Um voto a ser quebrado? Casar-se com Zohra Naasar está no topo da lista que Ayaan Al-Sharif tem de cumprir em nome do dever. Esta é a única maneira de restaurar a ordem em Dahaar e calar os boatos que o chamam de “príncipe louco”. Zohra conhece o poder destrutivo da obrigação. Sua liberdade já fora roubada uma vez, e ela se recusa a permitir que aconteça de novo. Zohra tentará convencer Ayaan a encontrar outra pretendente, afirmando que jamais dormirá com ele. Para sua surpresa, ele aceita a exigência ultrajante, mas será que esta é uma promessa que Zohra conseguirá manter?
Um trono, muitos segredos!
Zohra sentiu o coração apertar e bater violentamente. O olhar dela encontrou com o do príncipe Ayaan que estava do outro lado da sala. Zohra esperava que ele se mantivesse distante da mesma forma que estivera durante o trajeto de carro. Mas podia jurar que Ayaan estava atento a cada movimento dela, como se eles fossem as únicas pessoas naquela imensa sala. Ela se sentiu ainda mais nervosa por saber que era a causa do olhar ardente, intenso e vivo. E por perceber que a consciência que um tinha do outro adquirira vida própria através do vasto salão. Os dois estariam se ancorando mutuamente ao entrar num caminho que não desejavam percorrer? Zohra respirou fundo, olhou para um ponto acima do ombro de Ayaan e começou a tremer incontrolavelmente. Esse casamento será o que você quiser que seja. Pela primeira vez, Zohra concordava com o pai e pretendia dar o tom do casamento desde o início. Isso queria dizer que precisava se lembrar de que ela e o príncipe eram estranhos unidos pelo dever.
Querida leitora, Para livrar a irmã de um futuro infeliz, a princesa Zohra assume o compromisso de casar com o príncipe Ayaan. Assombrado pelo passado e movido apenas pelo dever, ele acredita ser incapaz de amar e diz para sua esposa que não passariam de estranhos. Contudo, a presença de Zohra lhe traz um conforto que há muito não sentia. Poderá Zohra curar as feridas que ardem no peito de Ayaan? Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books
Tara Pammi
O ÚLTIMO PRÍNCIPE DE DAHAAR
Tradução Maria Vianna
2015
CAPÍTULO 1
INTOXICAR O corpo com entorpecentes e ficar abençoadamente inconsciente? Ou enfrentar uma noite de sono agitado, com a angústia que isso implicava? Abusar do corpo ou torturar a mente? Aquela era uma decisão que Ayaan bin Riyaaz Al-Sharif, príncipe herdeiro de Dahaar, precisava tomar todas as noites. Depois de oito meses de lucidez, e ele usava o termo em sentido amplo, nunca sabia o que escolher. Naquela noite, ele se inclinava pela droga. Seria sua última noite como convidado em Siyaad, nação vizinha à sua, Dahaar. Melhor seria se dopar. Você fez isso na noite passada, sussurrou uma voz em seu ouvido. Uma voz muito semelhante à de seu irmão mais velho, que passara horas tentando fortalecê-lo. Ayaan saiu do banho quente, enxugou-se e vestiu a calça larga. Correra durante três horas, em um ritmo que deixara seus músculos queimando. O seu corpo parecia estar em carne viva. Mantivera-se em campo visível, dentro do perímetro do palácio. E, toda vez que via um dos guardas reais, tanto dele quanto de Siyaadi, respirara mais facilmente. Ele voltou ao quarto e olhou para a embalagem de entorpecentes, ao lado da cama. Dois comprimidos, e dormiria como um morto. A ideia era tentadora. E daí se na manhã seguinte ele fosse sentir a cabeça vazia e a boca seca? Passaria mais uma noite sem incidentes, sem crise. Mais uma noite em que ele aceitaria a derrota e a impotência na luta contra sua própria mente. Derrota... Ele pegou a embalagem de plástico e girou-a, brincou com a tampa e quase sentiu o gosto amargo do comprimido. Uma brisa entrou pelas portas francesas e agitou as cortinas de seda. O frio da noite que caíra dissipava o calor. Noites silenciosas e sossegadas não o agradavam. Noites silenciosas e sossegadas em um lugar estranho o apavoravam, reduzindo-o a um inútil e atordoado covarde. Ele era um covarde que temia a própria sombra.
A fúria pela própria impotência o dominou e ele jogou os analgésicos para longe. A embalagem de plástico atingiu a parede, caiu e rolou para baixo de um armário antigo. O silêncio começou a envolvê-lo como um manto gelado. Ayaan pegou o controle remoto e ligou a enorme TV de plasma, pendurada na parede oposta. Pedira para ficar no quarto de hóspedes onde houvesse a maior TV. Ele sintonizou em um jogo de futebol e aumentou tanto o volume, que o som reverberava em torno dele. Logo, sua cabeça estaria doendo e seus ouvidos, latejando, mas a dor seria bem-vinda. Se continuasse daquele jeito, ficaria surdo antes de completar 30 anos. Ele apagou a luz e deitou. Um arrepio de ansiedade subiu por suas costas e deixou seu pescoço tenso. Ayaan cerrou os punhos e se concentrou em respirar. Tentou impedir que sua mente se alimentasse do passado e de seus medos. O sono o dominou inesperadamente, um refúgio enganador que lhe roubava o controle e o reduzia a um animal apavorado. ZOHRA KATHERINE Naasar Al-Akhtum percorria os corredores iluminados, caminhando na direção dos aposentos de hóspedes, situados na ala mais distante da área residencial principal do palácio. Seus chinelos de couro não faziam ruído sobre o piso de mármore, mas seu coração batia com tamanha força que, a cada batida, seus pés se arrastavam pelo chão. Eram 23h30. Ela já deveria estar na cama, e não caminhando pela ala do palácio em que a presença de mulheres era estritamente proibida. Não que ela desse atenção às regras do palácio, mas, até aquele momento, nunca precisara vir até ali. Mas, agora, não tinha escolha. Ela endireitou as costas e seguiu em frente. O fato de não ter visto nenhum guarda a deixava preocupada, e não aliviada. Fora fácil subornar uma das empregadas para saber em que aposento o honrado hóspede fora instalado. De repente, ela se viu parada diante da antiga e gigantesca porta dupla de carvalho entalhado. Zohra sentiu um arrepio frio lhe subir pelas costas. Ali dentro estava o homem que, se ela não tomasse uma atitude, teria seu destino nas mãos. Isso era algo que ela não podia aceitar. Se tivesse de romper a tradição ou recorrer a medidas não ortodoxas para se livrar daquela situação, que fosse. Zohra respirou fundo, empurrou a porta e entrou. A sala estava deserta, o luar entrava pelo balcão à direita, iluminando-a com um brilho prateado. O barulho ensurdecedor de um jogo de futebol vinha do quarto. O príncipe estaria dando uma festa enquanto ela suava frio só de pensar em seu futuro? Zohra se dirigiu ao quarto. A luminosidade que vinha da TV variava, o som estava tão alto que ensurdecia. Ela se aproximou, parou na soleira da porta e olhou para a TV. Levou alguns segundos para perceber que não havia convidados. Fez uma careta por causa do barulho que vinha dos autofalantes e procurou o controle remoto. O ruído era suficiente para provocar uma grande dor de cabeça. Encolhendo-se a cada nova onda de gritos dos torcedores, ela continuou procurando o controle remoto e encontrou-o ao lado da cama. Tirou o som da TV, mas a luz que vinha da tela
era suficiente para que ela visse os contornos do quarto. Com o silêncio, ela passou a ouvir outro som, que ainda não percebera. Um som que lhe arrepiou o cabelo e a fez suar frio. Um grito abafado pelo lençol. Um grito de imensa dor, contido na garganta. Zohra estremeceu: a agonia daquele som parecia subir por sua pele e queimá-la. Os instintos lhe diziam para dar meia-volta e ir embora. Ela se virou para sair, mas o próximo som que veio da cama foi de puro sofrimento. Desta vez, não tinha soado abafado. Assim como o soluço de cortar o coração que se seguiu. O insuportável lamento de dor pareceu atravessá-la e envolvê-la. Zohra sentiu vontade de se encolher, de sair correndo para longe. Mas, a agonia daquele lamento... Jamais conseguiria esquecê-lo. Ela se voltou e se aproximou. Na pressa, quase tropeçou no pesado banco ao lado da cama alta. Agarrou-se ao lençol e subiu no colchão. Com o sangue gelando nas veias, ela se arrastou por cima do lençol até conseguir enxergar o homem. Por um instante, não fez nada além de observá-lo. Ele estava com os olhos fechados, a testa contraída, as mãos agarradas com força à coberta. Rugas haviam se formado em torno de sua boca, uma lágrima escorria por seu rosto. Estava banhado em suor e se debatia. Ela afastou o lençol, segurou nas mãos dele e se assustou ao perceber como ele estava gelado. Ele soltou mais um gemido. Zohra ficou desanimada, mas se controlou e tentou segurá-lo pelos ombros, sabendo que não conseguiria movê-lo. Com uma força surpreendente, ela enfiou as mãos por baixo dos seus ombros, mas ele esticou o braço e atingiu-a no queixo com tamanha força que a jogou para fora da cama. Ela sentiu a dor se espalhar pelo queixo, engoliu em seco e voltou a subir na cama. Desta vez, estava preparada para ele. Colocou-se junto à cabeceira, fora do seu alcance, e segurou o rosto dele com as duas mãos. Ele soltou um gemido e segurou-a pelos pulsos. Ela ignorou a força com que ela a segurava e sacudiu-o. Bateu no seu rosto, resolvida a livrá-lo do que o atormentava. Não aguentava mais ouvir aqueles sons torturados. Não, quando deveria haver alguma maneira de despertá-lo. – Acorde, ya habibi – murmurou ela, do mesmo modo que fizera com seu irmão Wasim, quando a mãe morrera, há 6 anos. – É apenas um pesadelo. – Ela passou as mãos pelos seus ombros nus, pelo seu rosto. Repetia as palavras, mais para seu próprio benefício que o dele, enquanto ele continuava a sacudir a cabeça de um lado para outro. – Você precisa acordar – dizia ela. Repentinamente, ele parou de se debater e abriu os olhos. Zohra se deparou com os mais belos olhos cor de bronze que já vira, e seu coração saltou dentro do peito. Ainda segurando-a pelos pulsos, ele a olhava. Possuía lindos olhos, com pupilas douradas emolduradas em tons de cobre e bronze, e cílios curvos. Mas não eram as cores dos seus olhos que faziam com que ela perdesse o fôlego e sentisse o peito se apertar. Era a dor evidente que havia em suas profundezas. Ele lhe acariciou os pulsos, como que para ter certeza de que ela estava ali. Fechou os olhos, acalmou a respiração e voltou a abri-los. Era como se ela estivesse fitando os olhos de outro homem. O seu olhar se tornara cauteloso, mas curioso, e analisava o rosto dela, o nariz, a boca, e, subitamente, se incendiava de fúria.
Ele a soltou e empurrou-a. Ela caiu sobre a cabeceira e soltou um gemido. Ele ajoelhou sobre a cama com uma energia que em nada lembrava o pesadelo contra o qual estivera lutando. – Quem é você? A voz dele estava áspera e rouca, o que queria dizer que ele estivera gritando muito tempo antes de ela ter chegado. – Você está bem? – perguntou Zohra, sussurrando ao ver o brilho de suor na sua testa e o sutil tremor em seus ombros. – Por que isso seria da sua conta? – indagou ele rugindo. – Eu dispensei os guardas há algumas horas. Eles me garantiram que, de acordo com as minhas ordens, ninguém poderia entrar nesta ala. O que você está fazendo aqui? Então, fora por isso que ninguém a detivera. E ele ligara a TV no volume máximo, como se soubesse... Zohra franziu a testa. – Eu vi você se debatendo na cama. Precisava ajudá-lo. – Eu poderia tê-la machucado. Ela imediatamente puxou as mangas da túnica e escondeu os pulsos. Pela maneira como o rosto dele estava contraído, ele bem podia ser feito de pedra. Só o leve contrair das narinas e a chama que brilhava em seus olhos diziam que ele era de carne e osso, e não um dos bustos de antigos imperadores e guerreiros espalhados pelo palácio. – Acenda a luz – ordenou ele. Zohra se inclinou e acendeu a luz, sentindo-se constrangida. A luz estava ao seu lado e alcançava apenas o suficiente para iluminar o rosto dele. Ayaan bin Riyaaz Al-Sharif, o novo príncipe herdeiro de Dahaar, não era como ela esperava. Ela ouvira alguns membros do staff do palácio de Siyaadi se referirem a ele como o “Príncipe Louco”. Nada havia de louco no homem que estava diante dela, encarando-a com um olhar penetrante e perspicaz. Zohra só o conhecia de uma foto granulosa, tirada 8 meses antes, quando Dahaar celebrara a sua volta. Há 5 anos, ele fora dado como morto juntamente com o irmão e a cunhada, durante um ataque terrorista. Nada mais se revelara a seu respeito, e ele não aparecera em público. Até mesmo a cerimônia em que ele tinha sido reconhecido como príncipe herdeiro fora privada, o que servira para atiçar a curiosidade da mídia e do público. Ele se tornara uma figura nebulosa que ela empurrara para algum canto da sua cabeça. Até que ela fora visitar seu pai, naquela tarde. Enfraquecido por um ataque cardíaco, o rei parecera fragilizado, mas suas palavras tinham soado alegre e orgulhosamente. – O príncipe Ayaan concordou em se casar com você, Zohra. Um dia, você será rainha de Dahaar. De repente, o Príncipe Louco se tornara o homem que iria prendê-la para sempre ao mundo que lhe roubara tudo. A lembrança nada fazia para evitar a agitação que a presença dele lhe causava. Zohra não conseguia impedir que seus olhos se voltassem para ele. Ele tinha uma aparência dura e desolada que reforçava os rumores a seu respeito. O rosto longo, com um respeitável nariz, queixo pontudo, maçãs do rosto pronunciadas. Seu cabelo ondulado e negro caiu sobre a testa, como se ele o tivesse puxado. Zohra percebeu que era exatamente isso que deveria ter acontecido.
Os tendões do seu pescoço ressaltavam. Ele era esbelto, quase magro, mas a carne que ele tinha parecia ter sido esculpida na rocha. Uma cicatriz clara, de mais de 2,5 cm de largura, se estendia do ombro esquerdo, cruzava seu peito do lado direito e desaparecia na direção das costas. O que poderia ter causado uma cicatriz tão dolorosa? Zohra sentiu o coração se apertar. Como um homem aguentaria tanto, sem ficar louco? Ela estremecia só de pensar. Ele a olhava tão atentamente quanto ela o olhava. – Mostre-me suas mãos – falou ele em tom autoritário. Zohra respirou fundo e escondeu as mãos atrás do corpo. Ele se movimentou na cama com uma agilidade que seria admirável, se ela não estivesse sentindo o coração subir à garganta. Zohra era mais alta do que a média das mulheres dahaarianas, mas ele era muito mais alto que ela e tinha um perfume peculiar que a fez inalar profundamente, sem perceber. Ele puxou as mãos dela para frente. Ela sentiu dor. Ele percebeu, conteve o fôlego, ergueu as mangas da sua túnica e viu as manchas escuras em volta dos seus pulsos. Zohra tentou se soltar, mas ele não permitiu. – Há quanto tempo você estava aqui, quando eu acordei? – A tensão que ele irradiava deixoua muda. – Quanto tempo? Ele não elevara a voz, mas o seu tom não escondia uma intensa fúria. – Cinco, talvez seis minutos. Eu não sabia o que fazer. Ele soltou as mãos dela. – Para começar, você não deveria estar aqui. Se você foi imprudente o suficiente para entrar aqui, deveria ter dado meia-volta e ido embora assim que me viu. Zohra sacudiu a cabeça. – Se fosse embora, eu iria me odiar. Ele enfiou os dedos no cabelo, perturbado, mas não saiu da frente dela, bloqueando qualquer possibilidade de fuga. – Já é quase meia-noite. Eu já lhe perguntei o que está fazendo aqui. Se você não me der uma resposta, chamarei a guarda. Antes de perceber, você estará sem emprego. E, por quê? Para conseguir alguma informação sobre o Príncipe Louco? Para tirar uma foto? Diga-me quem a mandou e eu serei indulgente. Ele achava que ela era uma empregada paga obter informações? – Ninguém me mandou, príncipe Ayaan. Ele ficou rígido e claramente tenso. Zohra não queria contrariá-lo ainda mais. Não queria pensar no pesadelo que ele tivera e na sua reação ao saber que ela tinha visto. Se fizesse tudo certo, nunca mais precisaria vê-lo ou se lembrar dos gritos de sofrimento que ouvira. – Eu vim aqui por conta própria. Era importante que eu falasse com você antes que partisse amanhã de manhã. A expressão preocupada de Ayaan se tornou alerta, e ela sentiu vontade de se esquivar ao seu olhar penetrante. Ele percebeu.
Ela podia dizer o exato instante em que ele percebeu, porque seus belos olhos adquiriram um pouco de brilho. Ele a observou demoradamente, enxergando-a com novos olhos. Desta vez, ele não a olhava apenas com raiva, mas também com cautela, como se ela repentinamente tivesse se tornado um perigo para ele. – Você não é uma empregada. Ele desceu da cama, como se não pudesse respirar o mesmo ar que ela. Zohra olhou para suas costas largas. A cicatriz as atravessava de um lado a outro como uma corda em volta do seu corpo. Ayaan vestiu uma camiseta e parou ao pé da cama, como se esperasse que ela recuperasse o juízo. Zohra sentiu o calor lhe subir à cabeça e rangeu os dentes. Não tinha do que se envergonhar. Aproveitara a única oportunidade que tivera, vira o homem se debatendo durante um pesadelo e tentara ajudá-lo. Ela levantou, com as pernas tremendo. – O que era tão importante que precisava ser dito no meio da noite? – questionou ele. Era isso. Fora por isso que ela se arriscara a entrar nos seus aposentos, mas Zohra tinha a sensação de que sua língua grudara no céu da boca e não conseguia falar. – Devo mandar avisar ao rei Salim? Zohra o encarou. O tom ameaçador e de comando que ele usara revelava um homem diferente do que ela vira. – Não há necessidade de envolver o meu pai em um assunto que diz respeito a mim... A nós. Creio que podemos discuti-lo sozinhos e encontrar uma solução satisfatória para ambos.
CAPÍTULO 2
ELA ERA sua futura esposa. Ayaan sentiu o chão tremer ao constatar que aquele fiapo de mulher que ousara subir em sua cama, embalá-lo durante um pesadelo e fitá-lo com arrogância, era a mulher com quem ele concordara em se casar há algumas horas. Ele não pensara nela, nem por um instante. Ela não passava de um item na lista de coisas que ele deveria fazer em nome do dever. Ela prendera o cabelo castanho em uma trança. Seus grandes olhos castanhos sobressaíam no rosto alongado. O nariz proeminente e a boca firme e teimosa diziam muito sobre ela. Vestia uma leve túnica cor-de-rosa, legging preta, e jogara um fino xale sobre os ombros. Suas roupas eram muito simples para uma princesa e não mostravam o que haveria por baixo... Com o controle adquirido ao longo dos últimos meses, ele se forçou a olhar para o rosto dela. Já se distraíra demais. A aparência daquela mulher ou o seu corpo não lhe importavam. Ele soubera que ela era filha de uma americana, mas ela era uma cópia do rei Salim. Tinha a mesma objetividade, o mesmo queixo orgulhoso, a mesma obstinação, que a fizera ficar ao lado dele durante o seu pesadelo. Ayaan sabia como podia se tornar violento durante uma de suas crises noturnas. Por isso, sempre afastava as pessoas que pudessem ouvi-lo. Mas, apesar das precauções que tomara para esconder a verdade e poupar seus pais, ele já recebera o apelido de Príncipe Louco. Se o mundo soubesse como a sua loucura fora melhor do que a sua atual lucidez! Ele não queria se casar com aquela mulher, assim como não queria vestir o manto de Dahaar. O segundo, ele conseguira adiar, mas, o primeiro...? – O povo de Dahaar precisa ter certeza de que você está bem. Faz 5 anos que o nosso povo não tem um motivo para comemorar. O casamento será um. Siyaad precisa da nossa ajuda. O rei Salim se manteve ao meu lado, quando eu não tinha mais ninguém em quem confiar, quando eu estava me desintegrando sob o peso de Dahaar. Agora, chegou a hora de retribuir o favor – dissera seu pai. Ayaan não estava preparado para isso. Jamais estaria. Como poderia, quando não confiava em si mesmo, se não sabia o que poderia desarticulá-lo novamente, quando ele ainda se equilibrava sobre o fio que separava a lucidez da loucura?
Mas ele não podia decepcionar seu pai. Não, depois de tudo que ele passara para governar e proteger Dahaar. Em apenas uma noite, seus pais haviam perdido o filho e a filha mais velhos, perdido Ayaan para a loucura, mas não haviam se entregado e recuado diante do dever. Ele também não podia recuar. Subitamente, Ayaan entendeu as desculpas do rei Salim, durante o jantar. A ausência da filha fora um ato de desafio. Não que ele, Ayaan, tivesse se importado. Ficara até feliz por não precisar dar forma concreta à noiva até o momento em que fosse absolutamente necessário. E, ali estava ela, invadindo sua cabeça de um jeito que ele não poderia mais apagar. Em cinco minutos, ele sabia mais sobre ela do que gostaria de saber durante a vida inteira. Ela era teimosa, corajosa e, pior, nada tinha de convencional. – Pensei que você estivesse doente demais para sair por aí, princesa Zohra – falou ele com acentuada ironia. – E, no entanto, você está perambulando pelo palácio à noite, invadindo a privacidade de um hóspede e se mostrando insolente. – Não me chame de princesa. Eu nunca fui princesa. Ayaan estava irritado demais para perguntar por quê. Estava gelado até os ossos, como sempre ficava depois de acordar de um pesadelo. – Por favor, diga-me o que está fazendo à meia-noite na minha cama, nos meus aposentos, em uma ala do palácio que é proibida às mulheres. O que era tão importante, para que você... – Você estava se debatendo e gritando. Eu não podia ficar simplesmente olhando, sem fazer alguma coisa. Também não podia ir embora e voltar em uma ocasião mais conveniente. – Você é surda ou apenas estúpida? – interrogou ele retrucando com severidade, tentando controlar as emoções que jamais demonstrava. – Por que veio até aqui? Ela arregalou os olhos, abriu a boca e bufou de impaciência, mas as palavras grosseiras que ele proferira haviam afastado a única coisa que ele não aguentaria ver nela: pena. – Se você acha que se comportando como um bárbaro vai conseguir me amedrontar e me fazer fugir, não vai dar certo. Se ele não estivesse tão tenso, teria rido. Cada pedacinho dela, a cabeça erguida, o olhar desdenhoso, a teimosia do queixo, mostrava que, por mais que ela negasse, era uma princesa. – Se estivéssemos em Dahaar, eu iria... – Mas não estamos em Dahaar. Eu não sou uma súdita leal à espera da sua clemência – interrompeu ela friamente. – Estamos em Siyaad. E, mesmo aqui, essas regras não se aplicam a mim. – Ela o encarou, desafiando-o a contradizê-la. Quando Ayaan ficou calado, ela o analisou de cima a baixo. Teria sentido o mesmo despertar de atração que ele sentira? – Eu vim lhe dizer que não vale a pena. Ayaan só conhecera uma mulher que tivera temeridade e segurança para se dirigir a ele daquele jeito: Amira, sua irmã mais velha. Ele sentiu uma pontada de dor. Amira jamais deixara que Azeez e ele escapassem impunes, mais por causa de sua força interna, do que por ter nascido em uma família extremamente poderosa. Ele tinha a impressão de que o mesmo acontecia com aquela mulher que não se encolhia ao encará-lo. – O que não vale a pena? – Casar comigo. – Por que é você que está me dizendo isso, e não seu pai? Ela piscou, mas não conseguiu esconder a preocupação. – Ele... está doente. Eu não poderia me arriscar a fazer com que ele piorasse.
– E estar aqui, tentando me convencer de que você não vale a pena, não irá afetá-lo? Ela deu de ombros. – Se você me rejeitar, ele ficará decepcionado, mas não surpreso. – Então, você quer que eu faça o trabalho sujo por você? Ela respirou profundamente. – Eu não sou acanhada, submissa, e não estou disposta a ser a sombra de um homem e a ter como única missão parir seus herdeiros. Nunca fui desse tipo, e jamais me sujeitarei a fazer esse papel. Apesar da irritação, Ayaan sorriu. A mulher tinha coragem. Mesmo que ela não tivesse declarado claramente o que achava da sua missão, era evidente que jamais suportaria o casamento que as tradições dos dois países exigiam. Por que o rei Salim estaria forçando aquele casamento? Ele deveria saber que Ayaan e seu pai iriam apoiá-lo mesmo sem o casamento, mas se mostrara muito entusiasmado com aquela união. – Se você tivesse cumprido o seu dever e comparecido ao jantar, eu poderia ter lhe dito o que espero de uma esposa. Ela sacudiu a cabeça. – O que havia para dizer? As esposas... Elas são apenas sua linhagem e sua descendência. Ser uma mulher do harém é melhor do que ser a esposa do rei. Ao menos, ela faz mais sexo do que... Ayaan caiu na gargalhada e não conseguiu deixar de dar um passo na direção de Zohra. Ela corou, desviou o olhar e balbuciou algo ininteligível. Seus longos cílios lançavam sombras sobre o rosto. Sua boca, sem maquiagem, era rosada. Ayaan sentiu a sua temperatura aumentar. Jamais gostara do perfume de rosas que recendia pelo palácio e que às vezes exalavam de suas roupas. Mas o perfume dela era provocante, tentador, e se misturava com o da excitação que ele lhe causava. – Então, você preferiria fazer parte do meu harém a ser minha esposa? Ela arregalou os olhos. – Nós estamos falando da minha vida – declarou Zohra. Ayaan se aproximou e se apoiou na cama, apreciando a sua presença. Ela não lhe provocava a mesma tensão sufocante que as outras pessoas lhe causavam desde a sua volta. – Você ainda não argumentou nada que me faça levá-la a sério, princesa. Tudo que eu vejo é uma adolescente petulante, fazendo birra em vez de cumprir seu dever. E se alguém viu você entrar na minha suíte? Você se expõe ao escândalo e ao ridículo, aumentando o peso sobre o seu pai. Ela não gostou daquilo, e ele percebeu. – Você não iria querer que alguém petulante como eu fosse a futura rainha de Dahaar, iria? – inquiriu ela. – Você fez tudo isso para provar que está certa? – Eu não tenho nenhum dever para com Siyaad. Nada fará com que eu me sinta diferente com relação a Dahaar. – Zohra respirou fundo, como que para se acalmar. – Casar comigo só irá causar embaraço para você e para a casa real de Dahaar. Ele se aproximou ainda mais. Sabia que ela o estava provocando, mas não conseguia resistir. – Por que isso soou mais como uma ameaça do que um aviso?
– Eu só estou dizendo a verdade. Sejam quais forem as expectativas que você tem em relação à sua noiva, eu vou ser um fracasso em todas elas. Ayaan se arrependeu por não ter se informado mais sobre ela, antes de ter dado sua palavra. – Se você está falando das suas expectativas, por que não me diz quais são? – perguntou ele. Zohra tentou encontrar uma saída. Ele não deveria ter feito aquela pergunta. Deveria ter bufado de raiva, tê-la chamado de desobediente, de escandalosa... Qualquer outro homem teria considerado o seu comportamento um insulto, procurado seu pai e rompido o noivado. – A única expectativa que eu tenho é que você use o seu poder para recusar esse casamento. – Ela sentia que ultrapassara o limite. Ayaan franziu a testa. – A não ser que eu tivesse um forte motivo, isso seria considerado um insulto ao seu pai, a você e a Siyaad. – Não basta que você não tenha um pingo de interesse em se casar comigo? – Eu não estou interessado em me casar com ninguém, mas vou fazê-lo por... – Pelo seu país, eu sei. – Ela cuspiu as palavras, sentindo a mesma sensação de isolamento que a acompanhava há 11 anos. Nunca se encaixara em Siyaad, sempre se sentira uma estranha. – Eu não sou motivada pelo dever como você. Só quero ser livre para viver a minha vida longe de grilhões como esse. Se você quiser um motivo mais claro, posso lhe dar um. – Você tem toda a minha atenção, princesa – falou ele em um tom perigoso. Zohra tremia por dentro, mas umedeceu os lábios e rezou para conseguir se expressar em tom firme. – Eu não sirvo para ser rainha. Não dou a mínima para o dever e tudo que ele implica. Sou instruída e inteligente o suficiente para ter minhas próprias opiniões, algo que, como já me contaram, faz com que um homem suba pelas paredes... Eu sou... bastarda. – Ela precisou se livrar do nó na garganta. – O meu pai viveu com a minha mãe até eu completar 7 anos, mas... Nunca se casou com ela. Quando ela morreu, ele se tornou meu tutor. Ayaan não demonstrou nenhuma reação. – Isso é tudo? Maldito homem, Zohra pensou, desesperada. – Não, há mais um motivo. O mais importante de todos. – Não pare agora – falou ele com ironia. – Eu não sou uma casta virgem de reputação ilibada. – Ela sentia o peito tão contraído que duvidava poder respirar. – Eu prefiro ser rejeitada agora a deixar que, mais tarde, você alegue que foi enganado. Ele passou a mão na testa, mas nada demonstrou. O coração de Zohra disparou. – Quer dizer, quando eu descobrisse que você não era virgem? Ela ficou chocada. Por que ele não estava tendo um majestoso ataque de cólera? – Quando você descobrisse que eu me apaixonei por outro homem, que passei quatro verões com ele em um acampamento no deserto... – Ela engoliu com dificuldade ao pensar em Faisal. – Esse é um motivo válido para eu rejeitá-la – falou Ayaan, por fim. Zohra sentiu uma inesperada decepção. Até agora, ele se comportara de maneira bem diferente do que ela esperava. – Você está preparada para a reação do seu pai quando eu lhe explicar o motivo? Ela sentiu o coração desabar até os pés.
– O que você quer dizer? – Eu já lhe informei que não quero insultar seu pai depois de tudo que ele fez pelo meu. Você pode não ter nenhum dever para com o seu país, mas será egoísta a ponto de fazer o seu pai passar por isso? Ele não ficará apenas desonrado com o comportamento da filha. Passará por essa humilhação diante de uma audiência. Zohra se encolheu ao ouvir o seu tom de desdém. Ele não pretendia recuar, nem por um segundo. – Eu não desejo desonrar meu pai. Eu só queria lhe contar a verdade. Ayaan fitou-a com azedume. – A sua verdade só tem serventia se eu puder dizê-la ao seu pai. Não importa o que você deseje e os esqueletos que tenha dentro do armário: nossos destinos estão selados. Zohra sentia as mãos úmidas de suor. Ela não pretendia recuar. Casar com um estranho, ser trancada para sempre na gaiola do dever e da submissão... O mesmo dever que destruíra sua família? Preferiria ter um futuro incerto. Ela tentou encontrar uma saída, mas não conseguiu. Entrou em pânico. – Muito bem – mencionou ela, tomando uma decisão. Fora uma perda de tempo vir até ali. – Só me resta uma escolha. Ela levantou e se dirigiu para a porta, resolvida a agir antes que a noite acabasse. Não poderia ficar no palácio, em Siyaad, nem por mais um minuto. Quando estava quase saindo do quarto, Ayaan a segurou pelo braço e puxou-a de volta. Zohra abafou um gemido ao sentir que ele a empurrava contra a parede. Os músculos dos seus braços tremiam, seus sentidos se aguçavam e registravam cada detalhe dele, enquanto ela sentia um formigamento nos lugares que ele tocava. – De repente, eu sinto grande simpatia pelo seu pai, princesa. A minha irmã, Amira, é tão determinada quanto você parece ser, mas ao menos ela ouve o que eu e Azeez... O rosto dele se tornou sombrio. Ele falara na irmã como se ela ainda estivesse viva. Zohra pensou que não deveria se importar com o seu sofrimento, mas se importava. – Sua irmã? A que morreu há 5 anos? Ele a encarou. A dor que ela via em seus olhos comoveu-a. – Sim. – Ele segurou o rosto dela e se inclinou. Zohra viu uma cicatriz acima da sua sobrancelha esquerda. O sofrimento que vira em seus olhos desaparecera. – Diga-me: qual foi a escolha que lhe restou? Ela tentou empurrá-lo, mas ele não se mexeu. – Eu não lhe dei autorização para me tocar, príncipe Ayaan, nem para me empurrar. – Você deveria ter pensado nisso antes de invadir o meu quarto, princesa – comentou ele com cruel ironia. – Eu serei responsável por qualquer coisa que você faça. – Se eu não tivesse vindo até aqui, você não iria me ver até o dia do casamento. A única pessoa responsável pelos meus atos ou pela minha vida sou eu. – Eu me tornei responsável por você no instante em que concordei com essa aliança. Não deixarei que você cause mais problemas para o seu pai. – Isso... – Ela mal conseguia falar, de tanta raiva. – É desse tipo de comportamento arcaico que eu estou falando. A sua declaração só prova que eu tenho razão ao querer me livrar desse casamento e deixar Siyaad. – E então, você vai fugir no meio da noite e sujeitar o seu pai a um escândalo?
– Eu não devo nada ao meu pai. Nada. Eu não vou fugir. Vou exercer o meu direito como adulta e ir embora. Você e o meu pai não podem me impor um casamento que eu não quero e nem podem me impedir de ir embora. Ayaan soltou-a. Não confiando nele, Zohra se afastou da parede, com os joelhos tremendo. – Ótimo. Vá embora – falou ele, zangado. – Mas o seu pai não terá outra escolha a não ser anunciar o meu noivado com a sua irmã. Creio que, daqui a um ano, ela fará 18 anos. Zohra sentiu o fel lhe subir à boca. Como ele se atrevia? – A minha irmã tem 16 anos e meio. Ele ficou calado. Zohra perdeu a cabeça, avançou para ele e o empurrou, furiosa com a sua sensação de impotência. Saira jamais iria contrariar o pai. Apesar da sua presença, Saira fora educada e crescera ouvindo falar em deveres e obrigações. – Você não pode fazer isso. Ela... Eu não vou deixar que o meu pai e você... – Ela crispou os punhos e soltou um grito que estava preso em sua garganta. Nada poderia fazer para impedir que o pai colocasse Saira em seu lugar. Ele faria isso sem pestanejar. Zohra sabia muito bem o que o pai seria capaz de fazer por Siyaad. – Saira é inocente, uma adolescente que ainda acredita no amor e na felicidade eterna. – E você? – Eles existem. Mas não nesse mundo, no seu mundo. Farei qualquer coisa para impedir que a felicidade de Saira seja sacrificada em nome do dever. – Então, você não é totalmente egoísta. – Ele se aproximou. – Qual é o mundo a que eu pertenço e você não, princesa? – Um mundo cheio de deveres e obrigações, sacrifícios... O que mais? Se Saira se casar com você, você vai destruir suas ilusões e torná-la infeliz. Você se casaria com uma menina por dever? Ele mostrou um intenso desgosto. – A ideia de me comprometer com uma menina de 16 anos me causa arrepios. Mas Siyaad precisa dessa aliança. Os enfartos que o seu pai já teve, o fato do seu irmão ser menor de idade, os últimos conflitos na fronteira? Tudo isso enfraqueceu Siyaad. Esse casamento fará com que todos saibam que Dahaar apoia Siyaad. É a única chance do seu pai e do seu povo manterem a identidade. Se algo acontecer com ele, o seu irmão terá a nossa proteção. Sabendo disso, você recusa essa aliança? Arrisca o futuro do seu país e o do seu irmão, agindo impensadamente? Zohra se apoiou na parede, desanimada. Nada devia ao pai ou a Siyaad, mas, quanto a Saira e Wasim... Não fossem eles, ela teria ficado infeliz e sozinha durante todos aqueles anos. Uma garota de 13 anos, sofrendo pela morte da mãe e vivendo com a família do pai, que ela descobrira estar vivo, ser rei de Siyaad, ser casado e ter um casal de filhos de 6 anos. – Eu não sabia que isso iria favorecer Wasim. – Por que isso não me espanta? O deboche atingiu-a como uma bofetada. Mas a culpa era dela. Sempre fizera questão de saber o mínimo possível a respeito dos problemas de Siyaad, rechaçara as tentativas de seu pai para envolvê-la mais ativamente na política do país. Se não tivesse enfiado a cabeça na areia como um avestruz, estaria melhor preparada para lidar com aquela situação. Zohra tremia da cabeça aos pés. Sentia-se encurralada. Todas as esperanças de viver sua vida longe do dever e das obrigações tinham se evaporado. – Se é apenas pelo bem de Siyaad, por que você está aceitando? Basta você estalar os dedos para conseguir uma mulher que seja a sua sombra. Você já não gosta de mim. Poderia recusar e
ajudar Siyaad, sem... – Chega! – Ayaan cedeu à raiva que lhe fervia o sangue, porque ela afastava o medo sempre latente que corroía a sua lucidez. – Você acha que é o tipo de mulher com quem eu iria querer me casar, a não ser que fosse por dever, para pagar a dívida que o meu pai tem com o seu? Zohra ficou imensamente pálida, como se tivesse sido esbofeteada, mas Ayaan não sentiu nenhum remorso. Teria sido melhor que sua futura esposa fosse do tipo que se apavorava ao pensar em ficar sozinha com o Príncipe Louco. Mas o destino lhe reservara aquela mulher desafiadora. – Existe muito pouca coisa que me importa, princesa. A minha palavra é uma delas. Eu preferiria morrer a vê-la perder o valor. – Então me mande de volta quando Wasim completar 18 anos ou não precisar mais da sua proteção. Todos saberão que Siyaad tem o seu apoio. Você pode alegar que eu não sou uma esposa adequada e romper todos os laços comigo. Eu não vou contestá-lo e ninguém irá criticálo. Ayaan sacudiu a cabeça, surpreso pela maneira como ela odiava aquele estilo de vida. Livrar-se dela, quando ela se tornasse desnecessária, era uma ideia tentadora. Mas não seria honrado. – Se eu mandá-la de volta, você será objeto de ridículo e de especulações. É um preço muito alto pela sua liberdade, princesa. O seu nome ficará manchado para sempre. Ele percebeu que ela tremia, mas que não iria ceder. Isso era algo que ele já aprendera sobre ela. – Qualquer coisa é melhor do que ficar presa a um casamento feito por dever e nada mais. – Casar comigo pode não ser tão difícil quanto você imagina. – Como assim? – Eu espero muito pouco de uma esposa. Ela deve morar em Dahaar e comparecer comigo aos eventos oficiais de Estado. Ser gentil e atenciosa com meus pais. Eu não vou amá-la e não espero que ela me ame. Não preciso vê-la, a não ser em público... Esse casamento será apenas para contentar meus pais. Eu não me importo com o que você vai fazer com o seu tempo, contanto que não envergonhe Dahaar. Nossas vidas podem ser tão separadas quanto eu e você desejarmos. Zohra franziu as sobrancelhas e fitou-o atentamente. – E quanto a um herdeiro? Ele não faz parte dos planos que fizeram para você? Produzir vários filhos, de preferência, homens, o mais rápido que for possível? – Quantos anos você tem, princesa? – Vinte e quatro. – Pensei ser cínico demais para a minha idade... Eu não pretendo ter filhos com você e com ninguém, não até... – Nunca, se ele não conseguisse controlar a própria cabeça. – Que tal voltarmos ao assunto, vamos dizer... Daqui a dois anos? Ela engoliu em seco, chamando a atenção dele para o seu pescoço. – Como terei certeza de que você não mudará de ideia? – Eu já tenho pesadelos suficientes sem precisar acrescentar o fato de me impor a uma mulher que não me deseja. Creia, a última coisa que eu quero é dormir com você. Zohra olhou para ele com um olhar de desafio.
– Se eu for ficar presa a um casamento para salvar minha irmã e ajudar meu irmão, posso me casar com um homem que seja tão indiferente ao casamento quanto eu. Ayaan franziu a testa. Algo mais atravessara a corrente de atração que os envolvia. Ela não apenas lhe provocara uma reação física que ele não esperara mais ter, como o aborrecera, surpreendera e irritara, a ponto de ter eliminado a sua reação violenta ao pesadelo e os arrepios de frio que ele combatia pelo resto da noite. Que ela tivesse conseguido fazer isso, quando nada mais dera resultado, fazia com que ele quisesse mantê-la ali, nem que fosse só para... Ayaan se conteve e sacudiu a cabeça. O alívio que ela lhe dera fora apenas temporário. – Se você já teve aventuras suficientes para uma noite, eu vou acompanhá-la até a porta, princesa. Ela deixou escapar um sorriso e ficou olhando para ele atentamente. Cruzou os braços em volta da cintura, soltou-os. Estava claramente indecisa. Ayaan esperou, desejando que ela se fosse sem dizer mais nada. Zohra olhou para a cama e voltou a encará-lo. Ele ficou rígido de raiva. – Você vai ficar bem pelo resto da noi... Ayaan se deixou dominar pela fúria e empurrou-a para a porta. – Lembre-se, princesa. Você será minha esposa em público. Em particular, eu e você não passaremos de estranhos. Portanto, não se meta com o que não é da sua conta, e eu farei o mesmo.
CAPÍTULO 3
APESAR DE o dia do casamento ter amanhecido claro e ensolarado, a semana que o antecedera tinha sido um tormento para Zohra. O príncipe fora embora, e Zohra e sua família haviam partido para Dahaar no dia seguinte. Conquanto estivesse frágil, seu pai parecia revigorado, enquanto ela marcava os minutos que restavam para ficar presa a tudo que mais odiava. À medida que o tempo passava, mais ela duvidava das promessas de Ayaan e a conversa que tinham tido se tornava mais irreal. Principalmente porque a rainha Fatima, mãe de Ayaan, só falava sobre a infância do filho. O contraste entre o menino encantador e adorável que ela descrevia e o estranho sombrio que Zohra conhecera no meio da noite só fazia aumentar suas dúvidas. Ele não esperaria nada dela? Que tipo de homem não desejava sequer ver a esposa? Zohra colocou os braceletes de prata nos pulsos enquanto ouvia as comemorações ruidosas do povo na TV da sua suíte. A capital, Dahaara, estava enfeitada e pronta para a cerimônia. A bandeira dourada e vermelha, cuja insígnia era uma espada, tremulava em todas as ruas e edifícios. Para que povo pudesse comemorar o casamento, o dia seria feriado. Presentes chegavam de todos os cantos do país, e todos expressavam a estima de Dahaar pelo príncipe. A transmissão pela TV, as comemorações, os rostos sorridentes na multidão, mostravam o quanto aquele casamento significava para o país. As duas únicas pessoas que não celebravam eram aquelas que iriam se unir. – Olhe, Zo, ali está ele! – exclamou Saira, muito linda no vestido de seda bege que cintilava quando ela se mexia. – Eu não sabia que ele era tão bonito. Zohra não resistiu e olhou para a TV. A enorme tela mostrava Ayaan em toda a sua glória, e ela perdeu o fôlego. Bonito era pouco para descrever seu futuro marido. O carro que transportava Ayaan e seus pais percorria a avenida principal, cercada por uma multidão que acenava e gritava alegremente. O rei Malik estava sentado ao lado da rainha Fatima. Ayaan estava sentado do lado oposto, vestindo um uniforme militar azul-marinho que realçava o seu corpo esguio e o tornava o exemplo perfeito de príncipe. Zohra não conseguia deixar de olhá-lo e de sentir frio. Ele parecia um homem que obtinha o que queria antes mesmo de manifestar sua vontade... E, então, ela viu a apatia em seus olhos.
Mesmo através da TV, ela percebia a tensão em seus ombros, na boca contraída, no sorriso fixo que não chegava aos olhos. No meio de uma multidão que o adorava e dos pais que o amavam, ele passava uma sensação de isolamento, como se estivesse sozinho no deserto. A alegria que o cercava não parecia atingi-lo. Era como se houvesse uma parede inexpugnável em volta dele. Ninguém, além dela, percebia o seu isolamento, o seu olhar vazio? Ela teria percebido, se já não o tivesse visto se debatendo de dor e delirando? Zohra desviou os olhos da TV. Ali estava a prova que ela tanto precisava. Ele falara a verdade ao afirmar que se casaria para contentar os pais e o povo, que se casaria com ela por dever, mas isso, em vez de acalmá-la, provocou-lhe um estranho peso no peito. Naquele instante, o pai dela apareceu na porta, vestindo um uniforme militar verde-escuro de Siyaad. Graças às negociações que ele estivera fazendo com o rei Malik e Ayaan, Zohra conseguira evitá-lo, até aquele momento. Talvez, por estar vestida de noiva, ela não conseguiu mais conter a raiva. – Você veio ver se eu não fugi? Saira se assustou com a agressividade de Zohra. Nunca entendera a antipatia da irmã pelo pai. Olhou para os dois, pediu licença e saiu. – Eu sei que você não está feliz com essa aliança, Zohra, mas nunca duvidei de que você iria cumprir seu dever. Mais uma vez, aquela palavra que destruíra a sua família, causara a morte da mãe, que se limitava a lamentar pelo homem que amava, e lançara-a em um mundo estranho. Zohra levantou do divã e encarou o pai. – Eu estou fazendo isso por Wasim e Saira. Não quero que ela também seja sacrificada em nome do dever. A presença do rei lhe causava impacto. Durante os 11 anos que vivera em Siyaad, Zohra sempre o evitara o máximo que podia. – Você não consegue ver esse casamento como algo além de um sacrifício? – O que mais ele seria? – indagou ela. – Você não me consultou. – Ela apontou para a TV. – Aquele homem não questionou se eu queria ser sua esposa. Você reduziu a minha vida a um adendo em um contrato. – Você será rainha de Dahaar, uma mulher que terá poder sobre a região das três nações. Com a sua inteligência e a sua educação, você poderá favorecer Dahaar, Zuran e Siyaad, incentivando mudanças nos antigos costumes, abrindo caminho para novas ideias. Ninguém ousará questionar o seu direito de governar junto com o príncipe Ayaan. Você passará o resto da vida na mais alta... – Essa aliança não passa de um meio de garantir o futuro de Siyaad. Ele balançou a cabeça, parecendo exausto e concordou. – Fico feliz por Saira e Wasim significarem tanto para você. – Ao contrário de mim. As palavras não ditas pareceram soar entre os dois. – Isso quer dizer que você vai cuidar dos dois. Zohra se recusou a sentir culpa, a deixar que ele a censurasse. Há muitos anos, seu pai tomara uma decisão irrevogável, e continuava a demonstrar que, para ele, Siyaad sempre viria em primeiro lugar. – Eles são a minha família. Eu faria qualquer coisa por eles. Eles foram o único motivo para eu ficar...
– Todos esses anos, em Siyaad... Eu sei. Zohra sentiu um nó na garganta enquanto ele se aproximava. O seu perfume de sândalo a envolveu, despertando-lhe lembranças que ela enterrara. Se ele sempre tivesse sido um pai ausente, se ela não se recordasse da desolação da mãe e se seu próprio sofrimento, quando a mãe lhe revelara que seu pai havia morrido... Depois que sua mãe morrera, Zohra ficara sabendo que seu pai simplesmente as abandonara para assumir o trono de Siyaad, e que ele já era casado. A vida dele com sua mãe e com ela fora uma mentira. O rei beijou a testa de Zohra. Ela quase se entregou à saudade que sempre combatera, mas se dominou. Se se deixasse comover, ficaria ainda mais magoada. Melhor seria se agarrar à amargura que alimentara durante tanto tempo. – Eu sempre me perguntei por que você assumiu a minha custódia em vez de me mandar viver com o irmão da minha mãe. Vivendo em Siyaad como sua filha bastarda, eu percebi que não tinha nenhuma importância na sua vida. Mas, agora... Foi por isso? Você sabia que eu seria útil para cumprir uma das suas obrigações para com o país? O rei contraiu os lábios e seus olhos chisparam de irritação. – Quando você vai perceber que Siyaad faz parte de você tanto quanto faz parte de mim? – Jamais. Ele se mostrou resignado e, repentinamente, voltou a ser o homem que tivera dois infartos num espaço de 6 meses. – Qualquer coisa que eu diga será inútil. Você já escolheu a resposta. – Ele acariciou o rosto dela com carinho, absorvendo cada traço da sua expressão. Ele está se lembrando da mamãe. Zohra tinha tanta certeza quanto teria se ele tivesse dito o nome de sua mãe. Desde que ele reaparecera em sua vida, quando ela estava com 13 anos, e a levara para Siyaad, ela sempre soubera que ele amara sua mãe tanto quanto esta o amara. Mas, ainda assim, ele as deixara e colocara o dever em primeiro lugar. – Desde pequena, você é muito forte, mas também teimosa. Você sempre decidiu o seu destino. Decidiu por que eu tinha ido embora, sem me perguntar. Resolveu odiar sua madrasta, apesar de ela sempre ter sido boa para você. Resolveu que não teria nada a ver com Siyadd ou com a sua tradição. Você resolveu amar seus irmãos e, ao fazer 18 anos, decidiu ficar por causa deles. Nunca alguém lhe disse ou irá ensiná-la como viver sua vida. É você quem vai resolver se vê esse casamento como prisão ou como libertação. Saira entrou correndo, toda corada. – Ele acaba de entrar na Sala do Trono. – Não precisava nem dizer de quem se tratava. Ela entregou o buquê de lírios brancos a Zohra, que suava frio, como se estivesse se dirigindo à própria execução. Zohra pegou no braço que o pai lhe oferecia e, por um instante, não conseguiu se mexer nem controlar o medo. No instante seguinte, ela estava parada na entrada da Sala do Trono, uma ampla câmara com um alto teto abobadado. Assim que ela e o pai passaram pela porta, ouviramse os primeiros acordes de uma melodia tradicional de Dahaan. Ela abafou uma exclamação surpresa. O cenário bem poderia ter saído da sua velha edição das Mil e uma Noites, que ela lia na época em que ainda acreditava nas fantasias contadas por seu pai, antes que a realidade a atingisse e que ela fosse forçada a crescer mais depressa.
A imensa sala deveria ter mil cadeiras douradas de cada lado do tapete sobre o qual ela caminhava. O piso era de mármore creme salpicado com pedras preciosas e estava coberto de pétalas de rosas vermelhas Zohra olhou para o fundo da sala, onde havia várias plataformas formando diversos degraus que conduziam a um trono largo o suficiente para duas pessoas. Parado ao lado do trono, com o uniforme azul-marinho, estava seu noivo. Zohra nunca imaginara ter um casamento tão luxuoso, nem ter um noivo tão belo à sua espera. Quando imaginara seu casamento com Faisal, pensara em uma cerimônia simples, sem deveres e obrigações, com o homem que amava, e os dois viveriam a vida que desejassem. Como aquele sonho tão simples se transformara em pó? Ela sentiu o coração apertar e bater violentamente dentro do peito. A distância, o olhar dela se encontrou com o do príncipe Ayaan. Zohra esperava que ele estivesse tão distante como estivera durante o trajeto que fizera de carro. Mas ela podia jurar que ele estava atento a cada movimento que ela fazia, como se eles fossem as duas únicas pessoas que estivessem na imensa sala. Ela se sentiu ainda mais nervosa por saber que era a causa do seu olhar ardente, intenso, vivo, e por perceber que a consciência que um tinha do outro adquirira vida própria através do vasto salão. Os dois estariam se ancorando mutuamente ao entrar num caminho que não desejavam percorrer? Zohra respirou fundo, olhou para um ponto acima do ombro de Ayaan e começou a tremer incontrolavelmente. Ela não precisava da sua força, e ele não precisava da dela. O cenário do casamento, as comemorações e a alegria começavam a abalá-la. Esse casamento será o que você resolver. Pela primeira vez, Zohra concordava com o pai e pretendia dar o tom do casamento desde o início. Isso queria dizer que deveria se lembrar de que ela e o príncipe eram estranhos unidos pelo dever. AYAAN OUVIU Zohra responder às perguntas do imã sem hesitações, em tom claro, e repeti-las duas vezes, consentindo com o casamento. Se ela tivera dúvidas, não demonstrara. Ninguém poderia dizer que não servia para ser rainha de Dahaar. Depois que ela saíra, naquela noite, Ayaan questionara a decisão de seu pai ao escolher uma mulher cujo nascimento fora ilegítimo, mesmo que Zohra não tivesse culpa, e ainda mais sendo tão impulsiva e imprudente. Seu pai teria visto a força e a graça que irradiava da sua presença? Vira a assertividade, a inteligência que refletia no seu olhar? Teria achado que ele precisava de uma esposa bemeducada e não convencional para compensar... Foi a vez de Ayaan consentir com o casamento e ouvir as palavras do imã. Ele jurou proteger e amar Zohra Katherine Naasar pelo resto da vida, com as palavras se colando à sua garganta. Protegê-la era a única promessa que poderia cumprir e, para fazer isso, teria de mantê-la o mais longe possível da sua presença sombria. Ayaan colocou um anel com uma esmeralda cercada de diamantes no dedo de Zohra e estendeu a mão para que ela colocasse a aliança em seu dedo. Os dedos dela tremiam, revelando a angústia que ela escondia tão bem.
Ele já tinha percebido que sua noiva pertencia a uma categoria própria e não conseguia controlar sua curiosidade a respeito dela, principalmente porque, pela primeira vez, em 8 meses, podia se lembrar de cada minuto do encontro que tivera com ela. Geralmente, o tempo que ele passava com os outros logo se apagava. Naquele dia, fora a primeira vez que ele aparecera em público. Sentira-se sufocado ao ver a alegria do povo de Dahaar, que o aclamava chamando-o de sobrevivente e de herói, enquanto, na verdade, ele lutava para impedir que a realidade se transformasse em um pesadelo. Era assim que ele se vira no futuro: isolado durante o dia e combatendo seus demônios durante a noite. Até que sua noiva parara na entrada da Sala do Trono. Ele contivera a respiração e sentira que a neblina em seus olhos se dissipava. Subitamente, tornara-se consciente de cada murmúrio na multidão, da música e do perfume de rosas, enquanto ela caminhava em sua direção. Em vez do vestido imaculadamente branco, ela escolhera um vestido cor de ouro pálido, todo bordado, que mal mostrava sua pele. O corpete bordado com pedacinhos de cristal cintilava quando ela se mexia e se ajustava à sua cintura. Seu cabelo estava preso e ela usava uma tiara de diamantes. Ayaan não tivera dúvidas do que ela quisera dizer com aquele vestido. Sua noiva nada tinha de sutil. A severidade do modelo só realçava o formato do seu corpo, delineando suas curvas, satisfazendo a curiosidade que ele sentia desde aquela noite. Quanto mais ele olhava para ela, mais seu coração acelerava, mais calor ele sentia, maior a sua sensação de atordoamento. Ela era sua esposa. Apenas no nome, mas, naquele momento, ele estava tomado por uma emoção primitiva. O imã os declarou marido e mulher. Ela se tornara princesa Zohra Katherine Naasar AlSharif, futura rainha de Dahaar. A multidão os aclamou, desejando felicidades e dando vivas. Ayaan ignorou o clamor e tentou não sentir seu peso. Segurou na mão de Zohra e conduziu-a até a área onde cumpririam o próximo ritual. – Por que você pediu para fazer tudo no mesmo dia? – interrogou ele junto ao seu ouvido enquanto Wasim a abraçava. Zohra sorriu abertamente apenas para seus irmãos. Para o resto dos convidados, inclusive seu pai, ela dava um sorriso estudado, mantendo-se distante. Era uma pena, porque o seu sorriso era caloroso, quase uma promessa de afastar as tristezas de quem o recebia. De repente, ela se voltou para Ayaan e segurou o véu que se prendera em um dos cristais do vestido. Ele se inclinou para soltá-lo e seus dedos roçaram a curva do seu seio. Os dois se afastaram imediatamente. – Eu não gosto de rituais que duram três dias. Desse modo, o meu pai poderá voltar para Siyaad amanhã de manhã, sem ter de desperdiçar sua pouca energia em... – Pensei que você não se importava com o seu pai. – Não me importo, mas isso não significa que eu queira vê-lo sofrer. Isso só iria... – Provar a sua teimosia e mostrar que você é uma filha ingrata. Zohra congelou e olhou para ele. Os dois estavam rodeados por suas respectivas famílias, mas ele não escondia o seu sarcasmo. – Eu fiz alguma coisa para aborrecê-lo, príncipe Ayaan?
– Não, princesa. Eu só estou dizendo a verdade. Poucas pessoas ousam fazê-lo. – Mas você, sim? – Jurei protegê-la. Ainda que seja de você mesma. – Claro que, sendo homem, apesar de nada saber sobre a minha relação com o meu pai, você está sempre certo. Ele ergueu o lábio com ironia. – Já reparou que toda discussão com você termina com o argumento de que eu sou homem, e você, não? Alguém poderia pensar que por trás de todo o seu desprezo pelo dever e por Siyaad, você sente apenas raiva por não poder governar. A arrogância dele deixou-a momentaneamente emudecida. – Eu nunca desejei a coroa de Siyaad. – Ela estava furiosa por ele conseguir irritá-la tão facilmente. – Tudo que ela implica é que você constantemente se sacrifica e faz o mesmo com aqueles a quem ama. – Como você não é capaz ou não quer enxergar, eu vou lhe dizer, princesa. Aparentemente, o seu pai lhe deu total liberdade, e você não pestaneja diante da ideia de trair a sua confiança. Uma princesa de Siyaad passar as férias no deserto, ter um caso... A sua vida é prova disso. – Ele passou o braço casualmente pela cintura de Zohra, e ela quase deixou de ouvir o que ele dizia. – Você está aqui apenas porque acha estar protegendo a sua irmã de um destino terrível. O pai dela dissera o mesmo. Eles não viam que a devoção de ambos ao dever não lhe deixara outra escolha? DEPOIS DE uma hora circulando entre os convidados, fossem estranhos ou parentes de seu pai, que a esnobavam ou que a insultavam veladamente, Zohra só queria ir embora. A proximidade do marido a perturbava, deixando-a muito consciente de si mesma. Talvez, por ele ter o hábito de dizer coisas que a atingiam. Alguém colocou um bolo de dez camadas, em formato de castelo, na frente dos dois. Ela riu e se voltou para Ayaan. – Essa é a melhor parte de se casar com um príncipe. Ele ficou olhando para os lábios dela, antes de responder. – Um homem comum ficaria ofendido com esse comentário, princesa. Os dois se juntaram e deram as mãos para cortar o bolo. Zohra sentia o calor da respiração de Ayaan sobre a pele, e era difícil manter o sorriso. – Ainda bem que você não é um homem comum. Eu não achei que fosse possível uma pessoa ser tão... As exclamações de congratulações dos convidados deveria ter rompido a intimidade daquele instante, mas uma teia parecia tê-los isolado dentro de um casulo. Ayaan pegou um pedaço de bolo e colocou-o na boca de Zohra. – Tão...? Ela engoliu o bolo com dificuldade e também o fez comer um pedaço. Ele fechou a boca em volta de seus dedos, provocando-lhe um arrepio. – Tão distante, intocado por tudo que o rodeia. Você parece não desejar nada, parece... – Quem afirmou que eu não desejo nada? – inquiriu ele murmurando.
As palavras a atingiram como mel. O seu olhar foi atraído para os lábios dele por uma força irresistível. Ele realmente possuía uma boca sensual, volumosa, voluptuosa, em perfeito contraste com os ângulos do seu rosto. Um desejo poderoso e incontrolável atingiu e enrijeceu os músculos de Zohra: repentinamente, ela percebeu que ele era muito mais perigoso para ela do que qualquer príncipe tradicional. Não sabia o que esperar dele. Como naquele momento. Subitamente, os olhos dele se encheram de dor, e Zohra esqueceu seus pensamentos. Ele nunca sorria abertamente, mas ao menos a sua expressão estivera mostrando um humor indulgente. Agora, o seu rosto se tornara uma máscara fria. Um homem se aproximava, carregando uma grande bandeja de prata coberta pela bandeira de Dahaar. Zohra podia ver o cabo de prata cravejado com esmeraldas de uma espada, sob o pano. – Agora ela é sua, Ayaan – informou a rainha Fatima, com os olhos cheios de lágrimas. Quando ele não respondeu, Zohra se voltou para ele. Ayaan estava mortalmente pálido e olhava para a espada como se ela tivesse sido feita para torturá-lo. Angustiada, Zohra se voltou para a sogra. Pela primeira vez, ela se arrependia de nada ter aprendido a respeito de rituais e de costumes tradicionais. – Rainha Fatima, qual é o significado desta espada? – Era a espada do meu irmão – comentou Ayaan, sem afastar os olhos da espada. – A espada que ele recebeu quando foi apresentado como príncipe herdeiro de Dahaar. – Creio que Azeez ficaria feliz se você a aceitasse, Ayaan – declarou a rainha. – Não há melhor ocasião para... – O que Azeez iria querer era estar vivo... Como merecia estar. Para Zohra as palavras de Ayaan tinham soado como um grunhido angustiado que só ela tinha ouvido. Ayaan saiu da sala sem olhar para trás, deixando os representantes de Estado e os ilustres convidados surpresos e intrigados.
CAPÍTULO 4
AYAAN ENXUGOU ligeiramente o cabelo e jogou a toalha de lado. Estava exausto depois de fazer a bateria de exercícios. Sabia que, só depois de levar o corpo ao nível máximo de estresse, sua mente ficaria enevoada e iria se apagar. Algumas vezes, funcionava. Algumas vezes, ele acordava gritando no meio da noite. Pelo menos, ele estava em boa forma. Khaleef, seu guarda-costas, que ele conhecia desde menino, não permitira que ele ficasse parado durante os últimos 5 anos. Ayaan podia não controlar a cabeça, mas pretendia manter controle sobre o corpo. Ayaan parou diante da porta da sua suíte. Não via Zohra desde que saíra intempestivamente da Sala do Trono. Ele se deixara prender pela sua beleza e tentara ultrapassar as barreiras irritantes que ela construíra em torno de si. As mesmas barreiras que ele a proibira de ultrapassar em relação a ele. Mas, ao lado dela, ele se deixara levar pela alegria da festa e se lembrara do homem que era há 5 anos. E, então, ele vira a espada do irmão e se lembrara de por que estava ali. Ayaan abriu a porta, aproximou-se da cabeceira da cama, acendeu a luz e parou. Zohra estava deitada sobre os travesseiros, usando uma camisola de chiffon azul-turquesa. Ele sentiu o calor se espalhar pelo corpo. Era sua noite de núpcias e sua noiva estava dormindo em sua cama. Mesmo que ele não fosse o homem que costumava ser, jamais poderia ficar imune à sua beleza. Ela estava deitada com as mãos acima da cabeça. As tatuagens de hena que cobriam a sua pele eram lindas, e ele deixou o olhar percorrer o seu corpo. Os seus pés também estavam decorados com desenhos intrincados que subiam pelas pernas e desapareciam sob a camisola, que se colava a cada curva e reentrância do seu corpo. As centenas de correntes de ouro costuradas no decote puxavam o tecido da camisola para baixo, revelando a curva superior de um de seus seios pequenos e arredondados. Ele não conseguia deixar de olhálos. Nem o ressentimento que ele sentia com a presença de Zohra impediu que o desejo de Ayaan despertasse, e ele se aproximou dela instintivamente. Ela cheirava bem, uma mistura de essência de rosas e do seu perfume natural. Seu longo cabelo estava espalhado sobre o travesseiro, sua boca, rosada. Longos cílios que lhe davam um ar de vulnerabilidade que não existia quando ela
estava de olhos abertos, por ela estar sempre observando, absorvendo e analisando tudo com um olhar esperto... Ela abriu os olhos e olhou para ele sonolentamente, como se não conseguisse focalizá-lo. Ayaan sentiu o efeito do seu olhar, controlou o impulso de subir na cama e esperou a sua excitação diminuir, imaginando o que a teria levado a sorrir languidamente. Zohra arregalou os olhos, assustada, sentou e afastou o cabelo do rosto. – Príncipe Ayaan, o que faz aqui? Ele ergueu a sobrancelha. – Isso sou eu que lhe pergunto. Você está na minha cama, no meu quarto, na minha ala, princesa. Se eu fosse um marido ciumento, ficaria seriamente preocupado com a facilidade com que você entra no quarto de um homem. Zohra se encostou na cabeceira da cama e olhou em volta, espantada. Ficou intensamente corada, seus olhos se encheram de fúria e ela praticamente pulou para fora a cama. – Se você fosse um rei normal, daqueles que analisa tudo que faz, como eu esperava, teria me rejeitado, e eu jamais estaria no seu palácio. Ela tentou arrumar a cama. Curvada como estava, dava a ele a perfeita visão de suas nádegas cobertas apenas pelo tecido fino. Ela era capaz de fazê-lo ultrapassar o limite sobre o qual se equilibrava. Ayaan pegou o roupão que estava na beira da cama e jogou-o para ela. – Vista-se e saia do meu quarto. Zohra agarrou o robe por puro instinto. – Você acha que eu queria estar aqui, meio nua, deitada como se me oferecesse a você como repasto? – O silêncio dele a irritou. Zohra sacudiu os ombros por baixo do enorme roupão. Suas mãos desapareciam dentro das mangas. – A culpa é da sua mãe e daquele bando de... Ela se calou ao ver o olhar que ele lhe lançava, a maneira como contraíra o queixo. Ayaan deu um passo na sua direção. – Você não tem um filtro entre a cabeça e a boca, princesa? Ela ficou vermelha de vergonha, mas não iria embora sem esclarecer aquela confusão. – Eu estou de pé desde que o dia clareou, passei por dezenas de rituais sem saber seus significados. Quase dormi dentro daquela enorme banheira perfumada com sais e óleos antes de me trazerem até aqui. Ele cruzou os braços e ficou parado como um bloco de gelo, indiferente, inabalável. – Não me interessa como você chegou aqui. Nunca mais quero vê-la no meu quarto. Entendeu? Zohra concordou. Era o que eles tinham combinado. Mas o fato de ele se comportar como se ela estivesse poluindo o ar que respiravam fazia com que ela se lembrasse de coisas que queria esquecer. Ela ergueu o queixo e colocou energia nas palavras que iria dizer. – Eu não queria estar aqui, aguentando o peso da sua grosseria, mas não tenho ideia de onde deveria estar. – As pernas dela tremiam. Havia um buraco no seu estômago. Mas ela se recusava a demonstrar o quanto ele a atingira. A culpa não era dele, mas ele lhe lembrara o fato mais doloroso da sua vida. Desde que sua mãe morrera, ela não pertencia a nenhum lugar. A sua vida era como o replay dos seus piores instantes vistos com indiferença e ressentimento. – A não ser que você queira que eu dê um espetáculo e saia andando pelo palácio a essa hora da noite,
vestindo uma leve camisola e um roupão, sugiro que você desça do seu cavalo e arranje outra cama para passar a noite. Ele a segurou firmemente pelo pulso. – Como você já deve ter percebido... – falou ele, com o rosto tão contraído que ela duvidou poder ouvi-lo. – O homem com quem se casou não é apenas grosseiro, mas também é um covarde que odeia dormir fora de seus aposentos. Por causa dos pesadelos? Zohra sentiu o coração se apertar e olhou para ele enquanto ele a puxava para fora do quarto. Ela engoliu a pergunta e se livrou da compaixão que sentira. Ela não sabia o quanto eles tinham andado, antes de pararem diante de um outro conjunto de portas, mas, pelo silêncio, sabia que estavam na mesma ala. – Esse vai servir por essa noite. – Com essa curta declaração, ele se foi, deixando-a emudecida. Zohra se aventurou a entrar no quarto. Depois que despertara, o cheiro de rosas da sua pele a desagradava, as coxas que se roçavam faziam com que ela tivesse consciência de que estava quase nua. Ela usou o banquinho para subir na enorme cama e deitou. Enfiou-se entre os lençóis de algodão branco e foi rodeada pelo silêncio. Olhou para o dossel da cama e seus olhos se encheram de lágrimas. Já não passara por momentos demais de solidão para se deixar abater pela indiferença de um estranho? Sempre soubera o que iria enfrentar pelo bem de Saira, mas não conseguia afastar a sensação de solidão e o medo de estar destinada a passar toda a sua vida sozinha. ZOHRA ENTROU na Sala de Cerimônias e sorriu pela primeira vez na semana que se passara desde o casamento. Estava usando um terninho pink confortável que a deixara à vontade para enfrentar o dia. Aquele era o primeiro evento público oficial a que Ayaan comparecia desde o casamento. A rainha Fatima os acompanhara a todos os eventos do dia. Zohra sabia que esse trabalho deveria ser feito por um assessor político, mas tinha a impressão de que a rainha queria passar algum tempo com seu filho, apesar de ele jamais encará-la. Um pequeno grupo já se juntara, incluindo os pais de Ayaan. Vestido num terno cinza que acentuava seus ombros largos, bem-barbeado, com o cabelo rebelde penteado para trás, Ayaan era a perfeita imagem do príncipe determinado que vencera todos os obstáculos e voltara para Dahaar e para o seu povo, mas o seu isolamento era algo quase concreto, como se houvesse uma muralha em volta dele. Assim que Zohra entrou, um murmúrio se espalhou pela sala. Ayaan olhou para ela, enrijeceu os ombros e respirou fundo como se estivesse se preparando para enfrentar a sua presença. Zohra teve vontade de dar meia-volta e ir embora, mas juntou-se ao grupo e se colocou ao lado do marido. Enquanto ele a apresentava, ela sentia a sua proximidade e só conseguia ouvir as batidas do próprio coração. Ayaan apoiara a mão em suas costas. Ela sentira seu calor, estremecera e se perguntara se ele já teria deixado a marca em sua pele, e já esquecera os nomes das pessoas que ele acabara de lhe apresentar. Como podia reagir com tamanha intensidade à presença de um homem que mal a tolerava?
– Espero que você tenha se recuperado do casamento, princesa – falou ele baixinho. Zohra respirou fundo e mordeu a língua, contendo o impulso de gritar com ele de modo nada principesco. – Você está se dignando a falar comigo? – perguntou ela sussurrando. Ele se espantou com a agressividade do seu tom. – Claro, funções de Estado. Isso estava na lista de regras, não estava? Ela estava agindo como uma criança, mas não conseguia esquecer que ele se preparara para encará-la. A indiferença e o ressentimento que todos sempre tinham demonstrado por ela tinham-na atingido mais profundamente do que ela pensava, e ela estava passando pela mesma coisa, de novo... – Esta é uma das vezes em que você vai precisar aguentar a minha companhia sem poder me expulsar da sua presença. Ayaan colocou as mãos para atrás, irritado, e encarou-a com um olhar que parecia enxergar todos os seus medos e os seus segredos. – E eu temendo que você fosse muito mais inteligente do que eu gostaria que a minha mulher fosse, princesa... Zohra ficou paralisada e passou as próximas duas horas tentando decifrar o que ele quisera dizer. Quando a reunião social acabou, os dois foram levados até uma entrada estreita, cercada por guardas que usavam o uniforme azul-marinho de Dahaar. Zohra se espantou com as medidas de segurança, mas antes que ela questionasse Ayaan, as enormes portas antigas se abriram. Assim que Ayaan apareceu, uma multidão começou a aclamá-lo. Eles estavam em um salão todo de mármore, dez vezes maior do que a Sala do Trono, com milhares de pessoas ocupando a escada do outro lado e algumas se apoiando nas faixas de segurança que cercavam o salão. A cada grito de aclamação, Zohra sentia que Ayaan congelava mais um pouco. Ela ouviu a rainha murmurou o nome dele, viu o rei tocar no seu ombro, preocupado, mas Ayaan não se mexia. Parecia estar morto. Os segundos se passaram, e o desconforto se espalhou pelo grupo que os acompanhava. Os gritos da multidão se tornaram mais fracos. Zohra olhou para Ayaan e conteve a respiração. O seu rosto parecia ser de pedra, suas narinas tremiam enquanto ele tentava respirar. Isso aconteceria toda vez que ele estava diante de uma multidão? Ela se comoveu e pegou na mão dele. Ele não se mexeu. Ela chegou mais perto e entrelaçou os dedos nos dele. Ayaan se voltou para ela, e Zohra se abalou até os ossos ao ver o desespero em seus olhos. Sombras após sombras passavam pelas profundezas douradas, zombando das suas pequenas inseguranças e do seu destempero. Ela sabia que ele queria sair dali, mas também sabia que, se fizesse isso, mais tarde ele iria se punir. Zohra tentou dizer alguma coisa, mas tudo que lhe ocorria eram clichés. Não conseguia imaginar o que ele via ou sentia naquele instante. Por fim, ela sacudiu a cabeça e estalou os lábios, tentando falar com muito mais leveza do que sentia. – Talvez seja por eu ser ilegítima ou pelo fato de me faltar um certo órgão, mas eu nunca fui tratada nem com metade desse entusiasmo em Siyaad. Ela viu um brilho nos olhos de Ayaan.
– Talvez, pela mistura dos dois. – As marcas de tensão em torno da sua boca relaxaram. Ele olhava para ela com um olhar intenso. – E, mais importante: o que eles lhe mostram é o reflexo do interesse que você mostra por eles, princesa. Mesmo assombrado pela nuvem negra que o perseguia, ele não continha os golpes que lhe dava. Apesar de atingida, Zohra concordou. – Eles o conheceram durante toda a sua vida. Ele assentiu. Ela o ouviu soltar a respiração e sentiu que ele se aproximava, até encostar nela. – A não ser pelos últimos anos. – Eu pensei que dar as costas a algo como isso fosse fácil para um príncipe, mas não é, não é mesmo? Ela percebeu que ele olhava para ela e olhou para frente. Os dois ainda estavam de mãos dadas, mas ela sabia que não deveria se acostumar com isso. – Não – respondeu ele, depois de uma longa hesitação. – Então, o que o aborrece, príncipe Ayaan? Ele apertou a mão dela com força. – Eu não sou o homem que eles pensam que eu sou. Eu não sou o homem que pensava ser há muito tempo. Zohra via os rostos ansiosos na multidão. Estando tão perto dele, sentindo o calor do seu corpo, vendo-o combater seus medos, ela nunca estivera mais segura da sua força. – Eu passei várias horas da semana passada acompanhando você em reuniões de Estado que nada significavam para mim, testemunhei o apreço que eles têm pelo seu nome. Acho que aprendi uma coisa. Eles sabem exatamente quem você é e o quanto lhe custa estar aqui, e o aceitam, príncipe Ayaan. Até eu sei o quanto isso é raro. Zohra percebeu que revelara a verdade, mas se preparou para ouvir a sua zombaria e esperou que ele risse dela. Na verdade, ela estava começando a perceber como sabia pouco sobre aquela vida e sobre o que ela implicava. Ayaan se inclinou, e ela sentiu seu perfume e o calor de sua pele. – Você é a própria contradição, princesa. Eu não consigo resolver se você é a sua versão egoísta e combativa ou se é essa versão calma, majestosa e perceptiva. Zohra ficou surpresa. Seria ambas ou não seria nenhuma delas? Ela ainda estava pensando em uma resposta, quando Ayaan deu um passo à frente e acenou para a multidão. O ruído da resposta foi ensurdecedor. Ele se voltou e olhou para ela, analisando-a como se tentasse resolver um enigma. Em vez de perguntar, ele a puxou e fez com que ela caminhasse ao seu lado. Seja minha mulher durante os compromissos de Estado. Fora uma das coisas que ele lhe pedira, e naquele momento, Zohra teve a sensação de que era ela quem ele via, e não uma mulher sem rosto e sem nome, com quem se casara por dever. Eles passaram o dia inteiro recebendo dahaarianos que tinham vindo de longe para conhecêlos. A parte mais difícil era que ele continuava a tocá-la. Ayaan nunca relaxava completamente, mas, depois da primeira hora, ele se tornara menos tenso. A rainha Fatima avisara que os dois estariam sendo observados com atenção redobrada, porque o príncipe herdeiro estava entrando na arena política de Dahhar e enfrentaria sua primeira cerimônia formal na companhia da esposa que viera de Siyaad.
A mão apoiada em suas costas e o fato de ele pegar na mão dela eram apenas uma encenação pública, mas a atingiam profundamente. Quando ele pegava não mão dela, ela sentia um formigamento nos dedos e o calor se espalhava pelo seu corpo, como se eles estivessem sozinhos, e não no meio de uma multidão, como se ele a tocasse porque quisesse, porque precisasse. Apesar de seus esforços, Zohra esquecia constantemente que o homem com quem se casara não pedia nada para ele. Nem prazer, nem poder, nem fama. O príncipe de Dahaar fazia tudo em nome do dever.
CAPÍTULO 5
AYAAN ENTROU na sala e sentou na cadeira do lado oposto ao da mãe. Seu pai estava sentado à cabeceira da mesa. Ele sentiu imediatamente um enorme peso sobre os ombros e sua garganta começou a se fechar. A antiga mesa, que deveria pesar uma tonelada, as paredes cobertas com tapeçarias retratando instantes históricos da família Al-Sharif, o teto alto e abobadado... Toda vez que ele entrava ali, sentia-se como se estivesse entrando em uma tumba, como se fosse ser sufocado pelos objetos da imensa sala de jantar. Além disso, ele não conseguia encarar seus pais, porque a atenção que eles lhe davam era um peso. Ayaan respondeu laconicamente à pergunta que sua mãe lhe fez sobre como fora o seu dia, mas não lhe contou que, naquele dia, tudo lhe parecia mais difícil que na semana anterior. Sua mãe sempre fizera questão de reunir a família durante o jantar, mas, desde a sua volta, isso lhe parecia insuportavelmente doloroso. – Onde está a princesa Zohra? – indagou o pai de Ayaan. Duas semanas de casamento, de jantares diplomáticos e de aparecimentos em público, e Zohra se transformara em uma espécie de mediadora entre Ayaan e o mundo externo, entre ele e seus pais. Porque ela podia ser muitas coisas, mas não era uma pessoa silenciosa. Para ele, ouvi-la fazer perguntas sobre as cerimônias e negócios de Estado, observá-la tentando conter a língua, às vezes, sem sucesso, se tornara um ritual cotidiano. Olhando para o pai, Ayaan percebeu que não fora apenas ele que se acostumara com a presença da princesa. – Ela está completando o último ritual de casamento e estará aqui dentro de alguns minutos – explicou a rainha. Ayaan se agitou na cadeira. – Podemos começar a jantar? – Não. – A resposta implacável da mãe mostrava que ela estava operando em “modo real”, como ele e seus irmãos costumavam dizer. A lembrança fez com que ele sentisse o coração se apertar, mas Ayaan ficou surpreso ao ver quase todo o staff do palácio entrando na sala. Os mais velhos sentavam em divãs ao longo da parede, os mais jovens ficavam de pé, entre eles. Quase uma centena de empregados, todos bem-vestidos e com um brilho de orgulho nos olhos.
Outro grupo de empregados colocou tigelas de cristal e colheres em cima da mesa. Ayaan ficou curioso e se voltou para a mãe. – Qual é o ritual, mãe? – As recém-casadas Al-Sharif devem cozinhar para a família. Zohra conseguiu adiar essa obrigação até agora. Ayaan sorriu ao imaginar Zohra frustrada e batendo o pé em algum lugar. – Mas por que todo o staff do palácio está aqui? – Eles estão aqui para provar junto conosco a sobremesa que ela fez. É uma maneira de todos acolherem a noiva e se sentirem parte integrante da família. Essa tradição foi criada há séculos. Ayaan não sabia se a princesa cozinhava. Pela primeira vez em meses, ele se sentiu animado diante da perspectiva de passar algumas horas interessantes. Aliás, ele precisava admitir que o tempo que passava com a inquieta Zohra sempre era interessante. Zohra apareceu na entrada da sala, acompanhada por uma fanfarra e um bando de empregados. Ao ver a sua ansiedade e reparar no suor em sua testa, Ayaan ficou preocupado. Ela aproximou-se da mesa, arrastando os pés como se não quisesse estar ali. Carregava uma enorme e centenária tigela de prata. Os empregados que a acompanhavam carregavam tigelas semelhantes, que colocavam diante dos divãs ao longo das paredes. – Coloque a tigela perto do príncipe Ayaan, princesa Zohra – ordenou a mãe dele, interrompendo o silêncio e provocando olhares curiosos dos empregados. Com evidente relutância, Zohra colocou a tigela sobre a mesa. Ele sentiu o cheiro adocicado de algo... Queimado. Ayaan deu uma olhada dentro da tigela e conteve a respiração, enquanto seus pais faziam o mesmo. A substância carbonizada, marrom-escura, não parecia com nenhuma sobremesa que ele conhecia. Ayaan de repente sentiu o peito ficar leve, apertou os lábios e olhou para a mãe. Ela franzira a testa e olhava para a tigela com uma expressão perplexa. Os empregados também sussurravam. Ayaan não se conteve e pigarreou. – O que é isso, princesa? Zohra lhe lançou um olhar cáustico e resmungou por entre os dentes. – Halwa, príncipe Ayaan. Ele ignorou a advertência do seu tom. – Está me dizendo que isso são cenouras e nozes? – Estou. Ayaan se remexeu na cadeira e olhou para o pai. Viu as rugas em volta de seus olhos e os lábios apertados, e perdeu o controle que lhe restava. Deu uma gargalhada que lhe sacudiu todo o corpo enquanto seu pai fazia o mesmo. Tentou tampar a boca para esconder o riso, mas não adiantou. Seu estômago e seu queixo doíam de ele tanto rir. Ayaan não se recordava de como era rir. Todos olhavam para ele e para a princesa alternadamente, inclusive sua mãe, sem saber se também riam ou se mantinham a compostura. Ele já estava com os olhos molhados de lágrimas. – Isso está... Ya Allah, exatamente igual... Sacudindo-se de tanto rir, o pai concordou. – Ao que Amira fez...
– Ao Awameh que Amira fez ao completar 21 anos – completou a rainha, com os olhos cheios de lágrimas. Ayaan percebeu e ficou feliz ao vê-la se recordar com alegria, e não sombriamente. – Ela também odiou fazer isso – admitiu o rei, olhando para Zohra carinhosamente. – Azeez e Ayaan passaram meses debochando dela. – Rainha Fatima – pronunciou Zohra, com um tom que prometia vingança. – Quem é o primeiro a provar a sobremesa da noiva? Ayaan parou de rir e olhou para a mãe. – Não! – O marido, princesa Zohra – mencionou a rainha, olhando para ele com malícia. Zohra encheu uma colher com a halwa queimada. – As tradições devem ser mantidas, não é, rei Malik? – questionou ela, dirigindo-se ao sogro. Todos que estavam na sala apoiaram. – Claro, princesa Zohra – respondeu o rei, rindo. Sabendo que estava perdido, Ayaan olhou para Zohra e abriu a boca. Com um ar de triunfo, ela o fez provar a sobremesa. QUANDO TERIA sido a última vez que as risadas tinham ecoado nas paredes do palácio? A última vez que sua mãe sorrira, nem que fosse para disfarçar um aborrecimento? A última vez que eles tinham relembrado o passado com um sorriso? Sentindo o peito leve, Ayaan chegou aos aposentos de Zohra. O cheiro de cenouras e pistaches queimados se espalhava pelo ar, e ele sorriu ao entrar e fechar a porta, ansiando pela privacidade que tanto evitara ter com ela. Ele se apoiou na porta e se entregou ao prazer de admirá-la. Com um cinto cravejado de gemas apertado na cintura, o caftan cor de cobre que ela usava realçava suas longas pernas. As mangas arregaçadas mostravam os braços delicados, os braceletes de diamantes nos pulsos refletiam a luz do ambiente. Ela se virou e ergueu as mãos pintadas com hena para tirar as pérolas que lhe enfeitavam o cabelo. A seda do kaftan lhe envolveu os seios, e ele ficou sem fôlego diante da sua sensualidade, sentiu-se como um adolescente que pela primeira vez se deparasse com uma mulher bonita. Iria perguntar se ela estava bem, uma pequena cortesia depois de duas semanas, chamar uma camareira e se despedir. – Você precisa de ajuda? Zohra deu uma olhada para a porta fechada e ficou tensa. – Ainda não se divertiu o suficiente às minhas custas, príncipe Ayaan? Ele se aproximou, segurou as mãos que ela levava à cabeça para tirar mais uma pérola, e sentiu o calor subir pelo seu braço. Ela puxou as mãos. – Você sempre faz isso – falou ele sem pensar. – Desconta a irritação em seu lindo cabelo. Os dois ficaram admirados e tensos com o comentário pessoal. Ele também não pretendia tocá-la... – O que faz aqui? – Eu queria ter certeza de que você estava bem.
– Estou ótima. – Zohra tentou abrir o fecho do colar. – A não ser pelo fato de ter virado motivo de riso de todo o palácio. – Vou decretar que qualquer pessoa que ouse rir de você seja punida – falou ele, surpreendendo até a si mesmo. – Isso também se aplicaria ao rei e ao príncipe herdeiro? Porque, por mais que eu tente esquecer, eram você e seu pai que estavam rindo. – Ela olhou para ele como se não acreditasse no que tinha visto. – Ainda posso ouvir o som das gargalhadas. Zohra se soltou sobre um divã, torceu o nariz, cheirou a manga do caftan e fez uma careta. Ayaan trancou a boca e tentou se controlar. – Ah, por favor. Vá em frente e ria. Eu sei que você está morrendo de vontade –falou ela, de mau humor. Ayaan soltou uma gargalhada. – Se eu não estivesse lá, não iria acreditar. Você deveria ter visto a cara da minha mãe quando você colocou aquela tigela em cima da mesa. Séculos de existência, feita a mão e encravada com pedras preciosas e, dentro dela... – Ele cantarolou dramaticamente. Zohra se debruçou para frente e gemeu. – Não estava tão ruim. Ele sentou ao lado dela, sorrindo ao se lembrar da cara da mãe, do riso reprimido do pai. O silêncio daquela sala nunca contivera tantas risadas. – Estava preto e tinha gosto de carvão, princesa. Ela deu um soco no seu ombro e mordeu o lábio, mas seus olhos brilhavam. – Você já viu o tamanho da cozinha do palácio? Como alguém pode cozinhar para cem pessoas? Entre todas as coisas que eu pensei que iriam provar que eu não sirvo para ser sua esposa... – Ela começou a rir. – Pensei que o olhar da sua mãe me reduziria a cinzas. – No fim, até ela riu – confessou Ayaan. Zohra se dobrava de rir. – Durante 13 anos, o staff do palácio de Siyaad ficou chocado com as coisas que eu fazia, mas as caras que eu vi hoje... Eles vão se lembrar disso pelo resto da minha vida, não é? – Isso ficará registrado como um dos momentos mais importantes da história dos Al-Sharif. – Ele abriu os braços e esticou as mãos. – A Princesa Zohra e a história da Halwa Queimada... – Como se esse tivesse sido o primeiro ritual humilhante que eu tive de enfrentar. – Zohra se recostou no divã. – Até o ritual de passar uma semana com você no deserto será... Ayaan sentiu um arrepio de frio descer pelas costas e olhou para outro lado. Ele perdera tudo no deserto, na noite em que tinham sido atacados. Não aguentaria voltar para lá, nem que fosse por causa da mãe e de um de seus rituais. – Nós não vamos. Zohra reparou que ele ficara sombrio, mas não sabia o motivo. Levantou-se do divã e tentou tirar as pérolas do cabelo, amaldiçoando o penteado complicado. – Pare com isso. Ela ouviu a voz dele soar atrás dela. – Eu preciso... Ele colocou as mãos em seu cabelo e Zohra prendeu a respiração. O clima de camaradagem e de riso deu lugar a outra coisa. Enquanto Ayaan desmanchava o seu penteado, ela sentia a
cabeça formigar e se mantinha tão rígida que suas costas doíam. O calor do corpo dele, atrás dela, era como uma carícia. Zohra fechou os olhos e tentou se controlar. Como passaria o resto da vida com um homem cujo simples toque lhe provocava aquele tipo de reação? Ela tentou se afastar, mas ele a segurou pelos ombros e puxou-a. Ela sentiu o sangue pulsar nos ouvidos e sua pele se arrepiou. Soltou um suspiro e se voltou para ele. Ayaan a segurara e pressionara levemente seus ombros por apenas um segundo, mas fora o suficiente para que ela percebesse que ele estremecera e que contivera a respiração, como se... – Desculpe-me, princesa – disse Ayaan, muito pálido, recuando. – Eu não deveria tê-la tocado. Zohra cruzou os braços e franziu a testa. Os olhos dele estavam mais sombrios do que nunca, seu rosto estava contraído. – Por que fez isso? – Você conhece o toque de um homem, entende a sua sede. Você sabe que é uma tentação, especialmente para um homem que não se aproxima de uma mulher há 6 anos. Ele falou a última parte baixinho, quase como se falasse para si mesmo, mas as palavras atingiram os ouvidos de Zohra com a força de um terremoto. Ele sentia atração por ela, e ela nem desconfiara. – Seis anos? – repetiu ela, abalada. A chama dos olhos dele tinha apagado, mas ainda havia calor suficiente para que Zohra se sentisse tremer deliciosamente. Não admirava que ela se sentisse atraída por ele, que o ambiente mudasse assim que os dois se viam. – Eu nunca tive a chance de explorar o que a vida oferece a um príncipe, já que fui aprisionado um pouco antes de fazer 21 anos. Ela corou intensamente. – Isso quer dizer que você nunca... Ele franziu a testa. – Eu tinha 21 anos, não 16, e não era perseguido pelas mulheres, como Azeez, mas tenho algumas lembranças. A primeira vez... Zohra lhe tapou a boca com a mão, odiando ouvir os detalhes. – Eu não quero saber – murmurou ela com a voz rouca. Ele pegou na mão dela. – Eu não sabia o quanto a loucura tinha me roubado, até você aparecer, princesa. – Ele soltou a mão dela com tamanha relutância, que Zohra percebeu que lhe custava fazer isso. Ela estremeceu de medo por saber que ele a desejava e, pior, pela maneira como ela reagia, e se afastou. Ayaan se dirigiu à porta, parou, se voltou e deu um sorriso. – É melhor tomar um banho para se livrar do cheiro de queimado, princesa. Talvez um banho perfumado com rosas. – Ele estava lindo porque o seu sofrimento desaparecera temporariamente. – Quanto aos rituais por que tem passado, eu agradeço a você por estar agradando à minha mãe. Os últimos meses têm sido difíceis para ela. Zohra se apoiou na cama porque sentia as pernas bambas. – Vale a pena ficar cheirando à cenoura queimada para vê-lo rir, príncipe Ayaan. Agora eu entendo por que a sua mãe sempre fala no seu sorriso. – Fala?
O tom dele continha tanta esperança, havia tamanha ânsia em seu olhar, que Zohra sabia que estava vendo o menino que ele deveria ter sido e de quem a mãe sempre falava. – Por que está tão surpreso? Ela só fala em você. Ayaan se encostou na porta ainda fechada. O seu olhar perdera a leveza. Várias perguntas ocorreram a Zohra. – Ela sabia que você estava vivo? Ele lhe lançou um olhar abrasador, contraiu o queixo e crispou os punhos. O silêncio se prolongou tanto, que ela pensou que ele não fosse responder. Zohra se sentia como se estivesse nas dunas inconstantes do deserto. Quanto mais tentava se manter a distância, o príncipe Ayaan e Dahaar mais se incorporavam à sua vida. – Só o antigo guarda-costas que me encontrou e o meu pai sabiam. Khaleef percorreu o deserto durante meses, mesmo depois das buscas terem sido suspensas. Creio que ele queria encontrar nossos corpos para entregá-los a nossos pais. Ela sentiu o coração sangrar. – E encontrou? – Não, mas ele me encontrou. – Ele a encarou, e Zohra percebeu que ele estava irritado. – Tudo isso é apenas curiosidade ou essa conversa tem algum objetivo, princesa? Zohra conteve a respiração e sentiu o peito pesado. Podia dar a resposta mais fácil, mentir e protestar pelo que ele classificara de curiosidade. Mas ela não poderia ser covarde quando enfrentava a verdade dos próprios sentimentos e medos. Talvez, se ele lhe contasse o que acontecera, se ela soubesse o que o atormentava, ela pudesse parar de especular. Talvez ela passasse a ter medo dele. – Como sua esposa, independente de como seja o nosso relacionamento... Eu tenho o direito de saber com o que estou lidando... – Ela resolveu ir até o fim. – Parece que eu estou insinuando algo que todos pensam, mas eu prefiro saber a verdade. Uma centelha passou pelos olhos dele. – Insinuar? Creio que você não conhece essa palavra. – Ayaan sorriu e a centelha desapareceu de seus olhos. – Essa é a primeira coisa sensata que você me diz desde que invadiu o meu quarto. Khaleef me encontrou no deserto, dois meses depois de termos sido atacados. De acordo com ele... – Engoliu com esforço. – Eu estava violento e delirante. Khaleef cuidou de mim e avisou ao meu pai. Assim que o meu pai me viu, mandou-me para um castelo nos Alpes, onde eu passei 5 anos abençoados, mas totalmente louco. Ainda que contivessem um tom doloroso, suas palavras soavam com naturalidade. Zohra não conseguiu falar por alguns minutos. – Louco? Ele olhou para ela como se repentinamente tivesse percebido que ela estava ali. – Mentalmente doente, violento, delirante. – Você se lembra do que aconteceu depois que foi capturado? Desta vez, ele não escondeu o pânico. – Eu recuperei algumas lembranças. – Através dos pesadelos? – Ela o viu ficar surpreso e concordar. – Durante todos esses anos, a sua mãe não sabia que você estava vivo e pelo que tinha passado? Ele sacudiu a cabeça.
O que acontecera com ele no deserto? Que horrores o assombravam durante os terríveis pesadelos? Zohra ficou apavorada. Não queria saber, não porque a verdade pudesse apavorá-la, mas porque temia a própria reação, temia atravessar aquela linha e entrar num caminho que não teria volta. Ela resolveu fazer uma pergunta que a incomodava, algo que, apesar de poder provocar o ódio de Ayaan, precisava ser dito. – Você declarou que está fazendo tudo pelos seus pais. De que adianta isso, se você está magoando a sua mãe? Ele pareceu ficar chocado. Sua expressão se encheu de raiva, e ele se aproximou dela. – Você está me dando uma lição a respeito de dever para com os pais? É muita audácia. Zohra se recusou a recuar. – Eu passei duas semanas acompanhando a sua mãe e vendo tudo que ela esconde de você e do seu pai. Você sabia que ela não fala com ele desde que você voltou? Ela se sente tão... – Toda vez que olhava para a rainha Fatima e via a sua dor reprimida, Zohra se lembrava do próprio sofrimento, da desolação de sua mãe depois que seu pai as deixara. As mentiras, mesmo as ditas com boas intenções, causavam muito maior sofrimento que as piores verdades. – Eu vi as lágrimas que ela esconde de vocês. Ele ficou pálido, como se ela o tivesse golpeado fisicamente. – E, ainda assim, você a evita. Mal troca duas palavras com ela. Ela fica de fora, olhando para você e imaginando que erro cometeu para que você não... – Como ela pode achar que fez algo de errado? – Então, por que você não fala com ela? Por que evita encará-la? – Porque eu não sou meu irmão. – O seu tom baixo e gutural fez o cabelo de Zohra se arrepiar. Ele tremia e lutava para conter suas emoções. – Eu não consigo olhar para ela porque, quando ela me vê, está enxergando Azeez. Está se lembrando dele, procurando algo dele em mim. Zohra ficou impressionada com a angústia na voz dele. – Ela pensou que vocês três estavam mortos até que... Subitamente, depois de 5 anos, contaram a ela que você estava vivo e... – Meio louco e assombrado? – O seu pai não tinha o direito de mentir para ela. Os olhos dele chisparam. – Ele a estava protegendo. Para todos os efeitos, eu estava morto. – Ele mentiu para preservar os interesses de Dahaar. É isso que eu odeio nessa vida... O fato... – Ela não conseguia respirar e engolir a revolta. Mas não se tratava dela. – Sentir ressentimento por ela se lembrar do seu irmão só o torna humano. Não quer dizer que ela... – Você acha que eu me ressinto por ela se lembrar de Azeez? O meu irmão era o perfeito príncipe e herdeiro. Apaixonado por Dahaar, inteligente, corajoso, um homem que era tudo que o futuro rei precisava ser. Eu não sou ele. Ele é quem deveria ter sobrevivido. Isso é o que os meus pais pensam quando me veem, é isso que o gabinete e o alto conselho pensam quando me veem. Era isso que ele pensava, era por isso que ele se isolava de tudo e de todos, Zohra percebeu, comovida. Como alguém poderia viver se odiando tanto, com tanto sofrimento atrelado à sua existência?
– Quem decide quem vai sobreviver... Ele segurou delicadamente o rosto dela. – Você acha que eu deveria estar feliz por ter sobrevivido? Um homem alquebrado, um covarde com medo do escuro? Se Azeez tivesse sobrevivido, ele não teria passado 5 anos enlouquecido e escondido em um castelo na Suíça, deixando o meu pai enfrentar a tragédia. Ele não teria recuperado a lucidez para viver assombrado pelas lembranças. A amargura da voz dele eliminara qualquer calor que pudesse haver no quarto. Zohra estava arrepiada e sentia o coração cheio de dor. A dor de Ayaan. Ela podia senti-la ao seu redor. – O meu irmão teria vestido o manto de Dahaar, em vez de se esconder atrás do meu pai. Teria escolhido uma mulher como você para ser sua rainha, em vez de se casar por dever. – Ele olhou para ela com uma voracidade que a chocou. – Ele teria sido homem o bastante para tornála sua esposa em todos os sentidos, em vez de viver uma farsa. Você entende por que eu não posso olhar para minha mãe, princesa, por que eu não aguento ficar perto de você? Porque eu não sirvo para ser filho, marido e, muito menos, para ser príncipe herdeiro. Ele saiu do quarto, deixando os ecos da sua revolta e do seu sofrimento espalhados pelo ar. Com os joelhos tremendo pelo peso da confissão que ouvira, Zohra caiu sentada em uma cadeira. Ele era como um tornado e, por mais que ela quisesse ficar fora do seu caminho, tinha a impressão de que ele iria sugá-la para o centro do redemoinho. O riso e a dor de Ayaan a atingiam fundo. O desejo que ele sentia por ela, e que ela não fora capaz de perceber até agora, ressoava dentro dela. Como poderia ter percebido, quando ela estivera lamentando a perda de Faisal, quando ela não passava de um objeto alegórico na vida de Ayaan? Ela precisava fugir dele, fugir de tudo que ele lhe provocava com a sua simples presença.
CAPÍTULO 6
ZOHRA PROVOU o sorvete e se esforçou para apreciá-lo. Era difícil, com uma dúzia de pares de olhos observando-a e se perguntando por que ela viera sozinha à primeira reunião de família, em Siyaad. Talvez devesse ter cancelado, mas a reunião anual dos Al-Akhtum adquira maior importância porque a família precisava conhecer o príncipe herdeiro de Dahaar e reconhecer que ele se tornara parte integrante da vida política de Siyaad. Ela saíra de Dahaar sem perguntar ao príncipe Ayaan se ele poderia incluir o compromisso em sua agenda. Ficar perto dele, mesmo por curto período de tempo, tinha algo que a incomodava. Algo que parecia ter penetrado em sua pele e que se recusava a sair. E não era apenas o desejo explosivo que ela vira em seus olhos. Zohra se forçou a sorrir ao ver que um dos primos de seu pai não escondia seu desagrado por ela estar usando um elegante conjunto com mangas compridas, que a cobria quase inteira, e não o caftan tradicional. Durante 11 anos, ela suportara o desprezo e a maledicência de todos. Seu casamento com o futuro rei de Dahaar e a ausência de seu pai, naquele dia, significavam que as garras, geralmente recolhidas, estariam à mostra. Ela já imaginava o que iria enfrentar, se Ayaan a renegasse depois de alguns anos. Caso seu pai ainda estivesse vivo ou se Wasim já tivesse sido coroado, a sua vida seria a mesma. Com o passar do tempo, ela ficaria ressentida com Wasim e Saira por ter ficado ali por causa deles? Transitando entre Siyaad e Dahaar, sendo filha, sem ser de verdade, esposa, sem ser de verdade? A sua vida não tinha significado, nem para ela, nem para os outros. Zohra estava cansada de não ter alguém com quem rir, de não ter amigos, de viver sem propósito e sem esperança de sentir um pouco de felicidade. A extensão da sua solidão a espantava. Ela ficou tensa ao ver Karim, o filho do primo de seu pai, se aproximar e parar ao seu lado. Ele era extremamente maldoso e ávido pelo trono. – Sinto muito, Zohra – pronunciou ele em tom falso. – Eu sabia que isso iria acontecer e avisei ao primo Salim que ninguém iria aceitá-la como esposa, nem mesmo o Príncipe Louco. O estômago de Zohra se revirou ao ouvi-lo falar de Ayaan daquele jeito. – Você não é digno de pronunciar o nome dele. Karim sacudiu a cabeça e sorriu.
– Diga, por que ele a despachou de volta para Siyaad apenas três semanas depois do casamento? Ele já percebeu que você não serve como esposa nem para um homem louco? – Karim estalou a língua com ironia. – Foi porque ele descobriu que você é fruto de um caso entre a sua mãe e um homem casado ou porque ele descobriu as suas... aventuras amorosas? A insinuação maldosa fez com que Zohra se apavorasse ao pensar que o seu passado poderia macular o nome da família do marido. Ayaan a desafiara, alfinetara-a, surpreendera-a com o seu senso de humor, mas nunca a tratara com nada além de respeito. Quando se deu conta disso, ela se surpreendeu. – Eu só quero que nos ajudemos mutuamente. Lembre-se, Zohra, de que eu estarei aqui quando você precisar de conforto. Conforto que deveria ser dado pelo Príncipe Louco... – assegurou Karim, aproximando-se dela perigosamente. Zohra reconheceu os longos dedos que agarraram o ombro de Karim, interrompendo-o, e se virou tão depressa que precisou se segurar à mesa para não cair. Ayaan estava ao seu lado, com a fúria estampada no rosto. – Se você chegar a um quilômetro da minha esposa outra vez, vai se arrepender. Profundamente. Ele não elevara voz, mas todos tinham ouvido. Karim ficou mortalmente pálido – Príncipe Ayaan, permita que eu lhe dê boas-vindas... – Corra o mais rápido que puder, Karim – mencionou Zohra. Karim lançou um olhar para Zohra e desapareceu. O silêncio se espalhou pela sala. Zohra não conseguia respirar e sentia o estômago se retorcer. Quando se tornara uma princesa inútil que precisava ser salva pelo seu príncipe? Estivera tão concentrada na própria infelicidade, que não conseguira enfrentar Karim. E, agora, deveria estar ainda mais grata ao homem de quem queria manter distância. Ayaan estava tão próximo que ela podia sentir o cheiro de sua pele. Ele a segurou pelo pulso, os dois se encararam e as correntes do desejo os envolveram. Zohra podia ver a cicatriz em cima da sobrancelha dele e notar a leve alteração da sua respiração. – Você está bem, princesa? Ela garantiu a si mesma que não se tratava dela. Depois de três semanas de casamento, sabia que Ayaan teria socorrido qualquer mulher na mesma situação. A honra estava no seu sangue. – Eu estou bem. E, por favor, pare de me chamar de princesa. Se você espera que eu agradeça por ter vindo me salvar heroicamente – balbuciou ela, odiando perceber que a solidão que sentira há pouco desaparecera –, vai perder seu tempo. – Você quer ir embora? Zohra se admirou. Ele estava dando um sorriso cúmplice que mal lhe alterava a boca, mas era o suficiente para mexer com ela por dentro. – Eu... Você está aqui para brindar as pessoas com a sua gloriosa presença. Sair agora dificilmente cumpriria essa finalidade. Ayaan olhou ao redor, e ela teve a oportunidade de observá-lo. Ele usava um jeans preto e uma túnica branca de mangas compridas, com uma gola de estilo indiano que revelava uma faixa de pele bronzeada. Zohra sentiu o calor se espalhar pelo corpo e desviou o olhar. Apesar de vestido casualmente, Ayaan irradiava poder. E isso nada tinha a ver com o fato de ele ser um príncipe. Através das conversas que tivera com a rainha Fatima, Zohra ficara sabendo que ele fora um jovem brincalhão e comunicativo, que sempre fora adorado por todos. Mas ele
se tornara muito mais do que tinha sido quando garoto. Talvez pelas torturas que tinha sofrido, talvez pelas responsabilidades que assumira, ele conseguira adquirir uma tremenda força interior. – Princesa? – Ayaan estendeu a mão para ela, e Zohra hesitou. Ele a olhava com tamanha avidez, que parecia estar tão sedento dela quanto ela estava dele. – De que me adiantaria ser o Príncipe Louco se eu não pudesse adiar o encontro com pessoas de quem não gosto? Zohra riu. Aquela atitude de mandar tudo para o inferno era irresistível. Ele deveria ter sido daquele jeito, antes de ser capturado. – Por que você não fez com que ele se calasse? O que ela poderia dizer? Que estar com a família de seu pai fazia com que ela voltasse a se sentir como a garota perdida e sofredora de 13 anos? Que eles sabiam como usar a triste verdade da sua vida para atingi-la? Ela não pertencia a nenhum lugar. – Você é filha de um rei, esposa de um príncipe herdeiro. Mais que isso, você é... – Ele olhou para ela, e Zohra sentiu um nó na garganta. – Você é você, Zohra. Você é você. Ele não debochara dela e não a chamara de princesa. O que ele proferira apagara anos de sofrimento, amenizando o frio e a dor que faziam parte dela. Zohra tentou esconder as lágrimas e segurou na mão dele. Cambaleou, e ele a segurou com firmeza. Ela ergueu a cabeça. A sua coragem podia ser emprestada, mas, naquele instante, ela se aproveitaria do que aquele homem estava lhe oferecendo. Seus parentes deveriam ter oferecido consolo para a sua perda, mas jamais tinham esquecido as circunstâncias de seu nascimento. Por fim, ela tinha a oportunidade de lhes dar as costas. Assim que eles entraram no corredor onde estavam pendurados os retratos dos ancestrais dos Al-Akhtum, Ayaan a fez parar. – Quero que você responda à minha pergunta. – Eles me insultaram durante 11 anos, de maneira muito mais pesada do que hoje. Nada do que você argumentar mudará isso. Para a família da minha madrasta, eu represento o sofrimento que o meu pai lhe causou e, agora, roubei a chance de Saira se tornar rainha de Dahaar. Para a família do meu pai... Eu sou uma mancha na árvore genealógica. O meu pai é culpado por tudo que eu enfrento. – Ele sabe como você é tratada? – De que adiantaria? O que ele faria? Voltaria no tempo e deixaria de ter um caso que durou 8 anos com a minha mãe? Não teria nos deixado para assumir o trono? Não teria pedido a custódia da filha bastarda? – Pare de se referir a si mesma desse jeito – ordenou Ayaan. Zohra sentiu o calor das lágrimas e tentou contê-las. Não iria chorar apenas porque alguém compreendera o que ela sofrera durante 11 anos da sua vida. Não queria que ele sentisse pena dela porque isso só iria enfraquecê-la. – Por mais poderoso que você seja, não pode mudar a verdade. – E quanto à insinuação de Karim? Esse homem com quem você esteve envolvida... Devo procurar Faisal? Ele é do tipo que... Zohra se arrepiou. – Como você sabe o nome dele?
– Você é minha mulher. Preciso saber tudo sobre você, principalmente... – Principalmente o quê? – Ela engoliu a repugnância pelo que ele dizia. Naquele momento, Ayaan se tornara a imagem do príncipe arrogante. – Principalmente algo que possa ser desenterrado e prejudicar você e Dahaar. Eu preciso saber, para estar preparado. Ele se referia ao mesmo passado que ela usara para tentar se livrar do casamento. – Você se arrepende de não ter me ouvido quando eu avisei? Está pensando se não deveria romper todos os laços comigo e me deixar em Siyaad? – Eu fiz meus votos. Nada me fará rompê-los. As palavras a feriram mais do que se ele tivesse dito estar arrependido. – Claro, a sua maldita palavra. Nada o faria quebrá-la. O que você quer saber? Como eu conheci Faisal? Por que me apaixonei por ele? Quantas vezes ele... Ayaan esticou os braços e prendeu-a contra a parede. Zohra sentia a sua respiração sobre a pele. – Você sabe que a minha lucidez não passa de um tênue véu sobre a loucura, princesa – falou ele baixo e ameaçadoramente, mas, em vez de ficar com medo, Zohra sentiu a excitação correr em suas veias. – Não me provoque. Você não quer ver o animal em que eu posso me transformar. – Ayaan se afastou bruscamente, como se não suportasse a sua proximidade. – Só preciso saber se ele é uma ameaça. Zohra soltou uma risada amarga. – Ele não é. Eu não sou a mulher que ele queria que eu fosse. Ayaan franziu as sobrancelhas. – Você sente saudades de um homem que se importava com as circunstâncias do seu nascimento? Você me deixa decepcionado, princesa. Zohra sacudiu a cabeça. Era trágico que ela estivesse cercada de homens que seguiam códigos rígidos de honra e que a magoassem. – Ele não se importava. Acontece que Faisal valorizava a honra acima de tudo. Quando soube quem eu era, ele achou que eu deveria agradecer ao meu pai por ter me reconhecido como filha. Comentou que eu deveria me tornar um modelo de virtude, provar a todos que era digna de ser princesa e cumprir o meu dever. Ele queria morar em Siyaad e ficar ao lado do meu pai... A lista era longa. Quando eu sugeri que saíssemos de Siyaad, como ele planejara fazer antes de me conhecer, ele me olhou como se eu estivesse cometendo um grande pecado e foi embora, sem se despedir. A amargura de Zohra ecoou no corredor. A sua raiva vibrou no silêncio. – Então, a culpa é sua – retrucou Ayaan secamente. – Não do seu pai ou de outra pessoa. Você arruinou a sua felicidade. Ela sentiu o coração se encher de medo. – Eu só queria sair daqui. Teria ido com ele para qualquer lugar. – Talvez ele tenha percebido que o seu ódio por esta vida era maior do que o seu amor por ele? Que ele era a desculpa que você precisava para ir embora? – indagou Ayaan com severidade, deixando-a sem ter onde se esconder. – Por que você está sendo tão cruel? – interrogou Zohra com a voz embargada pelas lágrimas. Ele deu um sorriso irônico.
– Eu estou retribuindo um favor. A verdade é a única coisa sólida que existe entre nós, não é? Você afirmou que todos têm medo de falar comigo e me deixar louco novamente. Eu também estou lhe dizendo a verdade. Se você realmente o amasse, princesa, seria tão difícil viver com ele em Siyaad? Zohra cambaleou. Tudo que havia dentro dela se misturara e formara um tremendo nó. Quando Ayaan se virou e se afastou, ela mal o enxergava. Ela ficara furiosa com Faisal por ele não querer levá-la embora, ficara arrasada por ele colocar o seu status e tudo que ele implicava acima dela. – Eu não serei aquele que irá desviá-la do seu destino, Zohra – dissera Faisal. Zohra sentiu os joelhos tremerem e se apoiou na parede. Você só vê tudo isso como um sacrifício? Ela se lembrou das palavras do pai. Estaria mais uma vez se agarrando à sua teimosia e deixando que a vida passasse por ela? Passaria o resto da vida esperando que alguém a salvasse como Ayaan acabara de fazer, em vez de se salvar sozinha?
CAPÍTULO 7
AYAAN SE apoiou na mureta do terraço do telhado e se deixou envolver pela quietude e pelo silêncio, mas, mesmo com as luzes acesas, a escuridão da noite parecia penetrar no seu sangue. Ele não via Zohra desde a noite anterior. Ela não jantara com a família. Ayaan não perguntara por ela para poupar a saúde debilitada do rei Salim. Mas, depois de saber a dor que ela escondia e de ver a profunda solidão em seus olhos, ele não queria partir para Dahaar sem antes falar com ela. Ele não deveria ter dito nada sobre o homem que ela amava, mas preferira dizer a verdade a deixá-la acreditando que Faisal não a amara. Ayaan sentiu uma onda incontrolável de ciúme. Zohra ainda amaria Faisal? Estaria lamentado a sua perda em algum canto do palácio? Em apenas alguns dias, a esposa indesejável deixara a sua marca no palácio de Dahaar e em sua vida. Em pouco tempo, Zohra percebera que ele e sua mãe não se falavam e se mantinham afastados por pensarem que, desta maneira, estariam poupando, um ao outro. Ayaan passara pelo tormento de ver as medalhas do irmão, de ser presenteado com sua espada, de ocupar os aposentos destinados a Azeez quando ele fora confirmado como príncipe herdeiro, por não querer magoar a mãe. Mas não aguentava mais e, na noite anterior, falara com ela. Ele ficara parado na entrada da sala de estar particular da rainha, sem conseguir encará-la, temendo que ela quisesse abraçá-lo. Ela se aproximara, notara o seu constrangimento e se mantivera a certa distância. – Eu vou fazer com que você e Zohra sejam instalados em outra ala do palácio. Eu só quero que você seja feliz, Ayaan. Ele não fora capaz de responder, mas, pela primeira vez, não se sentira uma pálida sombra do irmão e também não se sentira sufocado pela culpa. Ainda havia coisas não ditas entre ele e a mãe. O seu isolamento e o sofrimento dela formavam barreiras quase intransponíveis, mas, pela primeira vez em 8 meses, ele sentira o coração mais leve. E ele devia isso a Zohra.
Toda vez que ele a via, o seu autocontrole cedia um pouco e desaparecia diante da sua crescente necessidade de tocá-la e de sentir que, afinal, podia se conectar com outra pessoa. Uma necessidade sedutoramente perigosa. E era por isso que ele estava ali, esperando pela esposa errante, e não voltando para Dahaar... Ayaan viu-a aparecer do outro lado do telhado, parar e arregalar os olhos. Ele olhou ao redor e percebeu o que ela estava vendo. O telhado estava iluminado por centenas de pequenas lanternas que produziam uma claridade alaranjada. Uma mesinha baixa fora colocada no centro do terraço, com um divã de cada lado, e em cima dela se viam inúmeros pratos com doces e uma jarra. Era um cenário muito romântico e que, em outras circunstâncias, ele mesmo teria preparado, mas Ayaan não o tinha notado até que Zohra aparecesse: era como se ela fosse a única que o fizesse perceber coisas não diretamente relacionadas com a mera sobrevivência. Ele foi até o lado dela e se apoiou na parede, sorrindo ao ver como ela estava rígida. Zohra se voltou para ele. – O que é isso? – Eu pedi a Saira que a mandasse até aqui e informei que não deveríamos ser perturbados. Pelo visto, ela tem uma imaginação muito fértil. – Eu não sei como fazê-la encarar a realidade – declarou Zohra. – Você realmente não consegue acreditar que, para ela, essa vida não é tão ruim? O casamento de Amira também foi arranjado, e eu sei que ela era extremamente feliz. Se você ama Saira, deve aceitar o seu estilo de vida. Zohra concordou, pensativa. – Quanto tempo você vai ficar em Siyaad? – inquiriu ele impulsivamente. – Eu chequei com a sua secretária e com a minha antes de vir para cá. Não haverá cerimônias de Estado ou eventos que exijam a minha presença... – Foi apenas uma pergunta – interrompeu ele, irritado consigo mesmo. – Ah. Pensei que você voaria de volta a Dahaar antes de escurecer... – A preocupação não manifestada ficou no ar. Ela sabia como ambientes novos o afetavam durante a noite. – Eu vou embora amanhã de manhã. – Mais uma noite que você vai passar insone? Então, ela sabia que ele se habituara a passar várias noites acordado. Ayaan ficou calado, recusando-se a começar uma discussão. – Existe algum motivo para você ter me chamado aqui, príncipe Ayaan? Alguma pergunta a mais sobre... Ele a segurou pelo braço. – Eu nunca mais quero ouvir falar nele, princesa – resmungou ele, trincando os dentes. – Fui claro? Ayaan ficou surpreso ao ver que, de novo, ela concordava. Zohra estava agindo estranhamente, e ele não precisava pensar muito para saber por que. – Por que você faz isso? Por que você me chama de príncipe Ayaan? Por que fala comigo como se nós fossemos... – Ele viu que ela erguia as sobrancelhas e endurecia teimosamente o queixo. – Como se você fosse uma estranha que não me viu nos meus piores instantes, como se você não fosse a única que vê que, além de príncipe, eu sou um cov...
Zohra colocou o dedo sobre os lábios dele e sacudiu a cabeça. Ayaan afastou a mão dela e aceitou o fato que estivera negando durante três semanas. – Como se você fosse uma simples serva, e não minha esposa, minha igual. – Ele viu que ela arregalava os olhos e que seus lábios tremiam. A curiosidade dele duplicou. Por que ela parecia tão surpresa? – Eu não sabia que precisava de um motivo para ver minha mulher. – Ayaan estava estranhando o silêncio de Zohra. Olhou para ela, reparou em seu cabelo e imediatamente se lembrou de tê-lo visto espalhado sobre o seu travesseiro. Aquela era uma imagem que o perseguia constantemente. – Eu preciso de motivo para dizer que ela está linda? Zohra pestanejou e ficou corada, mas não deu o sorriso que ele tanto esperava provocar. Por apenas uma noite, ele queria fingir que nada havia de errado em sua vida. Ayaan pegou um envelope que estava sobre a mesa e mostrou-o a ela. – A minha mãe me lembrou de um costume que eu tinha esquecido. O noivo deve dar um presente à noiva. – Você falou com ela? – perguntou Zohra. – A maior parte do tempo, foi ela quem falou. Mas eu também mencionei algumas palavras. Os olhos de Zohra brilharam de alegria. – Isso é maravilhoso. Ela deve estar muito feliz. – Ela segurou nas mãos dele. Ayaan olhou para as mãos dos dois e sentiu algo despertar dentro dele. Ela também olhou e se calou. A tensão que se espalhou em volta deles ameaçava explodir. Zohra soltou as mãos bruscamente. Ayaan voltou a se apoiar na parede. Depois de alguns segundos, ela se encostou ao lado dele. – Você gosta dela... – falou ele, surpreso. – Apesar dos rituais que ela lhe impõe. Zohra abriu os braços sobre a parede. O movimento esticou a blusa sobre seus seios. Ele desviou os olhos. – É difícil não gostar dela. Ela é tão... Forte. Ela carrega inúmeras responsabilidades, passou por muitas coisas, mas, apesar disso... Ela é a força do seu pai. Ela não deixa que ele a governe. Não surpreende que, com ela ao seu lado, ele tenha enfrentado todas as adversidades com a dignidade que enfrentou. Ayaan sempre achara que o forte fosse seu pai. Não que ele achasse que sua mãe fosse fraca, mas, para ele, ela era apenas sua mãe, e nada mais. Ninguém teria suportado de pé o que acontecera há 5 anos, mas seu pai fora em frente. Porque ele tinha a esposa. E ele deveria ter sofrido muito ao mentir para ela. Zohra podia não entender por que seu pai mentira, mas Ayaan entendia muito bem que, quando se tem alguém precioso, é preciso protegê-lo de qualquer sofrimento. Se as circunstâncias fossem diferentes, ele também... Ayaan afastou o pensamento antes que ele se manifestasse. A sua vida se resumia àquela noite, àqueles momentos roubados com Zohra. Ainda que fosse reprovável, naquela noite ele não queria ser honrado. Queria ser apenas Ayaan, e não o filho de pais em luto, a sombra de seu amado irmão, o homem errado que sobrevivera, o príncipe herdeiro que sufocava sob o peso da alegria do povo. Ele pegou na mão de Zohra e entregou-lhe o envelope. – Isso é mais um agradecimento que um presente ritual. Ela quase deixou cair o envelope, mas ele o segurou na mão dela. Ouviu-a conter a respiração e também sentiu a respiração parar na garganta.
– Depois de algumas ideias sem sentido, eu resolvi conversar com Saira – confessou ele, tentando quebrar o encanto do silêncio e da intimidade provocada pela noite. – Felizmente, ela me contou que você não gosta de joias antes que eu comprasse uma. Zohra abriu o envelope e encontrou uma folha de papel. – O que é isso? – O seu itinerário. Saira me comentou que você sempre desejou conhecer Mônaco. Ela arregalou os olhos. – O meu pai nunca deixou que eu fosse, e eu não tinha dinheiro para ir por minha conta. – Talvez ele tivesse medo de que você não voltasse. – De repente, Ayaan percebeu que não podia imaginar o mundo, o seu mundo, sem ela, e sentiu um arrepio de preocupação. – Eu fiz 18 anos há seis anos e tenho cidadania americana. Tenho um pouco de dinheiro no meu nome e um tio que mora em Boston. Se eu realmente quisesse ir embora daqui, já teria ido. – Ela franziu as sobrancelhas ao perceber o que revelara. – Então... É uma viagem para Mônaco? – indagou ela com um tom esperançoso, e ele ficou contente. – Daqui a dez dias eu vou para o deserto, para participar do Conselho Anual das Tribos – falou ele quase sem engasgar, o que já era uma vitória. – Você pode partir para Mônaco no mesmo dia, no jato particular. Um amigo da família irá recebê-la e levá-la até o nosso resort. Eu já avisei aos meus pais. Você será acompanhada por um grupo de seguranças. Terá uma semana só para você, princesa, sem deveres e obrigações. A única condição... – É que eu não envergonhe Dahaar – sussurrou ela. Ele percebeu algo no seu tom. Ela não parecia estar feliz nem surpresa. Parecia estar desanimada. – Eu sei que não é exatamente a vida livre que você deseja, mas... Zohra se aproximou e colocou o dedo sobre seus lábios. Aquele simples toque fez com que toda a pele de Ayaan se tornasse sensível. – Esse foi o presente mais atencioso que alguém já me deu. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Ele enxugou o rosto dela. – Então, por que você está chorando, princesa? Ela segurou os pulsos de Ayaan e sorriu por entre as lágrimas. Seus olhos estavam tão cheios de tristeza, que Ayaan sentiu o coração se apertar e esperou por uma resposta que ela não deu. Ele conseguia lidar com a Zohra cheia de energia e de atitude, mas não sabia o que fazer com a Zohra vulnerável. Não aguentaria ficar perto dela sem poder tocá-la, confortá-la. E o conforto que ele queria lhe oferecer adquirira apenas uma forma, que o abalava por dentro e que derivava da necessidade de abraçá-la e de beijá-la. Ayaan se encostou na parede enquanto Zohra olhava para ele, levando a sua capacidade de controle ao limite. Ela se aproximou e parou tão perto que ele podia ver a própria imagem em seus olhos e as suas olheiras azuladas. Pior, podia ver seu sofrimento. Zohra segurou nas mãos dele e se inclinou na sua direção. Ayaan engoliu em seco e sentiu uma avalanche de sensações e de desejos. Sentia o perfume de Zohra, o calor do seu corpo o incendiava. Ele fechou os olhos e rezou para se controlar. Ela se ergueu na ponta dos pés, apoiou as mãos em seu peito e beijou-lhe o rosto. O toque macio de seus lábios, o murmúrio de agradecimento, o roçar do seu corpo contra o dele, tudo isso foi suficiente para que Ayaan se descontrolasse.
Aquele foi um instante que ele jamais iria esquecer. O desejo que ele estivera negando despertou como que por vingança. Ele segurou Zohra pela nuca, ergueu-a contra o corpo e roçou os lábios em sua boca, abafando a sua exclamação de surpresa. Sentiu o fogo se acender dentro dele e se concentrar na virilha. Sentiu a pulsação ecoar nos ouvidos. Lambeu o lábio de Zohra, forçou-a a abrir a boca, e ela abriu e correspondeu ao beijo com a mesma ânsia. Ela tinha o gosto que ele imaginara, de raio de sol, de frescor. Ayaan pressionou os lábios contra os dela, querendo mais, mas a sensação causada pelo roçar dos seios dela contra o peito rompeu o último fio que lhe restava de controle. Ayaan segurou-a pela cintura e apertou-a contra o corpo até que não restasse nem um sopro de ar entre os dois, até sentir o corpo tremer de vontade de possuí-la, de consumi-la, de... Ele absorveu cada som que ela fazia, absorveu seus estremecimentos de prazer, absorveu o gosto que sentiu ao lhe tocar a língua. O gosto dela e aquelas sensações deveriam ser suficientes para manter a sua sanidade durante dez dias no deserto. Zohra ficou atordoada com o poder das sensações que a inundavam. O calor escaldante ameaçava virá-la pelo avesso e a excitação pulsava entre suas pernas. O gosto de Ayaan explodira em sua boca, e o mundo se reduzira a ele. Ela teve a impressão de ter saído do chão. Pendurou-se no pescoço dele e correspondeu ao beijo que lhe tirava a respiração. Quando ele mordeu o seu lábio, ela soltou um gemido misto de dor e de prazer. Ayaan segurou-a pela cintura, acariciou suas costas e resmungou alguma coisa em árabe. Ela percebeu que ele tentava acalmá-la, mas ela não queria ser acalmada. Queria ser agarrada, enlouquecer, queria... O desejo incendiava os pontos do seu corpo que ele tocava. Zohra agarrou-o pelo cabelo, pressionou o corpo contra o dele e inclinou a cabeça, dando tudo o que Ayaan queria, e mais. Ele a apertou contra o corpo, e Zohra não conseguiu mais se mexer. Sentia todos os seus músculos e reentrâncias pressionados contra ele, como se Ayaan quisesse deixar sua marca. Sentia sua ereção contra o ventre. Zohra se contorceu, e ele soltou um gemido e continuou a beijá-la. Explorava sua boca a cada centímetro, ora delicadamente, ora sugando e mordendo. Num instante, com reverência, no outro, possessivamente e com ânsia. E, quando ela já pensava que iria desmaiar de excitação, ele desceu a boca para o seu pescoço. Ela estremeceu descontroladamente. Seu coração batia acelerado e cada batida que ele dava era um murmuro de alerta. Ela só queria que ele preenchesse o vazio que descobrira ter na noite anterior, depois do que Karim lhe dissera e de Ayaan tê-la feito encarar a verdade a respeito de Faisal. Mas fora o presente de Ayaan que realmente a abalara: ela percebera que passaria a vida fazendo passeios maravilhosos, totalmente sozinha. A solidão que sentia seria eterna. O futuro que se estendia diante dela era solitário e sem propósito. A necessidade de procurar conforto nos braços de Ayaan, de se perder em suas carícias, feriaa fundo. Para ele, ela era tão real quanto para as outras pessoas que ela conhecia. Mas Zohra não se importava. Queria apenas usá-lo, como ele a estava usando. Ela abafou a tristeza e beijou Ayaan avidamente. Afastou os lábios e passou a mão pelo peito dele, percebendo que ele contraía os músculos sob seus dedos. Ele beijou seu pescoço e mordiscou sua pele antes de lambê-la. Passou os dedos pela discreta abertura de sua blusa,
mordiscou seu lábio outra vez e colocou a mão sobre o seu seio. Zohra estremeceu e sentiu o calor se concentrar no meio das pernas. A respiração ofegante de Ayaan era o único ruído que se ouvia. – Você está me deixando louco, Zohra. A intensa ânsia com que ele pronunciou o seu nome equivalia a uma carícia. Zohra segurou na mão dele e manteve-a sobre o seu seio. Ele tocou seu mamilo com o dedo, e ela arqueou o corpo e gemeu, mas antes que recuperasse o fôlego, sentiu o frio envolvê-la e percebeu que ele se afastava. Ayaan ainda a segurava. Estava corado e o desejo brilhava em seus olhos, respirava com dificuldade. Repentinamente, ele a soltou e recuou. Zohra ficou tensa e se aproximou dele, como se despertasse de um sonho. – Não diga que isso foi um erro. Ele ficou calada, mas o seu olhar sombrio e a sua tensão diziam tudo. – Eu não deveria ter ficado aqui, nem pedido para vê-la. – Ayaan passou a mão sobre o cabelo, com um gesto que mostrava o quanto ele estava irritado. – Isso não vai acontecer novamente. – Jamais conheci um homem que se odiasse mais do que você por possuir alguma fraqueza. Você é apenas um homem, não é Deus. Existe um limite acima do qual você não pode ignorar as necessidades e desejos inerentes aos homens. – Droga, Zohra... Eu mal sou um homem. – De acordo com que modelo? Você pretende continuar se comparando com seu irmão? Ayaan ficou furioso e cerrou os punhos. – Não... Ouse... Falar... Nele – advertiu ele, escandindo as palavras. Zohra se calou, pegou na mão dele e fez com que ele abrisse os dedos. Não suportava ver a angústia em seus olhos. Ayaan fechou os olhos. Não conseguia raciocinar enquanto ela segurava sua mão. Sentia a sua pele macia, seus dedos trêmulos. Ansiava por tocá-la e acariciar cada curva do seu corpo, ansiava por ceder ao que os dois desejavam. Zohra teria o corpo macio como as mãos? Acolheria suas carícias com a mesma ânsia com que correspondera a seus beijos? Ficaria chocada com todas as maneiras que ele já pensara em possuí-la? – Você gosta de estar comigo, de me tocar – afirmou ela, com uma ousadia que não escondia o tremor da sua voz. – É por isso que você está aqui. Você tomou uma decisão consciente, não foi, Ayaan? Ele respirou profundamente ao perceber por que ela nunca pronunciara o seu nome. Nos lábios de Zohra, o seu nome soava como uma carícia muito íntima, que cruzava um limite que nenhum dos dois queria ultrapassar. – Esta noite, você resolveu ceder, mas amanhã vai se desprezar por ter aproveitado esse momento. Você sequer consegue olhar para mim. Ayaan ficou abalado: ela parecia ter lido seus pensamentos. Ele realmente tinha pensado em passar algumas horas com ela, mas não conseguia esconder o medo de que a intensidade do seu desejo pudesse ser letal. Apesar de Zohra conseguir trazer à tona seus medos mais profundos, ela se tornara um meio de ele romper seu isolamento, a única pessoa que ele procurava e de quem não fugia, a única pessoa que o fazia sentir falta de coisas simples.
– Se você está sugerindo que eu vim aqui para beijá-la... – Não veio, mas isso aconteceu. Você se sente bem perto de mim. – Ela deu de ombros, reduzindo o que ele sentia por ela em algo superficial. – Ainda que isso nada tenha a ver comigo pessoalmente, eu não me importo. Como ela podia ser tão sedutora e, ao mesmo tempo, frustrante, tão perceptiva e cabeça-dura? Ele sentia vontade de sacudi-la, mas não queria voltar a tocá-la. Já provocara problemas demais. – Você acha que a atração que eu sinto não tem nada a ver com você? – Eu comecei a perceber como o meu pai é esperto e entendi o que Karim queria dizer. Se você fosse um homem diferente, não assombrado pelas atrocidades que teve de suportar, jamais teria olhado para mim e, muito menos, se casado comigo. Como você mencionou, a realidade se torna mais suportável, quando nós a aceitamos. Eu percebi que, por não aceitá-la, transformei a minha vida em um inferno. Eu estou sozinha há 11 anos, não tenho amigos, ninguém em quem me apoiar, ninguém para me dizer que eu estou arruinando a minha felicidade. Ayaan deduziu que ela estava pensando no homem que amara, e que ele não podia impedi-la. Zohra se aproximou, e ele se encolheu como se ela pretendesse feri-lo. Desde quando aquele fiapo de mulher conseguia ter tanto poder sobre ele. Como? Ela o encarou com calma e com firmeza. – Eu não aguento mais ficar sozinha. Não aguento mais lutar contra coisas que não posso mudar. Ayaan sentiu um arrepio frio lhe correr pelas costas. – Não diga isso, Zohra. – Eu não posso voltar para Siyaad como esposa repudiada, não posso passar o resto da vida com essas pessoas... Nem mesmo com Wasim e Saira... Mas também não posso abandoná-los. Isso quer dizer que só me resta viver com você. Eu não vou mais discutir. – Você escolheu uma péssima hora para aceitar seu destino. O problema é que nada mudou aqui... – Ele bateu na cabeça. Ela olhou para ele com teimosia. – Eu já testemunhei o que você considera ser uma das suas fraquezas e não fugi. Você não me considera uma pessoa indigna. Isso não seria um começo? Ayaan ficou furioso. – Você quer ser minha esposa e brincar de casinha? Você quer dormir comigo quando eu posso me transformar em um animal que tem pavor da própria sombra? Quer ter filhos com um homem que só traz vergonha ao nome de seus ancestrais? Naquele instante, ele a odiava. Odiava que ela não fosse uma mulher tradicional, do tipo que jamais iria questionar suas ações. Odiava que ela o lembrasse constantemente de tudo que não podia ter e que minimizasse suas fraquezas. – Você quer me tirar o último traço de dignidade? – questionou ele, gritando em voz rouca. Zohra cutucou o peito dele. Tremia toda. Apesar da sua estudada indiferença a respeito do relacionamento dos dois, ela sempre fora a imagem da tentação. Agora, ela parecia ser uma tempestade no deserto e ameaçava enterrá-lo sob o peso dos próprios anseios e desejos. – A sua dignidade é mais preciosa que viver sua vida? Eu não estou falando em amor e flores, Ayaan. Eu sei que nessa vida não há lugar para nada além do dever e estou me conformando com isso. Você veio em meu socorro e jurou castigar Karim por causa do que ele me disse. Por que eu não posso...
Ele sentiu o sangue ferver ao se lembrar de Karim. – Você é minha esposa. A sua honra é minha honra. Eu vou acabar com qualquer homem que a desrespeite, que ouse insultá-la. – Você não vê como essa declaração é única na minha vida? Ninguém já olhou para mim do jeito que você olha, como alguém que seja digno de respeito e de estima. Se você pode fazer isso, por que eu não posso? Se eu puder ajudá-lo, se puder... – Você acha que pode me salvar? Que basta que eu me abra para você, que eu me perca no seu corpo, para magicamente me tornar um homem completo? – Você é uma bomba relógio. Quase não dorme, se mata de tanto fazer exercícios, trabalha mais do que o normal. Se você encontrar um minuto de sossego comigo, eu estou disposta... – A dormir comigo, sabendo que eu estaria apenas usando-a? – interrogou ele, fazendo com que o seu tom fosse o mais debochado e ofensivo o possível, e caindo mais baixo que qualquer canalha que já a tivesse insultado. – Sabendo que, para mim, você não passaria de um corpo maleável, sabendo que eu jamais iria amá-la? Zohra não pestanejou. Em seus olhos, brilhava uma determinação inquebrantável. – Eu não me importo. Quero que a minha vida tenha um propósito. Quero... Fazer parte de Dahaar. Ayaan estremeceu. – Sinto muito, princesa, mas eu não sou algo que você possa consertar. – Então, nunca mais me toque. Falo sério, Ayaan. Nada mais de rituais, de presentes, de gestos para agradar ao público. Eu não quero sequer respirar o mesmo ar que você. Ele se aproximou e Zohra se encolheu como se não quisesse ser tocada nem pela sua sombra. Ayaan sentia a pulsação bater em seus ouvidos. Ela não sabia como a oferta aumentara o seu tormento? O quanto ele queria esquecer o pouco de honra que lhe restava e possuí-la? Como ele desejava poder experimentar a saída que ela lhe oferecia, como queria ter um instante de prazer e de paz com ela? Porque era isso que ela lhe proporcionava com a sua presença. Uma irresistível combinação de prazer e de paz, mas com um custo muito alto. – É tudo ou nada, Zohra? E se eu não concordar? E se eu continuar a tocá-la, a beijá-la, sempre que quiser? – E ele queria. Queria se apossar do pouco que desejava, sem se sentir culpado, sem se arrepender. – Nós dois sabemos que basta nos vermos para sentir o que sentimos. – Mas você não vai fazer isso, vai? Você está furioso por eu ter mudado as regras do jogo. – Ela secou uma lágrima que escorrera pelo seu rosto. – Eu posso não saber nada a respeito de costumes e de tradições, mas sei um pouco a respeito de homens honrados, de homens centrados no dever, como você e o meu pai. – Ela falava num tom de extrema amargura. – Você prefere ver as pessoas sofrerem a trair os seus preciosos princípios. Você nunca mais vai me tocar e jamais vai perceber que, na verdade, você é muito mais do que a lembrança de um homem morto.
CAPÍTULO 8
AYAAN LEVANTOU, atordoado e suando frio. Puxou o lençol enroscado em sua perna, vestiu a calça larga e saiu para a varanda da nova suíte. O céu estava cinza e os primeiros raios de luz ainda estavam distantes, mas ele podia ver as pessoas se movimentando no heliporto, no jardim do palácio. O vento fustigava o seu rosto e o seu peito nu, mas ele não se mexia. Uma semana. Só precisava passar uma semana no deserto, no mesmo lugar onde eles tinham sido atacados e onde ele vira seus irmãos caírem. O medo envolveu-o em suas garras, deixando-o sem ar. Ele se agarrou à grade da varanda e tentou controlar o tremor, mas não conseguiu e deslizou lentamente até o chão. Ele era o príncipe herdeiro de Dahaar, segundo filho do rei Malik Aslam Al-Sharif, descendente dos Al-Sharif que tinham governado Dahaar e o deserto por dez séculos. Sua família tinha uma história valorosa, violenta, repleta de relatos sobre homens que tinham conquistado o deserto em toda a sua glória, que tinham sobrevivido ao seu clima inclemente e criado um meio de subsistência para os seus e para as tribos. E ele, Ayaan bin Riyaaz Al-Sharif, tremia de medo ao pensar em ir para o deserto. A vergonha corria em seu sangue. Fazia seis anos que as tribos não se reuniam. Preocupado, seu pai lhe garantira que um ano a mais não faria diferença. Ayaan ficara aliviado e pensara em adiar, até conversar com a mulher cuja presença lhe lembrava suas fraquezas, e ela lhe fizera uma oferta que ele não podia aceitar. Zohra. Ele também não conseguia apagar a lembrança do seu gosto. A loucura que ela provocava em seu sangue rivalizava com a loucura que se escondia em sua cabeça. Quantas coisas ele iria evitar, quantos deveres iria adiar por ter medo de não ser bom o bastante, por recear que algo o empurrasse para a escuridão que o espreitava? Ele não aguentava mais. Precisava saber, precisava tentar, ainda que mergulhasse no abismo. Perdera tudo no deserto e se perdera, mas não deixaria que o deserto lhe tirasse mais nada. Da próxima vez que olhasse para Zohra, queria saber que ao menos tentara. Ou a história poderia apagar o seu nome da majestosa dinastia dos Al-Sharif.
ZOHRA CRUZOU os braços, passando-os pelo corpo, mudando de um pé para o outro. A túnica de mangas compridas e a legging podiam ser quentes para o sol do deserto, mas, depois de se enrolar na pashmina, ela percebera que aquelas roupas não eram suficientes para enfrentar a manhã fria e o vento que a fustigava. A ideia de passar uma semana no deserto com Ayaan, entre estranhos, a apavorava, mas ela não conseguira mais esperar. Ficara imaginando se um dia conseguiria sair da vida de Ayaan, se um dia iria ter uma vida normal. Entrara em contato com uma das organizações onde trabalhava e assumira um novo projeto. Não perderia a oportunidade de se encontrar com os chefes de tribos de Dahaar, ainda que fosse para ir a Mônaco. – O que está fazendo aqui? Zohra se empertigou e se virou. Os guardas e os empregados que os acompanhavam observaram os dois com uma curiosidade que estava começando a se tornar habitual. – Assim como você, eu estou esperando que o comandante diga que podemos embarcar. Ayaan segurou-a pelo braço, furioso. Ela sentiu a pressão de seus dedos, ouviu a sua respiração pesada e se lembrou de como ele quase devorara sua boca. – Entre na tenda imediatamente, Zohra – ordenou Ayaan. Ela o seguiu, satisfeita por um deles estar mantendo a compostura. Dahaar ansiava por saber detalhes a respeito dos dois. O povo amava Ayaan, mas receava que um dia o seu adorado príncipe voltasse à escuridão. Porque todos sabiam que ele trabalhava muito mais do que o normal, deixando seus assessores exaustos, que ele era rude com as pessoas que ousassem desafiá-lo e que seu relacionamento com os pais era extremamente tenso. Ele era como um animal prestes a atacar e dilacerar qualquer pessoa que ousasse se aproximar. Ninguém questionava a sua sanidade e as suas decisões a respeito de Dahaar. Não, depois dos dez dias que ele passara negociando com o sheik de Zuran e planejando uma estratégia para combater os terroristas que ameaçavam as três nações: Dahaar, Zuran e Siyaad. O mesmo grupo de terroristas que o torturara e que matara seus irmãos. Não, depois que duas células terroristas tinham sido desmontadas em apenas um mês. A imprensa declarara que Ayaan era melhor governante que seu pai, e especulara sobre os progressos que Dahaar faria sob o seu reinado. Se ele sobrevivesse àquele ano... E, estando ao lado dele, vendo-o se esforçar, mas sem interferir, Zohra se sentia mais impotente e inútil do que nunca. Assim que eles entraram na tenda, Ayaan voltou a segurá-la pelos braços. – Saiba que hoje eu não estou com a menor paciência. Por que você está aqui e não a caminho de Mônaco? Zohra franziu as sobrancelhas. Ele estava extremamente tenso. – Resolvi viajar mais tarde. Vou com você, para participar da reunião das tribos. – Eu sei que você resolveu cumprir seu dever, princesa – retorquiu ele com sarcasmo. – Mas a sua presença não fará diferença para ninguém. Ele tinha atingido o seu ponto mais fraco, e Zohra não deixaria passar. – É verdade, mas, sem mim, quem, vossa alteza arrogante, terá coragem de lhe dizer que você está sendo grosseiro?
– Esse será o primeiro conselho das tribos em 6 anos. – O tom de Ayaan se tornara mais calmo, e ele olhava para ela como se quisesse apaziguá-la, mas ela podia ver a angústia em seus olhos. – Se você estiver lá, serei responsável pela sua segurança. Ela nunca estivera tão concentrada em outra pessoa, tão ligada a cada nuance de tom com que ele falava, em cada gesto que ele fazia. Sentia vontade de sacudi-lo e, ao mesmo tempo, confortá-lo. – Eu não desconheço a vida do deserto. Costumava dirigir um projeto em Siyaad, que... – Eu conheço o seu Projeto de Conscientização, Zohra. Você e seu grupo viajam pelo deserto, dando noções de higiene, prevenção de doenças, educação e saúde feminina às tribos. – Você vai romper a sua palavra e me impedir de continuar com o meu trabalho, com a vida que eu levava antes? Ele se aproximou, e os sentidos de Zohra despertaram. Seria mais justo se a cicatriz desbotada acima da sua sobrancelha fosse um defeito, mas ela só acentuava a sua poderosa personalidade. – Bem que você gostaria, não é? Nada a deixaria mais feliz do que eu me tornar o arrogante canalha que você esperava encontrar naquela primeira noite, em Siyaad. – Se você tivesse se comportado como um canalha arrogante, eu não iria me importar que você se arriscasse a ser morto. Eu iria ser uma viúva alegre, não acha? Teria toda a liberdade e nenhuma obrigação... Ayaan roçou a boca em seus lábios. Zohra sentiu os joelhos dobrarem, o calor se espalhar, e amaldiçoou o corpo traiçoeiro. – Faisal estará lá? – inquiriu ele sussurrando, num tom misto de carícia e de insulto. – É por isso que você está ansiosa para voltar ao trabalho? Ela se soltou das mãos dele, com os olhos cheios de lágrimas. – Você acha que há dez dias eu teria lhe proposto que vivêssemos juntos, se estivesse ansiosa para rever Faisal? O que você pensa de mim não é diferente do que os outros pensam, não é mesmo, Ayaan? Zohra tentou se afastar, magoada. Apesar de não querer, passara a se importar com a opinião que ele fazia dela. Ayaan puxou-a de volta e enxugou uma lágrima que ameaçava rolar pelo seu rosto. – Ya Allah, eu não sou digno das suas lágrimas, Zohra – declarou ele, olhando em volta como se procurasse encontrar as palavras corretas. – Eu falei sem pensar. O que eu comentei nada tem a ver com você e, sim, comigo. Por favor, desculpe-me... Ela soltou um longo suspiro. – Então, aceite que eu vá com você, Ayaan. Eu não violei o nosso acordo e fiquei longe de você durante esses últimos dez dias. Acredite que foi um milagre, considerando... – Você existe, Zohra. Isso já me atormenta o suficiente. Ela sentiu o coração falhar. Ele falara delicadamente, mas com profunda emoção. A intensidade do desejo que ela via em seus olhos ficou gravada em sua mente e envolveu seu coração. Ayaan se voltou e deixou a tenda. Zohra abraçou-se ao corpo, sentindo-se ressentida por ter sido dispensada. Deveria ir embora. Não costumava ficar onde não a queriam. Mas passara 11 anos tentando provar que não se importava com Siyaad. Todas as suas ações tinham sido ditadas por algo ao qual ela não queria se submeter, e não por vontade própria. Convencera-se de que estava apaixonada por Faisal,
evitara lutar contra a família do pai por não querer ocupar um lugar entre eles, e agora... Agora, ela não tinha certeza de mais nada. Mas quando se tratava do homem com quem ela se casara... Queria ficar ao seu lado. Não que fosse seu dever ou pelo que isso fosse significar no futuro, mas porque simplesmente queria. Esse era um ponto claro num mar de ações motivadas pela raiva que sentia do pai, pelos anos de sofrimento, que ela transformara em amargura. Zohra não sabia o que a levava a fazer algo que sequer entendia. Mas, fossem quais fossem os demônios que atormentavam Ayaan, ela ficaria ao seu lado o máximo que pudesse enquanto ele os combatia.
CAPÍTULO 9
SENTADA PERTO de
Ayaan, que discutia assuntos importantes com os sheiks de oito tribos diferentes, e usando um vestido bordado que parecia pesar uma tonelada, Zohra se perguntava onde fora se meter. A culpa era sua, por ter resolvido fazer aquela viagem, sem nada conhecer. Não se arrependia de ter vindo, mas sim de não saber, por exemplo, por que estava sentada no maior divã da tenda, com o rosto coberto por um véu e sendo propositadamente ignorada por todos. Nas quatro vezes em que ela viajara para os acampamentos no deserto de Siyaad, fora uma entre três mulheres que tinham ido para trabalhar. E, no início, ninguém, inclusive Faisal, sabia quem era ela. Isso queria dizer que os chefes das tribos mal a toleravam e às outras mulheres, porque o projeto fora autorizado e custeado por seu pai. Tudo fora diferente desde que ela e Ayaan tinham chegado naquela manhã. Uma vez que a futura rainha de Dahaar iria agraciá-los com a sua presença, os chefes das tribos tinham se esmerado e estendido um longo tapete por onde ela iria passar, enquanto moças sorridentes e vestidas com as roupas tradicionais dos beduínos espalhavam pétalas de rosas sob seus pés. De mãos dadas com Ayaan, Zohra hesitara. Achara que iria se sentir uma farsa, mas, pela primeira vez na vida, sentira-se mais excitada que indiferente. Talvez fosse porque ela iria fazer algo de que gostava. Talvez fosse por causa do homem que estava ao seu lado. Zohra pensara que a raiva dele com a sua presença já deveria ter se acalmado, mas tivera a sensação de estar ao lado de um vulcão que iria explodir a qualquer momento. Ela dera uma olhada ao redor. Nunca vira tendas mais luxuosas. O acampamento ficava ao redor de um oásis e era composto por quatro tendas em estilo beduíno, feitas com pele de cordeiro. Assim que eles chegaram, tinham lhes servido refrescos, as mulheres de diferentes tribos tinham se aproximado para recebê-la e Ayaan havia desaparecido. As mulheres tinham lhe perguntado polidamente, se ela estava pronta para ouvir suas demandas. Ela passara a tarde conhecendo as diversas tribos e anotando informações. Mal tivera tempo de descansar em sua tenda e fora avisada de que deveria se preparar para o jantar. Felizmente, o seu estilista embalara o caftan cor de esmeralda que a rainha mandara fazer especialmente para ela. Zohra deixou que a camareira a vestisse da maneira tradicional. Seus pés e suas mãos foram mais uma vez pintados com hena. Seu cabelo foi preso e enfeitado com uma travessa cravejada
de diamantes sobre a qual repousava um véu entremeado com fios de ouro, que lhe chegava até a altura do lábio superior. Ela pensara em se recusar a usar o véu, mas vira o sorriso tímido da moça de uma das tribos e ouvira-a dizer alguma coisa em seu dialeto, e ficara calada. Naquele instante, ela estava cercada por cerca de quinze homens e mulheres sentados em pequenos divãs, que a observavam disfarçadamente. Ayaan estava circulando e cumprimentando cada um deles pessoalmente, aceitando seus presentes e passando-os para o guarda que o acompanhava. Um caprichado banquete fora servido no centro de uma mesa baixa e o cheiro apetitoso da comida se espalhava pelo ar. Subitamente, Zohra sentiu o perfume almiscarado que tão bem conhecia anunciar a proximidade de Ayaan. Ela sentiu o coração disparar. Usando o véu, sua visão ficava limitada e todos os seus outros sentidos se aguçavam. Pela maneira como o ar ficou tenso entre os dois, ela podia dizer exatamente o momento em que os olhos de Ayaan tinham se voltado para ela. Uma das mulheres começou a falar em árabe, recitando algo que podia ser um poema ou uma canção, acompanhada por uma bela melodia. Zohra tentou ficar impassível enquanto Ayaan segurava a barra do seu véu e o levantava, revelando seu rosto. Ele fez com que ela erguesse o queixo e se voltou para os convidados. – Minha esposa e futura rainha, princesa Zohra Katherine Naasar Al-Sharif. A voz dele pareceu acariciar a pele de Zohra. Ela se arrepiou até os ossos. Enquanto isso, todos expressavam sua alegria e lhes desejavam felicidades. Ela tentou não se mexer enquanto Ayaan se sentava ao seu lado. – Não seria eu quem deveria estar furiosa, Ayaan? Afinal, você me descobriu como se eu fosse um presente. Com a expressão muito tensa, ele contraiu os lábios para se acalmar. – Pelo contrário: eles estão manifestando seu respeito por você. Assim como eu não devo falar com a esposa de um sheik sem ser devidamente apresentado, os chefes de tribo não podem olhar para você, sem que eu lhes dê permissão. – Como se todas nós fossemos seus troféus. – Beba, Zohra – ordenou Ayaan, pegando um cálice de prata e levando-o à boca de Zohra. Ela percebeu que todos os convidados tinham erguido seus cálices e os observavam. Constrangida, Zohra bebeu um gole. A temperatura entre os dois se elevou. O gesto que parecia tão íntimo lhe tirara o fôlego. Uma gota de bebida ficou no canto de sua boca, e Ayaan a enxugou com o dedo. Ela sentiu o desejo se espalhar pelo sangue, como se ele tivesse lhe ateado fogo. A bebida doce e fria não ajudava a amenizar o calor que lhe corria nas veias. Sem deixar de olhar para ela, Ayaan bebeu no mesmo cálice, e todos começaram a gritar vivas. – No passado, as tribos eram formadas por bárbaros que lutavam internamente e entre si para sobreviverem. Nos últimos cem anos, eles se tornaram um pouco mais civilizados, mas nesse mundo, as mulheres ainda precisam ser protegidas, seja de membros da própria tribo ou de outras, ou até da realeza. Isso é um sinal de respeito, de reverência, e é algo que é levado muito a sério. Independente de se eu concordo ou não com os seus princípios ou com o seu estilo de vida, o meu dever é respeitá-los e protegê-los. – Ele se voltou para ela, e Zohra sentiu a força do seu olhar atingi-la profundamente. A ironia brilhava em seus olhos, deixando-os com um tom
dourado. – Você já se cansou de se dedicar ao dever, ya habibati? Está pronta para admitir que esse mundo não foi feito para você? Um mês ou um dia antes, ela teria concordado com ele e teria ficado extremamente frustrada. Ficar ali, parada como um pacote que deveria ser desembrulhado, ia contra todas as crenças que ela tanto lutara para manter. Mas ela também vira e ouvira em primeira mão, durante as conversas que tivera naquela tarde, o papel importante que as mulheres desempenhavam na hierarquia das tribos. Elas levavam uma vida que ela não se imaginava levando, mas que compreendia, talvez por Ayaan estar explicando, ou talvez pelo fato de estar vendo aquele mundo, seus costumes e suas tradições sem as lentes do preconceito. Zohra sacudiu a cabeça e viu que a ironia desaparecia do rosto dele. – Eu não gostei que você tivesse tirado o meu véu como se eu fosse incapaz de agir sozinha. Também não gosto de ser tratada como objeto de posse, ainda que seja altamente respeitada. Mas eu não vou fugir. – Por que concordar com tudo isso? – Ele olhou para ela com curiosidade. – Com o véu, com essa cerimônia, com tudo. E não me diga que foi forçada. Você não tem motivos para agradar essas pessoas. Eu a conheço, Zohra. Quando quer, você é o protótipo da princesa. Fiquei surpreso por você não aparecer aqui vestindo um jeans e uma camiseta, só para mostrar o seu desprezo por tudo isso. – Você tem tão pouca fé em sua esposa, Ayaan? Apesar do fato de termos de passar mais meio século vivendo juntos? – Não me provoque. As suas ações passadas falam por você. – Eu me ressenti, mas pensei em você e... – Ela viu uma chama se acender nos olhos dele e se apressou a acrescentar. – Na sua mãe, no seu pai, em tudo que a sua família perdeu para proteger o estilo de vida das tribos e a sua independência. Percebi que, não importa se eu posso ou não acrescentar algo ao nome e à glória da sua família, se serei ou não um desvio na sua árvore genealógica, mas eu não quero fazer nada que a diminua. Portanto, concordei. E estou percebendo que isso em nada enfraqueceu as minhas crenças. Zohra ficou satisfeita por tê-lo deixado surpreso, mas a sua satisfação não durou muito porque, de repente, uma verdade horripilante lhe ocorreu. – Foi por isso que a vida de vocês foi sacrificada, não foi? – perguntou ela, com um pavor que não conseguia expressar. Ayaan ficou paralisado e não respondeu. Ela pegou na mão dele e, como já previa, ela estava gelada. – Eu li a história das suas tribos, mas até agora não tinha me dado conta: foi por isso que os terroristas capturaram você e seus irmãos. Eles queriam assumir o controle das tribos, não queriam? Foi exatamente deste lugar que eles o levaram como refém, há 5 anos, não foi? É por isso que você... – Sim – respondeu Ayaan por entre os dentes, e ela teve certeza de que ele só respondera para fazer com que ela se calasse. Um nó se formou na garganta de Zohra. As lágrimas ardiam em seus olhos, mas, desta vez, ela não conseguiria evitá-las e sequer tentou. – O seu pai recusou? – Ela já sabia a resposta. No fundo, sabia como era aquela vida e pensara ter se conformado com ela há 10 anos e tê-la aceitado como sendo a sua realidade.
Mas compreender a verdade sobre Ayaan a atingira com toda a força e o seu peito se apertara tanto que, quando ela respirava, doía. Zohra pensou que, em nome do dever, seu pai a abandonara e à sua mãe. O pai de Ayaan fora ainda mais longe. Recusara-se a negociar com um grupo de terroristas e resolvera abrir mão da vida dos filhos: dois tinham sido mortos e um, torturado até a loucura, mas ele não se curvara. Zohra tremia descontroladamente. Ayaan passou as mãos por cima de seus ombros, e o calor do seu abraço quase conseguiu amenizar o frio que ela sentia correr no sangue. – O meu pai cumpriu seu dever, Zohra. Se tudo acontecesse de novo e fossem nossos filhos, os filhos que seriam frutos da vida que você está tão disposta a levar, eu seria forçado a fazer o mesmo. Provavelmente eu ficaria louco e daria o último passo na direção da escuridão, mas, ainda assim, o faria. Ele pressionava os braços sobres os ombros dela, o calor do seu corpo dava uma falsa impressão de segurança, mas nada diminuía a frieza em seus olhos, ou a crueldade do seu sorriso. – Você ainda quer pertencer a Dahaar, princesa? Quer ser minha esposa em todos os sentidos? AYAAN PAROU na entrada do estábulo, a pouco mais de 800 m do acampamento. Cinco anos de abandono refletiam na estrutura decrépita. Desde o instante em que ele pisara no deserto, aquela construção debochara dele, chamara-o e o desafiara com a sua simples presença. Resistir ao chamado, ignorá-lo, fingir que ele não era a causa do frio que lhe atingia os ossos, deixava-o cheio de fúria. Naquela noite, ele nem pensara em dormir. Resolvera caminhar e acabara rondando a tenda de Zohra. A dor e a desilusão que ele vira em seus olhos tinham-no atingido de uma maneira tão forte, que ele tentara pintar o quadro mais cruel que conseguira do que seria o seu futuro com ele. Ayaan sentira vontade de entrar na tenda, de abraçá-la e de fazer tudo que fosse possível para apagar aquele quadro da sua cabeça. Compreendia a solidão sempre presente nos olhos de Zohra, sabia como a solidão consumia qualquer traço de alegria que alguém pudesse ter... Mas, pelo visto, sua cabeça o controlava mais do que ele achava, porque, repentinamente, ele se vira caminhando na direção do estábulo. Ele passou pela porta. O teto arredondado dava a impressão de que se estava entrando em uma caverna. O interior era longo e retangular, dando completa visão das baias vazias. A maioria das lanternas tinha se apagado e a luz fornecida pelas que tinham restado era apenas suficiente para evitar que o espaço desaparecesse na escuridão. Ayaan esfregou a nuca, sentiu o vento frio penetrar em seus poros e ficou todo arrepiado. O cheiro já esquecido de cavalos e de feno e o ruído do resfolegar das feras voltaram a atingi-lo com a força de um vendaval. Ele sentiu o cabelo se arrepiar e a sua temperatura interna despencar. Cuidado com os gatilhos. Quando pressentir que vai ter uma crise, procure uma zona livre de gatilhos. As palavras do especialista em traumas ecoaram em sua cabeça. Ayaan fechou os olhos, mas sentiu as garras do medo rasgarem a sua carne, impedindo o seu raciocínio.
Ele adorava cavalos e estábulos como se eles estivessem em seu sangue. Quando criança, passara muitas noites nos estábulos de Dahaar, escondendo-se de Azeez. Mas aquele menino estava morto. Tentando se sustentar sobre as pernas, ele percorreu a extensão do estábulo. Sabia o que iria acontecer, mas não conseguia sair dali. Se estava destinado a ter crises pelo resto da vida, podia muito bem tê-las quando e como lhe conviesse. A angústia subiu por suas costas e se alojou na base de sua nuca. Ayaan cerrou os punhos e se concentrou em respirar. O silêncio parecia adquirir vida e se tornar seu pior pesadelo. Parecia latejar em sua cabeça, tirando-lhe qualquer traço de racionalidade, de sensatez. Ele era um homem de 26 anos, treinado em três tipos de artes marciais, mas sua mente não funcionava e se alimentava com os medos e terrores de cinco anos atrás. O silêncio inflexível, os cheiros e os sons do estábulo penetravam em sua consciência, provocando reações que nada tinham a ver com a realidade. Ayaan soltou um gemido frustrado e caiu de joelhos como se tivesse sido puxado por uma corda invisível. E, então, começou. O som que lhe causava calafrios incontroláveis e parecia perfurar seu corpo. A náusea que lhe causava ânsia de vômito. Ayaan fechou os olhos e se entregou à escuridão. Estava sentado no chão duro, com o pé dobrado em um estranho ângulo. Os ventos do deserto uivavam lá fora. Ele ouviu um leve grunhido, seguido por um som arrastado no chão do estábulo. Ayaan, você está me ouvindo? O cheiro de sangue misturado com feno atingiu as narinas de Ayaan. Seus dedos se fecharam com tanta força sobre seus ombros magros, que ele sentia as juntas doerem, mas não conseguia soltá-los. Nunca iria deixá-la. Só precisava de um pouco de tempo. Ele sentia uma dor terrível no ombro e uma bala atingira o lado esquerdo de sua cabeça. O sangue escorria e entrava em seu olho. Com a visão embaçada pelas lágrimas e pelo sangue, ele se sentia tonto. E ouvia outra vez aquele ruído arrastado, um som de borbulhar em seus braços. Um som que o enchia de fúria. Uma mão fria e trêmula agarrou sua coxa com força. Ayaan, você precisa ir embora... – Não... – bradou ele. A mão trêmula tentou fazer com que ele soltasse o corpo que estava em seus braços. Ayaan segurou-o com mais força. Não podia soltar... Jamais... Já cometera um erro quando hesitara em atirar. Não poderia cometer outro. Ele sentiu o gosto de fel, virou para o lado, cuspiu e limpou a boca. Só precisava de um minuto. Assim que a sua visão clareasse, ele a tiraria dali... Ele ouviu o som novamente, seguido pelo ruído da respiração espasmódica. Ayaan, escute... É tarde demais para Amira e para mim. Você precisa ir embora... Agora. – Naaão...! Ayaan gritou até sentir a garganta doer, até ter a sensação de que sua cabeça iria explodir, até se tornar todo dor e ódio. Se ao menos ele não tivesse congelado, se tivesse sido mais rápido, se tivesse bloqueado o próximo tiro com o corpo... Havia tantos “se”... Algo tocou o seu ombro, confundindo seus pensamentos. Com um grito que não saiu da garganta, Ayaan se ergueu sobre os joelhos e arremessou o intruso contra a porta de uma baia.
A adrenalina se espalhou pelo seu corpo e a fúria correu em suas veias. Desta vez, ele não iria hesitar. Uma chance, e ele os arrastaria para um lugar seguro. Ele só precisava de uma chance. Um soluço fraco atravessou a névoa que lhe envolvia a cabeça. Ayaan se aproximou e viu que o intruso era pequeno, quase delicado. Durante aquele segundo que interrompeu a sua concentração, um chute bem dado acertou sua perna. Um estranho perfume de rosas atingiu a periferia da sua mente. Ayaan ficou paralisado. Aquele cheiro não estava certo. Deveria haver apenas o cheiro de sangue, de lágrimas, do seu próprio medo. Não deveria haver... Ele abriu os olhos e deu um salto tão brusco para trás, que bateu com as costas e com a cabeça na parede. Enquanto sua cabeça latejava, seu peito se encolhia tanto que ele mal respirava. Vestindo uma calça preta e um caftan branco, Zohra estava encostada na parede oposta, com o longo cabelo caindo por sobre o ombro. Ayaan engoliu a bile que lhe subira à boca e se aproximou dela com cuidado e tremendo. O medo vibrava como um tambor tribal em seu sangue, enquanto ele tentava erguê-la. Zohra não se mexia em seus braços, e ele voltou a sentir vontade de vomitar. Procurou sentir o seu pulso na garganta e respirou, aliviado. Ela abriu os olhos lentamente. – Zohra, você está me ouvindo? – Estou – murmurou ela. – Agora que você sabe que eu não ia atacá-lo, pode me soltar? Ayaan praguejou e afastou os dedos da garganta dela. Ela o empurrou, e ele caiu sentado, sentindo o estômago se revirar. Zohra massageou a nuca, apoiou-se na parede e fechou os olhos. Respirava com dificuldade. Ele poderia tê-la machucado. Se não tivesse parado... Quando se deu conta disso, Ayaan ficou apavorado e começou a tremer. – Eu podia ter matado você. Os olhos de Zohra chisparam. Seu medo se fora e dera lugar à fúria, que sacudia o seu corpo e dificultava a sua respiração. Ela ergueu a mão e, apesar de perceber o que ela iria fazer, Ayaan não conseguia se mexer ou impedi-la. Ela lhe deu uma sonora bofetada, que ecoou dentro do estábulo. O seu queixo tremia e as lágrimas escorriam pelo seu rosto. – Creio que você realmente deve estar louco – falou ela num tom tão violento quanto a bofetada. – Por que outro motivo alguém iria se submeter a tanto sofrimento? Você sabia o que poderia acontecer com você ao vir aqui. O deserto, esse estábulo... É por isso que ultimamente você tem sido tão... desumano e mantido as pessoas a distância. – Zohra enxugou o rosto com a manga do caftan. – Você viu seu irmão e sua irmã morrerem aqui. Por que entrou nesse lugar? – Apesar de enfraquecida, ela deu um empurrão em Ayaan. – Eu quero uma resposta. Ayaan segurou na mão dela. – Se eu me escondesse, se fingisse que esse lugar não existia, ele iria me assombrar pelo resto da vida. Eu precisava vir até aqui. Precisava saber o que esse lugar provocaria em mim – Na próxima vez que eu visse você, precisava saber que o tinha enfrentado, em vez de me esconder. Zohra se soltou e sacudiu a cabeça. – Se isso o tivesse levado ao limite, se o tivesse levado à... Ayaan abraçou-a e escondeu o rosto em seu cabelo.
– Esse era um preço que eu estava disposto a pagar. – Ele inalou o perfume de seu cabelo. – Droga, Zohra. Como pôde ser tão tola a ponto de me seguir? Ela o empurrou mais uma vez e tentou se soltar. As lágrimas corriam livremente pelo seu rosto. – E você acha que não serve para ser rei, que não tem o que é preciso? Você é um tremendo idiota, Ayaan. Você tem toda a arrogância necessária para governar o seu maldito país. Agora, solte-me. – Não – falou ele com firmeza, abraçando-a com mais força. Zohra caiu sobre os seus joelhos e tentou desesperadamente se soltar, mas ele não ligava. Continuava a segurá-la gentilmente, mas com firmeza, porque não podia conceber a ideia de soltá-la. Ela acertou um soco no seu estômago. Ayaan segurou-a pelos ombros e fez com que ela inclinasse a cabeça. Como se soubesse o que ele pretendia, Zohra parou. Ele enfiava os dedos em seu cabelo, procurando alguma contusão em sua cabeça. – Não há nenhuma contusão, Ayaan – assegurou ela, contorcendo-se. Ayaan fechou os olhos para tentar conter as lágrimas que lhe subiam aos olhos e puxou-a, esquecendo qualquer gentileza. – Eu disse que não há contusão, Ayaan. Eu só fiquei atordoada por alguns segundos. Eu... Mas ele já superara o zelo, o horror, o bom senso. Ajoelhou-se, levantou e carregou-a para fora do estábulo. – Ponha-me no chão, Ayaan! – vociferou ela, se contorcendo. Ele a apertou com mais força contra o peito. Ela não sabia o quanto era delicada? Por que se arriscar, se sabia que ele podia se tornar um animal enfurecido quando estava enfrentando um pesadelo? – Não. – Por favor, Ayaan, você está me assustando. Ele teve de rir. Agora ela estava assustada? Estava assustada depois de tê-lo feito passar por tudo aquilo? – Eu avisei várias vezes que você deveria ficar longe de mim, mas você não me ouviu. Você fez uma escolha, habibati. Essa escolha tem consequências. Zohra estremeceu ao ver que ele a levava na direção da sua tenda. – Para onde você está me levando? – Para a minha tenda. – A camareira vai cuidar de mim. Eu quero tomar um banho e ir dormir. – Você pode fazer isso na minha tenda. – Por quê? – Eu poderia tê-la machucado seriamente, Zohra. Mais alguns segundos, e eu teria... – Ele respirou profundamente, mas não conseguiu se livrar do nó na garganta. Seu peito doía tanto que ele duvidava poder respirar. – Mas não machucou, Ayaan. – Ela roçou os dedos no seu queixo. – Você se conteve. Por favor, a decisão de ir atrás de você foi minha. A culpa não foi sua. Você não podia saber quem era. Estava mergulhado na lembrança, estava fora de si. Você não pode se culpar... – Quando deveria ter se encolhido de medo de mim, você não se afastou. – Ayaan entrou na tenda e dispensou os guardas. – Eu fecho os olhos e vejo você... jogada contra a parede. Ya
Allah... Se você tivesse... Ele a soltou em cima da cama e tremeu de raiva. O seu rosto estava pálido, seus olhos castanhos brilhavam. – Eu não podia deixar que você passasse por isso sozinho. – Agora, essa imagem vai me assombrar, ya habibati. – Ayaan ajoelhou na beirada da cama, sentindo necessidade de abraçá-la, de beijá-la. – Só uma coisa poderá apagar essa imagem. Zohra estremeceu. – O quê? Ele tremia da cabeça aos pés. Queria sentir o perfume de Zohra, queria senti-la. Queria ouvila gritar de prazer, vê-la se debater enquanto se desmanchava em seus braços, queria ter certeza de que ela estava viva. Ayaan se levantou, foi até a entrada da tenda e mandou chamarem uma camareira para ajudar Zohra. Ele tirou a camisa encharcada de suor e jogou-a de lado. Estufou o peito orgulhosamente, ao ver que Zohra olhava para ele, sem conseguir esconder seu desejo. – Uma nova imagem de você, habibati. Nua e se contorcendo sob o meu peso, implorando para que eu a possua, gritando o meu nome ao atingir o êxtase. – Ayaan sorriu ao sentir que o intenso desejo que estivera contendo se livrava das correntes que o prendiam. – Esta noite eu vou fazer com que você seja minha, Zohra. E você vai desejar nunca ter me conhecido.
CAPÍTULO 10
ZOHRA DESPERTOU lentamente e esperou que seus olhos se ajustassem à obscuridade da tenda. Sentia as pernas pesadas, como se estivessem cheias de ferro derretido. Afastou o cabelo que caía sobre os olhos e percebeu que ainda estava molhado do banho que Ayaan mandara prepararem para ela. Tentou se levantar da cama, gemeu ao sentir a dor no ombro e começou a massageá-lo, ao mesmo tempo em que Ayaan aparecia ao seu lado. Ele ainda estava molhado e vestia apenas uma calça de moletom. Ela se agarrou ao lençol ao ver a sombra de pelos que desciam por seu peito e que imploravam para serem tocados. Vê-lo ao seu alcance, na mesma cama, resultava em uma intimidade irresistível. Zohra se recordou do que ele declarara depois de jogá-la sobre o colchão e sentiu um arrepio descer pelo corpo. Lembrou-se das camareiras chegando e enchendo a banheira, despindo-a e lhe fazendo uma massagem. – Por favor, diga que eu não desmaiei – falou ela calmamente por não querer aumentar a culpa que Ayaan já sentia. – Acho que você gosta de dormir dentro de banheiras, ya habibati – sussurrou ele. Ela ficou aliviada. Ayaan sentou diante dela, aproximou-se e lhe tocou o seu ombro. – Aqui? Ela assentiu, enquanto ele massageava o seu ombro demorada e delicadamente, com as pontas dos dedos, reduzindo-a a um feixe de sensações. O cheiro da pele de Ayaan parecia penetrar no seu sangue e desencadear algo além do simples desejo físico. Zohra tocou-lhe o peito, sentiu a firmeza dos seus músculos e se ergueu até se sentir totalmente envolvida pela força do seu corpo. Soltou um suspiro e abraçou-o, esperando ser rejeitada, mas ele a abraçou com força. Ela sentiu um nó se formar na garganta e fechou os olhos. Por apenas um segundo, aquele abraço resumia tudo que ele era. Ela sentiu que ele subia a mão pelo seu pescoço, enfiava os dedos em seu cabelo e beijava a sua testa. Sentiu o calor do seu suspiro de alívio sobre a pele, abafou um gemido e escondeu o rosto no ombro de Ayaan. – Você tem um cheiro maravilhoso, latifa.
Zohra não teve controle sobre o que fez a seguir. Abriu a boca e lambeu o peito dele. Sentiu o calor aquecer sua pélvis e se concentrar no meio de suas pernas. Ele tinha um gosto doce e salgado que ela nunca sentira. Ayaan estremeceu, e as batidas aceleradas do seu coração ressoaram nos ouvidos de Zohra. – Eu quero tanto estar dentro de você, que chega a me doer fisicamente... – O desejo que vibrava na voz dele pareceu envolvê-la. Zohra abraçou-o pelo pescoço. – Mas, Ya Allah, Zohra, depois de tudo que viu, você ainda quer fazer isso? – Ele encostou a cabeça no seu pescoço, segurando-a de maneira possessiva, enquanto lutava contra ele mesmo, contra a honra que estava em seu sangue. – Se eu tocá-la, não terei forças para parar. Ao pensar que ele poderia ir embora, Zohra sentiu o coração se apertar. A imagem de Ayaan com as mãos na cabeça e o rosto coberto de angústia, como o vira antes, deveria afugentá-la, mas, pela primeira vez, ela percebera o peso do dever que ele carregava com orgulho e com elegância, compreendera a honra que ele via em dar tudo de si e a batalha que ele travava a cada dia, sem se queixar. Porque ele nascera para fazer aquilo. Aquela era a sua realidade. E ela ansiava por fazer parte dela. Ela queria lhe dar prazer, queria ser o alívio que ele procurava, queria estar com ele porque, pela primeira vez, desde que se lembrava, ela não se sentia em conflito, confusa, e tinha certeza de que aquilo estava certo. – Ayaan... – suspirou ela, imaginando por que seu coração sempre escolhia o caminho mais difícil. – Eu não estou aqui porque me ensinaram que eu não deveria fazer isso, por querer ultrapassar os limites ou por querer atingir alguém. Eu estou aqui porque quero fazer isso. Ela murmurou o nome dele repetidamente, junto ao seu peito, ouvindo as batidas do seu coração. Desceu as mãos pelo seu peito, adorando sentir que ele contraía os músculos. Ayaan estremeceu e praguejou. Ainda segurando seu cabelo, ele fez com que ela se levantasse. Em seus olhos havia o brilho de vários sóis, do seu desejo, de seus demônios e de suas lutas. Tudo estava à mostra para que ela pudesse ver. Naquele instante, ele lhe tirava o fôlego, e Zohra não sabia como se segurar, como evitar se perder nele. Ele soltou um gemido desesperado. – É o que eu queria, mas não tenho preservativos, Zohra, e não posso me arriscar a... – Faz muito tempo que eu tomo anticoncepcional – confessou ela, sem conter o nervosismo. Ele olhou para ela, sem nada dizer. Zohra se questionou se a perfeição daquele momento iria se estragar. – Ayaan, eu sei o que você está... – Shh – disse ele, segurando o rosto dela. – Você me quer como eu sou, não é, Zohra? – Ela concordou, sentindo o coração bater na garganta, percebendo que caminhava no limite entre o querer e algo mais forte, que maculava a beleza do homem que a segurava. – Eu também quero você do jeito que você é. Ele puxou-a até seus lábios ficarem a centímetros de distância. A expectativa a revirava por dentro, seus músculos amoleciam. Ela sentiu os lábios quentes e macios de Ayaan tocarem os seus. Ele a segurou pelos quadris e lambeu seu lábio, mordiscou-o, voltou a lambê-lo exigindo, apossando-se de sua boca e perdendo totalmente o controle. E voltou a fazer isso tudo, até que suas respirações se misturaram e suas bocas se fundiram, até deixar um pedaço de sua pele encravado na dela.
De vez em quando, ele a deixava respirar, e Zohra voltava a se entregar. Uma lambida erótica, um toque da palma da mão em seu corpo, um sussurro pecaminoso em seu ouvido, e ela se perdia em um mar de sensações e o agarrava pelo cabelo, pressionava o corpo contra o dele e lhe acariciava as costas. – Por favor, Ayaan... – Ela implorou com voz trêmula. Ele passou as mãos por seus ombros, por seus braços, com um olhar intenso de desejo. – Eu não tenho lembranças do corpo de outra mulher, Zohra, não me lembro de já ter sentido esse tipo de desejo. – Ele lambeu a veia que pulsava na garganta de Zohra e alimentou a chama do seu desejo. – Você sabia o quanto eu queria sentir o seu gosto e quantas vezes eu fiquei do lado de fora da sua porta, lembrando os motivos pelos quais não podia entrar? – Ele sugou a garganta de Zohra, e ela se derreteu. – Eu a expulsei do meu quarto, mas o seu perfume ficou no ar. – Ayaan pegou nas mãos dela e colocou-as sobre a sua ereção. Ela se sobressaltou e sentiu o calor entre as pernas se intensificar quando pensou que logo ele estaria dentro do seu corpo. – Faz um mês que eu não consigo me tocar porque só penso em ser tocado por você e por sua boca. – Ao saber dos pensamentos eróticos que ele tivera com ela, Zohra sentiu a umidade se espalhar pelo vértice das coxas. Tocou-o, e Ayaan se afastou e segurou na mão dela. – Não, Zohra. Você só vai me tocar depois de eu ouvir seus gemidos e de ter acariciado todo o seu corpo e lambido o meio das suas coxas. Zohra prendeu a respiração. Ayaan desceu a boca pelo seu pescoço, lambendo-a, beijando-a, excitando-a cada vez mais. Ela estava tão perdida no que ele fazia com a boca, em como ele seguia a curva do seu seio, que só reparou que ele segurara a barra da sua camisola, quando ele a tirou pela sua cabeça. Zohra cobriu os seios instintivamente, mas ele continuou olhando para baixo, e ela acompanhou o seu olhar. Sua calcinha de seda creme era tão minúscula que mal a cobria e tinha o cós enfeitado por pequenas pedras que refletiam a luz. – Eu... – Zohra suspirou quando ele passou o dedo sobre o cós. – A estilista fez as minhas malas. – Ayaan espalmou a mão sobre a calcinha, e ela pressionou o corpo contra seus dedos, ansiando por mais. Ele beijou-lhe a testa e pressionou os dedos sobre seu corpo. Ela soltou um soluço e mordeu o ombro dele. – Eu pedi que preparassem você para mim. Lembre-me de agradecer à sua estilista. O tom malicioso era tão excitante quanto os dedos dele, e Zohra voltou a arquear o corpo. Os olhos de Ayaan ficaram mais escuros que o deserto ao anoitecer e se voltaram para seus seios e para seus mamilos endurecidos. Ela fechou os olhos, ouviu-o ofegar e sentiu uma onda de satisfação. – A minha imaginação não lhe fez justiça, Zohra. Sabe quantas vezes eu imaginei seus seios? Ela sentiu que ele tocava a curva do seu seio e gemeu. Ele segurou seus seios e circulou seu mamilo com os dedos, e ela estremeceu. Sentiu o calor da boca de Ayaan no meio dos seios e percebeu que ele continha a respiração, quase com reverência. Zohra começou a tremer e sentiu as pernas se dobrarem. Ele passou o braço pela sua cintura e a segurou. Ela sentiu os seios se avolumarem, a garganta ficar seca, a respiração, ofegante, mas ele continuou a provocá-la, sem tocar seus mamilos, até que ela soltou um soluço rouco e pegou na mão dele. Ayaan segurou seu pulso e beijou-a. – Abra os olhos, Zohra.
Ela olhou para baixo, viu-o tocar seu mamilo com a ponta dos dedos, sentiu uma onda de prazer indescritível e gemeu. – Veja o que eu estou fazendo com você – mencionou ele em tom rouco e excitante. A visão era tão fascinante que ela não conseguiria fechar os olhos, nem que ele pedisse. Ele apertou seu mamilo, sugou-o e empurrou-a sobre a cama. Ela gritou o nome dele e o som ecoou na tenda e, provavelmente, pelo deserto. Zohra segurou-o pelo cabelo e pressionou sua cabeça contra o seio, num apelo desesperado. Ele a sugou mais avidamente, até que tudo que ela podia ver, sentir e ouvir era o ruído da sua boca. O prazer se apoderara de todos os seus sentidos. Ayaan fez com que ela se deitasse na cama e beijou sua barriga. Pegou um lenço de seda e, antes que ela percebesse, fez com que ela esticasse os braços acima da cabeça e amarrou seus pulsos delicadamente. Beijou-a e colocou alguns travesseiros sob sua cabeça. – Para você poder ver o que eu estou fazendo com você. Ela sentiu o calor se espalhar pelo corpo, enquanto ele beijava o contorno da sua calcinha, descia-a por suas pernas e se inclinava sobre ela. – Olhe para mim, Zohra – ordenou ele, com a voz tão carregada de desejo e de satisfação, que a fez vibrar. Zohra olhou para ele, conteve a respiração e tentou soltar os pulsos. Queria tocá-lo e retribuir o prazer que ele estava lhe dando. Ayaan roçava as pontas dos dedos na parte interna de suas coxas, com a expressão primitiva de um guerreiro conquistador. E, então, ela sentiu que ele colocava a boca na parte mais íntima do seu corpo e a lambia. Zohra ergueu o corpo da cama, tremendo, o prazer se espalhando dentro dela com tamanha intensidade que seus quadris se mexiam por conta própria. Ela gritou alto quando ele a lambeu demoradamente e depois beijou-a, fazendo com que ela gravasse a imagem de sua boca contra a carne trêmula. Ele continuou a provocá-la até que seu corpo fosse atravessado por espasmos. Ela emitia sons, às vezes, um soluço, um gemido, às vezes dizia o nome dele, implorando, pressionando a cabeça no travesseiro. Zohra tinha a sensação de que a excitação iria fazê-la sair da pele. Aumentava, quando ele a tocava, diminuía, quando ele deixava de tocá-la por um segundo. O orgasmo a atingiu com a força de uma tempestade. Ela tentava sorver o ar, mas soluçava, produzindo um ruído rouco que soava erótico. Ondas de prazer, agudas e de tirar o fôlego, pareciam virá-la do avesso. Mas Ayaan não parava. Segurava-a pelos quadris e continuava a acariciá-la com a língua até extrair cada gota de prazer do seu corpo, até que ela se tornasse uma massa trêmula de sensações. Quando os tremores do clímax se acalmaram, Zohra se deixou cair sobre a cama e sentiu um arrepio, desta vez, de inquietude, lhe subir pelas costas. Ainda com as mãos amarradas acima da cabeça, ela se virou de lado, sentindo-se subitamente envergonhada. Ayaan afastou o cabelo úmido que caía sobre a sua testa e beijou sua têmpora, acariciou a curva do seu quadril, suas pernas, suas costas. A maneira como ele a acariciava acalmava algo dentro dela, que não deveria precisar ser acalmado. – Zohra? Ouvi-lo dizer o seu nome aqueceu-a internamente, e ela percebeu que ele lhe fazia uma pergunta. Zohra concordou com a cabeça e lhe mostrou os pulsos amarrados. Ele sacudiu a cabeça com um olhar de pura arrogância masculina.
– Eu nunca vi nada mais erótico que você tendo um orgasmo. Acho que posso ficar viciado nisso. Ele a beijou, e Zohra sacudiu a cabeça. – Acho que o acampamento inteiro me ouviu, Ayaan – Tem alguém... – Ninguém que esteja perto o suficiente, ya habibati – respondeu ele, adivinhando a pergunta que ela iria fazer, virou-a de frente e se colocou em cima dela. Ele era pesado, mas sentir seu preso era um prazer. – Ayaan? Ele enterrou o rosto no seu pescoço. – Hã...? Ela ia falar, mas desistiu porque o medo obstruíra sua garganta. As sombras sempre presentes nos olhos de Ayaan haviam desaparecido, e ela não queria arriscar a fragilidade daquele instante, mencionando outra pessoa. – Eu queria uma coisa... Ele segurou-a com maior firmeza. – Esta noite você terá tudo que quiser, ya habibati. – Eu queria tocar sua cicatriz, beijá-la, lambê-la. – Ayaan suspirou junto ao seu seio e, em seguida, desamarrou suas mãos e deitou-se na cama. Ela ficou admirando o seu corpo, com a respiração ofegante. Seu cabelo estava caído sobre a testa. Ele esticara os braços acima da cabeça. Seu torso largo se estreitava na cintura, e seu abdome era reto. A parte inferior do seu corpo estava escondida sob a calça de moletom, e a sua pele cor de oliva brilhava de suor. Era uma imagem que ela guardaria para sempre. Zohra se deitou de lado e passou os dedos sobre a cicatriz enrugada. Sentiu as lágrimas lhe subirem aos olhos, mas controlou-as. Naquele momento, não havia lugar para a compaixão. – Como você ficou com essa cicatriz? – indagou ela baixinho, encostando o rosto na pele de Ayaan, sentindo o seu perfume cítrico. Ele enfiou os dedos no cabelo dela. – Eles me amarraram com uma corrente de ferro cheia de nós – respondeu ele simplesmente. Zohra abafou uma expressão de terror e chegou para mais perto dele, roçando os seios contra o seu peito, enquanto beijava a cicatriz. Sentiu que ele lhe puxava o cabelo e que contraía o peito, e levou alguns segundos para entender que ele tinha gostado. Ela se apoiou sobre o cotovelo, passou a língua ao longo da cicatriz e cobriu-a de beijos. – Vire-se. Para satisfação de Zohra, ele se virou. Livre do seu olhar, ela se tornou mais ousada, se ajoelhou e beijou a cicatriz que lhe atravessava o torso e roçou os seios em sua pele. Desta vez, os dois gemeram. – Vire-se de novo – murmurou ela. Ele se virou. Ela se inclinou para beijar o outro lado, passou a mão em seu peito e desceu-a pela sua barriga, até alcançar a sua ereção. Ayaan soltou um gemido rouco e ergueu os quadris. Ela o tocou e sentiu uma onda de calor atingi-la. Antes que ela percebesse, ele se colocava em cima dela e a encarava com os olhos brilhando de desejo e de algo mais, que atingia o coração de Zohra e a envolvia. – Você não me pediu permissão para fazer isso. Era o brilho de contentamento, ela percebeu, pensando que era uma dádiva à qual deveria se agarrar.
Quando Ayaan a beijou, Zohra percebeu que o ritmo do seu beijo mudara. Ele passava a mão pelo seu corpo cuidadosa e eroticamente, mas com uma ânsia que parecia estar fora de controle. Quando ele se colocou entre suas coxas e ela sentiu que ele tocava o seu corpo, Zohra esqueceu seus pensamentos e se perdeu outra vez. AQUILO SERIA suficiente? A pergunta insistente se misturava ao desejo que corria no sangue de Ayaan. Tinha de ser, ele respondeu arrogantemente, para si mesmo. Afinal, aquilo era sexo. Zohra podia ser bem diferente das mulheres que ele conhecia, mas o seu corpo estava se deleitando de prazer por simplesmente poder tocá-la e beijá-la. Ayaan correu a boca pela garganta de Zohra, deleitando-se com o seu gosto. Ela automaticamente afastou as coxas e acolheu a sua ereção. Foi o bastante para que ele perdesse o último traço de controle. Zohra contorceu o corpo e soltou um gemido rouco. Seus seios roçavam o peito de Ayaan, aumentando o seu estado de excitação. Ele lambeu seu mamilo e ela arqueou o corpo e gritou o nome dele, num tom gutural. – Por favor, Ayaan... Eu quero tocar você, preciso... Ele balançou a cabeça, passou o dedo entre suas pernas e colocou-o dentro do seu corpo. Sim, ela estava pronta para ele, e ele queria lhe proporcionar prazer novamente, mas foi dominado por seu próprio desejo. – Abra as pernas, Zohra – falou ele, sem reconhecer o tom da própria voz. Quando ela fez o que ele pedia, Ayaan segurou-a pelos quadris e, com um só movimento entrou no seu corpo. Zohra viu estrelas ao sentir a pressão dentro do corpo e contraiu todos os músculos. Ele ia se movimentar, quando percebeu que ela estava paralisada. Olhou para ela, viu a verdade em seus olhos e ficou chocado. – Entre todas as mentiras que você poderia contar, Zohra...! – exclamou Ayaan, praguejando. O desgosto afetava o prazer, mas apenas um pouco. Ele sentiu as coxas tremerem por ter de se manter parado e começou a recuar com imenso cuidado, tentando ser delicado. Esticou-se e beijou-a carinhosamente, ao sentir que ela se encolhia. – Fique parada, Zohra – resmungou ele, suando por causa do esforço de permanecer parado. Mas claro que sua mulher não lhe deu atenção. – Não está doendo, Ayaan, não mais. A sensação é... – Ela o segurou pelos ombros e ergueu os quadris. – Ahhh... É uma sensação de completude, tão gostosa... Por favor, continue... Ele sentiu uma onda de fogo descer pelas costas, praguejou sonoramente e voltou a pressionar o corpo contra o dela. O gemido rouco de Zohra pareceu esfolar sua pele, deixando-o concentrado apenas em suas sensações. A excitação se espalhava pelo seu corpo, atingia seus nervos, até nada existia além do calor de Zohra, sua esposa. Ayaan se deixou controlar pelo ritmo do próprio corpo e começou a se movimentar sem nenhuma gentileza, sem pensar nas palavras que saíam de sua boca. Zohra acompanhava o seu ritmo e emitia sons cada vez mais cheios de ânsia, mas ele resolveu esperar até que ela obtivesse prazer, acariciou-a com os dedos e ela explodiu, contraindo os músculos em
torno dele. Ayaan investiu mais uma vez e também explodiu em um orgasmo que atingiu todos os seus nervos. Ele se soltou em cima dela e, assim que os dois se acalmaram, ele pensou que havia algumas coisas a esclarecer. Ainda com os corpos ligados intimamente, ele rolou em cima da cama, invertendo a posição em que estavam. Zohra imediatamente cobriu os seios e corou intensamente. – Você era virgem – puxou ele as mãos com que ela cobrira os seios e voltou a ficar excitado ao ver seus mamilos rosados. – Você afirmou... – Solte-me, Ayaan. – Não – respondeu ele, fazendo com que ela montasse em cima dele. Zohra sentiu a sua ereção enrijecer mais um pouco dentro dela. – Ah... Você está... – Estou, ya habibi. Ainda temos um longo caminho a percorrer. Ele foi tomado por uma satisfação selvagem, arrogante, masculina, que quase o fez esquecer a raiva por ela ter mentido, e ficou admirado. Nunca sentira emoções tão fortes, fossem de amor ou de fúria, mas, naquele instante, não conseguia dominar a selvageria de seus sentimentos. Ayaan tinha várias perguntas a fazer, mas resolveu que não iria mencionar o nome de outro homem na cama, com ela. Não naquela noite. Ele era o único homem que a possuíra, o único que a conhecia intimamente. Zohra segurou-o pelos ombros e tentou sair de cima dele, produzindo um efeito erótico. Os gemidos dos dois, o cheiro de sexo... Eram um poderoso afrodisíaco. – Você mentiu para mim. – Eu falei e fiz o que achava ser necessário para me livrar do casamento. Mas Faisal nunca pediu o que eu teria lhe dado. Eu debochava dele, por ele ser tão ligado aos costumes e às tradições centenárias. Mas agora eu compreendo. Eu... Ela se calou, e Ayan segurou-a pelo queixo e fez com que ela olhasse para ele. – Complete o que ia dizer, Zohra, porque esta é a última vez que eu vou admitir que você fale ou pense nele. Ela o encarou sem pestanejar, lembrando-o de como era forte. – Eu estou feliz por ele não ter pedido, Ayaan. Ele fechou os olhos e se entregou ao desejo que fazia com que ele erguesse os quadris, tentado manter em mente que ela acabara de perder a virgindade e que ele precisava ser gentil, ainda que já fosse um pouco tarde para isso. – O que me deixa tão feliz por ele não ter pedido, Zohra? Pelo fato do seu corpo ter conhecido apenas o meu, por... Ela ergueu as mãos e puxou o cabelo para trás. O gesto foi tão naturalmente sensual, que Ayaan se calou. – Da mesma maneira que eu me senti quando você admitiu que não se lembrava de outra mulher, que nunca tinha sentido tamanho desejo? – Ayaan não resistiu e lhe acariciou os mamilos. – Seja qual for o motivo pelo qual você fica feliz, eu também fico. Portanto, seja bondoso consigo mesmo – falou ela, suspirando. Ayaan inclinou a cabeça e lambeu seu mamilo. Zohra começou a se movimentar para cima e para baixo, e ele gemeu. – Eu nunca me canso dos seus seios... Quando eu toco neles, você pega fogo.
– Sim – sussurrou ela. Ayaan olhou para ela. Seus lábios estavam inchados por causa dos beijos, ele arranhara o seu queixo, seu pescoço e seus seios com a barba. O que ela conseguira desencadear dentro dele? Zohra se inclinou e encostou a testa na dele. – Eu sinto a sensação de que vou explodir... Se você parar... Ayaan prometeu a si mesmo que seria só de novo, e que ele iria parar e deixá-la descansar. Ele sorveu seu mamilo, e Zohra soluçou e murmurou o seu nome em tom gutural. Ele a ouviu dizer o seu nome, soluçar de prazer e gemer. Aqueles eram sons dos quais ele jamais se cansaria. Zohra enlaçou sua nuca e se inclinou, roçando os seios sobre o seu peito, e beijou-o. Ayaan segurou-a pelos quadris e não conseguiu mais controlar a chama que ardia dentro dele. – Amanhã, você vai estar toda dolorida, ya habibati. Ela lambeu seus lábios, com os olhos brilhando, sorveu sua língua, e ele perdeu a batalha. Ergueu o corpo e começou a se movimentar, e ela acompanhou o seu ritmo. Ele praguejou, e ela riu. Ele deixou que ela determinasse o ritmo e sugou seu mamilo. Zohra estremeceu convulsivamente. Ele também teve um orgasmo que pareceu despedaçá-lo e montá-lo de volta, mudando-o de alguma maneira. Os dois se abraçaram e caíram na cama. Ele não perdera a memória a ponto de achar que o seu corpo já sentira aquele tipo de prazer, sua mente não estava tão prejudicada a ponto de pensar que o que acabara de acontecer era normal, de acreditar que aquilo não era algo excepcional. Há 6 anos, ele teria se deliciado com a descoberta e a teria visto como mais um presente da vida, e teria gritado de felicidade. O homem que ele se tornara não podia deixar de sentir um arrepio de medo e de ter a sensação de que aquilo era bom demais para durar.
CAPÍTULO 11
ENCONTRE-ME NO estábulo. A caminho do estábulo, Ayaan releu a mensagem que uma menina lhe entregara e franziu a testa ao perceber que não ouvira metade do que seu chefe de segurança, Imran, lhe informara, e pediu que ele repetisse. Ao ouvir o que Imran dizia, Ayaan parou bruscamente. – A fonte dessa informação é a mesma que nos indicou onde os terroristas iriam se reunir da última vez? – Não – assegurou Imran. Era a terceira vez que eles recebiam informações a respeito dos terroristas, e elas tinham sido corretas nas vezes anteriores, mas parecia bom demais para ser verdade... Além disso, desta vez a informação viera de uma fonte diferente. Ayaan não conseguiu evitar um mau pressentimento. – Veja se consegue identificar a fonte. – Nós não vamos... – Não vamos agir até descobrir qual é a conexão – comunicou Ayaan, dispensando Imran e seguindo seu caminho. Imran pedira para falar com ele há dois dias, mas ele esquecera porque não conseguia se concentrar. Parecia um adolescente que não parava de pensar em Zohra, em seus olhos cheios de desejo e de confiança, no calor do seu corpo e em seus gemidos. De madrugada, quando ele já exaurira os dois, eles tinham caído no sono. Na manhã seguinte, Ayaan percebera, admirado, que não tivera nenhum pesadelo. Tinham se passado dois dias em que Zohra ocupara seus pensamentos, em que eles tinham se evitado, em que ele tivera tempo para se arrepender do que fizera e para encontrar vários motivos pelos quais não deveria fazer outra vez. Apesar do seu corpo em constante estado de excitação não entender este fato. Deixando que a curiosidade aplacasse o seu medo, Ayaan entrou no estábulo. As lembranças de tudo que passara ali reviveram. Ele compreendeu o medo paralisante que o tinha levado a possuir Zohra, a necessidade de abraçá-la e de se perder em seu corpo, mas, à fria luz do dia, a evidência da sua instabilidade mental o apavorava.
Ayaan sentiu o perfume de Zohra, e o seu corpo pareceu renascer como se o tivessem ligado. Voltou-se e deu de cara com ela, vestindo um xale e calça legging, com a cabeça coberta por um lenço branco. Ela era a imagem da energia, da vida, a personificação de tudo que ele não era. – Ayaan – pronunciou ela, como se precisasse forçá-lo a reconhecer a sua presença, como se a lembrança do seu sabor, do seu corpo sob o dele, não estivesse entranhada em cada célula do corpo de Ayaan. – Você esteve me evitando – disse ele. Ela tirou o lenço da cabeça e soltou-o no chão. – Você se arrependeu do que aconteceu? – Não. E não o estou evitando. Só não estou cercando você, como costumo fazer. – Ela entrou e fechou a porta do estábulo. Puxou lentamente o xale em que se enrolara e soltou-o no chão, dando um suspiro. Zohra estava usando uma blusa sem mangas e transparente. Com a luz que vinha das janelas, atrás dela, Ayaan podia ver seu corpo, seu sutiã de renda, o contorno de seus quadris, lembrando-se imediatamente do que tinha acontecido. Ela caminhou pelo estábulo e parou perto dele. – Eu ordenei que esse lugar seja demolido. Apesar de apreciar o seu tom de comando, Ayaan ergueu a sobrancelha. Zohra enfiou as mãos por baixo da blusa e tirou a calça legging. A visão de suas longas pernas cor de bronze desencadeou uma onda de desejo que abalou o autocontrole de Ayaan. – Ele só serve para lembrá-lo do que você teve de suportar. – Ele não é a única coisa que me lembra de tudo pelo que passei e de tudo que eu não sou – afirmou ele, olhando para ela com uma ânsia que já estava se tornando conhecida. – Demoli-lo não vai me consertar, Zohra. Ela sacudiu a cabeça e deu um sorriso resignado. – Talvez eu não ache que você precisa de conserto, Ayaan, mas há uma coisa que eu queria fazer aqui antes de isso ser demolido. Ela estava usando a sua força para combater o desespero. Ele não sabia por que ou como, mas sabia disso. Quando ela estava daquele jeito, tinha uma força considerável. Ayaan se aproximou, e os dois ficaram se olhando, se medindo. Ele se sentiu envolver pelo calor de Zohra. Um calor cuja fonte era bem diferente do desejo que corria em suas veias e, desta vez, ele perdeu a batalha voluntariamente e cedeu à vontade dela. – Você está bem? – interrogou ele, tocando-lhe a testa, enfiando o rosto em seu cabelo e inalando profundamente, até que ela se tornasse tudo o que ele sentia. – Totalmente? Zohra ergueu o queixo e corou ao encará-lo. – Eu não me quebro tão facilmente – garantiu ela em tom de desafio. E, no entanto, ele era o homem que poderia quebrá-la, que poderia esmagar o seu espírito indomável. Ela passou os dedos no queixo de Ayaan, e ele fechou os olhos. A carícia delicada alimentava a chama do desejo que ele sempre sentia. Precisara recorrer a todo o seu controle para não ir procurá-la, durante os últimos dois dias. O prazer indescritível que ele sentira com ela poderia ser viciante, mas ele podia passar sem. Mas o calor do seu sorriso, a alegria que ele encontrava junto dela, seriam a sua desgraça. Zohra passou o dedo na sua testa, em seu nariz, em seus lábios. Quando ele tentava pegar na mão dela, ela não deixava. – Você não vai me negar isso.
– Dando ordens, princesa? Ela desceu a mão lentamente pelo seu pescoço. – Não, só estou exercendo o meu direito como sua esposa. – Ela beijou seu rosto, mordiscou o lóbulo da sua orelha, mordeu sua garganta. Enquanto isso, desabotoava a sua camisa. Ayaan ficou imediatamente agitado e excitado. Ela o empurrou contra a parede, e ele deixou, adorando ver a ousadia nos olhos dela e esperando para ver até onde ela iria. Ela puxou a camisa de seus ombros e beijou seu peito. – Você é como o aço coberto de veludo. Eu estou morrendo de vontade de tocá-lo, de arranhá-lo, de marcá-lo, como você fez comigo. A respiração de Ayaan parou na garganta. – Então faça – suplicou ele, admirando-se com a facilidade com que ela o dominava. Zohra passou o dedo em seu mamilo. Ayaan crispou os punhos. Ela segurou nas mãos dele e mordiscou seu mamilo. Ele soltou um assobio e sentiu o calor queimar sua pele. Como se fosse um gato lambendo creme, Zohra começou a descer a boca pelo seu peito, por sua barriga, circulou seu umbigo. Os músculos de Ayaan estavam tão tensos que doíam, mas ele resistiu à vontade de segurá-la pelo cabelo. Ela lambeu a lateral dos pelos que desciam do seu umbigo e desapareciam sob o cós do jeans. Ayaan se afastou da parede e fechou os olhos, tentando se controlar, mas a imagem da boca de Zohra em torno da sua ereção não saía da sua cabeça. Ele sentiu que ela desabotoava sua calça e abria o zíper. O calor lhe queimava as veias, se alojava em seus músculos, ameaçava expulsá-lo da própria pele. Ele a segurou pelo cabelo. – Pare, Zohra – mencionou ele, num tom que dizia exatamente o contrário. Ela se ajoelhou graciosamente e olhou para ele com um olhar lascivo. – Você se lembra do presente que me deu, Ayaan? A noiva também deve dar um presente ao noivo. Na próxima vez que você entrar nesse lugar, eu quero que você me veja desse jeito... De joelhos, com a sua ereção na boca. Ele se sentiu angustiado. – Você não precisa fazer isso, Zohra. – Eu quero. Assim como você quis conhecer e provar cada centímetro do meu corpo. Ela deu um sorriso que ele jamais iria esquecer e puxou a calça e a cueca dele para baixo. Ele contraiu o queixo e fechou os olhos. Ouviu o ruído da respiração de Zohra se tornar mais ofegante, antes de ela tocar sua ereção, e pressionou o quadril para frente, sentindo ondas de prazer descerem pelo seu corpo. Ayaan sentiu que ela o tocava hesitantemente com a língua, e conteve a respiração. – Ah... Agora eu vejo por que você gosta de fazer isso. – Ela começou a lambê-lo. – Quando eu faço isso, sinto uma excitação... Ayaan bateu a cabeça contra a parede e soltou um rosnado rouco. – Onde? – Ele não conseguiria falar mais nada. – Entre as coxas. Cada vez que eu sinto o seu gosto, também sinto lá – revelou ela, cobrindo-o com a boca. Ayaan tremia, seus joelhos amoleciam, o suor cobria todo o seu corpo. Ela continuou a acariciá-lo, até que ele percebeu que estava prestes a ter um orgasmo, soltou uma série de pragas, agarrou-se ao que lhe restava de controle e puxou-a, fazendo com que ela se levantasse.
Zohra estava toda suada, seus olhos cintilavam de desejo. Com uma rapidez que não continha nenhuma gentileza ou finura, Ayaan a livrou da calça e imprensou-a contra a parede. Ela o abraçou com as pernas, e ele entrou no seu corpo. O prazer que ele sentiu foi tão grande que quase chegou a doer. Desta vez, ele não parou para pensar. Cedeu ao desejo e quase teve um orgasmo, mas ele não iria se deixar levar sem que a mulher incrível com que se casara o acompanhasse. Queria que ela se desmanchasse, queria ouvi-la gritar o seu nome ali, bem naquele lugar onde ele perdera uma parte de si mesmo e que o lembrava de tudo que ela merecia e que ele não era. Com uma voracidade que agora ele sabia que jamais seria satisfeita, ele puxou sua blusa para cima e abriu seu sutiã para poder apertar seu mamilo. Beijou-a e adorou ouvi-la dizer o seu nome. Os gemidos dos dois se misturaram, espalhando-se pelo ar. Ela estremeceu, segurou-o pelo cabelo e enfiou os dentes no seu ombro, ao mesmo tempo em que os dois explodiam em ondas de prazer. Zohra sussurrou o seu nome, como ele queria, e preencheu todas as rachaduras que existiam dentro dele. Ele sabia que nada poderia consertá-lo. Mas, quando estava com ela, ele quase chegava a acreditar que era um homem melhor, um homem digno de Zohra. Ele lhe deu um beijo e ajeitou as roupas dos dois, sentou-se junto à parede e fez com que ela se instalasse entre suas pernas. Abraçou-a e beijou o seu ombro. Ayaan sentia tanta alegria dentro do peito, que receava explodir. – Obrigado, Zohra – murmurou ele, com medo de estragar o momento. Ela concordou, sacudindo a cabeça. Ayaan não tinha ideia de quanto tempo eles tinham ficado sentados ali, mas, a cada minuto que passava, ele sentia aumentar o efeito do medo que aquele lugar lhe causava. – Zohra? – Ele teve outro infarto – falou ela tão baixinho, que ele só entendeu ao perceber que ela tremia. – Eu vou providenciar para que você possa viajar dentro de uma hora. – Eu não quero ir. – Ela se virou e abraçou-o com força, escondendo o rosto em seu peito. Ayaan foi invadido por uma onda de ternura. Ela estava sofrendo e ele queria consertar tudo para ela. – Eu estou com medo, Ayaan. Ela falara com tanto receio, que ele se admirou porque aquela era uma Zohra que ele nunca tinha visto. – Você, com medo, Zohra? De quê? – Da verdade, de ver meu pai e saber de coisas que eu nunca deixei que ele me contasse. Mas, desta vez, eu preciso perguntar a ele. Ela pareceu recuperar a força. – Você se lembra do que comentou a respeito da verdade, princesa? Você declarou que a pior verdade sempre é melhor que uma mentira. Durante 13 anos, você fugiu dela e deixou que ela a dominasse. Ele poderia ter mandado você morar com seu tio, poderia tê-la deixado acreditar que ele estava morto, poderia facilmente ter se livrado da responsabilidade ou imposto restrições à maneira como você levava a sua vida. Mas ele não fez isso. Está na hora de encarar a verdade, Zohra. Está na hora de saber se ela pode destruí-la, como você receia. – Ela não destruiu você, Ayaan. Você continua de pé. O contentamento que ele sentia se apagou.
Ele ainda estava de pé. Todos os passos que dera se resumiam a isso. Ele não conseguira dominar seus medos. Sua vitória sempre seria ter se livrado e se mantido longe da loucura. Mesmo depois de ele ter sabido a verdade a respeito do que acontecera com ele, não ficara ressentido com a vida que levava, aceitara a realidade sem reclamar e vestira o manto do dever com indiferença. Mas, quando ele estava com Zohra, sentia necessidade de ser mais do que era para ela e tinha raiva das coisas que não podia mudar. Não fora por isso que ele se arriscara a fazer aquela jornada pelo deserto, arriscando a sua lucidez e tudo que ele significava para seus pais e para Dahaar? Porque quisera se tornar um homem melhor para ela? Não estaria comprometendo a única coisa que lhe restava, sua honra, seu senso de dever, por causa dela? Mesmo percebendo que Ayaan se distanciara, Zohra se aninhou em seus braços. Durante dois dias, contivera o impulso de procurá-lo por medo de perder o pouco de terreno que conquistara com ele. Sentia necessidade de amenizar seu sofrimento, de ajudar Ayaan a enfrentá-lo, mas não conseguira. Em vez disso, ela tentara diluí-lo e enfraquecê-lo, e estava feliz por ter tentado, por ele ter permitido, e por ela ter conseguido exercer algum poder sobre ele naquele instante, fazendo com que o homem poderoso e honrado que ele era se curvasse ao desejo que sentia por ela. Mas aquele prazer sempre teria o custo de perder qualquer conexão que ela pudesse ter com ele, porque, até que Ayaan percebesse quem era, iria desprezar qualquer satisfação e a felicidade que ela poderia lhe dar. E que ele também lhe dava, apesar do seu sofrimento, de seus pesadelos. Estar com ele fazia com que Zohra se sentisse viva, como se tivesse se livrado de um manto de ressentimento, de medo e de raiva mal direcionada. Durante o tempo que convivera com ele, vendo Ayaan lutar para ser mais do que era e testemunhando o seu orgulho por fazer o que era certo, Zohra despertara. Ela segurou no queixo dele e o beijou como se pudesse prendê-lo a ela simplesmente tocandoo. O que ele lhe dava nunca era suficiente, e naquele dia, ela queria uma parte dele, queria algo que ele jamais dera a ninguém. Queria a sua dor, o seu sofrimento. – Você pode me contar o que aconteceu aqui? Zohra pensou que ele iria recusar, afastá-la e ir embora. A maneira como ele apertava os dedos dela era o único sinal de que ele a escutara. – Eu nunca falei sobre isso com ninguém. – Ele deu um sorriso cheio de amargura. – Essa é a última prova, Zohra? Se eu lhe contar, a maneira como você me vê vai mudar para sempre. Você vai me ver como eu me vejo no espelho. – Você não sabe o que eu vejo quando olho para você. Por favor, Ayaan. – Seria a última vez que toda a família viria à reunião das tribos, porque Amira iria se casar dentro de alguns meses. Nossos pais já tinham ido embora, com a maior parte da guarda, achando que estávamos indo logo atrás. Mas Amira e eu soubemos que Azeez iria ficar e resolvemos confrontá-lo. – Confrontá-lo? Ele a segurou com mais força.
– Nós três sempre tínhamos sido muito próximos, mas já fazia quase um ano que Azeez parecia estar se roendo por dentro. Ele tinha mudado e parecia ser outra pessoa, e não o irmão que conhecíamos. Dentro de alguns meses, ele seria coroado, e estava evitando a mim e a Amira. Portanto, nós achamos que aquela seria uma boa hora para falar com ele. Mas, antes que eu percebesse, estávamos cercados por homens armados. O mais estranho é que Azeez parecia estar preparado e surpreendeu a todos, contra-atacando imediatamente. Você precisava ver a maneira como ele lutava. Tínhamos uma boa chance de sair dali. Eu peguei a arma que ele me jogou, mas Amira levou um tiro e eu... congelei. Se Zohra não visse o movimento da sua respiração, poderia ter achado que ele congelara bem diante dela. Ayaan levantou a mão como se empunhasse uma arma, com uma expressão intrigada e com um grito de amargura na boca. Ela não conseguiu encontrar palavras que pudessem dissipar a nuvem sombria de desprezo que encobria o que ele dizia quando falava de si mesmo. – Eu não consegui levantar o braço e atirar. Não consegui. Até hoje, eu me pergunto por que não consegui. Quando ele e a minha irmã precisaram de mim, eu falhei. Não atirei e não tentei dar cobertura a Azeez. Ele levou um tiro no quadril e eu levei um tiro de raspão na cabeça... Mas, ainda assim, eu fiquei parado, olhando para ele, sem fazer nada. Quando voltei a mim, o corpo de Amira estava ao meu lado e Azeez... não se mexia. Zohra enxugou as lágrimas. O abismo de sofrimento que havia no tom monocórdio com que ele falava ressoava dentro dela. Ela se forçou a fazer a próxima pergunta, sabendo que não queria ouvir a resposta. – Ele morreu na sua frente? Ela ficou surpresa ao ver a rapidez com que Ayaan se levantou. Reparou que as mãos que ele passava sobre a cabeça tremiam. Ele se pôs a caminhar pelo estábulo como um animal enjaulado, a sua fúria era quase tangível. – Não. Eles me amarraram, mas não amarraram Azeez porque a perna dele se tornara inútil. Sangue... ele perdera grande parte do sangue e continuava me dizendo para tentar escapar. De repente, ele ficou imóvel e o arrastaram para longe dali. Eles precisavam de nós como reféns. Eu me lembro de ter pensado que ele seria medicado e que... nunca mais voltei a vê-lo e não tenho ideia do que fizeram com ele... Eu me lembro de tudo que aconteceu naquele dia, até esse momento. Não sei por quanto tempo eles me mantiveram preso e não sei como fugi. Não tenho ideia de onde eles o enterraram. Essa é a pergunta que eu vejo nos olhos da minha mãe, quando ela olha para mim, e eu não tenho resposta. Eu já tentei me lembrar, mas... – Shh... – sussurrou Zohra, abraçando-o e deixando que as lágrimas corressem pelo rosto. Não se arrependia de ter perguntado, porque aquela dor fazia parte dele, e ela o queria todo. Só desejaria poder carregar o peso por ele, nem que fosse apenas por um segundo. – Toda vez que eu escuto a palavra coragem associada a mim, eu me encolho e afundo mais um pouco no poço da minha vergonha. Agora você me despreza, Zohra? – As palavras dele ressoaram no ar, poluindo tudo que eles haviam compartilhado há alguns minutos. Zohra sentiu um nó se formar na garganta e segurou o rosto dele com força. Seu peito estava tão apertado que ela não conseguia respirar. Doía, vê-lo sofrer. Doía, não poder ajudá-lo. Doía, saber que ele nunca poderia aproveitar a felicidade que desfrutara com ela. Doía tanto que seu estômago se revirava e sua respiração ficava presa na garganta, quando ela imaginava a sua vida futura, sempre esperando por ele, que estaria ao seu alcance, mas distante.
Ele iria cumprir o dever que tinha para com ela, ficaria ao seu lado, talvez tivesse um filho com ela, porque a atração entre os dois era mais forte que eles, mas Ayaan jamais olharia para ela com um olhar de felicidade, nunca aceitaria o seu amor e nunca iria retribuí-lo. Zohra sentiu um medo que jamais tinha experimentado. Como se apaixonara por um homem que era o protótipo de tudo que dera errado em sua vida, um homem que lhe daria o seu sobrenome, sua honra, sua vida, em nome do dever, mas não o seu coração? E, repentinamente, Zohra entendeu o que era o amor. Não uma batalha de vontades, de desejos e de necessidades individuais. O amor exigia sacrifícios, exigia tudo o que se tinha. Essa percepção a atingiu, sustentou-a e despertou-a, glorificando-a e amaldiçoando-a, libertando-a e, ao mesmo tempo, prendendo-a a Ayaan para sempre. Ela respirou profundamente, tentando esconder a verdade. Se Ayaan percebesse o que ela sentia por ele, Zohra sabia que seria banida da sua vida e que perderia o pouco que tinha. – Você tinha 21 anos, Ayaan. Depois de todo esse tempo, não pode se perdoar nem um pouco? – inquiriu ela, com o seu próprio sofrimento permeando as palavras. – Você não pode se permitir ter um pouco de felicidade? A resposta de Ayaan selou o destino de Zohra. – Não ao custo da vida deles – assegurou ele fria e sombriamente. – Você me conhece melhor do que eu me conheço. Você sabia o que iria ter, mas, mesmo assim, ainda quis, princesa. – Ele a beijou como se a estivesse castigando. Cada toque da sua língua era uma marca de posse, numa carícia calculada para mostrar quem comandava. Quando ele lambeu a sua orelha, Zohra cambaleou e se agarrou a ele. – Você está querendo uma saída, Zohra? – Se eu quisesse, você iria me dar uma? Ele a levantou do chão e levou-a para fora do estábulo. – Não. Eu já me desfiz do pouco de honra que me restava, Zohra. Agora você está presa a mim para sempre, condenada a passar o resto da vida comigo. Zohra o abraçou pelo pescoço e escondeu o rosto no seu peito, sentindo-se imensamente infeliz. Como Ayaan pronunciara, ela entrara naquele relacionamento, sabendo onde estava se metendo. Mas, subitamente, percebera que aquilo não seria suficiente. O seu coração queria tudo.
CAPÍTULO 12
AYAAN ENTROU na suíte que tinham lhe destinado no palácio de Siyaad, viu Zohra dormindo em sua cama, e o seu desejo e algo mais, uma profunda melancolia, se manifestaram. Ele deveria saber que a encontraria ali, esperando por ele, reusando-se a deixar que ele a evitasse ou se escondesse. Por outro lado, ele ainda não se acostumara com o fato de que ela lhe entregara seu corpo, sua alma, sua vida, de boa vontade. Deixando-se dominar pela inquietação, ele rodeou a cama, observando Zohra. Durante a semana que ele passara em Siyaad, tentara combater uma estranha sensação que, agora, não conseguia dominar e que sabia de onde vinha: ele estava mudando por causa de Zohra. Por causa da mulher que merecia tudo de melhor que um homem pudesse lhe dar. Ele percebera e ficara fascinado com a força de Zohra, desde o instante em que ela invadira o seu quarto e ficara ao seu lado durante um pesadelo. Mas, na semana anterior, ela se mostrara magnífica e se tornara realmente uma princesa. E não precisara da sua ajuda. Ela se comportara como uma leoa ao defender seus irmãos das garras dos parentes, dedicarase a conhecer e a entender rapidamente os problemas de estado que precisavam ser resolvidos e se tornara uma fantástica oponente de quem ousasse questionar a sua participação nos assuntos do rei Salim. Tornara-se uma figura a ser admirada, quando se dirigira à nação, depois do enterro do pai. Ayaan, por fim, entendera por que o rei Salim insistira naquele casamento. Casar com o príncipe herdeiro de Dahaar iria dar a Zohra o lugar que ela merecia e apagaria o estigma do seu nascimento. Mas, em apenas uma semana, Zohra provara que seu pai estivera enganado. Não precisara do apoio de Dahaar, nem de Ayaan, fosse como marido ou como aquele que iria validar o seu lugar em Siyaad. O instinto primitivo que a loucura alimentara em Ayaan voltara a dominá-lo. Por que outro motivo um homem educado e que iria conduzir seu país ao progresso sentiria vergonha de seus pensamentos? A força que Zohra demonstrara, a confiança com que enfrentara os desafios, a convicção com que defendera suas crenças, tinham-no deixado alternadamente admirado e humilhado. O ressentimento tinha um gosto amargo, e ele tinha vergonha do quanto era capaz de descer.
Ele se tornara um homem ainda pior do que pensara, por ter esperado que Zohra se mostrasse fraca e que se voltasse para ele, procurando a sua ajuda e a sua força. Mesmo tendo sido criado de acordo com costumes arcaicos, que valorizavam os homens e diminuíam as mulheres, ele nunca olhara de cima para uma mulher. Como poderia, quando crescera à sombra da força da mãe e da inteligência e da incrível segurança de Amira? Mas a força de Zohra só evidenciara a sua inadequação e a apavorante sensação de que ela merecia muito mais do que ele poderia lhe dar. Depois de saber o que Zohra enfrentara durante toda a vida e do quanto sofrera, o conflito entre as emoções que ele sentia, o intenso desejo e as autocondenações eram tudo que ele tinha a lhe oferecer? Preso na sua própria dor, ele se afastara, em vez de ficar ao lado dela. Acompanhara-a durante as cerimônias públicas e de estado, mas não lhe oferecera nenhum conforto como marido ou amante e nem tivera a cortesia de encará-la diretamente. Porque ficara apavorado que ela visse a verdade em seus olhos. E Zohra ainda vinha para a sua cama, ainda o procurava, ainda suportava seus pesadelos. Ela sempre iria tentar salvá-lo, enquanto ele a levaria à desgraça. Saber disso não era suficiente para afastá-lo dela. Ele tinha necessidade de estar perto dela, de tocá-la, de ver o desejo que ela sentia por ele. Ayaan tirou a túnica, deitou na cama, acendeu o abajur e ficou olhando para ela. Afastou um cacho de cabelo do seu rosto, passou o dedo em sua boca e sentiu o desejo atingi-lo com a velocidade de um vendaval. Ele já aceitara que, com ela, sempre seria assim. O prazer que encontrava com ela era intenso, e ele se entregava para, no dia seguinte, sentir o peso do próprio desprezo. A doce princesa se transformara na sua salvação e no seu purgatório. ZOHRA DESPERTOU assim que sentiu Ayaan se contorcer ao seu lado. Ouviu-o gemer e se virou para acender o abajur, no exato momento em que ele jogava o braço violentamente na sua direção. Ela segurou o seu braço com as duas mãos e se assustou ao perceber que ele estava gelado. Deixando que as lágrimas lhe subissem aos olhos, ela se virou e segurou-o pelos ombros. A testa de Ayaan estava coberta de suor, os tendões de seu pescoço estavam esticados como cordas. Zohra começou a falar com ele em tom murmurante, passou a mão em sua testa e tentou acalmá-lo. Não sabia quanto tempo tinha se passado, até que seus tremores se acalmaram e as sombras de pavor em seu rosto desapareceram. Ela pegou na mão dele e beijou-a, sussurrando o seu nome e absorvendo todo o seu sofrimento. Ayaan abriu os olhos e olhou para ela. Zohra se preparou para enfrentar sua ira, mas ele a olhou com uma expressão inescrutável e ficou calado. Ainda com a respiração ofegante por causa do pesadelo, ele a abraçou e puxou-a, e Zohra se aninhou junto ao seu corpo. Para ela, era suficiente que ele entendesse que ela estava ali porque queria e que não questionasse esse direito. Ela se colou a ele o máximo que podia, sentindo o peso do seu braço sobre a cintura, e entrou em uma espécie de estado de letargia. Ayaan passou a mão ao longo do braço dela, sobre a sua cintura. O rosto dele estava enterrado em seu cabelo, ele respirava junto à sua nuca. Zohra ficava imensamente feliz por ele a
estar abraçando e procurando nela encontrar conforto. Aquela intimidade a atingia profundamente. Ela não precisava que ele lhe dissesse alguma coisa, não queria ouvir uma declaração de amor. Só queria estar ao lado dele pelo resto da vida, estar ali para que ele lhe ensinasse o verdadeiro significado da honra e do dever e ela pudesse ajudar seu irmão a se tornar um homem forte e honrado como ele. Zohra colocou a mão sobre o rosto e tentou engolir as lágrimas. Não tinha ideia de quanto tempo eles tinham ficado assim, e não se importava. A respiração de Ayaan se acalmara, e ela tinha medo até de respirar e perturbar aquele instante, tinha medo que a realidade o interrompesse. De repente, a respiração de Ayaan se tornou mais acelerada. Ele passou a mão pelo seu braço, pela sua cintura, esperando que ela reagisse, enquanto enfiava a outra mão sob o seu braço e lhe tocava o seio. Zohra não sabia como ele tinha tirado a calça do seu pijama e tirado a parte de cima pela sua cabeça, mas, repentinamente, o corpo dele tinha se transformado em uma fornalha, atrás dela, e ele esfregava o peito contra suas costas, passava a perna por cima da dela e pressionava a ereção contra suas nádegas. Ele apertou seu mamilo, e ela mergulhou na inconsciência do prazer, sentindo a excitação arder em sua pele e se concentrar no seu sexo, deixando-a toda úmida. – Zohra? Um murmuro, uma pergunta, uma ordem, o seu nome dito por ele vibrou em volta dela. Ele duvidava que ela concordasse? Ainda não percebera que a sua cabeça, o seu corpo e a sua alma o obedeciam? – Ayaan – falou ela simplesmente, sabendo que ele iria entender. Ele colocou a mão entre suas coxas e continuou a lhe acariciar o mamilo, desencadeando sensações que iam direto ao seu sexo. Zohra começou a se contorcer ansiosamente, e ele compreendeu e colocou os dedos dentro do seu corpo. Sentindo que iria ter um orgasmo, ela fechou os olhos e pressionou a mão dele. Ayaan lhe deu um beijo na têmpora e sussurrou palavras indecorosas em seu ouvido. Ela sentiu que chegava ao limite quando ele movimentou os dedos num ritmo que ela não conseguiu mais suportar e explodiu num orgasmo que transformou seu corpo em milhões de faíscas. Ela ainda se sacudia com a força do orgasmo e tentava respirar, quando ele suplicou em tom de comando: – Levante a perna, princesa. Ela ergueu a perna e ele entrou no seu corpo. A força da sua paixão, o selvagem abandono com que ele a possuiu não a assustou. Zohra seguiu o seu ritmo e ele provocou outro orgasmo no seu corpo já supersensível. Mas havia alguma coisa nas carícias desesperadas que Ayaan lhe fazia, no seu desejo incontrolável. Ela sentiu o corpo dele tremer num longo orgasmo, mas, mesmo quando ele a beijou, Zohra não conseguiu se livrar da sensação de que algo estava errado. Ela ficou em silêncio quando ele a carregou da cama para o banheiro. Tinha certeza de que algo estava para acontecer, mas não tinha mais energia para lutar. Portanto, ela ficou calada e deixou que ele a colocasse dentro da banheira de água quente e a puxasse para cima dele. Quando Ayaan a beijou como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo, Zohra se derreteu. Quando ele sugou seu seio, ela pensou que iria se desmanchar. Quando ele passou as mãos em
seu corpo, provocando-a, ela se entregou ao prazer que a invadia. Quando ele encostou o rosto em seu pescoço, ergueu o corpo e possuiu-a, ela deixou que as lágrimas rolassem. Ayaan não perguntou por que ela chorava, e ela não mencionou. Também não indagou a ele o que acontecera naquela noite, e ele não comentou. O desejo que ele sentia por ela era insaciável. Cada carícia, cada beijo que ele lhe dava era mais desesperado e descontrolado. O desejo que Zohra sentia por ele não era menor. Cada carícia, cada beijo que ele lhe dava, ela retribuía e se deleitava. Em determinado momento, ela não sabia quando, a mente de Zohra simplesmente se apagou, e ela suspirou de alívio. Quando Ayaan a levou de volta para a cama, ela pensou que ele iria dormir em outro lugar, mas ele não foi embora. Deitou-se ao seu lado, puxou as cobertas sobre os dois, deu um beijo em sua testa, e ela adormeceu. QUANDO ZOHRA acordou, estava toda dolorida. Olhou pela janela e viu que começava a amanhecer. A certa altura da noite, ela perdera a conta de quantas vezes acordara com Ayaan beijando-a, acariciando-a e querendo fazer amor com ela, como se a sua sede por ela não tivesse começo nem fim. E, todas as vezes, ela o acompanhara e ficara chocada com a quantidade de prazer que seu corpo era capaz de desfrutar. Zohra percebeu que o outro lado da cama estava vazio e levantou. Suas pernas tremiam e seus braços doíam com o simples gesto de prender o cabelo num rabo de cavalo. Sabendo que Ayaan deveria estar por perto, ela vestiu o pijama e um roupão e foi procurá-lo. Encontrou-o na sala, com as mãos apoiadas nas coxas e o corpo dobrado para frente, numa postura que revelava a sua tensão. Por alguns minutos, Zohra ficou escondida atrás da cortina da sala, observando-o. Fazia duas semanas que ela o deixara no deserto e viera para Siyaad. Durante aquelas duas semanas, ela lamentara a morte do pai, ajudara Saira e Wasim a lidarem com a dor e, de algum modo, encontrara forças para enfrentar a família, apesar de Ayaan ter chegado alguns dias depois e ter estado presente em todos os eventos. Mas ele não lhe proferira uma palavra, desde que chegara. Isolada na sua dor, ela não se importara e se contentara com a sua presença silenciosa. Tirara a sua força dele, sabendo que, se caísse, mesmo sem dizer nada, ele iria segurá-la. Zohra ficara tão agradecida com a sua presença, que não reparara que algo começara a se interpor entre eles, algo que, por mais que ela tentasse, não conseguia identificar. Ela sentia que o elo que haviam criado estava se desmanchando. Que Ayaan estava se afastando, mas não tinha como segurá-lo. Por isso, apesar de ele tê-la proibido de se aproximar durante a noite, ela fora para a sua cama. E, algumas horas antes, ela ficara maravilhada por ele dormir ao seu lado, por ele não tê-la mandado embora. E agora, o mesmo silêncio os isolava, aumentando o abismo entre os dois, puxando Ayaan para longe e para o fundo. Ela deveria ter feito algum ruído, porque ele subitamente se ergueu e olhou para ela como se Zohra fosse uma bomba prestes a explodir. A sua expressão estava sombria. – Zohra, você está... Eu perdi o controle.
Ela sentiu o sangue lhe subir ao rosto e tentou engolir as perguntas que tinha a fazer. – Eu estou bem. – Ela afastou o medo que sentia e deu um sorriso. – Tudo que você fez, eu também queria fazer, Ayaan. Eu não me expressei o suficiente? Os olhos dele brilharam, os ângulos contraídos do seu rosto revelavam as emoções que o dominavam. – Eu me comportei como um animal, eu... Zohra se aproximou e praticamente se atirou em seus braços. Não suportaria se ele voltasse a ser um estranho. – E eu estou toda dolorida. Ele a segurou pelos ombros, soltou um palavrão e ficou paralisado. Zohra ficou abraçada à sua cintura, consolando-se com o fato de ele não tê-la afastado. – Sinto muito se você não teve chance de falar com seu pai, Zohra – falou ele, por fim, abraçando-a. Ao ouvir a ternura na voz de Ayaan, Zohra liberou o vendaval de arrependimento e de dor que contivera ao assumir seus deveres pela primeira vez na vida. Ele a abraçou, enquanto ela chorava por si mesma, pelo pai, pela mãe, por tudo que ela perdera por teimosia. Ela olhou para Ayaan e sorriu por entre as lágrimas. – Ele deixou um maço de cartas que me revelaram tudo que eu queria saber. – Cartas? A verdade doera, mas também desatara algo dentro dela. – Cartas que a minha mãe escreveu para ele depois que ele nos deixou. Fotografias minhas, que ela lhe mandou. Ela escreveu para ele até morrer. – Você quer dizer que ela sabia? – interrogou Ayaan, confuso. – Ela sabia de tudo. Sabia que um dia ele iria nos deixar para assumir o trono de Siyaad. E foi o que ele fez, mas os dois sempre se mantiveram em contato. Nas cartas, ele sempre pedia para me ver, mas ela recusava, alegando que não queria que eu pagasse o preço pela felicidade que tivera com ele, que não queria que eu ficasse dividida entre os dois. Pelo visto, eu nunca deveria saber que ele estava vivo, mas aconteceu algo que eles não tinham previsto. Ela morreu e... Zohra se sentiu sufocar pela emoção ao perceber o quanto deveria ter custado a seu pai saber da morte de sua mãe e trazer a filha para Siyaad. – Eu não creio que o rei Salim tenha sido tão egoísta e inconsequente – afirmou Ayaan. Ela se admirou com a revolta que ele demonstrava. – Eu fiquei furiosa quando li as cartas, furiosa por nenhum dos dois ter me contado a verdade, mesmo depois de eu atingir uma idade em que poderia entender, mas não estou mais. Eles deram uma chance ao amor, Ayaan, se agarraram à felicidade que sentiam e resolveram aproveitá-la pelo tempo que tivessem. Saber que eles se amavam, saber que o meu pai não a enganou e que me amou o suficiente para me trazer para cá... – As lágrimas rolavam pelo rosto dela. – Isso me deixa feliz. Como posso ignorar o fato de que eles se amavam tanto que se arriscaram, sabendo que seriam infelizes pelo resto da vida? Zohra esperou que ele pronunciasse alguma coisa. O silêncio de Ayaan foi a resposta que ela teve, uma resposta que ela não queria ouvir. Ela passou os dedos sobre o queixo de Ayaan, sobre o seu rosto, sobre a cicatriz em sua sobrancelha, enquanto o medo lhe invadia o coração.
– Você me contou que, depois que o seu pai foi embora, a sua mãe nunca mais sorriu ou olhou para outro homem. Disse que algo parecia ter se quebrado dentro dela. Mas ele seguiu com sua vida, casou, começou a formar uma família... Zohra olhou para ele, pressentindo que o chão onde pisava iria se abrir sob seus pés. – Não foi você quem assegurou que compreendia a necessidade de sacrificar os próprios filhos em nome do dever? O meu pai cumpriu seu dever, mas também se permitiu amar. Ele se arriscou e encontrou a felicidade, ainda que fosse por tempo limitado. – Ele arruinou o resto da vida dela em nome do amor. Fez com que você pagasse o preço. – Os dois pagaram o preço, Ayaan. Foi uma decisão que eles tomaram juntos. – Zohra tentou controlar o arrepio gelado que lhe descia pelo corpo. – Você não concorda comigo? – Não. Mas o que eu penso não importa, não é, Zohra? O importante é o que você pensa – falou ele, como se tentasse tomar fôlego para continuar, acariciando o rosto dela com desespero. – O que importa é que você é exatamente igual à sua mãe. Você tem um espírito iluminado e o maior coração que eu já vi. Ela deveria ter ficado lisonjeada e feliz com o que ele dizia, mas não ficou. A tensão que havia na voz dele só aumentava a sensação de que algo estava muito errado. – Mas eu não sou como o rei Salim. Eu não vou condená-la a uma vida infeliz. Ela ficou sem fôlego e perdeu o chão, mas se forçou a fazer a pergunta que a estava corroendo por dentro. – O que você quer dizer? Ayaan recuou, e ela se aproximou dele. – Responda à minha pergunta. – Você merece um homem melhor, Zohra. Você precisa de um homem que a ame, que lhe dê valor, não de um homem que irá usá-la e, no dia seguinte, expô-la às suas inseguranças. – Eram as palavras mais difíceis que ele já tinha dito. – Eu não faço nada além de tirar de você, não tenho nada para lhe dar. Ela ficou tão furiosa, que a sua raiva vibrava entre os dois com a mesma intensidade com que o desejo se espalhava à volta dos dois. – Por que você não vê o que já me deu? Honra, respeito. Você é a minha força, Ayaan. Eu desperdicei 13 anos da minha vida dentro de uma nuvem escura, cheia de ressentimento e de sofrimento. Quando eu olho para você, sinto vergonha. Eu vejo a sua força, o seu senso de dever, a sua honra, e penso que é assim que quero ser. Você jamais se queixou do seu sofrimento. A cada dia tenta se superar física e mentalmente. Não importa se você congelou durante um ataque, quando mal saíra da adolescência. Já provou quem é centenas de vezes. Isso não é suficiente? – Eu não duvido da minha força ou da minha lucidez, Zohra. – Ele estava admirado por ela ser tão perceptiva, mas já se esforçara tantas vezes para provar a si mesmo que valia alguma coisa, que chegara ao limite das suas forças. Saíra vitorioso, mas não preenchera o vazio que sentia por dentro e, diante da força que Zohra demonstrava em relação à culpa que ele sentia, isso de nada adiantara. – O problema é o que eu não posso lhe dar, ya habibati. – Você não tem o direito de me chamar assim – protestou ela. – Eu ainda consigo ouvir seus gemidos de prazer: vou chamá-la do jeito que quiser. Apesar dos olhos cheios de lágrimas, Zohra tremeu de raiva.
– Não, se você pretende romper os votos que fez no casamento, não, se me banir da sua vida. Você não vai me tocar e nunca mais vai dizer o meu nome, Ayaan. Está preparado para isso? Ele não suportava vê-la tão furiosa e abalada. – Eu estou fazendo isso pelo seu bem, Zohra. – Não ouse dizer isso a si mesmo. Você está fazendo por você mesmo, para satisfazer a culpa com que resolveu viver. E, então, o que vai acontecer agora? – Você ficará em Siyaad por tempo indeterminado. A sua família precisa de você. Ninguém estranhará a sua ausência em Dahaar. Quando chegar a hora, eu vou anunciar que estamos separados e que a culpa foi minha. As lágrimas escorriam pelo rosto de Zohra. A revolta transformava seus belos olhos castanhos em pedra. – E o poder de tomar essa decisão é somente seu? – Existe algo quebrado dentro de mim, Zohra. Eu só queria me perder em você, ouvi-la dizendo o meu nome, mas... – Ele esfregou a nuca, tentando encontrar palavras adequadas. – Isso sempre será seguido pelo vazio, pelo autodesprezo que eu não posso controlar. Depois de algum tempo, você também vai entrar nesse círculo vicioso, e eu vou estragar tudo de bom e de bonito que você tem. Ela o abraçou pela cintura, e ele viu a angústia em seus olhos. Mas, pelo bem dela, ele precisava ser implacável. – Você superou tantos obstáculos e lutou tanto para se tornar o homem que é hoje, para ser o príncipe herdeiro que Dahaar precisa. Você podia lutar contra esse último demônio, pela mulher que o ama com todas as forças do seu coração, com... Ayaan calou-a, colocando o dedo sobre seus lábios, mas não antes que as palavras que ela proferira o atingissem com a força de uma explosão. O tempo parecia ter parado naquele minuto. Ele olhou para os lindos olhos dela e se questionou como pudera ter sido tão cego. O amor e a aceitação que via neles o atingiram como um soco. Zohra afastou a mão dele, tremendo. – A verdade, lembra? A verdade não muda por não querermos ouvi-la. Eu amo você. Seja qual for a sua luta, lutaremos juntos... – Eu não posso lutar, Zohra. Isso é mais forte que eu. Ela bateu no peito dele, tremendo de raiva. – Não é que você não possa, Ayaan. Você não quer lutar. – Você acha que eu quero ser um homem assombrado pelo passado, para sempre, e... – Sim, você quer. – As palavras dela ecoaram nas paredes. – Você se julgou, se condenou e aceitou isso como seu castigo. Desde que eu o conheço, nunca o vi se rebelar ou se ressentir. Você se ressente do fato de não poder vencer, mas não do por quê. Você não pode nos dar uma chance porque não acha justo ser feliz, porque os seus irmãos estão mortos, correto? Se não pode ver isso, se quer viver o resto da sua vida paralisado pela culpa, então, você tem razão. Você nunca será capaz de me amar e não merece o meu amor. Ayaan ficou ali, paralisado, sem piscar, enquanto Zohra enxugava as lágrimas e saía da suíte, saía da sua vida da mesma maneira que entrara, abalando a base de tudo que o sustentava. Ela estava apaixonada por ele. Aquela mulher maravilhosa e incrivelmente forte o amava. Mesmo com o coração partido, atordoado, Ayaan percebia o valor das palavras que ela declarara.
De tudo que ela argumentara, ele só teve certeza de uma coisa. Ele já estava perdidamente apaixonado por Zohra. Ayaan não ficou chocado ou surpreso ao perceber isso. Simplesmente estava. Se não tivesse se apaixonado por ela, talvez tivessem podido viver juntos. Uma vida sem complicações emocionais, livre de paixão, uma vida ditada pelo dever e pelo respeito mútuo. Mas o amor que corria em suas veias fazia com que ele questionasse tudo o que era e o que não era, e quisesse ser um homem melhor para ela. Ele sentiu os joelhos tremerem e se sentou no sofá. Ainda sentia o perfume de Zohra no ar, aprofundando o vazio em seu peito. Ele achara já ter passado pelo pior em sua vida, mas estivera enganado. Nada poderia ser pior que o vazio doloroso que sentia no peito. Nunca mais veria os olhos de Zohra, nunca mais ouviria sua risada, nunca mais sentiria suas carícias.
CAPÍTULO 13
O PROFUNDO silêncio do deserto se insinuava na cabeça de Ayaan e enfiava as garras em suas costas. Ele tentou pensar em Zohra rindo para ele, desafiando-o, amando-o, o que foi suficiente para amenizar o medo, mas não para eliminá-lo. Poderia ter deixado aquele problema para a sua equipe de segurança, mas não conseguira se livrar do estranho pressentimento: havia algo naquele homem, que o incomodava profundamente. Imran levara um mês seguindo os rastros das fontes mais recentes de informações a respeito dos terroristas, e chegara ao mesmo homem que lhes dera informações nas duas primeiras vezes, mas não o encontrara. Isso queria dizer que o homem encobrira seus rastros. Imediatamente, Ayaan percebera que havia algo de errado. E levara mais duas semanas para que seus homens descobrissem o destino do homem, duas semanas infernais, em que a falta que ele sentia de Zohra se tornara uma companhia constante. Ayaan ouviu o ruído de uma respiração pesada e o som de passos sobre o cascalho, que ele não teria ouvido se o homem não tivesse tropeçado, e pulou do lugar onde estava, abaixado atrás da tenda. Ele mal teve tempo de respirar, e um soco já lhe acertava o queixo. Estremecendo de dor, ele devolveu o golpe e empurrou o homem para o chão, prendendo-o sob o seu peso. A claridade da lua iluminou um rosto que ele conhecia tão bem quanto o seu. Ayaan ficou gelado, começou a tremer e se deixou cair na areia do deserto. As lágrimas obstruíam sua garganta, o seu coração parecia ter parado e estava tão contraído, que ameaçava explodir. Sua cabeça fora paralisada pelo choque. Ele estava olhando para o homem que adorara durante toda a vida, o homem a quem ele admirava mais do que o pai, o homem que lhe ensinara tudo que ele sabia. O homem que caíra diante dele há 5 anos, quando ele congelara como um covarde. O vento do deserto soprava em torno deles, enquanto ele sentia o coração recomeçar a bater. Sua surpresa deu lugar a uma alegria que ele nunca tinha sentido. Seu irmão, o verdadeiro príncipe herdeiro de Dahaar, estava vivo.
AYAAN DISPENSOU o segurança postado na porta do seu escritório, na ala principal do palácio, fechou a porta e esfregou os olhos. Sua cabeça latejava como se alguém a tivesse martelado incansavelmente. Estava acordado há 48 horas e, na véspera, quando sua mãe começara a chorar novamente, desesperada, ele começara a sentir uma contração intermitente por detrás do olho esquerdo. Ayaan sabia que o período mais difícil da sua vida estava apenas começando. O fato de ele ter dado as costas à única mulher que poderia lhe trazer um pouco de alívio, que teria compreendido o seu sofrimento, que era a única luz em sua vida, provocava um sabor amargo em sua boca. Desde que ele voltara para Dahaar, há dois dias, as horas lhe pareciam intermináveis, as providências que ele precisava tomar eram infindáveis, a ponto de ele pensar que iria sucumbir sob seu peso. Ele mantivera a imagem de Zohra diante de seus olhos durante todo esse tempo, tirara força do seu sorriso caloroso e se escudara na sua crença de que ele era capaz de vencer qualquer coisa. Ele se vergara, mas não quebrara. Agora, estava física e mentalmente exausto e ansiava por vê-la, por abraçá-la e por compartilhar sua dor com ela. Ya Allah, ele daria tudo para poder abraçá-la. Ele se afastou da porta, atravessou a antessala e entrou no escritório. E, como se ele a tivesse conjurado através da sua ânsia e da sua saudade, ali estava ela, caminhando pela sala. Ayaan ficou paralisado e sentiu a emoção obstruir sua garganta. Ele deveria ter dito o seu nome em voz alta, porque Zohra correu em sua direção, abraçou-o com força, recuou e olhou para ele com um olhar ansioso. – Eu soube da novidade... Ele... Ele está... – Ela franziu a testa. – Como você está se sentindo? Você parece... exausto. Tomado por emoções conflitantes, a mais forte, a necessidade de abraçá-la, ele respirou profundamente para absorver o seu perfume. Até que ela falasse, ele não tinha percebido como era bom que alguém perguntasse, que alguém se interessasse pelo seu estado mental. Claro que os pais dele se interessavam, mas, naquele instante, eles precisavam mais dele do que ele precisava dos pais. Zohra estava vestindo uma elegante calça cinza e uma blusa de seda azul. A delicada curva do seu pescoço, a veia pulsando em sua garganta, o contorno teimoso do seu queixo, o seu nariz arrogante... Ele estava louco para vê-la. Ayaan sacudiu a cabeça e tentou se concentrar no que o incomodara no que ela mencionara. – Só quatro pessoas sabem que ele está vivo. – Khaleef me contou. E, antes que você descarregue a sua ira sobre ele, lembre-se disso, Ayaan. – Ao dizer o nome dele, a voz dela tremeu, mas Zohra ergueu o queixo e injetou firmeza nas palavras. – Eu me preocupo com Dahaar, com o rei e a rainha. Tenho direito a essa informação. Apesar de ter ido e voltado do inferno durante aqueles dois dias, Ayaan sorriu. E, naquele instante, ele viu o que fora cego demais para perceber. Aquela mulher linda e maravilhosa era uma dádiva que ele tinha recebido e que não conseguira aceitar por causa da sua covardia. – Você já acabou, ya habibati?
– Não. Você também não pode me mandar de volta para Siyaad – falou ela com uma segurança que não dava lugar a discussões, mas os punhos cerrados ao lado do corpo a entregavam. – Eu me recuso a me esconder e lamber minhas feridas, como fiz durante muito tempo. Eu me recuso a deixar que alguém decida o meu destino e que resolva o que eu mereço e o que eu não mereço. Quer você me queira ou não, eu sou sua esposa. Tenho o direito de morar em Dahaar e de aprender tudo que for preciso para ser rainha de Dahaar. Tenho o direito de ter o amor de seus pais. Eu conquistei o meu lugar, Ayaan. Se você não aguenta olhar para mim, o problema é seu, mas, se você tentar me mandar de volta, eu vou lhe mostrar do que uma princesa de Siyaad é feita. Aquela tinha sido a cena mais magnífica que ele já tinha presenciado. O coração de Ayaan batia sonoramente. Ele se aproximou e passou os dedos no pescoço de Zohra. – Agravando meus pesadelos, Zohra? A determinação que havia nos olhos dela se apagou e deu lugar a uma mágoa que o atingiu profundamente. – Se é assim que você me vê... Mas eu jamais quis ser a causa dos seus... – Shh... Eu quis dizer que seria uma tortura estar perto de você e não tocá-la, não abraçá-la. – Ele a puxou e segurou-a pela cintura. – Quando você está perto, tudo o que eu sinto é uma alegria que nunca tinha sentido. Como pode achar que você me causa sofrimento? – Se você me deixar mais uma vez, eu me mato, Ayaan. Era apenas força de expressão, mas ele percebeu a dor nas palavras. – Shh... – Ele passou a mão em suas costas, mais para se acalmar do que a ela. Ela parecia tão frágil, mas, por dentro, aquela mulher com quem ele tivera a sorte de se casar e que tivera a temeridade de se apaixonar por ele, tinha um espírito de aço e um coração tão grande quanto o deserto. Ele passaria o resto da vida amando-a como ela merecia ser amada. Ayaan encostou a testa na dela. – Você trouxe luz à minha vida. Se não fosse você... – Ele estremeceu e deixou que a tristeza que estivera contendo desde o momento em que vira seu irmão explodisse, deixou que as lágrimas escorressem por seu rosto. Zohra abraçou-o com carinho e com força. Tudo que ela lhe dava era uma dádiva. – Ayaan? – Eu vi o que é realmente ser destruído, Zohra. Zohra sentiu a emoção lhe abafar a garganta. Segurou-o pelo queixo e o fez erguer o rosto. O medo a arrepiava. Mesmo em seus piores instantes, quando ele estava se afogando em pesadelos, ela nunca o ouvira falar com tamanho desespero. – Seja lá o que for, nós vamos enfrentar juntos. – Você já me salvou, ya habibati. Eu era muito teimoso, muito cego para ver, mas ele... Não há nada dentro dele, Zohra. – Seu irmão? – Se os olhos são as janelas da alma, ele não tem mais alma. – Ele a abraçou com tanta força que ameaçava quebrá-la. Zohra ficou na ponta dos pés e deixou que ele absorvesse o que quisesse dela. – Eu fiquei com tanto medo, Ayaan. Khaleef revelou que ele estava em péssimas condições. O meu coração se encolheu de pavor. Eu pensei que, se você o visse desse jeito, poderia...
– Pensou que eu iria me deixar dominar pela culpa de novo? Aconteceu. Dói tanto vê-lo daquele jeito... Mas o pior é não saber há quanto tempo ele tem consciência da sua identidade e tem estado se escondendo. Se eu não tivesse seguido um palpite, jamais saberíamos que ele estava vivo. Ele não quer ficar aqui. Mesmo no estado em que está, foi preciso que eu juntasse a minha força à de Khaleef para trazê-lo conosco. E a minha mãe, Ya Allah... – Como ela está? Ayaan sorriu e beijou-a, com os olhos cheios de tristeza. – Ele se recusa a vê-la e ao meu pai. Garantiu que vai enfiar uma bala na cabeça se eu levá-la até ele. Zohra estremeceu e franziu a testa. – Você acha que ele faria isso? – Ele pode estar ou não blefando, mas sabe que eu não iria me arriscar a contrariá-lo. Ele admitiu que quer ficar livre da família, que não quer ter nada a ver conosco. Se eu fiquei louco, ele... Ele se tornou vazio. Talvez a minha loucura tenha me protegido do pior. Ele falou com tanta raiva, que Zohra se assustou. Para ele, a família, o dever e o país sempre tinham vindo em primeiro lugar. – Pela primeira vez na vida, eu desejaria poder me afastar de tudo isso, levá-la para longe e lhe dar uma vida livre dos meus demônios, livre de deveres... Tudo que eu quero é provar o amor que sinto por você, mas só vejo mais tristeza e sofrimento no futuro. Se você me deixar... Se você for embora, eu vou ficar igual a ele. E eu não quero isso, Zohra. Quero viver com você, quero rir com você, quero agarrar a felicidade que você me dá. Se você não for embora esta noite, não tem volta, ya habibati. Nunca mais vou deixá-la partir, mesmo que você me implore. Ele segurou o rosto dela. Nos olhos dele brilhava tudo que ela sempre quisera ver ao olhar para ele, sua dor, sua honra, seu amor. Isso era tudo que ela queria. – Eu amo você, Zohra. Você tinha razão. Eu deixei que a culpa contaminasse tudo que eu sentia por você e que encontrava em você. Mas isso acabou, ya habibati. Eu, você, a nossa felicidade, eu não vou deixar que nada estrague isso. Sabendo de tudo que nos espera, você ainda me aceita, Zohra? Zohra beijou-o e se derreteu em seus braços, sentindo a alegria invadi-la. Ele a beijou com a mesma ânsia, como se nunca fosse ser o bastante. – Para mim não havia volta desde o momento em que você me beijou, defendeu-me, afirmou que a minha honra era a sua honra. Eu sempre vou amá-lo, Ayaan. Ela enterrou o rosto no ombro dele e tentou controlar a emoção. O amor que sentia por ele sempre fora grande, mas agora que ele o aceitara e que admitira a importância que ela e a felicidade dos dois tinham para ele, adquirira uma força extraordinária. Ela não deixaria que ninguém aumentasse o fardo que Ayaan carregava, nem mesmo seu irmão. Não deixaria que ninguém lhe roubasse nem um pouco de felicidade. – Você não pode desistir dele, não é? Ele também sabe disso. Seja o que for que você precisar fazer por ele ou por Dahaar, eu vou estar ao seu lado. Os olhos dele brilharam de felicidade. – Eu nunca deixarei de amá-la, Zohra. Jamais esquecerei o que você trouxe à minha vida. – E o que você trouxe à minha, Ayaan. Nunca se esqueça disso. Ele a beijou e ergueu-a do chão.
– Só há um problema, ya habibati. Eu ainda acho que você não deve dormir comigo. Não quero acordar, um dia, e ver que a machuquei. Eu não suportaria. Zohra apoiou a cabeça no pescoço de Ayaan. – Eu tenho uma ótima ideia para resolver esse problema, Ayaan. Que tal se o algemarmos, todas as noites, antes de você dormir? Desse jeito, eu não saio machucada, e você fica... Ayaan riu e ficou arrepiado ao ver o olhar malicioso nos olhos da esposa. A culpa e a dor sempre fariam parte dele, mas, enquanto Zohra estivesse ao seu lado, ele conseguiria controlálas. Porque ele também teria o gosto da felicidade. – Princesa, o seu desejo é uma ordem.
ACORDO ULTRAJANTE Sharon Kendrick
Ele percebeu sua decepção ao caminharem pela grama banhada pela lua e disse a si mesmo que agia bem. Havia milhões de mulheres com quem podia transar. Melhor manter-se afastado da meiga e sensível garçonete. Chegaram ao hotel, e ela abriu um sorriso sem jeito. – Preciso pegar minha bolsa. Então, melhor nos despedirmos. Obrigada pelo refrigerante. Alek assentiu. – Boa noite, Ellie – disse, curvando-se com a intenção de lhe dar um beijinho no rosto, mas de algum modo isso não ocorreu. Ela tinha virado a cabeça? Ou tinha sido ele? Por isso os lábios se encontraram e deram um beijo de verdade? Ele viu quando ela arregalou os olhos. Sentiu o calor de sua respiração. Podia sentir o gosto do refrigerante, o que o fez lembrar da juventude e da inocência perdida. Teria tomado Ellie nos braços e beijado-a sofregamente por puro reflexo? Isso era tudo de que precisava. Toda sua frustração e anseio foram liberados. As mãos buscaram famintas o corpo dela enquanto a encostava contra um muro. Gemeu ao sentir a maciez de sua barriga e teve vontade de apertar seu membro duro contra Ellie. Expor seu estado e demonstrar como seria gostoso se ele a penetrasse. Passando a palma da mão no mamilo duro, Alek fechou os olhos. Devia enfiar a mão por baixo da saia do uniforme e descobrir se ela estava tão molhada quanto suspeitava? Descer-lhe as calcinhas e possuí-la ali mesmo? O gemido que Ellie deu em reação à pressão dos lábios foi quase o bastante para Liberar seus pensamentos mais eróticos. Quase, mas não o suficiente. A razão tomou conta de Alek e ele recuou, embora o corpo protestasse. Por alguns momentos, havia ignorado o bom senso, assim como ignorara o apelo silencioso nos olhos da jovem mulher. Porque ele não valorizava sua reputação e transaria com uma garçonete desconhecida. Vários minutos se passaram antes que ele conseguisse falar. Abanou a cabeça, incrédulo. – Isso não devia ter acontecido.
Ellie sentiu como se ele tivesse derramado água gelada em cima dela, sem saber o motivo de ele ter parado. Na certa, também tinha sentido aquela incrível química. Aquela pura magia. Nunca tinha sido beijada assim e queria continuar. Perguntou antes que pudesse impedir as palavras de saírem: – Por que não? – Porque você merece mais do que tenho a oferecer. Porque você não precisa de um homem como eu. Você é muito meiga e eu não passo de um lobo malvado. – Não acha que eu devo decidir? Ele deu um sorriso amargo. – Vá para casa, Ellie. Melhor ir embora, antes que eu mude de ideia.
464 – O SEGREDO DO SEU TOQUE – CATHY WILLIAMS Giancarlo de Vito precisa da bela Caroline para finalizar o seu plano de vingança. Porém, ela se recusa a colaborar. E Giancarlo terá de usar todo o seu poder de sedução para conseguir o que deseja. 466 – ACORDO ULTRAJANTE – SHARON KENDRICK A vida de Ellie Brooks mudou completamente depois da noite que teve com Alek Sarantos. Além de perder o emprego, ela descobriu estar grávida do poderoso magnata. Agora, quer que Alek faça da criança seu herdeiro legítimo… 467 – O REI LEGÍTIMO DE DAHAAR – TARA PAMMI Após uma decepção, o príncipe Azeez cai em desgraça. E, para ser o futuro rei de Dahaar, vai em busca da única mulher que pode ajudá-lo, a doutora Nikhat Zakhari. 468 – ALIANÇA DE TENTAÇÃO – CHANTELLE SHAW Isobel Blake está decidida a confrontar Constantin de Severino para virar de uma vez essa página de sua vida. Porém, esse reencontro despertará sentimentos há muito enterrados.
Últimos lançamentos: 461 – SALVA PELA PAIXÃO – JANE PORTER 462 – SEGREDOS DE AMANTE – LYNNE GRAHAM 463 – SALVA PELA SEDUÇÃO – JANE PORTER
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P215u Pammi, Tara O último príncipe de Dahaar [recurso eletrônico] / Tara Pammi; tradução Maria Vianna. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital Tradução de: The last prince of Dahaar Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-2019-1 (recurso eletrônico) 1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Vianna, Maria. II. Título. 15-25477
CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3
PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE LAST PRINCE OF DAHAAR Copyright © 2014 by Tara Pammi Originalmente publicado em 2014 por Mills & Boon Modern Romance Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Nova Jerusalém, 345 Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ – 21042-235 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
O ÚLTIMO PRÍNCIPE DE DAHAAR Texto de capa Teaser Querida leitora Rosto Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Próximos lançamentos Créditos