hortaliças, como pimentão. Fiz o híbrido de pimentão que também fez sucesso. No trabalho que desenvolvi, considero a couve-flor o mais importante. Mário Sérgio: Conte sua experiência com couve-flor. Ikuta: Trabalhei 35 anos com couve-flor. Para contar essa história, eu tenho de falar a história de Teresópolis, no Rio de Janeiro, onde existia uma colônia importante de italianos. Lá tinha couve-flor de qualidade muito grande; era enorme. No núcleo da colônia italiana, para atender a imperatriz Tereza Cristina, eles caprichavam muito na produção, que na ocasião era hortaliça nobre. Ali surgiram variedades mais importantes de couve-flor no Brasil, mas só dava durante o inverno. Meu pai plantava essa couve-flor. Quando fui estudar em Piracicaba, falei para os professores que revolucionaria a agricultura se conseguisse plantar couve-flor de qualidade no verão. Meu professor Marsílio Dias disse que o inverno da Índia é mais quente que o nosso verão. Então, o negócio foi trazer variedades para o Brasil. Fez um ensaio de produção. Mas a couve-flor era pequena. Não tinha valor comercial. Ele cruzou essa variedade com a variedade local e produziu a couve-flor Piracicaba número um. Foi a primeira couve-flor de verão produzida no Brasil, no início dos anos 50. O meu trabalho foi exatamente cruzar esse material com o gigante de Teresópolis. Essa experimentação também foi feita em berinjela e pimentão. São essas três espécies com as quais eu trabalhei muito. Mário Sérgio: Como era o relacionamento, mesmo nos anos 60, dos proprietários japoneses com os camaradas, com outros trabalhadores?


Entrevista | 255

Ikuta: Houve uma mudança muito grande. Eu lembro que quando era criança, tinha camaradas de alto nível. Eram elementos de alta qualidade, tanto na confiança quanto na produtividade. Então, a indústria canalizou praticamente todos esses elementos. Ela depreciou muito a qualidade de mãode-obra dos agricultores, pois eles saíram da terra. Isso também foi um dos fatores da queda dos grandes proprietários. Mário Sérgio: Além das sementes híbridas, o senhor testou outros experimentos? Ikuta: Sim. Em algumas técnicas culturais, porque as espécies exigem técnicas culturais corretas. Então, isso sempre acompanha. A adequação de cultura, de acordo com as condições ambientais de cada região é muito importante. Por exemplo, o cogumelo exige um clima ameno. Torna-se competitivo com outra região e vai sobreviver. A cultura de orquídea prefere clima úmido e assim por diante. A escolha específica e regional faz parte do melhoramento da cultura. Mário Sérgio: As barragens prejudicaram a atividade agrícola? Ikuta: Nem tanto, porque nessa época houve uma queda gradativa de produtividade. Os japoneses levaram muito a sério a educação dos filhos. Então, quando podiam, mandavam seus filhos para o ginásio, colégio e faculdade. Toda família mandava seus filhos para escola, mas quando formava, não tinha campo de atuação no sítio. Também a falência

de todas as cooperativas dificultou o transporte de mercadorias. Mário Sérgio: Por que elas faliram? Ikuta: Teve falta de orientação e fiscalização. No começo tinha imposto de vendas por consignações dentro das cooperativas. Então, os lavradores vendiam, a cooperativa cobrava a mão-de-obra, mas uma parte dessa contribuição tinha de ser usada na assistência social de seus sócios. A Cooperativa de Cotia, por exemplo, montou um grande hospital. Contratava agrônomos para orientar tecnicamente os produtores. De repente, mudou para imposto de circulação e foi um grande golpe. Depois, houve desenvolvimento dos supermercados. Os grandes atacadistas tiveram facilidade de crédito durante um período, a cooperativa não teve. Mário Sérgio: A colônia era mais unida do que é hoje? Ikuta: Era unida porque eles não tinham expansão, porque a vida deles era muito difícil. Esses japoneses tiveram uma dificuldade tremenda para aprender português. Tinha de manter a estrada em condições transitáveis. Eles se reuniam. Um dos motivos importantes para a fundação de cooperativa foi a facilidade de comunicação entre eles. Demorou muito porque somente com o crescimento dos filhos que freqüentavam escolas é que se abriu um campo de comunicação com a comunidade brasileira. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.



Oswaldo Nagao, granjeiro e comerciante, é

um dos nomes mais conhecidos

de Mogi das Cruzes. Isto se deve, não somente

pela sua natural simpatia, mas por causa da sua família, que desde os anos 30, tem colaborado para o desenvolvimento da cidade pelo seu pioneirismo econômico e social.

Oswaldo Nagao Mário Sérgio de Moraes: Quando sua família imigrou para o Brasil? Oswaldo Nagao: Com 15 anos, meu pai (Fujitaro Nagao) decidiu que não ficaria no Japão, talvez por causa da neve durante quatro meses por ano na região. Ele queria ir para os Estados Unidos. Fez uma consulta, mas não estavam aceitando imigração para lá. Mesmo assim, desejava ir para uma terra mais jovem, como Austrália, Nova Zelândia e até Bornéu. Nessa época, apareceu uma companhia de colonização de terras ultramarinas, oferecendo terras no Brasil. Assim, ele insistiu com minha avó e o irmão dele dez anos mais velho. Os três desembarcaram no porto de Santos pelo navio Sanukimaru, no dia 22 de maio de 1919. Foram três dias e três noites abrindo picadas até chegar no local de colonização onde eles haviam comprado as terras, em Registro. Ficaram uns dois anos. Meu pai pensava que, se ficasse na mata, não se integraria à civilização brasileira. Voltou para Santos, empregou-se na mansão de um médico como zelador.


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Já entendia bem de agricultura, cuidava de jardim, fazia faxina, encerava o assoalho. A família, então, começou a trabalhar desse jeito. Depois de uns seis, sete meses, começou a fazer plantio. Mário Sérgio: Fazia o plantio de quais culturas? Nagao: Verduras e legumes. Também começou a revender. Nessa época, ele já pensava em logística. Pegava dois cestos, pendurava no cambal e vendia banana. Trabalhava com banana-maçã-ouro por ter peso menor e valor maior. À noite, ele fazia curso de Língua Portuguesa. Não veio para voltar ao Japão. Queria ficar por aqui. Mário Sérgio: O senhor falou que quando o seu pai chegou ao Brasil ele trabalhava de dia, e à noite estudava para aprender português. Isso é uma característica individual dele ou da colônia japonesa e por quê? Nagao: É uma característica da colônia japonesa, porque muitos agricultores que moravam na zona rural faziam Escola Técnica de Comércio Braz Cubas. Por exemplo, meus irmãos saíam de Cocuera e percorriam 16 quilômetros à noite até o centro de bicicleta. Então, tem de ter força de vontade. Havia a necessidade de uma formação. Mário Sérgio: Um dos motivos das famílias que tiveram sucesso é se sentir permanente, ter vontade de ficar no Brasil? Nagao: Não é bem assim. Deve ter um espírito assim, uma determinação certa. Em tudo que fazia, meu pai fazia com esmero. Era perfeccionista. Também era muito grato à minha mãe (Fuji Nagao). Os dois faziam planejamento. Toda sugestão da minha mãe era de comum acordo.

Mário Sérgio: Qual o papel da mulher em relação aos pioneiros? Elas tinham o perfil de administração orçamentária dada pela cultura japonesa? Nagao: Minha mãe era diferente. Depois de se casar, chegou em Mogi. Na primeira safra, foi comprado o sítio, fez plantação de tomate na cabeceira do terreno e deu aquela seca. Meus pais vieram para Mogi, compraram latas vazias de óleo de 20 litros. Levaram para Cocuera, pegaram água no rio com a lata e irrigaram. Foi a melhor plantação de tomate. Reverteram a situação. Mário Sérgio: O senhor falou que antes de chegar ao Brasil, a família do seu pai já tinha comprado as terras em Registro. Como a família da sua mãe veio parar no Brasil? Nagao: Minha mãe tinha uma irmã no Japão. Pareceme que o meu avô tinha um comércio e teve problema financeiro. Ela resolveu sair. Um tio dela vinha como imigrante para o Brasil. Ela se incorporou na família e veio para cá como imigrante na agricultura. Mas tinha formação escolar relativamente boa. Ela cumpriu os três anos de contrato de trabalho na lavoura e depois saiu dessa fazenda. Veio para São Paulo e procurou por uma instituição. Sabendo que tinha o consulado em Santos, procurou-o, onde conseguiu, então, arrumar emprego. Mário Sérgio: Como o seu pai conheceu a sua mãe? Nagao: Meu pai começou a plantar verduras e legumes, inclusive comercializou frutas e legumes. O negócio dele começou a prosperar em Santos. Conseguiu comprar a primeira picape. Deixou de ser vendedor ambulante a pé e se tornou um vendedor ambulante motorizado. Não tinha vendedor de frutas, legumes, fazendo entrega com caminhonete.


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Começou a fornecer em hotéis, em grandes restaurantes, inclusive para o consulado japonês. Minha mãe era funcionária do consulado. Acabou conhecendo e pediu a permissão do cônsul, que contrariou, mas aceitou e meus pais se casaram. Como o verão em Santos é muito rigoroso, meu pai procurou um local mais adequado para as futuras plantações. Mogi das Cruzes está a 700 metros de altitude, com temperatura média anual de vinte e poucos graus e tem uma ferrovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Veio para Mogi. Tinha noção logística. Se começasse a produzir, poderia mandar as mercadorias pela via férrea tanto para São Paulo quanto para o Rio de Janeiro. Aproveitou bastante a ferrovia. Mário Sérgio: Então, quando ele chegou aqui, já tinha alguma posse. Não veio trabalhar como empregado para os caboclos? Nagao: Não. Comprou terras no Japão de uma instituição que vendia terras de Registro. Em Mogi, ele comprou a terra de caboclos. A escritura é de dezembro de 1927, mas ele chegou em Cocuera no dia 6 de setembro de 1927. Mário Sérgio: Vindo para cá, quais produtos ele resolveu plantar? Nagao: Ele começou plantando tomate, repolho, batatinha. Depois, plantou pêssego, caqui. Em seguida, adquiriu novas terras um quilômetro adiante. Nós chegamos a completar 120 alqueires e a empregar entre 450 e 500 funcionários. Começamos a criação de galinha por volta de 1939. Na terra nova, ele começou a plantar pêssegos. Depois, já começava com orientação de amigos e engenheiros agrônomos a fazer cultivo de curva de milho. Então, era uma coisa inédita aqui, tanto é que recebeu visita do se-

cretário de Agricultura do Estado de São Paulo por duas vezes. Inclusive, teve também sucesso com o plantio de pêssegos para a industrialização de pêssegos em calda. Chegou a fornecer para uma indústria que importava pêssegos da Argentina. Na primeira safra, entregou 25 toneladas. Mário Sérgio: O senhor disse que, antes de vir para Mogi, seus pais já tinham noção de logística. O que se produzia era destinado para o comércio interno ou vocês vendiam para São Paulo e Rio de Janeiro? Nagao: O grande mercado para a agricultura local era São Paulo e Rio de Janeiro. Ele tinha consciência disso já. Em Mogi, era difícil vender tomate, porque ninguém conhecia, assim como outros produtos. Mário Sérgio: Qual foi a importância das associações para a colônia? Nagao: Devido à localização, formação de núcleos em locais isolados, e também a dificuldade da linguagem dos imigrantes japoneses em geral, houve a necessidade de uma aglutinação para troca de informações técnicas, de tecnologia e de conhecimentos. Isso foi fundamental. Trocavam-se idéias entre os vizinhos. Não era exatamente associação. Depois, principalmente, a primeira atitude dos japoneses numa comunidade era na parte da educação dos filhos, construir escola. A primeira coisa da associação é defender os interesses, inclusive vacinação contra varíola, contra febre amarela. Então, eles trabalhavam para tudo que era do interesse coletivo. Estradas vicinais mesmo eram construídas pelos agricultores. Cada sitiante contribuía mensalmente com um dia de trabalho para conservar as estradas.


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Mário Sérgio: O senhor poderia citar uma estrada em que foi feito isso? Nagao: Por exemplo, a estrada Nagao hoje é uma estrada que liga a Mogi-Bertioga à Mogi-Salesópolis. O meu pai fez essa estrada. Grande parte dela ele construiu sozinho sem máquina nem trator. Mário Sérgio: O que representou a C ooperativa de Mogi das Cruzes? Nagao: A Cooperativa de Mogi das Cruzes trouxe bastante benefício na parte de comercialização, de assistência técnica, porque tinha uma possibilidade de conseguir muito auxílio do governo japonês no tocante à assistência técnica e fornecimento de sementes de boa qualidade. Então, todos esses trabalhos que o governo brasileiro deveria fazer eles recebiam dessa instituição. Mário Sérgio: O seu Hiroshi Ikuta me disse que os primeiros anos da Cooperativa de Mogi das Cruzes foram de prosperidade, mas ao mesmo tempo, anos de problemas por causa do excesso da produção do tomate. O senhor tem conhecimento desses problemas dos anos 30, quando quase todos os agricultores correram para o tomate, mas não havia escoamento? Nagao: Inclusive foi cogitado montar uma fábrica de massa de tomate. Essa fábrica funcionava precariamente. O doutor Hiroshi Ikuta é engenheiro agrônomo, cientista e tem um profundo conhecimento a respeito. Numa conversa, ele chegou a dizer que o tomate é um legume latino-americano. Mário Sérgio: Durante a guerra, os japoneses daqui sofreram perseguição da ditadura varguista? Nagao: Guerra é guerra. Todos os japoneses tinham

o desejo de manter a cultura japonesa, dando oportunidade para os filhos estudarem a língua japonesa. A maioria tinha intenção de voltar para o Japão, principalmente se o Japão ganhasse a guerra. Meus pais queriam que eu estudasse japonês, mesmo sendo proibido. A gente estudava contra a vontade, porque a dificuldade da escrita japonesa é muito grande. Mário Sérgio: O senhor falou que quando seus pais estavam no Brasil, eles forçavam os filhos a aprender a língua japonesa, embora não pretendesse voltar para o Japão. Qual a finalidade de manter esse vínculo com a cultura japonesa? Nagao: A gente não é saudosista, mas você tem uma raiz no Japão. Eu vou ao Japão e preciso ter a oportunidade de conversar com meus parentes. É gostoso a gente manter contato. Mário Sérgio: Seu pai já era um homem de prosperidade nos anos 30. Já tinha a idéia de ficar no País. No momento da guerra, algumas pessoas mais tradicionalistas tentaram cercear um pouco alguns agricultores para que não vendessem seus produtos, dizendo que estavam colaborando com os americanos. Seu pai chegou a ser um pouco cerceado? Nagao: Tinha certa aflição com perseguição da Shindo Rhimei, principalmente a minha mãe, com o risco de sofrer algum atentado, mesmo porque o meu pai era um privilegiado. Ele tinha o benefício de poder utilizar e manter em casa rádio de ondas curtas. Na véspera, quando o Japão estava em situação de combate vantajosa, a vizinhança se reunia e vinha ouvir as transmissões do Japão. Todo mundo ouvia. Quando a situação do Japão começou a decair, a posição de combate estava perigando, o pessoal


Entrevista | 261

Mihoko e Oswaldo Nagao


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não vinha mais. Após a transmissão do programa de rádio, meu pai falava a verdade e eles não acreditavam, porque o fanatismo do japonês era muito grande naquela época. Talvez eles considerassem o japonês invencível. Mário Sérgio: Como era a rotina da sua família na lavoura? Nagao: Levantávamos antes do sol nascer e deixávamos o trabalho no pôr-do-sol. Antes de ir para a escola, eu pegava a bicicleta e ia buscar dois litros de leite no seu Taro Kono. Ia descalço todo dia para a escola. Não tinha moleza. Era Grupo Escolar Seres Primários, em Cocuera. Depois eu estudei no Instituto de Educação Washington Luís. A gente voltava para casa e almoçava. Mário Sérgio: À tarde, depois do almoço, o que o senhor fazia? Nagao: Ajudava na horta ou fazendo embalagem. Minha mãe sempre mantinha uma horta caseira para consumo doméstico. Como o relacionamento de japonês com a vizinhança era muito intenso, tudo a gente fazia na base da troca. Mário Sérgio: Qual era a culinária da sua casa? Nagao: Já era uma culinária brasileira, com feijão, arroz, verduras, couve-flor, couve-manteiga, repolho, batatinha. A gente não jogava nada fora. O que a gente não podia expor no mercado a gente consumia. Quando cozinhava um pedaço de carne de porco, na parte toda cortada e retalhada conservava dentro da banha; e a gente ia comendo, cozinhando com feijão. Tinha também missô, uma sopa enriquecida com caldo de peixe e feita à base de pasta de soja.

Mário Sérgio: O senhor nasceu de parteira? Nagao: Não. Meu pai foi o parteiro. Ele fez o parto de quase todos os filhos. Até mesmo injeção era ele quem aplicava nos empregados da casa. Mário Sérgio: Durante os anos 40, a prosperidade do seu pai continuou. Houve mudança de produto? Nagao: Minha mãe tinha um feeling bom. Os dois trocavam idéia e normalmente dava certo. Meu pai declara que nunca perdeu dinheiro num empreendimento agrícola. Como ele teve experiência em lidar com o comércio de produtos agrícolas em Santos, já pressentia as tendências de mercado. Ele tinha a capacidade de mostrar o melhor produto possível na parte de apresentação ao mercado. Não pode ter no conteúdo nada que comprometa a sua imagem. Mário Sérgio: Quem eram os empregados da família? Nagao: Tinha caboclos, muitos japoneses recém-chegados. Nós tínhamos um barracão onde dormiam os trabalhadores japoneses que eram aprendizes na agricultura. Esse pessoal trabalhou com meu pai. Muitos fizeram sucesso e viraram sitiantes. Progrediram na vida. Minha mãe cozinhava, lavava roupa, fazia tudo. Tinha 12 lavadeiras que cuidavam das roupas dos solteiros. Na refeição, quatro ou cinco funcionários comiam junto com a família. Mário Sérgio: Por que o seu pai partiu para a avicultura? Nagao: Todo empreendedor vai atrás do dinheiro e da prosperidade futura. Ele vislumbrou a possibilidade de entrar nessa área. Também a avicultura


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foi benéfica para o agricultor, porque o esterco era utilizado na adubação. Mário Sérgio: Qual foi sua colaboração quando o senhor despontou no setor de avicultura? Nagao: A colaboração não é só minha, porque nós somos em cinco irmãos homens. Cada qual teve uma participação ativa nessa empreitada. Unimos as forças, trabalhamos e fizemos empreendimento para lá e para cá. Meu pai é o exemplo de quem sempre foi atrás de novidade. Ele deu oportunidade também para todos os filhos estagiarem no exterior, fazer viagem de pesquisa e trazer tecnologia de fora. Meu irmão Luís participou de um projeto de visitas e pesquisas em avicultura nos Estados Unidos, em 1958. Viu que lá a avicultura era um pouco diferente. Nessa comitiva, tinha engenheiros agrônomos, cientistas e veterinários. Nós vimos a possibilidade de então conseguirmos uma linhagem mais aprimorada por meio de trabalhos de genética. Aí nós implantamos o trabalho de genética aqui no Brasil. A consangüinidade acaba comprometendo a performance do plantel. O objetivo principal é melhorar a produtividade e a saúde. Tudo isso aí você consegue por meio de cruzamento de diversas linhagens Mário Sérgio: Quais foram as causas da decadência da avicultura em Mogi das Cruzes? Nagao: Teve o problema do custo. Também o clima é muito úmido para a avicultura. A grande dificuldade foi o custo com o transporte de milho. Hoje, milho se compra fora do Estado de São Paulo. Mui-

tos granjeiros saíram de Mogi, outros não agüentaram. Não tinham possibilidade de continuar na avicultura. Então, eles mudaram de atividade. Existem granjeiros que progrediram na região onde produziam os insumos, ou seja, o milho e a soja. E assim nós fizemos também. Montamos uma granja em Goiás, onde nós temos uma produção de soja e de milho mais em conta. Mário Sérgio: A colônia japonesa era mais unida? Nagao: Hoje a colônia não leva muito em consideração. Não tem aquela afeição ou a dependência, porque a sociedade se tornou independente. Antigamente, o pessoal da zona rural ia ao cinema uma vez por semana, no Cine Avenida, Cine Urupema. Passava filme japonês. Ia no caminhão de pau-de-arara. Mário Sérgio: O que o senhor almeja para a comemoração do centenário de imigração japonesa? Nagao: É um marco importante, mesmo porque os japoneses vieram aqui, receberam esse carinho da comunidade brasileira e tiveram a oportunidade de integrar na comunidade, irmanar-se trabalhando em benefício da cultura, da economia, da ciência. Isso deve ser registrado. Como brasileiro descendente de japonês, acho importante deixar uma raiz, um registro documentado para preservar esse intercâmbio, essa interação entre Brasil e Japão. São interesses bilaterais. Houve uma contribuição muito grande. Trouxe bastante benefício. Temos de manter esse vínculo com o Japão. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.



Kiyoji Nakayama, atualmente exercendo a

presidência do Bunkyo de Mogi das Cruzes, é um dos membros proeminentes

da colônia. Tem colaborado para a renovação de idéias dentro do seu próprio centro, mas também para a aproximação cada vez maior da comunidade japonesa com os cidadãos desta cidade.

Kiyoji Nakayama Mário Sérgio de Moraes: Qual foi o motivo que trouxe a sua família para o Brasil? Kiyoji Nakayama: No Japão, o meu avô era um homem público. Ele foi deputado federal. Também tinha uma agência dos Correio. Tinha um poder aquisitivo razoável. Mas ele teve o infortúnio de o filho mais velho ser um boêmio, que gostava da vida noturna e denegria a imagem da família. Meu avô ficou constrangido com isso. Ficou um ano na Coréia do Sul. Depois, teve a oportunidade por meio do governo de intercâmbio entre Brasil e Japão. Aí, ele resolveu vir para cá. Mário Sérgio: Quando e em quais circunstâncias seus pais imigraram para o Brasil? Nakayama: Meu pai chegou em Santos no dia 15 de novembro de 1930. Então, até ele ficou assustado porque, quando o navio atracou no porto


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de Santos, tinha um pessoal que estava soltando fogos de artifício. Ele achou que o pessoal do Brasil estava comemorando a chegada dos imigrantes. Depois, soube que era o dia da Proclamação da República. Então, era necessário ter alguém casado na família para imigrar. Meu pai, com 18 anos, foi ao consulado e soube que tinha uma moça solteira cuja família vinha para cá. Eles fizeram casamento composto. Quando chegaram ao Brasil, foram para locais diferentes. Só foram se encontrar novamente 30 anos depois. Mário Sérgio: Ele veio trabalhar em que região aqui? Nakayama: Ele tinha um contrato de cinco anos na região de Ribeirão Preto, numa fazenda de produção de café chamada São Gonçalo. Como a comida e os costumes daqui eram diferentes, nos sábados à tarde ele ia pescar. Comia peixe e conseguia se alimentar bem. Por sorte, não tiveram nenhum tipo de doença. Aí, quando acabou o contrato de trabalho, meu pai fez uma consulta no consulado para saber qual lugar seria bom para ele comprar um terreno para plantar. Ele foi aconselhado a comprar terra em Mogi das Cruzes. Mário Sérgio: Seu pai chegou já como proprietário? Nakayama: Já sim. Instalou-se em Porteira Preta, em 1935. No começo, meu avô e meu pai começaram a plantar tomate e pepino e depois teve um pouco de granja também. Logo depois, eles começaram a plantar fruta: pêssego e ameixa. Isso depois da guerra, porque antes trabalhava mais com verduras. Mário Sérgio: Quais eram os centros de consumo dos produtos? Nakayama: Naquela época, ele vendia alguma coisa na cidade com o carrinho de mão. Ele disse que an-

dava sete quilômetros para fazer a venda. Ele também vendia no Mercado Municipal de São Paulo por meio das cooperativas, pois tinha um acordo com os barraqueiros. Mário Sérgio: Como era a rotina de trabalho na lavoura? Nakayama: Minha mãe (Kimiko Nakayama) acordava às cinco e meia e às seis horas já estava tomando café com pão. Você não tinha pão fresco todo dia. Era pão requentado ou minha mãe mesmo fazia e, quando não tinha pão, a gente comia arroz com ovo batido. Perto de casa, morava a sobrinha do Francisco Matarazzo. Ela tinha uma fazenda e gostava de chamar as pessoas da colônia japonesa para almoçar lá. Minha mãe aprendeu a cozinha ocidental. Mário Sérgio: Qual era o papel da sua mãe em termos de trabalho dentro da família? Nakayama: Ela fazia de tudo. Trabalhava, fazia as tarefas domésticas e também na roça. Então, ela lutava, saía com o meu pai para trabalhar na roça, voltava um pouquinho antes para preparar o almoço, que era às dez horas da manhã. Era ela quem fazia o serviço do banco, controlava o orçamento doméstico e mandava os filhos para a escola. Mário Sérgio: Qual escola vocês freqüentavam? Nakayama: Eu nasci no ano em que acabou a guerra. Tivemos alguns problemas, porque com cinco anos meus pais já nos mandaram para a escola japonesa. Tinha uma escola no bairro de Porteira Preta que eles fizeram para os filhos de japoneses da região. Minha professora chamava-se Myamoto. Ao sete anos, entrei na Escola Mista, na Vila Moraes. A comunidade japonesa comprou um terreno e construiu


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a Escola Mista lá. A professora chamava-se Maria Aparecida. A gente andava descalço todo dia dois quilômetros para estudar. A roupa era uma camisa branca e calção azul. Mário Sérgio: Quais são os relatos que você conhece de desavenças entre vitoristas e derrotistas no pós-guerra? Nakayama: Alguém ouviu no rádio que o Japão tinha perdido a guerra e começou a soltar a notícia no bairro. Outras pessoas não tinham ouvido, porque o meio de comunicação naquele tempo era precário. O pessoal achava que o Japão nunca perderia a guerra. Então, dividiu completamente e formaramse duas associações: a dos vitoristas e a dos derrotistas. Uma não conversava com a outra. Isso ficou até 1960. Depois, eles conseguiram se juntar de novo. Você nem sabia o que estava acontecendo. A Escola Mista era perto daqui. Os filhos do bairro estudavam nessa escola. Eles separavam uma turma aqui, outra ali. E a gente nem sabia o que era derrotistas ou vitoristas. Meu pai contava que era difícil realmente no pós-guerra. Se tivesse três japoneses conversando, já vinha policial separando, porque seria conspiração e tal. Muitos japoneses foram presos. Mário Sérgio: Como foi a vida da sua família nos anos 50? Nakayama: Em primeiro lugar, os descendentes da colônia nipo-brasileira pensam na educação dos filhos. Quando se formava um grupo de japoneses, primeiro eles construíam uma escola e uma associação. É um pouco diferente dos brasileiros, que, quando formam um grupo, primeiro formam uma igreja. Meu pai sempre nos educou no sistema rígido japonês. Dentro de casa, até uma certa

idade, só se falava em japonês. No aniversário do antigo imperador, a gente se reunia na associação e comemorava a data. Até na Escola Mista a professora dava feriado escolar. Não sabíamos qual era o significado do imperador, mas dentro de casa tinha uma foto dele. É interessante, porque a imagem dele não era exposta ao público; era coberta por um tecido branco. Era o respeito que o povo tinha. Ninguém tinha o direito de olhar diretamente para ele. Só descobria a foto do imperador no dia do aniversário dele. Mário Sérgio: Quais tipos de pêssego seu pai plantou? Nakayama: Plantava um tipo que se chamava chato. Depois, plantou branco-duro e damasco, que era novidade na região, pois era um tipo de solta caroço. Na época, não tinha pêssego assim. Isso ele foi buscar em Itaquera. Muitas pessoas de Mogi foram buscar tecnologia lá. A nossa região se tornou grande exportadora de pêssego. Em Porteira Preta, meu pai tinha uns dois alqueires de terreno, plantava pêssegos lá. Aí, ele comprou uma área de aproximadamente oito alqueires, em Cocuera e plantou três mil pés de pêssego. Foram três variedades: pêssego guiti, pêssego de conserva e damasco. Mário Sérgio: Qual foi o período mais próspero da sua família? Nakayama: Foi na década de 60. Mas, infelizmente, de 60 para 70 a gente estava no começo de uma safra de pêssego, aí caiu uma tempestade de granizo que acabou com toda a plantação. Granizo é complicado, porque não é igual à geada, que pega a região inteira; granizo pega o corredor. Por azar, foi na faixa de terreno do meu pai. Perdemos tudo.


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Quando machuca o caule da árvore, é praticamente irrecuperável. Mário Sérgio: Nessa época, seus irmãos e você já eram formados? Nakayama: Já sim. O meu irmão (Hideo Nakayama) já estava fora de casa. Ele casou e veio para a cidade. Abriu uma imobiliária. Depois, com 22 anos, ele foi vereador (pela Arena) em Mogi das Cruzes, com Minor Harada. Após o primeiro mandato, ele desistiu da carreira política. Mário Sérgio: Seu irmão foi eleito com o apoio da colônia? Nakayama: Foi. A colônia valoriza a comunidade. Sempre se reunia grupo de jovens. Havia seis associações desse tipo na região. Nos anos 60, foi fundada uma associação chamada Abicape, que reunia todos os grupos formados nos bairros. Com essa união, usamos essa força para eleger um representante da comunidade na Câmara Municipal. Pelo lado de Cocuera, elegemos Minor Harada. Depois do meu irmão, que não queria participar da reeleição, a Associação Biritiba-Capela indicou o Junji Abe para representá-la. Mário Sérgio: Nessa época, esses jovens já estavam na faculdade se formando? Nakayama: Muitos já eram engenheiros, médicos, dentistas, administradores. Eu estudei na parte primária um tempo na Escola Mista. Depois, me formei numa escola chamada Antônio Olegário de Paiva. Eu viajava todos os dias, com chuva ou sol. Eram oito quilômetros de bicicleta. Prestei o vestibulinho, vim para a cidade estudar no Instituto Washington Luís, onde fiz o ginásio e o científico.

Mário Sérgio: Na colônia, lá pelos anos 60, houve diferença de pensamento entre os mais antigos e os mais jovens? Nakayama: Aqui em Mogi foi pouco, mas tivemos alguns atritos nas associações. Eu ouvi falar que isso ocorreu muito em São Paulo. Nos anos 60, acho que teve algumas agressões físicas. Mário Sérgio: Na sua militância dentro do Bunkyo, houve mudança de uma visão mais tradicionalista para novos olhares de administração? Nakayama: Quando eu era jovem, participava de associações. Depois comecei a estudar, me formei, segui a vida profissional e deixei um pouco de lado a convivência com as associações. Trabalhei 30 anos em Guarulhos. Viajava às sete horas da manhã e só voltava por volta de dez horas da noite. Tinha pouco contato com a comunidade. No caso do Bunkyo, quando se formou, a idéia era um pouco diferente. Precisava de alguma comunicação do governo japonês com a comunidade. Em Mogi, por incrível que pareça, nós tivemos 26 associações de bairro da colônia. Então, o pessoal teve a idéia de fazer o Bunkyo, entrar em contato com o Bunkyo de São Paulo para trazer informações e se reunia uma vez por mês para divulgar essas informações. O tempo foi passando, mas os jovens não entravam nessa associação. Aquilo era só para o pessoal da primeira geração. A segunda geração ia, mas não tinha voz ativa. Algumas coisas começaram a mudar com o antigo presidente Katsuti Titaguti, que ficou no cargo por oito gestões. Ele até sacrificou a própria família para se dedicar ao Bunkyo. Em 2002, eu me aposentei. Queria me dedicar para alguma coisa na comunidade. Aí, entrei no Bunkyo. O presidente era Sato Watanabe. As reuniões começaram a ser realizadas em português, porque antes


disso tudo era feito em japonês. Eu continuei essa renovação de trazer mais jovens. Houve uma falha nossa na gestão anterior que foi não dar ouvidos aos fundadores. Quando eu assumi, decidi que isso não poderia continuar assim. Tem a cultura japonesa. Temos de que respeitar os mais velhos. Eles não precisavam participar da decisão, mas nós teríamos de ouvi-los. Eu fui o mediador. Nunca tomei decisão sozinho. Isso faz parte da cultura japonesa. A responsabilidade é de todos. O sucesso é de todos, assim como o fracasso.

Mário Sérgio: O seu pai plantava três variedades de pêssego. Vocês chegaram a desenvolver alguma técnica inovadora diferente da técnica da agricultura brasileira? Nakayama: O terreno que o meu pai tinha era um pouco em declive. A gente fazia um nível para não ficar tão inclinado. Aterrava e fazia um tipo de curva de nível para a chuva não fazer erosão. No tempo próspero, ele chegou a produzir 50 mil caixas de pêssego.

Mário Sérgio: Você falou que a colônia japonesa só toma decisão quando há consenso. Nesse sentido, ela pode ser considerada mais conservadora do que a sociedade brasileira? Nakayama: Ela é mais conservadora. Ninguém toma decisão sozinho, porque a responsabilidade é grande. Precisamos fazer uma reunião madura, discutir o assunto para se tomar uma decisão, porque isso é patrimônio da coletividade. No Brasil, quando uma empresa demite um diretor ou um presidente, é porque ele tomou uma decisão que deu errado e é demitido porque se torna o responsável. No Japão, dificilmente você vê o presidente da empresa ser demitido, porque o erro pertence à coletividade.

Mário Sérgio: Com as barragens e o custeio por causa da hiperinflação, como você interpretou a crise no momento mais próspero da colônia? Nakayama: Infelizmente, a economia do País sofreu a hiperinflação. O poder aquisitivo era mais baixo do que é hoje. Muitos deixaram de comer alguns produtos agrícolas. Poucos brasileiros comiam frutas, verduras e legumes. No máximo, arroz, feijão e um bife. Nos anos 80, a matéria-prima para produção agrícola aumentou muito e o preço dos produtos não acompanhou. O crédito agrícola ficou mais caro. Juro era 6% ao ano. Muitos se endividaram. Mário Sérgio: Obrigado pela entrevista.


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