Por trás de um grande homem... Ele era um príncipe com uma nação para governar, mas quando um coração partido o leva à imprudência, Azeez quase perde tudo. Ele preciso tomar uma decisão: ficar o resto da vida imerso nas sombras do passado ou abraçar seu futuro como o verdadeiro rei de Dahaar. A doutora Nikhat Zakhari deixara Azeez por não poder dar o que ele precisava para reinar. E agora que o único homem que já amou necessita mais uma vez de sua ajuda, Nikhat não terá forças para recusar.
Um trono, muitos segredos!
– Pare de me olhar deste jeito – falou Azeez com uma voz baixa, gutural, que ecoou pelo pátio silencioso. – De que jeito estou olhando para você? – Ela colocou os pés debaixo das pernas. Azeez recostou a cabeça no banco, expondo o pescoço forte. Mesmo com roupas despojadas, exalava a suprema arrogância e confiança masculina que tinham entrado em conflito com a personalidade prática dela. – Como se não pudesse parar, como se estivesse me devorando com os olhos. O calor que se espalhou pelas bochechas de Nikhat não teve nada a ver com o sol. – Não é verdade. Ele se inclinou para a frente com um olhar pensativo. – Sim, é. Agora vejo temeridade em seu olhar. Você sempre soube o que queria, sempre foi cabeça-feita. Mas agora é como se seu corpo a acompanhasse. Nikhat deu de ombros. – Não sou mais uma garota tímida de 22 anos. – Posso ver isso. – Uma centelha de vivacidade surgiu nos olhos dele. – Quase posso ver você restabelecendo a boa saúde dos seus pacientes com o olhar. – Se ao menos as coisas pudessem ser resolvidas de maneira tão simples... E tem razão. Não consigo parar de olhar para você. Não consigo parar de me perguntar o que, em nome de Alá, você acha que está fazendo consigo mesmo.
Querida leitora, Após oito anos, Nikhat volta a Dahaar a convite do príncipe Ayaan. Acreditando que o amor de sua vida, o futuro rei Azeez, estava morto, ela decide aceitar a oferta de Ayaan para cuidar de sua esposa grávida em troca de uma clínica particular. Contudo, o príncipe tinha outra proposta que a deixaria chocada. Azeez está vivo, mas com graves feridas em sua alma. E cabe a esta habilidosa médica curar o coração do homem a quem sempre amara. Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books
Tara Pammi
O REI LEGÍTIMO DE DAHAAR
Tradução Tina TJ Gouveia
2015
CAPÍTULO 1
A DRA. Nikhat Zakhari seguiu o guarda uniformizado pelo corredor acarpetado do palácio de Dahaar, atormentada de todos os lados por lembranças agridoces. Oito anos antes, conhecera cada centímetro daqueles corredores, cada arco e parede. Aquele palácio, a família real – tudo fizera parte de um sonho que tecera quando fora uma garota ingênua de 22 anos. Antes que as coisas tivessem ruído, deixando-a arrasada. Ela entrou no escritório e o guarda fechou a porta, retirando-se. Os sapatos de salto alto formais que escolhera em vez das sandálias baixas habituais afundaram no carpete espesso. Estivera naquele escritório numa noite, quando o príncipe regente havia sido o homem que amara, e os dois tinham escapulido para ali feito dois ladrões no meio da noite. Tudo porque ela manifestara um desejo juvenil de ver o lugar. A jaqueta grossa de seda, de mangas compridas, não foi o bastante para dispersar o frio que a lembrança causou em sua pele. Atraída pelo imenso retrato da família real atrás da mesa escura de sândalo, entregou-se à nostalgia. O rei Malik e a rainha Fátima, Ayaan e Amira: cada membro da família real sorria na foto, exceto Azeez. E isso por causa do que Nikhat lhe dissera naquele dia, oito anos antes. Um imenso anseio expandiu-se dentro dela. Mesmo a milhares de quilômetros de distância, sentira-se como se tivesse perdido a própria família quando soubera do ataque. Um nó formouse em sua garganta e sua visão ficou anuviada. Correu os dedos trêmulos pelo rosto de Azeez na foto. Recostou a cabeça na parede. Ver aquele lugar familiar sem ele era algo que estava abalando os próprios alicerces da vida que construíra resolutamente para si mesma. E ela não podia dar tanto poder a uma lembrança; não daria. Não podia deixá-la desfazer tudo que realizara. – Como tem passado, Nickhat? Ela se virou e olhou para o novo príncipe regente, Ayaan bin Al Sharif, o jovem a quem dera aulas de química no passado. Os olhos castanho-claros dele continham um brilho caloroso. Seus traços, tão semelhantes aos de Azeez, deixaram-na sem fôlego. Nikhat ficara chocada no dia em que ouvira sobre o ataque terrorista. Rever Ayaan tantos anos depois era algo que a enchia de uma alegria que não podia conter. Estendendo as mãos para ele, abraçou-o.
Era um gesto que não teria ousado oito anos antes. Um riso suave reverberou pelo corpo atlético dele. Dando um passo atrás, Nikhat lutou contra a vontade de se desculpar por seu gesto impulsivo. Sua compostura estava abalada pelo fato de se achar de volta ali, mas não ruiu por completo. Uma mulher, especialmente uma que não tinha nenhuma ligação com a família real, jamais teria abraçado o príncipe regente. Mas não era mais uma mulher comum de Dahaar, presa a tradições e costumes. – É bom ver você, Ayaan. Ele meneou a cabeça e estudou-a abertamente. – É bom ver você também, Nikhat. Conduziu-a até uma área de estar onde um serviço de chá de prata aguardava. Sentando-se do lado oposto a ele, Nikhat sacudiu a cabeça quando Ayaan perguntou se ela queria alguma coisa. O Ayaan que ela conhecera sempre tivera um brilho de pura alegria nos olhos. O príncipe regente que a olhava agora tinha o manto de Dahaar pesando sobre seus ombros. Havia uma dor em seus olhos, uma dureza que tinham encontrado um lugar permanente em sua fisionomia. Ela mal chegara à capital de Dahaar havia um dia, quando foi convocada para uma reunião particular com o príncipe regente. Não era algo que poderia ter recusado, mesmo que quisesse. – Como você soube que eu estava de volta a Dahaar? – perguntou ela, indo direto ao ponto. Ele deu de ombros. Uma expressão de hesitação surgiu em seus olhos antes de dizer: – Tenho uma oferta para você. Nikhat franziu a testa. Depois de oito anos sem uma palavra de seu pai, ficara bastante empolgada em ouvir sua voz. Mas agora... – Você deu ordens ao meu pai para que me chamasse de volta para casa. – A inquietação que ela sentira no minuto em que recebera a solicitação solidificou-se. – Você sabia como eu ficaria ansiosa para ver a minha família. Foi um golpe baixo, Sua Alteza. Ayaan esfregou a testa. Não havia sinal de culpa em seu olhar firme. – É o preço que tenho que pagar por este título. As palavras foram simples, mas o peso da responsabilidade que continham atingiu Nikhat. Reprimindo a raiva, permaneceu sentada. – Muito bem, estou aqui agora. Devo avisá-lo, porém, que não sou um gênio para lhe conceder um desejo automaticamente. Um súbito sorriso curvou os lábios de Ayaan, e um brilho caloroso apareceu em seus olhos. A imagem rápida de outro rosto, sorrindo daquele jeito, parecido, mas, ainda assim, diferente, surgiu diante dos olhos dela. Seu peito ficou extremamente apertado, e ela se obrigou a respirar fundo. Haveria coisas que a lembrariam de Azeez por toda a parte em Dahaar. E ela se recusava a entrar num turbilhão emocional cada vez que se deparasse com algo. Fizera isso por tempo o bastante quando partira, oito anos antes. – Vejo que você não mudou nada. O que é bom para mim. – Nada de enigmas, Ayaan. – Nikhat obrigou-se a se dirigir a ele como o rapaz que conhecera antes. – O que me diz de dirigir uma clínica feminina de alto nível aqui em Dahaar? Você terá total autoridade na administração dela. Até providenciarei para que o ministro assine um programa
de treinamento de saúde para mulheres. É algo que eu já tinha em mente e, sem dúvida, você é a melhor candidata para isso. Com a perplexidade envolvendo-a, Nikhat estava sem palavras. Todo o anseio que tivera de deixar de lado por oito anos, toda a solidão que a angustiara, vieram à tona. Havia sido o que quisera quando implorara ao pai que a deixasse estudar medicina. Fora a única meta que se tornara seu foco e alicerce quando tudo mais desmoronara, o sonho impossível que a levara de volta a Dahaar deixando um cargo de prestígio em Nova York. Ela se preparara para uma batalha difícil contra preconceitos que mascaravam as tradições. A incredulidade que a percorria deve ter transparecido porque Ayaan segurou sua mão. – Pode ter um lar aqui em Dahaar, Nikhat. Estar perto da sua família outra vez. Ela meneou a cabeça, eternamente agradecida pela compreensão dele. Ayaan sempre fora o mais bondoso entre os dois irmãos. Ao passo que Azeez... Nunca houvera meio-termo com ele. Nikhat apertou a mão que envolvia a sua. – É tudo o que eu sempre quis. Uma expressão de inquietação passou pelo olhar dele. – Há algo que eu lhe peço em troca, porém. Um favor pessoal para a família real. Nikhat sacudiu a cabeça. – Devo a minha profissão ao seu pai. Sem a ajuda e o apoio do rei Malik, meu pai nunca teria me deixado terminar o ensino médio, quanto mais estudar medicina. Não tenho que ser manipulada ou receber a oferta de incentivos se precisa de mim. Tudo o que tem a fazer é pedir. Ayaan assentiu com um gesto de cabeça, mas a cautela em seu olhar não se dissipou. – Esse cargo... quero que seja seu... era o que o meu pai queria para você quando apoiou a sua educação. Mas o que estou prestes a pedir vai além dos limites da gratidão. Nikhat meneou a cabeça, tentando manter a ansiedade que as palavras dele causaram longe de sua expressão. – Azeez está vivo. Por alguns instantes, ela não assimilou o significado das palavras. Foi como se o mundo à sua volta tivesse ficado em câmera lenta, à espera de que o zunido em seus ouvidos passasse. O aperto no peito transformou-se num nó na garganta, enquanto via a verdade nos olhos dele. Um forte tremor percorreu-a, enquanto lutava para manter a compostura, para resistir à vontade de fugir do palácio e nunca mais voltar. Quantas vezes iria fugir? Havia trabalhado tanto para realizar seu sonho; esperara todos aqueles anos para rever a família. Não podia deixar que ninguém a detivesse agora. Nem mesmo o homem que amara no passado com todo seu coração e alma. Respirando fundo para vencer o pânico, obrigou-se a falar pausadamente: – Não ouvi uma palavra sequer a esse respeito. – Porque apenas alguns criados de confiança sabem. Até que eu possa ter certeza de que a revelação de que ele está vivo não terá um efeito negativo em Dahaar, devo retê-la. – A voz dele tremeu um pouco, e Nikhat pegou-lhe a mão dessa vez, ainda enquanto lidava com o próprio abalo. Como era possível que Azeez estivesse vivo depois de todos aqueles anos? Como ele estava agora?
– Eu o encontrei quatro meses atrás no deserto, e ainda não faço ideia de como ele sobreviveu, ou do que fez ao longo dos últimos seis anos. Ele se recusa a ver nossos pais. Mal tolera as minhas visitas em sua ala. O verdadeiro príncipe de Dahaar é agora meu prisioneiro. – A completa desolação permeava as palavras de Ayaan. – Consegui manter isso em segredo até agora. O povo de Dahaar ficaria arrasado em vê-lo desse jeito. Todos o... – Todos o veneravam, eu sei. – Azeez havia sido o príncipe de ouro de seu povo, arrogante mas charmoso, corajoso, nascido para governar o país. E amara Dahaar com uma paixão que se manifestara em tudo que fizera. O amor dele, sua paixão... tinham sido como uma tempestade no deserto, consumindo, transformando. – Esperei que ele ficasse melhor, que, cedo ou tarde, decidisse tornar a se juntar ao mundo dos vivos. – Havia uma expressão de impotência no olhar de Ayaan, e suas palavras soavam tristes. – Mas, a cada dia que passa, ele... Azeez está vivo. As palavras rodaram sem parar na cabeça de Nikhat. Mas com o redemoinho de suas emoções também estava presente o controle que desenvolvera a fim de ter êxito em sua carreira. – Ayaan? O que há de errado com ele? – perguntou, esquecendo-se do protocolo. – Ele é pouco mais que um cadáver respirando. Recusa-se a falar, a ver um médico. Ele está se recusando a viver... E não posso perdê-lo outra vez. Uma onda de temor tomou conta de Nikhat. – Que favor é esse que quer me pedir? – Passe algum tempo com ele. Não. A palavra reverberou por ela. Sacudindo a cabeça, deu um passo atrás, afastando-se de Ayaan. – Sou obstetra. Não sou psiquiatra. Não há nada que eu possa fazer por ele que todos os seus especialistas não possam. – Ele não deixa que ninguém o veja. Mas quanto a você... a você... Não vai se recusar a vê-la. Nikhat sentiu o corpo rígido, como se sua calma fosse uma fachada. Mas não podia desmoronar. Recusava-se a deixar que a dor e o nervosismo tornassem a abalá-la. – Você não sabe o que o seu irmão fará se me vir. – Qualquer coisa é melhor do que o jeito como ele está agora. – Mas e quanto ao preço que eu terei que pagar? – A pergunta escapou antes que ela se desse conta do que dizia. Ayaan ergueu a cabeça, estudando-a. Nikhat desviou o olhar. No ar, pairaram inúmeras perguntas que ele não fez. Ele se inclinou na direção dela; tinha o maxilar rijo com determinação. Não havia dor, nem uma reconfortante familiaridade em seu rosto agora. Era o homem que lutava contra adversidades todos os dias para cumprir seu dever para com Dahaar. – Seria um preço assim tão alto? Tudo o que peço é alguns meses. Estou ficando sem alternativas. Tenho que encontrar algo que o tire desse estado. Passe algum tempo a sós com Azeez no palácio. Converse com ele, tente qualquer coisa que possa... – Se alguma palavra sobre isso for dita, serei amaldiçoada pelo resto da minha vida em Dahaar. – Nikhat só percebeu que estava levando a proposta em consideração depois que falou. – Aquela clínica para a qual você está me atraindo não vai passar de um castelo de areia.
– A princesa Zohra está grávida. Precisa de alguém que fique no palácio, uma obstetra dedicada. E, quanto ao tempo que você passar com Azeez, ninguém vai saber. Eu lhe dou minha palavra. Vou proteger sua reputação com tudo que tenho. Minha coroação será dentro de dois meses. Nessa ocasião, independentemente de como ele estiver, poderá deixá-lo. Ninguém vai impedir você. Dois meses com um homem que mais uma vez a faria mergulhar em seu pior medo. Dois meses pensando outra vez em tudo que não podia ter, não podia ser. Oh, Alá, não. – Não tem ideia do que está me pedindo para fazer. – Esperei que aceitasse a minha proposta, mas não posso lhe dar escolha. O desespero nunca nos deixa escolha. A partir deste momento, ou você é hóspede ou é prisioneira do príncipe regente. Se tiver de trancá-la com ele, eu... – As palavras de Ayaan reverberaram com uma dor com a qual ela própria estava familiarizada. – Azeez é meu irmão. Já foi seu amigo. Devemos isso a ele. Amigo dela? Um riso histérico eclodiu dentro de Nikhat, e ela o conteve a custo. Azeez bin Rashid Al Sharif nunca havia sido apenas amigo dela. Havia sido seu amor, seu príncipe e fora o homem que prometera realizar cada sonho seu. Nikhat levantou-se e endireitou os ombros. Encontrando o olhar de Ayaan, assentiu antes de poder recusar, antes que fantasmas do passado minassem sua coragem, antes que seu medo mais amargo lhe derrotasse o senso de dever. Concordaria porque devia aquilo ao rei Malik, porque ele tornara realidade o fantástico sonho de uma garota de classe média de ser médica. Faria aquilo por um amigo de infância que enfrentara um inferno e sobrevivera. Mais do que tudo, porém, ela o faria pelo homem que, no passado, a amara imensamente. Não era culpa dele que não fosse a mulher que julgara. – Eu farei isso – sussurrou, e as verdadeiras consequências do que aceitara pesaram sobre seus ombros. Braços fortes envolveram-na com firmeza. – Tenho que avisá-la. Ele não é o homem que você ou eu conhecemos. Nem sequer tenho certeza de que esse homem continua existindo. LÁ ESTAVA ela outra vez – alta, bonita, graciosa. Como uma miragem no deserto, ela aparecia todos os dias naquele horário para atormentá-lo, para lembrá-lo de tudo que ele não era. O momento mais sombrio do dia era quando faltava uma hora para o amanhecer, quando ele observava mais um dia nascendo com nada para saudá-lo exceto desprezo por si mesmo. Por mais que se embebedasse, era a hora em que a realidade de tudo em que se tornara, de tudo que fizera, pressionava Azeez. Já havia sido o príncipe regente no passado. Agora era prisioneiro do príncipe regente, uma punição adequada para o homem responsável pela morte da irmã, pelo sofrimento do irmão e por tanto mais. O mero pensamento era o bastante para fazê-lo sentir as paredes do palácio se fechando em torno dele.
Uma brisa fria entrou pelas portas abertas à sua direita. O frio tocou-lhe o peito nu, penetrando lenta, mas silenciosamente nos músculos. Sentiria o efeito dele na manhã seguinte. Seu quadril direito estaria rijo. Mas sua imaginação teimava agora. O momento passou, e ele a viu novamente. Naquela noite, ela usava uma túnica marrom-escura de mangas longas, de algodão simples, com calça justa da mesma cor por baixo. Sempre havia sido simples também na vida real. Nunca permitira que gastasse com ela. Nunca lhe permitira, aliás, nada do que tivesse desejado fazer com ela. Como beijá-la, tocá-la ou possuí-la. E, ainda assim, havia sido seu escravo. O cabelo dela, bonito como uma cortina de seda castanho-escura, estava preso num rabo de cavalo alto, do jeito simples que gostava. Deixando-lhe a pele dourada do rosto em evidência. Testa alta que sempre a incomodara – símbolo de sua inteligência –, olhos castanhos de formato amendoado, que eram seu traço mais bonito, nariz um tanto longo – destacando sua teimosia – e lábios cheios e rosados. Se alguém estudasse esses traços objetiva e separadamente, como ele fizera por incontáveis horas, acharia que não continham nada de extraordinário. Mas, com todos os traços reunidos, tinha o rosto mais bonito que ele já vira. Cheio de personalidade, cheio de alegria e de amor. Ou, tendo sido um jovem ingênuo, tolo e arrogante, fora o que ele pensara. Até que seu amor por ela o destruíra, fizera sua vida ruir por completo. Inclinando-se para o lado do sofá onde estava sentado, Azeez estendeu a mão direita. O gesto pressionou-lhe o quadril contra o sofá, e uma dor aguda subiu por ele. Pegando a garrafa de uísque, tomou um gole. A bebida queimou-lhe a garganta e o peito por dentro, deixando-lhe a visão um pouco mais anuviada. Mas a imagem diante de seus olhos não oscilou. Na verdade, tornou-se bem mais clara, como se tivesse sido amplificada para sua satisfação. Porque agora podia ver o pescoço elegante dela, o pescoço que acariciara com seus dedos tanto tempo antes. Lembrou-se do algodão barato e gasto que mal conseguira lhe encobrir a exuberância dos seios, do tecido que lhe marcara a curva arredondada do quadril. Limpando a boca com as costas da mão, Azeez pegou a garrafa com a outra mão e se levantou abruptamente. Uma dor lancinante explodiu do seu lado direito, irradiando-se do quadril, subindo e descendo. Estivera sentado por tempo demais naquele dia e mal se exercitara desde que o irmão o trancara ali no palácio. Cerrando os dentes, respirou fundo para lidar com a dor latejante. Recostou-se, então, num pilar e ergueu os olhos. A visão com que seus olhos se depararam roubou-lhe o fôlego. O latejo intenso no quadril não foi nada em comparação à dor que surgiu em seu peito. Porque agora a miragem o estava torturando. A mulher tinha lágrimas nos lindos olhos. Os lábios sussurravam o nome dele. Repetidamente, como se não pudesse evitar, como se o ar que respirasse dependesse de dizer o nome dele.
Na miragem, a mulher que, no passado, ele amara mais do que qualquer coisa na vida, a mulher que eventualmente o destruíra, estava bem próxima, à distância de um toque. E, para um homem que quase morrera feliz, apenas para descobrir que estava vivo, e com uma lesão, era a mais cruel punição vê-la parada ali, provocando-o, atormentando-o. Com um grito que não lhe deixou a garganta, atirou a garrafa na miragem, precisando que se dissolvesse, que o desprezo por si mesmo se dissipasse. A diferença foi que, ao contrário de todas as vezes em que ele fizera aquilo, agora a mulher se encolheu. A garrafa espatifou-se um pouco adiante no chão com um ruído alto. A exclamação suave dela atingiu-o em cheio, penetrando na névoa de embriaguez em sua cabeça. Chocado, moveu-se o mais depressa que o quadril lesionado permitiu. A mão tremeu quando a esticou e lhe tocou o rosto. A pele dela era tão acetinada quanto se lembrava. De imediato, ele sentiu a bile subindo e teve de se esforçar para contê-la. – Nikhat? – O medo e a repulsa por si mesmo fizeram seu coração disparar. As lágrimas nos bonitos olhos castanhos dela eram reais. O tremor nos lábios também. Azeez praguejou alto, e cada músculo do seu corpo congelou. E, antes que pudesse piscar outra vez, ela o estava tocando, devorando-o com os olhos. Pegou-lhe a palma da mão áspera entre as dela, fazendo com que uma onda de sensações o percorresse. Foi como se uma névoa tivesse sido retirada de cada sentido dele, como se cada terminação nervosa tivesse levado um choque e o deixado alerta. – Olá, Azeez. Ele a afastou e deu um passo atrás. Recostando-se no pilar, conteve a respiração e manteve os olhos fechados à espera de que os pontos pretos que oscilavam à sua frente se dissipassem. Ouviu-a soltar o ar devagar enquanto se aproximava. De repente, uma onda de fúria dominou-o. – Quem ousou deixar você entrar aqui? Posso estar com uma lesão, mas ainda sou o príncipe Azeez bin Rashid Al Sharif de Dahaar. Saia antes que eu mesmo a expulse. Nikhat estremeceu. As palavras trincaram as paredes que erguera em torno de si mesma. Mas não podia permitir que a amargura que continham a penetrasse e se tornasse parte dela. – Tenho todo direito de estar aqui, mas acho que você não está lúcido o bastante para entender isso. Ele não esbravejou, conforme o esperado. Ficou apenas parado ali, e ambos se entreolharam longamente. Oito anos de anseio penetraram por todas as estúpidas defesas dela. Olhos negros num rosto abatido fitavam-na com intensidade, deixando transparecer um turbilhão de emoções. O nariz aristocrático dele possuía uma marca que indicava que havia sido quebrado em algum ponto ao longo daqueles tempos mais recentes. E tinha a boca mais sensual e cruel que ela já vira. Mesmo antes do ataque terrorista, antes ainda de ela o ter deixado sem olhar para trás, Azeez já carregava aquele sorriso enigmático que a cativara. Receber aquele sorriso fora como estar no deserto à noite. Quando o príncipe de Dahaar a olhava, exigia toda a atenção, e ela costumara dá-la sempre de bom grado. Agora, aqueles mesmos lábios estavam apertados. A camisa branca de mangas longas que ele usava estava entreaberta, mostrando quanto emagrecera. Tinha os cabelos compridos, passando bem da gola.
– Saia, Nikhat. Agora – disse Azeez. Não a olhou no rosto, nem lhe sustentou o olhar. – Ou não serei responsável pelo que eu fizer em seguida. – Peça-me desculpas. Aquela garrafa poderia ter causado sérios danos – falou Nikhat, desistindo da luta contra si mesma. No momento em que deixara sua suíte e saíra para o corredor de iluminação difusa, incapaz de dormir, e andara por aquela ala do palácio, perguntando-se se ele estava por perto, expondo sua presença ao guarda do lado de fora, esquecera por completo todo o bom senso. Pensara, então, em apenas dar uma rápida olhada nele e voltar pelo escuro da noite. Nunca fora, porém, do tipo que iludia a si mesma, e não começaria agora. – Não – declarou Azeez zangado. – Meu irmão não a avisou? Você correu o risco de visitar um animal selvagem no meio da noite. – Não tenho medo de você. Nunca terei. Nikhat deu um passo atrás, preparando-se para as mudanças nele. Azeez perdera peso, o que se evidenciava em seu rosto, em seu ar duro, sombrio. – Ayaan me falou sobre você ontem à noite – contou ela, optando pela verdade. Uma mentira dolorosa fora o bastante por uma vida inteira. – Não pude esperar. Eu... não pude esperar até de manhã. Ele cerrou os punhos ao longo do corpo, e a fúria se estampou em seu rosto. – E então? – disse, num tom baixo e gutural que a fez sentir um calafrio. Segurou o rosto dela, movendo-se depressa para um homem em evidente dor. Segurou-a com surpreendente gentileza, embora estivesse furioso. Ambos se entreolharam, e o que viu deixou o estômago de Nikhat em nós. Foi o que a assustou. Os olhos dele estavam vazios, como se o brilho e a força da vida houvessem se apagado. – Já viu o bastante, latifa? Satisfez a sua curiosidade? Ela lhe segurou os pulsos, recusando-se a deixar que Azeez a afastasse. E não fez isso por ele. Mas por si mesma. Não havia chorado quando soubera da notícia do ataque terrorista e da morte dele. Seu coração se solidificara numa rocha dura antes disso. E não iria chorar agora. Mas se permitiria tocá-lo. Precisava saber que Azeez estava ali. Tocou-lhe o rosto, os ombros, o peito, ignorando quando ele respirou fundo. – Lamento muito. Por Amira, Ayaan e você. Segurando-a com gentileza, Azeez afastou-a de si. Não houve nada em seu olhar quando a fitou. Nem fúria, nem desprezo, nem mesmo ressentimento. Seu choque inicial se dissipara e dava a impressão de que nada do que ela dissesse o tocaria. – Lamenta mesmo? – sussurrou. – Sim. – Por que, Nikhat? Ela não fora responsável pelo ataque terrorista, sabia disso. Ainda assim, nada do que dissera a si mesma a preparara para o turbilhão de emoções que sentiu ao vê-lo daquele jeito. – Você não é responsável pelo que me tornei. Mas, se quiser, pode me fazer um favor. A veemência do pedido dele não amedrontou Nikhat. Se pudesse fazer algo para ajudá-lo, faria. Ayaan estava certo. Devia aquilo a Azeez. – Qualquer coisa.
– Deixe Dahaar antes que o sol nasça. Parta e nunca mais volte. Se já sentiu algo verdadeiro por mim, não torne a me mostrar o seu rosto nunca mais. Nikhat permaneceu grudada no chão, enquanto ele se afastava. Parecia que iria desapontá-lo. Ela não podia partir agora, assim como não pudera ficar quando Azeez lhe pedira, oito anos antes.
CAPÍTULO 2
AYAAN COLOCOU sua xícara de café na mesa do desjejum quando ouviu o som que lhe causou uma culpa implacável: o som da aproximação do irmão. Trocando um olhar com a esposa, viu o mesmo choque que o percorria na expressão dela. Nos quatro meses desde que praticamente arrastara o irmão para o palácio, Azeez não pisara na sala do desjejum. A despeito dos inúmeros pedidos de Ayaan. E naquele dia... Ele fez um sinal para que os criados saíssem, enquanto o som da respiração ofegante de Azeez se aproximava da imensa mesa. Afastando a cadeira para trás, ergueu os olhos. De repente, a manhã pareceu mais animada. – Você gostaria de uma xícara de ca... O soco apanhou Ayaan completamente desprevenido. A dor se expandiu por seu maxilar, e pontos pretos oscilaram diante de seus olhos por alguns segundos. Com uma exclamação alta, a esposa colocou-se ao seu lado instintivamente. Ayaan esfregou o maxilar e ergueu os olhos a tempo de ver Zohra contornar sua cadeira e empurrar o peito de seu irmão. – Bom dia, Sua Alteza – disse Azeez a ela com uma mesura zombeteira. – Está... adorável. – Você está agindo como um sujeito incivilizado. – Zohra estava furiosa. – Eu sou um sujeito incivilizado, princesa – respondeu Azeez com um riso vazio. – É o seu marido que está me mantendo aqui. Massageando o maxilar, Ayaan virou-se para o irmão e se admirou. Uma fúria cega faiscava naqueles olhos negros que conhecia tão bem. Os mesmos olhos que tinham estado vazios, indiferentes, por quatro meses. – Para que foi esse soco? – Você é o futuro rei de Dahaar, não eu. Fique com o seu nariz arrogante longe dos meus assuntos. Sentando-se de volta na cadeira, Ayaan tomou um gole de café. – Não sei ao que se refere. – Eu a quero fora daqui – declarou Azeez com veemência. – Por que está tão preocupado com a presença de Nikhat? Apoiando o quadril na madeira sólida, Azeez inclinou-se.
– Acho que todo esse poder está subindo à sua cabeça. Não me manipule, irmãozinho. Ou eu... – Ou você o quê? – Ayaan recusou-se a recuar. – Vai atirar em si mesmo? Eu me deixei influenciar por isso até agora, mas não mais. Se você fosse se matar, teve inúmeras chances de fazer isso ao longo dos últimos seis anos. E, ainda assim, aqui está, teimoso, determinado a destruir a si mesmo do jeito mais difícil. – O silêncio tenso se prolongou entre ambos. – Nikhat não vai a lugar algum. Não por seis meses, pelo menos. Uma emoção indecifrável surgiu nos olhos de Azeez. – Se planeja trazer de volta lembranças que subitamente vão me encher de amor pela vida, que tal as boas? Por que não convida para o palácio uma das inúmeras mulheres com quem dormi há seis anos? – Lançou um olhar malicioso a Zohra antes de tornar a observar o irmão. – Havia uma stripper especialmente sexy naquele clube noturno de Mônaco capaz de fazer coisas incríveis com a língua. Se quer que eu volte ao mundo dos vivos, mande a doutora empertigada embora, providencie para que construam uma área de pole dance na minha ala e chame aquela stripper para... Azeez se interrompeu de repente, acompanhando o olhar significativo do irmão. Nikhat estava na entrada da sala. De encontro ao vibrante tapete vermelho na parede atrás dela, parecia pálida. Ela e Azeez se entreolharam e permaneceram imóveis. A tensão ficou cada vez maior no ar. Observando o irmão atentamente, vendo a expressão sombria em seus olhos, Ayaan deu-se conta de que cometera um terrível erro. – Estou divertindo meu irmão e a esposa com histórias sobre Mônaco. Foi no ano seguinte ao da sua partida? Sob o humor, algo mais reverberou nas palavras de Azeez, preenchendo o ar. – Faz diferença quando foi que você andou por lá, seduzindo a população feminina inteira de Mônaco, envergonhando Dahaar e seu pai com as suas aventuras? – retrucou Nikhat num tom seco e altivo, embora continuasse pálida. Adiantando-se até Zohra, ela lhe sussurrou algo. Deixou, então, a sala sem mais um olhar para Azeez. Ele se virou para o irmão em seguida. – Basta de jogos – disse exasperado. – Por que ela está aqui? – Zohra está grávida e anda tendo complicações. Nikhat é uma das melhores obstetras do país hoje. Preciso dela para cuidar da minha esposa. Azeez virou-se para Zohra. – Parabéns a vocês dois. Se ela tem que estar aqui, mantenha-a longe do meu caminho – falou para o irmão. – Diga-lhe que está proibida de me ver. – Não vou lhe dizer uma coisa dessas. Nikhat é praticamente um membro desta família. E está me fazendo um favor. Assim, a menos que queira ser meu prisioneiro pessoal para o resto da vida, é melhor se comportar. – Você se tornou ladino, meu irmão. Ayaan riu com vontade pela primeira vez em um longo tempo. – É o que tive de me tornar por Dahaar. Mas não nasci tão ladino quanto você. Foi uma das razões para você ter sido tão bom como príncipe regente. No minuto em que a quiser de volta, a coroa é sua.
– Isso foi há uma eternidade. – Com os lábios apertados, Azeez deu um passo atrás. Como se o irmão lhe tivesse dito que pulasse de um precipício. – A coroa é toda sua agora. Ele deixou a sala em meio a um silêncio pesado. No passado, o irmão teria dado a vida por Dahaar, ponderou Ayaan. Seus olhos sempre tinham brilhado com orgulho diante da mera menção à nação. – Algo mudou nele – comentou Zohra com um quê de aviso na voz. – E Nikhat... Pareceu que ia desmoronar com uma palavra dele. Pegando-lhe a mão estendida na mesa, Ayaan fez um gesto de assentimento. Em quatro meses batendo a cabeça contra o muro impenetrável que o irmão se tornara, essa era a primeira vez que havia uma pequena rachadura. Sentia-se bastante esperançoso e terrivelmente culpado. – Você sabe se eles foram mais do que amigos? Ayaan sacudiu a cabeça. Não soubera antes, mas algo que seu criado Khaleef dissera num comentário casual chamara-lhe a atenção. Assim, decidira arriscar e dissera ao pai de Nikhat que a chamasse. Estar certo nunca o deixara com um gosto tão amargo na boca. NIKHAT CHEGOU ao pátio atrás da ala para onde a haviam conduzido três dias antes. Eram apenas dez da manhã, mas o sol já estava quente e forte. Removendo as gotículas de transpiração da testa, foi sentar-se no banco perto da magnífica fonte. O som ritmado da água, o cheiro de rosas perfumando o ar... Era um banquete para os sentidos, mas não conseguia relaxar. Durante três dias, estivera ocupada com a princesa Zohra, mas, mesmo assim, estava quase enlouquecendo, extremamente curiosa para rever Azeez. Sonhara com ele tantas vezes quando o julgara morto, imaginara todas as coisas que diria se tivesse mais uma chance de vê-lo, de tocá-lo... A realidade, no entanto, não lhe permitia o mesmo descuido. Fechando os olhos, recostou-se no banco e sentiu o sol acariciando seu rosto. Não podia deixar que ele a inquietasse, assim como não podia tecer sonhos tolos novamente só porque ele não estava morto. Em ambos os casos, não serviria de ajuda alguma para Ayaan. Tirando as sandálias, mergulhou os dedos dos pés na água. Era proibido fazer aquilo, mas foi irresistível. Gotas de água espirraram na calça justa que usava sob a túnica. Já se adaptara à diferença de fuso horário, mas ainda não estava acostumada à quietude que a cercava depois de toda a correria no hospital em Nova York. Também não estava contente com a maneira como as coisas eram conduzidas ali, embora tivesse sabido que era o que devia esperar. Mesmo com as ordens de Ayaan para que ficasse exclusivamente encarregada dos cuidados com Zohra, suas instruções tinham encontrado resistência por parte de numerosos conselheiros médicos e respectivos membros da equipe que circundavam a princesa. Aquilo só a fez perceber quanto precisaria do apoio da família real para ter êxito em Dahaar e, principalmente, para fazer a diferença ali. Não deviam ter se passado mais de dois minutos, quando sua pele se arrepiou com apreensão. Os pelos em sua nuca se eriçaram. O calor escaldante do dia diminuiu por um momento. Uma sombra... Com o coração disparado no peito, ela se deu conta de quem estava parado ali, roubando o calor ao redor.
Mantendo os olhos fechados, levou um momento para se recompor. Abriu, então, os olhos lentamente e endireitou as costas no banco. Mancando, Azeez caminhou até a esquerda dela no banco. Contraindo o rosto, cerrou o punho direito enquanto se sentava devagar. A barba cerrada o fazia parecer mais perigoso. Os olhos ainda tinham aquele ar torturado, acentuado pelas maçãs do rosto salientes. A impecável camisa e a calça de algodão brancas estavam folgadas e o faziam parecer mais moreno do que o de costume, mas não o bastante para esconder o cansaço de seu rosto. Ele sempre tivera uma admirável força de vontade, e, para enfrentá-lo, Nikhat tinha de se manter no ataque. Não fez esforço para abrandar o comentário em seus lábios: – Seu quadril vai ficar com essa lesão permanentemente se você continuar assim. Mesmo no estado em que se encontra, acredito que... Aqueles olhos de cílios espessos aprisionaram os dela, enigmáticos. Nikhat não poderia ter desviado o olhar por nada no mundo. Era capaz de controlar tudo mais, exceto o anseio com que queria olhá-lo. – Acredito que você ainda tenha bom senso o bastante para saber disso. – Sim. Alá. Pare de me olhar deste jeito – falou Azeez com uma voz baixa, gutural, que ecoou pelo pátio silencioso. – De que jeito estou olhando para você? – Ela colocou os pés debaixo das pernas. Azeez recostou a cabeça no banco, expondo o pescoço forte. Mesmo com aquelas roupas despojadas, exemplificava a arrogância e a confiança masculinas supremas que tinham entrado em conflito com a personalidade mais prática dela. E, se fosse sincera, diria que continuava sendo daquela maneira. – Como se não pudesse parar, como se estivesse me devorando com os olhos. O calor que se espalhou pelas faces de Nikhat não teve nada a ver com o sol. – Não é verdade. Ele se inclinou para a frente com um olhar pensativo. – Sim, é. Há temeridade no seu olhar agora. Você sempre soube o que queria, sempre foi cabeça-feita. Mas agora é como se seu corpo a acompanhasse. Nikhat deu de ombros. – Não sou mais uma garota tímida de 22 anos. – Posso ver isso. – Uma centelha de vivacidade surgiu nos olhos dele. – Posso quase ver você restabelecendo a boa saúde dos seus pacientes com o olhar. – Se ao menos as coisas pudessem ser resolvidas de maneira tão simples... E tem razão. Não consigo parar de olhar para você. Não consigo parar de me perguntar o que, em nome de Alá, você acha que está fazendo consigo mesmo. O maxilar dele endureceu, as narinas fremiram. Para qualquer observador externo, ambos pareceriam dois velhos amigos jogando conversa fora. E, ainda assim, era como se o pátio fosse um campo minado. Nikhat tinha que dar cada passo cuidadosamente em torno de Azeez. E não porque estivesse com medo dele, mas de si mesma. O fato de tê-lo procurado a altas horas da noite do primeiro dia já provara que se esquecera por completo da sensatez e da racionalidade. Ele correu a palma da mão pelo maxilar sem deixar de olhá-la.
– É verdade? – O que é verdade? – O palácio tem estado agitado. Ao que parece, esta é a primeira vez em três dias que você tem um minuto para si mesma. – Então você não está completamente alheio ao mundo à sua volta? É sempre um bom sinal. – Não exiba as suas credenciais para mim. A princesa Zohra está tendo complicações com a gravidez? Não houve emoção nas palavras de Azeez. Nikhat não soube se ele estava preocupado com a princesa; não havia como avaliar o grau de vazio em seu íntimo. E, acima de tudo, a simples ideia de que talvez não pudesse servir de nada para ajudá-lo a assustava. – Sim. – É algo sério? – Pedi mais alguns exames para ela. A pressão sanguínea da princesa tem atingido níveis perigosos. Precisa descansar e ir com calma. O estresse só está complicando mais as coisas. Pelo que vi nos últimos dois dias, você está na raiz dele. – Apenas porque dei um soco no marido dela? – Você deu um soco em Ayaan? Por quê? Porque Ayaan a levara até ali, pensou Nikhat, enquanto a resposta lhe ocorreu no silêncio tenso que se prolongou. Você me odeia tanto assim? A pergunta patética estava em seus lábios. Mas não adiantava nada fazê-la. Não seria bom ficar recordando o passado. – Você realmente mudou. – Ela esperou encontrar uma fissura naquela indiferença que ele usava como uma armadura. – O Azeez que eu conhecia jamais teria levantado a mão para o irmão, jamais teria atirado uma garrafa numa mulher inocente, inofensiva. Ele soltou um riso inesperado que a surpreendeu. – Você não é inocente, nem inofensiva. Eu estava bêbado. A culpa foi sua por ter entrado na ala de um homem no meio da noite, onde sua presença é proibida. – E você atira garrafas em figuras imaginárias quando está bêbado? – Apenas em você. Ofendida, Nikhat respirou fundo, desviando o olhar. Esse era o futuro que quisera evitar oito anos antes: o ressentimento, a amargura dele. Porque Azeez nunca escondera o que sentira, nem a deixara esconder os próprios sentimentos tampouco. E, ainda assim, depois de tudo que fizera, ela estava exatamente onde não queria estar: na causa daquele ressentimento. Erguendo o olhar, descobriu que ele a estudava com curiosa intensidade. – Eu estou falando sério. A princesa Zohra precisa repousar e relaxar. Se você fizer algo que aumente as preocupações da princesa com Ayaan, ela só vai piorar. Zohra... ama muito Ayaan. E o fato de que ele está preocupado com você está sendo transferido diretamente para ela. – Ela é o futuro de Dahaar. Não quero que nada lhe aconteça. Ele se deu conta de que traíra a si mesmo? Pelo que Ayaan dissera, Azeez alegara que não se importava com nada. – É apenas o futuro de Dahaar que preocupa você? Não o que você está fazendo com Ayaan, com seus pais? Consigo mesmo?
Azeez se levantou tão depressa que Nikhat ergueu abruptamente a cabeça. Bem a tempo de ver o lampejo de dor no rosto dele. – É aqui que a sessão termina. Você não é minha amiga. E decididamente não é minha médica. Ele pausou por um momento, então falou: – Você está a serviço da família real. Faça seu trabalho. Cuide da princesa Zohra. Acredite, não há nada que possa fazer para me ajudar. Exceto desaparecer, talvez. – Não vou deixar o palácio. Não enquanto não tiver feito o meu trabalho. E, para reforçar a crença de Ayaan em mim, nunca traí a confiança que a família real tem depositado em mim e nunca trairei. – Nunca, Nikhat? Com um nó na garganta, ela passou os braços em torno de si. – Nunca. Meneando a cabeça, ele parou na ampla entrada em arco. O sol que brilhava atrás lançou sombras em seu rosto. Nikhat não fazia ideia do que Azeez via no espelho quando olhava para si mesmo, das lembranças que o atormentavam. Mas o fato de que estava ali, preocupado com a princesa, deu-lhe esperança como nada mais poderia. – Nunca achei que você fosse ingênua. Desdobrando as pernas, ela levou um momento para se recompor. – Eu era. Porém não mais. Não sou a garota que você conheceu no passado. – Por que escolheu obstetrícia entre todas as especializações existentes? Por que não cardiologia? Ela ficou imóvel, surpresa com a facilidade com que, mesmo depois de todos aqueles anos, ele ia diretamente ao ponto. Surpresa em ver que a conhecia tão bem. – Faz 18 anos que sua mãe morreu. Você não pôde salvá-la, nem à criança que ela ia dar à luz quando morreu. Nikhat precisou recorrer a todas as suas forças para não desmoronar. – Preciso mandar que verifiquem o seu histórico? – O que quer dizer? – A princesa Zohra é valiosa para Ayaan e Dahaar. – Dessa vez, ele pensou na nação depois do irmão. – Você vai conseguir manter a objetividade quando chegar o momento? Ou está travando uma batalha sem fim consigo mesma e tentando salvar sua mãe outra e outra vez? Nikhat estremeceu conforme as palavras dele atingiram o alvo. Sentiu a cor se esvair de seu rosto, mas dessa vez não ficaria quieta. Não o deixaria encontrar nenhuma falha. – Pode me odiar quanto quiser, mas não ouse insultar minha habilidade como médica, nem minhas razões para ter essa profissão. Escolhi obstetrícia porque, com todo o progresso que sua família propiciou a Dahaar, ainda há muitas coisas no tocante à saúde das mulheres que estão obsoletas. Ainda há muitas ideias antiquadas que ditam a vida de uma mulher. Ela respirou fundo, então falou: – Minha profissão não tem nada a ver com o passado. É a minha vida, meu futuro. – Desde que se lembre disso, dra. Zakhari. Porque pagou um alto preço por isso, não foi? Nikhat sentou-se de volta no banco, enquanto a própria mentira voltava para atormentá-la. Azeez ainda pensava que ela o deixara porque seu amor por seu sonho profissional tinha sido maior que seu amor por ele. E, esmagada pelo peso da verdade, ela o deixaria acreditar na
mentira. Ela pagara um preço alto. Pagara com seu coração, com seu amor. Pagara por algo que não podia mudar. E reconstruíra sua vida meticulosamente, de tal maneira que não permitiria que nem mesmo o príncipe de Dahaar a despedaçasse.
CAPÍTULO 3
AZEEZ RECOSTOU-SE na parede do lado de fora do escritório de Ayaan e respirou fundo. O suor escorria-lhe pelas costas após a longa caminhada desde sua ala até aquele lado do palácio. Fechando os olhos, esfregou o quadril direito, desejando que a dor forte passasse. Mas, evidentemente, não foi o caso. Ele passara os quatro meses anteriores bebendo para esquecer, sem se importar se comera ou até se havia se movido. Sua negligência voltava para lhe cobrar um preço na forma de uma dor lancinante. Seu quadril estava sensível por causa de meses de inatividade, de falta de exercícios. Com a respiração acelerada, enquanto pontos pretos dançavam na frente de seus olhos, foi deslizando pela parede até se sentar no chão. O irmão estivera com a razão. Houvera muitas ocasiões em que desejara estar morto. Mas nunca chegara a alimentar o pensamento de se matar. Sua lista de pecados já era grande o bastante sem cometer um contra Deus também. Assim, prosseguia, sem se importar com nada, sem se importar com o vazio que sua vida se tornara. Mas, quanto à aversão por si mesmo, à falta de interesse em sua vida, à falta de respeito pelo próprio corpo, desde que tinha sido apenas ele a enfrentar as consequências, não tinham importado. Mas agora... Agora, tudo isso começava a interferir na vida do seu irmão e da esposa. Depois de tudo que passara, de ter se recuperado da perda de sangue proveniente do ferimento à bala que sofrera durante o ataque terrorista, acordando no meio de estranhos com uma perna inútil, dando-se conta do que se tornara, depois da dor terrível de ter se mantido longe da família, não podia permitir isso. Qualquer fel que estivesse dentro dele não podia se espalhar, não podia contaminar o bem que finalmente estava acontecendo naquela família. Ele não podia tirar mais deles, de Dahaar. E se o preço era desistir do restante de seu respeito próprio, se o preço era parar de se esconder e enfrentar seus demônios, enfrentar a realidade de tudo que arruinara com suas atitudes descuidadas, que assim fosse. Não poderia escapar das consequências dos seus atos para sempre, de qualquer modo. – Azeez? – A voz de Ayaan estava repleta de dor. Azeez umedeceu os lábios e pigarreou. As palavras pareceram grudadas à sua língua. Obrigouse a dizê-las. – Ajude-me a levantar, Ayaan.
Por alguns segundos, o irmão não se moveu. Seu choque reverberou pelas paredes do corredor num silêncio ensurdecedor. Cerrando os dentes, Azeez se esforçou para retirar a amargura de suas palavras. – Você quer vingança por aquele soco que lhe dei três dias atrás? – zombou. – Vai me ajudar se eu implorar, Sua Alteza? Praguejando por entre dentes, Ayaan partiu para a ação. Sacudindo a cabeça, colocou as mãos debaixo dos ombros de Azeez. – Quando eu contar até três. Azeez assentiu e respirou fundo. Segurou os pulsos do irmão e deu um impulso para cima. Ayaan recostou-se na parede oposta e cruzou os braços. – É sempre assim? – Havia raiva em suas palavras e um quê de pesar. Contendo uma resposta ferina, Azeez sacudiu a cabeça. – A culpa é minha. Quanto menos eu me movo, pior o quadril fica. – Por que não me chamou quando precisou? – Nunca fiz isso. É você que vive indo até a minha suíte para as suas sessões de fortalecimento de laços. Franzindo a testa, Ayaan abriu a porta atrás de si e a segurou para o irmão. Azeez entrou e gelou. Cheiros e sensações, ecos de risos e alegria bombardearam-no de todos os lados, abrindo fissuras em sua armadura. Um arrepio percorreu-lhe a pele enquanto o olhar pousava na mesa majestosa. Uma caixa de madeira feita à mão que estava na dinastia Al Sharif havia mais de dois séculos. A caneta-tinteiro de ouro que era passada adiante através de gerações, de pai para filho, de rei para rei. E a espada exposta numa caixa de vidro à direita. Era a espada com que fora presenteado na cerimônia em que o pai o anunciara como príncipe regente e futuro rei, a espada que representara tudo que ele havia sido. Agora pertencia ao irmão, e Azeez não tinha dúvida de que estava no lugar certo. Um retrato da família deles estava pendurado atrás da poltrona de couro. O rosto sorridente de sua irmã, Amira, atingiu-o com o impacto de um golpe físico. Ele a matara como se tivesse feito isso com as próprias mãos. Bastava. Não fora até ali para reviver seus erros. Fora até ali para impedir que mais erros acontecessem. Desviando os olhos do retrato, encaminhou-se até a área de estar à direita e sentou-se numa chaise longue. Ayaan seguiu-o e sentou-se do lado oposto. – Nikhat disse que é por minha causa – falou sem preâmbulo. Precisava dizer o que queria e sair. Precisava estar fora daquele escritório e voltar à caverna repleta de aversão por si mesmo que a suíte se tornara. Antes que fosse sufocado por expectativas destruídas, pela terrível culpa. Ayaan franziu a testa. – O que é por sua causa? – As complicações com a gravidez de Zohra. Uma máscara cobriu o rosto geralmente expressivo do irmão. Censurando-se por ter se tornado um egoísta, apenas preocupado consigo mesmo, Azeez estudou-o, notando pela primeira vez o estresse no rosto de Ayaan.
– Eu não colocaria as coisas desse jeito – falou ele, enfim, com um suspiro. – Por razões que os médicos dizem que não podem especular, tem sido uma gravidez de alto risco desde o início. – Então, o que Nikhat quis dizer quando falou que as complicações eram por minha causa? Sei que não disse isso para me manipular. – Achei que não quisesse vê-la, nem ouvir uma palavra de seus lábios. Agora acredita em sua opinião? – Nikhat queria ser médica desde que tinha 10 anos de idade. Se há uma coisa que jamais trairia é a sua profissão. Assim, se diz que sou a causa do estresse de Zohra, então eu sou. Posso estar com este problema no quadril, mas a minha mente funciona bem. – Funciona? Porque, até agora, não vi provas disso. Azeez prosseguiu como se o irmão não o tivesse provocado. – Tenho visto sua esposa rosnar para mim feito uma leoa, como se precisasse proteger você de mim. Não acho que ela desabaria porque o marido está lidando com o irmão difícil. Então, o que é, Ayaan? Uma expressão de total desolação surgiu nos olhos do irmão. Azeez o encarou, enquanto uma onda de choque o percorria. Desde que soubera que Ayaan retornara, ele tivera certeza de que o irmão cumpriria seu dever, não importando o que acontecesse. E Ayaan enfrentara todos os desafios. Apenas agora Azeez se deu conta do que deixara passar despercebido. Seu irmão havia lutado contra os próprios demônios por um longo tempo, e ele não tinha pensado nisso até aquele momento. – Ela está preocupada com o que isto... – Ayaan moveu a mão entre os dois – ... está fazendo comigo. Azeez sentiu um calafrio percorrendo-lhe a espinha. – O que quer dizer? – Eu tenho pesadelos. Horríveis. Eu os tenho todas as noites desde que... desde que fiquei lúcido. Às vezes, são simples. Às vezes, eu fico violento. E… Azeez segurou a cabeça entre as mãos, sentindo que o ar lhe faltava. A culpa percorreu seu sangue, deixando-o frio por dentro. Erguendo os olhos, obrigou-se a dizer as palavras. – Os pesadelos pioraram depois que você me encontrou. Ayaan deu de ombros. Não havia vergonha, nem hesitação em seu olhar. Apenas resignação e aceitação. Naquele minuto, Azeez se deu conta daquilo que fora cego demais para enxergar até o momento. O irmão enfrentara sua própria versão do inferno e sobrevivera com honra. E Dahaar era abençoado em tê-lo. A não ser que ele, Azeez, arruinasse tudo outra vez. – Eu fico relembrando aquela noite e, a cada vez que vejo todo aquele sangue no estábulo, o seu sangue, eu acordo gritando. E Zohra está lá comigo, sofrendo tudo, ao meu lado. – Por que não me contou? – Quando eu teria lhe contado? Entre os socos que deu em Khaleef e em mim? Quando você se recusou terminantemente a ver nossa mãe, embora pudesse ouvir seu choro desconsolado do outro lado da porta, e quis que o nosso pai continuasse acreditando que seu primogênito estava morto? Ou durante as poucas horas em que tem permanecido sóbrio nos últimos quatro meses?
Azeez mexeu-se no assento com inquietação. Queria sair correndo dali. – Livre-se de mim – grunhiu. A sensação de impotência o corroía por dentro. – Tudo isso será resolvido num minuto. Com o semblante carregado, Ayaan inclinou-se para a frente, apoiando os braços nos joelhos. – Acha que eu posso simplesmente ignorar a sua existência como você tem feito? – Então, tire sua esposa daqui. Proteja-a. – Não posso. – Ayaan soltou um leve riso sarcástico. – Vou ser coroado rei daqui a dois meses, mas não posso ditar o comportamento da minha esposa. Eu lhe ordenei que dormisse numa ala separada, mas ela tem vontade própria. Não vai sair do meu lado. Desde o momento em que lhe encontrara o olhar firme com o seu, Azeez percebera quanto a princesa Zohra amava seu irmão. Era um sentimento que ele já quisera no passado, um sentimento que achara que tivera. Esforçou-se para conter a onda de inveja que o percorreu. Não invejaria a pouca felicidade que Ayaan tinha. O fato era que o problema precisava acabar agora. – Está certo. O que você quer de mim? – O quê? – Diga-me o que quer que eu faça, o que posso fazer para que você fique melhor e Zohra se livre do estresse. – Por que agora? Depois que você atirou todos os meus pedidos de volta na minha cara? – Porque já há sangue demais nas minhas mãos, e eu não quero mais. Ayaan contraiu o rosto e seu olhar evidenciou uma compaixão que Azeez não queria. – Ouça, as coisas não são... – Esta é a sua chance de proteger sua esposa. Não a desperdice com assuntos inúteis. – Está certo – declarou Ayaan, levantando-se. – Eu quero que você se cuide. Quero que faça fisioterapia, que fale com um psiquiatra, que veja os nossos pais. E eu quero você na minha coroação dentro de... – Não me pressione. – Azeez sentiu as algemas das exigências do irmão prendendo-o a Dahaar, especialmente a parte relativa à coroação dele. Apoiando-se no braço da chaise longue, levantou-se. Restava-lhe apenas uma escolha, apenas uma solução para parar com a ruína que começara outra vez. E tudo dentro de si se rebelou contra a ideia. – Vou fazer isso, mas terá que ser do meu jeito. – O que quer dizer? – Não vou falar com uma equipe de médicos. Nikhat pode cuidar de mim entre os cuidados com Zohra. – Azeez. – A voz de Ayaan continha um tom de aviso, enquanto Azeez se adiantava até a porta sem olhar para nada em torno do escritório. – O que quer que esteja planejando, não o faça. Ela está aqui a meu pedido. – Exatamente. Você a envolveu nisso. Agora que estou seguindo as suas ordens, não reclame. Deixando o escritório do irmão, Azeez caminhou devagar rumo à sua ala. Ainda planejava deixar Dahaar. Pelo bem de sua própria sanidade, tinha de fazê-lo. Mas adiaria sua partida para depois que as coisas estivessem bem com a princesa Zohra. E também não podia passar o resto da vida da maneira como estivera fazendo.
Faria o que o irmão lhe pedira porque nada mais seria o bastante para Ayaan. Não havia, porém, razão para que uma equipe de médicos examinasse sua cabeça. Não havia nada que ninguém pudesse fazer para ajudá-lo. Mas, quanto à dra. Zakhari, errara em querer se ver livre dela tão depressa. Ela lhe devia aquilo. E se tornaria sua rota de liberdade daquele palácio, de uma vida que, ainda que lentamente, com certeza faria o que uma bala não conseguira fazer – matá-lo. NIKHAT TERMINOU o jantar e voltou ao espelho para examinar sua aparência com ar crítico. A túnica preta de manga longa e gola alta era de uma seda engomada que, em vez de lhe moldar os seios, repousava sobre seus ombros como uma tenda. Pequenos brincos de diamante, um presente que dera a si mesma quando fizera 30 anos, eram sua única joia. Com um suspiro alto, ela apanhou um grampo e usou-o para prender uma pequena mecha de cabelo que se recusara a ficar na trança. Verificou, então, a pilha de presentes que passara horas embrulhando, incapaz de permanecer quieta. Se soubesse que a princesa Zohra permitiria que seu pai fosse direto até a suíte dela na ala distante onde estava hospedada, teria ajeitado melhor os pacotes. Mas, com seu nervosismo, preferira dispensar a criada e cuidara de tudo sozinha. Puxando a manga da túnica, ela verificou o relógio outra vez. Seu pai chegaria a qualquer minuto. Andava de lá para cá pelo tapete antigo e inestimável, quando ouviu uma batida à porta. Adiantou-se rapidamente para atender. E gelou. Azeez estava do outro lado da soleira. Barbeado, tinha o olhar firme e lembrava o homem que fora. Ela havia se esquecido do efeito irresistível que a simples presença dele lhe exercia. Seu nervosismo aumentou. O fato de que ele estava a algumas portas na mesma ala que ela, noite e dia, não lhe saía da mente, não importando quanto estivesse ocupada. Mas vê-lo ali do lado de fora de sua suíte foi um choque. – Preciso falar com você. Azeez não esperou resposta. Num estilo de príncipe arrogante, passou por ela e entrou na suíte. Ainda nervosa com a repentina aparição, Nikhat virou-se. – Feche a boca, Nikhat. E a porta. Ela não obedeceu. Esperou parecer desafiadora, pois, por dentro, estava tremendo. – Por quê? Ele curvou os lábios e seus olhos brilharam. Aquele brilho no olhar e aquele sorriso haviam mexido com os sentidos dela no passado e, ao que parecia, ainda tinham tal poder. Porque as pernas mal a sustentavam de pé. – Está com medo de ficar a sós comigo? Nikhat fechou a porta atrás de si com um baque surdo que devia ter silenciado o “sim” reverberando em sua mente. Sua luxuosa e vasta suíte, muito mais imponente que toda a sofisticação que tivera em Nova York, pareceu subitamente pequena com a presença de Azeez. Era como o sol, reduzindo tudo à volta à insignificância.
Próximo, ele a percorreu com um olhar que teve o efeito de uma carícia. – Por que está usando essas roupas horríveis? E o que aconteceu com seu cabelo? Nikhat encarou-o, sentindo-se como se toda sua confiança e toda a sua sofisticação escorregassem por entre seus dedos como areia. Preparara-se para lidar com o desprezo dele, até com o ódio nos meses seguintes. Mas com sua atenção, em especial de uma natureza pessoal? Nada pudera prepará-la para aquilo. – Se é assim que costuma se vestir, não é de admirar que tenham ficado tão felizes em se livrar de você em Nova York. – Eu parti por vontade própria. Deixei um bom cargo num hospital moderno para voltar. – Tarde demais, Nikhat se deu conta de que ele fazia um jogo com ela. Mostrava uma atitude completamente diferente. Era como se tivesse uma estratégia, como se suas emoções mais exacerbadas estivessem contidas por ora. E, ainda que a provocasse com suas palavras zombeteiras, preferia-o desse modo. O verdadeiro Azeez. – Para me dedicar a algo que é bastante necessário aqui em Dahaar. – Ah... Ouvi sobre todos os seus planos para a clínica. A gravidez da princesa Zohra, o desespero de Ayaan para dar um jeito em mim, a sua história comigo. Tudo está se encaixando para você, não é mesmo? Como sempre. A raiva tomou conta dela. – Acha que é fácil para mim? Voltar aqui? Deixar para trás a liberdade, a posição, o respeito que eu tinha em Nova York? Lutar constantemente contra preconceitos invisíveis só porque sou uma mulher? Até mesmo ser a médica pessoal da princesa não é recomendação o bastante. – Se esperava algo diferente, é uma tola. – Porque quero mudar algumas coisas para melhor em Dahaar? Você já teve um sonho assim antes. Ou apagou tudo do passado? Ele se manteve imperturbável. – Você escolheu um caminho difícil para si mesma e um ainda mais difícil ao voltar. Por que ficar se é tão complicado? – Porque sei que posso fazer a diferença. Quero que todo trabalho árduo que realizo represente algo para Dahaar. E me recuso a deixar que qualquer preconceito travestido de tradição me detenha. O silêncio dele não a aborreceu dessa vez. Porque estar de volta a Dahaar era mais difícil não apenas no aspecto profissional, mas também no pessoal. Desfrutara a liberdade em Nova York. Pudera ir aonde quisera, pudera conversar com quem quisera, sem permissão por escrito, sem ver perguntas nos olhares alheios. – Não, você nunca se desvia do seu caminho uma vez que se decide, certo? – Um respeito relutante acompanhou as palavras dele. – Apenas não espere mudanças da noite para o dia. Nikhat meneou a cabeça, contente com a discussão. Mesmo que ele dissesse suas palavras em tom zombeteiro, Azeez lhe dava uma compreensão de que ela precisava muito. – Quer dizer que se vestir como se você estivesse a caminho da sua própria execução é o primeiro passo para convencer a todos aqui a levarem a sério? Ela arqueou uma sobrancelha e sorriu. – A sua máscara de indiferença está caindo. Parece interessado na maneira como estou vestida. Um brilho de gracejo passou pelos olhos de Azeez quando deu de ombros.
– Não está nada atraente assim, toda de preto. A menos que me diga a razão, vou deduzir que é para dissuadir o meu interesse. Assim, devo informá-la que prefiro levar outro tiro no quadril a tocar você. Ela o fuzilou com o olhar. – Meu pai está vindo me ver a qualquer minuto. E as minhas irmãs. Se precisa que eu seja seu saco de pancada, eu gostaria de remarcar a sessão para outro horário que me seja mais conveniente. Tornou a verificar o relógio, incapaz de conter a ansiedade. – Precisa estar vestida assim para ver o seu pai? É alguma nova lei que Ayaan decretou? Nikhat olhou para si mesma, sabendo que ele tinha razão. Mas não queria dar mais nenhuma razão ao pai para ficar zangado com ela, ou para lhe encontrar alguma falha. A solidão com que lutara por oito anos ameaçou obstruir-lhe a garganta. – Eu... eu não vejo meu pai há oito anos. Minhas irmãs... Pode imaginar como está Noor agora? – falou, pensando na irmã mais nova. – Por favor, deixe-me por enquanto. Não me permito o luxo de dar as costas à minha família, como você fez. O humor se dissipou do rosto dele. – Por que não os viu durante todos esses anos? – A condição do meu pai quando parti de Dahaar para estudar foi a de que eu não retornasse. O que você não sabe e eu não imaginava é como meu pai é intransigente. Ele me proibiu de vêlo e às minhas irmãs. Antes que ele pudesse responder, ouviram uma batida à porta. O pânico deixou Nikhat com o estômago em nós. – Por favor, Azeez – sussurrou, virando-se na direção da porta. Lançando-lhe um olhar firme, Azeez contornou a sala de estar e entrou no quarto dela. Somente depois que o ouviu fechar a porta, Nikhat sentiu o coração se aquietar. Removendo uma camada de suor do rosto com as costas da mão, abriu a porta da suíte. O sorriso congelou em seus lábios quando viu o pai sozinho. – Olá, pai – disse, sem conseguir afastar o olhar do corredor silencioso. Com as mãos dobradas atrás de si, o pai entrou na suíte. Ficou parado ali na entrada com ar austero, olhando ao redor. Não havia nenhum ar caloroso nem de boas-vindas na sua postura, ou expressão. Ocultando o desapontamento, Nikhat fez um gesto na direção da sala de estar. – Gostaria de beber alguma coisa? – Não posso ficar muito tempo, Nikhat. Há um assunto urgente de segurança que preciso conversar com o príncipe Ayaan. – Entendo como é ocupado. Apenas achei que... que as garotas viriam com o senhor. Ele a olhou com firmeza, sem deixar trair nenhuma emoção. – Eu queria me certificar de que seria adequado para elas visitarem você aqui. – É o palácio, pai. É o lugar mais seguro de Dahaar. Ayaan disse… – Ela se conteve diante do ar de reprovação com que o pai apertou os lábios. – O príncipe Ayaan me informou ele mesmo que tenho permissão para receber visitas. Sou a médica pessoal da princesa, não uma prisioneira de Estado – acrescentou com amargura. – Não pensei que você fosse uma prisioneira. – O pai tinha os traços fechados, sua expressão severa. – Mas ouvi rumores. Nada que eu repetiria. Na verdade, é o que preciso conversar com o
príncipe regente. Mas, entre os rumores e esta súbita ordem para chamar você de volta a Dahaar, não gosto das conclusões que tive que tirar. Uma onda de raiva invadiu Nikhat, substituindo a sensação de impotência que a estivera importunando. Tudo o que queria era ver as irmãs. Uma coisa simples. E parecia que o universo inteiro estava conspirando para lhe negar isso. – Que conclusões são essas, pai? – Não vou repeti-las. E, com certeza, não na sua frente. A raiva dela se intensificou. – Sim, vai. Sou sua filha e tenho 30 anos. Vivi fora de Dahaar, numa terra estrangeira entre estranhos por oito anos. Sem a proteção de nenhum homem, eu vi o mundo. Não apenas cuidei de mim mesma, mas tive êxito na carreira. Se está me sendo negada a chance de ver minhas irmãs... – Sabia que estava gritando àquela altura, mas não se importou. – …Oh, maldição, vai me dizer por quê. – Está praguejando enquanto fala com o seu pai? Foi nisto que você se tornou? Nikhat cerrou os dentes. Por anos demais, ficara quieta. Mesmo antes de ter deixado Dahaar, sempre tentara ser a filha exemplar, o filho que o pai sempre quisera. – O que me tornei? O que fiz de tão errado para ainda me punir? O pai sacudiu a cabeça, e ela sentiu a coisa que sempre quisera lhe escapar por entre os dedos. Nada do que conseguira teria sentido se não pudesse ver as irmãs. – Você me deve a verdade, ao menos. – A quem está servindo? À princesa Zohra, ou ao príncipe Azeez? Nikhat sentiu a cor se esvair do seu rosto. – Não pode mencionar suas suspeitas a ninguém. Não pode traí-las. Ele se empertigou. – Eu jamais trairia a família real. São as pequenas coisas que tenho ouvido. E ninguém mais pode chegar às conclusões a que cheguei. Você e o príncipe Azeez... – Desviou os olhos como se seus pensamentos fossem vergonhosos. – Eu sabia que havia algo entre vocês todos aqueles anos atrás. Repetidamente lembrei a você para manter distância deles, para não esquecer a disparidade entre a nossa vida e a deles. Você nunca prestou atenção aos meus avisos. Nunca presta, uma vez que se decide a algo. Nikhat observava o pai com crescente espanto. Ele soubera que ela havia sido apaixonada por Azeez e presumira que ela partira de Dahaar porque seu relacionamento com o príncipe terminara. – Nunca fiz nada para lhe causar vergonha. – Mesmo quando ela soubera que teria que partir, ainda recusara a si mesma o que mais quisera no mundo. – Não importa. Mas, se o príncipe regente chamou você de volta ao palácio, se está mantendo você aqui porque acha que isso vai... ajudar o príncipe Azeez... não posso me arriscar a trazer suas irmãs aqui. A sua vida, a sua reputação estão fora das minhas mãos. Você tirou de mim o direito de protegê-la quando partiu de Dahaar. Quando terminar esta... incumbência, irá embora outra vez. Deixará qualquer escândalo que possa criar para trás. Suas irmãs têm que viver aqui, se casar, construir suas vidas. E ainda sou o pai delas. Tenho que protegê-las. – O que gostaria que eu fizesse, pai? Que negasse o pedido do príncipe regente depois de tudo que o rei Malik fez por esta família? – Não, cumpra o seu dever, o que quer que ele... abranja.
O pai apertou os lábios, e Nikhat soube quanto lhe custou dizer aquelas palavras. De qualquer modo, não ficou surpresa. Seu pai servira o rei Malik por quarenta anos. Sua lealdade fora o que levara Nikhat ao palácio para ser educada ao lado da princesa Amira. – Mas não me peça para envolver suas irmãs nisso. Não até que o que quer que você esteja fazendo para o príncipe regente esteja terminado, não até que eu saiba que isso não vai afetar a reputação delas. Sem mais uma palavra, ele deixou a suíte, despedaçando as esperanças dela. Nikhat sentou-se no sofá, abalada demais para sequer derramar lágrimas. Havia pensado que moldara sua vida conforme sua vontade, que havia sobrevivido à sua maior dor, que podia enfrentar qualquer coisa que a vida lhe mandasse e, ainda assim, de volta a Dahaar, em se tratando de uma coisa que lhe era realmente importante, estava de mãos amarradas. Uma fúria inútil ferveu dentro dela, dando-lhe a vontade de fazer as malas e partir sem olhar para trás. Ouviu Azeez caminhar em sua direção. Pela primeira vez, não se importou em esconder o quanto estava desolada. Ele se recostou na chaise longue escura que o pai dela desocupara. – E eu aqui achando que Ayaan havia convencido você a se vender para me ajudar com sua grande clínica, hein? Uma reunião com sua família é o prêmio que você quer? A raiva invadiu Nikhat, consumindo-a e rompendo o último fio de esperança que nutrira. As palavras dele banalizavam tudo que haviam compartilhado no passado, diminuíam quem ela se tornara. Levantou-se abruptamente e, com a adrenalina percorrendo-a, aproximou-se dele e o esbofeteou em cheio. Azeez correu a mão pelo maxilar e estudou-a com um brilho indecifrável nos olhos. – Sente-se melhor? Ela cerrou os punhos para deter os tremores que a percorriam e sustentou-lhe o olhar. – Você me provocou de propósito. Compaixão e algo indefinível surgiram nos olhos dele. – Você parecia prestes a perecer da dor que a consumia, como se nunca mais fosse ter esperança. Ou eu esbofeteava você, ou você me esbofeteava. Ela não queria lhe dever mais do que já devia. – Agora sabe o que todos vemos quando olhamos para você. Nikhat achou que ele riria dela. Em vez disso, viu-o adquirir uma expressão pensativa. – É por isso que está aqui? Porque tem pena de mim? Cruzando os braços, ela o encarou. – Essa é uma coisa que posso dizer com sinceridade que nunca senti por você, Azeez. Faz com que seja difícil ter pena de você. Ele se mostrou aliviado. Apoiando as mãos no braço da chaise longue, sentou-se. – Ayaan vai ordenar ao seu pai que deixe você ver suas irmãs. Ele não terá escolha a não ser seguir ordens. Ter de escolher entre a família e a profissão, ou qualquer outra coisa, não é algo que ninguém deva ter que enfrentar. Ambos se entreolharam, e as lembranças pairaram no ar. Ele lhe dissera aquelas palavras antes. Fizera promessas e mantivera todas.
Ela fizera uma promessa. E não pudera mantê-la. Sacudindo a cabeça, Nikhat tratou de afastar as lembranças para um canto escuro da mente, que era o lugar a que pertenciam. – Meu pai está certo. Não sei onde vou estar dentro de seis meses. Com um futuro tão incerto, é melhor que eu não veja as minhas irmãs. – Ou você poderia simplesmente partir. Ajudarei você a sair do palácio. Ayaan não obrigará você a retornar. – Está assim tão ansioso para se livrar de mim? – Ela se arrependeu das palavras no momento em que as proferiu. – Sim. Não há nada que eu queira mais do que a sua partida – declarou Azeez, com a fria sinceridade que sempre fizera parte dele. Pegar a alternativa que ele estava lhe dando, voltar para Nova York, onde tinha liberdade, onde cada passo seu não era ditado por ninguém, longe do homem que a fitava com um fogo no olhar que a atraía mais para perto a cada dia, era a coisa mais fácil a fazer. Podia poupar a ambos o sofrimento de reviver um passado doloroso porque, por mais que tentasse evitá-lo, ele insistia em vir à tona. E não sentiria aquela desolação em estar tão perto das irmãs e não poder vê-las. Mas a mesma lealdade que estava no sangue do seu pai preenchia o seu. – Fiz uma promessa a Ayaan. O que quer que aconteça nos próximos meses, quero morar em Dahaar. Quero dirigir aquela clínica. Há muitas coisas boas que posso fazer aqui. – É claro. Você tem metas. E planos para alcançar essas metas. Se algo falhar, é só sacudir a poeira e seguir em diante. – Por que veio até aqui? – Quero que me ajude a convencer Ayaan de que tudo está maravilhosamente bem aqui. – Azeez indicou a própria cabeça com a ponta dos dedos. – Para que você deixe o palácio e acabe morrendo? – Não preciso deixar o palácio para conseguir isso. Azeez disse as palavras lentamente, como se estivesse sentindo um peso do qual não pudesse se livrar. Levantando-se da chaise longue, caminhou até a porta com o corpo tenso. Quando a fitou, a intensidade da dor abalou Nikhat. E todos achavam que ele não se importava, que se tornara a sombra do homem que fora! – Não suporto estar aqui. Tenho que convencer Ayaan que deixar Dahaar é a melhor coisa para mim, para ele, para os nossos pais. Tenho de partir de Dahaar. E precisa ser de uma maneira que Ayaan não sinta culpa. Nikhat sacudiu a cabeça. – Nunca vou conseguir convencê-lo porque não acho que é o melhor para você. – Mas vai fazer isso. A arrogância no tom dele a fez franzir a testa. – Por que vou fazer isso? Ele se apoiou na parede, segurando o quadril com a mão. – Quer que eu tenha uma morte lenta, dolorosa? Um tremor percorreu Nikhat diante da desolação nos olhos dele. Aproximou-se com as mãos estendidas, desesperada para aliviar-lhe a dor, para fazer alguma coisa. – Você não pode...
Azeez esticou o braço para impedi-la de se aproximar mais. Quando falou, foi por entre dentes. – Este palácio está me devorando vivo. Para cada lugar que me viro, vejo a destruição que causei a Ayaan, aos meus pais, a Dahaar. Se devo viver, tem que ser fora deste palácio. Outrora, Dahaar fora parte integrante dele, de sua vida, de seu sangue, de sua paixão. Era doloroso para Nikhat ouvi-lo falar daquela maneira. Por qualquer que fosse a razão, Azeez se considerava responsável por tudo que acontecera e, enquanto fosse de tal modo, não podia ficar ali. Sonhos partidos e fantasmas de um passado glorioso: o palácio estava cheio deles. Era uma dor que ela sentia, uma agonia que compreendia. O que significava que não tinha escolha a não ser concordar. O que ele estava lhe pedindo era a sua traição da promessa a Ayaan, a traição da promessa que fizera a si mesma. Mas, como sempre havia sido, em se tratando de Azeez, nada mais importava a ela. Nem a sua própria felicidade. Queria que ele vivesse e, se pudesse ajudá-lo a fazer isso do jeito que queria, que assim fosse. – Vou ajudar você, Azeez – ouviu-se dizer. E ele meneou a cabeça com ar intrigado em resposta.
CAPÍTULO 4
NIKHAT SEGUIU a criada do palácio por um labirinto de corredores revestidos de mármore com o coração disparado. Concordar com a proposta de Azeez era uma coisa. Arriscar-se até a suíte dele com um plano era outra. Ao menos, Ayaan ficara agradavelmente surpreso quando o informara sobre o que tinha em mente, durante o check-up matinal da princesa Zohra. Com um meneio de cabeça, a criada indicou-lhe a porta dupla de desenhos intrincados e afastou-se. Segurando seu tablet com a mão trêmula, Nikhat passou pela soleira e parou, observando a magnificência da suíte. Havia achado a sua suíte luxuosa, mas não havia nada que se comparasse àquela em termos de tamanho e opulência. Estivera ali naquela primeira noite, mas, em sua ansiedade para ver Azeez, não prestara atenção em nada ao redor. Passara inúmeras horas no palácio, andara pela maioria dos corredores e alas com Amira, estivera em quase todos os lugares exceto ali. Porque era a ala do príncipe e tinha sido proibida a todos. A suíte de Azeez, descobriu ela, olhando para além da área principal, dava para jardins particulares e era um aposento cavernoso em vez de uma mera suíte. Ela passou pelo vasto vestíbulo até a área principal e parou, prendendo a respiração. Paredes creme fluíam interminavelmente junto ao piso de mármore de cor semelhante, incrustadas aqui e ali com adornos de ouro. Cortinas vinho de veludo bordadas com fios dourados pendiam das janelas que iam do chão ao teto. A sala de estar estava à sua esquerda, contendo refinados sofás e chaise longues com detalhes rebuscados em dourado. Exuberantes tapetes persas coloridos enfeitavam o piso. Um jogo de chá de prata, juntamente com uma variedade de iguarias, estava intocado na mesa. Junto à parede oposta, havia uma cama imensa, alta, com uma cabeceira metálica de desenhos intrincados e lençóis vinho. Uma banqueta revestida de veludo achava-se logo ao lado. Almofadas e travesseiros de todos os tamanhos cobriam o alto da cama. Ao pé, havia uma camisa de algodão branco que parecia parcialmente amarfanhada. Como que por vontade própria, os pés a levaram na direção da cama. Um misto de sândalo com o de um perfume que era dele invadiu-lhe os sentidos. Ela respirou fundo algumas vezes, inalando-o antes que se desse conta do que estava fazendo. Os lençóis eram tão macios de encontro aos seus dedos trêmulos... Não foi difícil imaginá-lo
deitado no meio deles. Seu corpo inteiro vibrou. Imaginara-se naquele quarto muitas vezes e de inúmeras maneiras no passado. E seu corpo ainda reagia do mesmo jeito, ainda que a dor e os sonhos desfeitos os separassem mais do que nunca. Estava no quarto do príncipe de Dahaar. Era uma intimidade estritamente limitada à família imediata dele e à mulher com quem casasse. A simples ideia fez Nikhat sentir um aperto no coração. Esforçou-se para lutar contra a onda de melancolia. Oh, Alá, que loucura a fizera concordar com aquilo? Sua pele se arrepiou. Virou-se devagar, preparando-se para ouvir algum comentário cáustico. Azeez estava na porta do banheiro. Usava apenas uma calça folgada branca amarrada com frágeis cordões. Nikhat sentiu um calor insinuante percorrendo-a, um calor que não devia sentir diante dele, mas não conseguia evitar. A pele dourada dele brilhava em contraste com o tecido branco, cobrindo-lhe o abdome, delineando cada músculo dessa região. Pelos escassos salpicavam-lhe os mamilos masculinos, descendo numa faixa que desaparecia na cintura baixa da calça. Ele não tinha uma porção de músculos, mas o abdome era rijo. De repente, Nikhat quis afagar-lhe o peito, passar a unha por cima do mamilo, ver se Azeez sentia aquela corrente eletrizante entre ambos com a mesma intensidade que ela. Encontrou-lhe o olhar, e algo ganhou vida entre eles, englobando o espaço que os envolvia. A respiração dele se acelerou, e ela lhe acompanhou os movimentos do peito com o olhar. Puro desejo a percorria. Queria tocá-lo, sentir-lhe o calor da pele de encontro à sua, sentir-lhe a fragrância masculina que a fazia dar-se conta da sua própria feminilidade pela primeira vez. Oito anos antes, fora ingênua, inexperiente. Estivera sufocada demais pelo que ele era e por quem ele fora para entender a química entre ambos, presa demais às regras da sociedade e às suas próprias inseguranças para compreender o poder e a beleza do que tinham. O brilho dos olhares dele, o fogo de seu desejo, a maneira como o contivera para não a assustar... Ela jamais compreendera realmente tudo isso. Até agora. Não havia sido o corpo dela que não a acompanhara, como ele havia zombado. Fora sua mente. E a maneira como o afetara sempre se evidenciara em seus olhos. Agora, Azeez a estudava com ar divertido, mas também estava tão surpreso quanto ela por sua ousadia. Corando, Nikhat lutou contra o instinto de desviar o olhar, de se esconder daquilo que ele fazia seu corpo sentir. Havia negado tantas coisas a si mesma. Mas não se negaria o simples prazer de observar o príncipe de Dahaar, de sustentar-lhe aquele olhar de provocação sem desviar o seu. Era algo que fazia com que se sentisse viva. Naquele momento, conseguia acreditar que estava lidando de igual para igual com ele. Azeez adquiriu uma expressão indecifrável enquanto a olhava, como se esperasse para ver por quanto tempo ela conseguiria sustentar o seu olhar. Ela poderia ficar ali admirando-o para o resto da vida. Mas, evidentemente, tinha um trabalho a fazer. Buscando a eficiência que a tornara conhecida entre seus colegas, sacudiu o tablet na direção dele.
– Já que você se recusa a se consultar com um fisioterapeuta, entrei em contato com um amigo e baixei alguns vídeos que ele recomendou. A maioria é bem fácil de seguir, mas pedi a Khaleef que esteja presente caso você precise de ajuda física e... Azeez sacudiu a cabeça. – Mas Khaleef pode... – Eu quero você. Nikhat engoliu em seco diante do calor que a envolveu quando Azeez se afastou da parede e se aproximou. Ele dissera aquelas palavras deliberadamente, lembrou a si mesma. Estava testando-a para ver até onde o descuido dela de momentos antes a levaria. – Está certo. Para esta semana, nossa meta é fazer com que você se mova novamente e que tome parte num jantar com Ayaan e a princesa Zohra no final da semana. E descobrir aonde você quer ir quando isto... terminar e o que fará lá. Cada músculo do rosto dele ficou imóvel. – Aonde quero ir? – Sim. Pensei um pouco mais nessa sua ideia de deixar Dahaar. – Nikhat não fizera outra coisa. Dessa vez, ficaria ali e ele partiria. Havia muito tempo resignara-se a uma vida sem Azeez e realizara muito mais do que pudera sonhar. Ainda assim, não se imaginara vivendo em Dahaar sem ele. – Ayaan não vai deixar você voltar ao deserto. Parece mais provável que ele, o rei Malik e a rainha Fátima deixem... – ele fez uma careta diante da menção à mãe, e ela se obrigou a continuar – ...deixem você partir se demonstrar interesse nos empreendimentos de negócios mundiais em que Dahaar investe. Ela se calou por um instante, depois voltou a falar: – Você não pode tirá-los da sua vida completamente. Nem pode querer levar sua vida sem fazer nada. Isso, entre todas as coisas do mundo, iria matá-lo. Ele não questionou o comentário. – Posso tentar. – Fiz algumas perguntas a Ayaan, sem revelar nada, alegando que me dariam alguma coisa para conversar com você. – Eu havia me esquecido de como você é meticulosa quando se determina a algo. – As suas opções são a casa de investimentos em Nova York, o circuito de corridas em Abu Dhabi e, é claro, o seu lugar favorito de todos os tempos, Mônaco. – As últimas palavras custaram a sair. Ela alimentara o ódio mais violento e irracional contra aquele lugar a cada vez que olhara o jornal e lera sobre as badernas de Azeez no ano que antecedera o ataque terrorista. As palavras dele naquela primeira manhã só o haviam intensificado. Os olhos dele brilharam com ar de desafio. – Há alguma coisa que queira dizer? A pergunta pairou no ar entre ambos, como um explosivo no meio de um deserto pacífico. E o mais leve indício de exigência da parte dela poderia detoná-lo e fazer ruir sua vida cuidadosamente construída. Sacudiu a cabeça prontamente em resposta. Andando ao lado de Azeez, diminuiu o passo para se igualar ao dele, que era mais lento.
– Eu vi que... – Respirou fundo quando a cabeça dele roçou a sua. – Notei que você não está completamente fora de forma, mas é óbvio que sente muita dor. Azeez riu, mas não houve alegria no som. – Não diga a Ayaan. Quando me capturou no deserto, ele me derrubou, e eu caí em cima do quadril lesionado violentamente. Foi difícil lutar contra ele… – Ainda assim, você o enfrentou. Ele continuou como se não tivesse sido interrompido. – Também, quanto mais tempo... – Quanto mais tempo ficasse sentado, bebendo e atirando garrafas em figuras imaginárias, pior se tornará a dor. – Sim. Mas foi bastante divertido. Nikhat sacudiu a cabeça, mas abriu um sorriso. Foi bom ver que ele ainda tinha o velho senso de humor. – Acho que a etapa seguinte é fazer com que você se mova o máximo possível todos os dias. Perguntei se havia uma piscina onde você pudesse fazer hidroginástica, mas o hammam deve servir bem aos nossos propósitos. O vapor dos banhos deixará a junta do quadril mais solta antes que faça um pouco de exercícios todos os dias. Sabe com quem posso entrar em contato para solicitar registros médicos sobre o seu ferimento à bala? – Não existem registros. – Mas quem... – Uma vez que perceberam que eu não serviria mais para eles, os terroristas do grupo me deixaram no deserto para morrer e seguiram com Ayaan, pelo que sei. Ainda era valioso para eles. A voz de Azeez soou tão baixa, tão carregada de sentimentos que ela ficou com a pele arrepiada. – Eu já havia perdido muito sangue. Os mujab me encontraram e cuidaram do meu quadril da melhor maneira que puderam. Para a minha sorte, fiquei inconsciente a maior parte do tempo. Nikhat não ocultou seu choque. – Mas os mujab não são uma tribo muito avançada. É um milagre que você ainda esteja de pé. Mesmo tendo passado por tudo que passara, submetendo-se a uma amarga aversão que parecia sentir por si próprio, Azeez Al Sharif era uma força de vida poderosa demais para simplesmente se entregar e morrer. O fato de ainda estar de pé era prova de sua força de vontade. – Gosto de pensar nisso como a minha penitência. – Penitência? – A morte teria sido... Ainda é… Uma punição muito fácil. – O tom dele soou casual, como se não houvesse dúvida quanto ao que dizia. – Viver a minha vida é a punição mais difícil. Nikhat sentiu um aperto no peito diante da resignação nas palavras dele, do vazio que exprimiam. – Por que teve que cumprir penitência, afinal? Por que não voltou depois que se recuperou um pouco? Aquilo era o que magoava e confundia mais Ayaan. E a ela também. O fato de que Azeez Al Sharif optara por ficar longe de Dahaar e de sua família abalava os próprios alicerces de cada
verdade que ela conhecia. Azeez encerrou a conversa: – Você terá que me acompanhar ao hammam. Nikhat hesitou. Desfrutar um minuto inesperado de desejo por ele sem culpa e vergonha era uma coisa, mas acompanhar Azeez Al Sharif a uma sala de água quente e vapor era algo completamente diferente. Fizera partos de bebês. Era uma médica; não tinha aquele tipo de pudor. Mas agora se tratava... dele. Azeez parou junto à porta da suíte. – A não ser que você ache que o que lhe peço está além dos limites da decência e queira cancelar tudo, dra. Zakhari. Ela cerrou os punhos diante daquele ar zombeteiro. Ele iria pressioná-la constantemente a querer desistir. – Há criados para ajudarem você lá. – Sabia que Ayaan designou todos os criados mais antigos, como Khaleef... pessoas que me viram quando bebê... para trabalhar nesta ala? Nikhat franziu a testa, lembrando-se do que seu pai dissera. – Sim. Achei que era uma boa medida de segurança, uma vez que você insiste em não deixar que o povo de Dahaar saiba que está vivo. Azeez apertou os lábios com uma expressão amarga. – Essas são as mesmas pessoas que me carregaram nos ombros no palácio, que me ensinaram a andar de bicicleta, que celebraram comigo quando meu pai anunciou que eu era o príncipe regente. São pessoas que me conhecem há uma vida inteira. E agora, quando olham para mim, tudo que vejo é pena. Por Alá... Soou torturado, e seus ombros tremeram com a enormidade daquilo. Ela não era a única que o amara. O palácio inteiro, ou melhor, Dahaar inteiro tinha venerado seu magnífico príncipe. – Isso me tortura dia e noite, o motivo de zombaria que me tornei. Eu me escondo dos meus pais e ainda assim... Lá estão eles, testemunhas silenciosas da minha inadequação, da minha culpa. Ele lhe desviou o olhar. Ayaan não fazia realmente ideia de quanto o irmão estava sofrendo dentro daquelas paredes. – Se você tem medo de estar perto de mim, me ajudando, basta dizer, latifa. Mas não vou aceitar a ajuda de ninguém mais. Aquele ressentimento a teria magoado no passado, porém não mais. Cada pequena faceta da dor dele que Nikhat via só aumentava sua resolução. Ao querer mantê-la perto para puni-la, Azeez decidira que era nela que se apoiaria. E, embora a companhia dele não fosse boa para a sua paz de espírito depois de tudo que acontecera no passado, ela ainda queria fazer aquilo. Sustentou-lhe o olhar, esforçando-se para demonstrar uma calma que ela estava longe de sentir. – Eu me sentia derrotada, temerosa, tensa e Deus sabe o que mais por sua causa, todos esses anos atrás. Não mais. Ele lhe observou a túnica e a calça justa que usava por baixo. – Posso ver isso. Viver longe de Dahaar lhe fez muito bem. Vai ter que trocar essas roupas.
– Sou sua criada, lembra? Não sua companheira de spa. – O comentário o fez abrir um sorriso. – E eu já tomei banho. – Eu sei. Sinto o cheiro do seu sabonete de jasmim. Você tem exatamente o mesmo perfume de oito anos atrás. – Azeez disse aquilo como se fosse uma maldição que estivesse suportando. E, para ela, foi como se tivessem tirado todo o oxigênio do ar. – Mas eu vou precisar de ajuda e você vai derreter se entrar no hammam com essas roupas.
CAPÍTULO 5
NO FINAL, Nikhat não cedeu às exigências dele. Ao menos, não completamente. O primeiro ambiente, que era uma sala de vapor, era uma maravilha arquitetônica. Tinha o teto abobadado e arcos graciosos, e o interior era feito de mármore dourado, que cintilava sob o vapor. Velas lançavam uma luz difusa ao redor, apenas o bastante para se avistar assentos e pilares. O cheiro de eucalipto preenchia o ar, e havia uma variedade de frascos de cristal dispostos ao redor. Azeez deitou-se na plataforma de mármore do meio de bruços, com a parte debaixo do corpo coberta por uma toalha branca, espessa. Em respeito a ela. Mechas finas de cabelo grudavam-se à testa de Nikhat, e sua pele estava quente. Exceto por dar-lhe o braço para se apoiar quando ele se deitou no mármore, ela não o ajudara realmente. Mas, de repente, sentiu-se tomada por uma grande curiosidade para lhe ver o local do ferimento. Vê-lo não lhe serviria a propósito algum. Ainda assim, não conseguiu se dissuadir da ideia. Pelo que Ayaan dissera, Azeez não falara com ninguém sobre o ferimento, nem mesmo com um médico. Mas falara com ela, numa voz corriqueira que disfarçara o horror de tudo. E agora era a médica dele, sua psiquiatra, sua enfermeira e amiga. Azeez se dera conta do que lhe pedira que fizesse? De como o destino os unira àquela altura? O alarme que ela ajustara do lado de fora para trinta minutos tocou. Enxugando o rosto na manga, foi até Azeez. Dobrando o corpo, pousou as mãos nos ombros dele. A pele estava quente e úmida sob suas palmas. – Azeez, é hora de sair. Ele apoiou o queixo nas mãos, e seus olhos negros brilharam com centenas de emoções sob as luzes das velas. Ela lhe observou o maxilar forte, os ângulos harmoniosos do rosto. O homem era um banquete para os olhos. – Você tem que me ajudar a levantar. Não havia sorriso em seu rosto, mas também não havia amargura. Assentindo, Nikhat dobrou as mangas da túnica e colocou as mãos debaixo dos ombros dele. Apoiando os braços musculosos em torno da cintura dela, Azeez se levantou e colocou o peso do
corpo de seu lado esquerdo. O perfume dele envolveu-a, a transpiração de um misturou-se com a do outro. Ela desviou o olhar enquanto ele vestia uma calça limpa branca. Acendendo a luz, tornou a se aproximar dele antes que a coragem a deixasse. – Quero vê-lo – falou, num sussurro rápido. O teto abobadado da sala de banhos amplificava suas vozes, criando uma atmosfera de intimidade. – Não é o melhor momento para vê-lo, latifa. O vapor tende a lhe fazer coisas. – Ele curvou os lábios com ar malicioso. – O quê? – Nikhat corou violentamente quando entendeu o que ele quis dizer. – Não estou falando do seu... do seu... – Sim, dra. Zakhari? Do que é exatamente que não está falando? – perguntou ele desafiador e curvou os lábios. Ela foi tomada por uma onda de anseio ao ver-lhe o indício do velho humor. Havia se formado com honras. Era ginecologista e obstetra, sim, mas já vira homens nus. Não deixaria que o príncipe de Dahaar zombasse dela. – Do seu pênis, está certo? Não é o que eu quero ver. E sabe de uma coisa? Também sei dizer sexo, vagina, ereção e... Azeez jogou a cabeça para trás e riu. Foi um riso vibrante, caloroso, que a deixou com lágrimas nos olhos e um aperto no peito. Queria ouvi-lo rir mais e mais, ver-lhe os dentes alvos iluminando-lhe o semblante, ser para sempre a razão daquele riso. Seus próprios lábios se curvaram. – É como se você fosse uma mulher diferente. Mais divertida, ousada... – Os olhos dele brilharam com um turbilhão de emoções. – O que quer que tenha feito em Nova York, isso lhe fez muito bem. A pergunta pairou no silêncio que se seguiu. – Eu quero ver o seu ferimento. O riso dele morreu. – Não há nada que você possa fazer a respeito. Nikhat quase escorregou com os pés descalços no mármore e segurou-se com firmeza aos braços dele sem fazê-lo se mover. – Prefiro ser eu a julgar. E, embora você seja arrogante e ache que sabe tudo, a médica aqui sou eu. Azeez segurou-lhe os braços com mais força, tocando-lhe a pele através do tecido fino da túnica. Devorava-a com os olhos. – Mas eu sou o príncipe. Sou eu que tenho todo o poder. Eu faço as regras entre nós. Eu decido para que vou usá-la ou não. Você parece estar sob a ilusão de que é tão importante para mim quanto era há oito anos. Você não é. É apenas a sua história com a minha família, e é por minha causa que estão mantendo você aqui. Não confunda isso com mais nada. A arrogância de Azeez e o fato de diminuir a presença dela ali enfureceram Nikhat. Não podia tolerar aquilo. Com certa perversidade, quis deixá-lo saber que estava ali porque era a garota que ele conhecera no passado, a garota que amara. A necessidade daquele reconhecimento dominou-a, mesmo sabendo que era perigoso.
– Você não vai roubar o pouco que tenho. Não faz ideia do que enfrentei, do que ainda enfrento, para estar aqui na sua frente sem desabar em um milhão de pedaços. Azeez apertou os lábios que estavam tão próximos aos dela e olhou-a com intensidade. – Por que está me pressionando? O que importa o que eu penso depois de todos esses anos? E, o que quer que tenha enfrentado, você é a responsável por isso. Escolheu esse caminho. Não peça compreensão agora. – Você me acha insensível, acha que é fácil para mim estar perto de você, vê-lo com dor. – Nikhat espantou-se com a facilidade com que a ferida do passado podia se abrir novamente. – Não é. Cada minuto que passo neste palácio me magoa tanto quanto a você. Um sorriso sério curvou os lábios de Azeez, e ela conteve o fôlego. Era tão bonito. Ele lhe afastou uma mecha de cabelo para detrás da orelha e, depois, segurou-lhe o queixo. Ela estremeceu, enquanto cada pedacinho de seu corpo se concentrava no contato mínimo. – Depois de tudo que fiz – o olhar intenso dele acariciava-lhe os olhos, o nariz, a boca –, você poderia pensar que isso não me deu a satisfação que dá. Mas nunca fui magnânimo, nem bondoso, nem... – Nem nada exceto você mesmo. O seu verdadeiro eu. Uma vez que está satisfeito com o fato de eu estar sofrendo tanto quanto você, deixe-me ver o seu ferimento. – Por que está determinada a nos lançar no sofrimento outra vez? Quanto mais você quer que eu sofra? E, de um momento para o outro, ele lhe devolveu todo o poder que roubara dela. Odiava que os criados e o irmão o vissem daquele jeito, mas, acima de tudo, era a presença dela que o torturava mais. Por quê? Achava que ela sentiria repulsa? Não via que a própria força dentro de si era o que o mantinha de pé ali? De repente, tornou-se irracionalmente imperativo que Nikhat soubesse de tudo que sofrera, nem que fosse apenas para dividir sua dor. Com um praguejamento, desatou os cordões da calça, e Nikhat se perguntou se ele estaria ouvindo as batidas do seu coração. Respirando fundo, moveu-se para o lado para deixar que as luzes acima iluminassem o trecho de pele que ele descobriu. Conteve a respiração ao primeiro sinal de uma cicatriz violenta, costurada grosseiramente, quase da largura do seu pulso. Fechando os olhos, ela pousou a mão no quadril de Azeez. A pele estava quente e os músculos se retesaram sob seus dedos. Ele enrijeceu o corpo, mas ela não pôde se conter. Uma imagem formou-se em sua mente, enquanto tocava o tecido lesionado, avaliando seu comprimento e largura. Fechou os olhos com força. Pôde imaginar o tipo de dor que ele devia ter sentido. E, seguindo-se a isso, a esperança dominou-a. Estivera certa. Ele sobrevivera porque era Azeez Al Sharif. E, se pudera sobreviver àquele ferimento, poderia sobreviver a qualquer coisa. Não havia pele lisa daquele lado do quadril. Era um amontoado de músculos e de cicatrizes menores indo na direção da coxa. No momento em que ela deslizou mais a mão e lhe sentiu os pelos da coxa, foi sua vez de estremecer. A pele dele ali estava quente e diferente contra a palma dela, mas os músculos eram igualmente firmes.
Uma súbita tensão pairou no ar entre ambos, enquanto Nikhat o tocava com intimidade na coxa. Ele estava apoiado na frente do corpo dela, com o braço dobrado roçando-lhe os seios. Cada pedacinho do corpo de Nikhat vibrou com a deliciosa pressão em todos os lugares certos. Ele também estava ofegante, e cada músculo que pressionava de encontro a ela estava rijo com a tensão. Nikhat endireitou-lhe a calça com uma falsa tranquilidade, como se fizesse aquilo todos os dias, como se não tivesse sido envolta pelo mais puro desejo. – A bala partiu o osso em várias partes? Azeez suspirou, como se aceitasse que ela não recuaria, e Nikhat abraçou-o pela cintura. – Não. A bala atingiu o osso e parou depois de parti-lo num só lugar. Pelo que entendi, os mujab conseguiram extraí-la depressa. Levaram-me a um hospital na divisa de Zuran. Uma pequena placa metálica foi inserida para manter o osso no lugar até que pudesse crescer de volta. – Eles a deixaram lá dentro. – Nikhat finalmente entendeu a razão da dor. – É por isso que seu quadril fica tão rígido, que dói tanto. Azeez meneou a cabeça e tirou-lhe as mãos de seu quadril. – Terminamos? Ela endireitou o corpo e desviou o olhar. – Aqui, sim. Vamos começar o alongamento imediatamente. Nikhat parou na saída do hammam. Sua pele brilhava com vitalidade, e a sinceridade evidenciava-se em seus olhos expressivos. O tecido da túnica grudava-se ao seu corpo e, com o cabelo curvando-se em torno do rosto, era a mulher mais linda que ele já vira, e um anseio indesejável o dominou. Tudo o que tinha que fazer era fechar os olhos para sentir-lhe o toque suave dos dedos em sua pele, o hálito quente muito próximo. – Você não pode imaginar o que Khaleef e os outros veem. Eles veem o príncipe que sempre lhes dirigiu uma palavra bondosa, o príncipe que se lembra de seus nomes sem hesitação, o príncipe pelo qual choraram de coração e alma. Não veem você mancando, nem suas cicatrizes, nem sua culpa. E o que você vê não é a pena deles, mas seu amor. Eu teria dado qualquer coisa para ver minha mãe mais uma vez. Pense no que você está fazendo com a sua. COM OS músculos do quadril doloridos, mas surpreendentemente mais maleáveis, Azeez sentouse no banco de seu jardim particular. Pensara que Nikhat recusaria o convite. Estava tão curiosa a seu respeito quanto estava a respeito dela? O conjunto de prata tilintou enquanto Nikhat lhe servia chá de hortelã. Sentada ali, com o sol iluminando o céu com dourado e vermelho, circundada por rosas exuberantes, o perfume de Nikhat – jasmim e algo inegavelmente dela – devia ter passado despercebido a ele. Ainda assim, enquanto lhe entregava o chá e pegava um bolo doce de tâmaras para si mesma, seu perfume o envolveu, despertando-lhe o desejo. A sensação foi intensa, marcante, depois de tantos anos sem sentir nada. Ele tomou um gole de chá e fez uma careta. O quadril latejava, e os músculos das coxas e dos braços estavam trêmulos por causa dos exercícios extenuantes após quatro meses de inatividade. – Preciso de algo mais forte do que isto.
– Nada de álcool. Não enquanto quiser a minha ajuda. Azeez franziu o cenho, mas não conseguiu parar de sorrir. – Você está gostando disto, não é mesmo? – Sim. Quantas mulheres podem dizer que Azeez Al Sharif se curva a cada ordem sua? – Nenhuma. Nikhat removeu uma migalha do bolo do canto da boca com a ponta da língua, e outro tipo de dor se instalou nos músculos dele. Sentiu-se faminto pelo gosto dela, um gosto que lhe fora negado por tanto tempo. E o fato de que não tocara em uma mulher desde o ataque, seis anos de celibato, não influenciava na dimensão de seu desejo por ela. As deliciosas contrações de seus músculos e o calor como o de brasas percorrendo-o eram exclusivamente por causa da mulher que tocara ousadamente suas cicatrizes com as mãos, mesmo que houvesse engasgado ao fazê-lo. Ela era uma instigante mistura de força e vulnerabilidade, de atenção e indiferença. Suas palavras contradiziam suas ações, e ele achava que nunca a entenderia. Desde que podia se lembrar, ela fora a única mulher que não se curvara intimidada, que não se atirara em cima dele, a única que sempre dissera o que pensara e que o estimulara a abrir sua mente. Independentemente do assunto sobre o qual conversavam, fosse filosofia ou o estado da educação para as mulheres em Dahaar, ele nunca havia sido um príncipe com Nikhat. As respostas e argumentos dela sempre foram sinceros e interessantes. Apesar da natureza impulsiva e passional, não se apaixonara por ela do dia para a noite. Fora algo que se dera lentamente, ao longo de dez anos ou mais, sem que percebesse, como água moldando uma rocha de acordo com sua vontade, até que um dia se dera conta de que estava apaixonado, que tinha encontrado sua rainha, e de que nada no mundo o impediria de torná-la sua. O problema tinha sido a vontade ferrenha de Nikhat. Quando fora embora, ela não apenas partira seu coração e ferira seu ego. Arrancara um pedaço seu que pertencera apenas a ela e o levara consigo, deixando um terrível vazio que ele não soubera como preencher. Um amargo anseio o percorria enquanto a estudava. Porque agora ela estava ainda melhor do que antes. Estava magnífica. Era tudo que ele imaginou que se tornaria e mais. Os anos só haviam refinado sua beleza e, pela maneira como o abraçou no hammam, estava em incrível boa forma. Mas, melhor do que a beleza física, ela vira o mundo, se estabelecera num país estrangeiro e obtivera tudo a que se determinara. E ele... era apenas um homem. Sua curiosidade não diminuiria. Nem sequer fingiria que conseguia controlar suas emoções, ou a si mesmo, no tocante a ela. Tudo que podia fazer era limitar o dano a ambos. Aquilo podia ter começado com a necessidade de magoá-la, porém não era mais o caso. Numa cruel virada do destino, que nem sequer o surpreendia, ela acabara se tornando sua única saída. – Por que você não se casou? Nikhat parou com a mão a meio caminho dos lábios. Seus dedos tremeram enquanto colocava o último pedacinho de bolo de tâmara num pires de prata. Demorou para limpar a mão num guardanapo. Estava ganhando tempo, percebeu ele. Por quê? – Está esperando uma resposta franca? Azeez franziu a testa, tentando entendê-la, procurando conciliar tudo que sabia sobre ela, tudo que fizera oito anos antes. Por mais que quisesse guardar essas coisas num canto da mente,
o fato de que Nikhat estava ali em Dahaar ajudando-o tinha de significar algo. – Quando foi que já lhe pedi para responder algo que não fosse a verdade? Você é bemsucedida, linda. E, como seu pai mencionou, não está ligada às tradições e costumes de Dahaar. Assim, por que ainda está solteira? Ela passou os braços em torno de si. O coração dele disparou. – Ou você tem um namorado em algum lugar, dra. Zakhari, só à espera do seu sinal para aparecer? Nikhat adquiriu um ar desafiador. – E se eu tivesse? Azeez segurou o braço do banco com força, enquanto a fúria percorria suas veias. – Não quero ver você e o seu amante andando pelo meu palácio. Ela se levantou abruptamente de seu banco e inclinou-se na direção dele. Olhou-o com determinação e um quê de rebeldia. – Achei que eu não tivesse que escolher entre a minha carreira e a minha vida pessoal. Nikhat estava aprendendo novamente o efeito que exercia sobre ele e o testando. – Não finja que não me entende, nem seja descuidada a ponto de me desafiar. Você é a mulher que amei no passado, a mulher que escolhi para futura rainha, aquela que eu queria que desse à luz o futuro herdeiro de Dahaar. Tudo mudou em oito anos, não foi? Mas a ideia de você com outro homem, a imagem de qualquer homem possuindo seu corpo, tornando-a dele, sempre me transformará num selvagem que teria deixado meus ancestrais saqueadores orgulhosos. Azeez se calou por um instante, depois continuou: – O que já considerei meu antes, não divido, nem mesmo em pensamento. Assim, a menos que queira aumentar minha longa lista de pecados, esconda bem o seu amante até que eu parta. Azeez se levantou com uma ferocidade que produziu uma onda de choque em sua perna. Não suportava olhá-la, nem tampouco olhar dentro de si. Achara que, depois de todos aqueles anos, depois de tudo que acontecera, não restava nada dentro dele que reagiria a ela e, ainda assim, se enganara. Causara destruição a si mesmo, à sua família. Era diretamente responsável pela morte da irmã e pelas atrocidades que o irmão sofrera por ter se tornado descuidado quando Nikhat o deixara. – Fui noiva três anos atrás, de um colega – disse ela atrás dele, o que o fez parar. O fato de estar oferecendo a verdade apaziguou-o, mesmo que fosse uma verdade que lhe percorreu as veias como gelo. – Mas não deu certo. – Por que não? – perguntou ele sem poder evitar. Nikhat deu de ombros, e Azeez soube instintivamente que o que quer que ela fosse dizer não era a verdade. – Ele terminou comigo uma semana antes do casamento, mudou de ideia quanto ao que queria da vida. – Uma expressão de dor surgiu nos olhos dela. – Não fui feita para relacionamentos. Sem esperar por uma resposta, deixou-o no jardim, relembrando suas palavras. Não faz ideia do que enfrentei, do que ainda enfrento, para estar aqui na sua frente sem desabar em um milhão de pedaços.
Talvez ele não fizesse ideia e, pela primeira vez, Azeez estava grato por sua ignorância. Porque, da maneira como as coisas iam, não demorariam a deixar um ao outro emocionalmente em pedaços. Com um instinto de preservação que o mantivera vivo até agora, Azeez se deu conta de que não queria enfrentar mais verdades.
CAPÍTULO 6
ELA NÃO apareceu por dois dias. Foram dois longos dias que Azeez passou se perguntando por que se importava, afinal. Quando fora confirmar se a princesa Zohra estava bem de saúde, ela o informara de que Nikhat parecera indisposta na manhã anterior. E, para o fazer sentir-se mais culpado, não apenas o fuzilara com o olhar, mas tivera a temeridade de avisá-lo que Nikhat estava sob a proteção dela. O fato de pensar em Nikhat sozinha no palácio – porque ele tinha certeza de que ela não teria pedido ajuda a ninguém – fez Azeez finalmente deixar sua suíte. Estava do lado de fora da suíte dela agora, olhando para a porta de madeira escura com desenhos intrincados. Haviam estabelecido uma espécie de rotina. Ele visitava o hammam de manhã. Em seguida, era submetido a uma extenuante sessão de fisioterapia, na qual a mulher o pressionava sem hesitar. Às vezes, ela ficava e almoçava com ele. Comiam num silêncio não muito tranquilo, como se ainda estivessem atordoados com as palavras que haviam atirado um no outro alguns dias antes. Agora, parado diante da porta dela, Azeez questionava sua sanidade outra vez. Precisava tratá-la como a qualquer funcionário do palácio. Deveria deixá-la ir ao seu encontro quando estivesse bem e se justificar. Mas não podia deixar de se perguntar o que fizera a mulher tão eficiente se ausentar. Abrindo a porta, entrou na suíte. Do lado oposto, embora fosse início de noite, as portasfrancesas que davam para a varanda ainda estavam abertas, deixando entrar o ar frio. Franzindo a testa, ele as fechou. A suíte tinha a marca dela. O suave perfume de jasmim foi até ele, despertando um milhão de lembranças. Havia revistas médicas, um tablet e uma echarpe na mesa de centro da sala. Uma foto antiga dela com as três irmãs mais novas estava num porta-retratos ao lado da echarpe. Um gemido baixo veio do quarto. Azeez virou-se instantaneamente, e um calafrio subiu por sua espinha enquanto ia até lá. Nikhat estava deitada no meio da cama. Usava uma calça branca de pijama de cintura baixa e uma túnica folgada de algodão amarelo-clara. Os cabelos espessos e ondulados brilhavam de encontro aos lençóis brancos. Deitada de lado, segurava a barriga com força. Tornou a gemer.
Ele se aproximou da cama devagar, sem colocar muito peso no quadril direito. Nikhat parecia muito pálida e tinha os olhos vermelhos e inchados. Que ela tivesse derramado lágrimas era um fato que ele custava a acreditar. Nikhat nunca chorava. Ele se lembrava do dia em que a mãe dela morrera. Nikhat tinha 12 anos. E, ainda assim, Azeez apenas se lembrava de sua determinação em ser forte pelas irmãs mais novas. Aproximando-se mais, afastou-lhe o cabelo coberto de transpiração da testa. Aliviado, constatou que ela não estava com a pele queimando. Ela se mexeu, estremecendo quando uma nova onda de dor a atingiu. Azeez segurou-lhe a mão com firmeza, querendo transmitir-lhe a sua força. – Nikhat, ya habeebiti, olhe para mim. – Vendo-a daquele modo, sentia-se impotente e, ao mesmo tempo, determinado a ajudá-la. Nikhat colocou a cabeça para trás, encontrando-lhe o olhar. Azeez achou que ela se afastaria, que exigiria ser solta e o informaria de que não precisava de seu apoio. – Azeez? – Sim, Nikhat. Novas lágrimas surgiram nos belos olhos dela, e ele se sentiu como se tivesse sido golpeado. Ela se aproximou mais dele pela cama e o abraçou pela cintura. – Está doendo. Tanto. A cada vez que uma onda de dor vem, eu me sinto como se fosse morrer. Com um aperto no peito, Azeez removeu-lhe as lágrimas do rosto. – Por que, afinal, você não pediu ajuda? Vou mandar vir um especialista de fora, qualquer coisa de que você precisar. É algum tipo de febre, de infecção? Nikhat sacudiu a cabeça e escondeu o rosto no abdome dele. – Vou ter meu período logo – disse sem hesitação. De repente, Azeez se lembrou de como ela costumara desaparecer por alguns dias a cada mês e ser evasiva quando ele lhe perguntava a respeito. – Sempre foi algo assim tão doloroso? – Ficou aborrecido em imaginá-la sofrendo daquele jeito todos os meses por tantos anos. E ele achando que entendia de dor... Ela meneou a cabeça, e o nariz roçou o abdome dele. Azeez contraiu os músculos, desejando que seu corpo não traísse a reação automática diante da proximidade de ambos. – Sim. Desde que posso me lembrar. – Então, o que devemos fazer? – Aprendi a lidar com isto com medicação e exercícios, além de técnicas de respiração. Foi distração da minha parte, mas eu me esqueci de renovar os remédios antes de partir. Estão a caminho, vindo de Nova York. Devem ser entregues amanhã de manhã. – E até lá? – Até lá, vou ter que aguentar da melhor maneira que puder. Só fica mais difícil por algumas horas. Azeez se endireitou até se sentar de maneira mais reta na cama. Nikhat deslizou a mão do abdome para o peito dele, deixando-o com o coração disparado. – Azeez? O hálito dela acariciou-lhe o pescoço, seu perfume delicioso o estimulou. Azeez sentiu-se envolvido por ela, como se estivesse sobre areia movediça e pudesse ser tragado a qualquer
momento. – Sim, habeebi – disse, enfim, com a garganta seca. – Você fica comigo esta noite? Azeez gelou. Ela nunca lhe pedira nada quando teria lhe dado o mundo. Não importava. Nikhat não tinha o direito agora, sua parte mais sã argumentou de volta. – Por favor. – Você vai me odiar amanhã por vê-la assim. Jamais gostou de compartilhar sua dor ou sofrimento. – Ele se lembrou da garotinha estoica que ela sempre havia sido. Era essa exata força que sempre achara fascinante nela. Mas as circunstâncias tinham-na obrigado a ser dessa maneira, e Nikhat nunca reclamara. Ele a observara aprender a cozinhar e a cuidar das irmãs muito cedo e vira-lhe a felicidade em ter a permissão de fazer o que mais queria: estudar ao lado de Amira. Precisara de bem pouco para ser feliz. Ela suspirou e o abraçou com mais força. Para Azeez, os seios macios dela contra os músculos de seu peito foram mais torturantes do que ele podia suportar. O prazer percorreu suas veias, mas foi vê-la daquele jeito, livre de dor e vulnerável, o que o agradou mais. – Não vou. O estranho é que eu jamais poderia odiar você, não importa o que faça ou diga. Você tem esse poder sobre mim. Sempre me considerei uma mulher forte. Eu sou uma mulher forte. Mas, em se tratando de você, eu... – Suspirando, Nikhat abraçou-o com mais força. Tocado pela admissão, Azeez arriscou-lhe um olhar. Ela parecia sonolenta e tinha as pálpebras inchadas. – Você tomou algum analgésico? – Sim. Ele apenas leva mais tempo para fazer efeito. Vai ficar comigo? – Ela curvou os lábios cheios num sorriso. – Podemos fazer de conta que você não me odeia por algumas horas? Azeez fechou os olhos e aninhou-a mais em seus braços. Ela era tão suave; sua fragilidade era um completo contraste com a mulher de fibra que era. Ele nunca abraçara uma mulher daquele jeito, nunca oferecera consolo. Com a exceção de Nikhat, tudo que já quisera e tivera fora alívio físico das mulheres. E segurá-la daquele jeito estava lhe custando muito. – Você faz as exigências mais ultrajantes ao seu príncipe, dra. Zakhari. Mas vou tentar. Nikhat aninhou-se mais nos braços dele com um suspiro. E a satisfação naquele som e na maneira como ela o abraçava fez com que uma onda de desejo o percorresse. – Gosto quando você me chama assim, mesmo que, em geral, seja em tom de crítica. Ele lhe acariciou o braço com a ponta dos dedos. – Fui eu que paguei o preço pela sua formação, ya habeebiti. Mas gosto de chamá-la assim também. Ela sorriu por um instante, mas, de repente, segurou-o com força, contorcendo-se de dor. Ele a abraçou e, quando a viu com a respiração voltando ao normal, perguntou: – Sabe o que há de errado com você? – Estágio quatro de endometriose. NIKHAT ANINHOU-SE mais no corpo sólido dele, lembrando-se de que Azeez se referira a si mesmo como o príncipe dela. Era algo que soava tão bem.
Ele era dela, o homem que prometera tornar cada tolo sonho seu realidade. Contra todas as probabilidades, Azeez bin Rashid Al Sharif, o magnífico e incrível príncipe regente de Dahaar, se apaixonara por ela. Rira e afastara todas as suas dúvidas quando ela dissera que não era adequada para ser rainha. Dissera que não queria outra mulher – o príncipe que tivera mulheres de todas as partes do mundo caídas por ele! Dissera-lhe que era a única que queria e prometera que sempre a amaria e faria feliz. Uma dor fraca espalhou-se pelo ventre dela e, de repente, todos os seus sonhos se espatifaram num milhão de pedaços. Foi o mais amargo tipo de realidade para o qual despertar, mas era a sua realidade, a sua vida. A sua felicidade, compreendera, não dependera dele, nem dela. Abrindo os olhos, viu que estava toda enroscada em Azeez. Um delicioso calor a envolvia. Umedecendo os lábios secos, olhou para o relógio digital na mesinha de cabeceira. Eram duas e meia da manhã. O abajur estava aceso. Estava deitada de lado com as pernas entrelaçadas com as de Azeez, abraçando-o pelos quadris. Arregalou os olhos quando se deu conta de como lhe segurava o quadril machucado com força. Estava prestes a afastar a mão, quando ele lhe segurou o pulso, mantendo-a no lugar. – Está bom deste jeito, habeebi. Nikhat ficou imóvel, dando-se conta de mil vozes clamando por serem ouvidas em sua cabeça. E, ainda assim, nenhuma delas era um protesto. Sentia apenas alegria e a máxima letargia. Nada de vergonha, de incredulidade. Azeez Al Sharif, mesmo desgostoso consigo mesmo por sua lesão, era um perfeito espécime da raça masculina que teria atraído qualquer mulher. E a intimidade em despertar ao lado dele daquele jeito a fez ficar tomada por um inexplicável anseio. O que sentia era saudável, empolgante, uma das poucas coisas que validava sua feminilidade. Após um dia de dor que a lembrou de tudo o que ela não era, o calor lânguido em seus músculos e o desejo que a percorria eram mais que bem-vindos. Azeez estava quente e firme ao seu lado. Tinha o perfume de sempre – sândalo misturado a um cheiro agradável que era todo seu, que falava de misteriosas promessas. Ela respirou fundo, deliciando-se com esse perfume exclusivo. A dor em seu ventre agora era quase imperceptível. Com o braço em torno dela, Azeez a devorava com o olhar. – Já nem me lembro da última vez que dormi direto. Foram apenas algumas horas. E, a cada vez que tentei ficar mais confortável, você me segurou com tanta força que fiquei com medo de machucá-la ou, pior, de acordá-la quando pareceu que finalmente teve alívio. – Obrigada por ter ficado comigo. Eu havia me esquecido de como aquela dor é terrível. – E depois que tomar esses remédios que está esperando? – É diferente, porque são hormônios. A dor é controlável, aliando-se esses remédios a exercícios regulares, inclusive os de respiração. – E quanto a todas aquelas viagens que você fez em Dahaar e, depois, para o exterior? Nikhat contraiu o rosto, lembrando-se das viagens com a irmã de seu pai. O desespero de que nunca encontraria alívio era o que recordava mais. – Eu já tinha me consultado com cada médico que pude em Dahaar. Nenhum deles me deu um diagnóstico conclusivo. Só me diziam que era normal, que eu tinha que aprender a lidar com isso. Aquela dor acabava comigo todos os meses. Meu pai... – Ela pigarreou. – Eu ficava tão zangada com ele. Minha mãe já havia morrido quando as dores começaram, e ele… – Nikhat
sentiu a força da raiva de Azeez e deu vazão à sua. – Ele não podia conversar sobre o assunto comigo, nem sequer chegava perto de mim. Era tradicional demais para isso. Mas também não ignorou o meu problema. Ele me enviou a Nova York com uma amiga da família. Alguém recomendou uma especialista lá. Ela fez uma porção de exames. No prazo de uma semana, recomendou esses remédios e outras medidas. – Foi por isso que você se tornou ginecologista e obstetra? Nikhat assentiu, contente em poder compartilhar ao menos metade da verdade. – Nenhuma mulher deve ser obrigada a sofrer esse tipo de dor por tantos anos. Quero atrair mais a atenção para esse problema. Já é um assunto difícil para uma jovem conversar. Então, quando alguém tem coragem de falar, lhe dizem repetidamente para apenas viver assim, que é natural. Nada nessa dor é suportável. Azeez segurou-lhe os braços com mais força e, quando falou, sua voz soou baixa, grave e cheia de orgulho, o que a enterneceu. – Você terá êxito. Não tenho dúvida disso. Elabore uma proposta. Converse com alguns especialistas da área que gostariam de trabalhar em Dahaar. Pense em cada recurso de que possa precisar e coloque-o nessa proposta. Tem meu completo apoio e a minha fortuna pessoal à sua disposição. Lágrimas marejaram os olhos dela e, dessa vez, não as conteve. Não eram provenientes de dor ou sofrimento. Naqueles dois primeiros anos depois que partira, estando entre estranhos, pensando que ele se fora para sempre, perdera sua fé, duvidara de sua habilidade de fazer o que quisera. O orgulho brilhando nos olhos de Azeez era como seu verdadeiro prêmio. Achava-a forte, capaz. – E eu aqui presumindo que você era um príncipe empobrecido, derrotado. – Ela riu por entre as lágrimas. – Tenho que me lembrar de ser boa com você. Ele curvou os lábios num sorriso que lhe deixou os olhos delineados por cílios espessos mais expressivos. – Vai agradar o príncipe pelo dinheiro? Estou bastante desapontado com você, dra. Zakhari – gracejou, fazendo-a rir mais. Cedendo à vontade que não pôde conter, Nikhat segurou-lhe a face com uma das mãos. Traçou-lhe os contornos do maxilar com o polegar, sentindo-lhe a barba cerrada começando a despontar. Ouviu-o conter a respiração quando moveu o dedo para os lábios dele, viu o brilho de aviso em seus olhos negros, mas não pôde parar. Ele tinha lábios grossos e de formato masculino perfeito. Ela quisera tocá-lo havia tanto tempo, sem timidez, sem ser atormentada por inseguranças. Por quanto tempo isso a fizesse se sentir bem. Azeez segurou-lhe o pulso, detendo-a. – Nikhat? Não... Ela se sentou na cama e traçou-lhe os contornos do lábio inferior, deixando-o com a respiração acelerada. Com a própria respiração alterada, virou a cabeça de lado e tocou os lábios dele com os seus. Azeez ficou imóvel. Tocando-lhe os ombros, ela depositou pequenos beijos ao longo do lábio inferior dele e do superior. Impaciente por mais, traçou seus contornos com a língua e, então, mordiscou-os.
E ele explodiu como um vulcão que finalmente tivesse chegado ao ponto de erupção. Segurando-a pelos quadris, puxou-a para si com tanta força que os seios dela colidiram com seu peito. Afundou, então, os dedos no cabelo dela, mantendo-a junto a si, enquanto lhe devorava os lábios com os seus. Ele a beijara uma vez, todos aqueles anos antes. Ela o estivera evitando, desdobrando-se para não ver o lindo príncipe pelo qual fora tola em se apaixonar. E, numa tarde, Azeez a surpreendera sozinha na biblioteca onde costumara estudar com Amira, trancara a porta e a beijara. O beijo durara talvez alguns segundos, até que ela o afastara de si, abalada pelo turbilhão de emoções que a havia envolvido. Se aquilo fora um pequeno tremor num terremoto, o que ele estava lhe fazendo agora com seus lábios era um furacão. Com seu perfume másculo envolvendo-a, Azeez mordeu-lhe o lábio inferior, deixando-a com a pele arrepiada. Acariciou-lhe os lábios com a língua úmida, buscando entrada, e ela o deixou invadir a maciez de sua boca com um gemido. Azeez acariciou-lhe a língua e entrelaçou-a com a sua com tamanho erotismo que ela sentiu os seios pesados e um tipo diferente de latejo em seu ventre. O beijo era faminto, voluptuoso. Estava tão dominada pelas sensações que levou um momento para perceber que ele rasgara sua túnica na frente. Seus mamilos estavam sensíveis, intumescidos, enquanto o olhar ardente dele pousava em seus seios moldados pelo sutiã de renda preta. Ambos se entreolharam com crescente desejo. Ele levou os dedos a um trecho da renda. No momento em que a mão dele tocou sua pele, ela estremeceu em expectativa, querendo mais. Azeez olhou-a demoradamente e, enfim, com o rosto repleto de desejo, afastou a mão. Nikhat sentiu-lhe o retraimento tão intensamente como se a tivesse esbofeteado. – Diga... Essa sua independência sexual é mais uma consequência do seu relacionamento com seu colega? Ela riu, escondendo sua inquietação diante da mudança de assunto. Viu com satisfação que o desejo continuava estampado no rosto dele. Podia odiá-la, mas ainda a queria. – Eu sou médica. Tenho 30 anos. Não vejo nada de vergonhoso no prazer sexual. Azeez segurou-lhe o braço e puxou-a contra seu peito. A maneira furiosa como curvou os lábios excitou-a em vez de assustá-la. – É uma pena, não é? Porque, há oito anos, eu estava de joelhos, implorando um único beijo. Não toquei em nenhuma mulher por dois anos porque eu queria você. Ela se soltou e afundou no calor dos braços dele. Tantos arrependimentos, e não havia nenhum que pudesse explicar! – Não faz ideia de como me arrependi. – Do que você se arrependeu? Nikhat o olhou sabendo que, mais uma vez, ela o desapontaria. – De não ter feito amor com você. Houve tantas noites em que sonhei com você ao meu lado, me beijando, me tocando; tantos momentos em que desejei... Saiu dos braços dele, ficando longe de seu alcance, e a amargura logo pairou entre ambos. – E, de manhã, eu via outro artigo sobre você com uma nova mulher. O príncipe de Dahaar se divertindo a valer em Mônaco, saindo de cada festa possível com uma mulher diferente. Como chamavam você? “O príncipe insaciável.” Ainda assim, não conseguira evitar. Não pudera parar de sonhar com ele.
Azeez franziu o cenho, observando-a com olhar perscrutador. – Você foi embora. Eu lhe ofereci tudo. – Então, é claro que isso significou que você pôde dormir com inúmeras mulheres, não é? – As palavras saíram na forma de um ciúme amargo e incontrolável. Ela não tinha direito de fazer tais perguntas, mas não podia evitar. – Diga-me. Foi tão fácil me esquecer, me tirar dos seus pensamentos, da sua vida? No momento em que disse tais palavras, Nikhat quis retirá-las. Estremeceu ao ver a raiva surgir nos olhos dele e cobriu-lhe os lábios com a mão. Azeez tirou-lhe a mão de sua boca devagar. – Está com medo de ouvir a resposta, ya habeebiti? Prefere que eu minta? De nada adiantaria pedir-lhe para mentir. O príncipe de Dahaar nunca mentia. – Você acha que aquilo foi para magoar você, para provar que não era nada para mim? – As palavras dele a atingiram como lanças de fogo. – Com cada mulher que dormi, eu só estava me rebaixando. Seus rostos se confundiam uns com os outros, o prazer era transitório e vergonhoso. Eu acordava no meio da noite com o estômago revirado. – Com uma expressão desgostosa, ele estremeceu. – Ao meu ver, o que você não quis, não valia de nada para mim. Eu me tornei desregrado e só fiquei me perguntando como preencheria o vazio, fiquei descuidado em busca de alívio, entrando por um caminho de autodestruição e... O tremor nas mãos de Azeez quando as correu pelo cabelo e a completa aversão por si mesmo em seus olhos foram como uma bofetada em Nikhat. Como pudera ser tão egoísta a ponto de fazer aquela pergunta? Ele desceu da cama e afastou-se pelo quarto. Parou junto à porta, virando-se. – Mande avisar a princesa Zohra caso continue a não se sentir bem. Ela providenciará qualquer coisa de que você precisar. O silêncio da suíte tornou-se opressivo depois que Azeez saiu. Nikhat puxou os lençóis para si e percebeu que continham o perfume dele. Segurou-os com mais força. O que você não quis não valia de nada para mim. Aquelas palavras atravessaram seu coração, deixando-lhe marcas invisíveis, permanentes. Havia pedido aquilo, e ele lhe dera, rompendo a última teia de mentiras a que ela se ativera durante todos aqueles anos. Dizendo a si mesma que Azeez a tirara instantaneamente da cabeça depois de sua partida de Dahaar, lendo sobre a baderna dele quase avidamente durante aquele primeiro ano, encontrara uma espécie de consolo no fato de que ele seguira adiante, e enganara-se dizendo a si mesma que não significara nada para o príncipe. Tinham sido desculpas que criara para proteger a si mesma. Agora, as palavras de Azeez não a deixavam com nada para se esconder. Ele a amara, por sua própria confissão. Mergulhara num estilo de vida desregrado para preencher o vazio que ela deixara... Nikhat abraçou os joelhos, a dor em seu corpo se abrandando em comparação à dor que as palavras dele tinham causado. Uma onda de terrível culpa a envolvia. Como pudera ficar ali depois de saber que ele estava vivo? No que estivera pensando? Como se esquecera de quanto lhe custara ir embora todos aqueles anos antes? Como se esquecera daquela atração poderosa que os impelia um para os braços do outro?
Atirar a existência de seu relacionamento, mesmo fracassado, na cara dele, desafiá-lo com sua presença a cada passo do caminho, cedendo ao anseio de beijá-lo, de tocá-lo, jogando com as emoções dele e as suas próprias... Não havia desculpa para o seu comportamento. Quando se tornara tão descuidada a ponto de tentar o destino outra vez, tão egoísta para satisfazer apenas seus próprios anseios? Precisava se lembrar do porquê de estar ali e de tudo que Azeez já enfrentara. Saber que talvez jamais conceberia um filho e aceitar sua incapacidade para ser a mulher de que ele precisava tinham-na arrasado. Durante meses, sentira-se diminuída. Sua identidade inteira como mulher ruíra porque talvez não conseguisse dar ao homem que amava os herdeiros de que ele precisava. E, no final, seu amor por ele pedira o sacrifício de sua própria felicidade. De algum modo, conseguira sobreviver e construir uma vida para si mesma. Não podia arriscar tudo aquilo outra vez.
CAPÍTULO 7
UMA SEMANA depois, Nikhat chegou à sala do desjejum de manhã e parou abruptamente, o coração disparando. Azeez e Ayaan estavam de lados opostos da mesa silenciosa com uma expressão de fúria e os punhos cerrados. A princesa Zohra estava de pé ao lado de Ayaan, alternando o olhar entre os dois irmãos. Nikhat olhou invariavelmente para Azeez. A primeira coisa que lhe ocorreu foi que ele parecia muito bem, embora estivesse tenso. Usava uma túnica branca, aberta no início do peito, que produzia um agradável contraste com o pescoço e o rosto bronzeados. Bem barbeado, não apresentava mais a palidez de antes. Os olhos negros também apresentavam uma grande diferença. A cada dia que passava, a arrogância e a confiança que tanto tinham feito parte dele voltavam. Uma onda de calor envolveu-a, mas ela não pôde desviar o olhar antes de lhe observar a boca sensual. Havia sido apenas um beijo. Mas dera início a um fogo dentro dela que não se aplacava. E não houvera mais nenhum indício de interesse da parte dele. Seu retraimento foi tamanho que ela não precisou se preocupar em fraquejar outra vez. Não houve mais comentários significativos, nem alusões ao passado ou presente, apenas cordialidade e dolorosa indiferença. Respirando fundo, ela olhou ao redor da sala onde a tensão era palpável. – Há alguma coisa errada? Com os nervos à flor da pele, Azeez virou-se na direção de Nikhat e, de imediato, lembrou-se do gosto de sua boca, da maciez de suas curvas. O desejo percorreu suas veias, um companheiro constante que zombava dele. Aquela montanha-russa de emoções a cada vez que a via era a última coisa que precisava em sua vida agora. Tinha que deixar o palácio, fazer algo útil, ou acabaria enlouquecendo. – Propus uma viagem ao deserto e meu irmão está ameaçando me trancar e jogar a chave fora. Ela empalideceu, e as sombras escuras sob seus olhos brilhantes se evidenciaram. – Por quê? – Porque, como bem sabe, eu vou enlouquecer sentado aqui sem fazer nada. – Tenho que governar este país, Azeez. Não tenho tempo de ir à sua procura se você desaparecer novamente. E o que eu diria à nossa mãe? Não pode fazer isso com ela.
Azeez empertigou-se, mesmo sabendo que merecia as palavras do irmão. Como poderia lhe explicar que se sentia inútil, ainda que ciente dos assuntos do palácio à sua volta? Com a mente livre do entorpecimento do álcool e o corpo fazendo progresso rumo à diminuição da dor, precisava sair dali. Escolheu as palavras com cuidado para falar da ideia que tivera naquela manhã e o enchera de energia. – Khaleef disse que houve problemas de comunicação com o sheik de Zuran. Como esperara, um brilho apareceu nos olhos de Ayaan. – Acho que Khaleef precisa ser lembrado sobre quem é o príncipe regente de Dahaar agora. – Ainda sou o maldito príncipe de... – Azeez segurou os braços da cadeira, lutando contra a vontade de apagar aquele sorriso de provocação no rosto do irmão. Era difícil se livrar de uma vida inteira de dever e privilégio correndo em suas veias. – É verdade, ou não? – Sim. Eu persuadi o sheik Asad a assinar um tratado quatro meses atrás, junto com o pai de Zohra. É sobre uma melhor proteção ao longo das fronteiras das três nações. Agora, ele não está respondendo, nem o Conselho de Zuran. Não gosto do silêncio do outro lado. – É por isso que é imperativo que eu vá. Eu tenho contatos, Ayaan. Como acha que reuni as informações que lhe dei antes de você me trazer aqui? Posso providenciar para que consigam informações sobre o que está acontecendo em Zuran para você. O sheik Asad sempre foi uma pedra no sapato do pai dele também. O silêncio se prolongou, e Azeez aguardou, com a paciência se esgotando. Nunca em sua vida estivera sem propósito daquele jeito. E tinha de encontrar algum. Primeiro, temporário e, depois, permanente. – Não sei se você está fisicamente apto a... – É claro que estou. Sobrevivi sem você e os seus médicos por seis anos. Eu me recobrei de um ferimento que abriu meu quadril ao meio. Mantive minha sanidade enquanto o sangue se esvaía do meu corpo, me lembrando do rosto de Amira e do seu. – Cerrando os dentes, Azeez esperou que o irmão o entendesse. – Eu posso ajudar nisso, em vez de ficar aqui preso no palácio. Nunca vou passar de um prisioneiro nestas paredes. Quando vai ver isso? Ayaan o estudava com o semblante tenso. – Está certo – disse, enfim, apertando os lábios. – Nikhat vai acompanhar você, então. – Não. A resposta negativa, dada ao mesmo tempo por Nikhat e ele, reverberou pela sala silenciosa. Ayaan e Zohra dirigiram olhares confusos e preocupados a ambos. – Não há escolha para nenhum de vocês – anunciou Ayaan. Azeez endureceu o maxilar, lutando para controlar a raiva. – Está certo. – Virou-se para Nikhat. – Vamos partir amanhã, ao amanhecer. Nikhat estremeceu quando Azeez passou por ela, e o calor de seu corpo a atraiu. Além do mais, não pôde deixá-lo ir sem cumprir o seu dever, sem fazer a pergunta que precisava. Segurou-lhe o pulso. – Você faltou às suas sessões dois dias seguidos. Ele lhe tocou a mão antes que pudesse sequer piscar. Apertou os lábios, mas acabou se abstendo de comentário. – Não, não faltei. Apenas levei Khaleef comigo – sussurrou-lhe, quase ao ouvido.
Sua expressão impaciente lhe disse tudo que Azeez não colocou em palavras. Andara zangado e inquieto nos dias anteriores, como se lutasse contra correntes invisíveis. Sem dizer mais nada, Nikhat soltou-lhe o pulso, e ele se foi. – Você gostaria de explicar, Nikhat? Preparando-se, ela se virou para olhar para Ayaan. – Não há nada a expli... – Foi a primeira vez que viu verdadeira fúria nos olhos castanhoclaros dele. – O que o meu irmão quis dizer quanto a ser um prisioneiro? Ela podia lhe dizer que não era nada, ou podia falar a verdade e esperar que Ayaan começasse a compreender. Porque nunca seria fácil de aceitar. Pensar que Azeez havia morrido era uma coisa. Saber que ele estava vivo em alguma parte do mundo, mas longe de Dahaar, seria uma espécie de tortura. Para todos. – Ele precisa de um descanso. De você, do palácio, de tudo que vem acontecendo. A princesa Zohra exasperou-se ao lado de Ayaan. – É ele que vem se... Nikhat encontrou-lhe o olhar. – Você não sabe o que ele sofre, princesa. Acredite, nenhum de nós sabe. – Somente depois que falou foi que se deu conta de como suas palavras soaram desafiadoras. Ayaan dirigiu-lhe um olhar compenetrado. – Diga o que está pensando. Sem hesitação. – Amanhã seria o aniversário de Amira. Ayaan empalideceu, e Zohra segurou-lhe a mão com força. Era do que Azeez precisava também! Apesar de sua determinação em manter tudo profissional entre ambos, Nikhat se deu conta de que não podia deixá-lo sozinho. Especialmente não no dia seguinte. Passando a mão trêmula pelo rosto, esforçou-se para encontrar as palavras. – Ele está... sofrendo no palácio, Ayaan. Está tentando, para o seu bem, mas... O príncipe regente sacudiu a cabeça, sem deixá-la terminar. – Você me prometeu, Nikhat. Você me deu sua palavra... – De que ajudaria Azeez. Uma onda de medo tomou conta dela quando viu o ar de ameaça na expressão de Ayaan. Estava se colocando contra o futuro rei, o homem que podia destruir seus sonhos em Dahaar com uma palavra. E, apesar de sua bondade, ela não duvidava que Ayaan faria qualquer coisa para manter o irmão por perto. Mas, mesmo com o seu futuro pesando na balança, Nikhat não podia recuar da promessa que fizera a Azeez. Respirou fundo, perguntando-se por que não lutara consigo mesma. Nada nunca era simples, nunca era livre de emoções em se tratando de Azeez Al Sharif. – Lamento não ter deixado isso claro antes. Mas Azeez sempre terá a minha lealdade primeiro. – Então você está selando o seu destino com o dele. – Parece que sim. – Nikhat fez uma breve mesura para Ayaan e a princesa Zohra, e retirou-se de cabeça erguida.
ELE ESTAVA andando de mansinho pelo próprio palácio como um ladrão na calada da noite, mas não dera escolha a si mesmo. Atrás de si, o corredor deserto estava banhado pela luz amarela das luminárias. Azeez recostou a cabeça na porta fechada e se esforçou para recobrar o fôlego. Não podia se esconder daquilo para sempre. Fez um sinal com a cabeça para Khaleef abrir a porta e outra figura apareceu inesperadamente no corredor. Em vez de se retrair, como tudo dentro dele exigia, deixou Nikhat entrelaçar os dedos com os seus. Não lhe perguntou como ela sabia que ele estava parado diante da porta de Amira um pouco antes do amanhecer, que estava apavorado diante da perspectiva de enfrentar aquele dia. O palácio não era o mesmo sem o riso de sua irmã. Mas tinha de lhe pedir desculpas e queria fazê-lo ali, na suíte dela, onde rira e chorara, onde levara uma vida tão vibrante antes que o descuido dele a tivesse abreviado. Azeez abriu mais a porta e entrou. O perfume de Amira, de rosas, como se lembrava, atingiuo com o impacto de um golpe físico. Seus joelhos dobraram e lágrimas obstruíram-lhe a garganta. Deixou-as cair. Enquanto Nikhat acendia a luz, ele andou pelos imensos aposentos onde tudo fora deixado como estivera antes da morte dela. As joias estavam espalhadas sobre a cômoda escura, uma pilha de romances na mesinha de cabeceira. Como ele desejava poder voltar no tempo e mudar seu comportamento descuidado todos aqueles anos antes, como gostaria de ter se dado conta anteriormente de que Amira e Ayaan tinham ficado para confrontá-lo naquela noite no deserto, como gostaria de ter sido atingido pela bala que levara a vida dela... Nikhat abraçou-o com força. Pela primeira vez, ele não pôde afastá-la, nem ao consolo que lhe oferecia. Permaneceram daquela maneira por vários minutos, mergulhando em lembranças, mas apoiando um ao outro. – Você se lembra da vez em que reclamou que sua valiosa garrafa de uísque single malt havia desaparecido? – Sim. – Você criou o maior alvoroço, virou o palácio de ponta-cabeça. Durantes muitos dias, eu me lembro de ter visto os criados do palácio sussurrando, temendo dizer a você que não haviam encontrado a garrafa. Foi como se a lei marcial tivesse sido decretada no palácio. – Do que está falando? – Amira pagou uma das criadas para roubar a garrafa. – Nikhat sacudiu a cabeça entre sorrisos. Seu semblante ficou mais leve ao lembrá-lo de momentos alegres. – Eu havia guardado aquela garrafa por tanto tempo... – Implorei a ela que não fizesse aquilo. Foi a coisa mais horrível que já provei na vida. Disselhe que deveríamos devolver o uísque, mas, a essa altura, você já tinha guardas em torno da sua ala como se as joias do palácio tivessem sido roubadas. Tivemos que jogar a bebida no vaso sanitário, e eu dei um sumiço na garrafa quando saí. Azeez estava boquiaberto. – Aquele era um uísque do século XVIII que o meu pai havia me dado. – Lembrou-se de algo mais de repente. – Ela adoeceu naquela ocasião. Por acaso... Nikhat ria abertamente agora. – Ela tomou um copo inteiro da bebida e me chamou de covarde.
Aquilo parecia bem típico da irmã dele. Estivera sempre se metendo em apuros, sempre tentando encontrar novas maneiras de desafiar as regras da mãe. – Ela ficou tão bêbada. Você devia ter visto. Ficou imitando você, seu jeito de falar, de andar. Estava hilária naquela noite. Sempre desejei ser mais como ela. Tão cheia de vida, tratando cada dia como se fosse uma aventura. Nikhat parou um momento, então falou: – Sua vida pode ter sido curta, mas ela a viveu plenamente. Amira estava tão feliz porque ia se casar com o homem que amava que não conseguia parar de sorrir. E você havia tornado tudo possível, Azeez. E, então, ele a conduzira à morte antes que seus sonhos se realizassem. – Amira ficou tão zangada comigo quando parti que se recusou a me ver quando vim me despedir. Sinto tanto a falta dela. Azeez estreitou-a mais junto a si, conseguindo lidar melhor com o sofrimento interior. – Obrigado por trazer de volta lembranças boas para mim. Nikhat afagou-lhe as costas e, sentindo-lhe os seios de encontro a si, ele foi tomado por um anseio incontrolável. Com movimentos calculados, tirou-a da suíte de Amira e fechou a porta atrás de si. De mãos dadas com ele, Nikhat o olhou. E ele a estudou com ar faminto. Os cílios espessos dela lançavam sombras sobre as maçãs do rosto. As luzes do corredor banhavam-lhe os lábios com uma luz dourada. E, ainda tentando lidar com o sofrimento, Azeez recorreu a sua única saída. Apoiando-a na parede, tomou-lhe os lábios com os seus. Nikhat tinha gosto de mel, um mel que foi direto para todos os pontos dentro dele que doíam pelo que havia feito. Ele lhe invadiu a boca com a língua, pressionou-lhe o corpo com o seu até que ela sentiu sua ereção, até que o contato de suas curvas suaves o deliciou. Ela insinuou as mãos sob a camiseta dele, afagando-lhe a pele quente. O fogo do desejo percorria as veias dele, despertando-o como nada conseguira em seis anos. Os olhos de Nikhat brilhavam de desejo, os lábios estavam avermelhados pelos beijos. Azeez quis possuí-la ali mesmo. A atração entre ambos só se intensificara com o tempo porque agora ela era realmente magnífica, tanto de mente quanto corpo. Precisando de grande esforço para se conter, ele deu um passo atrás. – Vá antes que eu... Ela lhe cobriu a boca com a mão e sacudiu a cabeça. Abriu um sorriso de compreensão, de consolo. – Por favor, não diga mais nada. Ele lhe estudou o rosto tentador, ocorrendo-lhe que ela seria a sua salvação, mas também a sua maldição. Afinal, aquela mulher e seu desejo por ela ainda eram um aspecto incontrolável da sua vida. – Até que ponto você vai para aliviar a culpa? Nikhat se encolheu, mas ele não pôde parar. Não queria magoá-la. Apenas queria que parasse de agir como se ela se importasse. – Não tenho sido justo com você. Tudo que fiz, tudo que causei... Foram atitudes minhas. Eu poderia cair mais e considerar você responsável, mas o fato é que eu fiz tudo. Não quero a sua
culpa, nem a sua reparação. – Espere. – Ela o segurou pelo pulso e olhou-o com determinação. – Talvez parte disso seja culpa e parte seja um equivocado senso de responsabilidade. Mas, o que quer que tenha acontecido no passado, estamos nisso juntos agora. Quer acredite ou não, quer queira ou não, você tem a minha lealdade acima de qualquer pessoa e tem a minha amizade. NIKHAT ESFREGOU os olhos, despertando enquanto o helicóptero pousava. De seu assento, tudo o que podia ver era um espectro de luz atrás de si iluminando as vastas dunas de areia adiante. Sob o crepúsculo, as dunas pareciam um mar brilhante de vermelho e dourado, estéril, mas aprazível. Ela se virou no assento, observando a bela paisagem. Um resort chamou-lhe a atenção a uma pequena distância. Uma luz fluorescente branca o iluminava como se fosse um forte mítico sob o céu. Achara que sabia tudo sobre a família real. Mas nunca sequer ouvira falar que aquele lugar existia. Grata a Azeez por lembrá-la de usar um blazer, tirou uma echarpe da bolsa. Ela se colocou de lado enquanto ele trocava algumas palavras com o piloto e, então, o helicóptero decolou. Somente então ela identificou os contornos escuros de um grande jipe com o velho guardacostas, Khaleef, ao volante. Ela passou a echarpe em torno do rosto, enquanto Azeez indicava que caminhassem na direção do resort. Soltou uma exclamação de admiração quando luzes surgiram adiante de ambos, revelando uma ponte de madeira que lembrava uma ponte levadiça dos tempos antigos. Rindo, ela correu um pouco e pisou na ponte. Pequenas lâmpadas posicionadas ao longo de ambos os lados se acenderam, fazendo com que sombras altas de tamareiras se projetassem ali. Com cúpulas, pequenas torres e arcos nas construções adiante, sentiu-se como se tivesse entrado nas páginas de um livro que lera quando criança. E o príncipe... Nikhat se virou e encontrou Azeez no início da ponte, observando-a com seus intensos olhos negros. Ela deixou que a aura mágica do entardecer a envolvesse. Decidir que queria ajudá-lo não porque seu futuro dependia daquilo, não porque a culpa exigia, mas porque era algo que lhe dava satisfação e porque se importava com o que acontecesse com Azeez era um alívio. Sentia-se como se um peso tivesse sido tirado do seu coração. Não teceria sonhos impossíveis, mas tampouco mentiria achando que ambos não significavam nada um para o outro. – Uma ponte? Quem diria! – Olhou, então, na direção dos fortes construídos do outro lado da ponte. Dali pôde avistar um gramado bem-cuidado e uma fonte com luzes estrategicamente posicionadas. – Ninguém sabe que este lugar existe, não é? – Apenas nós e alguns criados. – E não tenho permissão para dizer a ninguém que o vi. Ele a alcançou e seu olhar percorreu-a como uma carícia física. – Ninguém vai acreditar em você – disse-lhe com um sorriso simples. Nikhat lhe estendeu o braço, e ele o pegou, entrelaçando-o com o seu sem comentário. Enquanto prosseguiam, ela percebia que Azeez a estudava vez ou outra. A cada vez que seus
corpos se roçavam, sentia-lhe o agradável perfume de sândalo. – Partir numa viagem comigo para um destino desconhecido sem a proteção de Ayaan ou o respaldo que o palácio oferece não preocupa você? – Não. – E se eu deixar você aqui e desaparecer, como meu irmão teme? – Sei que está sofrendo e que não pode ver além da sua dor e culpa, mas conheço você, provavelmente melhor do que ninguém. Não vai partir enquanto o próprio Ayaan não permitir. Azeez não retrucou. Apenas aumentou a pressão da mão em torno do braço dela enquanto caminhavam. Tinham finalmente alcançado algum tipo de paz um com o outro? Ela estava mais do que relutante a entrar, quando chegaram ao caminho principal de acesso ao palácio e ecos de risos e conversa a alcançaram. As vozes altas soaram familiares, mas mesmo assim... Tensa, pegou a mão de Azeez e colocou-se atrás dele. – Achei que apenas nós fôssemos ficar aqui. Ele se virou para olhá-la e acariciou-lhe a face. Inclinou a cabeça na direção do palácio. – Entre. Tudo de que você precisa deve estar lá dentro. De repente, ela não queria se despedir dele ainda. – Eu gostaria de ir com você. Aonde quer que esteja indo, sei que posso ajudar. Azeez sacudiu a cabeça e curvou os lábios num sorriso. Ela segurou as mãos na frente do corpo, quando tudo que queria era afagar-lhe o rosto sorridente. Seria errado se o fizesse? A atração entre os dois estava mais forte do que nunca. Por que negar a ambos o que queriam? – Nikhat? Corando, ela lhe encontrou o olhar com o seu. – Eu preciso continuar incógnito. E você, com seus olhos grandes e atitudes modernas, não passará despercebida. Voltarei dentro de dois dias. Nesse meio-tempo, aproveite a sua estada. Nikhat meneou a cabeça, e ele se afastou. Antes que pudesse dizer mais uma palavra, ouviu alguém chamando por ela. Atônita, virou-se e viu uma mulher de cerca de 20 anos descendo depressa a escada do palácio. Seu coração ficou apertado e a mente, aérea, rodopiando. Subitamente, ela se viu envolta por dois pares de braços, e o riso e a surpresa a dominaram. Abraçando Noor e Noozat, as irmãs mais novas, ergueu os olhos e viu Naima, que era quatro anos mais jovem que ela e tinha o temperamento mais semelhante ao seu. Alegria, empolgação, aturdimento e gratidão – todas aquelas emoções formavam um redemoinho dentro de Nikhat, roubando-lhe a fala. Lágrimas rolaram por suas faces, e Naima fitou-a com olhos igualmente marejados. Assentindo e, às vezes, respondendo com um “sim” ou um “não”, Nikhat abraçou as irmãs com o coração transbordando de emoção. Entre as perguntas de Noor sobre seu retorno e a especulação silenciosa de Naima, ela se virou, ansiosa para avistar Azeez. Mas ele já se afastara da ponte e, então, ela ouviu o som de pneus mais além. Enxugando o rosto, seguiu as irmãs ao interior do palácio. Seu coração estava repleto de gratidão e de algo mais que a apavorava. Porque estava sendo testada novamente.
Dessa vez, ao sentir pena de si mesma, não teve forças para lutar contra esse sentimento. Não queria nada para lembrá-la da bondade de Azeez, nem de como fora maravilhoso quando a olhara e lhe falara. Já começara a ver lampejos do homem que ele havia sido antes e não conseguia mais lutar contra aquela atração que a dominava. Ele era magnífico, bondoso, honrado. Quantas vezes ela precisaria ir embora sem ter nada do que queria? Quantas vezes partiria o próprio coração em milhares de pedacinhos? Educara a si mesma para encontrar satisfação em seu trabalho e conseguira. Empenhava-se a cada dia para lutar mais e estabelecer novas metas. Construíra uma vida para si mesma. Ainda assim, estar em Dahaar causava-lhe uma solidão que estava cansada demais de sentir em Nova York. E era por causa de Azeez. Sabia disso. Apesar de assegurar a si mesma que, daquela vez, estava preparada, e que já partira uma vez, ainda se sentia vacilando, enfraquecendo e desejando coisas que nunca poderiam ser.
CAPÍTULO 8
RECUSANDO O convite para ficar mais uma noite, Azeez virou-se no momento em que um de seus contatos entrou no perímetro do acampamento e meneou-lhe a cabeça. Havia visitado dois acampamentos diferentes nas 24 horas anteriores dentro de uma área de 150 quilômetros em sua busca. Contente com o fato de que Nikhat não estaria sozinha e se perguntando ao seu respeito e o que teria acontecido com a presença das irmãs, ele encerrou as despedidas ao chefe dos mujab. O homem mais velho segurou-lhe as mãos. – Você sempre terá um lugar conosco – disse ele, num dialeto antigo originário do árabe que os beduínos tinham usado e que o pai de Azeez insistira para que aprendesse. O chefe o reconhecera uma semana depois de ter sido encontrado no deserto, e ele sempre lhe seria grato por manter o segredo. Azeez sacudiu a cabeça, sabendo que agora não suportaria mais viver no deserto. Agradeceu ao chefe por sua hospitalidade durante aquele dia e se reuniu ao seu contato. Seu coração disparou no peito enquanto foi caminhando por uma área praticamente deserta onde outro homem, um cidadão de Zuran, o aguardava. Era tomado por grande satisfação. A rede de contatos que construíra ao longo dos anos ainda estava intacta, e algo parecido com euforia percorria seu sangue. Fazendo um sinal para o contato ficar para trás, ele se adiantou devagar até um pequeno grupo reunido do lado de fora de uma tenda. Um dos homens levantou-se e entrou assim que o viu. Verificando que o revólver que tinha preso à perna esquerda ainda estava intacto, Azeez entrou na tenda. O choque o invadiu quando o homem se virou, e a luz fraca de dois lampiões pendurados iluminou sua fisionomia. Igualmente chocado, Zayed Al Salaam, o amigo mais antigo dele, encarou-o. – Inshallah, é você! Usando um uniforme de combate, com o rosto parcialmente coberto por areia e lama e os olhos castanhos brilhando, Zayed venceu a distância entre ambos e o abraçou com força. – Entre todas as coisas para saírem rastejando de dentro da areia do deserto... Azeez Al Sharif... – falou Zayed num tom duro, mas não pôde conter o tremor na voz. Um brilho de raiva
surgiu em seus olhos ao acrescentar: – Eu teria dado qualquer coisa para ter a ajuda de um velho amigo nos últimos anos. Azeez fechou os olhos e sentiu uma camada de suor frio nas costas. Não haveria fim para os rostos que o saudavam do passado? Jamais ficaria livre da culpa inplacável? Fizera tudo que pudera para unir Zayed e sua irmã, Amira. Agira com tanta discrição que nem sequer seus pais, nem Ayaan, tinham sabido. Fizera com que as coisas parecessem um tratado com o tio de Zayed, o sheik Asad, que usara Zuran e seu povo como peões na busca pelo poder. Azeez, então, convencera os pais de que se casar com Zayed, o comandante do exército de Zuran, era melhor para Amira do que com o filho degenerado e mimado do sheik Asad. Porque Amira lhe implorara que a ajudasse, porque, abandonando todas as convenções, a sua irmã rebelde se apaixonara por Zayed. E Zayed, por ela. Ainda assim, ele fora a causa da morte dela dois meses antes de seu casamento com Zayed. De certa maneira, acabara causando a morte de Zayed também? – Não havia nada que eu pudesse fazer por ninguém, Zayed. Eu estava... – Não acredito nisso. Não acredito que Azeez Al Sharif tenha se tornado insensível a ponto de não dizer sequer uma palavra para o seu mais velho amigo que perdeu a mulher que amava. Ouvi rumores sobre um homem que reunia informações para Dahaar – prosseguiu Zayed, desconfiado. – Sobre um homem que apareceu com os mujab de repente, seis anos atrás. Mas então pensei: Por que um homem nascido para governar seu país iria se esconder feito um covarde nas sombras? Por que abandonaria os pais, os amigos e todos que precisavam dele? – Você não faz ideia... – Não faço mesmo. Mas é assim que você queria as coisas, não é? A dureza nos olhos de Zayed foi como um golpe físico para Azeez. De repente, deu-se conta de como ele devia ter sofrido ao perder Amira daquele jeito. Endurecendo o coração, Azeez incutiu frieza na voz. Não estava ali para trocar reminiscências com um velho amigo. – Isso de um homem que finge ignorância enquanto o tio faz o que bem quer na nação que jurou proteger, o homem que deveria ser o governante de direito de Zuran? – Não mais. Que sorte que não vou deixar um velho amigo retornar de mãos vazias. – Um sorriso sombrio passou pelos olhos de Zayed, um vestígio do homem bondoso que Azeez conhecera tanto tempo antes e que agora se fora. – Diga ao príncipe regente, ou a quem quer que você sirva, que Zuran já se cansou de ser marionete nas mãos de Dahaar. Você está falando com o novo sheik de Zuran. Azeez foi tomado por novo choque. – O seu tio... – Foi morto pelos meus homens. Um calafrio percorreu a espinha de Azeez. Era como olhar para um reflexo do que ele havia sido alguns meses antes. E não gostou daquilo. – Não foi você que sempre falou da nossa dívida para com a nossa terra, Azeez? A perda pessoal deve ter diminuído o seu senso de dever, ao passo que eu encontrei o meu depois disso. Sem esperar por uma resposta, Zayed deixou a tenda. Após esperar alguns minutos, Azeez também saiu. Qualquer que fosse a política entre Dahaar e Zuran, Zayed jamais o trairia.
Mas, tendo visto o amigo, tendo ouvido a ameaça em suas palavras, ele foi tomado por um propósito renovado. Houvera um golpe de Estado em Zuran, o que significava que quaisquer informações que pudesse reunir seriam valiosas para Ayaan. Com a corrente da culpa se afrouxando, caminhou de volta até onde o contato dele o aguardava. Deu instruções ao homem. Precisaria de mais dois dias no deserto. Estremeceu quando o vento frio o atingiu. O horizonte se estendia à sua frente na forma de intermináveis dunas douradas. Sempre adorara o calor escaldante, a paisagem árida do deserto. Mesmo depois que se recuperara e se dera conta de que não podia voltar para Dahaar, o deserto o acalentara, dando-lhe um refúgio da constante culpa e vergonha dentro de si, e a vida árdua de viajar com os mujab forçara-o a se concentrar apenas em sua sobrevivência. Seus erros, sua culpa e seu anseio de estar perto da família tinham sido minimizados pela brutalidade da vida no deserto. Havia sido por essa razão que se ativera a ela por tanto tempo; fora como continuara vivendo. Podia aceitar nunca mais voltar ali? Podia arrancar uma parte de si e deixá-la em Dahaar quando fosse tempo de partir? Pela primeira vez desde que Ayaan o capturara e o arrastara para o palácio contra sua vontade, a resposta para suas perguntas não era absoluta. E certamente não podia ignorar a mulher que, com pura determinação, dera-lhe nova força de vontade. CAMINHANDO EM volta da piscina construída em forma de gota de água e ladeada por árvores altas, Nikhat sorriu, lembrando-se de cada palavra que ela e as irmãs tinham dito ao longo dos três dias anteriores. Como o sol se pusera, pequenas luzes tinham sido acesas em torno dá área da piscina, fazendo com que o pátio inteiro parecesse um colar incrustado com pedras preciosas. Era uma visão magnífica, como se um pedaço do paraíso tivesse ganhado vida no meio do deserto. Elas haviam conversado até a exaustão. Riram, choraram e se mantiveram acordadas até altas horas da noite. Sentadas à beira da piscina, tinham conversado sobre a mãe, o pai e tantas coisas sobre o futuro próximo e distante. Como o casamento de Naima que Nikhat iria perder, ou as aspirações de Noozat de se tornar parteira. Houve também as perguntas incessantes de Noor sobre o esconderijo de luxo no deserto para onde tinham sido levadas secretamente. E também manifestou sua admiração ao fato de a família real ter feito um favor pessoal daqueles a Nikhat. Ela chorara quando chegara o momento de ir embora naquela manhã, ao passo que Noozat reclamara da situação que mantinha Nikhat afastada, e Naima observara tudo silenciosamente. A inocência delas em relação ao mundo e o contentamento que demonstravam com as próprias vidas tinham alimentado o ressentimento de Nikhat de uma maneira que ela nunca esperara, enchendo-a com uma energia nervosa. Nunca fora daquele jeito – inocente, despreocupada ou simplesmente feliz. Sempre se preocupara com a saúde da mãe, com as irmãs, em saber se Amira se meteria em apuros, com o seu sonho, se teria permissão de ir em busca dele e por quanto tempo. Apesar de
seu apego crescente a Azeez e da surpresa do amor dele por ela, em meio a tudo, preocupara-se com o que o futuro lhe reservaria. Mas, no final, suas preocupações e sua natureza cautelosa nunca a haviam ajudado. Quando Richard insistira durante três anos para terem um relacionamento, ela se permitira pensar outra vez na possibilidade de ser feliz. Acreditara nele quando lhe dissera que seria feliz apenas ao lado dela. Ainda assim, apesar de todas as suas preocupações, a rejeição de Richard acontecera porque, de repente, ele se dera conta de que queria ter filhos, e ela ficara com o coração partido. Não era o que estivera fazendo desde que retornara também? Preocupando-se com sua clínica, com as irmãs, com a poderosa atração entre ela e Azeez... Pela primeira vez na vida, não quis pensar no futuro, nas consequências das decisões que tomaria agora. Não queria ser responsável. Queria ser egoísta, despreocupada. Queria viver o momento. Estava no lugar mais bonito que já vira com o único homem que sempre despertara seus sentidos com um olhar, um toque. E ainda o fazia. Ela tocou os lábios, lembrando-se do beijo de Azeez, do prazer que a tomara, do poder que sentira quando o fizera estremecer de desejo. As palmeiras oscilaram com a brisa. O entardecer pintava o horizonte de laranja, lançando um brilho avermelhado e dourado a tudo à volta. E, de repente, a noite começava com possibilidades, como se, durante aquele intervalo de tempo, ela pudesse ser qualquer coisa que quisesse. Quisera ser digna de Azeez Al Sharif, o magnífico príncipe de Dahaar. E havia aceitado que jamais seria. Mas, naquela noite, seria tudo que ela quisesse ser. ALGUMAS HORAS depois, Nikhat aguardava no pátio banhado pelo luar e realçado pelos vários caminhos iluminados que levavam até lá. Cordeiro com caril, arroz pilaf, bolos de tâmaras e sorbet feito com uvas selecionadas, uma refeição digna de um príncipe, tinham sido preparados sob suas ordens. Não se preocupava com o que os criados da cozinha estariam pensando ao seu respeito. Só se concentrava no fato de que ela e as irmãs eram as únicas pessoas de fora do círculo real que já haviam pisado ali. Nikhat tinha o cabelo solto em torno do rosto, os lábios pintados com um batom rosa e os olhos bem marcados com um delineador preto. E usava uma túnica de seda pura, vermelha, que implorara a Naima que lhe emprestasse. Um xale de cachemira protegia-lhe os ombros do frio. Não podia acreditar em sua própria ousadia em convidar o príncipe para jantar daquele jeito. Mas estava cansada de se preocupar com sua reputação, de sofrer punições por erros que não havia cometido. Esperara talvez dez ou 15 minutos, quando a pele se arrepiou com a súbita percepção de algo, quando pareceu que o ar à sua volta parou. Recostado num pilar da entrada em arco, Azeez a observava. Usando calça e túnica brancas, parecia uma sombra escura que tivesse ganhado vida, e seus olhos negros a estudavam com uma expressão indecifrável.
Olhou-a lentamente, desde as sandálias creme que ela usava, passando pelo cinto largo de pedrarias que pusera em torno da túnica abaixo dos seios, até o decote em “V”, adornado com bordados intrincados. Admirou-lhe, então, o rosto, detendo-se em cada traço, e o cabelo sedoso. Para cada lugar que o olhar dele se moveu, ela se sentiu tocada, acariciada, possuída. Com um fogo nos olhos que não deixava passar nada despercebido, Azeez aproximou-se. – Você está diferente. – Devorou-a por mais alguns momentos com o olhar. – Você se arrumou. – Notou, então, a mesa de iguarias que ela mandara preparar. – Está comemorando alguma coisa? – Obrigada por ter mandado trazer minhas irmãs até aqui. Eu... – Eu entendo perfeitamente. – Azeez sorriu. Parecia diferente, como se houvesse uma nova energia vibrando dentro de si. Ela sentiu um calor intenso percorrendo-a em resposta, fazendo-a ansiar por mais. – Obrigado por estar aqui hoje, três dias atrás e nas últimas semanas. Não me ressinto do seu sucesso, da sua felicidade ou do que quer que deseje. – Fala a sério? Azeez riu do tom de dúvida dela. – Claro que sim. Nikhat ficou com a respiração em suspenso ao vê-lo tão sorridente. Era tão bonito ver aqueles dentes alvos contrastando com a pele bronzeada e o rosto luminoso. – Teve êxito na sua ida ao deserto? – Sim. – Um brilho especial surgiu nos olhos dele. Com aquela palavra simples, pela primeira vez desde que ela retornara, acreditava que o verdadeiro Azeez estava voltando. Venceu a pequena distância que os separava. Seus corpos se encostaram, os joelhos se tocaram, e a tensão tomou conta do rosto dele. Tomada pelo mesmo tipo de tensão que a incendiava por dentro, Nikhat tocou-lhe o rosto. A fragrância da pele dele misturada ao sabonete invadiu os seus sentidos. Azeez afagou-lhe o pescoço, arrepiando-a por inteiro. – Você está brincando com fogo. – Moveu a outra mão até o quadril dela, acariciando-a através da seda da túnica. – Não posso parar. – Não teste a extensão da minha boa vontade, habeeba. Eu me empenhei muito para alcançála. Se você me tentar hoje, se me provocar hoje, não me afastarei. Nikhat sorriu, apoiando-se nos braços dele. Ouvi-lo conter a respiração foi música para os seus ouvidos. – Então, não se afaste. Faça amor comigo, Azeez. Ele enrijeceu o maxilar e seus olhos brilharam com um fogo que evidenciou o quanto estava tentado. – Acho que o fato de ver suas irmãs virou sua cabeça. Ela lhe segurou o rosto entre as mãos. – Ao contrário, o fato de encontrá-las só me ajudou a ver com clareza. Eu quero isto. Sempre quis isto. Apenas não entendia esse fogo entre nós há oito anos. Ele apertou os lábios com ar amargo enquanto lhe afastava as mãos. – Isto é gratidão por eu ter mandado que dessem ordens ao seu pai para enviar suas irmãs? Porque eu teria feito o mesmo por qualquer servo leal do palácio. Um simples “obrigado” é o bastante para isso.
Mesmo ouvindo-o falar com aquela crueza, Nikhat não sentiu o fogo se extinguir dentro de si. Azeez estava criando distância entre ambos, desapontando-a da maneira que conhecia. Mas não fazia ideia de como a vida dela fora vazia sem aquelas sensações que ele lhe despertava. – Você é o homem que sempre quis para além da razão e do bom senso. O que Richard e eu tivemos... Ele praguejou por entre dentes, fazendo-a esquecer o que estava dizendo. – Não me manipule. Não quero ouvir o nome dele. – O nosso relacionamento era baseado em respeito e adequação mútuos. O que sinto perto de você... Jamais me senti desta maneira. – Por que agora, sendo que você atirou tudo que lhe ofereci antes na minha cara e partiu em busca dos seus sonhos? Nikhat apoiou a cabeça no ombro dele com a verdade dançando em seus lábios. Como podia lhe dizer que nunca parara de querê-lo? – Não estou tentando reverter, ou começar algo novo. Só estou vivendo o momento. Antes que a coragem a abandonasse, que se lembrasse das centenas de razões que lhe diziam que aquilo era insensato, Nikhat colocou o braço dele em torno da sua cintura e fez o que sonhara um milhão de vezes. Abraçou-o até sentir os seios de encontro ao peito de Azeez e a parte de baixo do corpo dele junto a si. Até que pôde sentir a evidência do desejo dele junto ao seu ventre. O ar deixou-lhe os pulmões, os músculos amoleceram com um tremor incontrolável. Ela lhe beijou o maxilar, e a barba dele, que apenas despontava, raspou em seus lábios de uma maneira deliciosa. – Esta noite você não é o príncipe determinado a se afastar daquilo para o que nasceu, e eu... eu não sou a mulher que deixou você. Por uma noite, não vai nos conceder o que nós dois queremos, Azeez? Com o coração disparado, Nikhat o soltou e deixou o pátio.
CAPÍTULO 9
UMA NOITE, Azeez. Parado do lado de fora da suíte de Nikhat, Azeez deixou que as palavras dela formassem em redemoinho incessante em sua mente, percorressem seu sangue, se movessem dentro de si com a rapidez de um relâmpago. A proposta dela seguira-se à satisfação que ele sentira em descobrir informações, em se dar conta de que ainda havia uma parte útil em si, de que ainda podia ser de alguma ajuda para o irmão em Dahaar. E era uma tentação à qual não podia resistir. Quando estivera parada lá com os olhos delineados de preto, observando-o com inegável desejo, fizera com que ele se sentisse mais vivo do que nunca, com que quisesse aceitar o refúgio que ela lhe oferecia. Por uma noite, ela seria sua. Ele abriu a porta da suíte e entrou, procurando-a rapidamente. Nikhat estava deitada na cama com o rosto banhado pela luz dourada do abajur. Ele empurrou os lençóis com as pernas conforme subia na cama, e ela se ajoelhou no meio do imenso colchão com uma expressão receptiva. O desejo tomou-o de assalto, causando pequenos tremores em seus músculos. Um sorriso encantador, repleto de expectativa, curvou os lábios dela. – Você veio. – Você duvidava disso? Nikhat fechou os olhos por um segundo, como se quisesse esconder algo. E Azeez percebeu que ela estava tanto em conflito com aquilo quanto ele, apenas de uma maneira diferente. Pedira aquela noite com a sua característica ousadia, mas aquilo não significava que não estivesse nervosa. – Você está tremendo, Nikhat. – Imaginei este momento por tantos anos e de tantas maneiras que a realidade agora é um pouco assustadora. Ela usava uma camisola creme sem mangas que quase se confundia com sua pele, fazendo-o pensar que estava nua por um torturante instante. O desejo se reavivou em Azeez de imediato. Mas, dessa vez, não foi seguido pelo vazio. Dessa vez, ela não desapareceu, e ele não foi deixado com lençóis frios e uma paixão imaginária. Dessa
vez, não sentiria vergonha quando olhasse para ela. – Depois daqueles meses em Mônaco, meu pai me deu ordens para voltar para casa. Pela primeira vez na vida, tive vergonha de mim mesmo, não pude lhe encontrar o olhar. Não toquei em outra mulher desde então. E os médicos me deram um atestado de saúde perfeita. Ele lhe tocou o queixo. Estava trêmulo, mas a determinação não deixara os olhos de Nikhat. – Também estou com boa saúde – disse-lhe, com um pequeno sorriso. – E sou protegida pelos remédios que tomo, portanto... Ela lhe afagou o peito com mãos ansiosas e soltou-lhe os botões da camisa, deixando-a aberta. Explorou-lhe o peito com avidez, afundando as mãos nos pelos escassos que o cobriam, deliciando-se ao ouvi-lo com a respiração acelerada. A seguir, acariciou-lhe o abdome firme, traçando os contornos da cintura baixa da calça branca com os dedos, insinuando-os pelo tecido. Cada músculo dele se retesou em expectativa. Nikhat curvou-se e beijou-lhe o peito. Azeez soltou um gemido e afundou as mãos nas mechas sedosas do cabelo dela, esforçando-se para se ater ao seu controle, enquanto ela o percorria com beijos suaves. Beijou-lhe, então, o pescoço, deixando uma trilha de fogo pelo caminho. No instante em que ele sentiu a carícia da língua dela em seu mamilo, puxou-a mais para si. Nikhat ergueu a cabeça com um sorriso malicioso e com os dedos segurando-lhe a cintura. Os bonitos olhos castanhos, sedutoramente marcados com o delineador, brilharam de desejo. Ele lhe segurou as mechas do cabelo e olhou-a, à espera de algum sinal de dúvida. A respiração acelerada de ambos foi o único ruído no quarto. Ainda o olhando, ela se inclinou e sugou-lhe o mamilo. O contato da língua molhada dela, a sucção de seus lábios, as curvas suaves de seu corpo roçando o abdome dele, logo acima de sua ereção... Azeez achou que perderia a batalha contra seu já frágil controle. Virou-a, deitando-a na cama. Apoiando-se no lado bom do quadril, afagou-lhe o rosto, o pescoço, o decote da camisola. A pele dela era como seda pura. Seu peito arfante, os seios exuberantes comprimindo-se contra o cetim da camisola e a respiração acelerada cativaram-no. Beijou-lhe o pescoço, lambeu-lhe a pele e, mais uma vez, afagou-lhe o cabelo. A visão dos mamilos dela, túmidos e comprimindo-se contra o cetim da camisola creme, produziu uma onda de lascívia nele. – Tire a sua camisola. Nikhat o olhou com ar ardente. – Não vai me beijar primeiro? Ele lhe mordiscou o lábio inferior e ela soltou uma exclamação de deleite antes de segurar-lhe os ombros e lamber seus lábios. Azeez recuou, perguntando-se se conseguiria ser gentil com ela. – Vai discutir sobre cada simples aspecto disto também? – Apenas não vejo por que é você quem decide o que deve... Com um gesto rápido que surpreendeu até a si mesmo, Azeez sentou-se e puxou-lhe a camisola. Ela se rasgou, deixando os magníficos seios de Nikhat expostos ao seu olhar. Ele a deitou na cama, sugando-lhe um dos mamilos rosados. Nikaht soltou um gemido abafado e arqueou as costas, encorajando-o.
Azeez massageou o bico túmido com a língua, sugou-o, inalando a fragrância da pele dela, mergulhando em suas curvas. Era como se uma febre o consumisse. – Sou eu que decido porque sou o príncipe, dra. Zakhari. Há certas áreas em que nunca vou me curvar à sua vontade, e uma cama com nós dois em cima é a primeira da lista. Nikhat tinha um gosto melhor do que a mais erótica fantasia que já houvesse tido com ela. Em seus momentos sombrios, ele se perguntara qual seria o gosto dela, e nenhuma fantasia chegara perto da realidade. Colocando-se de joelhos, livrou-a por completo da camisola rasgada. A visão do corpo dela inteiro com sua deliciosa fragrância pairando no ar e o ligeiro tremor nas coxas firmes apagou a lembrança de qualquer outra mulher que já tivesse tocado para tentar esquecê-la. NIKHAT PÔDE sentir a intensidade do olhar de Azeez em cada pedacinho do seu corpo. Moveu as mãos instantaneamente para cobrir seu sexo, chocada com sua própria audácia. Imaginá-lo indo até ali, olhando-a... A fantasia fora fácil. Mas a realidade do olhar ardente dele acariciando sua nudez, dos tremores percorrendo a pele dela, do desejo intumescendo seus mamilos, de seu sexo latejante e úmido antes mesmo de ele a ter tocado era bem diferente de uma fantasia. Azeez depositou um beijo demorado em seu ventre, e ela se retorceu sob o toque hábil, precisando de mais. – Você achou que isso seria simples, não é, habeebi? – Passou a língua em torno do umbigo dela, fazendo-a estremecer de prazer. Nikhat assentiu. A facilidade com que ele lia seus pensamentos não a surpreendeu. Azeez afastou-lhe os pulsos do caminho. Pousou uma das mãos entre os seios dela, prendendo-a na cama, e moveu a outra acima de seus joelhos, de suas coxas, com a respiração suave entre as pernas dela. Separou-lhe os joelhos com um leve toque, e as coxas dela se entreabriram. Quando Nikhat sentiu o nariz dele roçando suas coxas, sua respiração ficou entrecortada. Era uma mulher experiente, mesmo com suas origens tradicionais, conservadoras. Não ficara com vergonha ou pudor quando olhara para o corpo nu de um homem pela primeira vez. Mas agora, ao saber que a parte mais íntima de si estava exposta ao olhar ávido de Azeez, sentia a pele queimando. Ele a beijou nas coxas, e sua respiração acelerada foi prova de que se esforçava para manter o controle. Então, ele lhe encontrou o centro da feminilidade com os dedos. Nikhat jogou a cabeça para trás com um gemido longo, e cada pedacinho de seu ser ganhou vida numa combinação de desejo e desespero. Azeez acariciou-lhe o centro da feminilidade longa e habilmente, observando-lhe as reações, aumentando a pressão quando necessário. – Oh, por favor – suplicou ela, quando não pôde mais suportar. Arqueou os quadris, indo de encontro ao toque, mas ele não a deixou mover-se da maneira que queria, com a rapidez que queria. A cada vez que Azeez girava seu mamilo entre os dedos, ela sentia o calor em resposta indo em direção ao seu ventre. Mas não era o bastante. Então, sentiu o hálito quente dele na parte interna das suas coxas, sentiu-lhe os dedos desvendando-a, sentiu-lhe uma carícia demorada da língua em sua parte mais íntima, como se
fosse um banquete que estivesse prestes a devorar. Nikhat foi tomada por sensações maravilhosas, enquanto cada pedacinho de seu sexo se contraía e relaxava, e espasmos de prazer percorriam seu corpo. E Azeez não parou. Não parou enquanto não a fez sentir cada onda de prazer possível, enquanto não ficou trêmula com a intensidade do seu clímax. Uma camada de transpiração cobriu a pele dela, e os tremores cessaram lentamente. Colocar-se de joelhos exigiu mais energia do que tinha, mas estava determinada a não ser uma participante passiva. Com os braços trêmulos, segurou os ombros de Azeez e deu-lhe rapidamente um beijo na boca. Desatando-lhe os cordões da calça branca, removeu-a e sentiu-lhe o membro rijo entre as mãos. Uma nova onda de desejo percorreu-a. Ele era como aço e veludo em suas mãos, e ela queria senti-lo dentro de si, possuindo-a e, acima de tudo, encontrando prazer dentro dela. Nikhat lhe afagou os ombros e o puxou para si. Ambos caíram juntos na cama. Ela entreabriu as pernas instantaneamente para recebê-lo. O anseio de antes voltava a percorrê-la. Com um grunhido abafado, Azeez a penetrou, encontrando-lhe o bem-vindo centro do calor. E Nikhat ouviu os gemidos baixos e longos que saíram de seus próprios lábios e fechou os olhos diante de um prazer tão absoluto. Quando os abriu, encontrou Azeez olhando-a, ofegante, com o rosto repleto de desejo. Tomou os lábios dela com um beijo sôfrego, reavivando-lhe a necessidade premente em seu íntimo. Ela lhe mordiscou o ombro, sentindo-lhe o gosto da pele. – Por favor, Azeez. Eu quero mais. Ele tornou a penetrá-la, moldando-lhe os seios junto ao seu peito. Ela o segurou pelos quadris para se apoiar, o que o fez contrair o rosto de imediato. – Oh, eu esqueci. Ele lhe tocou a fronte com a sua e a beijou nos lábios com ternura. Algo brilhou em seu olhar, e Nikhat ficou infinitamente contente por estar ali com ele naquele momento. A dor o fez comprimir os lábios. – Não consigo me mover como eu quero. Depois dos últimos dias no deserto, meu quadril... É insuportável me mover, sustentar meu próprio peso. Com um suspiro frustrado, ele se moveu para o lado, soltando-a, e Nikhat sentiu sua falta de imediato. Sem hesitar, beijou-lhe o rosto. Continuou depositando-lhe beijos no peito, no pescoço, no maxilar. Deixando o pudor de lado, sentou-se em cima de Azeez e suas faces queimaram. Ele a percorreu com um olhar tão demorado e faminto que ela sentiu o sexo úmido outra vez. – Você é uma mulher teimosa, determinada – disse-lhe com um sorriso malicioso. – Eu havia me esquecido disso. – Eu quero o meu príncipe e vou tê-lo, não importa como – falou ela, contente em vê-lo sorrir. Uma profunda alegria a invadiu. Outro homem, sabia, teria sentido vergonha por sua inaptidão naquele momento, teria perdido a confiança. Mas não ele. A alegria que sentia também se devia ao fato de que o homem que amara no passado começava a voltar. O homem que tinha Dahaar nas veias ainda estava vivo sob as garras da culpa e da recriminação.
Nikhat segurou-lhe a ereção e guiou-o para si, baixando o corpo lentamente. Um bem-vindo calor se espalhou pelas paredes do seu sexo, enquanto uma deliciosa fricção estimulava sua pele. Endireitou a espinha, e os olhos de Azeez foram atraídos pelos seus seios. Apoiando-se nos cotovelos, dirigiu-lhe um olhar ardente. – Curve-se, Nikhat. Quero beijar você. Quando ela o fez, ele fechou os lábios em torno de um de seus seios. Mordiscou-lhe o mamilo, e o anseio começou a crescer dentro dela novamente. – Mova-se do jeito como o seu corpo quer – disse, afundando o rosto no pescoço dela. – Sou todo seu. Cedendo aos instintos do seu corpo, Nikhat se moveu. Seus olhares se encontraram, a respiração ficou acelerada, conforme ela se moveu mais depressa, encontrando um ritmo que a levou novamente rumo ao clímax. – Goze para mim, Nikhat. As palavras de Azeez foram uma ordem carregada de excitação. Para acompanhá-las, insinuou as mãos no ponto em que seus corpos estavam unidos. Os dedos bronzeados de Azeez no centro de sua feminilidade foram a visão mais erótica que Nikhat já tivera. Com as deliciosas sensações dominando-a num crescendo, apertou as coxas e continuou se movendo em cima dele. Até que um êxtase incrível a arrebatou, e ela gritou o nome dele alto. Com as mãos nos quadris dela para lhe controlar os movimentos, Azeez guiou-a em cada arremetida, enquanto seus corpos cobertos de transpiração colidiam. Seus olhos ficaram febris de repente, e cada músculo de seu corpo se retesou. Movendo-se sem parar, Nikhat o observou avidamente enquanto o clímax o arrebatava. A respiração dele estava alta e acelerada no silêncio do quarto, o peito arfava, cada músculo rijo tremia. O fato de ter feito isso àquele homem poderoso, bonito, de ter sido seu corpo a fazer com que aqueles espasmos de prazer percorressem o dele, levou Nikhat a se sentir radiante, magnífica. Desabou em cima do corpo de Azeez e, quando ele lhe afastou o cabelo da testa e a beijou, ela abriu um sorriso feliz. Uma camada de transpiração lhe cobria a pele, pequenos tremores lhe percorriam as coxas, e ela ainda estava unida a Azeez da maneira mais íntima. Sorrindo, beijou a pele quente dele. Jamais se sentira tão bem consigo mesma como mulher. AJEITANDO A ambos para que Nikhat ficasse deitada de costas, Azeez saiu debaixo dela devagar. Ao vê-la adormecer, ficou observando-a. A luz fraca do abajur iluminou-lhe os seios perfeitos, e ele se apoiou no cotovelo para admirá-la. Abraçou-a, então, pela cintura. E lá estava. A cicatriz que vira quando mergulhara num clímax sensacional. Não que tivesse interferido de algum modo no seu prazer. Mas agora não podia deixar de lado a curiosidade. A cicatriz tinha pouco mais de um centímetro de largura e ficava no início do púbis dela. Parecia precisa, e ele percebeu que era resultado de uma cirurgia.
Instantaneamente, pensou no nome que ela dera para sua doença e perguntou-se sobre sua gravidade. Soltando um suspiro, afastou a preocupação e a curiosidade. Ambos sabiam que teriam apenas uma noite. O sexo incrível após seis anos de abstinência deixou sua mente num redemoinho. Nikhat e ele se encontraram por uma curiosa virada do destino, nada mais. Tinha de ser desse modo. Nikhat estremeceu, e ele lhe cobriu o corpo nu com a colcha. Deitando-se de lado, estreitou-a em seus braços. As fragrâncias dela e de sexo, uma deliciosa combinação, estavam impregnadas na pele dele. Beijou-a na fronte e ajeitou-a mais junto a si. Ela abriu os olhos, sonolenta e saciada, e seus lábios se curvaram num sorriso satisfeito. – Podemos fazer tudo outra vez? Azeez riu, beijando-a nos lábios. Ela tornou a fechar os olhos. – Tudo que preciso é de um pouco de descanso, e estarei pronta para a segunda parte. – Entreabrindo os olhos, piscou-lhe. – A menos que suas juntas estejam enferrujadas. Se for o caso, nós... Ele lhe afagou as coxas com carícias exploratórias até lhe encontrar as nádegas e apertou-as de leve. Ela soltou um gritinho e escondeu o rosto em seu pescoço. Azeez admirou-se com a facilidade com que ela o fazia rir de si mesmo. E algo mais lhe ocorreu. A dor no quadril e o fato de não ter podido se mover dentro dela como quisera, sem dor percorrendo sua perna, não o haviam deixado arrasado. E, evidentemente, não podia contestar o fato de que era por causa dela. Engoliu em seco, vencendo o nó que a constatação agridoce deixou em sua garganta. – Durma, habeebi. NA MANHÃ seguinte, Nikhat acordou sozinha em sua cama. A luz do sol banhava cada superfície no quarto, tocando tudo com um brilho dourado. Pegando o travesseiro ao lado, levou-o ao rosto e respirou fundo. A fragrância única de Azeez mesclada ao perfume de sândalo que usava produziu-lhe instantaneamente arrepios na pele. Sorrindo, ficou deitada por mais alguns minutos, revivendo a noite anterior. O mesmo contentamento acompanhou-a quando tomou banho e se vestiu. Escolheu uma saia longa de algodão adornada com contas e pequeninos espelhos e uma blusa de seda amareloclara. Acrescentando brincos grandes que havia comprado numa loja de bijuterias no Brooklyn, estudou seu reflexo no espelho. Suas faces estavam coradas, e um brilho especial destacava-se nos olhos. Da cabeça aos pés, parecia uma mulher que havia sido amada intensamente na noite anterior. Recusando-se a deixar que seus pensamentos enveredassem por território negativo, passou um pente pelo cabelo, prendeu-o de lado num rabo de cavalo e saiu à procura de Azeez. Os amplos corredores de mármore do resort, as grandiosas passagens em arco que os enchiam de luz, o mundo em si – tudo parecia mais bonito naquele dia. Encontrou Azeez sentado a uma mesa posta com o café da manhã numa varanda anexa ao salão principal. Como eram apenas nove da manhã, o calor era suportável. Ela se recostou numa parede para recobrar o fôlego.
Com a cabeça recostada na cadeira, ele tinha os olhos fechados. A luz do sol cobria-lhe o rosto, destacando-lhe os cílios espessos que lhe projetavam sombras na pele e os lábios grossos, sedutores. Uma onda de calor envolveu Nikhat quando pensou em todas as coisas que aqueles lábios tinham lhe feito. Fechou as pernas com força como se pudesse abrandar o pulsar no centro de seu sexo. Quisera uma noite e a tivera. Se continuasse brincando com fogo, acabaria se queimando. – É bem-vinda para se reunir a mim, Nikhat. – O quê de provocação na voz dele a encheu de alívio. Respirando fundo, sorriu, contente em vê-lo de bom humor. – Eu não vou morder. Não agora, nem aqui. Palavras simples, gracejos. Ainda assim, ela se sentiu como se ele a tivesse acariciado com seus dedos. Sentando-se do lado oposto da mesa, encontrou-lhe o olhar com o seu. Azeez a percorreu com um olhar demorado, como se tivesse estado à espera de fazer isso. – Você parece bastante... – Inclinou a cabeça para o lado, ainda observando, devorando-a com os olhos, deixando-a com o coração acelerado. – ...descontraída hoje. E também parece... Nikhat arqueou uma sobrancelha, adorando o brilho malicioso nos olhos dele. – Pareço uma mulher bastante satisfeita? Consegui chegar lá... – Franziu o nariz delicado com ar zombeteiro – ...quatro vezes. Azeez soltou um riso divertido, contagiante, e foi impossível não se unir a ele. Sacudindo a cabeça, com os lábios ainda curvados num sorriso amplo, inclinou-se para a frente. – Eu ia dizer “despreocupada”. – Lembra-se da época em que você voltou da universidade e não parava de averiguar o palácio, como se fosse senhor de tudo que inspecionava, e Ayaan e Amira provocavam você incessantemente... – Eu era senhor de tudo que inspecionava. Ela respirou fundo. A arrogância nas palavras dele a lembrou do antigo Azeez. Sacudindo a cabeça, ele estudou-a. Refletiu sobre a facilidade com que ela o fazia rir, com que o lembrava de tudo que havia sido bom no passado. Porque houvera coisas boas no passado. Finalmente, via a genialidade na ideia de Ayaan. Nikhat, com suas histórias alegres sobre a família deles, com sua força e lealdade infalíveis, era o remédio mais indicado que o irmão poderia ter lhe arranjado. E estava dando resultado. Ali estava ele, poucas semanas depois. Fizera amor com uma mulher – Nikhat, graças a uma curiosa virada do destino –, descobrira informações valiosas para Dahaar e estava rindo. Seria fácil demais se acostumar àquilo. A rir com ela, a tê-la em sua cama. Nikhat já se insinuava em sua vida, já o levava a se abrir no tocante àquelas coisas que o torturavam. Ela o fez perguntar-se se queria mais da vida, o que queria em relação ao futuro. E o fazia querer esquecer e seguir adiante. E essa esperança ele não merecia. Não podia deixá-la ser nada além de um remédio temporário no caminho de sua recuperação, não podia deixar que o distraísse de seu verdadeiro propósito. Acima de tudo, não podia deixála acreditar que aquilo fora algo além de um breve interlúdio. Ajudaria Ayaan e, então, partiria. De repente, mal podia esperar para voltar a ser o prisioneiro do irmão.
Nikhat piscou algumas vezes enquanto ele se levantou, e seu riso ficou um tanto tenso ao vêlo se aproximar. Azeez silenciou a gama de pesares dentro de si. Era melhor dessa maneira. Não tinha nada a oferecer. Recostando-se na mesa diante dela, tocou-lhe os lábios com a ponta dos dedos e puxou-a para si. Ansioso por sentir-lhe o gosto novamente, deu-lhe um beijo faminto em que um estimulou os lábios do outro, em que as línguas se entrelaçaram e ambos ficaram ofegantes. – Ayaan tem toda essa metodologia para conseguir lidar comigo, ao que parece. Você era exatamente do que eu precisava. Estive pensando em mim mesmo como um inútil por causa do quadril, deixei que tudo em relação a mim se afunilasse nesse fato. Nunca vou poder andar a cavalo, nem correr, nem, ao que tudo indica, fazer amor com uma mulher do jeito que quero... Mas você também me fez perceber tudo que posso fazer. Talvez tenha me dado até uma nova razão para viver. Azeez não pôde conter o tom caloroso em suas palavras. Olhando-a, afastou-lhe uma mecha de cabelo para trás da orelha. – A noite de ontem vai ser tão memorável para mim quanto é para você, Nikhat. Agora, é hora de voltarmos. Tenho informações importantes para Ayaan. E sei que você não pode esperar para voltar a ser a médica severa que tem que colocar o príncipe rebelde, arrogante, em forma para que ele saia do seu encalço e você possa retomar sua vida.
CAPÍTULO 10
A PRINCESA Zohra solicita sua presença no jantar desta noite no Salão Real. Com a instrução suave da criada do palácio ecoando em sua mente, Nikhat seguiu-a por um corredor que nunca visitara antes. Depois de conduzi-la a uma imensa porta dupla, parcialmente aberta, a mulher se foi. Assim que entrou, Nikhat ficou boquiaberta. Cada superfície que via era dourada ou prateada, incluindo as beiradas da mesa retangular. Talheres de ouro e prata trabalhados e louça de porcelana cintilavam sob a luz do lustre de cristal acima. Havia retratos de gerações da família Al Sharif nas paredes. Uma profusão de flores exóticas adornava os vasos. As cadeiras estofadas com veludo em torno da mesa tinham a insígnia de Dahaar no encosto. E, na mesa, uma infinidade de iguarias estava disposta. Azeez achava-se no canto mais escuro do salão e, ainda assim, ela lhe sentiu o olhar, como se a tivesse tocado. – Olá, Nikhat. Ela meneou a cabeça em resposta. Não podendo falar ou se mover, sentiu-se presa ao lugar pela energia que vibrou instantaneamente no ar à volta. Não tinham se visto desde que haviam retornado do deserto, quatro dias antes. Nikhat não tinha ideia de quem estava evitando quem. Ela não hesitara em provar o paraíso por uma noite. O que não percebera era quanto seria difícil prová-lo uma vez e ter de conviver com o fato de que ele nunca mais seria seu. Sentira uma forte necessidade de deixar uma marca nele. Em vez daquilo, tinha a sensação de que fora ela a sair marcada outra vez. Ela se sobressaltou e se virou ao ouvir a princesa Zohra atrás de si. Saudando-a com um gesto de cabeça, encaminhou-se de volta na direção da entrada. Contendo a onda de emoção que ameaçava dominá-la, estava prestes a sair, quando a princesa a deteve. – Pedi aos criados que convidassem você de propósito. Minha família não está comigo e você me trouxe paz de espírito de mais de uma maneira. – Enquanto falava, a princesa lançou um olhar significativo na direção de Azeez sem que ele notasse. Com o estômago em nós, Nikhat umedeceu os lábios. – Meu lugar não é aqui.
Antes que ela pudesse sair, Ayaan entrou no salão. Sem poder se desculpar, ela se sentou ao lado de Azeez. Ele lhe notou as mãos trêmulas, e ela as segurou com força no colo, desejando não estar ali. – Você está tremendo. Está sentindo dor outra vez? – Não. Ayaan dispensou a todos, inclusive os criados. Inesperadamente, tomou os lábios da princesa Zohra com um beijo que fez Nikhat corar. – Quer que nos retiremos, Ayaan? – perguntou Azeez. Estava sorrindo, e a alegria em seu rosto fez com que Nikhat se esquecesse momentaneamente de tudo mais. Com o braço ainda em torno da princesa, Ayaan sorriu. – Estamos comemorando e queremos que vocês façam parte disto. Zohra fez um ultrassom hoje. Vamos ter gêmeos. Meninos. Nikhat queria desviar o olhar, mas, ainda assim, devorou com os olhos cada expressão no rosto de Azeez. Ele ficou muito quieto, em contraste com a vibração ao redor. Algo no olhar dele a um dado momento fez com que Nikhat sentisse um súbito frio por dentro. Lutou contra a sensação. Já tinha o bastante com que se sentir culpada, coisas que não podia mudar em relação a si mesma. Não queria o fardo do desapontamento dele, de seus sonhos perdidos. Enfim, quando Azeez se recobrou, o que aconteceu numa questão de segundos, a expressão estranha deu lugar a um ar feliz ao olhar para o irmão. – É certamente motivo de celebração. O futuro rei de Dahaar vai nascer – disse ele com tanto orgulho, tanta alegria, que lágrimas surgiram nos olhos de Nikhat. Por que aquilo ainda era tão doloroso depois de tantos anos? Ela não sabia. Fizera partos de bebês, vira mulheres grávidas diariamente e, ainda assim, dessa vez, não conseguia vencer a dor, não importando o que fizesse. Azeez adiantou-se até Ayaan e deu-lhe um tapa nas costas. – Você é uma prece que se torna realidade, princesa Zohra. – Tirando-a da cadeira, envolveua num abraço apertado que a fez olhá-lo com ar surpreso. – Por Dahaar, pela minha família, mas, acima de tudo, pelo meu irmão. Até a médica tem que concordar que isso pede um drinque – acrescentou, com um olhar para Nikhat. Ela assentiu, esforçando-se para reprimir o nó na garganta e as lágrimas. Obrigou-se a parabenizar Ayaan e a sorrir, apesar da opressão no coração. Como era possível que aquela dor fosse mais forte do que nunca? Ao longo da hora seguinte, sentiu o olhar intrigado de Azeez na sua direção diante de seu silêncio absoluto, mas não havia nada que pudesse fazer. Cada momento de felicidade da família real produzia uma dor profunda em seu peito. AZEEZ TERMINOU seu drinque, notando que Nikhat mal tocara sua comida e não dissera quase nada durante o jantar. Haviam partilhado de uma bonita noite. Ela não era preocupação sua, lembrou a si mesmo. Voltou a atenção para o irmão. – Você não esteve presente durante o ultrassom? Ayaan sacudiu a cabeça e segurou a mão de Zohra sobre a mesa.
– Não. Houve uma convocação oficial solicitando a presença do nosso pai em Zuran ontem à noite, e eu fui. Graças a você, ao menos eu estava preparado. – E Zayed? – Ele propôs mudanças na política econômica que Dahaar tem com Zuran. Está ameaçando declarar guerra se não alterarmos os termos do tratado de paz. – Esse tratado foi assinado há quase 15 anos. Eu me lembro do nosso pai me contando sobre como teve que forçar o sheik Asad a não vender todo o petróleo de Zuran de maneira leviana para abastecer o tesouro. Ayaan olhou-o com crescente interesse. – Então Zayed decidiu se esquecer convenientemente disso. Ele afirma que o nosso pai o obrigou a assinar termos ruins para Zuran com a ameaça de usar o exército de Dahaar contra ele. Está claro que vê a nossa aliança com Siyaad como uma ameaça. – É apenas uma ameaça para fazer com que Dahaar... – Acho que não pode mais afirmar isso. Ele não é mais o homem com quem nossa irmã ia se casar, Azeez. Você o viu. Azeez meneou a cabeça, sabendo que Ayaan estava certo. O homem que vira não passara de uma sombra do velho amigo. E, de repente, pela primeira vez desde que fora baleado, deu-se conta de que dádiva era sua família. E Nikhat. Zayed era e sempre fora realmente sozinho no mundo. – Não vou chamar nosso pai de volta para isso. Não depois de tudo que ele enfrentou sozinho todos esses anos. Eu preciso de ajuda, Azeez. – Você tem uma equipe experiente para... – Você tem um doutorado em política, comércio exterior e economia. Nosso pai nos preparou para complementarmos um ao outro. Para você governar e para eu ajudá-lo. Se está determinado a partir, pelo menos me ajude enquanto está aqui. A tensão pairou no ar. A princesa Zohra olhou para Azeez com uma expressão desafiadora. Uma negação instantânea ficou na ponta da língua dele. Quando entreabriu os lábios, sentiu Nikhat se aproximar mais na cadeira ao lado. Ela segurou-lhe a mão debaixo da mesa. – Está certo. Providencie para que o tratado original e as emendas que ele está sugerindo me sejam entregues. Vou dar uma olhada. AZEEZ MANTEVE a raiva sob controle até que Ayaan e Zohra deixaram o amplo salão. Colocandose no caminho de Nikhat, recostou-se na porta dupla fechada. – Que tipo de jogo você está fazendo agora? Ela pareceu cautelosa. – Não estou fazendo jogo algum. – Apenas porque nós... Nikhat estremeceu e ergueu a mão, como se estivesse se protegendo de um ataque. – Por favor, Azeez. As palavras acusadoras morreram na garganta dele. Qualquer coisa que tivesse dito teria sido errada de muitas maneiras. Não queria rebaixar aquilo que haviam compartilhado. Fora especial.
E, qualquer que fosse aquela inquietação que começara a dominá-lo, não era culpa dela. Era sua. De repente, tudo de que tivera tanta certeza nas semanas mais recentes parecia areia movediça. Viu Nikhat engolir em seco, esforçando-se para falar. – Eu estava prestes a lembrá-lo de que você decidiu fazer o que pudesse para diminuir o estresse da princesa Zohra. É por isso que estou aqui, Sua Alteza. A forma de tratamento teve o impacto de uma bofetada. – Não me chame assim. Ela soltou um riso irônico. – Não? Há quanto tempo não se olha no espelho? Nada pode mudar o fato de que você é o príncipe de Dahaar. Nem um ferimento à bala, nem sua aversão por si mesmo, nem o fato de estar determinado a viver sua vida pela metade. Dahaar... sua política, seu povo, sua economia... é o próprio sangue que dá vida a você. – Já basta. Em vez de seguir-lhe o aviso, Nikat se aproximou mais dele. Estava tensa, com o olhar angustiado. – Admita que uma parte de você, mesmo agora, anseia por isso. Admita o quanto tortura você o fato de que Ayaan está assumindo o seu lugar, de que é o filho dele que será o futuro rei de Dahaar. Não aborrece você o fato de o seu irmão estar ficando com tudo que deveria ser seu? Azeez engoliu em seco diante da fúria cortante nas palavras dela. – Sim, me tortura o fato de que Ayaan sofre todas as noites, de que meu pai e minha mãe lamentam a perda da filha que estava prestes a se casar. Tortura-me o fato de ainda haver evidências da destruição que causei para onde quer que eu olhe. Ela o estudou com uma expressão desafiadora. – Sei o quanto Amira amava você. Mesmo que tivesse sido responsável de alguma forma, ela o teria perdoado. Amira jamais iria querer que vivesse assim, pela metade. – Mas ela não está aqui. Por minha causa. – De que maneira? Como pode ter sido sua culpa que um grupo terrorista tenha atacado vocês três e a matado? – Eles não nos atacaram. Eu os atraí até lá com uma isca. Passei informações de que eu estaria lá, marquei um encontro. Eles estavam fazendo ameaças havia meses. Sem a permissão do meu pai, sem deixá-lo saber dos meus planos perigosos, planejei ficar para trás com uma unidade pequena para capturá-los. Ele dispensou essa unidade sem eu saber, e tarde demais eu me dei conta de que Ayaan e Amira ficaram para trás. Ele respirou fundo, então prosseguiu: – Eles ficaram para trás para conversar comigo. Estavam preocupados, porque eu os estivera evitando. E foram apanhados no fogo cruzado. Azeez teve de vencer o nó na garganta para falar e pareceu que o fato de desabafar fez com que a dor da culpa e das recriminações diminuísse. Apenas ligeiramente. Sentiu o toque hesitante de Nikhat em seu ombro e estremeceu diante da ideia de encará-la. E, quando o fez, não viu piedade em seu semblante. Viu apenas a própria dor refletida no rosto dela, apenas sofrimento. E, de repente, não era de fato mais tão difícil falar. Era um alívio colocar sua agonia em palavras, deixá-la ver todos os seus pecados, toda a sua culpa.
– Eu a vi levar um tiro, Nikhat, aquele que deveria ter sido para mim. Vi uma bala passar de raspão pela cabeça do meu irmão de 20 anos. Vi um cair após o outro e vi aqueles malditos arrastando os dois sem que eu pudesse fazer nada. Isso aconteceu com os dois por minha causa. Tudo porque eu havia me tornado descuidado, porque não me importava com o lugar onde vivia. Azeez olhou para Nikhat e disse: – Minha irmã morreu por minha culpa. Meu irmão tem pesadelos até hoje por minha causa. Deixei minhas emoções levarem a melhor. Por você ter partido, eu fiquei num estado caótico. Como Príncipe de Ouro, a quem nunca faltara nada, a quem nada fora negado, não pude lidar com a sua rejeição. Eu não era emocionalmente forte, percebe? Esse tipo de homem que pode desmoronar tão facilmente, que está à mercê de suas emoções, não foi feito para ser rei. – Mas Ayaan sim. – Houve um ponto em que achei que todos os Al Sharif, a dinastia que governou estas terras por dois séculos, acabariam por causa do que eu fiz. As boas-novas de Ayaan hoje me enchem de alegria. Já posso respirar um pouco aliviado. De certa forma, fico incomodado em olhar para ele, sim, porque é um homem melhor do que eu. Não me importa, porém, se é ele ou se sou eu a ocupar o trono, se é o meu filho ou o dele que vai governar Dahaar em seguida. Azeez fitou Nikhat e perguntou: – E quanto a você, Nikhat? Por que se importa tanto com o fato de eu deixar Dahaar ou não. – Não quero me importar. Minha vida será bem mais simples se você partir. Ainda assim, vejo você e... – Ela pagara um alto preço no passado, um preço que Azeez não lhe pedira, e sobre o qual não estava mais tão certa, para que ele pudesse cumprir o seu dever, ser o homem que estava destinado a ser, o pai do sucessor do trono. – Não acho que deva deixar seu irmão com tudo isso para resolver, quando pode ajudá-lo. Deixá-lo lidar com Dahaar, com seus pais, quando você se julga responsável por tudo isso parece o oposto de penitência. Parece covardia. – O que acha que devo fazer? A vulnerabilidade nas palavras dele tocou Nikhat. Como gostaria de merecer a confiança daqueles olhos negros! Segurando-lhe as mãos, puxou-o para si e beijou-o no rosto. – Acho que já se puniu o bastante. O seu coração é o seu maior dom. Mas você não me ouve, não é? – Ela lhe afagou a têmpora com a ponta dos dedos, traçou-lhe o contorno das maçãs do rosto, amando-o um pouco mais naquele momento. Como era possível não o amar? – Diga a Ayaan o que me disse. Conte-lhe por que quer partir daqui, a verdadeira razão. E, se ainda quiser ser punido, aceite o que quer que ele decida para você como sua sentença. Ela não soube se sua resposta o zangou ou o afetou de alguma maneira. Azeez apenas a olhou pelo que pareceu um longo tempo e deixou o salão. Nikhat recostou-se na parede mais próxima, sentindo-se como se seu coração fosse se partir num milhão de pedacinhos. Não me importa, porém, se é ele ou se sou eu a ocupar o trono, se é o meu filho ou o dele que vai governar Dahaar em seguida. Pareceu que a decisão em torno da qual ela construíra sua vida subitamente se transformara. Foi como se seus alicerces estivessem ruindo. Quando se arriscara a uma nova tentativa de ser feliz com Richard, acabara sendo magoada pela súbita mudança de ideia dele quanto a querer ter filhos. Fora algo que a fizera compreender
que estivera certa quando não quisera impor a Azeez a escolha entre seu amor e o trono. Mas agora estava dentro de um inferno que ela própria criara, odiando e sentindo pena de si mesma, questionando cada decisão que já tomara para chegar nesse ponto da sua vida. Enquanto estivera confiante de que havia feito a coisa certa, conseguira absorver a dor e seguir adiante com sua vida, mesmo depois de perder tudo que lhe fora valioso. Mas, se Azeez não se importava se seria ele ou o irmão a herdar o trono, ou com qual criança ficaria a sucessão... Ela se sentou no chão, passando os braços em torno de si. A única coisa que entendia em meio a tudo era que não suportaria vê-lo partir. Mal podia respirar diante da ideia de não vê-lo outra vez, de não lhe sentir as mãos em sua pele, ou o corpo rijo estremecendo em seus braços, de não ver seu olhar percorrendo-a, devorando-a. Travara pequenas batalhas a vida inteira a fim de poder seguir seu próprio coração, de criar seu próprio destino, de ter o direito de fazer o que desejava. Agora, sentia toda aquela força esmorecer. Tudo o que queria era entregar-se de corpo e alma a ele e esquecer o resto. Sempre o amaria, compreendeu. E estava desesperada o bastante para mantê-lo ao seu lado por quanto tempo pudesse. NA MANHÃ seguinte, Azeez andava de um lado para o outro do escritório do irmão, chocado com a diferença nos próprios pensamentos desde que estivera ali apenas algumas semanas antes. O ambiente ainda lhe causava um nó na garganta, mas, após alguns minutos, conseguiu se recobrar o bastante para ficar ali dentro. A sua mente, porém, não esquecia as palavras de Nikhat. Covardia. Exatamente. Cada atitude sua, cada decisão que tomara nos anos anteriores tinha sido repleta de sua covardia, de seu ego, de seu orgulho ferido. Escondera tudo sob o rótulo de culpa, chamara tudo de penitência. Mas Nikhat tinha razão. Como podia ir embora sabendo tudo que sabia? Talvez, se Ayaan não o tivesse trazido de volta, se não tivesse visto quanto o irmão precisava dele, se não tivesse se dado conta de que seria tio... Azeez se sentia partido ao meio, com todas aquelas questões antigas corroendo-o por dentro. Talvez não fosse adequado para governar Dahaar, mas podia ajudar o irmão. Não podia continuar esquecendo que sua família nascera para servir Dahaar e seu povo. – Azeez – saudou-o Ayaan, entrando no escritório. – Está tudo bem? Meneando a cabeça, ele apontou para uma pasta de arquivo que deixara na mesa. – Dei uma olhada nas emendas do tratado. O que o comitê de Zayed está sugerindo é razoável. Se eu fosse o novo sheik de Zuran, meu primeiro ato seria restaurar todos os direitos que o tio dele assinou sobre o petróleo da nação. Meu palpite é o de que ele precisa que isso aconteça para que possa derrotar o Alto Conselho. Lembre-se: em Zuran, o Alto Conselho tem o voto final em tudo, até na eleição do sheik. Se apoiarmos a vitória dele agora, vamos ter conquistado um poderoso aliado. Podemos usar isso até para obter melhores tratados de impostos. Ayaan envolveu-o num abraço.
– Eu havia me esquecido de como você costumava esfregar na minha cara o fato de que é melhor do que eu em tudo. – Acredite, Ayaan, eu não sou. – Pela primeira vez, as lembranças que dominaram Azeez não lhe roubaram o fôlego. – Também preparei uma declaração oficial para você. Passe-a para o seu conselheiro econômico. Nós não podemos... Dahaar não pode parecer fraco para Zayed. Concordando com isso, estamos mostrando boa-fé, não capitulando sob ameaça de guerra. Ele precisa entender isso. Ayaan pegou a declaração que Azeez havia escrito à mão. – Isto é brilhante. Ficou acordado a noite inteira? – Sim. Ayaan afundou em sua cadeira com um profundo suspiro. – Porque está se preparando para fugir no meio da noite? Azeez esforçou-se para controlar a irritação. Merecera aquilo. – O meu destino está em suas mãos. – O que quer dizer? – Vou lhe contar por que não voltei, por que tremi diante da ideia de enfrentar o olhar do nosso pai, por que não suporto ver as lágrimas da nossa mãe. E, então, você decidirá. Você decidirá o meu destino, e eu aceitarei o que disser.
CAPÍTULO 11
AZEEZ FECHOU a porta de seu quarto. Não houvera julgamento nem raiva nos olhos de Ayaan. Ambos haviam derramado lágrimas por causa da irmã, e Azeez entendera por que, por trás da fachada de força, o passado atormentava o irmão na forma de pesadelos. Com tudo que sobrecarregava Ayaan, Azeez prometera ajudá-lo. Passaria o resto da vida a serviço do irmão. Instantaneamente, pensou em Nikhat. Ele a estivera evitando, ainda que suas palavras não o tenham deixado. Ela parecera prestes a desmoronar, como se, de algum modo, a dor dele a tivesse transformado. Ansiava por abraçá-la, beijá-la, oferecer-lhe consolo e, ainda assim, não podia. Queria dizer-lhe que iria ficar em Dahaar, agradecer-lhe por ajudá-lo a encontrar a si mesmo novamente, seu propósito na vida outra vez. Mas não pararia por aí. Sabia como era beijá-la, abraçá-la e como era cada som íntimo que ela emitia, e não podia deixar de querer aquilo. E querê-la dessa maneira outra vez, deixá-la embaralhar suas emoções quando começava a encontrar propósito na vida novamente, era inaceitável. Ele avistou um envelope amarelo marcado como “Confidencial” em sua mesa e gelou. Eram os relatórios médicos sobre Nikhat que pedira quatro dias antes, quando ela dormira na sua cama. A papelada era vasta, e ele se serviu de um drinque enquanto a examinava na mesa. Não tocara naquela bebida durante cinco semanas, não desde que lhe atirara aquela garrafa. Não precisava mais. Assim como não precisava saber o que Nikhat passara. Podia jogar fora o envelope e esquecer que o solicitara. Mas, obstinado, continuou lendo. Havia registro após registro. Ela se consultara com muitos médicos, em Dahaar e no exterior. Finalmente, encontrou uma página em que as palavras técnicas faziam sentido claro. Na metade do relatório sucinto, gelou, e seu mundo virou de ponta-cabeça. Nikhat talvez nunca pudesse ter filhos. De repente, cada palavra dela e cada atitude que tivera fizeram sentido. Nikhat o deixara não porque queria seguir seu sonho de ser médica e ter sua liberdade mais do que a ele. Azeez sentiu um aperto no peito.
O que teria feito se ela tivesse lhe contado a verdade? Aquilo jamais a teria diminuído aos seus olhos. Ele teria... Respirou fundo, inquieto demais para conter as emoções. Nikhat nunca lhe contara toda a verdade. Ela havia sacrificado a própria felicidade para que ele pudesse cumprir seu dever. Era a mulher extraordinária que julgava. A constatação veio acompanhada de um fio de esperança e de terrível angústia. Angústia pelo fato de ela nunca ter confiado nele o bastante para lhe contar seu segredo, a verdade. Depois de tudo que contara a ela, depois do turbilhão de culpa e dor que vivenciara ao contar novamente sobre aquele dia horrível a Ayaan, não deveria estar sentindo nada. Estar entorpecido por dentro teria sido uma bênção. Mas era evidente que não. Ainda não matara tudo dentro de si que o fazia sentir. Assim, foi vê-la, a mulher que, ao que parecia, teria sempre algo para lhe ensinar, que sempre o guiaria. NIKHAT TERMINOU de lavar o cabelo na luxuosa banheira, ocorrendo-lhe que, àquela altura, o restante dos criados já teria se recolhido para a noite e ela poderia ir à procura de Azeez. Precisava vê-lo, precisava lhe falar. A grandiosa decoração de seus aposentos, a vista do céu salpicado de estrelas, arcos e caminhos no pátio abaixo de sua varanda – nada conseguira distraí-la. Nem mesmo o banho a ajudara a relaxar. Colocando o cabelo molhado para trás com uma das mãos, estendeu a outra mão para pegar uma toalha, quando Azeez apareceu subitamente na entrada do banheiro. Tinha o cabelo negro úmido e usava uma camisa branca. Observou-a com um brilho especial no olhar, como se a possuísse. Sem dizer uma palavra, estudou-lhe o corpo nu demoradamente, e ela não se envergonhou, embora segurasse a toalha na prateleira com força. – Saia da banheira. As palavras ditas num tom baixo, tenso, fizeram o que o brilho ardente nos olhos dele não conseguiu. Lançaram uma onda de apreensão sobre ela, deixando-a com a pele arrepiada. Algo estava errado, algo além do fato de que ela o pressionara a reviver seu pior pesadelo porque quisera ter certeza de que tomara a decisão certa. – Lamento quanto a ontem à noite. Não quis pressionar você. O silêncio tenso se prolongou e, estremecendo, ela aproveitou para se enxugar com a toalha. O fogo do desejo cintilava nos olhos de Azeez enquanto lhe acompanhavam os movimentos, porém havia algo mais que ela não compreendia. Inclinou-se para enxugar a perna e, de repente, deu-se conta de que Azeez estava muito próximo. Conteve uma exclamação de surpresa quando ele lhe tirou a toalha da mão, jogando-a atrás de si. Segurou-a pelo pulso, puxando-a de encontro ao seu peito. Nikhat segurou-lhe o tecido macio da camisa branca, e seus mamilos latejantes comprimiramse contra o peito de Azeez. Somente, então, deu-se conta da intensidade da emoção que ele estava tentando reprimir. Foi algo na maneira possessiva como lhe segurou os quadris, na maneira como pressionou a ereção no ventre dela. Foi como se estivesse zangado. Mas Nikhat não teve medo, nem tentou se soltar. Em vez disso, deu ouvidos aos anseios primitivos de seu corpo. Não houve lugar para mais nada a não ser o modo como Azeez afagou
seu rosto com o polegar, como lhe acariciou o lábio inferior. Um delicioso calor envolveu-a, os mamilos ficaram intumescidos e o sexo úmido se contraiu em resposta. Nikhat o abraçou pelos ombros quando ele colocou o dedo polegar em sua boca. Estremecendo de prazer, sugou-lhe o dedo com vagar. Movida pelo instinto, encostou-se mais nele, sentindo-lhe a ereção em seu ventre. Um imediato pulsar entre suas pernas a fez fechá-las com força. Inclinando a cabeça, lambeu a curva do pescoço dele, sentindo-lhe o gosto da pele. Queria dizer algo, perguntar-lhe o que havia de errado, confortá-lo se pudesse, mas as palavras lhe faltavam, como se seu corpo estivesse sob uma avalanche de sensações, como se não pudesse processar um pensamento sequer, quanto mais falar. Azeez pegou-a pela cintura e ergueu-a, indo posicioná-la em frente ao grande espelho que encimava o gabinete de mármore do banheiro. Uma onda de expectativa dominou-a enquanto ele se livrou da camisa. Nikhat admirou-lhe o peito, os mamilos escuros. Quando ele baixou a calça folgada e sua ereção roçou as nádegas dela, Nikhat não pôde mais pensar em nada a não ser no anseio para senti-lo dentro de si, rumo a um mar de prazer. Seus seios ficaram pesados, os mamilos enrijeceram diante do olhar faminto dele. – Alguma vez você já me falou a verdade? A pergunta de Azeez rompeu o silêncio, mas ela não pôde se concentrar porque ele descrevia círculos com o dedo em torno de seu mamilo, deixando-a ofegante. Soltou um gemido deliciado quando ele finalmente lhe beliscou o bico do seio. Tremores de excitação a percorreram, deixando-a ainda mais molhada. Segurou os pulsos dele para lhe manter os dedos em seus mamilos rijos, precisando de mais, pronta para implorar por mais. Ficou desapontada, porém, quando ele apenas moveu as mãos sobre seus seios sem tocar os mamilos e desceu mais até o ventre sem tocá-la onde ansiava por ser tocada. Conteve um soluço angustiado no momento em que percebeu o que estava acontecendo. Azeez a estava punindo. O que estava em questão ali não era fazerem amor. Era a fúria que estava dentro dele buscando uma válvula de escape. E não porque estivesse lhe negando o que ela queria. O que pretendia era ser o dominador ali. Ainda assim, ela não conseguia dizer não. Porque, se dissesse, ele pararia. Ele lhe tocou as costas, fazendo com que se curvasse. Apoiando-se nas mãos, Nikhat inclinouse para a frente até que seus seios tocassem a bancada de mármore do gabinete. Os mamilos endureceram com o frio, mas isso não foi nada em comparação às chamas da paixão que a consumiam. Azeez beijou-lhe o ombro e acariciou-lhe as costas com a língua e os lábios úmidos. – Abra as pernas – sussurrou-lhe ao ouvido. Tomada pela expectativa, ela obedeceu. Levando a mão até a frente, Azeez afagou-a com a palma, movendo-a acima do centro de sua feminilidade. Ela estava ofegante agora, movendo seu corpo no mesmo ritmo dos afagos. Estava tão perto do prazer absoluto; podia sentir. Seu corpo inteiro estremecia, pronto para chegar ao clímax com uma carícia certeira. Mas Azeez não a acariciou. Abraçou-a por trás até que sua ereção encostasse nela, e Nikhat virou a cabeça para olhá-lo. Desejo. Raiva. Fúria. Todas aquelas emoções se evidenciavam nos olhos dele.
– Por favor, não se feche para mim agora. Mas, em vez de lhe responder, Azeez segurou-a pelos quadris e penetrou-a com uma investida longa, profunda. Nikhat fechou os olhos e gemeu no momento em que seu corpo foi tomado pelos espasmos de um clímax incrível. Abraçando-a pela cintura com a mão, ele a segurou com força junto a si até que os tremores cessassem. NIKHAT ESTAVA linda à sua frente, e Azeez não conseguia ver nada além de seu corpo trêmulo, nem perceber nada além da sensação de tê-la em torno de si. Afagou-lhe as costas, sentiu-lhe a pele acetinada contra as palmas de suas mãos, o corpo dela se moldando à sua vontade e ao seu desejo. E, ainda assim, ele não estava satisfeito. A dor dentro de si não cessava. – Azeez. – Nikhat se virou para olhá-lo da posição em que estava, acima do gabinete. Ele estava dentro dela, dizendo a si mesmo para soltá-la, para parar antes que criasse novas mágoas. Olhou-a, e a raiva que o impelira a usá-la daquela maneira cessou. Inclinando-se, tomou-lhe os lábios com um beijo ardoroso. Ela retribuiu o beijo com idêntico desejo, com um desespero que o tocou. Agora, ela era sua da maneira que queria. Apenas os dois existiam juntos. Ele poderia ter morrido feliz naquele momento. Deslizando as mãos pelo corpo sensual dela, segurou-lhe os seios e estimulou-lhe os mamilos. Nikhat arqueou o corpo na direção dele, e Azeez deu uma arremetida de volta. O som do gemido baixo que ela emitiu, o contato dos quadris dele contra os dela, o tremor nas pernas compridas dela enquanto ele se movia de maneira ritmada... Azeez se deixou enlevar por todas as sensações criadas. Ela era perfeita para ele em todos os sentidos, como sempre presumira, e a possuiu lenta e deliciosamente até que lhe sentiu o sexo se contrair em torno de si. A cada lenta arremetida, mergulhou mais no calor úmido dela; a cada onda de prazer que sentiu, liberou a raiva, a mágoa dentro de si. Buscando dentro de si o restante de seu controle, beijou-lhe as costas e lhe disse ao ouvido: – Eu teria encontrado um meio. Eu teria protegido você. Azeez encontrou-lhe o centro do prazer e girou-o entre os dedos com gentileza. O clímax de Nikhat foi imediato e seu sexo se contraiu em torno dele, as contrações de seus músculos levando-o ao próprio clímax. O êxtase reverberou por Azeez, fazendo-o esquecer de tudo mais, exceto a mulher em seus braços. Ainda dentro dela, segurou-a junto a si por mais um momento, inalando-lhe o perfume, provando-lhe a pele com seus lábios, deliciando-se com o calor de seu corpo. Nikhat sentia afeição por ele. Sabia disso. E ela havia voltado e o ajudara a enxergar a luz no fim do túnel. Mas ele não se conformava com a verdade que lhe escondera, com o sacrifício que fizera. Ela era tudo que ele sempre achara que era e, pelo mesmo princípio, ela se colocara fora do seu alcance.
Seu primeiro instinto era o de prendê-la ali, de mantê-la ali com seu poder até que não houvesse lugar para onde pudesse ir, deixá-la sem escolha a não ser ele. Tratou de lutar contra os desejos egoístas porque não queria fazê-la sofrer. Sua natureza passional, porém, rebelou-se contra a ideia de desistir de Nikhat. Pegando-a no colo, levou-a para a banheira outra vez. Abrindo a água, banhou-a com o sabonete de jasmim que ela adorava. Enxugou-a, embrulhou-a num robe e carregou-a até a cama. Então, viu-lhe as lágrimas nos bonitos olhos castanhos. Nikhat pegou-lhe o pulso e o beijou enquanto ele ajeitava as cobertas. – Durma, habeebi – sussurrou-lhe, e deixou a suíte sem olhar para trás. Seu coração, finalmente, parecia uma pedra dura dentro do seu peito. Algo que ele estivera lutando para obter durante seis longos anos.
CAPÍTULO 12
NIKHAT DESPERTOU de um sono agitado às cinco da manhã. Afastando as cobertas, levantou-se com o corpo dolorido. Na verdade, era mais uma espécie de sensibilidade do que dor propriamente dita e, com certeza, valera a pena. Por vários segundos, ficou parada, com a mente rodopiando, enquanto tudo que Azeez dissera se encaixou como peças de um quebra-cabeça. Eu merecia a verdade, Nikhat. Como ele sabia? Ela se esforçou para controlar as emoções enquanto o coração disparava. Vestindo uma túnica e uma calça justa, apanhou um xale para colocar sobre o peito. Os corredores do palácio estavam vazios, assustadores, e ela não pôde afastar a impressão de que algo ruim aconteceria. Não, não iria pensar daquela maneira. Esforçou-se para que a ansiedade desse lugar ao alívio. De algum modo, Azeez descobrira a verdade. Tinha direito à sua raiva. Mas, quando o choque inicial passasse, certamente entenderia por que ela tomara a decisão de deixá-lo todos aqueles anos antes. Parando diante da porta da suíte dele, respirou fundo. Tudo em sua vida pareceu em suspenso. Quando abriu a porta, teve que piscar algumas vezes diante do brilho ofuscante da luz. Cerca de vinte homens estavam dentro do quarto, conversando em pequenos grupos, alguns usando laptops, outros tomando notas com Ayaan. Nikhat não pôde conter uma exclamação de perplexidade. Um a um, os rostos dos estranhos se viraram na sua direção. As vozes baixas se calaram e choque e até reprovação diante de sua presença se evidenciaram em cada fisionomia. Por um momento, ela achou que desmaiaria sob o peso da própria ansiedade. Foi então que o viu, sentado numa poltrona dourada, revestida de veludo vermelho, observando-a calmamente com uma expressão neutra: Azeez. Parecia frio e distante como um estranho, não o homem que conhecia tão intimamente. Mas ela continuou ali, olhando-o. Não fingiu confusão e correu, como o lado racional a aconselhava a fazer. Ouviu a voz de Ayaan num canto da mente, ordenando a todos que se retirassem. Depois que todos saíram, ela entrou, fechando a porta atrás de si. Ainda não havia reação no rosto de Azeez.
Ele apenas a observava com uma expressão glacial nos olhos, e foi quando ela começou a se preocupar. Aproximou-se dele. Na neutralidade da expressão de Azeez, no turbilhão de preocupação e medo que a invadiam, ainda havia aquela corrente eletrizante entre ambos. – Deixou que todos o vissem. – Você também. O que acontecerá com a sua reputação, com seu sonho, com sua clínica agora? Não havia ameaça nas palavras dele, mas foi a ausência de tudo mais que produziu um calafrio na espinha de Nikhat. Tinha, porém, de resolver aquilo. Azeez entenderia por que, veria quanto o amava, quanto era doloroso estar longe dele. Dessa vez, não queria ir embora, não queria partir seu coração outra vez. – Você não deixará nenhum mal acontecer à minha reputação, nem ao meu sonho. Azeez levantou-se com um sorriso frio. – Você confia em mim agora? Sendo que não confiou o bastante em mim para me contar a maior verdade das nossas vidas? Ela segurou as mãos dele com desespero. – Fiz isso por você. Os médicos disseram que as chances de eu conseguir engravidar eram quase nulas. Que, mesmo que eu parasse com a medicação e tentasse, não haveria garantias. Naquela viagem que fiz a Nova York, o médico fez uma cirurgia imediatamente para remover algumas das lesões. Quando voltei, me senti tão sozinha, tão assustada. Queria contar a você, queria chorar. Então meu pai disse que a sua coroação era iminente. Meu coração se despedaçou. Eu mal me sentia como uma mulher, e, para ser sua esposa, para ser a rainha… Mas vim ver você assim mesmo. E você… – Lágrimas escorreram pelo rosto dela. – Você estava tão empolgado. Disse que mal podia esperar para seguir os passos do seu pai, para acrescentar sua própria marca à história dos Al Sharif, para criar um legado que seu herdeiro e seus demais filhos levassem adiante. Você precisava de uma rainha, de uma esposa que lhe desse filhos, de uma mulher cuja presença ao seu lado acrescentasse força ao seu governo, ao seu regime. Nikhat enxugou o rosto com as mãos. – Você era vibrante, charmoso, um príncipe do mundo. Eu já não era nada em comparação a você. Então, descobrir que talvez eu nunca pudesse conceber um filho, que eu era falha exatamente naquilo em que você precisava de mim... Meu coração ficou arrasado. Azeez segurou-lhe os braços. – Não ouse chamar a si mesma de “falha”. – Mas eu sou. Passei a vida vendo meu pai desapontado por não ter tido um filho. Minha mãe sabia dos riscos que a sua saúde estava correndo e, ainda assim, teve um bebê atrás do outro. Um homem culto como Richard... Ele sabia sobre o meu problema e disse que estava tudo bem quanto a isso. Exceto quando decidiu que queria filhos. Foi tão doloroso enfrentar essa realidade, ver negada a minha chance de felicidade apenas porque... Deus do céu, se isso tivesse acontecido em relação a você, se fosse o seu ressentimento que eu tivesse de ver todos os dias, ou, ainda pior, se você tivesse que arranjar outra esposa para lhe dar um herdeiro, isso teria me matado. – Como ousa me comparar a outro homem, analisar meus sentimentos como se eu fosse um objeto da ciência? Você não sabe o que eu teria dito ou feito. Eu era um homem honrado. Teria amado você. Eu teria encontrado…
– Acha que duvidei das suas intenções? – Foi a vez dela de gritar. – Acreditei na sua palavra, no seu amor. Não pude lhe impor essa escolha. Você teria me odiado mais tarde, teria se ressentido de mim por essa escolha. Não pude suportar a ideia. Não pude... Azeez a abraçou com gentileza. – Você partiu meu coração e nem sequer me contou a verdade. Só pensou em si mesma. Nikhat o fitou, e a perda que viu no rosto dele disse tudo em meio ao silêncio. – Eu amo você. Não me lembro de um momento da minha vida em que não amei. – Você sabe o significado dessa palavra? Mesmo que eu pudesse entender por que não me contou tantos anos atrás, e quanto às últimas semanas? Eu revelei tudo para você, deixei que visse o meu lado mais sombrio. Tudo o que fez foi se proteger, mesmo quando fez amor comigo. Foi o seu orgulho ou o seu amor que levou você a esconder a verdade mesmo assim? – Lamento muito. Eu estou aqui agora. Serei sua de qualquer maneira que você me quiser. Qualquer indício de que Azeez tivesse se abrandado desapareceu, deixando aqueles olhos negros vazios outra vez. Ele jamais parecera tão inacessível, tão longe do alcance do coração dela. – Porque agora acha que estou tão falho quanto você? Nikhat se encolheu como se tivesse sido esbofeteada. – Nunca pensei isso. – Você estava certa. Se eu tivesse me casado com você na época, teríamos destruído um ao outro com dúvidas e inseguranças. E, agora, não resta nada além de amargura do passado, nada além de sonhos desfeitos e impossíveis entre nós. Talvez nunca tenhamos sido dignos um do outro. Azeez se afastou em direção à porta e sua retirada foi definitiva, levando consigo todo o calor da sala. – Você deixará o palácio amanhã. Haverá uma nova obstetra para a princesa Zohra. Ninguém ousará falar sobre ter visto você aqui, ninguém ousará apontar um dedo na direção da sua família. Não depois do serviço que você nos prestou. Ou irão enfrentar a ira da coroa. Azzez respirou fundo, então falou: – Você terá sua clínica. Ficará com as suas irmãs. Obrigado por tudo que fez por mim, Nikhat. Eu a libero de sua promessa. POUCOS DIAS haviam se passado, quando Azeez soube que seus pais estavam de volta a Dahaar, no palácio. Ainda assim, parecia que uma eternidade se passara desde que tomara a decisão que ditaria o resto de sua vida. Correndo as mãos pelo cabelo, respirou fundo quando o guarda anunciou sua chegada na suíte particular deles. Ficou aliviado quando viu que Ayaan e Zohra também estavam à espera. Tomara a decisão certa. Mas ainda precisava do apoio do irmão nesse momento. Dor, sofrimento e uma gama de emoções o tomaram de assalto como uma avalanche quando se aproximou da mãe. E a dor que viu nos olhos dela, o anseio enquanto o estudou... Tudo isso atravessou o coração dele de maneira pungente. Como fora egoísta em privá-la daquela alegria depois do que ela já enfrentara; como fora tolo em privar a si mesmo do calor e da compreensão que o envolviam agora...
Pegando-lhe as mãos, Azeez a fez se levantar. Lágrimas escorriam livremente pelo rosto dele agora. – A senhora me perdoa? O pranto convulsivo escapou dos lábios dela quando o abraçou com força. Envolvendo-a com seus braços, ele a amparou durante os soluços sentidos que a fizeram tremer e sussurrou-lhe pedidos de desculpas e promessas, enfim encontrando algum tipo de paz. – Eu sabia. E depois de todos esses anos também... Está vendo isto, Zohra? – disse Ayaan. Sorrindo, a esposa virou-se para olhá-lo. – O quê? – Ele ainda é o favorito dela. Não me lembro da nossa mãe me abraçando com tanta força quando voltei – explicou Ayaan, e o riso ecoou pela sala da suíte. Encontrando o olhar do irmão, Azeez meneou a cabeça em agradecimento. Devia-lhe tudo e estava determinado a passar a vida livrando-o de qualquer fardo que pudesse. Era assim que sempre havia sido. Sua família era sua força, sua alegria. Amira se fora, mas sempre teria um lugar no coração deles. Pousou o olhar na princesa Zohra e na felicidade que viu nela. Ficou enternecido. Mesmo com o coração frio no peito, ainda tinha muito no mundo pelo que viver. Depositou um beijo na fronte da mãe, sentindo-se mais calmo. Enxugando as lágrimas do rosto com as mãos, a mãe sorriu-lhe. – Eu tenho os meus filhos de volta. – Virou-se na direção do marido com a habitual dignidade. – É mais do que eu podia esperar. Aproximando-se do pai, Azeez segurou-lhe as mãos. Notou como o passar dos anos o havia envelhecido. Era tempo de livrá-lo de seu fardo também, de deixá-lo descansar, não importando que estivesse enterrando o próprio coração nesse meio-tempo. Quando tentou lhe falar, o pai sacudiu a cabeça. – Vamos deixar o passado para trás, Azeez. Você está aqui agora e preparado para ajudar o seu irmão a servir Dahaar. Foi tudo que sempre pedi a você e a Ayaan. Azeez ajoelhou-se na frente de seu rei, o homem que lhe ensinara tudo que sabia, o homem de quem sempre seguira o exemplo. E sentiu que era certo o que estava prestes a dizer, soube que a mulher que amava, que sempre amaria, teria orgulho do homem que ele finalmente se tornara novamente. – Se o senhor e a minha mãe me permitirem, e se for aceitável para Ayaan, vou passar o resto da minha vida fazendo o que nasci para fazer, o que o senhor me preparou a vida inteira para fazer, pai. Estou pronto para ser rei, pronto para ser servo de Dahaar pelo resto da vida. A exclamação de surpresa da mãe, o grito de alegria da princesa Zohra, os olhos marejados do pai, o brilho de orgulho nos olhos de Ayaan... Nada passou despercebido a Azeez, dando-lhe a força de que precisava, enquanto o irmão o envolvia num abraço apertado. O “sim” simples do pai reverberou na sala. E, diante das congratulações que se seguiram pelo restante do dia, da alegria e das celebrações que começaram a tomar conta do palácio, apesar das perguntas preocupadas de Ayaan sobre Nikhat e ele, Azeez manteve um sorriso no rosto e engoliu a própria mágoa.
CAPÍTULO 13
NIKHAT LAVOU as mãos na pia do banheiro anexo ao seu consultório e apanhou uma toalha. Embora o prédio de sua nova clínica tivesse ar-condicionado e já fizesse algumas semanas que ela voltara a Dahaar, ainda não estava acostumada ao calor escaldante do dia. Recusando-se a olhar no espelho e mergulhar numa onda de autocomiseração, voltou à área dos consultórios. Depois de quase um mês, ainda ficava sem fôlego a cada vez que olhava ao redor e lembrava que estava vivendo seu sonho. A nova clínica era mais do que qualquer coisa que pudesse ter esperado, em tamanho, abrangência e modernidade, graças aos príncipes de Dahaar. Havia um mês que deixara o palácio, ou que fora “convidada a se retirar”. Não se permitira parar para pensar nem por um minuto. Quando a noite chegava, adormecia, exausta, depois de ter ficado horas de pé. Embora todo o quadro administrativo já estivesse completo, havia entrevistas que ela estava conduzindo para encontrar mais pessoal qualificado para atender as pacientes. Ficava entusiasmada a cada vez que via seu nome na placa do lado de fora do prédio. Ao mesmo tempo, porém, sentia uma dor profunda em seu peito, um anseio tão intenso que achava que jamais conseguiria sorrir outra vez. Era difícil ignorar o fato de que Azeez estava a poucos quilômetros dali, no palácio, principalmente porque ele jamais estivera tão distante. Aquele estava sendo um mês em que ela sentia seu coração se partindo de novo a cada dia, no qual Dahaar e seu povo haviam vibrado com a notícia de que o príncipe Azeez bin Rashid Al Sharif estava vivo e de volta. Naquela tarde, a princesa Zohra foi vê-la ali. Nem a princesa nem Ayaan podiam chamá-la ao palácio, nem seu nome podia ser mencionado lá. Fora a condição que Azeez impusera ao irmão. – Quero que você faça o meu parto, Nikhat, e virei à sua clínica alguns dias por semana – dizia ela. – Tenho uma obstetra de plantão no palácio, mas eu não dispensaria os seus serviços por nada. E o fato de eu vir até aqui será bom para divulgar a clínica. Segurando-lhe as mãos, Nikhat sorriu. – Claro, princesa Zohra, eu... – Não pode ser apenas Zohra para você? Aliás, você nem sabe como estou feliz em não ter mais que ser a rainha. Sei que Ayaan vai estar extremamente ocupado, mas ao menos... Nikhat gelou.
– Mas a coroação de Ayaan... Ia ser daqui a 15 dias. Vai ser adiada? – Não. Mas não vai mais ser de Ayaan. Nikhat se deu conta do que Zohra estava dizendo, e a cor se esvaiu de seu rosto. – Ele... – Por Alá, era doloroso até dizer o nome dele. – Ele... vai ser o rei? Zohra cobriu-lhe a mão gelada com a sua sobre a mesa do consultório. – Sim. Um pronunciamento vai ser feito amanhã. Há uma grande correria no palácio. Pode imaginar? Eles têm pouco mais de uma semana para lhe arranjar uma... – Uma esposa – completou Nikhat, com um aperto no peito. Um príncipe precisava de uma esposa para ser rei. Nikhat sentiu as paredes do consultório que adorava se fechando em torno dela. Não podia continuar vivendo em Dahaar e ver Azeez aparecendo em público com a esposa que lhe daria filhos, uma mulher desconhecida ficando com tudo que ela queria. – Se está pensando em fugir outra vez, não dará certo. – O que posso fazer, Zohra? Parti meu próprio coração da última vez. Não posso dar o que ele precisa. – Não acredito que o homem que passei a conhecer nos últimos tempos, levando em conta tudo que ele enfrentou, entregue seu coração facilmente, ou que se ressinta do que você não pode mudar. Você conseguiu chegar até o fundo da alma dele quando nem o irmão conseguiu. Isso não lhe diz algo? – Você sabe de tudo? – Ayaan me contou depois que eu o importunei sem parar para que me falasse sobre você e Azeez. Não posso imaginar como você deve ter se sentido quando descobriu sobre o seu problema. Mas como isso vai ditar sua vida depende de você. Nikhat sorriu por entre as lágrimas. – Obrigada, Zohra. – Eu me sinto segura em suas mãos. Mas não vim por sua causa. Vim por causa dele. – Azeez? – Não gosto da expressão que voltou aos olhos dele. É como se fosse o meu irmão também. E o meu rei. Tem a minha lealdade. Mas, se você se aproximar dele, tenha a certeza de que sabe o que quer, Nikhat. Porque não é a aceitação de Azeez que você está buscando, é? Depois que Zohra se foi, o peso de suas palavras deixou Nikhat num turbilhão de emoções. Ninguém nunca lhe falara de maneira tão aberta, direta e eficaz. À noite, em casa, o riso e a conversa das irmãs a envolveram com o costumeiro calor, mas era como se seu coração estivesse gelado. Ao menos, o clima tenso se dispersara com o pai. Vendo-a abatida algumas semanas depois que chegara, ele a chamara para uma conversa que a surpreendera. Dissera-lhe que entendia que ela não era convencional e que jamais quisera que a mãe se arriscasse para ter um filho varão. Explicara que a mãe dela tivera uma obsessão para ter um menino. – Por que eu teria a necessidade de um filho se já tinha você, que, de todas as maneiras que importavam, sempre me ajudou tanto quanto pôde? Segurando-lhe as mãos, o pai a olhara com amor e orgulho inconfundíveis. – Desde o momento em que nasceu, Nikhat, você me cativou. Conforme foi crescendo, de fato não se tornou convencional como se esperaria numa filha. Mas eu a amei desde o início como amo cada uma das suas irmãs. E você foi uma revelação. Eu não tinha ideia de como
canalizar a sua inteligência, sua sede por mais do que eu podia prover. Tive medo, mas também muito orgulho quando o rei Malik deu instruções para que fosse educada ao lado da princesa Amira. Nikhat soltou um suspiro, relembrando a conversa. Ao final, havia julgado o pai duro de coração, mas se enganara. Na verdade, ele lhe dissera que não voltasse mais a Dahaar porque soubera que uma mulher com seu problema, com sua dificuldade em conceber filhos, só teria sofrido ali. O pai a amava à própria maneira e tentara protegê-la como soubera. Com o coração disparado de repente, ocorreu a ela que precisaria ter uma conversa esclarecedora daquelas com Azeez. Teria de lhe abrir seu coração, esperar que ele aceitasse seu amor e que visse que ela estava pronta para ficar ao seu lado. Azeez já tomara sua decisão na última noite que haviam passado juntos? Não se dera conta de que o pressionara para fazer uma escolha. O amor dela, ou seu dever como rei? E depois de tudo que ele enfrentara para se reencontrar... Ela precisava acreditar que Azeez ainda a amava. Não conseguia pensar num futuro sem ele agora. E, se queria partilhar sua vida com Azeez, precisaria enfrentar o fato todos os dias de que talvez nunca tivesse filhos. Todos questionariam sua elegibilidade, uma nação inteira se perguntaria sobre sua incapacidade de conceber. Mas ele... jamais se ressentiria dela. Amara-o antes que houvesse culpa e uma expressão sombria nos olhos dele e amava-o pelo homem honrado que era agora. Implicar que Azeez não sentia o mesmo por ela era questionar a própria honra, a própria natureza dele, aquilo que o tornava Azeez Al Sharif. O tempo todo, ela achara que aceitara seu problema, achara que construíra uma vida para si mesma, que fora em busca de seus sonhos apesar de tudo. Mas roubara de si mesma sua maior felicidade, fora para longe do homem que amara mais do que a própria vida. Sua força não passara de uma miragem, de uma ilusão. Pela primeira vez na vida, sentiu que estava pronta para escolher a própria felicidade, que era digna do homem que amava. FALTAVAM DEZ dias para a coroação, e ele não sabia quantos para tomar uma esposa. Conhecera algumas das “candidatas elegíveis” pela manhã. Não se lembrava dos seus nomes, muito menos de seus rostos. Nenhuma era a mulher que queria com todas as suas forças. Irritado, Azeez dispensou o fisioterapeuta e tentou mover a junta do quadril da maneira como Nikhat havia lhe ensinado. Em vez disso, tudo que conseguiu foi ver o rosto dela. Os lábios cheios apertados, o coração em seus olhos magoados, os braços em torno de si enquanto se preparava para enfrentar as palavras cruéis dele. A dor em seu coração era opressiva. Ele ouviu a porta se abrir atrás de si e esbravejou que queria ficar a sós. Houve silêncio. Então, ele sentiu. A brisa da noite que chegou até suas narinas carregava o perfume de jasmim... Ele se virou no momento em que ela o alcançou. Ela era luz e calor, era a mulher mais bonita e corajosa que já vira no mundo.
Azeez sentiu um aperto no peito em olhá-la e não poder tocá-la. Dando um passo atrás, cortou impiedosamente o fio de esperança que sentira. – A quem tenho que punir por ter deixado você entrar aqui? Ela não respondeu. Continuou olhando-o avidamente, como se o possuísse. – Nikhat? Piscando, ela lhe encontrou o olhar. – Zohra. – Ah, é claro. Jamais conheci uma mulher tão teimosa, exceto, talvez, você. Por que está aqui? – Você me perdoa, Azeez? NIKHAT ESTREMECEU, sentindo-se agonizando durante os segundos que ele levou para responder. Azeez continuou olhando-a com uma expressão vazia. Parecia cansado e tinha um olhar glacial. E ela se deu conta de que lhe causara aquilo. Desesperada, esforçou-se para afastar a voz do medo que lhe dizia que o havia perdido para sempre. Se o perdesse agora... Enfiando a mão no bolso do casaco leve, pegou a caixa que Ayaan lhe dera havia alguns minutos, antes de tê-la envolvido num abraço que a deixara com lágrimas nos olhos. Gostaria de ter metade da confiança dele. Com as mãos trêmulas, levou o que lhe pareceu uma eternidade para abrir o estojo de veludo. Azeez permaneceu em silêncio. Mas agora ela podia sentir a tensão em torno de ambos, como se alguém tivesse deixado um fio desencapado ali, estalando, faiscando com expectativas, esperança e amor. Ficou boquiaberta quando viu os dois rubis. Um deles era grande e estava engastado num anel simples, e o outro era menor e estava incrustado entre pequenos diamantes acima de um anel. Quase perdeu a coragem. Erguendo os olhos, notou o momento em que Azeez viu os anéis. Ele cerrou o maxilar, mas o conhecido brilho surgiu em seus olhos. – Tome muito cuidado com o que vai dizer, ya habeebiti. – Em vez de assustá-la, porém, o tom de aviso nas palavras dele acalentou-a, tocando-lhe o coração. Segurando as mãos dele, fitou-o nos olhos. – Lamento por ter ido embora e deixado o seu amor. Lamento por não ter confiado em você o bastante. Achei que o meu problema médico me tornava indigna de você, mas foi o meu medo e minhas dúvidas quanto ao seu amor e o meu. Teve de fazer uma pausa para respirar e vencer o nó na garganta. – Sei que você me protegerá do mundo, de todos, até das minhas próprias inseguranças. E eu preciso de você, Azeez. Preciso da alegria que você traz para a minha vida. Estou preparada para ser sua esposa. Estou finalmente preparada para ser sua rainha. A mão que segurava o queixo dela estava trêmula e, quando Nikhat o fitou, o amor que viu nos olhos dele tocou-a a fundo. – Mandar você embora me matou por dentro. – Um tremor percorreu-o, e ela o abraçou com força, dando-se conta de que era medo. – Acabou comigo despedaçar meu coração desse jeito, habeeba. Mas você, com sua magnífica força, seu senso de dever inato, não me deixou escolha. O fato de eu entender que estava apaixonado por você outra vez, compreendendo, ao mesmo tempo, que homem eu precisava ser, acabou comigo. Mas eu não podia lhe pedir que suportasse isso por mim. Não depois de você já ter feito a escolha de se afastar desse exato destino.
– Não. Não de você. – Nikhat o abraçou com mais força. – Eu entendo agora. E lamento muito por eu ter levado tanto tempo para compreender. Eu gostaria... Segurando-lhe o rosto entre as mãos, Azeez tomou-lhe os lábios com um beijo que a encheu de pura alegria. Estreitou-a em seus braços com fervor. – Nunca duvidei da sua força, Nikhat. A sua força diante de tudo que enfrentou, o seu senso de propósito em tudo que realizou, me fizeram entender o que eu precisava fazer. Você me mostrou que eu não podia fugir do meu destino. E eu só o quis com você do meu lado, habeeba. Sorrindo por entre as lágrimas, Nikhat pegou um dos anéis do estojo e o colocou no dedo dele. Ambos tinham sido feitos um para o outro, tinham enfrentado fogo e emergido para encontrar um ao outro novamente. – Você é o homem mais honrado, mais corajoso que já conheci, e é meu. Azeez beijou-a nos lábios, e Nikhat derreteu em seu abraço. – Sempre. – Ele colocou o outro anel de rubi no dedo dela e beijou-lhe a mão, o amor que sentia brilhando em seus olhos. – Você me completa. Sempre completou. Não preciso de um herdeiro. Não preciso de nada no mundo, se você estiver ao meu lado. Você entende? Nikhat meneou a cabeça e seu coração se encheu de júbilo e de ferrenha determinação.
EPÍLOGO
Sete meses depois...
O CHORO alto de bebês, enquanto ele abria a porta de sua suíte, fez com que o rei de Dahaar verificasse se, de fato, havia entrado em seus aposentos reais. Confirmando que estava no lugar certo, fechou a porta dupla atrás de si e recostou-se nela. A cena que o saudou tirou-lhe o fôlego. Sua rainha, a dra. Nikhat Salima Zakhari Al Sharif, estava ajoelhada num tapete centenário, falando suavemente com um bebê de cabelos negros. Atento, o bebê abriu um sorriso, revelando a boca ainda sem dentes. Ela trocou a fralda dele e virou-se para o gêmeo idêntico, que também lhe sorriu. – Sabe de uma coisa? Em vez de ficar parado aí, sorrindo para nós, você poderia vir até aqui e ajudar. O que me diz, Vossa Majestade? Rindo, Azeez deixou a porta e se aproximou. Agachando-se no tapete, pegou o primeiro bebê no colo. O sobrinho não lhe sorriu como fez com sua esposa. Pediria ao assistente que lhe reservasse algum tempo para passar com os bebês. Nikhat estava sempre ajudando Zohra de qualquer maneira, além do trabalho em sua clínica e seus deveres de rainha. Sua esposa, descobrira ele, era uma fonte inesgotável de energia. Nem sua exigente mãe pudera lhe encontrar alguma falha. – Qual dos dois é este aqui? Rafiq ou Tariq? Sacudindo a cabeça, Nikhat pegou o segundo bebê. – Como é possível que não saiba a diferença? Este é Rafiq, três minutos mais velho que o irmão e bastante parecido com Zohra. Tem a teimosia e o temperamento dela. Azeez estudou o bebê que segurava e, depois, olhou para o outro. Não viu nada além de gêmeos idênticos. Ela aninhou Tariq junto a si e produziu sons ininteligíveis. Azeez sentiu um nó na garganta. Sua esposa tinha uma habilidade natural com bebês, um fato pelo qual Zohra parecia eternamente grata, uma vez que estava enfrentando uma depressão pós-parto. Ele temera por Nikhat nas primeiras semanas, depois que Zohra tivera os gêmeos com cerca de uma quinzena de antecedência. Nikhat não conseguira dormir, sempre verificando se os
bebês estavam bem e ajudando sem parar. O coração dele ficara apertado, enquanto esperava e observava, rezando para que Zohra não a afastasse, não ficasse possessiva em relação aos filhos. Não precisava ter se preocupado. O coração de Zohra, ao que parecia, era tão grande quanto seu sorriso. Recebera Nikhat de braços abertos e ficara grata em poder contar com sua ajuda. – Quanto a Tariq, é bem parecido com o pai. Nunca é irritável e tem um sono tranquilo. Sua mãe disse que Ayaan era assim quando bebê. Ambos passaram mais alguns minutos entretendo os bebês. Quando eles começaram a bocejar, Azeez seguiu-a até os berços que ela insistira em manter no segundo quarto da suíte. Eram uma réplica exata dos berços que havia no quarto de Ayaan e Zohra. Quero ser uma tia de verdade, Azeez, e não apenas uma que compra brinquedos ou brinca com os sobrinhos por alguns minutos. Eu quero ajudar Zohra. Depois que os gêmeos adormeceram, Azeez abraçou Nikhat com força. O perfume dela o acalmava e excitava ao mesmo tempo, e não demorou para que o desejo o percorresse. Seguroua pelos quadris, movendo-a de encontro a si para demonstrar o quanto a queria. – Não vejo você há uma semana, esposa. Não quero dividir a sua atenção com os nossos sobrinhos esta noite. Afagando-lhe o cabelo, ela o beijou na boca. Azeez acariciou-lhe a língua com a sua e mordiscou-lhe o lábio inferior, enquanto as ondas de desejo, intensas como da primeira vez, envolviam a ambos. – Agora, eles vão dormir por cerca de duas horas – sussurrou Nikhat. Ligou a babá eletrônica antes de deixarem o quarto. – Como foram as entrevistas em Nova York para os novos médicos? – perguntou Azeez, quando entraram no próprio quarto. Segurou os seios cheios dela, acariciando-os. O contato dos mamilos rijos nas palmas de suas mãos deixou-o febril. Iria sugá-los até que ela emitisse aqueles sons roucos que adorava ouvir, até que chegasse ao clímax e soluçasse seu nome outra vez. Seu nome nos lábios de Nikhat quando faziam amor, o corpo dela enroscado ao seu quando acordavam, o jeito como ela encontrava seu olhar numa sala lotada e lhe sorria, a maneira como o abraçara e chorara depois que fizera o parto dos gêmeos... Por Alá, ele adorava tudo nessa mulher. Ela murmurou alguma resposta, despindo a túnica primeiro e, depois, a calça justa, revelando as pernas compridas e bem torneadas que o enlouqueciam. Estavam ansiosos demais, desesperados demais um pelo outro para se deterem em preliminares. No instante seguinte, ela o fez deitar na cama e sentou-se com as pernas abertas em cima de Azeez. Nada importou a não ser a busca do prazer, a satisfação em se mover dentro dela, de levá-la rumo ao próprio clímax. O êxtase os arrebatou ao mesmo tempo, fazendo-os mergulhar num mundo particular de sensações. Ele a abraçou, beijando-lhe a fronte, adorando as fragrâncias que se misturavam no ar. Ela desenhou círculos deliciosos no peito dele, e Azeez segurou-lhe as mãos. Beijou cada dedo, as palmas, os pulsos, tentando acalentá-la, esperando que ela se abrisse e lhe contasse o que estava pensando. Ao contrário dele, Nikhat nunca dizia tudo que surgia em sua cabeça instantaneamente. Seu primeiro impulso era refletir sobre os problemas sozinha, como fizera por tantos anos. Mas
entendiam um ao outro agora. Nikhat sabia que ele esperaria, o máximo que pudesse, e Azeez sabia que ela se abriria, mesmo que não fosse tão cedo quanto gostaria. Ela finalmente lhe encontrou o olhar com o seu, e ele conteve o fôlego diante da vulnerabilidade naqueles olhos, da confiança que ela lhe demonstrava, do amor. – Eu me consultei com alguns especialistas em fertilidade quando estive em Nova York. Azeez a estreitou mais junto a si. O fato de não poder livrá-la daquela dor era o fato mais agonizante da sua vida. – Minha mãe nunca mais vai lhe falar sobre isso. Está bem? Você nasceu para ser mãe, Nikhat. Dahaar está à espera do seu próximo príncipe regente. Uma lágrima rolou pelo canto do olho dela, e o coração de Azeez ficou apertado. – Não foi culpa dela. Deveríamos ter lhe contado. Todos vão perguntar. – Tive uma conversa com o meu pai e Ayaan. Assim que Zohra estiver um pouco melhor, declararemos que Rafiq é o meu herdeiro, anunciaremos que ele é o futuro príncipe regente. Se eu pudesse sentir essa dor no seu lugar, eu sentiria, habeebiti. Perdoe-me por você ter de enfrentar isso por minha causa. – Não há o que perdoar. Eu havia me resignado a passar minha vida sozinha. Você é a minha força, a minha felicidade. Diga que acredita nisso. – Acredito. – Fiz mais alguns exames. O plano é o de parar a minha medicação e ver o que... – Não. Nunca mais quero vê-la se retorcer de dor. Não quero um filho à custa do seu sofrimento. Isso está fora de cogitação. – Nem sequer sabemos se isso é possível. Tomo esses remédios há tanto tempo que seria uma boa ideia ver como meu corpo reagiria a outros tipos de medicação. Quero tentar isso por mim mesma. Ele viu a determinação nos olhos dela e, mesmo contrariado, cedeu: – Por seis meses. Nikhat revirou os olhos. – Até um casal comum leva seis meses ou mais para conceber. – Não somos um casal comum. – Azeez adorava o brilho nos olhos dela quando se empenhava para não rir. – Somos o rei e a rainha de Dahaar. As leis normais da procriação não se aplicam a nós. Abraçando-o, Nikhat soltou um risinho. O contato de seu corpo curvilíneo no dele deixou-o excitado novamente. – Sim, Vossa Majestade. Você tem um esperma mágico que encontrará os meus óvulos míticos, não importando onde estejam escondidos, e os penetrará. Rindo por entre as lágrimas, Nikhat caiu no colo dele. Azeez beijou-a nos lábios, absorvendo-lhe os sorrisos e a dor. Ela ficou séria e o abraçou com o corpo trêmulo. – Você é a minha vida, ya habeebiti, meu orgulho, meu poder, meu riso, minha alegria. Um ano, Nikhat. Isso é tudo que vou lhe dar. Não deixarei que isso destrua você. Eu perderei a força de vontade que me trouxe de volta se isso tirar você de mim. Compreendeu? Nikhat fitou os olhos do homem mais bonito e honrado que já vira. Não havia um dia que passasse sem que ficasse maravilhada com o milagre que era o fato de o coração e o amor dele lhe pertencerem. Meneando a cabeça, sorriu.
– Sou forte o bastante para isso. Com você ao meu lado, sou forte o bastante para qualquer coisa. – Nikhat entregou-se com abandono ao beijo que trocaram, enlevada pelo amor dele. O que quer que o futuro reservasse, tinha o coração de Azeez e o manteria para sempre.
ALIANÇA DE TENTAÇÃO Chantelle Shaw
Seu bom senso a dizia para se afastar dele, mas ela parecia ter perdido o controle das pernas enquanto sua mente voltava à primeira vez em que ele a beijou. Ele dera uma carona a ela do trabalho para casa. Sentada ao lado dele em seu carro esporte, ela sentira-se ainda mais sobrepujada por ele do que no escritório. Seu cargo limitava suas conversas com ele, praticamente apenas relacionadas ao trabalho, e ela presumira que ele mal a notava. Quando Constantin lhe pedira para falar de si enquanto a levava para casa, ela entrara em pânico, mas ele era seu chefe, então ela relatou os detalhes nada excitantes de como crescera em um pequeno vilarejo de Derbyshire. Ao parar o carro do lado de fora do apartamento dela, ele virou-se, sorrindo, e murmurou: – Você é muito doce. Ela não queria que ele a achasse uma garota doce e tola, mas que pensasse nela como uma mulher. Talvez isso tenha transparecido em seus olhos, porque ele suspirou antes de abaixar a cabeça e cobrir a boca de Isobel com a sua. O corpo dela ganhou vida instantaneamente. Como se ao apertar um botão ele houvesse despertado a sensualidade que ela não testara até aquele instante. Constantin a beijara como ela imaginava que um homem beijaria uma mulher, como sonhara em ser beijada. Isobel ficara intoxicada com a mestria dele e respondera a suas demandas apaixonadas com uma intensidade que o fez gemer. – Muito em breve, vou fazer com que você seja minha, Isabella – disse ele baixinho, num tom de aviso. – O quão breve? – Fora a resposta dela, não se importando com o fato de que sua impaciência revelava sua falta de sofisticação. Agora Isobel estava três anos mais velha, mas caiu no magnetismo sexual de Constantin como se tivesse voltado no tempo e àquele primeiro beijo deles dois. Seu coração espancava suas costelas enquanto ele abaixava a cabeça, mas ficou desapontada quando ele parou a poucos centímetros de seus lábios. – Por que você me abandonou? Você nem mesmo teve a decência de dizer na minha cara que estava me deixando. Tudo que tive foi aquele bilhetinho insultante me dizendo que você tinha
decidido que deveríamos pôr um fim no nosso casamento. Isobel engoliu em seco. Era impossível pensar direito com os lábios dele assim tão tentadoramente perto dos seus. Mais impossível ainda era acreditar que tinha ouvido uma ponta de mágoa na voz de Constantin. Ela ansiava por passar a mão em seu cabelo escuro e sedoso, segurá-lo pela nuca e beijá-lo. Foi preciso toda sua força de vontade para afastar-se dele. – Por que você se casou comigo? – disse ela, respondendo à pergunta dele com outra. – Só por que eu estava grávida de um filho seu? Eu acreditava que a base do nosso relacionamento era mais do que atração sexual, mas, depois que perdi a criança, você ficou tão distante... eu não conseguia me aproximar de você, que nunca queria falar sobre... o que aconteceu. Sua frieza parecia indicar que você gostaria que eu não fosse sua esposa.
464 – O SEGREDO DO SEU TOQUE – CATHY WILLIAMS Giancarlo de Vito precisa da bela Caroline para finalizar o seu plano de vingança. Porém, ela se recusa a colaborar. E Giancarlo terá de usar todo o seu poder de sedução para conseguir o que deseja. 465 – O ÚLTIMO PRÍNCIPE DE DAHAAR – TARA PAMMI A única maneira de o príncipe Ayaan Al-Sharif conseguir restaurar a ordem e calar os rumores do povo é casando-se com Zohra Naasar. Porém, ela não quer perder sua liberdade e impõe uma condição: Seria sua esposa, mas não se deitaria com ele. Será que Zohra conseguirá manter a própria promessa? 466 – ACORDO ULTRAJANTE – SHARON KENDRICK A vida de Ellie Brooks mudou completamente depois da noite que teve com Alek Sarantos. Além de perder o emprego, ela descobriu estar grávida do poderoso magnata. Agora, quer que Alek faça da criança seu herdeiro legítimo… 468 – ALIANÇA DE TENTAÇÃO – CHANTELLE SHAW Isobel Blake está decidida a confrontar Constantin de Severino para virar de uma vez essa página de sua vida. Porém, esse reencontro despertará sentimentos há muito enterrados.
Últimos lançamentos: 461 – SALVA PELA PAIXÃO – JANE PORTER 462 – SEGREDOS DE AMANTE – LYNNE GRAHAM 463 – SALVA PELA SEDUÇÃO – JANE PORTER
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P215r Pammi, Tara O rei legítimo de Dahaar [recurso eletrônico] / Tara Pammi; tradução Tina TJ Gouveia. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital Tradução de: The true king of Dahaar Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-2021-4 (recurso eletrônico) 1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Gouveia, Tina TJ. II. Título. 15-26661
CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3
PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE TRUE KING OF DAHAAR Copyright © 2014 by Tara Pammi Originalmente publicado em 2014 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Nova Jerusalém, 345 Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ – 21042-235 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
O REI LEGÍTIMO DE DAHAAR Texto de capa Teaser Querida leitora Rosto Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Epílogo Próximos lançamentos Créditos